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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012 1 TELEVISANDO O FUTURO NA SALA DE AULA ACCORSI, Fernanda Amorim (UEM) 1 TERUYA, Teresa Kazuko (UEM) 2 Introdução Este trabalho analisa o Concurso Cultural do projeto “Televisando o Futuro”, da Rede Paranaense de Televisão (RPC), afiliada da Rede Globo no Paraná. Almeja contribuir com a linha de pesquisa de Educação, Mídia e Estudos Culturais, verificando qual material tem adentrado à escola para uma educação pela mídia. As discussões aqui apresentadas são parte do Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicopedagogia, Aprendizagem e Cultura – GEPAC, cadastrado ao CNPq na linha de pesquisa: Educação, mídia e estudos culturais. O “Televisando o futuro” está desde 2008 nas escolas paranaenses. O projeto é mantido pelo Grupo Paranaense de Comunicação (GRPCOM), como uma responsabilidade social. Nosso objetivo é aproximar dois campos do conhecimento: a Educação e a Comunicação, focado, portanto, no “[...] o estudo da produção, da recepção e do uso situado de variados textos, e da forma como eles estruturam as relações sociais, os valores e as noções de comunidade, o futuro e as diversas definições do eu” (GIROUX, 2011, p. 95). Concordamos com a concepção de Johnson (2010, p.48) de que as análises sobre os projetos midiáticos precisam ser cuidadosas para nos revelar “onde e como as representações públicas agem para encerrar os grupos sociais nas relações de dependência existentes e onde e como elas têm alguma tendência emancipatória” (JOHNSON, 2010, p.48). 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Especialista em Comunicação e Educação e Graduada em Jornalismo. ([email protected]) 2 . Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Pós-doutora em Educação pela Universidade de Brasília. Professora associada da Universidade Estadual de Maringá, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação. ([email protected])

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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012

1

TELEVISANDO O FUTURO NA SALA DE AULA

ACCORSI, Fernanda Amorim (UEM)1

TERUYA, Teresa Kazuko (UEM)2

Introdução

Este trabalho analisa o Concurso Cultural do projeto “Televisando o Futuro”, da

Rede Paranaense de Televisão (RPC), afiliada da Rede Globo no Paraná. Almeja

contribuir com a linha de pesquisa de Educação, Mídia e Estudos Culturais, verificando

qual material tem adentrado à escola para uma educação pela mídia. As discussões aqui

apresentadas são parte do Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicopedagogia,

Aprendizagem e Cultura – GEPAC, cadastrado ao CNPq na linha de pesquisa:

Educação, mídia e estudos culturais.

O “Televisando o futuro” está desde 2008 nas escolas paranaenses. O projeto é

mantido pelo Grupo Paranaense de Comunicação (GRPCOM), como uma

responsabilidade social. Nosso objetivo é aproximar dois campos do conhecimento: a

Educação e a Comunicação, focado, portanto, no “[...] o estudo da produção, da

recepção e do uso situado de variados textos, e da forma como eles estruturam as

relações sociais, os valores e as noções de comunidade, o futuro e as diversas definições

do eu” (GIROUX, 2011, p. 95).

Concordamos com a concepção de Johnson (2010, p.48) de que as análises sobre

os projetos midiáticos precisam ser cuidadosas para nos revelar “onde e como as

representações públicas agem para encerrar os grupos sociais nas relações de

dependência existentes e onde e como elas têm alguma tendência emancipatória”

(JOHNSON, 2010, p.48).

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Especialista em Comunicação e Educação e Graduada em Jornalismo. ([email protected]) 2. Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Pós-doutora em Educação pela Universidade de Brasília. Professora associada da Universidade Estadual de Maringá, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação. ([email protected])

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A aproximação entre as áreas de Educação e Comunicação, proposta do

“Televisando o futuro”, é pertinente se realizada de duas formas apontadas por Belloni

(2009, p. 11), uma como ferramenta pedagógica e outra como objeto de estudo. Assim é

possível que os objetivos dessa iniciativa contribuam para formar socialmente os

indivíduos. Os recursos midiáticos têm adentrado cada vez mais o espaço escolar, tanto

nas salas de aula como apoio pedagógico quanto no trabalho docente. As mídias podem

ser um instrumento de estudos e também fontes de pesquisas para a produção

acadêmica.

