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6|Abr/Jun 2008|JJ Imprensa gratuita Um admirável mundo novo? Em 2007 eram distribuídos quase trezentos jornais gratuitos um pouco por todo o mundo, cabendo à Europa cerca de metade dos títulos. Segundo o investigador holandês Piet Bakker, numa dúzia de países o jornal com maior circulação era precisamente um gratuito. Portugal não fica atrás e contribui para a quota de pelo menos trinta milhões de exemplares em trânsito no Velho Continente. N o final dos anos 80, o jornal “O Século”, então dirigido por Artur Albarran, foi distribuído gra- tuitamente durante um curto período. Porém, só uma dúzia de anos passados sobre esta ten- tativa vã, os gratuitos se revelaram um formato de sucesso. Em Maio de 1996, o Jornal da Região abriu o caminho que, cinco anos depois e em moldes distintos, o Destak trilharia. Paulo Parracho, director do Jornal da Região, revelou à JJ que, ao longo de doze anos no mercado, o título “tentou ao máximo alargar a faixa de leitores”, pretendendo alcançar um público “urbano, activo e com poder de compra”. Este perfil, descrito por todos os gratuitos de maior tiragem, não deveria ser, pela lógica, o do comprador da imprensa tradi- cional? “Deveria ser. No entanto, a tendência é para uma diminuição do número de leitores nos pagos. Como tal, há que levar a leitura e a informação a quem deixou de a com- prar ”, assinalou o responsável. Uma leitura diferente faz João Bonzinho, director do Sexta, para quem “as grandes cidades têm hoje um conjunto de pessoas activas com um poder de compra bem inferior ao que seria desejável” e os gratuitos pretendem “estimulá-las a ler, a desenvolver um maior desejo de estarem informadas”. Para Luís Rebola, director de marketing do Metro, o que se verifica é, antes, um desajustamento: “A vida acelerada dessas pessoas não lhes permite ler jornais com tanta pro- fundidade”, declarou à JJ. “A generalidade dos pagos não se moldou à evolução de uma sociedade em que o ritmo de vida das pessoas durante a semana é incompatível com páginas e páginas de notícias demasiado longas”, considera, por seu lado, Francisco Pinto Barbosa, um dos três sócios do Destak e do Meia Hora. A profundidade e a extensão das notícias na impren- sa tradicional são, efectivamente, avaliadas de forma dis- tinta no segmento dos gratuitos. Enquanto João Bonzinho – que dirige um título detido pelos diários Público e A Bola – defende que “os jornais pagos ofere- cerão sempre o que os gratuitos jamais conseguirão: um trabalho mais profundo”, Luís Rebola, entende que “a imprensa tradicional nunca deixará de ter muitos artigos de opinião, pouco interessantes para quem tem pouco tempo para ler ”. E Francisco Pinto Barbosa defende mesmo que os leitores que procuram notícias resumidas “são, por vezes, os mais exigentes, já que não têm tempo a perder com informação excessiva”, enquanto Luís Rebola acredita que as notícias sintéticas podem conquistar até os leitores mais difíceis de contentar. “O chefe de gabinete do Presidente da República Jorge Sampaio pediu-nos para ter acesso diário ao Metro. É um exemplo de leitor exigente”, afir- mou à JJ. QUE FUTURO PARA A IMPRENSA TRADICIONAL? Perante o crescente número de gratuitos, alguns diários pagos passaram, no âmbito de campanhas temporárias, a ser oferecidos em hipermercados ou estações de serviço – estratégia que não é vista pelos responsáveis dos gratuitos como resposta ao êxito destes órgãos. “Um gratuito não é um jornal tradicional a custo zero; TEMA Textos Helena de Sousa Freitas Fotografias Luís Humberto Teixeira

TEMA Imprensa gratuita

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6|Abr/Jun 2008|JJ

Imprensa gratuitaUm admirável mundo novo?Em 2007 eram distribuídos quase trezentos jornais gratuitos umpouco por todo o mundo, cabendo à Europa cerca de metade dostítulos. Segundo o investigador holandês Piet Bakker, numa dúzia depaíses o jornal com maior circulação era precisamente um gratuito.Portugal não fica atrás e contribui para a quota de pelo menos trintamilhões de exemplares em trânsito no Velho Continente.

No final dos anos 80, o jornal “O Século”, entãodirigido por Artur Albarran, foi distribuído gra-tuitamente durante um curto período. Porém,só uma dúzia de anos passados sobre esta ten-

tativa vã, os gratuitos se revelaram um formato de sucesso.Em Maio de 1996, o Jornal da Região abriu o caminho que,cinco anos depois e em moldes distintos, o Destak trilharia.

Paulo Parracho, director do Jornal da Região, revelou à JJque, ao longo de doze anos no mercado, o título “tentou aomáximo alargar a faixa de leitores”, pretendendo alcançarum público “urbano, activo e com poder de compra”. Esteperfil, descrito por todos os gratuitos de maior tiragem, nãodeveria ser, pela lógica, o do comprador da imprensa tradi-cional?

“Deveria ser. No entanto, a tendência é para umadiminuição do número de leitores nos pagos. Como tal, háque levar a leitura e a informação a quem deixou de a com-prar”, assinalou o responsável.

Uma leitura diferente faz João Bonzinho, director doSexta, para quem “as grandes cidades têm hoje um conjuntode pessoas activas com um poder de compra bem inferior aoque seria desejável” e os gratuitos pretendem “estimulá-las aler, a desenvolver um maior desejo de estarem informadas”.

Para Luís Rebola, director de marketing do Metro, o quese verifica é, antes, um desajustamento: “A vida aceleradadessas pessoas não lhes permite ler jornais com tanta pro-fundidade”, declarou à JJ.

“A generalidade dos pagos não se moldou à evoluçãode uma sociedade em que o ritmo de vida das pessoasdurante a semana é incompatível com páginas e páginas

de notícias demasiado longas”, considera, por seu lado,Francisco Pinto Barbosa, um dos três sócios do Destak edo Meia Hora.

