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TELMA FILIPA BATISTA GONÇALVES
www.institutovaloresmobiliarios.pt
Estudo sobre os desafios da negociação algorítmica
e de alta frequência na eficiência financeira e na
integridade do mercado – novos desenvolvimentos
regulatórios
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TELMA FILIPA BATISTA GONÇALVES
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Índice
I. Introdução ..................................................................................................................................... 4
II. PARTE A ......................................................................................................................................... 7
Os novos desenvolvimentos sobre a negociação algorítmica e de alta frequência ................................... 7
1. A negociação algorítmica e de alta frequência (HFT), um novo conceito económico e legislativo ..... 8
1.1 Do conceito económico ao conceito jurídico .......................................................................... 8
1.2 A relevância dos HFT no mercado acionista europeu ............................................................ 10
2. O debate da literatura especializada sobre os benefícios e riscos dos HFT ..................................... 13
2.1 Perspetiva teórica sobre eficiência de mercado .................................................................... 14
2.2 Perspetiva empírica ou comportamental .............................................................................. 15
2.3 Conclusões preliminares ...................................................................................................... 19
3. O desafio regulatório dos HFT sob a perspetiva de abuso de mercado .......................................... 21
3.1 As principais estratégias de negociação dos HFT ................................................................... 24
3.2 As estratégias de negociação HFT e o seu enquadramento em matéria de manipulação de mercado........................................................................................................................................... 26
3.2.1 Relatório da CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários ................................... 29
3.2.2 Relatório da Autoriteit Financiële Markten (AFM) ............................................................... 30
3.2.3 Relatório da Autorité des marchés financiers (AMF) ............................................................ 31
3.2.4 Relatório da Danish FSA ...................................................................................................... 33
3.2.5. Conclusões preliminares ..................................................................................................... 34
3.3 As estratégias de negociação HFT e o seu enquadramento em matéria de abuso de informação ....................................................................................................................................... 35
3.3.1 A deteção antecipada de liquidez ..................................................................................... 36
3.3.1.1 A deteção de ordens no mercado dos Estados Unidos ...................................................... 39
3.3.1.2 A deteção de ordens no mercado europeu ....................................................................... 41
3.3.1.3 Conclusões Preliminares .................................................................................................. 46
3.3.2 O Front-running e a co-localização ................................................................................... 48
3.4 Conclusões Preliminares ...................................................................................................... 52
III. PARTE B ................................................................................................................................... 57
Guidelines sobre os novos desenvolvimentos regulatórios .................................................................... 57
1. DMIF II e MIFIR, desenvolvimentos no nível 1 da regulamentação ................................................ 58
2. Negociação algorítmica, o processo de desenvolvimento do conceito no nível 2 de regulamentação 64
3. Para além do conceito no nível 2 de regulamentação ................................................................... 72
IV. Conclusão ................................................................................................................................ 78
V. Bibliografia................................................................................................................................... 82
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“The potential benefits [of Artificial Inteligence] are huge, since everything that
civilization has to offer is a product of human intelligence; we cannot predict what we
might achieve when this intelligence is magnified by the tools AI may provide, but the
eradication of disease and poverty are not unfathomable. Because of the great
potential of AI, it is important to research how to reap its benefits while avoiding
potential pitfalls”
Source: Research Priorities for Robust and Beneficial Artificial Intelligence: an Open
Letter
Sign by (amoung others) Stephen Hawking
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I. Introdução
A evolução tecnológica acompanha o desenvolvimento dos mercados financeiros
desde a sua criação. Na última década o surgimento da negociação algorítmica e de
alta-frequência (doravante HFT) veio fomentar o papel que o desenvolvimento
tecnológico pode desempenhar na estrutura dos mercados financeiros.
Em primeiro lugar, os HFT têm-se tornado determinantes no volume transacionado
nos mercados internacionais. Estudos para o mercado norte-americano estimam que o
volume transacionado por via de HFT represente mais de 50% do total transacionado
diariamente (Zhang, 2010), enquanto que na Europa se estima que essa percentagem
se situe, em média, por volta dos 30% (ESMA, 2014).
Em segundo lugar, o impacto proveniente das estratégias de negociação adotadas
pelos HFT sobre o mercado financeiro, em matéria de eficiência de mercado e
formação de preço, é controverso.
Por um lado, estas estratégias de negociação poderão estar associadas a uma
sobrevalorização das correlações de rendibilidade entre os ativos numa perspetiva de
curto prazo, sugerindo assim que a informação de médio e longo prazo poderá assumir
uma relevância secundária na definição das estratégias dos HFT.
De acordo com a teoria financeira, mercados caraterizados por investidores de curto
prazo tendem a apresentar um desenvolvimento menos eficiente, quando comparados
com mercados caraterizados por investidores de longo prazo, pelo facto da informação
fundamental sobre os emitentes não ser o principal fator a conduzir a formação do
preço dos instrumentos financeiros. (Froot, Scharfstein, & Stein, 1992).
Por outro lado, as vantagens associadas às estratégias em apreço poderão passar pela
harmonização dos preços dos ativos financeiros em diferentes mercados, contribuindo
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para a exploração das hipóteses de arbitragem ou pelo fomento da liquidez do
mercado.
A par da ausência de consenso ao nível teórico, no campo prático o aparecimento e a
ascensão deste novo tipo de negociação, foi acompanhado por uma série de eventos
como o flash crash nos Estados unidos em 2010, os problemas enfrentados durante os
IPO da BATS e do Facebook, e o prejuízo de 420 milhões de dólares do Knight Capital
em agosto de 2012, devido a erros derivados de negociação algorítmica.
Estes eventos, que tiverem efeitos nefastos para a confiança dos investidores no
mercado de valores mobiliários, chamaram a atenção para a necessidade de uma
análise custo-benefício subjacente a esta categoria de negociação.
Em particular o impacto que os HFT produzem na volatilidade, liquidez e, de uma
forma mais geral, na qualidade do mercado tem sido um tópico importante para os
reguladores e supervisores do mercado mobiliário, académicos e investidores.
(Gilberto, 2015)
Acresce que, a negociação conduzida pelos HFT tem sido alvo de um intenso debate,
sobre a matéria de abuso de mercado, especialmente entre os investidores norte-
americanos influenciados pelo livro Flash Boys (2014) de Michael Lewis.
O livro teve um impacto significativo e transversal a investidores e corretores, por ter
destacado as principais estratégias de negociação praticadas pelos HFT e a respetiva
suscetibilidade de serem idóneas para afetar a integridade do mercado.
Ao longo do trabalho serão destacados estudos recentemente publicado por
reguladores europeus que, sensibilizados para o tema, têm procurado estudar em
maior profundidade os seus mercados financeiros.
Assim, o presente ensaio propõe-se a analisar o impacto que a negociação algorítmica
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e de alta frequência (HFT) possui no mercado financeiro, ponderando em que medida
a afirmação desta nova forma de negociação poderá constituir um desafio para o
regulador e supervisor em matéria de abuso de mercado.
O ensaio encontra-se estruturado em duas partes. A primeira parte apresenta o
conceito económico e jurídico da negociação algorítmica e de alta frequência,
acompanhado por uma breve revisão da literatura, que destaca as principais vantagens
e desvantagens associadas às estratégias de negociação dos HFT. Para finalizar,
apresenta uma análise sobre os riscos que a negociação dos HFT poderá representar
numa perspetiva de abuso de mercado e em que medida poderá constituir um desafio
para o regulador e supervisor.
Adicionalmente, a segunda parte – numa perspetiva jurídica – oferece uma orientação
sobre os novos desenvolvimentos que a legislação europeia tem prestado a este
evento. Nomeadamente, é dado particular destaque à Diretiva 2014/65/UE, ao
Regulamento (EU) N.º 600/2014 e ao Regulamento (UE) n.º 596/2014, matéria jurídica
pioneira na apresentação do conceito jurídico desta nova forma de negociação
automatizada.
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II. PARTE A
Os novos desenvolvimentos sobre a negociação algorítmica e de alta
frequência
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1. A negociação algorítmica e de alta frequência (HFT), um novo
conceito económico e legislativo
Nos anos mais recentes a negociação em instrumentos financeiros sofreu uma
evolução tecnológica significativa. Uma nova forma de transacionar nos mercados
emergiu e transformou a forma como investidores e corretores interagem entre si.
Atualmente as ordens são transmitidas ao mercado através de computadores e
maioritariamente sem intervenção humana. A informação é transmitida por algoritmos
matemáticos que são construídos por programadores com conhecimentos avançados
de engenharia informática. Adicionalmente, à fórmula de negociação automática
juntou-se a evolução tecnológica, através da qual é possível transmitir elevadas
quantidades de informação em escassos microssegundos.
A par desta transformação, a negociação algorítmica e de alta frequência também
transformou a capacidade de leitura do mercado. Dado que as ordens são
introduzidas, modificadas e canceladas à velocidade de microssegundos, a visualização
do livro de ofertas deixou de corresponder ao “tempo real”, o que acentua a
assimetria de informação entre os diferentes participantes no mercado.
Esta nova atuação contribuiu para modificar a microestrutura do mercado,
nomeadamente no que respeita a liquidez, formação de preços e a volatilidade do
mesmo. O assunto merece destaque pela dimensão que a negociação algorítmica de
alta-frequência tem assumido no mercado europeu ao longo dos últimos anos.
1.1 Do conceito económico ao conceito jurídico
A negociação algorítmica e de alta-frequência constitui uma prática recente pelo que o
conceito exato encontra-se ainda em desenvolvimento (ESMA, 2014). Não obstante,
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admite-se que o conceito possa compreender toda a intervenção nos mercados
financeiros cuja decisão de investimento ou gestão de ordens seja efetuada por um
algoritmo matemático, com pouco ou nenhum recurso à intervenção humana.
(Gilberto, 2015)
Por técnicas de negociação de alta frequência, entende-se um sub grupo da
negociação algorítmica, especialmente caracterizada pela elevada capacidade de
transmitir informação, baixa latência – o tempo que uma mensagem leva para
atravessar os canais de transmissão das ordens de mercado – e rapidez de introdução
ou modificação de ordens.
A par dos progressos sobre o conceito económico, os novos desenvolvimentos
regulatórios sobre os mercados de instrumentos financeiros em destaque, a Diretiva
2014/65/UE (doravante “DMIF II”) e o Regulamento (EU) N.º 600/2014 (doravante
“MIFIR”) e sobre o abuso de mercado, nomeadamente o Regulamento (UE) n.º
596/2014 (doravante “MAR”), propuseram-se a estabelecer um conceito jurídico capaz
de definir esta nova forma de negociação automatizada.
Favorecendo a perspetiva regulatória em que a legislação portuguesa se insere,
apresenta-se a definição que a DMIF II prevê, nomeadamente:
Art. 4.º, n.º 1, alínea 39 – «Negociação algorítmica»: negociação em instrumentos
financeiros, em que um algoritmo informático determina automaticamente os
parâmetros individuais das ordens, tais como o eventual início da ordem, o
calendário, o preço ou a quantidade da ordem ou o modo de gestão após a sua
introdução, com pouca ou nenhuma intervenção humana. Esta definição não
inclui qualquer sistema utilizado apenas para fins de encaminhamento de ordens
para uma ou mais plataformas de negociação, para o processamento de ordens
que não envolvam a determinação de parâmetros de negociação ou para a
confirmação das ordens ou o processamento pós-negociação das transações
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executadas;
Art. 4.º, n.º 1, alínea 40 – «Técnica de negociação algorítmica de alta frequência»:
uma técnica de negociação algorítmica caraterizada por: a) Uma infraestrutura
destinada a minimizar a latência de rede e de outros tipos, incluindo pelo menos
um dos seguintes sistemas para a entrada de ordens algorítmicas: partilha de
instalações (co-location), alojamento de proximidade ou acesso eletrónico direto
de alta velocidade; b) A determinação pelo sistema da abertura, geração,
encaminhamento ou execução de ordens sem intervenção humana para as
transações ou ordens individuais; e c) Elevadas taxas de mensagens intradiárias
constituídas por ordens, ofertas de preços ou cancelamentos;
1.2 A relevância dos HFT no mercado acionista europeu
Em 2014 a European Securities and Markets Authority (“ESMA”) realizou um estudo
denominado “High-frequency trading activity in EU equity markets” (ESMA, 2014).
Dado que não existe uma metodologia consensual para a mensuração dos HFT, a
ESMA utilizou duas abordagens, a saber:
Uma abordagem direta1 que define os HFT com base no negócio primário da
empresa ou na existência de co-localização;
Uma abordagem indireta2 que utiliza padrões de negociação e ofertas para
determinar os HFT.
De uma forma global, o relatório conclui que a atividade dos HFT no mercado acionista
europeu representa entre 24% a 43% do valor total transacionado, entre 30% e 49%
do número de negócios e entre 58% e 76% do número de ofertas submetidas. Ver
tabela infra.
1 “The direct approach to identify HFT activity relies on the identification of market participants either based on - their primary business and / or - the use of services to minimise latency”. (ESMA, 2014) 2 “Indirect approaches rely on the trading and quoting patterns of market participants. Examples related to quoting patterns are identification based on the lifetime of orders, message traffic, order-to-trade ratios and HFT firm strategies.” (ESMA, 2014)
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Tabela 1 – Resultados gerais sobre o peso relativo da atividade dos HFT
Em maior detalhe, quando analisado o peso da atividade HFT por plataformas de
negociação, as diferentes abordagens de análise – direta e indireta – produzem
resultados ligeiramente distintos. Sob a abordagem direta, o maior peso detetado pela
atividade HFT é registado na plataforma BATS (“BATE”). Por sua vez, sob a abordagem
indireta, o maior peso detetado pela atividade HFT é registado, na sua maioria, pela
plataforma Turquoise (“TRQX”) e pela plataforma Irlandesa (“XDUB”).
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Tabela 2 – Resultados descriminados por plataforma de negociação sobre o peso relativo da
atividade dos HFT
Sob a abordagem indireta, a plataforma Euronext Lisbon regista um peso da
negociação algorítmica de alta frequência de cerca de 40% do valor total
transacionado, 45% do número de negócios e 65% das ofertas submetidas. Apesar de o
peso ser inferior à média das restantes plataformas, é suficientemente significativo.
Em suma, conclui-se que a atuação dos HFT é significativa no mercado europeu, em
particular é significativa no mercado da Euronext Lisbon, pelo que é importante
compreender as vantagens e desvantagens das estratégias implementadas pelos HFT e
em que medida podem constituir formas de negociação capazes de colocar em risco a
integridade do mercado. Sendo que por integridade se entende a defesa de um
mercado financeiro eficiente e transparente, que contribua para evitar a possibilidade
de arbitragem regulatória, e que assegure a proibição e a responsabilização no caso de
tentativa de abuso de mercado.
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2. O debate da literatura especializada sobre os benefícios e riscos dos
HFT
O debate em torno das vantagens e desvantagens, associadas aos efeitos da
negociação algorítmica HFT nos mercados, acentua as divergências existentes entre os
diversos agentes participantes do mercado financeiro.
Se por um lado os investidores do sell-side3 apelam às vantagens provenientes da
existência dos HFT, nomeadamente as que estão associadas ao fornecimento de
liquidez nos mercados (Hendershott & Riordan, 2009), à redução de custos de
negociação, à redução do spread bid-ask4 e à celeridade de introdução da informação
na formação do preço (e.g. price discovery5).