A televisão educativa se apresenta como uma escola paralela, atuando, diz a

autora, como “professora, como conselheira e, provavelmente como companheira”, sem

mediação ou leitura crítica, os “ensinamentos” apresentados pelo referido meio de

comunicação são absorvidos e internalizados, o que de fato interfere na formação do

sujeito. Os meios de comunicação têm em si aspectos de fascinação, deslumbram os

espectadores com um conteúdo midiático, propiciando o desligamento do sujeito da

“realidade física e socioafetiva”, como diz a autora. Ele passa a “vivenciar” uma história

virtual, muitas vezes nada tem a ver com sua realidade vivida dia a dia. Para a autora,

quanto mais forte o elo entre o espectador e a mídia, maior é o índice de dependência,

especialmente das crianças que ficam encantadas com tudo que vêem. Elas diminuem os

horários de socialização e/ou realização de outras tarefas pela facilidade e fascinação de

ficar em frente ao televisor ou monitor.

As mídias de massa são administradas pela elite brasileira e estrangeira que

disseminam padrões de estética conveniente ao sistema e manipulam as pessoas

vulneráveis aos seus apelos de consumo. “O poder da mídia no processo de produção do

universo simbólico garante a manutenção e legitimação da cultura idealizada pelos

grandes grupos econômicos”, afirma Teruya (2006, p.56). As pessoas que possuem um

comportamento passivo em relação à recepção das mensagens midiáticas, especialmente

da televisão, aceitam o pensamento hegemônico como verdadeiro.

A relevância de um olhar crítico sobre o conteúdo da mídia está presente na

dinâmica escolar, que se associa a uma postura inovadora do/a professor/a ao atuar

como mediador/a. Para atender às novas exigências para a docência, não basta ser

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transmissor do saber, mas ser um produtor cultural e um intelectual comprometido com

as atividades inconclusas da educação formal. (GIROUX, 2011).

“Televisar” o futuro?

O “Televisando o futuro” conta com apoio de Secretarias Municipais de

Educação de 38 cidades paranaenses3 e Instituições de Ensino Superior4 conveniadas

para sua realização, que consiste em estimular as escolas inscritas a trabalharem as

reportagens exibidas pela emissora sobre temas centrais como “Educação e família”,

“Escolha consciente & escolha inteligente” e “Educação ambiental” com os alunos.

A proposta prevê que as crianças e adolescentes, depois de assistirem às

reportagens, levem as temáticas para discussão com a família e em seguida as devolvam

à sala de aula para uma nova discussão. Por fim, são realizadas atividades em classe

para se enquadrarem nas categorias expostas pelo regulamento do Concurso: Ilustrador

Mirim, Cartunista Mirim, Redator Júnior, Repórter Teen e Professor Transformador.

Para a realização das atividades, os professores envolvidos passam por formação

específica oferecida pelo GRPCOM. O Concurso ocorre em três níveis: municipal,

regional e estadual. O professor interessado em apropriar-se das reportagens para

participar do concurso conta com formação presencial e a distância, uma lista de

referências bibliográficas sobre mídia e educação para a leitura e artigos sobre a

temática geral.

O tema central das reportagens referentes ao projeto e das atividades realizadas

pelas crianças que participam do Concurso de 2012 é “A cultura da paz”. Em uma das

reportagens exibidas pela emissora, em um dos três telejornais diários, tratava sobre “a 3 Apucarana, Arapongas, Cambé, Campo Mourão, Carambeí, Cascavel, Castro, Cianorte, Corbélia, Cornélio Procópio, Foz do Iguaçu, Francisco Beltrão, Goioerê, Guaíra, Guarapuava, Irati Ivatuba, Laranjeiras do Sul, Loanda, Londrina, Mandaguari, Marechal C. Rondom, Marialva, Maringá, Medianeira, Nova Esperança, Palmeira, Paranavaí, Pato Branco, Pinhão, Ponta Grossa, São Miguel do Iguaçu, Sarandi, Telêmaco Borba,Tibagi, Toledo, Umuarama, União da Vitória. Disponível em http://redeglobo.globo.com/rpctv/televisandoofuturo/noticia/2012/02/saiba-quem-sao-os-parceiros-do-televisando-o-futuro.html. Acesso em 17 de abril de 2012. 4UDC, FAG, UNIPAR, UNOPAR, UEPG, FACULDADE GUAIRACÁ,FAFI,CESUMAR,UNICENTRO. Disponível em http://redeglobo.globo.com/rpctv/televisandoofuturo/noticia/2012/02/saiba-quem-sao-os-parceiros-do-televisando-o-futuro.html. Acesso em 17 de abril de 2012.