A profundidade e a extensão das notícias na impren-sa tradicional são, efectivamente, avaliadas de forma dis-tinta no segmento dos gratuitos. Enquanto JoãoBonzinho – que dirige um título detido pelos diáriosPúblico e A Bola – defende que “os jornais pagos ofere-cerão sempre o que os gratuitos jamais conseguirão: umtrabalho mais profundo”, Luís Rebola, entende que “aimprensa tradicional nunca deixará de ter muitos artigosde opinião, pouco interessantes para quem tem poucotempo para ler”.

E Francisco Pinto Barbosa defende mesmo que osleitores que procuram notícias resumidas “são, por vezes,os mais exigentes, já que não têm tempo a perder cominformação excessiva”, enquanto Luís Rebola acredita queas notícias sintéticas podem conquistar até os leitores maisdifíceis de contentar. “O chefe de gabinete do Presidenteda República Jorge Sampaio pediu-nos para ter acessodiário ao Metro. É um exemplo de leitor exigente”, afir-mou à JJ.

QUE FUTURO PARA A IMPRENSA TRADICIONAL?Perante o crescente número de gratuitos, alguns diáriospagos passaram, no âmbito de campanhas temporárias, aser oferecidos em hipermercados ou estações de serviço –estratégia que não é vista pelos responsáveis dos gratuitoscomo resposta ao êxito destes órgãos.

“Um gratuito não é um jornal tradicional a custo zero;

TEMA

Textos Helena de Sousa Freitas Fotografias Luís Humberto Teixeira

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aposta num modelo editorial, operacional e comercial dis-tinto”, esclarece Francisco Pinto Barbosa. Também LuísRebola destaca que o conceito de gratuito “é mais alarga-do”, pelo que “não basta mudar os pontos de distribuiçãoe começar a oferecer o que antes era vendido”.

Para Paulo Parracho, essa “não será a melhor estratégiapara afirmar a qualidade dos jornais pagos”. “Como leitor,sinto-me defraudado ao comprar o Público num posto devenda de um centro comercial e depois chegar ao balcãodo hipermercado associado ao mesmo e deparar com essaedição a ser distribuída gratuitamente”, declarou.

Na opinião do director do Jornal da Região, face ao difícilcenário da imprensa tradicional, os produtos tenderão a sermais específicos. “Ou seja, se quiser determinada publicaçãode especialidade, terei de pagar por ela”. E os órgãos gene-ralistas? “Provavelmente deixarão de ter compradores”.

Para Francisco Pinto Barbosa, os pagos terão “de justi-ficar melhor o preço que cobram pela sua informação”,pois, “se for idêntica à que está disponível gratuitamente,vão continuar a perder leitores”.

O director do Sexta faz outra análise. Se estiver emcausa apenas a notícia pura e simples, o “digest” de cadadia, a comunicação telegráfica, “o caminho era, há muito,o de não pagar por essa informação”. “Mas julgo quesobreviverão sempre os jornais pagos que acrescentarem ocomentário, a análise cuidada e aprofundada, a repor-tagem no local, a opinião”, declarou João Bonzinho à JJ.

ENTRE A CONCORRÊNCIA E A PARCERIAFrancisco Pinto Barbosa, do Destak e do Meia Hora, detidos

“Há que levar a leiturae a informação a quem deixoude a comprar”PAULO PARRACHO, DIRECTOR DO

JORNAL DA REGIÃO

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em parte pela Cofina, que possui títulos pagos como oCorreio da Manhã, não vê nos gratuitos apenas umaameaça aos convencionais, pois, como estes também procu-ram captar a população activa e com poder de compra,visando nomeadamente os mais jovens e as mulheres, “osgratuitos, ao criarem hábitos de leitura nestas faixas, podemvir a contribuir para uma maior penetração dos pagos”.

Uma lógica próxima da expressa pelo director doGlobal Notícias, para quem “o gratuito é o produto maistransversal da imprensa”.

“Não fizemos um jornal para canibalizar os outros títu-los da Controlinveste, mas para funcionar como alavanca,como motivador para a sua leitura”, disse Silva Pires à JJ,explicando que a redacção do Global Notícias “são asredacções do DN, do JN, do Jogo...” Uma opção que susci-tou descontentamento aquando da criação do gratuito.

Silva Pires assegura que, actualmente, “a inserção doGlobal na Controlinveste é pacífica e o jornal não faz cóce-gas a ninguém”, mas a JJ apurou, junto de jornalistas deoutros títulos do grupo, que persiste um certo mal-estarpela inexistência de pagamento e por as peças muito rara-mente surgirem assinadas, tendo questionado o directordo Global Notícias sobre o assunto.

“Não vejo que devesse haver retribuição extra quando oGlobal Notícias publica um artigo feito para outro jornal dogrupo, pois com isso o jornalista está a promover o órgãoque lhe paga o ordenado”, afirmou Silva Pires, que rejeitouigualmente a queixa relativa às peças não assinadas.

VEÍCULOS NOTICIOSOS OU PUBLICITÁRIOS?Segundo a Mediamonitor, em 2007 os gratuitos de maiortiragem facturaram, no seu conjunto, quase 70 milhões deeuros em publicidade. Números expressivos no espaçoocupado pelos anúncios.

De acordo com o estudo “Imprensa sob pressão – Asdinâmicas competitivas no mercado da imprensa escritaportuguesa entre 1985 e 2007”, que o OberCom publicou oano passado, o Metro e o Destak destinam à publicidadeuma média de 40,9% e 41,8% das suas edições, ficando,ainda assim, longe da Dica da Semana, que lidera com80,4%.

Francisco Pinto Barbosa disse existir, efectivamente, ocuidado de “não ultrapassar um rácio de 40%” nos jornaisde que é sócio. Até porque, sendo o leitor, enquanto desti-natário indirecto da publicidade, quem “sustenta o mode-lo de negócio”, ele tem de ser “bem servido do ponto devista editorial”. Isto ainda que os leitores tenham a noçãode que “o jornal tem de ser pago por alguém, já que lhesfoi oferecido”, como explicou o director de marketing doMetro, Luís Rebola.

Mas, havendo um encaixe publicitário elevado e nãosendo os custos de distribuição avultados, porque razão asredacções dos gratuitos são tão diminutas ou até inexis-tentes?