Por outro lado, os investidores buy-side6 parecem questionar se a atuação dos HFT
sequer assegura o respeito pela integridade do mercado. Nomeadamente, referem
que a intervenção dos HFT dificulta a leitura do livro de ofertas e por conseguinte a
introdução de ordens. Adicionalmente questionam a liquidez que dizem ser apenas
aparente (ghost-liquidity7), no sentido em que a maioria das ofertas introduzidas
3 Por sell-side entende-se os investidores cuja função maioritária nos mercados se consubstancia na criação, análise, promoção e venda dos ativos financeiros ao buy-side. Fonte: http://www.investopedia.com/terms/s/sellside.asp (consultado em 26 outubro). 4 Spread bid-ask – Diferença entre o bid (oferta de compra submetida por um determinado investidor para um determinado ativo financeiro) e o ask (oferta de venda submetida por um determinado investidor para um determinado ativo financeiro). 5 Price discovery - mecanismo de formação do preço corrente de um ativo nos mercados financeiros por via do encontro entre a procura e a oferta. 6 Por buy-side entende-se aos investidores cuja função maioritária nos mercados se consubstancia na aquisição de ativos para efeitos de gestão de carteiras, portfólios e fundos, nomeadamente casas de investimento financeiro, hedge funds, investidores institucionais e de retalho. Por hedge funds entende-se casas de investimento gestoras de fundos ou de carteiras de investimentos, que utilizam estratégias de negociação de maior risco, de modo a captarem uma rendibilidade ativa para os seus investidores. Fonte: http://www.investopedia.com/terms/b/buyside.asp (consultado em 26 outubro). 7 Por ghost-liquidity entende-se a liquidez que é observada no livro de ofertas mas que dificilmente é atingível ou concretizável. Devido à rapidez e frequência com que as ofertas dos HFT atualizam (através de modificações e cancelamentos), o livro de ofertas visível para os investidores, que apresentam uma maior latência, não representa as reais condições de mercado.
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raramente resultam nos negócios que seriam de esperar perante as condições
momentaneamente visíveis no livro de ofertas.
O impacto que diferentes estratégias de negociação, usualmente associadas aos HFT,
poderão ter na qualidade do mercado, pode ser estudado através de, pelo menos,
duas metodologias. Em primeiro lugar, a qualidade de mercado pode ser considerada
através de uma perspetiva teórica, que assenta na hipótese de eficiência de mercado
(EMH), ou numa perspetiva empírica (ou comportamental) que mede o impacto na
volatilidade.
2.1 Perspetiva teórica sobre eficiência de mercado
A EMH defendida por Fama (1970) prevê que em qualquer momento, num mercado
líquido, a cotação reflete a totalidade da informação disponível. Segundo o autor, a
hipótese verifica-se de acordo com três graus, fraco, semi-forte e forte, que se
diferenciam pela forma de inclusão da informação não-pública na cotação dos ativos.8
Neste cenário afirma-se que é impossível para um investidor superar o mercado, ou
seja seria impossível para o mesmo nível de risco um investidor ter maior rendibilidade
face a outro investidor. Ao assumir-se que os mercados são eficientes e que a cotação
incorpora a totalidade da informação, as tentativas em superar a rendibilidade de
mercado tornam-se numa mera questão de soma-nula resultante de transferências de
recursos entre os agentes. Assim, um investidor só conseguirá obter um maior
rendimento se investir em ativos financeiros com maior risco.
8 A hipótese de mercado eficiente prevê que em qualquer momento, num mercado líquido, a cotação reflete a informação disponível de acordo com três graus, fraco, semi-forte e forte: (i) no primeiro grau o preço dos ativos reflete toda a informação pública disponível no passado; (ii) num grau semi-forte, o preço dos ativos, adicionalmente a refletir toda a informação pública disponível até ao momento, reage também à saída de nova informação de modo a incorporar na formação do preço e finalmente, (iii) o grau forte prevê que os preços dos ativos reflitam a todo o momento a informação pública e não-pública, ou seja a informação privilegiada.
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A ideia de que os HFT apresentam estratégias de negociação que privilegiam a análise
de correlações das rendibilidades intradiárias e a absorção de informação sobre os
emitentes de curto prazo em detrimento da informação de médio e longo prazo,
poderá consubstanciar-se num primeiro desafio à hipótese de eficiência de mercado.
A teoria financeira prevê que, quando os investidores transacionam uma ação de uma
empresa com base na informação fundamental desse emitente, em equilíbrio os
preços irão convergir para o respetivo valor fundamental. (Ball & Brown, 1968)
(Kothari, 2001) (Lee, 2001). Por outro lado, os HFT possuem uma posição flat9 no final
da sessão de negociação, o que implica fecharem as posições abertas durante a sessão,
frequentemente numa perspetiva pré-leilão de fecho.
Assim, daqui se pode deduzir que a atuação destes agentes poderá contribuir para
uma sobre ponderação da informação de curto prazo em detrimento da informação de
médio ou longo prazo, contribuindo para um hipotético afastamento do preço dos
ativo do seu valor fundamental, afetando a eficiência do mercado.
Assim, numa perspetiva teórica e de acordo com a hipótese de eficiência de mercado,
a atuação dos HFT poderá hipoteticamente ter um impacto negativo na formação dos
preços e consequentemente na qualidade de mercado.
2.2 Perspetiva empírica ou comportamental
Por sua vez, a literatura comportamental tem-se assumido como uma das maiores
críticas ao trabalho de Fama sob a crença na hipótese de eficiência do mercado,
demonstrando através de modelos teóricos e empíricos a existência de diversos
fenómenos a que os investidores estão sujeitos (tais como overconfidence, disposition
effect, overreaction, representative bias, information bias) que não suportam a teoria
da EMH.
9 Posição flat – Verifica-se quando uma entidade procede ao encerramento das posições longas ou curtas em instrumentos financeiros, abertas durante a sessão de negociação, antes do encerramento da mesma, e frequentemente numa perspetiva pré-leilão de fecho.
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Apesar dos estudos sobre a atuação dos HFT se encontrem ainda em propensão,
destacam-se de seguida alguns autores que têm aprofundado a matéria.
Num resultado consistente com as conclusões dos autores Froot, Scharfstein, & Stein
(1992), Zhang (2010) estimou que os HFT são responsáveis pela overreaction a notícias
sobre os fundamentos das empresas, na medida em que acentuam a tendência
momentânea da cotação.
Este resultado encontra-se em linha com a perspetiva teórica de que os HFT poderão
sobrevalorizar a informação de curto prazo e, até eventualmente, serem os
instigadores de movimentos de herding, ou seja, criarem sinais no mercado que
influenciam uma quantidade significativa de investidores a seguirem uma determinada
tendência momentânea da cotação, resultando na promoção da mesma.
O tema do overreaction a notícias conduz necessariamente à preocupação com o tema
da volatilidade, a qual assume um impacto importante na vida dos mercados
financeiros.
Segundo os autores Bershova e Rakhlin (2013) as estratégias de negociação HFT estão
positivamente correlacionadas com o aumento de volatilidade de curto prazo e
ocorrem em momentos de maior incerteza no mercado (Zhang, 2010), sendo
potencialmente indesejáveis para ambos investidores e empresas (Bushee & Noe,
2000).
Na presença de maior volatilidade é racional esperar que os investidores mais avessos
ao risco exijam um prémio de rendibilidade superior para deterem os ativos,
desencadeando uma menor celeridade na reação a futuras notícias sobre os
fundamentos da empresa (Zhang, 2006). Da perspetiva da empresa, maior volatilidade
nos seus ativos poderá contribuir para aumentar a perceção de risco do emitente
responsável pelo ativo e consequentemente aumentar o custo de aquisição de capital
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por parte desta (Froot, Scharfstein, & Stein, 1992).
Não obstante, os autores Benos & Sagade (2013) enfatizam que diferentes estratégias
dos HFT necessitam de ser analisadas separadamente quanto ao seu impacto na
volatilidade.
Os autores estudaram o impacto dos HFT na qualidade do mercado do Reino Unido,
nomeadamente nas plataformas de negociação London Stock Exchange, Chi-X, BATS e
Turquoise, utilizando o método direto para a identificação dos HFT.
Metodologicamente procederam à divisão de HFT considerados passivos, que seguem
na sua maioria estratégias de market making, e os considerados agressivos, que
seguem sobretudo estratégias de arbitragem, estruturais e direcionais.10 Para o efeito
é usado o método Hasbrouck vector autoregressive (“VAR”), juntamente com uma
técnica de decomposição de variância, com o objetivo de medir o impacto que cada
grupo (HFT e não-HFT) possui na qualidade do mercado, quando estes recorrem a
estratégias agressivas.
Os autores consideram que o impacto poderá ser tendencialmente benéfico, se
contribuir para alterações no preço de forma a refletir a incorporação de nova
informação sobre os fundamentais dos ativos, efeito que denominaram por
“volatilidade desejável”. Por outro lado, o impacto poderá ser tendencialmente
prejudicial, se os preços sofrerem alterações sem que essas derivem de incorporação
de nova informação sobre os fundamentais do ativo subjacente, efeito que
denominaram por “ruído”.
Do estudo resultou que o grupo de investidores classificados como HFT são mais
eficientes para a formação do preço, na medida em que contribuem para aumentar,
em cerca de 30%, ambas as volatilidades (“desejável” e “ruído”), quando comparados
10 Uma definição mais detalhada sobre as estratégias mencionadas será explorada na secção 3.
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ao grupo alternativo dos não-HFT. Sobre o aumento da volatilidade desejável os
autores referem que poderá estar associada ao facto dos HFT transacionarem com
recurso a informação que contribui para a eficiência da formação no preço. No entanto
devido ao facto de terminarem a sessão de negociação com uma posição flat, a
inversão da estratégia contribui para transações sem recurso a informação, pelo que
contribui para aumentar o “ruído”.
Assim, os autores concluem que o impacto geral da atuação dos HFT na qualidade e
eficiência do mercado é inconclusivo. Ao nível agregado, os HFT contribuem quer para
o aumento da volatilidade desejável quer para o aumento da indesejável, pelo que
apenas ao nível do impacto marginal é possível concluir sobre o efeito final na
eficiência.
Em síntese, para obter um resultado conclusivo sobre o papel da negociação dos HFT
na volatilidade do mercado, seria necessário proceder à comparação do benefício
marginal derivado das transações com recurso a informação sobre os fundamentais,
com o custo marginal derivado das transações sem recurso a informação.
Numa perspetiva de pro-eficiência do mercado os autores Carrion (2013) e Brogaard,
Hendershott & Riordan (2013) concluem pela perspetiva contrária à anteriormente
exposta.
O primeiro autor mediu a eficiência do preço dos ativos através do desequilíbrio entre
as ofertas e o price delay, concluindo que a eficiência do mercado é superior nas
sessões onde é detetada maior agressividade dos HFT.
Por sua vez, Brogaard, Hendershott & Riordan (2013) utilizam um space model para
medir o impacto do volume transacionado dos HFT nas componentes (permanentes e
transitórias) da formação do preço. Os autores concluem que as estratégias de
negociação mais agressivas dos HFT facilitam a eficiência do preço, por transacionarem
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na direção de alterações permanentes no preço, em detrimento de alterações
transitórias, mesmo nos dias de maior volatilidade de mercado.
Por outo lado, demonstra-se empiricamente que os HFT poderão contribuir para
aumentar os custos dos participantes não-HFT.
Zhang & Riordan (2011) e Brogaard, Hendershott e Riordan (2013) concluem que as
estratégias agressivas dos HFT aumentam os custos de seleção adversa11 para os
agentes passivos não-HFT do mercado.
Hirschey (2013) and Clark-Joseph (2013) sugerem que alguns HFT que fazem uso de
estratégias agressivas, tais como antecipação de ordens (order anticipation) e
estratégias de impulso de ignição (momentum ignition), contribuem para aumentar os
custos de transação de outros investidores não-HFT e são, maioritariamente,
responsáveis pelos eventos de extrema volatilidade no mercado.
Ambos Bershova & Rakhlin (2013) e Gao & Mizrach (2013) associam os HFT a uma
volatilidade intradiária superior, mas quando em competição pelo volume de mercado,
contribuem também para redução da liquidez (Breckenfelder (2013)).
2.3 Conclusões preliminares
Em suma, constata-se que o debate académico sobre o impacto que as estratégias de
negociação HFT possam representar para a eficiência do mercado não é unânime.
No que respeita as estratégias agressivas dos HFT, as opiniões derivadas dos estudos
empíricos parecem ser concordantes no facto de que estas contribuem para o
aumento da volatilidade de uma forma geral, mas discordam sobre o impacto
11 Por seleção adversa entende-se a ocorrência de resultados indesejáveis derivados da interação entre dois (ou mais) agentes económicos, pelo facto de uma das partes envolvidas deter informação qualitativa e/ou quantitativamente superior à detida pela outra parte, resultando numa decisão/seleção com base em informação assimétrica.
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específico (benéfico ou prejudicial) que essa volatilidade possa representar na
formação dos preços.
Adicionalmente, diversos autores defendem um aumento dos custos para os
participantes não-HFT, nomeadamente aumento dos custos de seleção adversa, de
transação e até uma potencial redução da liquidez, quando existe uma competição
pelo volume de mercado.
Assim, no cerne da evolução desta literatura, é possível encontrar diversas
metodologias de trabalho empíricas que defendem resultados negativos (Zhang 2010),
inconclusivos (Benos & Sagade (2013)) ou mesmo positivos (Carrion (2013)) e
Brogaard, Hendershott & Riordan (2013)) para a formação dos preços. Já no que
respeita a literatura teórica sobre os mercados financeiros, prevê-se que os mercados
dominados por investidores que, maioritariamente, privilegiam informação de curto
prazo, poderão ser menos eficientes na formação do preço.
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3. O desafio regulatório dos HFT sob a perspetiva de abuso de mercado
É do conhecimento geral que o mercado financeiro apresenta uma importância central
no sistema económico enquanto mecanismo de transmissão de procura e oferta de
fundos financeiros.
Atualmente, o desenvolvimento significativo deste mercado tem-se traduzido num
veículo para a globalização e internacionalização das economias, ao nível
macroeconómico, e das empresas e indivíduos, ao nível microeconómico. Em detalhe,
os mercados financeiros contribuem para a angariação de capital (através do mercado
de capitais), para a transferência do risco (através do mercado de derivados) e para a
promoção do comércio internacional (através do mercado cambial e monetário)
(Avgouleas, 2010).
Assim, os investidores preocupam-se com a qualidade do mercado em que planeiam
investir. De forma a atrair investidores e a proporcionar uma cultura financeira
transparente, é importante assegurar serviços financeiros que garantam a integridade
do mercado.
Na cultura financeiro-económica é consensual admitir que o abuso de mercado é uma
das maiores ameaças ao bem-estar dos mercados financeiros. O abuso de mercado
favorece e destaca falhas como a assimetria de informação ou ineficiências na
formação do preço.
Por este motivo os reguladores e supervisores procuram promover a eficiência de
mercado, enquanto enfrentam um trade-off na promoção de um ponto ótimo da
mesma. Em geral, defendem a eficiência do mercado, definida por Fama (1970),
apenas no grau semi-forte. A ausência da promoção da eficiência no grau forte surge
pelo facto de se considerar que os custos marginais associados à assimetria de
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informação, que surgiram associados ao grau forte, seriam potencialmente muito
superiores aos benefícios marginais daí decorrentes.
Um dos principais objetos de estudo do presente ensaio é o de avaliarem em que
medida a afirmação desta nova forma de negociação pode ser um desafio para o
regulador e supervisor em matéria de abuso de mercado.
O enquadramento nacional da legislação vigente no âmbito de abuso de mercado de
valores mobiliários está previsto pelo Código de Valores Mobiliários, pelo artigo 311.º,
sobre defesa de mercado, pelo artigo 378.º, sobre abuso de informação privilegiada
(complementado pelo artigo 248º sobre informação privilegiada relativa a emitentes),
e pelo artigo 379.º sobre manipulação de mercado.
Por sua vez, o enquadramento internacional é marcado essencialmente pela seguinte
legislação12:
Regulamento (UE) nº 596/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16
de abril de 2014 (MAR), sobre o abuso de mercado;
Diretiva 2014/57/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de
2014, relativa às sanções penais aplicáveis ao abuso de informação privilegiada
e à manipulação de mercado;
Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de
2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de
mercado;
Diretiva 2003/124/CE da Comissão, de 22 de dezembro de 2003, que
estabelece as modalidades de aplicação da Diretiva 2003/6/CE, no que diz
12 Recorde-se que em junho de 2014 foram publicadas a nova Diretiva 2014/57/UE e o Regulamento (UE) nº 596/2014. Enquanto que o regulamento entrou em vigor em julho de 2016, a diretiva ainda carece de transposição.