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cultura da paz moldada em papel”, como definiu a apresentadora do telejornal. Na

matéria jornalística, uma descendente japonesa, há pouco tempo no Brasil, é

mencionada como voluntária e ensina uma turma de 4ª série a produzir origamis –

dobraduras da cultura japonesa em forma de animais. A notícia aponta que a prática

incentiva a concentração dos alunos e também colabora com o respeito ao próximo, já

que, segundo a notícia, durante a experiência, as crianças conhecem um pouco de outro

idioma e acessam outras culturas, que não as suas.

Em uma segunda reportagem de março de 2012 é exibida a iniciativa de uma

escola que “em favor da paz” colou cartazes pelo pátio e fez uma apresentação de coral

e poesias sobre o assunto. Na matéria de menos de um minuto, representantes da escola

afirmam que foi um dia todo voltado para a temática, cuja função é ajudar a combater a

violência e fazer da escola um lugar pacífico. Para realizar o trabalho de mediação entre

a mídia e os alunos, os professores dispõem, como já foi dito, de sugestões de leitura,

que defendem uma postura do educador democrático, sobretudo promotor de vozes

sociais.

Deste modo, tal prática pedagógica se opõe ao tecnicismo, paradigma

educacional positivista, cujos princípios se baseiam em produtividade e eficácia, em que

o foco do ensino não está na construção do saber, mas na reprodução do conhecimento,

política que nada tem a ver com a esfera de mídia-educação. O professor, neste cenário,

atua como mediador do conteúdo da mídia, para que ele não dissemine sua ideologia na

escola, mas para que seja um ponto de partida para a transformação social. Percebemos

então a relevância do papel do professor nesta intervenção entre a mídia e os alunos. “O

papel da televisão no processo de socialização será mais ou menos determinante

segundo as diferentes formas de relação das crianças com o meio, a maior ou menor

importância da ação dos outros atores, e o acesso a outras referências culturais.”

(BELLONI, 2009, p. 35).

Logo, se os jovens têm referências além daquelas exibidas pela TV, ele se torna

capaz de perceber que o conteúdo televisivo não é o único padrão existente na

sociedade, considerando que nem tudo que está na tela é real ou retrato da realidade.

Quando ocorre o acesso a outras referências, ele pode elaborar suas próprias concepções

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de mundo. O professor munido de olhar crítico é, portanto, a outra referência para o

aluno além daquelas expostas pela TV.

O Concurso “Televisando o futuro” tem um potencial pedagógico ao trazer a

temática “a cultura da paz” nas escolas, por isso, ressaltamos a importância social do

tema, porque a violência entre os jovens, diz Beloni (2009), está banalizada pelos meios

de comunicação. As imagens de crimes e relatos de conflitos reais são partes de suas

rotinas, aparecem como signo de coragem e não desencadeiam nenhum tipo de

perplexidade ou espanto. A autora ressalta que a não violência significa a falta de

coragem e está relacionada ao “signo de covardia e caminho para a derrota e a

frustração”. (p.38). A mídia-educação, portanto, é um campo de intervenção que se

realiza por meio do projeto “Televisando o Futuro”, promovendo o debate sobre a

“Cultura da Paz” dentro da escola e oferecendo suporte aos professores para o

enfrentamento da realidade.

Um dos artigos disponibilizados aos professores no site do projeto foi escrito

pela coordenadora técnica da ONG “Não Violência Brasil”, Adriana Araújo Bini, em

que ela explica a cultura da paz de Gandhi e a origem da palavra violência. Em

determinado trecho do texto, ela expõe que ser pacífico não é ser passivo, bem como tal

ato não isenta qualquer indivíduo dos conflitos sociais, acontece sim o respeito às

diferenças, sejam elas quais forem. E são textos como este, que vão intervir na didática

do professor, foco de preocupação dos Estudos Culturais, pois atitudes como essa

colaboram com a formação de identidades.

Os textos, neste sentido, não se referem simplesmente à cultura da imprensa ou à tecnologia do livro, mas a todas aquelas formas auditivas, visuais e eletronicamente mediadas de conhecimento que têm provocado uma mudança radical na construção do conhecimento e nas formas pelas quais o conhecimento é produzido, recebido e consumido. (GIROUX, 2011, p.95).

Os conteúdos midiáticos, portanto, perpassam o espaço escolar e interferem no

processo de ensino e aprendizagem. Daí a exigência de maior atenção e o olhar crítico

para que os projetos educativos de uma emissora televisiva não sejam apenas objeto de

manipulação, conforme o desejo dos produtores de mídia.