Silva Pires ponderou: “Do ponto de vista romântico, faz

TEMA imprensa gratui ta

“Um gratuito não é um jornaltradicional a custo zero; apostanum modelo editorial,operacional e comercialdistinto.”FRANCISCO PINTO BARBOSA, SÓCIO DO

DESTAK E DO MEIA HORA

“Do ponto de vista romântico,faz sentido um jornal investir osganhos da publicidade nacriação de postos de trabalho,mas do ponto de vista prático ascoisas são diferentes.”SILVA PIRES, DIRECTOR DO GLOBAL

NOTÍCIAS

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Lançamento 06/Maio/1996 21/Setembro/2001 11/Janeiro/2005 06/Junho/2007 10/Setembro/2007 26/Outubro/2007

Propriedade Publiregiões(Impresa)

Metro News (59% Cofina)

Transjornal(65% Empresasueca MetroInternacional e35% MediaCapital)

Metro News(59% Cofina)

Controlinveste VIPU ACE (50% Público[Sonaecom] e50% A Bola[SociedadeVicraDesportiva])

Vínculoslaborais dosjornalistas

Publicação

50% efectivos e50% a reciboverde, segundo aempresa

90% efectivos e10% a contrato,apurou a JJ

80 a 90%efectivos erestantes a contrato,apurou a JJ

Não foi possívelapurar dados

Todos efectivos,segundo aempresa

62,5% efectivos,25 % a contrato,12,5% a recibos,segundo aempresa

Director(a) Paulo Parracho Isabel Stilwell Luís Pimenta Sérgio H. Coimbra Silva Pires João Bonzinho

Distribuiçãogeográfica

Terça-feira emSintra, quarta-feirana Amadora e emCascais, quinta-feira em Almada eOeiras e sexta-feira em Lisboa 2

Lisboa, Porto,Braga, Guimarães,Coimbra, Aveiro,Leiria e Setúbal

Aveiro, Braga,Coimbra, Évora,Faro, Guimarães,Leiria, Lisboa,Porto e Setúbal elocalidades emredor destascidades 4

Grande Lisboa eGrande Porto.

ÁreasMetropolitanas de Lisboa e Porto

Grande Lisboa eGrande Porto ecoberturanacional comoencarte doPúblico e de ABola

Equiparedactorial(não incluicartoonistas nemgráficos) 1

1 director, 1 chefede redacção,10 colaboradores

1 directora,2 editores-executivos,1 subeditora,8 jornalistas, 3 estagiários,2 fotógrafos,1 revisora,1 colaboradora,1 assistente deredacção

1 director,1 editora-executiva,3 editoras,10 jornalistas,2 fotógrafos,1 editora de fecho,25 colaboradores,1 secretária de redacção

1 director, 1 chefede redacção, 2 editoras, 2 coordenadores,7 jornalistas, 1 revisora, 3 colaboradores, 1 assistente de redacção

1 director, 2editores-executivos, 1assistentede redacção; não tem redac-tores próprios,pois reaproveitaconteúdos dosoutros órgãos dogrupo

1 director, 1director-adjunto,4 jornalistas, 1 colaborador, 1 secretária de redacção

Canais dedistribuição

Nas caixas de correio emzonas residenciais,em transportespúblicos (comexcepção de Lisboa) e emexpositores dezonas comerciais eestabelecimentosabertos ao público

Rede assente emestações de comboio,estações demetro, semáforos,centroscomerciais ezonas de grandefluxo

Na rua, emsemáforos, emcomboios, emcentros comerciaisda Sonae, parquesde estacionamentoda Emel,Emparque eBragaparques e noMetropolitano deLisboa. Em 102universidades, emclínicas, edifíciosde escritórios e ginásios

Rede gourmet erede deescritórios,complementadapor selecção dosprincipaissemáforos naszonas deescritórios de Lisboa e Porto.Tem mais de 100promotores eacções exclusivas em cerca de 50táxis lisboetas

Distribuição de rua,expositores em universidades,hospitais, centrosde saúde eescritórios; parceriacom Caixa Geral deDepósitos, ginásiosVivafit, cinemasCastello Lopes,centros comerciaisDolce Vita e MultiMall Management,Rodoviária de Lisboa, IPJ eMovijovem

Via parceirosinstitucionais(Público e ABola) e parceirosestratégicos: as 33 lojasContinente e as 84 lojas GalpGest; tem aindadistribuição de rua na GrandeLisboa e GrandePorto

Descriçãodo órgão epúblico-alvo

Semanáriometropolitano de proximidade;investe noconteúdo sobre aszonas onde édistribuído e visa asclasses A, B e C1

Diário 3

generalista,destina-se a jovens(18-35) urbanoscom pouco tempopara ler e poder de compra(classes A, B e C)

Diário para umpúblico entre os18 e os 40 anos,urbano, ocupado,com instruçãoacima da média e rendimentosmédio-altos

Diário queprivilegia Política,Economia e Internacional ese dirige aosquadros médios esuperiores e às classes A e B

Diário generalistade feição popular e sem restriçõesde classes quepretende captarleitores no trajectocasa/trabalho

Semanáriogeneralistapensado para a populaçãoactiva e urbanadas classesB e C

RETRATO DOS PRINCIPAIS GRATUITOS NOTICIOSOS

NOTAS: 1) Dados de Abril de 2008, de acordo com as fichas técnicas dos títulos. 2) O Jornal da Região, remodelado em Setembro de 2005, chegou a terdezena e meia de edições locais. 3) O Destak passou de semanário a diário em 2004 e apostou na internacionalização em Julho de 2006, com a criação doDestak São Paulo. 4) O Metro está presente em 23 países, mais de 100 grandes cidades e é publicado em 18 línguas, tendo a edição portuguesa – que tevenúmeros experimentais a 30 e 31 de Dezembro de 2004 – sido eleita a melhor de 2007 pela Metro Internacional.

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TEMA imprensa gratui ta

AMOSTRA DE GRATUITOS PORTUGUESES

Publicação Sede Caracterização Tiragem Redacção 1

NOTAS: 1) Na categoria “redacção” figuram redactores e colaboradores. Não se incluem chefias, que por vezes coincidem com os proprietários e não redigempeças, nem colunistas, que em regra escrevem graciosamente. 2) As informações da tabela datam de Março e foram retiradas das fichas técnicas dos jornais, excep-to as tiragens do Semanauto e do Ler Grátis e a redacção do Jornal de Lisboa, facultadas pelas direcções dos títulos. 3) Para dar uma ideia deste vasto universo, atabela mostra que só na Quinta do Conde (Sesimbra) têm sede três gratuitos.