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respeito à definição e divulgação pública de informação privilegiada e à
definição de manipulação de mercado;
Diretiva 2003/125/CE da Comissão, de 22 de dezembro de 2003, que
estabelece as modalidades de aplicação da Diretiva 2003/6/CE no que diz
respeito à apresentação imparcial de recomendações de investimento e à
divulgação de conflitos de interesses; e,
Diretiva 2004/72/CE da Comissão, de 29 de abril de 2004, relativa às
modalidades de aplicação da Diretiva 2003/6/CE, no que diz respeito às
práticas de mercado aceites, à definição da informação privilegiada em relação
aos instrumentos derivados sobre mercadorias, à elaboração de listas de
iniciados, à notificação das operações efetuadas por pessoas com
responsabilidades diretivas e à notificação das operações suspeitas.
Note-se que, o MAR, de forma a refletir o facto da negociação de instrumentos
financeiros assentar cada vez mais em procedimentos automatizados, inclui exemplos
de estratégias abusivas que podem ser realizadas também (mas não apenas) através
de negociação algorítmica e de alta frequência no conceito de manipulação de
mercado (CMVM, 2015).
Assim, o MAR acrescenta um exemplo de manipulação na alínea c) do seu n.º 2
destinado a abranger estratégias de negociação algorítmica e de alta frequência. A
novidade deste exemplo é que a estratégia é qualificada como manipuladora, não
apenas nas situações em que dela resultem indicações falsas ou enganosas quanto à
oferta ou procura dos instrumentos financeiros, mas também naqueles casos em que a
referida estratégia tenha como efeito perturbar a negociação ou dificultar a
identificação por outras pessoas de verdadeiras ordens – 12.º, n.º 2, alínea c), pontos i)
e ii).
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3.1 As principais estratégias de negociação dos HFT
As estratégias de negociação dos HFT podem ser divididas essencialmente em dois
grupos. Por um lado as estratégias passivas, do tipo market making e, por outro lado,
estratégias de negociação mais agressivas (Zhang, 2010). Na literatura encontram-se
resultados empíricos que requerem especial atenção dos reguladores.
A título de exemplo, a Securities and Exchange Commission (“SEC”), numa revisão de
literatura sobre a negociação dos HFT (2014), identificou quatro tipos de estratégias de
curto prazo frequentemente utilizadas por estes. Nomeadamente, as estratégias de
market making passivo, arbitragem, estruturais e direcionais.
A estratégia de market making passivo consubstancia-se na introdução de ofertas do
tipo passivo (maker) em detrimento de ofertas do tipo agressivo (taker). As ofertas do
tipo maker são introduzidas a preços diferentes do Best bid best offer13 (BBO) e ficam
ativas no livro de ofertas para diversos níveis de preço, contribuindo para o aumento
de liquidez. As ofertas do tipo taker têm por objetivo realizar o spread-cross14. A título
de exemplo se o BBO se situar em 1,02-1,05 (sendo 1,02 o best bid e 1,05 o best offer)
uma oferta de compra taker seria introduzida a 1,05, e uma oferta de venda taker a
1,02).
No que concerne à estratégia de market making passivo, os resultados empíricos
parecem ser consensuais nos impactos benéficos para a qualidade do mercado.
Nomeadamente ao nível de redução dos spreads efetivos, por exemplo no mercado de
13 BBO – Best bid best offer. O best bid é a melhor oferta de compra e que assume a primeira posição no livro de ofertas do lado da compra. Representa o valor mais alto a que os investidores estão dispostos a comprar. O best offer é a melhor oferta de venda e que assume a primeira posição no livro de ofertas do lado da venda. Representa o valor mais baixo a que os investidores estão dispostos a vender. Assim, o BBO é composto pelas melhores ofertas de compra e de venda. 14 Spread-cross – verifica-se quando no livro de ofertas entra uma oferta de compra em condições de ser executada, pelo menos, contra o best offer. Ou quando no livro de ofertas entra uma oferta de venda em condições de ser executada, pelo menos, contra o best bid.
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ações Holandês (Jovanovic and Menkveld, 2012) e ao nível da redução da volatilidade
de curto prazo, por exemplo no mercado Suíço (Hagstromer and Norden, 2013).
Em contraste, as estratégias agressivas como as de arbitragem, estruturais ou
direcionais (de seguida descritas) apresentam aspetos menos consensuais na
literatura, nomeadamente referente às vantagens e desvantagens para a qualidade e
eficiência do mercado.
Nomeadamente, no capítulo anterior conclui-se sobre a divergência de resultados
empíricos sobre o impacto que estas estratégias possuem na volatilidade e na liquidez
do mercado. Não obstante, parece existir uma concordância sobre o impacto nos
investidores não-HFT, nomeadamente referente aos maiores custos de seleção
adversa e de transação.
A estratégia de arbitragem procura identificar e negociar com base em divergências
existentes nos preços dos mesmos ativos em diferentes plataformas, ou com base em
divergências existentes nos preços de produtos financeiros derivados e os seus
respetivos ativos subjacentes.
Tome-se em consideração o exemplo em que o ativo “A” apresenta um BBO de 1,02€-
1,05€ num mercado regulamentado e de 1,06€-1,08€ numa plataforma de negociação
multilateral. Neste caso a estratégia de arbitragem identifica a oportunidade de
colocar uma oferta de compra no mercado regulamentado a 1,05€ e posteriormente
uma oferta de venda na plataforma multilateral a 1,06€, tendo uma mais-valia por
cada negócio de 0,01€.
A estratégia estrutural procura identificar oportunidades de negócio com base em
vulnerabilidades das plataformas de negociação devido, também, à fragmentação dos
agentes de mercados.
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Os HFT, por exemplo, procuram otimizar a distância a que se encontram dos servidores
das plataformas de negociação, com o objetivo de obterem mais-valias pelo facto de
interpretaram a informação de forma mais célere face aos restantes intervenientes no
mercado.
As estratégias direcionais geralmente envolvem a constituição de uma posição longa15
ou curta16 num determinado ativo e durante um curto espaço de tempo, por
antecipação de um futuro movimento na cotação desse ativo. De uma forma geral
reconhecem-se dois tipos de estratégias direcionais, a estratégia de antecipação de
ordens e a estratégia de “momentum ignition”.
A estratégia de antecipação de ordens procura identificar a introdução de ofertas de
elevados montantes de compra ou venda no mercado e negociar antes que estas
ofertas façam movimentar o preço no mercado.
Por sua vez, a estratégia de “momentum ignition” procura introduzir um elevado
número de ofertas com o objetivo de desencadear um movimento na cotação.
Naturalmente qualquer tentativa de manipulação do preço está prevista como um
abuso de mercado uma vez que afeta a integridade do mesmo.
3.2 As estratégias de negociação HFT e o seu enquadramento em matéria
de manipulação de mercado
Carrion (2013) e Brogaard, Hendershott, & Riordan (2013), após analisarem o mercado
NASDAQ concluíram que mais de 50% da atividade dos HFT pode ser incorporada nas
estratégias agressivas. Dados os potenciais riscos no âmbito de abuso de mercado, o
presente ensaio dá especial destaque à análise dessas estratégias.
15 Entende-se que uma entidade possui uma posição longa quando compra instrumento(s) financeiro(s) dado que se assume que possui uma expetativa de valorização desse(s) instrumento(s). 16 Entende-se que uma entidade possui uma posição curta quando vende instrumento(s) financeiro(s) dado que se assume que possui uma expetativa de desvalorização desse(s) instrumento(s).
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O documento IOSCO (2011) e o documento de consulta da ESMA (2011) destacam um
conjunto de possíveis estratégias que surgem derivadas da inovação tecnológica e que
potencialmente são suscetíveis de encobrir situações de abuso de mercado, pelo que
carecem de uma atenção especial. Recuperando as três estratégias anteriormente
referidas, nomeadamente de arbitragem, direcionais e estruturais, e com enfoque nas
primeiras duas note-se o seguinte:
A estratégia de arbitragem implementada por algoritmos de alta frequência procura
encontrar oportunidades de investimento com base em ineficiências na cotação de
ativos similares ou correlacionados.
Em teoria prevê-se que esta estratégia contribua para uma maior eficiência dos
mercados. Na prática pode consubstanciar-se na introdução de um elevado número de
ofertas nos sistemas que dificultam a identificação, por parte de outros agentes do
mercado, das ofertas genuínas. Por vezes podem inclusive e intencionalmente
exacerbar uma determinada tendência que crie a própria oportunidade de arbitragem.
Recorde-se que o artigo 12.º, n.º 2, al. c) do MAR considera que a colocação,
cancelamento ou alteração de ordens numa plataforma de negociação – por meio de
qualquer mecanismo de negociação, incluindo os meios eletrónicos, como as
estratégias de negociação algorítmica e de alta frequência – é idónea para ser
classificada como manipulação de mercado, se estas ordens:
i. Perturbarem ou atrasarem o funcionamento do sistema de negociação da
plataforma de negociação;
ii. Dificultarem a identificação por outras pessoas de ordens verdadeiras no
sistema de negociação da plataforma, nomeadamente através da
introdução de ordens que resultem na sobrecarga ou desestabilização do
livro de ofertas, ou;
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iii. Gerarem uma indicação falsa ou enganosa sobre a oferta ou a procura, ou o
preço, de um instrumento financeiro, nomeadamente através da
introdução colocação ou execução de ordens para iniciar ou exacerbar uma
tendência.
Assim, as estratégias de arbitragem poderão incorrer no risco previsto nos pontos ii) e
iii) da al. c) do n.º 2 do artigo 12.º do MAR.
As estratégias direcionais que, como visto anteriormente, envolvem a constituição de
uma posição longa ou curta num determinado ativo por antecipação de um futuro
movimento na cotação desse ativo, de uma forma geral, estão associadas a dois tipos
de estratégias, “momentum ignition” e “layering and spoofing”, que podem
consubstanciar manipulação de mercado.
A estratégia momentum ignition tem por objetivo exacerbar uma determinada
tendência na evolução da cotação, através da introdução de um número elevado de
ofertas. Estas ofertas não têm intenção de ser totalmente executadas pelo que são
responsáveis por simular uma liquidez artificial, na medida em que os outros
investidores desconhecem que as ofertas estão concentradas apenas num agente.
A atuação usualmente denominada por layering and spoofing, consiste na introdução
de várias ofertas a preços consecutivos num determinado lado do livro de ofertas, que
não têm intenção de ser executadas e que são seguidas pela submissão de uma oferta
do lado oposto do livro de ofertas, a qual reflete a verdadeira intenção de execução.
Quando esta última é executada todas as restantes ofertas são eliminadas, dado que o
principal objetivo das mesmas não era a execução mas a criação de uma tendência no
mercado.
Naturalmente, qualquer um destes exemplos de estratégias direcionais está abrangida
pela definição de manipulação de mercado, pelo menos, prevista no ponto iii) da al. c)
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do n.º 2 do artigo 12.º do MAR e no n.º 1 e 2 do artigo 379.º do CVM.
3.2.1 Relatório da CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários
A CMVM foi uma das primeiras autoridades de supervisão a nível europeu a conseguir
investigar com êxito uma estratégia manipuladora baseada em high-frequency trading
e comunicada ao Ministério Público (CMVM, 2012).
No relatório anual de 2012 a CMVM destaca uma análise realizada a um investidor
sobre um conjunto de ações durante um período de tempo alargado. No caso
investigado a CMVM concluiu que o investidor adotou reiteradamente uma estratégia
ilícita de layering, a qual é idónea para alterar as normais condições de funcionamento
do mercado – e internacionalmente reconhecida como manipulativa.
A estratégia consistiu na acumulação de ofertas de sentido contrário (e.g. de venda) à
oferta que o investidor pretendia realmente executar (e.g. compra), tendo as primeiras
um carácter fictício. As ofertas de natureza fictícia produziram uma falsa impressão de
elevadas quantidades disponíveis para transacionar, com impacto no diferencial entre
a melhor oferta de venda e a melhor oferta de compra (o designado spread BBO),
fazendo-o diminuir e aproximar o preço da melhor oferta do preço a que o investidor
realmente pretendia executar.
Imediatamente, após efetuar o negócio pretendido, o investidor iniciava um
movimento similar mas simétrico obtendo mais-valias que, individualmente
consideradas, não eram expressivas, mas considerados os múltiplos movimentos e a
atuação do investidor sobre diversos títulos de forma continuada no tempo
(caraterística comum às estratégias automatizadas, em especial de HFT) as mais-valias
tornaram-se significativas.
Recorde-se que o layering surge frequentemente associado ao spoofing, uma técnica
manipulativa que consiste em introduzir ofertas no mercado sem intenção de serem
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executadas com o objetivo de criar um falsa perceção na formação do preço e liquidez
do ativo.
Quando estas ofertas são colocadas em tão elevada quantidade que a interpretação do
livro de ofertas fica comprometida, poderemos estar na presença de quote-stuffing.
Esta prática idónea para alterar as condições de mercado e usualmente associada a
HFT, pretende inundar o mercado com ofertas “falsas” – no sentido em que não têm
intenção de ser executadas – tornando o processo de leitura do livro de ofertas
moroso, o que contribuiu para reduzir a rapidez de resposta dos seus concorrentes,
reduzindo-lhes a competitividade no mercado.
Em suma, qualquer uma das estratégias de negociação supra mencionadas são idóneas
para alterar as condições de mercado e para colocar em causa a integridade do
mesmo. Acresce que os efeitos nefastos para o mercado decorrentes destas atuações
poderão ser tão mais graves quanto maior for a rapidez e capacidade do agente de
mercado em processar e transmitir uma quantidade muito elevada de dados.
3.2.2 Relatório da Autoriteit Financiële Markten (AFM)
A Autoriteit Financiële Markten (AFM) – congénere Holandesa da CMVM – estudou um
caso de ghost-liquidity, ou seja a liquidez que existe num espaço de nanossegundos ou
microssegundos – criada pelos HFT – e que impede qualquer investidor, com maior
latência e que não utilize algoritmos ou técnicas de negociação de alta-frequência, de
ler a real informação do mercado (AFM, 2016).
Adicionalmente, a AFM entrevistou diversos investidores que referiram que
consideram que a ghost-liquidity constituiu um problema real e sério do atual mercado
financeiro, atribuindo a sua existência à atuação dos HFT.
Uma significativa parte desta ghost-liquidity é proveniente das estratégias de market-
making. Para realizarem estas estratégias os HFT enviam ofertas duplicadas – similares
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no preço e no volume – para diversas plataformas de negociação.
Sempre que as condições de mercado se alteram, ou uma destas ofertas é executada,
os HFT decidem modificar ou cancelar todas as restantes ofertas duplicadas em
múltiplas plataformas, de forma a se adaptarem às novas condições. Os HFT
argumentam que a introdução de ofertas duplicadas é essencial para assegurar o
sucesso das estratégias de market-making, por forma a evitar o risco de serem criadas
posições longas excessivas ou de se executarem negócios com prejuízos.
A AFM considera que estas ofertas duplas não podem ser consideradas falsas ou
enganosas no sentido do market abuse regulation por dois principais motivos.
Em primeiro lugar, porque todas as ofertas, em teoria, podem ser executadas. Para
que tal acontecesse bastaria que fosse introduzida uma oferta em condições de ser
executada como contraparte de uma determinada oferta em todas as plataformas. Em
segundo lugar, o HFT tem intenção de executar qualquer oferta que esteja disponível,
mas quando uma é executada – alterando as condições do mercado – as restantes
ofertas têm de se atualizar (e.g. modificações ou cancelamento) face às novas
condições de mercado.
Em suma a AFM conclui que as ofertas duplas, associadas à estratégia market-making,
não podem ser classificadas como falsas, uma vez que qualquer uma tem a intenção de
ser executada e todas são potencialmente executadas.
3.2.3 Relatório da Autorité des marchés financiers (AMF)
A Autorité des marchés financiers (AMF) – congénere Francesa da CMVM – publicou a
8 de Dezembro de 2015 um relatório sobre a condenação de um HFT, a Virtu Financial
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Irland, a uma coima de 5 milhões de euros por manipulação de mercado e por ter
ignorado as regras da Euronext Paris17.