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Mídia-educação e os Estudos Culturais

Para analisar o nosso objeto de estudo, recorremos aos Estudos Culturais. Este

referencial teórico teve origem na década de 50 do século XX como um movimento

político e cultural. Os autores dessa corrente teórica combatem a ideia de alta cultura

produzida pela elite e a baixa cultura ou popular para defenderem que todas as formas

culturais, inclusive da mídia, como “dignas de exame e crítica”. (KELLNER, 2001, p.

53). A vertente teórica ocupa-se das alterações culturais que têm ocorrido na sociedade

contemporânea. Não se configura como uma disciplina, ao contrário, enfatiza a junção

de várias disciplinas no estudo das diferentes culturas que permeiam a nossa sociedade.

Nesta vertente, todas as formas de produção cultural podem ser objetos de

estudo, pois a cultura é o entrelace das práticas sociais. “E essas práticas, por sua vez,

como uma forma comum de atividade humana: como práxis sensual humana, como

atividade através do qual homens e as mulheres fazem história”, defende Stuart Hall

(2003, p. 142). No campo da mídia, as pesquisas relacionadas a este plano teórico

estudam as identidades sociais, a cultura popular e as relações de poder (TERUYA,

2009). Propõem outro olhar sobre as narrativas midiáticas e se preocupam com os

discursos que enfatizam os problemas relativos à intolerância e ao consumo, por isso

defendem uma educação para os meios de comunicação.

Problematizar os discursos midiáticos é uma possibilidade de os indivíduos

produzirem sentido para sua subjetividade. A manipulação do conteúdo, pelo viés

informativo de uma leitura da realidade, traz consigo o aspecto comercial e industrial,

por isso é necessário educar o olhar. Esses discursos estão no espaço escolar, na prática

pedagógica. A compreensão dessa realidade exige um processo de decodificação do

discurso, a fim de formar uma geração mais crítica. Os/as professores/as deixam de ser

meros transmissores/as de conhecimento para se tornarem produtores/as de cultura.

Nesta perspectiva, a educação dos/as professores/as se modela não através de um dogma particular, mas através de práticas pedagógicas que promovem as condições para que os/as estudantes estejam criticamente atentos/as à natureza histórica e socialmente construída de seus conhecimentos e experiências num mundo extremamente cambiante de representações e valores. (GIROUX, 2011, p. 97-98).

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Na prática educativa, autores como Giroux (2011), Hall (2005), Kellner (2001) e

Silva (2010) defendem a valorização das “identidades culturais”, o respeito ao diferente,

bem como a criticidade frente às ideologias que dominam e alienam os sujeitos, atitudes

que permitem o enfrentamento das desigualdades sociais. Neste cenário, a escola não é

vista como um espaço isolado das outras esferas sociais, um exemplo disso é que cada

vez mais se percebe a presença de temáticas sociais junto às disciplinas do currículo

escolar.

Ressaltamos que a intenção deste trabalho não é questionar a pertinência ou não

da prática de aliar Comunicação e Educação, mas perceber quais são os recursos

oferecidos pelo “Televisando o Futuro” para a educação, à luz dos Estudos Culturais.

Vendo a cultura como algo incompleto, ainda em processo de construção, os Estudos

Culturais se preocupam, em especial, com “a relação entre cultura, conhecimento e

poder”. (GIROUX, 2011, p.83). Ao apresentar a temática, incluindo os métodos

didáticos e conteúdo teórico, o projeto “Televisando o futuro” tem colaborado com o

desenvolvimento da cultura escolar, e, a linguagem contribuído com a formação das

identidades sociais.

[...] os/as defensores/as dos Estudos Culturais têm fortemente argumentado que o papel da cultura da mídia, incluindo o poder dos meios de comunicação de massa, com seus massivos aparatos de representação e sua mediação do conhecimento, é central para compreender como a dinâmica do poder, do privilégio e do desejo social estrutura a vida cotidiana de uma sociedade (GIROUX, 2011, p. 87-88).

Para substanciar este assunto, partimos então para a análise do referido concurso,

com base nos autores que nos dão apoio teórico para verificar se há uma cultura da

mídia produzida nas escolas participantes do projeto, que é oriundo de um meio de

comunicação.