Sintra Mensário de saúde 42.000 2 redactores

Lisboa Revista semanal de informação médica 7.700 3 redactores e 6 colaboradores

Almada Revista mensal de animais de estimação 50.000 2 colaboradores

Lisboa Revista mensal de cursos, escolas e profissões 70.000 2 redactores e 2 colaboradores

Carnaxide Semanário de cultura universitária 35.000 4 redactores e 2 estagiárias

Lisboa Revista mensal de tendências 25.000 26 colaboradores

Lisboa Revista mensal de moda e cultura urbana 20.000 15 colaboradores

Porto Semanário automóvel 80.000 2 8 redactores/colaboradores

Lisboa Diário económico 26.300 11 redactores

Pontinha Quinzenário cultural 10.000 18 redactores/colaboradores

Funchal Diário regional 15.000 26 redactores

Câmara de Lobos Diário regional 21.777 8 redactores e 1 estagiária

Braga Semanário local 10.000 2 redactores e 7 colaboradores

Famalicão Semanário local 15.000 4 redactores

Aveiro Semanário regional 7.500 2 redactores e 2 colaboradores

Marinha das Ondas Quinzenário regional 5.000 2 2 redactores e 4 colaboradores

Covilhã Quinzenário regional 20.000 3 redactores

Lisboa Mensário local 30.000 2 colaboradores 2

Seixal Semanário local 15.000 2 redactores e10 colaboradores

Quinta do Conde 3 Mensário local 2.500 1 redactor e 7 colaboradores

Quinta do Conde 3 Quinzenário local 7.500 4 redactores e 4 colaboradores

Quinta do Conde 3 Semanário local 10.000 4 redactores e 1 estagiária

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“Os jornais pagos oferecerãosempre o que os gratuitos jamaisconseguirão: um trabalho maisprofundo.”JOÃO BONZINHO, DIRECTOR DO SEXTA

Uma preocupação partilhada por José Roberto Ferreira,ex-director do MundÁfrica, gratuito suspenso em meadosde 2007, poucos meses após ter surgido. Criado emFevereiro do ano passado com periodicidade mensal, oMundÁfrica pretendia chegar a semanário. Com enfoquena Lusofonia, o jornal era distribuído em transportespúblicos e nos locais de maior concentração da populaçãoafricana.

A “aceitação foi boa” mas “houve muita dificuldade emangariar publicidade, dado não existir um grande grupopor detrás”, explicou José Roberto Ferreira à JJ. Remandocontra a maré, o mentor do jornal não aceita a sentença demorte e planeia relançá-lo em Junho, “assim se consigammais anunciantes”.

A repensar os moldes do projecto está igualmenteAntónio Veríssimo, proprietário, editor e director doGazeta Popular, com sede em Mira. O gratuito regional,distribuído no triângulo formado por Aveiro, Coimbra eFigueira da Foz, deu à estampa cinco edições, até 29 deFevereiro deste ano.

“O Gazeta Popular voltará a sair a 20 de Junho, pois estáa ser constituída uma sociedade com empresários que iráinovar a publicação”, assegurou António Veríssimo à JJ. Deacordo com o responsável, o jornal, que começou comoquinzenário, “vai ter periodicidade mensal a partir deJunho e deve voltar a sair de quinze em quinze dias emSetembro”.

“A imprensa tradicional nuncadeixará de ter muitos artigos deopinião, pouco interessantespara quem tem pouco tempopara ler.”LUÍS REBOLA, DIRECTOR DE MARKETING

DO METRO

“Houve muita dificuldade emangariar publicidade, dado nãoexistir um grande grupo pordetrás.”JOSÉ ROBERTO FERREIRA, EX-DIRECTOR

DO MUNDÁFRICA

sentido um jornal investir os ganhos da publicidade na cri-ação de postos de trabalho, mas do ponto de vista práticoas coisas são diferentes”. Para o director do Global Notícias,ainda que este gratuito tivesse uma redacção própria, “nãoera por empregar meia dúzia de jornalistas que deixaria dehaver excesso destes profissionais no mercado”.

EXTINTOS OU EM POUSIOEntre 2006 e 2007 a explosão de títulos gratuitos abarcoutodos os sectores, do âmbito nacional ao regional, dos ge-neralistas aos especializados em áreas como a saúde, odesporto, as personalidades do social ou as viagens.Todavia, e como era de esperar, a sorte não sorriu a todos.

O Diário Desportivo – que fechou portas em Agosto de2007, após três mudanças de director – foi o caso maismediático de um gratuito que não sobreviveu. Porém, ou-tros periódicos têm enfrentado dificuldades e os que nãose extinguiram estão em fase de pousio.

Lançada em Dezembro de 2005 e dedicada só ao fute-bol, a publicação Ripa na Rapaqueca mudou de nome eformato em Janeiro de 2007, dando lugar ao RipaDesporto, semanário que passou a abranger várias moda-lidades. Resistiu até à segunda quinzena de Dezembro de2007, mas “a publicidade da Santa Casa da Misericórdia –que pagava e impressão das quatro edições do mês – nãofoi suficiente para manter o projecto”, contou José CarlosSoares, antigo director do semanário.

“Era necessária uma estrutura muito forte na área co-mercial”, explicou o responsável, segundo o qual está pordecidir se o jornal vai ser retomado, “embora seja difícilfazê-lo na actual conjuntura”.

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Francisco Alves Rito, presidente da APIG«Fez-se dos gratuitoso lobo mau da imprensa»Presidente da Associação Portuguesa de Imprensa Gratuita (APIG) edirector da rede de jornais Losango Mágico, Francisco Alves Ritoconsidera o segmento vítima de preconceitos.

Jornalismo & Jornalistas – Quando foi fundada a APIG?

Quantos órgãos a compõem?

Francisco Alves Rito – A APIG foi fundada a 30 de Abril de2005 e tem 18 associados, todos órgãos de comunicação locaisou regionais: os 13 jornais da rede Losango Mágico (que teveinício em 1998, com o Jornal do Pinhal Novo) e cinco outrostítulos, como o “Correio de Lagos”, o “Nova Morada”, deSesimbra, ou o desportivo do Norte “Quatro Linhas”.