A AMF conclui que à data dos factos a estratégia conduzida pelo HFT em questão
consistia em identificar o BBO de uma determinada plataforma de negociação,
geralmente a Euronext, e de seguida submeter 4 ofertas passivas para outras quatro
plataformas de negociação a preços ligeiramente diferentes. Assim que uma das
ofertas era executada, gerando uma mais-valia entre o preço de venda (superior) e o
preço de compra (inferior), as ordens remanescentes eram canceladas.
Após a AMF estudar o algoritmo implementado pelo HFT e os seus efeitos para 27
ações pertencentes ao CAC 40 a AMF concluiu sumariamente o seguinte:
A atuação do HFT concretizava-se num volume elevado de mensagens
intradiárias. A título de exemplo para o caso da atuação na Euronext, o HFT era
responsável por cerca de 63% das ofertas mas apenas 2% dos negócios;
As operações realizadas apresentavam uma rapidez elevada e o tempo de vida
médio das ofertas era reduzido: 66% das ofertas tinham uma duração inferior a
1 segundo e 25% durava menos de 10 milissegundos;
O elevado volume de ofertas canceladas por parte do HFT, colocadas ao nível
do BBO, contribuíam para distorcer a representação do livro de ofertas para os
demais investidores que apresentam uma latência superior;
Adicionalmente, a negociação do HFT assumiu uma posição dominante em
quatro plataformas de negociação Euronext Paris, BATS, CHI-X e Turquoise,
conduzindo a condições injustas de negociação para os demais investidores.
17 Fonte: http://www.amf-france.org/en_US/Actualites/Communiques-de-presse/Comission-des-sanctions.html?docId=workspace%3A%2F%2FSpacesStore%2Fd83d375f-f736-40d0-9412-f722decfb4cc (consultado em 23 de maio de 2016)
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Em suma, a AMF conclui que embora não estando em causa a natureza da empresa
enquanto HFT, os elevados volumes das ofertas associados à baixa duração do tempo
de vida dessas ofertas conduziram a um falso entendimento da composição do livro de
ofertas, consubstanciando-se numa atuação idónea para ser considerada manipulação
de mercado.
3.2.4 Relatório da Danish FSA
A autoridade reguladora e de supervisão do mercado Dinamarquês, a Danish FSA
(2016) – congénere Dinamarquesa da CMVM –, publicou um relatório em Fevereiro de
2016, onde caraterizou as atividades dos HFT, no mercado sujeito à sua supervisão, e
concluiu que em 2014 a negociação algorítmica representava cerca de 50% do volume
transacionado no mercado, sendo que cerca de 15% representava atividade
proveniente de HFT.
Adicionalmente o relatório conclui que relativamente à evolução da liquidez se
observou uma melhoria do nível de liquidez, quer por via do estreitamento dos
spreads BBO, quer por via do aumento da profundidade do mercado. Para este efeito
poderá ter contribuído não só o aumento de atividade dos HFT mas também e
principalmente a redução dos tick-size.
O relatório observa também uma redução da volatilidade intradiária na evolução da
cotação após a entrada de HFT market makers18, mesmo após terem sido tomadas em
consideração outras variáveis de controlo que pudessem produzir o mesmo resultado.
Por fim o relatório conclui que não foram detetados indícios de abuso de mercado sob
a forma de implementação de estratégias momentum ignition. Não obstante, a Danish
18 Por market-maker entende-se um corretor que assume o risco de deter um determinado número de ações com vista a providenciar liquidez e a promover a negociação de um determinado título. A estratégia de negociação consubstancia-se na introdução de quotes (ofertas dos dois lados da negociação, ou seja de compra e venda) a preços diferentes que providenciem maior profundidade ao livro de ofertas.
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FSA está limitada à avaliação das estratégias, suscetíveis de constituírem abuso de
mercado, que ocorram apenas em plataformas de negociação diretamente
supervisionadas pela Danish FSA.
Esta conclusão chama a atenção para o facto de que cada vez é mais frequente existir
a necessidade dos reguladores e supervisores acompanharem parte a evolução
tecnológica por forma a concluírem com sucesso sobre se a atuação das estratégias
associadas a HFT são idóneas para afetar a integridade do mercado. A maioria das
estratégias anteriormente mencionadas referem-se a cross-market manipulation.
3.2.5. Conclusões preliminares
À semelhança dos casos publicamente conhecidos e ocorridos maioritariamente nas
plataformas de negociação dos Estados Unidos19, os reguladores Europeus têm vindo a
desenvolver esforços significativos de forma a avaliar se as estratégias de negociação
associadas aos HFT são idóneas para apresentar indícios de manipulação.
19 Recorde-se o caso ocorrido em Julho de 2013, que envolveu o pagamento de uma coima ($4.5 million) aos reguladores SEC e FCA por parte do departamento HFT da Panther Energy Trading LLC, sobre a acusação de terem manipulado o mercado de commodities com recurso à técnica manipulativa layering and spoofing. (Fonte: https://www.fbi.gov/contact-us/field-offices/chicago/news/press-releases/high-frequency-trader-indicted-for-manipulating-commodities-futures-markets-in-first-federal-prosecution-for-spoofing consultado em 15 de outubro de 2016). Em segundo lugar, recorde-se também o caso ocorrido em Junho de 2014, que envolveu o pagamento de uma coima ($800,000 - $420,000 à Nasdaq, $160,000 à NYSE, $170,000 à BATS, e $50,000 à FINRA) por parte da Citadel sobre a acusação de ter recorrido à técnica manipulativa quote-stuffing. (Fonte: https://www.nasdaqtrader.com/content/marketregulation/NASDAQ/DisciplinaryActions/CDRG_NQ_2014.pdf consultado em 16 de outubro de 2016). Em terceiro lugar, recorde-se o caso ocorrido em outubro de 2014 que envolveu o pagamento de uma coima ($1 million) ao regulador norte-americano por parte da Athena Capital Research LLC sobre a acusação de ter recorrido à técnica manipulativa marking the close. (Fonte: https://www.sec.gov/News/PressRelease/Detail/PressRelease/1370543184457#.VEApEfnF_pU consultado em 16 de outubro de 2016).
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Até à data, é possível constatar que efetivamente se verificam indícios de manipulação
de mercado, nomeadamente sobre a forma de práticas idóneas para violar a
integridade do mercado como o layering and spoofing.
Não obstante, a elevada quantidade de dados que requer processamento e o facto de
ser necessária informação proveniente de múltiplas plataformas de negociação, de
forma a reproduzir a atuação destas estratégias, constituem os principais obstáculos
ao estudo da matéria em apreço.
3.3 As estratégias de negociação HFT e o seu enquadramento em matéria
de abuso de informação
Outro tema que se pretende destacar e que aparenta ser pouco estudado na
literatura, concerne o enquadramento legislativo dos HFT em matéria de abuso de
informação.
A referência à negociação algorítmica e de alta-frequência no MAR através de um
exemplo de manipulação de mercado favorece a ideia de que as estratégias
implementadas pelos HFT são idóneas para cometerem abuso de mercado no sentido
de manipulação, mas sem destaque para a componente de abuso de informação.
Por exemplo, o art. 17.º, n.º 1 da DMIF II prevê que qualquer entidade, participante
em mercado regulamentado ou sistema de negociação multilateral e que desenvolva
negociação algorítmica, deve dispor de sistemas e controlos de risco eficazes, a fim de
assegurar que os sistemas de negociação não possam ser utilizados para qualquer
objetivo contrário ao disposto no MAR no sentido lato de abuso de mercado.
O presente capítulo propõe-se a apresentar uma reflexão sobre os potenciais cenários
em que a atuação dos HFT pode ser considerada idónea para apresentar riscos de
abuso de informação.
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O enquadramento legislativo previsto no MAR não introduziu alterações significativas
relativamente ao conceito de informação privilegiada, que no contexto legislativo
nacional já constava no artigo 378.º do CVM. Os requisitos da informação privilegiada
mantiveram-se idênticos: para ser qualificada como privilegiada, a informação tem de
ser específica, precisa, price sensitive e não pública. (Bolina, 2015)
3.3.1 A deteção antecipada de liquidez
A deteção antecipada de liquidez, um caso de destaque no livro Flash Boys de Michael
Lewis, é defendida como uma estratégia de negociação HFT, que tem por objetivo
realizar mais-valias às custas dos investidores.
Esta estratégia ocorre quando um HFT toma decisões de investimento com base na
informação sobre uma execução parcial de ordens de grande dimensão de outros
investidores.
Considere-se o exemplo de um investidor que introduz uma ordem de compra, ao
melhor, de 500 mil ações da empresa A, com as condições de mercado referidas na
tabela infra.
Tabela 3 – Exemplo da visualização do primeiro nível do livro de ofertas de 3 plataformas de
negociação, no momento imediatamente anterior à introdução da oferta por parte do
investidor
Plataforma Size Best Bid vs Best Offer Size
A 200.000 1,00€ - 1,02€ 100.000
B 350.000 1,02€ - 1,03€ 100.000
C 480.000 1,01€ - 1,04€ 300.000
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Neste caso o corretor responsável pela intermediação da ordem envia uma oferta para
o mercado com a seguinte sequência de execução A-B-C. Assim é expectável que
quando a ordem chegue à plataforma A, execute parcialmente a compra de 100 mil
ações a 1,02€, continuando a oferta correspondente a 400 mil ações a viajar para a
plataforma B e C, respetivamente.
A atuação dos HFT é desencadeada no momento em que a ordem é parcialmente
executada na plataforma A e, consequentemente, intercetada. O HFT, através de
ofertas de pequena dimensão, que aguardam no livro de ofertas dessa plataforma,
deteta a execução parcial da oferta de elevada dimensão e antecipa a oportunidade de
negócio.
Para realizar a estratégia com sucesso, o HFT antecede-se e coloca uma oferta de
compra de 100 mil a 1,03€ na plataforma B, seguida de uma oferta de venda da
mesma quantidade a um preço mais elevado de, por exemplo 1,035€.20 De seguida o
HFT faz novamente o cross–spread na plataforma C, comprando os 300 mil a 1,04€ e
colocando a mesma quantidade numa oferta de venda a um preço superior, digamos
de 1,05€. Ver tabela infra.
Tabela 4 – Exemplo da visualização do primeiro nível do livro de ofertas de 3 plataformas de
negociação, no momento imediatamente posterior à execução parcial da oferta na plataforma
A e após o cross-spread do HFT nas plataformas B e C
Plataforma Size Best Bid vs Best Best Offer Size
A - - -
20 Note-se que as ofertas de venda que o HFT coloca são propositadas a constituir o best ask da plataforma, pelo que o preço a que são colocadas terá se ser superior à de compra que acabou de executar mas inferior ao segundo melhor nível do lado da oferta de forma a não perder prioridade.
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Plataforma Size Best Bid vs Best Best Offer Size
B 750.000 0,98€ - 1,035€ 100.000
C 980.000 0,97€ - 1,05€ 300.000
Se o investidor tivesse executado a sua ordem nas condições que visualizava
inicialmente (Tabela 3) teria tido um custo exato de 517 mil euros, após a atuação do
HFT teve um custo adicional de 3500€ (Tabela 4).
Adicionalmente, o(s) investidor(es) que foram contrapartes do HFT, se tivessem tido
acesso à mesma informação que o HFT teve na leitura do oferta na plataforma A,
teriam também modificado o preço da sua oferta e teriam realizado mais 3500€.
Numa perspetiva económica, é possível concluir que a intervenção do HFT no mercado
desencadeou uma transferência do excedente do consumidor e do vendedor para o
HFT. No entanto, não se verificou uma redução do excedente total, pelo que não se
pressupõe uma redução da eficiência económica no sentido estrito.
Não obstante, para existir um ganho de um terceiro elemento no mercado (o HFT)
verificaram-se duas partes que percecionam perdas.
Note-se que, quer o investidor comprador quer o(s) investidor(es) percecionam uma
perda de 3.500€. Apesar de ambas as perdas não poderem existir simultaneamente, o
resultado prevê uma perda de 7.000€ para os investidores (3.500€ do lado do
comprador e 3.500€ do lado vendedor) mas apenas 3.500€ de ganho para o terceiro
elemento introduzido no mercado (o HFT). Dado que a perda é superior ao ganho
poderá existir uma ineficiência no sentido lato.
Apesar da inovação tecnológica do tema em apreço, a questão do ponto de vista
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económico remonta aos princípios básicos do mercado. Qualquer comprador ou
vendedor possui uma vantagem económica no encontro direto entre a procura e a
oferta, sendo que apenas é vantajoso recorrer a um terceiro elemento (intermediário)
quando o valor acrescentado deste é superior ao custo líquido dos intervenientes
principais, ou seja do comprador e vendedor.
No caso em apreço, dado que esta estratégia, de deteção de ordens, apresentou
apenas benefícios para o HFT e custos para os diferentes lados do mercado, os agentes
intervenientes sofrem uma perda de valor.
Em suma, dado que uma componente de elevada importância no mercado consiste na
confiança dos seus investidores é possível afirmar que a presença da estratégia de
deteção de ordens por parte do HFT, numa análise ceteris paribus, possa resultar num
efeito negativo para os investidores21.
3.3.1.1 A deteção de ordens no mercado dos Estados Unidos
No mercado dos Estados Unidos a estratégia de deteção de ordens tem um impacto
muito significativo pelo facto da SEC ter aprovado em 2005, e implementada a partir
de 2007, a “Regulation National Market System” (Reg. NMS), que prevê que as ordens
sejam executadas nas melhores condições de mercado.
Sendo que a SEC definiu que por “melhores condições de mercado” se entende que as
ordens deverão ser enviadas para a plataforma de negociação que apresente melhores
condições de preço com base no National Best Bid and Offer (NBBO), calculado para os
21 Note-se que a estratégia de deteção de ordens pode ser considerada uma estratégia parasita no sentido em que apenas existe perante a existência de procura e oferta gerada por outros investidores. É importante realçar que quando se refere que a presença do HFT tem benefício nulo neste exercício, a afirmação apenas se refere à estratégia em análise, ou seja, numa análise ceteris paribus. Os HFT possuem outras estratégias de negociação que apresentam vantagens para o mercado, como os market-makers, e que devem ser fomentadas, ao contrário das estratégias de deteção de ordens que deveriam ser desencorajadas.
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13 mercados norte-americanos, o qual é apurado através do Securities Information
Processor (SIP).
Por não especificar a velocidade de cálculo do SIP, a regulamentação criou
inadvertidamente uma vantagem direta aos HFT.22 Dada a regra do Reg. NMS, sempre
que o HFT deteta uma ordem parcialmente executada numa plataforma consegue
prever para onde o remanescente da ordem será enviado, conforme explicado no
exemplo da sub secção anterior. Esta previsão é feita com base no cálculo do SIP para
identificar o NBBO e assim antecipar a ordem do investidor, realizando mais-valias às
custas do investidor que deu a ordem intercetada.
A vantagem dos HFT, face aos demais investidores, verifica-se devido à permissão dos
serviços de co-localização. Estes serviços permitem aos HFT acederem diretamente aos
dados centrais das plataformas de negociação e processarem autonomamente o SIP.
Uma vez que o software e hardware das plataformas de negociação é menos
sofisticado, o cálculo do SIP, que é publicamente divulgado é também
consideravelmente mais lento criando uma vantagem direta aos HFT. Estes, por
acederem à base de dados central, conseguem processar o SIP primeiro e tomar
decisões de investimento com base nessa informação de forma antecipada face aos
restantes investidores.
Num artigo publicado em 2013 uma equipa de investigadores da Universidade da
California, Berkeley, demonstrou que, referente às ações Apple, as diferenças entre o
SIP – publicamente visualizado através do processamento das plataformas de
negociação – e o SIP – calculado pelas entidades que obtinham os dados através de
serviços de co-localização – diferiam 55 mil vezes durante uma única sessão de
negociação.
22 Em outubro de 2016 foi anunciado pela NASDAQ uma nova modernização do SIP, que reduz a latência dos atuais 480 microssegundos para apenas 20 microssegundos.
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Naturalmente isto implica que um HFT teria, num único dia de negociação para um
único título, 55 mil oportunidade de exploração das diferenças existentes entre o
conhecimento do SIP via informação privada e via informação pública (Lewis, 2014).