Outro olhar sobre o “Televisando o futuro”

São muitas as reportagens da RPC que servem como fonte para debate e

produção em sala de aula do Concurso “Televisando o futuro”. Em uma delas, exibida

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no início do mês de abril de 2012 e disponível no site da RPC dura quase quatro

minutos, contando a história de uma escola municipal de Curitiba, que virou exemplo

no quesito mudanças de hábitos, isto é, as crianças passaram, depois da implantação de

um projeto pedagógico que focava “a cultura da paz”, a dizer “por favor”, “obrigado” e

“com licença”.

Na reportagem, após observar que os alunos estavam mais agressivos, o corpo

docente, com a equipe diretiva, iniciou um trabalho para melhorar o comportamento

deles na escola. Foi então que montaram um projeto “onde se trabalha a paz, onde se

trabalha a gentileza”, como disse a diretora da referida escola em entrevista à RPC.

Livros sobre a temática da paz foram comprados, rodas de leituras foram realizadas e as

atitudes começaram a mudar em relação aos funcionários e professores da escola e

foram, posteriormente, levadas para casa.

Em nenhum momento da entrevista, os personagens disseram que a iniciativa

pela paz tem relação com o concurso cultural, eles mencionam que trabalhar a cultura

da paz é uma forma de enfrentamento da violência, realidade da escola até o início da

ação. Se para promover uma escola, a mídia exibe alunos em frente o computador, a fim

de representá-la como moderna e contemporânea, como afirma Teruya (2006, p. 89), na

reportagem mencionada a intenção pode ser sim de promoção da escola como referência

de bons modos. Portanto, a visibilidade dada a escola por meio da reportagem pode ser

uma resposta da emissora à participação da instituição no concurso, pois o regulamento

prevê que a escola deve organizar e realizar atividades sobre a temática da paz. Na

página principal do site do Concurso está a seguinte afirmação: “Inscreva-se e tenha seu

trabalho reconhecido!”.

Na relação entre a escola e a mídia, é interessante mencionar que a emissora de

“televisão é uma empresa que visa ao lucro e busca um bom negócio, o que significa

sucesso de público. Mas a garantia de audiência depende do grau de sedução e

fascinação que a tela do televisor proporciona ao telespectador”. (TERUYA, 2006, p.

57)

As reportagens retratam iniciativas de algumas escolas sobre a “cultura da paz”,

as quais são, ao mesmo tempo, exibições de iniciativas de instituições de ensino em prol

da pacificação escolar e objeto de inspiração dos alunos para o desenvolvimento das

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atividades do concurso. As questões pertinentes aqui são: a leitura crítica faz parte do

olhar do espectador? Ou as reportagens exibidas são, como afirma Teruya (2006, p. 56),

“[...] flashes de acontecimentos cotidianos informados artificialmente”?

A audiência das redes de comunicação social também não é esquecida pelo

concurso, pois professores/as e alunos/as ficam responsáveis por assistir as matérias

jornalísticas e difundir as questões abordadas em outras esferas sociais como a família.

O regulamento do concurso, disponibilizado no site da emissora, diz que serão exibidas

pelo menos cinco reportagens sobre a “Cultura da paz” na programação da RPC nos

meses de março e abril de 2012, sem horários previstos. Parece uma estratégia para

manter os/as professores/as ligados/as a esta emissora para acompanhar as reportagens,

precisam estar atentos/as à programação televisiva ou assistir às notícias no site da RPC.

Ressaltamos que a formação cidadã na escola não demanda necessariamente a

presença da mídia na educação, porque não é uma característica exclusiva da linha

metodológica de mídia-educação. A tecnologia por ela mesma não implica em

cidadania, reflexão e leitura crítica, “o cidadão é o indivíduo que tem acesso aos bens

culturais e materiais com capacidades para dominar os recursos técnicos e intelectuais”

(TERUYA, 2006, p. 103). A apropriação da mídia na educação não implica na

democratização do processo de ensino e aprendizagem ou na inclusão digital dos/as

alunos/as.

Em contrapartida, o site do Concurso “Televisando o futuro” afirma que em

2011, 508 escolas, de 22 municípios, somando 5.880 alunos e 150 professores

participaram da iniciativa. Em linhas gerais todos os indivíduos enumerados acima

consumiram as informações disponibilizadas nas reportagens e fizeram uso delas nas

suas atividades pedagógicas. Percebe-se que a informação se torna uma espécie de

mercadoria, objeto de desejo e consumo da comunidade escolar, porque apenas assim

ela pode participar do Concurso Cultural e para ganhar prêmios, tais como, câmeras

digitais e laptop e conquistar a consagração como vencedora de determinada categoria.