JJ – Justifica-se uma associação apenas para este segmento?

FAR – Justifica-se na perspectiva dos editores deste génerode imprensa e face à discriminação em relação aos gratui-tos locais e regionais. As organizações representativas daimprensa apresentam duas desconformidades em relaçãoà nossa realidade que as tornam inaptas para nos repre-sentar ou defender. A Associação Portuguesa de Imprensa,nomeadamente, não está vocacionada para a imprensalocal e regional, pois reúne pequenos e grandes, ficandosujeita ao maior peso institucional destes últimos. E, talvezmais importante, trata-se de uma associação composta por

publicações pagas que discrimina e até hostiliza os gratui-tos, procurando neles o bode expiatório para os problemasda imprensa em Portugal.

JJ – Quais os principais objectivos da APIG?

FAR – A defesa e a promoção da imprensa gratuita local eregional, o que se traduz em contrariar a ideia de que osgratuitos são, por definição, projectos editoriais menosmeritórios do que os pagos. É errado medir o valor de umórgão pelo ter ou não preço de capa ou pela maior oumenor dependência da publicidade. Devido a esse esti-gma, há inúmeros bons jornais locais e regionais prejudi-cados por serem gratuitos, quando deviam ter o elogio eaté o apoio ou incentivo da sociedade e do Estado.

JJ – A APIG tem informações sobre qual o tipo de vínculo

dominante entre os jornalistas dos gratuitos e os órgãos que

os empregam?

FAR – A informação que temos é de que não há diferençasentre os vínculos dos jornalistas nos gratuitos e nos pagos.

JJ – A 14 de Março de 2007, quando o Destak fez uma foto-

montagem (também classificada de manipulação) com base

em duas fotos da agência Lusa relativas ao rapto da bebé de

Penafiel, veio a lume a preocupação com o cumprimento da

deontologia por parte dos gratuitos. Persiste uma suspeita de

que este segmento se paute por uma ética menos rigorosa?

FAR – Admito que sim, embora não exista um nexo decausalidade entre o ser gratuito e alguma falha ética oudeontológica.

Em teoria, essa tentação até será mais lógica nos títulospagos, pois para que servem, geralmente, os desvios éticose deontológicos? Para atingir resultados junto da procurae das audiências. E quem é que precisa de vender jornais?Atente-se no sensacionalismo, uma das manifestações dafalta de rigor ético. Quantos jornais pagos optam pelo sen-sacionalismo? Entre os gratuitos, não conheço nenhum.

Poder-se-ia ainda argumentar que as supostas falhasético-deontológicas resultariam de uma menor qualifi-cação da redacção, mas os gratuitos empregam jornalistastão profissionais quanto os dos pagos.

TEMA imprensa gratui ta

“Quem incentiva a leitura não são osjornais de venda em banca, que fazem adistribuição grátis à custa do porte-pago,mas os gratuitos, que têm tiragens muitomaiores e suportam do seu bolso a entregaaos leitores.”

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JJ – Também em Março de 2007, a Associação de Ardinas de

Lisboa acusou os distribuidores dos gratuitos de estarem

em situação de ilegalidade e de os jornais carecerem de

licenciamento para ocuparem o espaço público com exposi-

tores. A APIG intervém nestes casos?

FAR – Não, porque não exigem nenhuma intervençãoexcepto pedagógica. Mais uma vez, fez-se dos gratuitos olobo mau da imprensa. Os ardinas estavam em crisemuitos antes de os jornais gratuitos surgirem em Portugale o importante seria que procurassem adaptar-se aosnovos tempos, para não serem extintos pela evolução.Não serão os gratuitos uma oportunidade para os ardinasdo futuro?

JJ – Há poucos meses, Pedro K, cartoonista do Meia Hora,

viu recusada a sua participação no World Press Cartoon por

desenhar num gratuito, tendo concorrido pela revista Cais

para ser aceite. Que comentário lhe merece este episódio?

FAR – É mais uma manifestação da campanha anti-gratu-itos movida por um sistema controlado por interesses li-gados à imprensa tradicional. São mentalidades com difi-culdade em aceitar a evolução e que chegam a lançar asuspeição sobre os gratuitos para se manterem por cima.

JJ – Enquanto presidente da APIG e director do grupo

Losango Mágico, como vê o futuro do sector?

FAR – Temos assistido a um ‘boom’ que me parece irra-cional de gratuitos nacionais, um âmbito em que a oferta ea realidade da imprensa tradicional é completamentediferente, para melhor, do âmbito regional. Acho que aimprensa gratuita faz muito mais sentido no plano regio-nal e local, que é onde se registam as maiores vantagensdirectas (criação de jornais empresarialmente mais sóli-dos, com geração de mais riqueza, emprego e desenvolvi-mento) e indirectas (aumento dos índices de leitura eaprofundamento da democraticidade) para os gratuitosna comparação gratuito/pago.

Salvo excepções, os jornais locais têm vendas em bancameramente residuais, pelo que não são verdadeiros meiosde comunicação social, não chegam às pessoas. Os gratuitostêm índices de eficácia comunicacional inegavelmentesuperiores, como comprovam os estudos de audiências.Segundo o Bareme Imprensa Regional da Marktest, os títu-los da rede Losango Mágico surgem em “posição destaca-da” (sic) nos distritos de Lisboa e Setúbal, em que operam.

Porém, o Estado tem tido um papel pseudo-reguladordeste mercado, desincentivando o espírito empreendedordos gratuitos e protegendo os tradicionais, acomodados esubsídio-dependentes. Trata-se de uma política caducaque penaliza o mérito e desbarata recursos públicos combase num falacioso incentivo à leitura. Quem incentiva aleitura não são os jornais de venda em banca, que fazem adistribuição grátis à custa do porte-pago, mas os gratuitos,que têm tiragens muito maiores e suportam do seu bolsoa entrega aos leitores.

“Infelizmente e com a obstinada posição do PS e acumplicidade activa do PSD e do CDS, esse problemaficou ‘arrumado’ a contento dos patrões com o novoEstatuto do Jornalista, mas o Sindicato contesta a situ-ação e pretende vê-la invertida pelo TribunalConstitucional”, declarou.