3.3.1.2 A deteção de ordens no mercado europeu
Na Europa não se verifica a regra do Reg. NMS aplicada pela SEC, pelo que é legítimo
questionar se no mercado europeu a atuação dos HFT é idónea para afetar o normal
funcionamento do mercado ou os próprios investidores, no que concerne a estratégia
de deteção de ordens.
Não obstante, também na Europa é obrigatório que as ordens sejam executadas nas
melhores condições, pelo que será expetável que uma oferta de elevada dimensão
percorra as plataformas de negociação pela ordem dos melhores preços (à semelhança
da Tabela 3) independentemente de existir uma obrigação para que tal se verifique.
Adicionalmente existem três caraterísticas que se têm de verificar para ocorrer uma
estratégia de deteção de ordens, a saber: (i) existência de serviços de co-localização;
(ii) cross-market trading e (iii) diferentes graus de latência. Todas estas condições se
verificam no mercado europeu.
Em primeiro lugar, as plataformas de negociação oferecem serviços de co-localização,
pelo que necessariamente se verificam à partida diferentes latências entre as
entidades que obtêm esse serviço e as que não o fazem. Em segundo lugar, com base
nas quotas de intermediação para diferentes plataformas, com respeito apenas a um
instrumento financeiro, é possível concluir que as entidades transacionam em
diferentes plataformas mesmo sem existir o Reg. NMS.
A AFM, a autoridade holandesa dos mercados financeiros, produziu um relatório em
junho de 2016 (AFM, 2016) onde analisou as principais críticas destacadas pelo livro
Flash Boys, onde a deteção de ordens assume um destaque principal. Note-se que a
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divulgação do livro em apreço, teve um impacto significativo e determinante no
debate sobre os HFT conduzido nos Estados Unidos nos últimos dois anos.
O relatório propôs-se a avaliar se o impacto nefasto da negociação dos HFT para a
qualidade do mercado de valores mobiliários nos Estados Unidos descrita no livro, era
suscetível de se verificar também no mercado holandês.23
A AFM analisou 5 casos de ordens de elevada dimensão, transacionadas em diversas
plataformas de negociação, e concluiu que não se verificaram indícios de que os HFT
tivessem aplicado uma estratégia de deteção de ordens.
Não obstante, após um estudo dos argumentos do relatório, constatou-se que a AFM
detetou – num dos casos – todos os estágios caraterísticos da estratégia de deteção de
ordens. No entanto, optou por classificar a estratégia como “arbitragem” em vez de
“deteção de ordens” pelo facto do HFT não ter terminado a sessão com uma flat
position.
No exemplo teórico referido nas Tabelas 3 e 4, o HFT detetava a execução parcial de
uma oferta de compra de 400 mil ações, dirigia-se às outras plataformas para comprar
um total de 400 mil ações que posteriormente disponibilizava para venda (ao mesmo
investidor) por um preço superior. Se fosse bem-sucedido na realização da estratégia,
no final desta atuação o HFT ficaria com exatamente 0 ações e uma mais-valia de
3500€.
No caso descrito no relatório da AFM, verificou-se a interceção de uma oferta de
compra de grande dimensão, detetada pelo HFT após a primeira execução parcial.
Após reconstruir o percurso de atuação do HFT, verificou-se que nas restantes
plataformas (para onde a ordem viajava) o HFT antecipava-se colocando ofertas de
23 O âmbito da análise do relatório da AFM focou-se nos ativos diretamente supervisionados pela entidade regulatória e que estão admitidos em mercado regulamentado ou MTF holandesas e inglesas.
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compra, de forma a limpar a liquidez, às quais se seguiam ofertas de venda que fossem
compatíveis com a oferta inicial intercetada.
Apesar de concluir que todo o percurso analisado correspondia aos três estágios da
estratégia de deteção de ordens, dado que constatou que o HFT terminou a sua
atuação com um valor de ações em carteira diferente de 0, a AFM conclui pela
estratégia de arbitragem.
Em suma, a AFM optou por recusar a existência de uma estratégia de deteção de
ordens pelo facto de o HFT ter apresentado um menor grau de sucesso na
implementação da estratégia. Não obstante, apresentar uma posição flat no final da
atuação não é condição necessária à definição da estratégia, mas apenas
recomendável para maximizar o lucro da operação.
Já a classificação como estratégia de arbitragem incorre numa inconsistência
concetual. As estratégias de arbitragem definem-se por comprar e vender
oportunisticamente e sem risco, pelo que dificilmente se verifica que a atuação nas
diversas plataformas ocorra sempre por contraparte do mesmo investidor (situação
que ocorre apenas quando se verifica a deteção e persecução de ordens).
A AFM encontrou apoio para suportar o seu argumento no facto dos restantes 4 casos
analisados não terem revelado indícios da presença de estratégias de deteção de
ordens e pelo facto da FCA – congénere Inglesa da CMVM – ter publicado
recentemente um relatório onde concluía também que as estratégias de deteção de
ordens não ocorriam sistematicamente no seu mercado (FCA, 2016).
Este artigo da FCA, publicado em abril de 2016, propôs-se a responder a duas
questões, a saber:
Em primeiro lugar, procurou averiguar se os HFT exploram as vantagens de
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microssegundos – que possuem devido à baixa latência – para antecipar o fluxo de
ordens que viajam entre plataformas de negociação.
Para responder a esta questão, a FCA utilizou informação não anónima do livro de
ofertas de 120 ativos financeiros admitidos a mercados regulamentados e plataformas
multilaterais de negociação. Da análise concluiu que não encontrou evidências
sistemáticas de que os HFT consigam observar o mercado em “tempo real” de forma a
negociarem por antecipação aos outros participantes numa base de microssegundos.
Em segundo lugar, o relatório procurou concluir se para um período de tempo mais
longo, esse mesmo fluxo de ordens era alvo de antecipação pelos HFT.
Sob este aspeto a FCA concluiu que encontra padrões consistentes de HFT a serem
capazes de antecipar o fluxo de ordens quando considerados períodos mais longos de
tempo de segundos. Não obstante, a FCA não concluiu sobre a causalidade. Ou seja,
não conclui se esta atuação se deve a uma eficiente reação a nova informação (uma
vez que as transações dos HFT antecedem variações significativas no preço da cotação)
ou a antecipação do fluxo de ordens de grande dimensão.
Ainda sobre o relatório da AFM, a autoridade destacou a análise realizada sobre o
impacto que as estratégias de negociação em apreço podem ter sobre os investidores
e conclui que, em todos os casos analisados, os investidores executaram as suas
ordens em piores condições de mercado.
O relatório destaca ainda uma figura conclusiva sobre o desaparecimento de liquidez
numa plataforma, após a deteção de ordens resultante da execução parcial de uma
ordem.
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Figura 1 – O painel B representa o livro de ofertas visível no momento antecedente à oferta do
investidor ser, pela primeira vez, parcialmente executada. O painel C representa o livro de
ofertas visível no momento em que a oferta do investidor é parcialmente executada na
plataforma em apreço. A vermelho/verde estão representadas ofertas de venda/compra e a
cinzento está representado o spread bid/ask.
Os painéis da figura supra ilustram o momento imediatamente antecedente à oferta
de compra de um investidor antes desta ser, pela primeira vez, parcialmente
executada (Painel A) e o momento em que a oferta chega à plataforma (Painel C).
Entre estes dois momentos, seis níveis de venda do livro de ofertas desaparecem, pelo
que quando a oferta de compra do investidor chega para fazer o cross do spread, o
preço é significativamente superior.
Em suma, apesar da AFM não ter concluído pela verificação da estratégia de deteção
de ordens mas sim pela estratégia de arbitragem, concluiu que em todos os casos
analisados os investidores encontraram oportunidades de execução sub ótimas
derivada dos diferentes níveis de latência.
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3.3.1.3 Conclusões Preliminares
A título conclusivo as análises que concernem a avaliação das estratégias de deteção
de ordens, adotadas pelos HFT, parecem indicar que o evento poderá ter maior relevo
no mercado dos Estados Unidos por comparação ao mercado Europeu.
Não obstante, parece ser consensual para ambos os mercados que a presença destas
estratégias produz efeitos nefastos para os investidores, quer em termos de perda de
confiança quer em termos de condições de investimento sub ótimas.
Adicionalmente recorde-se que esta estratégia, quer seja deteção de ordens (no caso
em que se verifique acesso a informação privilegiada) ou mera deteção de liquidez (no
caso em que não haja acesso a informação privilegiada), englobam negociação
realizada em múltiplas plataformas, denominada por cross-market trading.
Reconstruir uma estratégia desta natureza requer um esforço considerável por parte
do regulador, quer em termos de processamento de dados, quer em termos de
cooperação com as mais diversas autoridades internacionais, num esforço para ter
acesso ao livro de ofertas dessas múltiplas plataformas numa base não anónima.
A estratégia de deteção de ordens pode ser idónea para constituir abuso de
informação privilegiada, sob a forma de front running, em condições muito específicas.
No caso destas condições não se verificarem trata-se apenas de uma estratégia de
deteção de liquidez.
O front running verifica-se quando uma decisão de investimento é tomada com base
no conhecimento de uma ordem, suscetível de afetar o preço de mercado, que não é
de conhecimento público.
O front-running como forma de abuso de informação privilegiada foi pouco consensual
até ao advento da Directiva europeia 2003/6/CE, embora parte da doutrina já
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entendesse consubstanciar uma forma de insider trading. Foi a Directiva em apreço
que veio impor aos Estados que proibissem tais práticas, sempre que estas
constituíssem abuso de mercado. (Ferreira, 2014)
Assim, tais práticas têm “lugar quando alguém que conhece que se deu, ou se vai dar
de alguma forma iminente, uma ordem que pode ter repercussões significativas na
cotação de determinados valores ou instrumentos, se posiciona diretamente sobre
estes ou realiza operações com instrumentos financeiros derivados cujo subjacente o
constituem ditos valores ou instrumentos, para beneficiar-se do conhecimento
privilegiado da transação que se produzirá em breve.”24 (SAINZ, 2007)
A informação deve referir-se às ordens de mercado pendentes que possam considerar-
se como relevantes, isto é, que sejam capazes de influenciar a cotação.25 (SAINZ, 2007)
Referir que a estratégia de deteção de ordens é idónea para ser classificada como front
running, implica assumir que os investidores (neste caso os HFT) poderão ter acesso a
informação privilegiada, logo não pública, por via dos serviços de co-localização. Caso
contrário, estaríamos na presença de uma mera estratégia de deteção de liquidez que,
apesar de poder ter o mesmo efeito nefasto para as contrapartes investidoras, não
seria idónea para ser considerada como abuso de informação.
Saber caracterizar o momento em que o HFT lê a informação proveniente do
investidor é crucial para concluir se a estratégia é ou não idónea para ser classificada
24 “Sendo o exemplo mais comum aquele atinente a um intermediário financeiro que, recebendo ordem de um cliente, cujas características intrínsecas – como volume, preço, entre outras – são suscetíveis de desencadear uma significativa oscilação – positiva ou negativa – no preço dos valores ou instrumentos financeiros que negocia. Apercebendo-se disso, o próprio intermediário ou um de seus empregados, procede à aquisição ou alienação, seja para si ou para outrem (cliente ou não), antes de executar a ordem daquele primeiro cliente que muito possivelmente influenciará a cotação, beneficiando-se da oscilação produzida por esta posteriormente à execução da ordem no mercado acionário.” (SAINZ, 2007) 25 “É uma conduta que pode produzir-se tanto nas Bolsas como nos mercados derivados, posto que também o preço dos instrumentos neles negociados pode ver-se afetado pela introdução de ordens relevantes por seu tamanho no próprio mercado de derivados ou no mercado de ativos financeiros subjacente”. (SAINZ, 2007)
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como abuso de informação. Se a ordem for lida sob a forma de oferta, publicamente
divulgada pela plataforma de negociação, a estratégia deixa de constituir abuso de
mercado.
No mercado norte-americano o facto dos HFT, através dos serviços de co-localização
terem acesso a dados para processarem autonomamente o SIP, proporcionava-lhes
acesso ao cálculo de informação não pública e privilegiada. Quando o SIP, calculado
mais lentamente pelas plataformas de negociação, era disponibilizado à generalidade
dos investidores, já muitas oportunidades de investimento se tinham extinguido.
Na Europa a microestrutura de mercado é diferente. Apesar de ser possível existir
deteção de liquidez, a deteção de ordens apenas é possível se houver leitura de ordens
que ainda não foram divulgadas na qualidade de ofertas constituintes do livro de
ofertas. Tal situação é apenas hipoteticamente possível através dos serviços de co-
localização, pelo que se dedica a próxima secção à exposição desse tema.
3.3.2 O Front-running e a co-localização
Na subsecção anterior foi debatida a interação dos HFT com o mercado, sob uma
perspetiva de risco de abuso de informação, tendo-se procedido à análise das
estratégias predatórias de antecipação de ordens.
Não obstante, esta matéria apenas é idónea para ser caraterizada como abuso de
informação se existir acesso a informação privilegiada. Assim a mera antecipação de
ordens poderá sair do espetro de abuso de informação se não existir negociação com
base em informação não pública. A partir do momento em que a ordem é processada
pelo sistema e integra o livro de ofertas sendo posteriormente alvo de “intercetação”
constituí informação pública.
Anteriormente verificou-se que este é um tema sensível nos Estados Unidos pelo facto
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dos corretores serem obrigados a seguir uma regra que concretiza a execução das
ordens nas melhores condições para os clientes, a qual implica seguirem o National
Best Bid and Offer (NBBO) para os 13 mercados norte-americanos que, por sua vez, é
apurado através do Securities Information Processor (SIP).
Dada a permissão dos serviços de co-localização, que permitem aos HFT acederem
diretamente aos dados centrais das plataformas de negociação e processarem
autonomamente o SIP, observa-se uma oportunidade para os HFT tomarem decisões
de investimento com base em informação não-pública em detrimento dos restantes
intervenientes do mercado que não recebem a informação diretamente e por isso têm
de aguardar pelo cálculo do SIP.
Apesar do mercado europeu ao nível das microestruturas apresentar diversas
diferenças face ao mercado norte-americano, o tema em comum e de destaque é a co-
localização e os riscos inerentes ao front-running. A co-localização define-se pelo
acesso privilegiado dos equipamentos das entidades ao data center das plataformas de
negociação.
Figura 2 – Esquema simplificado de um sistema de co-localização (AFM, 2016)
50
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Após a análise de diversos estudos sobre o tema da co-localização foi possível
constatar dois factos.
Em primeiro lugar, que é um serviço oferecido por quase todas as plataformas de
negociação. A título de exemplo, a Euronext oferece esse serviço no Reino Unido e
disponibiliza o acesso não só a entidades privadas como também disponibiliza o acesso
a outras plataformas de negociação.26
Em segundo lugar, foi possível constatar um vocabulário técnico, específico de
engenharia e arquitetura informática que dificulta a compreensão da plenitude do
“serviço” de co-localização.
A informação recolhida parece sugerir que o serviço de co-localização permite que os
servidores das entidades autorizadas acedam à mesma central de dados (data center)
que o servidor da plataforma de negociação.27
O serviço de co-localização é fornecido a investidores (usualmente HFT) e também a
outras “plataformas de negociação secundárias” que, por uma questão de economias
de escala, lhes é economicamente mais favorável acederem à central de dados gerida
por uma “plataforma de negociação principal” face à alternativa de gerirem uma
central própria.
Esta questão é particularmente relevante e não foi possível encontrar qualquer tipo de
segregação sobre o tipo de acesso, à central de dados, disponibilizado por uma
“plataforma principal” a um investidor ou a uma “plataforma secundária”.
26 NYSE Euronext bets on ‘co-location’ centers (Financial Times: http://www.ft.com/cms/s/0/2d62bcfa-ad26-11de-9caf-00144feabdc0.html#axzz4EDSa0z10 consultado em 9 de julho de 2016). 27 Esta questão parece suficientemente clara quando se lê, a título de exemplo, que a Nasdaq oferece aos seus clientes a oportunidade que colocarem os servidores e equipamentos dentro da Nasdaq Data Center permitindo uma menor latência no acesso à informação do mercado. (http://nasdaqtrader.com/Trader.aspx?id=colo consultado em 9 de julho de 2016). Note-se que também é frequente uma plataforma de negociação que investe na criação de central de dados, disponibilizar o serviço de co-localização a entidades privadas mas também a outras plataformas de negociação.