“A mídia tem todo um aparato para convencer as pessoas a consumirem

mercadorias, e até a informação se tornou uma coisa de consumo, uma mera

mercadoria” (2006, p. 108). Nas reportagens exibidas, as informações consumidas dão

origem ao trabalho pela “cultura da paz” e também segundo elas, têm transformado a

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realidade escolar. Neste ponto, percebemos as duas facetas da apropriação da mídia na

escola, ela pode ser simplesmente consumida pela comunidade escolar ou ponto de

partida para a transformação social.

Numa sociedade em que a violência é palco de sensacionalismo por parte dos

meios de comunicação, cujas coberturas chegam perto de esgotar fatos de crueldade e

criminalidade social, também estão famílias inteiras reféns da violência, que com medo

isolam-se em suas casas tentando evitar em suas vidas, o que de fato é mostrado pela

TV. (BUCCI; KEHL. 2004). A temática “A cultura da paz” poderia vir com um alento à

esta sociedade, porém vemos aqui uma contradição: a mesma mídia que expõe a

violência, banalizando a criminalidade, dando mais espaço aos casos policiais, vem

trazer temas tido como de responsabilidade social em prol da paz, começando pelo

espaço escolar.

Para Kellner (2001, p. 54), “[...] a cultura da mídia é também o lugar onde se

travam batalhas pelo controle da sociedade”. A televisão exibe aos espectadores a

violência como uma realidade cotidiana, e, ao mesmo tempo, oferece formas para

combatê-la, portanto, é uma cultura que se forma por meio dos fragmentos da notícia

que mostram os conflitos sociais e os projetos de soluções com chamadas para

envolvimento da população. Outra verificação de nosso estudo se refere ao envio dos

textos ou desenhos ao Concurso. Estes precisam estar anexados em “folha padrão”,

como pede o regulamento, disponível no site da emissora. No verso da folha constam os

dados dos participantes. São cinco classificados por escola que podem participar da

primeira fase, a municipal.

Constatamos nessas ações os resquícios da abordagem tecnicista da educação,

em que o/a professor/a utiliza um manual para que o aluno não seja desclassificado da

competição, caracterizando sua prática docente com a busca por comportamentos

desejados. (BEHRENS, 2005, p. 49). A autora salienta que:

A exigência de atender à tecnologia educacional levou o professor a utilizar estratégias de ensino, objetivos instrucionais, instrução programada, multimeios, módulos instrucionais, manuais, técnicas de microensino, exigindo eficiência e habilidade do professor e do planejador. (BEHRENS, 2005, p. 51).

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Outra contradição se dá aqui: de um lado os materiais pedagógicos oferecidos

pelo Concurso aos professores exigem uma postura de professor-mediador, crítico,

criativo e numa outra ponta o regulamento do concurso lapida a prática pedagógica de

forma a padronizar as experiências realizadas pelos participantes do Concurso, não

dando muitas opções metodológicas reflexivas aos envolvidos. Assim, vamos, aos

poucos, percebendo que aquilo que era familiar tornar-se estranho, uma das

características da análise pelos Estudos Culturais.

Considerações iniciais

Por meio deste breve estudo, percebemos a possibilidade dos Estudos Culturais

serem o viés teórico de professores que estão frente ao trabalho da interface Educação e

Comunicação. A pedagogia, nesta corrente, é tida como “um ato de descentramento,

uma forma de trânsito e de cruzamento de fronteiras”, um estudo não somente das

linguagens, no caso da linguagem midiática, mas também as formas e relações de poder.

(GIROUX, 2011, p. 92). O/a professor/a que adere a este campo de intervenção

pedagógica pode fazer do seu trabalho uma fonte de conquista de novos olhares do

conteúdo da mídia, mas, principalmente, novos olhares sobre a sociedade em que

estamos inseridos.

Ressaltamos a ambivalência de uma prática educacional que cause, ao mesmo

tempo, estranhamento daquilo que lhe é apresentado e uma apropriação crítica

responsável por emancipar os sujeitos daquilo que os torna refém, por meio do

pensamento reflexivo. Sem dúvida, tal ação nos remete a um grande desafio para a

educação brasileira.

REFERÊNCIAS

BELLONI, Maria Luiza. O que é mídia-educação. Campinas: Autores Associados, 2009. BEHRENS, Marilda Aparecida. O paradigma emergente e a prática pedagógica. Pertópolis: Vozes, 2005.

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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012

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