No Estatuto ficou grafado que, se o jornalista forassalariado, o seu trabalho pode ser reproduzido emqualquer órgão da mesma empresa ou grupo; se nãotiver uma relação de trabalho, a empresa não o podefazer, excepto se tal estiver expressamente previsto nocontrato de prestação do serviço.

“Mas a verdade é que os correspondentes e outrosditos colaboradores estão numa situação frágil e nãoousam levantar problemas”, assinala o presidente doSindicato.

A AUSÊNCIA DE RETRIBUIÇÃONO GLOBAL NOTÍCIASEntre as situações que a estrutura sindical consideraabusivas conta-se a do Global Notícias, título gratuitoda Controlinveste que reformula e publica peças deórgãos pagos do grupo (DN, JN, O Jogo, 24 Horas, etc)sem proceder a “retribuição suplementar”, assinalou olíder sindical.

Presidente do Sindicatoatento aos gratuitos«É difícilacompanharos jornalistasnestas empresas»Alfredo Maia vê com apreensãoas condições laborais naimprensa gratuita portuguesa ediscorda, nomeadamente, queo trabalho feito para jornaispagos seja reproduzido nosgratuitos do mesmo grupo semretribuição extra para osautores das peças.

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Quando foi divulgada a criação do jornal, circulou porvárias redacções da Controlinveste um abaixo-assinado ehouve lugar a diversos plenários que – segundo AlfredoMaia – “consciencializaram muitos jornalistas para os seusdireitos”, pois estes nem estariam a ser ouvidos sobre oprocesso em curso.

As acções não impediram a reprodução dos trabalhos acusto zero, mas a batalha ainda não acabou. “De momen-to, não posso nem devo adiantar mais nada sobre esteassunto, porque estamos a montar uma estratégia pararesponder ao problema em várias frentes” – assegurou oresponsável, para quem a dificuldade em levar mais longea luta pelos direitos da classe se prende com o silêncio dospróprios redactores dos gratuitos.

Na verdade, “é difícil acompanhar os jornalistas nestasempresas”, embora o Sindicato saiba que existem “situ-ações de precariedade e baixos salários”, assegurou à JJ.

OS VÍNCULOS LABORAIS NO JORNAL METROSónia Lamy, que começou a trabalhar na edição portugue-sa do Metro quando o diário gratuito tinha apenas quatromeses, em Abril de 2005, abandonou o jornal em Fevereirodeste ano para leccionar Jornalismo a tempo inteiro naEscola Superior de Educação de Portalegre.

À JJ recordou os vínculos laborais que foi tendo com ojornal onde, apesar de ser redactora, assumiu funções de

edição por alguns meses: “Estive dois meses a recibosverdes e depois passei a contrato. Fiquei efectiva apenasem Agosto de 2007. Nestes três anos houve uma alteraçãona estrutura da empresa: comecei como contratada daMedia Capital mas, em Fevereiro de 2006, passei a ser fun-cionária da Transjornal. Ou seja, tive de fazer mais trêscontratos para entrar nos quadros”.

Segundo Sónia Lamy, “actualmente não há mais doque duas pessoas a recibos na redacção. Os restantes estãoa contrato e após três anos ficam efectivos, pelo que amaioria da redacção está efectiva ou em vias disso”.

“A verdade é que não é uma empresa onde se sintainsegurança” e “nunca nos deparámos com dificuldadesfinanceiras”, talvez porque o Metro teve, em Portugal,“um sucesso confortável”, atingindo bastante cedo osobjectivos previstos para o fim de três anos, explicou a ex-jornalista.

Não obstante o êxito, “durante esses anos a redacçãofoi um dos sectores com menos investimento e pioressalários, o que é revoltante”, assinalou. Na sua opinião,“há um aproveitamento da saturação do sector, onde umagrande percentagem de pessoas é mal paga”.

ÓRGÃOS INFORMATIVOSOU VEÍCULOS PUBLICITÁRIOS?De acordo com Sónia Lamy, foi “a própria história daredacção” que a levou a optar pela docência, depois deuma experiência como professora a meio tempo na ESE dePortalegre, em 2007.

“O trabalho no Metro exige muito dos jornalistas.Muito tempo, muita entrega e, muitas vezes, horários rígi-dos. Numa semana faz-se das 10h às 20h e na outra das14h30 às 22h (ou fecho, conforme o fluxo de notícias). Sãohorários irregulares que tiram tempo para outras activi-dades e eu sempre gostei de fazer mais do que uma coisa,além de a minha remuneração a isso obrigar”, contou à JJ.

Os constrangimentos do formato também pesaram nadecisão. “O espaço é um problema que limita o jornalistado Metro, pois queremos fazer trabalhos maiores e nãopodemos, já que as peças têm de permitir a leitura nostransportes. Com o tempo, estes factores vão-nos afectan-do mais e mais”, explicou, adiantando que “a forma de

fazer jornalismo é muito diferente nos jornais gratuitose nos pagos”.

“O que se pretende com um gratuito é dar infor-mação de forma muito sintética, num espaço onde apublicidade tem forte presença porque é a base do negó-cio. Enquanto leitora, considero a relação informa-ção/publicidade desproporcionada em todos os gratu-itos. Se é permitida uma presença de 40% de publici-dade, é essa que é usada”, frisou Sónia Lamy, queenquanto redactora do Metro teve sempre consciênciade que “o projecto só se mantém se der lucro e só semantém para dar lucro”.

TEMA imprensa gratui ta

“Estamos a montar uma estratégia pararesponder ao problema em várias frentes.”ALFREDO MAIA, PRESIDENTE DO SINDICATO DOS

JORNALISTAS

“O projecto só se mantém se der lucro e sóse mantém para dar lucro”.SÓNIA LAMY, EX-JORNALISTA DO METRO

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Jornalismo & Jornalistas – Na sua tese indica que os jornais

gratuitos têm cinco modelos de negócio. Como se caracteri-

zam? É possível inserir nesses modelos alguns dos princi-

pais gratuitos?

João Vieira – A divisão em cinco modelos é de Piet Bakker,professor associado do Departamento de Comunicação daUniversidade de Amesterdão.