51
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Fazendo uso da Figura 2, sabe-se que uma determinada “plataforma principal” pode
ceder o seu espaço de data center quer a entidades privadas como os HFT – considere-
se como exemplo “A” e “B” da figura – quer a outras “plataformas de negociação
secundárias” – considere-se como exemplo “C” da figura. Quando as ordens chegam e
são transmitidas em forma de dados pela “plataforma principal” que gere o data
center, são transmitidas simultaneamente a todas as entidades que estão co-
localizadas, ou seja “A”, de “B” e de “C”.
Assim será apenas necessário que o servidor das entidades “A” e “B” seja superior ao
servidor da “plataforma secundária” “C” para que as estas entidades tenham acesso a
informação do mercado que não é tecnicamente pública. Admite-se que não será
pública uma vez que as ordens do data center ainda não constam no livro de ofertas da
“plataforma secundária” “C”.
Não obstante esta questão apenas seria relevante no caso descrito em que uma
“plataforma de negociação principal” fornece o serviço de data center a outras
“plataformas de negociação secundárias”.
Na eventualidade desta hipótese não se verificar acresce ainda uma segunda tese.
Também não é claro se os serviços de co-localização consistem num acesso direto ao
data center ou se é necessário existir um processamento prévio por parte da
“plataforma de negociação principal” que gere esse data center.
Recuperando novamente a Figura 2, imagine-se agora que “A”, “B” e “C” são HFT que
têm acesso ao serviço de co-localização por via da plataforma de negociação que o
gere, ou seja a “trading platform”. Não é claro se ambos “A”, “B” e “C” e a “trading
platform” têm simultaneamente acesso ao data center. Ou se, pelo contrário, apenas a
“trading platform” tem acesso direto ao data center, disponibilizando-o,
posteriormente e após estar processado a “A”, “B” e “C”.
52
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Perante a primeira opção – de acesso direto e simultâneo aos dados – coloca-se
novamente em causa a questão de que se verifica que os serviços de co-localização
permitem acesso à leitura das ordens enquanto estas estão (simultaneamente) a ser
processadas e transformadas em ofertas pelas “trading platforms”. Neste caso existe
acesso direto a ordens pendentes e não públicas, logo admite-se a hipótese de que
este acesso possa resultar na prática de front-running.
Já a segunda opção, no caso de “A”, “B” e “C” acederem à informação através da
“trading platform” – porque esta seria a única com acesso direto ao data center –
então existiria apenas leitura de ofertas (e não de ordens) pelo que não se trata de um
potencial caso de abuso de informação.
O tipo de serviços oferecido distingue-se em três dimensões: (i) na rapidez de
execução, (ii) no acesso instantâneo à informação do mercado e (iii) na capacidade de
transporte de informação.
Com apenas esta informação, não é possível esclarecer se a co-localização constitui um
risco de front-running nem, de igual forma, excluir esse risco.
3.4 Conclusões Preliminares
Em suma, o capítulo pretende destacar um tema pouco tratado na literatura mas que
é idóneo de constituir um risco de crime de mercado. Tal como Mercer Bullard, um ex-
advogado da SEC, referiu “HFT isn’t the problem—insider trading is”.28
O maior problema que o mercado enfrenta não é necessariamente a velocidade a que
estes novos players do mercado transacionam mas sim a fragmentação e a assimetria
de informação que se acentuou entre os insiders e os outsiders do mercado.
28 Fonte: http://www.cnbc.com/2014/04/04/hft-isnt-the-probleminsider-trading-is-op-ed.html (consultado a 21 de maio de 2016)
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Para o regulador e supervisor concluir sobre eventuais indícios de abuso de informação
sobre a forma de front-running, seria importante compreender se as entidades que
beneficiam dos serviços de co-localização possuem acesso direto à central de dados
(data center). Uma vez que, se assim for, acedem à leitura de dados que ainda se
encontram sob a forma de ordens (pendentes e não-públicas) dado que os servidores
das plataformas de negociação ainda não completaram o processo de processamento
da informação que transforma os dados em ofertas constantes dos livros centrais.
Da informação recolhida e salvaguardando as limitações de compreensão sobre
engenharia informática, sugere-se que essa questão não aparenta estar salvaguardada.
As ordens do mercado viajam entre a localização dos investidores e a localização da
central de dados onde são armazenadas. Desta nuvem de informação existem dois
agentes a ler a informação, por um lado todos os agentes que pagam o serviço de co-
localização (HFT, casas de investimento e outras plataformas de negociação) e, por
outro lado, a plataforma de negociação responsável pela gestão da central de dados. A
partir daqui os servidores da plataforma de negociação vão processar a informação e
disponibilizá-la ao mercado sob a forma do livro de ofertas. A problemática surge pelo
facto de, simultaneamente, todos os outros agentes que pagam o serviço de co-
localização também terem os seus processadores a processar a informação e,
eventualmente, até de forma mais célere.
Admite-se assim a hipótese de que a vantagem concebida pelos serviços de co-
localização poderá contribuir para acentuar a assimetria de informação, uma vez que
permite a esses agentes reagir à informação e tomar decisões de investimento com
base em informação que ainda não foi processada e, portanto, ainda não foi
“transmitida” ao mercado.
A literatura sobre este tema é escassa e uma explicação sobre o funcionamento
concreto dos serviços de co-localização também não se encontra acessível, ou é
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demasiado complexo para ser compreendido por não-especialistas da matéria.
Os relatórios dos reguladores, previamente mencionados, apenas se referem à
questão como não sendo possível ter acesso à informação antes desta ser processada
pela plataforma de negociação: “Regardless of their speed, HFT are unable to take a
look at an investor’s order (and then react on it) before it is processed by the trading
venue.” (AFM, 2016).
Não obstante, os factos encontrados não suportam nem desmentem esta afirmação,
pelo que constitui um risco substancial pelo facto de não estarem salvaguardados nem
o risco de assimetria de informação nem o risco de abuso de informação privilegiada.
Ainda assim é de realçar que a sensibilidade dos reguladores para o tema em apreço
parece estar a crescer nos dois continentes.
Na Europa, foram vários os reguladores que, alertados pelo debate que decorre nos
Estados Unidos, escreveram e publicaram recentemente relatórios sobre a atuação das
estratégias dos HFT. Por seu turno, a SEC deu recentemente um sinal inovador ao
mercado quando aprovou o pedido da IEX – The Investors Exchange para se tornar
numa plataforma de negociação pública.29
Desde 2013 a IEX, que até ao momento operava na qualidade de plataforma de
negociação particular, pretendia que a SEC aprovasse o Speed Bump.
O Speed Bump é um sistema que atrasa a transmissão da informação (negócios e livro
de ofertas) da plataforma de negociação para o mercado (e vice versa) durante 350
microssegundos e que tem por objetivo proteger os investidores das estratégias de
negociação predatórias dos HFT.
29Fonte: https://www.sec.gov/news/pressrelease/2016-123.html (consultado em 26 de junho de 2016)
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Na prática significa que quando uma ordem é executada na plataforma IEX, essa
informação demora 350 microssegundos a ser visível/transmitida para o mercado.
Assim quando uma ordem é parcialmente executada o remanescente é executado nas
restantes plataformas antes desta ser intercetada. Este atraso pretende
principalmente inviabilizar as estratégias de deteção de liquidez implementadas pelos
HFT aquando da execução parcial de ordens, que posteriormente são enviadas para
outras plataformas de negociação, permitindo aos HFT anteciparem essa liquidez.
Acresce que a IEX também não oferece serviços de co-localização e o catálogo de tipo
de ordens oferecidas é limitado de forma a manter a simplicidade e transparência
necessária.
A IEX consiste na primeira resposta privada (e agora reconhecida oficialmente pela
SEC) que pretende responder às necessidades dos investidores em expurgar do
mercado as estratégias predatórias, e potencialmente nocivas, implementadas pelos
HFT.30
Assim, o debate sobre a atuação dos HFT é controverso e complexo mas não constitui
novidade, pelo que mais do que carecer de nova regulamentação carece,
essencialmente, do enforcement das regras já existentes no âmbito da supervisão.
Em suma, um dos maiores desafios que o supervisor enfrenta a lidar com esta matéria
consiste na desvantagem tecnológica e na inacessibilidade à informação transversal e
30 Em resposta ao speed bump da IEX, a Chicago Stock Exchange (CSE) anunciou, em agosto de 2016, a sua própria proposta de speed bump mas num sentido oposto à IEX. Enquanto que a IEX atrasa a informação para todos os intervenientes na plataforma durante 350 microssegundos, a CSE atrasa apenas para os liquidity takers – investidores que fazem o cross do spread – com o objetivo de proteger os market makers. Enquanto que, a IEX pretende proteger os investidores takers (do lado da procura ou da oferta) que tentam executar na totalidade uma ordem aos preços inicialmente visíveis sem actualização destes. A CSE pretende proteger os investidores makers que pretendem reagir à procura e oferta de forma a atualizar os preços. O speed bump veio portanto criar, além de uma nova tendência tecnológica – sendo a mais recente à data, a modernização do SIP pela NASDAQ – um novo conflito ideológico no mercado que deixa antever futuras reacções dos mais diversos intervenientes no mercado. (Fonte: http://www.bloomberg.com/news/articles/2016-08-30/chicago-stock-exchange-targets-latency-arbitrage-with-speed-bumpconsultado em 26 de junho de 2016).
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completa para desenvolver as diligências necessárias. Adicionalmente, o supervisor
necessita de ter capacidade para interpretar um elevadíssimo conjunto de dados de
diversas plataformas de negociação, que não estão sob a sua supervisão, de forma a
ter uma imagem completa sobre este tipo de atuação. Não obstante, superadas estas
limitações, o supervisor irá lidar com indícios de técnicas de manipulação de mercado
e de abuso de informação globalmente reconhecidas e familiares.
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III. PARTE B
Guidelines sobre os novos desenvolvimentos regulatórios
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1. DMIF II e MIFIR, desenvolvimentos no nível 1 da regulamentação
A DMIF II vem dar resposta a um conjunto de deficiências no funcionamento e na
transparência dos mercados detetadas após a crise financeira de 2007. A maior
complexidade dos mercados financeiros realçou a necessidade de reforçar o quadro da
regulamentação dos mercados de instrumentos financeiros, incluindo situações em
que a negociação nestes mercados fosse efetuada no mercado de balcão (OTC, over-
the-counter), a fim de aumentar a transparência, melhor proteger os investidores,
reforçar a confiança, fazer face às áreas não regulamentadas e assegurar que sejam
concedidos às autoridades de supervisão poderes adequados para o desempenho das
suas tarefas.
Em particular, um dos maiores desafios respeita a evolução da negociação
automatizada, não só devido à maior complexidade das estratégias implementadas
pelos algoritmos subjacentes, mas também pela difusão da adoção deste método de
negociação no mercado.
Um dos principais impactos que a DMIF II terá sobre estes agentes financeiros verifica-
se para as entidades cuja atividade de investimento seja exclusiva à negociação por
conta própria.
Atualmente, estas entidades desde que não fossem criadores de mercado nem
entidades que negociassem por conta própria – fora de um mercado regulamentado
ou de um sistema de negociação multilateral, de modo organizado, frequente e
sistemático, facultando um sistema acessível a terceiros com o fim de negociar com
eles (art. 289.º, n.º 3, al. d. do CVM) – não eram consideradas intermediários
financeiros.
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Assim, todas as empresas de investimento que negoceiem com recurso a uma técnica
de negociação algorítmica de alta frequência – independentemente de terem apenas
por objetivo a gestão de carteira própria – estão sujeitas ao objeto da presente diretiva
nos termos do art. 2.º, n.º 1 al. d, (iii) DMIF II.
O nível 1 de regulamentação através da DMIF II veio apresentar a primeira proposta
harmonizada ao nível europeu – posterior ao German High Frequency Trading Act – de
regulamentação direcionada à negociação algorítmica e de alta-frequência. Conforme
exposto na secção anterior a DMIF II introduz o conceito de “Negociação algorítmica” e
de “Técnica de negociação algorítmica de alta frequência” no Art. 4.º, n.º 1 alíneas 39 e
40, respectivamente.
Acresce que o art. 17.º da DMIF II prevê que empresas de investimento, membros e
participantes em mercado regulamentado e sistemas de negociação multilateral (art.
2.º, nº 1, al. a) e) e i) DMIF II) que desenvolvem negociação algorítmica atuem com
integridade e transparência nas seguintes matérias:
O artigo 17.º, n.º 2 da DMIF II prevê a identificação de empresas de
investimento que desenvolvam negociação algorítmica através da
comunicação da atividade às autoridades competentes do seu Estado-Membro
de origem e da plataforma de negociação, em que a empresa realiza
negociação algorítmica, na qualidade de membro ou participante.
Sobre esta matéria, o artigo 48.º, n.º 10 da DMIF II também prevê que os
Estados-Membros dos mercados regulamentados tenham a capacidade de
identificar as ordens geradas por negociação algorítmica, os diferentes
algoritmos utilizados para a criação das ordens e as pessoas pertinentes que
dão essas ordens.
Assim, em matéria de manutenção de registos de ordens, o art. 17.º, n.º 2 da
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DMIF II prevê que uma empresa de investimento que aplique uma técnica de
negociação algorítmica de alta frequência conserve, de acordo com uma
modalidade aprovada, registos precisos e cronológicos de todas as suas ordens,
incluindo cancelamentos de ordens, ordens executadas e ofertas em
plataformas de negociação, e coloque esses registos à disposição da autoridade
competente, mediante pedido.
Por sua vez, o artigo 25.º do MIFIR e o art. 48.º, n.º 10 da DMIF II ampliam o
âmbito da obrigação de registos de ordens a todas as ordens geradas – não só
pelas técnicas de negociação algorítmica e de alta frequência – mas também
pela negociação algorítmica em geral.
Em matéria de abuso de mercado o art. 17.º, n.º 1 da DMIF II prevê que as
empresas devem dispor de sistemas e controlos de risco eficazes, a fim de
assegurar que os sistemas de negociação não possam ser utilizados para
qualquer objetivo contrário ao disposto no MAR ou às regras de uma
plataforma de negociação a que esteja ligada.
Em matéria de estratégias de criação de mercado, para efeitos do art. 17.º, n.º
3 e n.º 4 e do art. 48.º da DMIF II, uma empresa de investimento que
desenvolva negociação algorítmica deve ser considerada como prosseguindo
uma estratégia de criação de mercado quando, - como membro ou participante
de uma ou mais plataformas de negociação – a sua estratégia de negociação
por conta própria implique a definição de ofertas de preços firmes e
simultâneas de compra e venda de quantidade comparável e a preços
competitivos relativamente a um ou mais instrumentos financeiros numa única
plataforma de negociação ou em diferentes plataformas de negociação, com o
objetivo de fornecer liquidez, de modo regular e frequente, a todo o mercado.
Uma empresa de investimento que desenvolva negociação algorítmica para
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prosseguir uma estratégia de criação de mercado, deve ter em conta a liquidez,
a dimensão e a natureza do mercado específico e as caraterísticas dos
instrumentos negociados:
a) Deve efetuar essa criação de mercado continuamente durante uma
proporção específica do horário de negociação da plataforma de
negociação, exceto em circunstâncias excecionais, com o objetivo de
proporcionar a estas plataformas de negociação liquidez numa base
periódica e previsível;
b) Deve celebrar um acordo escrito vinculativo com a plataforma de
negociação que especifique, pelo menos, as obrigações da empresa de
investimento em conformidade com a alínea a);
c) Deve por em prática sistemas e controlos eficazes para dar garantias de que
cumpre, em todas as ocasiões, as suas obrigações nos termos do acordo a
que se refere a alínea b).
Em matéria de controlo de riscos nos termos do art. 17.º, n.º 1 da DMIF II, uma
empresa de investimento que desenvolva negociação algorítmica deverá de
dispor de sistemas e controlos de risco eficazes e adequados às atividades que
desenvolve, de forma a assegurar que os seus sistemas de negociação têm a
resistência e a capacidade suficiente, estão sujeitos a limiares e limites de
negociação adequados e impedem o envio de ordens erradas ou impedem o
sistema de funcionar de modo que possa criar ou contribuir para uma
perturbação do mercado.
Adicionalmente, o art. 48.º, n.º 6, n.º 8º e n.º 12 al. g) da DMIF II, sobre resistência dos
sistemas, interruptores (circuit breakers) e sistemas de negociação eletrónica, prevê
especificamente que, em matéria de negociação algorítmica, os Estados-Membros
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devem exigir que os mercados regulamentados disponham de sistemas,
procedimentos e mecanismos eficazes.
Estes devem incluir a exigência de que os membros ou participantes realizem os testes
apropriados aos algoritmos e proporcionem a criação de ambientes que facilitem a
realização de tais testes. Tais testes têm por objetivo, em primeiro lugar, assegurar que
os sistemas de negociação algorítmica não criam nem contribuem para a perturbação
da negociação no mercado e, em segundo lugar, para gerir quaisquer perturbações
que afetem a negociação decorrentes desses sistemas de negociação algorítmica.
Deverão também incluir sistemas que limitem o rácio de ordens não executadas face
às transações que podem ser introduzidas no sistema por um membro ou participante,
a fim de poder abrandar o fluxo de ordens, se se verificar o risco de ser atingida a
capacidade máxima do sistema, e de limitar e fazer cumprir a variação mínima da
oferta de preço (tick) que pode ser executada no mercado.
Adicionalmente, art. 48.º, n.º 8 da DMIF II estabelece que os Estados-Membros exijam
que os mercados regulamentados garantam que as suas regras em matéria de serviços
de partilha das instalações (co-localização) sejam transparentes, equitativas e não
discriminatórias.
De acordo com o art. 48.º, n.º 9 da DMIF II os Estados-Membros podem autorizar os
mercados regulamentados a imporem uma comissão mais elevada para a colocação de
uma ordem que seja posteriormente cancelada e a imporem uma comissão mais
elevada aos participantes responsáveis por um elevado rácio de ordens
canceladas/ordens executadas e aos que apliquem técnicas de negociação algorítmica
de alta frequência, de modo a refletir a carga adicional sobre a capacidade do sistema.
Em matéria de proporcionar acesso eletrónico direto, nos termos do art. 17.º,
n.º 5 da DMIF II, uma empresa de investimento que proporcione acesso
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eletrónico direto a uma plataforma de negociação deve dispor de sistemas e
controlos eficazes que: assegurem a realização de uma avaliação e análise
corretas da aptidão dos clientes que utilizam o serviço; que os clientes que
utilizam o serviço estão impedidos de ultrapassar limiares de crédito e de
negociação pré-estabelecidos e adequados; que a negociação por clientes que
utilizam o serviço é devidamente acompanhada; e que os controlos de risco
adequados impedem que a negociação seja suscetível de criar riscos para a
própria empresa de investimento ou de criar ou contribuir para perturbações
no mercado ou ser contrário ao disposto no MAR ou às regras da plataforma de
negociação. É proibido o acesso eletrónico direto sem esses controlos.
Para o efeito de atuação na qualidade de membro de compensação geral nos
termos do art. 17.º, n.º 6 da DMIF II, uma empresa de investimento que atue
como membro de compensação geral para outras pessoas, deverá de dispor de
sistemas e controlos eficazes para assegurar que: os serviços de compensação
são apenas aplicados a pessoas aptas e que cumprem critérios claros; e que são
impostos requisitos adequados a essas pessoas para reduzir os riscos para a
empresa de investimento e para o mercado. A empresa de investimento
garante que existe um acordo escrito vinculativo entre a empresa de
investimento e a pessoa sobre os direitos e obrigações fundamentais
resultantes da prestação desse serviço.
Finalmente, à semelhança do que já é atualmente previsto no art. 315.º do Código de
Valores Mobiliários (CVM), estão previstas obrigações de reporte de transações nos
termos do art. 26.º, n.º 3 do MIFIR. Sobre esta matéria e adicionalmente às
informações anteriormente previstas como objeto de reporte, as empresas de
investimento irão também reportar elementos de identificação dos algoritmos
responsáveis quer pela decisão de investimento quer pela execução da transação.
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2. Negociação algorítmica, o processo de desenvolvimento do conceito
no nível 2 de regulamentação
Recorde-se que todas as empresas de investimento que negoceiem com recurso a uma
técnica de negociação algorítmica de alta frequência, independentemente de terem
apenas por objetivo a gestão de carteira própria, passarão a estar sujeitas ao objeto da
presente diretiva (art. 2.º, n.º 1 al. d, (iii) DMIF II).
Por este motivo é crucial uma definição clara e objetiva da definição de negociação
algorítmica de alta-frequência na qualidade de sub categorização da negociação
algorítmica, por forma a assegurar uma aplicação homogénea e consistente do âmbito
da presente regulamentação.
A fim de proporcionar os esclarecimentos necessários sobre esta matéria, a European
Securities and Markets Authority (ESMA) abriu um processo de consulta pública
(ESMA, 22 May 2014) oferecendo duas opções de definição de HFT. Uma primeira
baseada no tipo de infra-estrutura tecnológica e numa medida absoluta para mensurar
a atividade de negociação e, uma segunda opção, sobre uma medida relativa da
atividade de negociação.
Opção 1 – Infra-estruturas para minimizar a latência e aumentar a capacidade
Sobre a opção 1, uma empresa seria categorizada como HFT se uma das seguintes
estruturas – desenhadas para minimizar a latência ou aumentar a capacidade de
transferir dados para uma plataforma de negociação – apresentar as seguintes
evidências:
O servidor usado para iniciar, gerir, criar, executar, modificar ou cancelar as
ordens de mercado for diretamente próximo do servidor da sociedade gestora
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da plataforma de negociação;
Se existir recurso a uma infra-estrutura com uma largura de banda que permita
a transferência de um elevado volume de dados para o servidor da sociedade
gestora da plataforma de negociação;
Uma frequência de negociação de, em média, duas mensagens por segundo,
com base numa medida rotativa diária, extensível a um período máximo de 12
meses. Neste sentido, a ESMA considera que um volume médio de 75 mil
mensagens, ou mais, por dia de negociação deve ser considerado HFT.31
Da consulta pública resultou um conjunto de críticas favoráveis ao facto da definição
privilegiar a definição de HFT numa vertente exclusiva à atividade das empresas, numa
versão quase Germânica, sem depender de outros intervenientes.
Não obstante, ficou também destacado, de uma forma menos favorável, o carácter
qualitativo dos critérios que são suscetíveis a avaliações subjetivas; a elevada
probabilidade dos limites quantitativos enumerados tornarem-se obsoletos com a
evolução tecnológica, necessitando assim de revisão frequente; a referência a uma
largura de banda deveria de ser substituída por uma referência à rapidez da conexão –
uma vez que o ponto-chave dos HFT é a velocidade – e redução de latência, em
detrimento de capacidade.
A utilização da redução da latência juntamente com a frequência da negociação é um
ponto essencial para a correta definição do HFT. A ESMA, num relatório publicado em
31 Em termos metodológicos proceder-se-ia da seguinte forma: em primeiro lugar seriam calculados o dobro dos segundos disponíveis de um dia de negociação, que poderá variar em função da plataforma de negociação; em segundo lugar, seriam multiplicados pelo número de dias existentes durante um ano de negociação; em terceiro lugar, seria calculada a soma de mensagens de cada dia de negociação para efeitos de cálculo de uma média móvel diária com base em 250 dias de negociação. Note-se que por mensagens a ESMA entende todo o conteúdo que necessita de processamento independente. Assim por mensagem entende-se todas as novas introduções de ordens ou quotes, modificações e cancelamentos. Mais detalhe sobre o número de mensagens associado a cada tipo de ordens encontra-se no Anexo I do “RTS 9: Regulatory tecnhical standards on the ratio of unexecuted orders to transactions”.
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2014 (ESMA, 2014), classificou a atividade dos HFT nas plataformas de negociação e
conclui que a definição dos HFT, apenas com recurso a dados sobre a utilização de co-
localização, conduzia a uma sobreavaliação da mesma.
O estudo em apreço recorreu a dados sobre os HFT europeus e concluiu que 80%
destes recorrem ao serviço de co-localização, juntamente com 37% das casas de
investimento e 9% das empresas financeiras. Em suma, de modo a evitar a
sobreavaliação da definição de HFTs, a co-localização deverá ser complementada com
outra medida à definição de HFT.
Opção 2 – Capacidade para cancelar ou modificar ordens
Este conceito privilegia e assume que um HFT tem a capacidade de cancelar e
modificar ordens a um ritmo rápido de modo a assegurar que a estratégia de
investimento – subjacente à ordem inicial – está em linha com as condições de
mercado. Neste sentido as plataformas de negociação deveriam utilizar o tempo
médio de vida das ordens canceladas ou modificadas para a identificação de HFT.
Assim, as empresas cujo tempo médio de vida dessas ordens fosse inferior à média
calculada para todo o mercado, seriam classificadas como HFT. Para estas ordens,
estariam excluídas qualquer ordem que tivesse uma vida útil superior a 1 dia de
negociação.32
No que concerne a opção 2, as críticas favoráveis concentraram-se na existência de
uma medida menos limitativa, uma vez que respeita à duração média do tempo de
vida de uma ordem, o qual permite espaço para a evolução tecnológica e permite ser
calculada pela sociedade gestora da plataforma de negociação e não necessariamente
pela empresa de investimento. Por sua vez, as críticas desfavoráveis concentraram-se
em cinco pontos principais.
32 A visão preliminar da ESMA determinava que o cálculo do tempo médio de vida das ordens apenas deveria de ser calculado para os instrumentos líquidos no âmbito do artigo 2.º, n.º 17 do MIFIR.
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Em primeiro lugar, a inexistência de um limite objetivo, implica o risco de todas as
plataformas de negociação terem um HFT, na medida em que a empresa de
investimento que apresentar a menor média de vida útil de ordens, poderá ser
considerada como um HFT, independentemente da plataforma de negociação em
questão não possuir participantes HFT.
O critério de duração média do tempo de vida é suscetível de ser adulterado, na
medida em que para o efeito é suficiente a empresa de investimento colocar um
montante significativo de ordens com uma duração de tempo de vida superior a 1 dia
de negociação.
Por outro lado, o facto da classificação ser da responsabilidade da sociedade gestora
de negociação, poderia implicar um pedido elevado de esclarecimentos por parte das
empresas de investimento sobre a sua classificação.
Por fim, devido ao facto dos parâmetros constituírem uma função dos dados
específicos de cada plataforma de negociação, seria difícil uma implementação
harmonizada destes critérios.
Com o objetivo de dar resposta às preocupações levantadas durante a consulta pública
a ESMA utilizou uma base de dados, recolhida para a identificação dos HFT, com o
objetivo de testar a validade e adequabilidade das propostas acima mencionadas para
a definição de HFT (ESMA, 2014).
A amostra consistiu em 100 ações transacionadas na Bélgica, Alemanha, Espanha,
França, Irlanda, Itália, Portugal, Reino-Unido e Holanda, durante o mês de maio de
2013 em 12 plataformas de negociação. A heterogeneidade da amostra permitiu
concluir sobre o grau de correlação entre a atuação dos HFT e a capitalização bolsista,
volume transacionado e fragmentação dos ativos.
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Dado que não existe uma metodologia consensual para a mensuração dos HFT, a
ESMA utilizou três categorias de definição, nomeadamente:
Uma abordagem direta que define os HFT com base no negócio primário da
empresa ou na existência de co-localização;
Uma abordagem indireta que utiliza padrões de negociação e ofertas para
determinar os HFT;
Identificação das estratégias subjacentes às ordens e negociação para
classificar os algoritmos (market making, statistical arbitrage, momentum
ignition, entre outras).
Desta forma a amostra foi dividida em três categorias, “HFT”, “empresas de
investimento” e “outros”. O relatório começa por avaliar a “Opção 1”, onde um
membro de mercado seria considerado um HFT quando submetesse pelo menos 2
mensagens por segundo, referente a qualquer instrumento financeiro de todas as
plataformas de negociação.
Dado que a amostra apenas considera 100 ações, a Tabela 5 identifica como HFT o
membro que, pelo menos, para um ativo, tenha submetido um número de ordens
superiores aos valores limiares estabelecidos na Tabela 5. Em particular, sobre a
abordagem direta foram identificados 181 HFT, no entanto quando considerados os
limites (threshold) apenas 16, desses 181, submeteram 2 mensagens por segundo.
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Tabela 5 – Número de membros que preenchem os requisitos de HFT sob abordagem direta e
sob diferentes limiares de números de mensagens por segundo
Os dados permitem concluir que um membro de mercado pode exibir um
comportamento intensivo de introdução de mensagens em todos os instrumentos
financeiros, que se não atingir o limiar necessário para a categorização, não é
classificado como HFT.
De forma a responder a esta lacuna a ESMA propôs no Final Report (ESMA, 19
December 2014) a existência de dois limiares, um por instrumento e outro por
instrumento e plataforma de negociação:
Limite absoluto por instrumento: um participante ou membro de
negociação que apresente, numa sessão de negociação, um número médio
de ordens por segundo, num instrumento financeiro líquido, superior a
duas unidades atingiria o limiar máximo de ordens intradiárias.
Limite absoluto por instrumento e por plataforma de negociação: um
participante ou membro de negociação que submeta, em média, pelo
menos quatro ordens por segundo em respeito a todos os instrumentos de
uma plataforma de negociação, ou duas ordens por segundo em respeito a
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um único instrumento numa determinada plataforma, seria considerado
atingir o limiar máximo de ordens intradiárias.
O relatório (ESMA, 2014) avalia também a “Opção 2” que previa que as empresas, cujo
tempo médio de vida das ordens canceladas ou modificadas fosse inferior à média
calculada para todo o mercado, seriam classificadas como HFT.
Tabela 6 – Número de membros que preenchem os requisitos de HFT sob abordagem direta e
sob diferentes percentis de tempo de vida das ofertas canceladas ou modificadas
Sob a opção 2, dos 181 HFT identificados pela abordagem direta, 61 encontram-se no
10º percentil. Note-se que o 30º percentil apresenta o ponto de inflexão entre os
rendimentos crescentes (verificados entre o 10º e 30º percentil) e os rendimentos
decrescentes (verificados entre o 30º e 50º percentil).
Assim, no Final Report (ESMA, 19 December 2014) é também proposto ser
considerado um limite relativo para a definição de HFTs:
Limite relativo: um participante ou membro de negociação seria
considerado ter atingido o limiar máximo de ordens intradiárias quando a
duração média diária do tempo de vida das suas ordens, canceladas ou
modificadas, fosse inferior a um limite, 40º ou 20º percentil, da duração
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média diária do tempo de vida de todas as ordens canceladas ou
modificadas submetidas a uma determinada plataforma de negociação.
Regulamento Delegado de 25.4.2016
Em abril de 2016 foi publicado o Regulamento Delegado que completa a DMIF II,
nomeadamente sobre a definição de “negociação algorítmica” – artigo 18.º – e de
“técnica de negociação algorítmica de alta frequência” – artigo 19.º.
Sobre esta matéria destacam-se os esclarecimentos sobre o conceito de “elevadas
taxas de mensagens intradiárias” constante no Art. 4.º, n.º 1, alínea 40-c):
“As elevadas taxas de mensagens intradiárias nos termos do artigo 4.º, n.º 1,
ponto 40, da Diretiva 2014/65/UE consistem no envio, em média, de um dos
seguintes:
o (a) Pelo menos duas mensagens por segundo no que diz respeito a um
único instrumento financeiro negociado numa plataforma de
negociação;
o (b) Pelo menos quatro mensagens por segundo no que diz respeito a
todos os instrumentos financeiros negociados numa plataforma de
negociação.”