Há o modelo de “invasão”, caracterizado pela entradano mercado de uma empresa estrangeira ou não local. É ocaso do jornal Metro, da empresa Metro Internacional. Oscustos são reduzidos ao indispensável e contrata-se omenor número possível de jornalistas, recorrendo-se amaterial de terceiros e a parcerias.

Existe também o modelo “defensivo”, utilizado quandoum jornal é criado para combater outro existente no meio,e o “preventivo”, que visa prevenir, através do lançamen-to de um gratuito, a entrada de outros investidores/edi-tores no mercado.

Outro modelo, o “promocional”, é usado fundamental-mente como ferramenta de promoção a um jornal pago.Aqui encaixa o Global Notícias, que publica notícias ereportagens de jornais e revistas do grupo, chamando aatenção para a compra dos meios pagos que o grupodetém. O semanário Sexta, com sinergias entre o Públicoe A Bola, também se enquadra neste modelo de negócio.

Por fim, o modelo “expansionista” ocorre quandoempresas locais publicam um gratuito, não para evitarque outra publicação entre no mercado, mas para aumen-tar o seu próprio lucro. Aqui, a forma predominante deagir é criar sinergias combinando actividades no meiopago e no gratuito (publicidade, marketing e distribuição).

JJ – Refere também na monografia que os gratuitos apresen-

tam “algumas fragilidades: não escondem a sua enorme

dependência das agências noticiosas, devido ao formato

que escolheram e às redacções diminutas que possuem”. E

que pontos fortes destacaria?

JV – Na minha opinião, o ponto forte destes jornais residena distribuição. Os gratuitos alcançam os leitores emcondições inacessíveis à maioria dos suportes de comuni-cação: nos transportes públicos e nos locais de trabalho. Éo caso do OJE, distribuído junto das principais instituiçõespúblicas e empresariais.

Do ponto de vista do anunciante, também são muitoeficazes, pois chegam a leitores ocasionais.

O lucro é o seu principal objectivo. São autênticasmáquinas de conquistar leitores e anunciantes e tudo émeticulosamente estudado, da média de tempo de leiturado jornal às notícias que mais agradam a quem lê.

JJ – Afirma que estes jornais permitem “um primeiro contac-

to com o acontecimento” e refere que 79% dos seus inquiri-

dos considerou o conteúdo “Razoável”. Qual a sua opinião

sobre a qualidade da informação veiculada por estes órgãos?

JV – Penso que, regra geral, a informação é boa, mas con-sidero os gratuitos um produto complementar.Proporcionam uma leitura rápida dos principais aconteci-mentos da actualidade nesse tempo morto que é a viagemcasa/trabalho. Não dispensam, contudo, a leitura de umjornal tradicional ou a consulta de outros meios de infor-mação, como a rádio, televisão e Internet.

JJ – O estudo do OberCom “Imprensa sob Pressão” (2007)

indica que os gratuitos dedicam 54,4% do espaço a anún-

cios. Estaremos, então, perante veículos eminentemente

noticiosos ou publicitários? A fronteira entre informação e

Uma análise do segmento«Ninguém conseguiu provarque os gratuitos roubaram leitoresaos jornais pagos»João Vieira, actualmente com 25 anos e residente em Guimarães,investigou o êxito dos gratuitos quando tanto se fala em crise naimprensa. Defendeu a tese “Imprensa Gratuita – O contributo para oaumento dos hábitos de leitura. Ameaça ou desafio à imprensatradicional?” em 2006, no âmbito do curso de Comunicação Social naEscola Superior de Tecnologia de Abrantes. Dois anos depois,continua atento ao tema.

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publicidade é idêntica nos jornais pagos e nos gratuitos?

JV – São órgãos informativos muito interessantes doponto de vista publicitário. Conseguem ter um grandeimpacto junto do leitor. Lembro-me de uma edição doMetro [a 14 de Fevereiro de 2007, Dia dos Namorados] emque foram distribuídas maçãs com o jornal. Não faço ideiase a acção incrementou as vendas do produto, mas, aavaliar pelo impacto junto do público, deve ter sido umsucesso. Quanto à fronteira, penso que é mais perceptívelnos jornais pagos, que têm mais espaço.

CONQUISTA DE UM NOVO PÚBLICO?

JJ – No seu trabalho cita João Manuel Rocha (Público), para

quem “o leitor de um jornal gratuito pode ser amanhã leitor

de um jornal pago”, e João Marcelino (então director do

Correio da Manhã), segundo o qual este tipo de imprensa

pode levar as pessoas a “procurar mais e melhores fontes

de informação”. Concorda com estas posições?

JV – Concordo inteiramente. Quem lê estes jornais nãoprocura informação muito detalhada, mas um resumo daactualidade de forma clara e simples, como nos noticiáriosradiofónicos. Mas se o leitor fica com dúvidas, é naturalque compre um jornal tradicional em busca de análise einformação mais pormenorizadas.

JJ – Que distinções faria entre os leitores dos jornais pagos

e os da imprensa gratuita?

JV – O público dos gratuitos está concentrado nos meiosurbanos e utiliza frequentemente os transportes públicos.São pessoas com estilos de vida agitados e pouco tempodisponível para a leitura, que não têm posses para comprarum jornal diariamente ou preferem outras plataformas.

Por outro lado, se o leitor de um jornal pago vai aoencontro do órgão, o leitor do gratuito é passivo. As pes-soas que normalmente lêem os jornais gratuitos não são,na sua maioria, leitoras da imprensa tradicional. Por isso,o grosso do público dos jornais gratuitos é composto pornovos leitores.

JJ – Mas Piet Bakker, tal como cita no seu estudo, sustenta

que os leitores de imprensa gratuita podem ser divididos em

três categorias: “Os leitores que leram jornais pagos mas

actualmente só consomem gratuitos (substituição), os que

lêem ambos (acumulação) e aqueles que não liam jornais

pagos no passado (novos leitores)”. É uma divisão lógica?

JV – Acho-a muito coerente. Mas, quanto à questão doshábitos de leitura, prefiro citar Maria Carlos Loureiro, doInstituto Português do Livro e das Bibliotecas: “Tudo aquiloque proporcione hábitos e rotinas no âmbito da promoçãoda leitura é de louvar. Ou seja, sabe-se hoje que só se criamhábitos de leitura através de uma prática com continuidade.Os jornais distribuídos, se tiverem essa continuidade, podemde facto contribuir para a aquisição de hábitos. O desejávelseria, no entanto, que essas pequenas práticas se tornassem,junto dos leitores, numa necessidade. Ou seja, que a leituranão se ficasse apenas pelo pontual, mas que o prazer de lerse enraizasse e se prolongasse ao longo da vida”.

JJ – E podemos, como faz Ignacio Ramonet no artigo “Os

Media em Crise”, publicado no Le Monde Diplomatique em

Janeiro de 2005, culpar parcialmente “a ofensiva devastado-

ra dos diários gratuitos” pela crise que afecta a imprensa?

JV – Não encontrei nenhum estudo que evidenciasse umarelação causa-efeito e penso que ainda ninguém con-seguiu provar que os gratuitos roubaram leitores aos jor-nais pagos.

JJ – O investigador Joaquim Fidalgo assinalou que, neste

segmento, não é possível aferir com rigor a circulação, dado

não existirem jornais devolvidos por postos de venda, e

salientou que são dois jornais pagos – JN e Correio da

Manhã – que lideram as audiências. Qual a sua perspectiva?

JV – Não sou especialista na matéria, mas acho a obser-vação pertinente. Nos cafés ou no barbeiro há jornaistradicionais. Logo, é natural que estes sejam lidos pormais pessoas do que os gratuitos, maioritariamente aban-donados no lixo ou pelas ruas, com claro prejuízo para alimpeza das cidades.

JJ – Depois da televisão, rádio e Internet disponibilizarem

informação gratuitamente, agora também a imprensa o faz.

As pessoas vão deixar de aceitar pagar por um jornal?

JV – Esse é um cenário muito pessimista. Acho que, aospoucos, os jornais diários também se têm vindo a adaptar,apostando cada vez mais nas edições de fim-de-semana,com mais suplementos, indo ao encontro de uma maiordisponibilidade de tempo dos leitores.

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“Quem lê estes jornais não procurainformação muito detalhada, masum resumo da actualidade de formaclara e simples, como nos noticiáriosradiofónicos.” JJ

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Transfronteiriço Raia RuralColaboradores e anunciantesde Portugal e Espanha Director de um jornal gratuito transfronteiriço com sede em Figueirade Castelo Rodrigo, Daniel Gil acredita que “a comunicação socialtem de se tornar mais regional e local”, pois “as populações estãoávidas de informação de proximidade”.

Afirmando que sempre teve “uma visão transfronteiriça ecom ela a necessidade de uma maior troca de vivênciashistóricas, culturais e económicas”, sobretudo “numa regiãotão distante da capital”, o filho do fotojornalista Carlos Gil(1937-2001) descreveu à JJ esta publicação bilingue queabrange os concelhos de Figueira de Castelo Rodrigo,Almeida, Vila Nova de Foz Côa, Freixo de Espada à Cinta eTorre de Moncorvo e a região espanhola de Salamanca.

Fundado a 12 de Agosto de 2007, com uma periodicidademensal e uma tiragem de três mil exemplares, o Raia Rural“não é noticioso” e “vive de reportagens, opiniões e artigosde fundo”, descreveu Daniel Gil, explicando que o periódi-co “não tem jornalistas, na verdadeira acepção da palavra”mas “cinco colaboradores mais permanentes e outros tantosque pontualmente escrevem em castelhano”, todos eles àimagem da distribuição do jornal, ou seja, gratuitamente.

“Inicialmente foi duro trabalhar sem remuneração” masagora “as coisas começam a ganhar forma, embora aindanão haja capacidade de contratar ninguém para aredacção”, afirmou.

Com uma “capa” em português e uma “contracapa” emcastelhano (ou vice-versa), o Raia Rural é impresso emMedina del Campo – onde são dados à estampa jornaiscomo o El Mundo – devido “ao preço muito convidativopara um jornal mensal, gratuito e de 24 páginas a cores” eé distribuído logo desse lado da fronteira “através doscolaboradores espanhóis”.

ISENÇÃO E PUBLICIDADE: O “INEVITÁVEL CONFRONTO” Durante o erguer do projecto, Daniel Gil apercebeu-se de que“a região está desertificada e deficitária em massa crítica”,sendo “difícil encontrar gente com vontade de transportar oque pensa para um jornal” num momento em que “a culturado medo e a política de chicote não ajudam nada”. Apesar detudo, insistiu, crente em que “o público também se cria”.

“Se oferecermos algo diferente e com interesse, o públi-co sai da toca. Não podemos apenas olhar para as estatís-ticas. Por vezes temos de dar um passo em frente para asalterar”, reiterou, explicando que o Raia Rural visa ofere-cer aos leitores “História, especificidade local, qualidadede imagem, valores culturais, espaço para os menos lem-

brados e alguma dose de intervenção social, humana epolítica”.

O gratuito funciona ainda, “junto dos agentes de ambos oslados da fronteira”, como “um veículo publicitário que lhespermite expandir os seus mercados regionais” e “aumentar asrelações comerciais na região e no país vizinho”, declarou odirector, segundo o qual a área do jornal ocupada por publi-cidade é, em média, de 10%, podendo haver um aumento donúmero de páginas e da publicidade – “até um máximo de30%” – se isso permitir criar “mais três ou quatro empregos”.

Considerando que “é sempre inevitável um confronto”entre as exigências da publicidade e a independência jornalís-tica, o mentor do gratuito transfronteiriço assinalou à JJ que,“quando um jornal nasce de uma utopia, não tem pratica-mente investimento inicial e cresce com um grande esforçoemocional, é necessária alguma permuta” entre os anun-ciantes e a publicação.

“Mas se a troca de benefícios chegar ao ponto de pôr emcausa a espinha dorsal do jornal e o seu contrato inicial comos leitores, deixará de existir, pelo menos sob a minhadirecção”, concluiu.

“Se oferecermos algo diferente e cominteresse, o público sai da toca. Nãopodemos apenas olhar para as estatísticas.Por vezes temos de dar um passo em frentepara as alterar.”

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