Em suma a clara diferenciação entre a definição de negociação algorítmica e de alta-
frequência é fundamental para os agentes económicos, dada a maior exigência
regulatória exigida às entidades que sejam classificadas como HFT. Nomeadamente,
destaca-se o facto de qualquer empresa que negoceie apenas para carteira própria
mas que aplique uma técnica de negociação algorítmica e de alta frequência passar a
estar abrangida pela DMIF II. Em segundo lugar, os HFT ficarem também sujeitos a um
formato de reporte harmonizado nos termos do art. 17.º, n.º 2 da DMIF II.
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3. Para além do conceito no nível 2 de regulamentação
No Discussion Paper (ESMA, 22 May 2014) de maio e na consulta pública lançada em
dezembro (ESMA, 19 December 2014), a ESMA esclarece sobre questões de requisitos
organizacionais para as entidades que realizem negociação algorítmica.
Nomeadamente, está prevista a realização de testes de conformidade aos algoritmos
através de simulações para testar a parametrização e o funcionamento destes nas
plataformas em ambiente de negociação, antes de integrarem a negociação real. De
forma a garantir que os algoritmos não colocam em causa a integridade do mercado,
as plataformas de negociação deverão assegurar que os ambientes de teste simulam, o
mais proximamente possível, a realidade de negociação subjacente à plataforma;
Esta matéria é regulada pelos artigos 5.º a 8.º do RTS 6: Regulation on the
regulatory technical standards specifying the organizational requirements
of investment firms engaged in algorithmic trading, providing direct
electronic access and acting as general clearing members, (“RTS 6”) (ESMA,
2015).
Implementação de sistemas de controlo de riscos pré e pós-negociais que incluam
indicações sobre (i) limites estáticos ou dinâmicos (collars) sobre os preços, (ii)
indicadores sobre o volume ou valor máximo das ordens (iii) limites sobre o número de
ordens que o sistema envia por segundo (throttles); (iv) limites sobre as estratégias de
posições longas e curtas; (v) funções de paragem automática, entre outros;
Esta matéria é regulada pelos artigos 12.º a 18.º do RTS 6 (ESMA, 2015).
Manutenção de um registo por 5 anos das transações efetuadas através de
algoritmos, informação sobre as estratégias tomadas pelos algoritmos;
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Esta matéria é regulada pelos artigos 28.º e 29.º do RTS 6 (ESMA, 2015).
O registo e posterior reporte das transações nos termos dos artigos 25º e 26º do
MIFIR, implicam a identificação do algoritmo responsável pela decisão do investimento
e pela execução da ordem. Adicionalmente, nos casos em que exista interação de
algoritmos, ou seja, algoritmos a servirem de input aos parâmetros de outros
algoritmos, a ESMA entende que deverá ser a empresa de investimento a decidir como
reportar a informação, em conformidade com as seguintes instruções, nos termos do
art. 26.º, n.º 3 do MIFIR.
Destaque para o facto de, em dezembro, a ESMA ter abandonado a obrigação dos HFT
manterem o registo detalhado dos parâmetros dos algoritmos e das mensagens do
mercado, devido ao elevado custo que representaria para as empresas. Assim, o
registo de ordens deve ser mantido nos termos dos artigos 17.º, n.º 2, e n.º 7, al. d) da
DMIF II complementado pelos artigos 28.º e 29.º do RTS 6 (ESMA, 2015).
Implementação de sistemas de monotorização de transações que possam ser
suspeitas de colocar em causa a integridade do mercado;
Esta matéria é regulada pelo artigo 13.º do RTS 6 (ESMA, 2015).
O art. 48.º, n.º 6 da DMIF II recorre à definição de rácio de ordens não executadas
face às transações (order-to-trade ratio: OTR33). A ESMA esclarece que o OTR é
geralmente definido pelo total de ordens introduzidas sob o total de transações
realizadas.
Por ordens a ESMA entende todas as mensagens incluindo as submetidas, modificadas
de preço ou de volume e canceladas. Note-se que a ESMA prevê que as plataformas de
33 Order-to-trade – rácio que contabiliza o número de ofertas introduzidas por um determinado intermediário financeiro e o número de transações efetuadas pelo mesmo. A importância do rácio respeita ao facto de permitir avaliar o risco de manipulação do preço.
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negociação tenham a capacidade de estabelecer um rácio OTR máximo permitido de
forma a prevenir o excesso de volatilidade na negociação dos instrumentos
financeiros;
Esta matéria é regulada pelo RTS 9 “Regulatory Technical standards on the
ratio of unexecute orders to transactions” (ESMA, 2015). Sob o artigo 1.º e
3.º do presente RTS, as plataformas de negociação são obrigadas a calcular
um rácio máximo OTR – sobre o qual a ESMA, na última revisão, deixa a
definição ao critério das plataformas – e um rácio OTR – para todos os
membros ou participantes no mercado e para todos os instrumentos
financeiros transacionados no final do dia de negociação – de acordo com a
seguinte metodologia:
o F1 = (Volume total das ofertas/volume total dos negócios)-1
o F2 = (Número total das ofertas/número total de negócios)-1
O rácio OTR calculado para um instrumento financeiro, de um determinado membro
ou participante, deverá ser considerado excessivo se ultrapassar o rácio máximo OTR
estipulado pela plataforma.
Os serviços de partilha de instalações (co-localização), previstos no art. 48.º, n.º 8 da
DMIF II, podem ser considerados sob três aspetos, nomeadamente: o nível de acesso
concedido às entidades, o preçário exigido e o suporte técnico prestado. Neste sentido
todas as três dimensões, sem prejuízo de outras, deverão ser geridas numa lógica de
prestação dos serviços justa, não-discriminatória e transparente;
Esta matéria é regulada pelo RTS 10 “Regulatory technical standards on
requirements to ensure co-location and fee structures are fair and non-
discriminatory” (ESMA, 2015). Em detalhe a descriminação de preços é
permitida desde de que com igual acesso de oportunidades. No entanto
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qualquer acesso que permita ou facilite negociação intensiva que coloque
em causa a integridade do mercado é estritamente proibida.
No Final Report (ESMA, 19 December 2014), a ESMA clarificou ainda quatro assuntos, a
saber: (i) as decisões de negociação e otimização automática da execução de ordens
estão incluídas na definição de negociação algorítmica; (ii) se existirem ajustes
automáticos em qualquer fase de processo de criação, introdução, gestão ou execução
de uma ordem são considerados “pouco ou nenhuma intervenção humana”; (iii)
prevê-se que estes critérios sejam aplicados quer a ordens quer a quotas e (iv) por fim,
estão excluídos da definição os mecanismos automáticos, cuja funcionalidade exclusiva
seja a seleção de plataforma de negociação, desde que não apresente intervenção em
qualquer outro parâmetro subjacente à ordem.
Adicionalmente, a ESMA considera que a aplicação da definição de HFT deverá ser,
pelo menos numa primeira fase, aplicada a instrumentos financeiros líquidos. Desta
forma são abrangidas as preocupações sugeridas pelos investidores que referiam que,
perante a atual definição, mesmo as empresas que não praticam negociação
algorítmica poderiam ser classificadas como tal, por apresentarem um tempo médio
de vida útil das ordens significativamente baixo.
Esta medida tem impacto direto nos membros de mercado que seguem estratégias de
criação de mercado. Dado que todos os HFT, criadores de mercado ou não, que
atuarem sobre instrumentos financeiros ilíquidos não seriam classificados como HFT,
mas qualquer empresa de investimento que atuasse como criadora de mercado num
instrumento financeiro líquido seria automaticamente categorizada como HFT.
No caso de uma empresa de investimento ser classificada como HFT devido a ordens
de clientes, a empresa pode pedir à autoridade competente uma reavaliação da
classificação atribuída pela entidade gestora da plataforma de negociação.
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Esta questão é visível nas recomendações da ESMA, nomeadamente sobre a
necessidade de apenas serem consideradas as ordens de responsabilidade direta da
entidade. Nomeadamente, as ordens iniciadas por clientes ou pela plataforma de
negociação não deverão entrar para a contabilização das ordens que conduzem à
definição de HFT. A título de exemplo, o Anexo I do RTS 9 (ESMA, 2015), demonstra
que a introdução de ordens do tipo stop, pegged-orders ou Fill-or-kill apenas
contabilizam 1 ordem da responsabilidade da entidade, dado que o momento em que
são ativadas é gerado pela plataforma de negociação.
Por fim, a ESMA esclarece também que a classificação de HFT atribuída a uma empresa
de investimento deverá ser válida para todas as plataformas de negociação
pertencentes à União Europeia. Não obstante, em matéria de registo de ordens ou
reporte de transações os deveres dos HFT não diferem dos deveres previstos para as
empresas de investimento que utilizem negociação algorítmica. O conteúdo dos
deveres é semelhante, apenas o formato de reporte terá de ser consistente com art.
17.º da DMIF II.
Ainda sobre a negociação algorítmica, o relatório em apreço esclarece que sobre as
Automated Order Routing (“AOR”) e as Smart Order Routing (“SOR”).
As AOR utilizam algoritmos que têm por objetivo a determinação das plataformas de
negociação para a introdução de ordens. Dado que não alteram a componente das
ordens, o artigo 4.º, n.º 1, al) 39 da DMIF II excluí-as do âmbito da diretiva.
Por sua vez as SOR constituem algoritmos utilizados para a otimização do processo de
execução das ordens. Em particular, as SOR constituem algoritmos que além de
selecionarem as plataformas de negociação mais adequadas, otimizam os parâmetros
das ordens, como o tempo, o volume, o preço entre outros. Podem ser consideradas
como exemplos as ordens com funções de ativação ou de aparência como as stop-loss
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ou iceberg, respetivamente.
Em suma, enquanto que, as AOR não estão abrangidas pelo conceito de negociação
algorítmica as SOR estão.
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IV. Conclusão
O desenvolvimento e crescimento dos mercados financeiros tem-se traduzido num
veículo para a globalização e internacionalização das economias, das empresas e dos
indivíduos. Contribui para a angariação de capital, através do mercado de capitais,
para a transferência do risco, através do mercado de derivados e para a promoção do
comércio internacional, através do mercado cambial e monetário.
É portanto natural e racional esperar que os participantes deste mercado se
preocupem com a qualidade do mercado em que planeiam investir. De forma a atrair
estes agentes e a proporcionar uma cultura financeira transparente, é preciso
assegurar serviços financeiros que garantam a integridade do mercado.
Na cultura financeiro-económica é consensual admitir que o abuso de mercado é uma
das maiores ameaças ao bem-estar dos mercados financeiros. O abuso de mercado
favorece e destaca falhas como a assimetria de informação e ineficiências na formação
do preço.
Na última década assistiu-se à afirmação de uma nova forma de intervir nestes
mercados financeiros, a negociação algorítmica e de alta frequência (HFT). O impacto
que estes novos agentes proporcionaram nos mercados financeiros afirma-se pelos
efeitos que demonstram: na liquidez das plataformas de negociação, na volatilidade
das cotações dos ativos, na inovação das microestruturas do mercado como é exemplo
os serviços de co-localização ou até mesmo nas novas formas de trading.
O conceito económico de negociação algorítmica engloba toda a intervenção nos
mercados financeiros cuja decisão de investimento ou gestão de ordens seja efetuada
por um algoritmo matemático, com pouco ou nenhum recurso à intervenção humana.
Por técnicas de negociação de alta frequência (HFT) entende-se um sub grupo da
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negociação algorítmica, especialmente caraterizada pela elevada capacidade de
transmitir informação, baixa latência e elevada rapidez de introdução ou modificação
de ordens.
O presente ensaio propôs-se assim a compreender e a caraterizar este novo tipo de
negociação algorítmica e de alta frequência. Adicionalmente, preocupou-se em
compreender em que medida poderão existir riscos para a integridade do mercado.
Para o efeito foram estudadas quatro estratégias consensualmente associadas aos
HFT, a saber: as estratégias passivas, de market-making e as estratégias agressivas, de
arbitragem, estruturais e direcionais.
Sobre as potenciais vantagens e desvantagens dos HFT nos mercados financeiros, a
literatura académica apresenta opiniões polarizadas sobre esta matéria. Parece ser
razoável afirmar que, numa análise custo-benefício ceteris-paribus, as estratégias
passivas apresentam mais vantagens para o mercado quando comparadas às
estratégias agressivas.
A título de exemplo, as estratégias passivas contribuem para o aumento da liquidez e
redução da volatilidade intradiária. Por outro lado, a literatura não é consensual sobre
o impacto que as estratégias agressivas apresentam, quer na liquidez quer na
volatilidade, embora aparentem estar na génese do aumento dos custos de seleção
adversa e de transação para os investidores.
Adicionalmente, num espectro teórico e dado que os HFT atuam no curto prazo, ou
seja são investidores que detêm frequentemente posições flat no final das sessões de
negociação, a teoria financeira prevê que, em equilíbrio, os mercados financeiros
dominados por estes investidores, são menos eficientes no que concerne à formação
de preços porque tendem a não incorporar a informação de médio e longo prazo nas
decisões de investimento.
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Numa análise direcionada sobre o risco para a integridade do mercado, foram
analisados relatórios sobre a atuação dos HFT, divulgados por cinco reguladores e
supervisores Europeus, entre os quais a CMVM. Dessa análise resultou o destaque das
estratégias implementadas por HFT que se consideraram serem idóneas para
constituírem manipulação de mercado, com especial destaque para as estratégias
direcionais, tais como o layering, momentum ignition, spoofing e as de arbitragem pelo
risco de quote-stuffing.
Adicionalmente, o presente ensaio pretende contribuir para a presente literatura
através de uma análise sobre em que medida as estratégias dos HFT se consideram
serem idóneas para constituir um risco no âmbito de abuso de informação. Apesar de
atualmente o tema ter pouco destaque na Europa é um tema de forte contestação nos
Estados-Unidos. As estratégias estruturais, como a deteção de ordens, podem ser
idóneas para constituir um risco de front-running devido à existência de serviços de co-
localização.
Em suma, apesar das técnicas de negociação associadas aos HFT não constituírem
particularmente uma novidade no seu conceito, a sofisticação da tecnologia utilizada,
a quantidade de dados transmitidos e a multiplicidade de plataformas utilizadas pela
maioria das estratégias, constitui um risco para a integridade do mercado e um desafio
para o regulador e supervisor quando este pretende investigar a materialidade de
potenciais indícios de abuso de mercado.
Complementarmente, o presente ensaio também se propôs a estudar os novos
desenvolvimentos regulatórios constantes na Diretiva 2014/65/EU (DMIF II), no
Regulamento N.º 600/2014 (MIFIR) e no Regulamento n.º 596/2014 (MAR), os quais
constituem a primeira resposta Europeia harmonizada, posterior ao German High-
Frequency Trading Act. Numa lógica de criar linhas de orientação que permitam uma
consulta célere sobre a matéria legal aplicável aos HFT, foi construído um resumo das
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principais componentes regulatórias.
Através da análise do nível 1 e 2 da regulamentação Europeia sobre as microestruturas
de mercado, pretendeu-se identificar as futuras ferramentas de que os reguladores e
supervisores vão dispor para supervisionar estes agentes financeiros cujas estratégias
de negociação tão pouco consenso têm gerado sobre a matéria de abuso de mercado
e sobre o impacto na eficiência financeira.
A título conclusivo, o presente ensaio pretendeu, sobretudo, sensibilizar para o facto
de que o impacto da atuação dos HFT nos mercados financeiros não é consensual e
carece de especial atenção por parte dos reguladores e supervisores no que concerne
a matéria jurídica sobre os crimes de mercado.
Em matéria de manipulação de mercado destacam-se especialmente as estratégias
agressivas de arbitragem, estruturais e direcionais, que carecem de uma especial
atenção no âmbito do enforcement do novo MAR.
Em matéria de abuso de informação pretende-se alertar para os riscos que os serviços
de co-localização representam para o mercado, dado que acentuam a assimetria de
informação e poderão constituir um potencial risco em matéria de front-running.
Em suma, conclui-se que as estratégias de negociação associadas a HFT apresentam
efeitos polarizados nos mercados financeiros. Assim, o regulador e supervisor enfrenta
um trade-off no processo de regular e supervisionar uma matéria sensível com a
finalidade de resultar no estímulo das vantagens dos HFT e no desincentivo, ou mesmo
proibição, da atuação idónea para prejudicar a integridade do mercado (Almeida,
2016).
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