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TEMAS EM DEBATE Número 3 – São Paulo – 1º Semestre de 2009 Faculdades Integradas Rio Branco – Curso de Jornalismo Foto Cortesia Sindicato dos Eletrecitários de São Paulo Vencendo preconceitos Preconceito.indd 1 11.08.09 17:25:27

Temas em Debate 03 - 1° semestre de 2009

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A revista Temas em Debate é uma publicação elaborada pelos alunos da disciplina Reportagem II do curso de jornalismo das Faculdades Integradas Rio Branco. Nesta edição: vencendo desafios, preconceitos e discriminações.

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temas em debateNúmero 3 – São Paulo – 1º Semestre de 2009Faculdades Integradas Rio Branco – Curso de Jornalismo

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Mudança de mentalidadedentificar e conhecer as mudanças que ocorrem na sociedade brasilei-

ra – eis um dos princípios que têm norteado as edições de temas em debate, orgão laboratorial desen-volvido no âmbito da disciplina Re-portagem II.

O primeiro número abordou questões relativas aos nossos ido-sos. No segundo, colocou-se em evidência iniciativas que almejam o desenvolvimento sustentável.

A edição que ora temas em debate leva ao conhecimento dos leitores resulta de um olhar voltado para situações de superação do preconceito e da discriminação. Combinam-se, neste conjunto de re-portagens, caminhos para a con- vivência pacífica das pessoas, descrições de atitudes e ações tomadas para a conquista da cida-dania plena e depoimentos de vítimas da intolerância.

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Os novos velhos

temas em debateNúmero 1 – São Paulo – 1º Semestre de 2008Faculdades Integradas Rio Branco – Curso de Jornalismo

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temas em debateNúmero 2 – São Paulo – 2º Semestre de 2008Faculdades Integradas Rio Branco – Curso de Jornalismo

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Desenvolvimentosustentável

temas em debate é uma publicação dos alunos da disciplinaReportagem II do Curso de Jornalismo das Faculdades IntegradasRio Branco. São Paulo Ano II - N. 3 – Janeiro-Junho de 2009.

editorprof. dario luis borelli

diretor geralprof. dr. custódio pereira

diretor acadêmicoprof. dr. edman altheman

coordenadora de comunicação socialprofa. maria ursulina de moura

faculdades integradas rio branco

curso de comunicação social avenida josé maria de faria, 111cep 05038-070 – são saulo, sptelefone: (011) 3879-3100www.riobrancofac.edu.br

Apoio cultural – CTP, impressão e acabamento:

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lexandre, Devair, Priscila e Maria Mirna são pessoas que não se rendem às limita-

tações que a sociedade brasileira normalmente impõe aos negros. Muito pelo contrário, em momentos difíceis eles buscam forças para lutar pela igualdade de direitos. Não ficam cabisbaixos nem ressentidos diante da discriminação. Levantam a cabeça e provam que não têm receio de ir a luta.

“Os negros estão tomando atitude. Antes se escondiam. Agora chamam a atenção para dizer que é possível viver bem”, diz Priscila das Neves, 30 anos, segurança de banco.

Neves não tem medo nem se importa com o que as pessoas pensam a seu resepeito. “Sofri com o preconceito do dia-a-dia, mas levantei a cabeça e segui em frente.” Conta que foi a única mulher negra aprovada no teste para segurança de um famoso banco. “Via as pessoas e pensava que talvez não fosse escolhida, mas passei entre as dez melhores.”

A jornalista Cinthia Gomes, co-criadora do Projeto Dandaras, disse que o Brasil vive hoje um momento de afirmação da identidade negra. Para ela, o Hip Hop e as camisetas com os dizeres “100% negro” são manifestações que atestam uma mudança de mentalidade.

Gomes acredita que há certa ignorância e ingenuidade de pes-soas que perguntam o porquê não andar com uma camiseta escrito “100% branco”. Ela argumenta que são questões diferentes, ser branco é uma identidade forte, já firmada, diferente da identidade negra.

O Projeto Dandaras possui um site na Internet (www.afroeducacao.com.br) e desenvolve oficinas vi-sando capacitar educadores dos Ensinos Fundamental e Médio, de escolas públicas e privadas, na abordagem, em sala de aula, de temas relativos à história e à cultura africana e afro-brasileira.

Negros não abaixam a cabeça diante do preconceitoSão diversas as ações e atitudes tomadas pelos negros para se colocarem como iguais e superar o preconceito na sociedade

Danielly A. de Abreu

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Preconceito midiáticoDe modo geral, a mídia ainda

está engatinhando em relação ao preconceito racial. Em novelas e filmes, o negro aparece em si-tuação de pobreza, mal colocado, como ladrão ou empregado. “Eles fazem muitos filmes de assalto e violência com o negro, não colocam um branquinho lá”, diz Neves. Uma das justificativas dos diretores e autores é que estão retratando a realidade. Mas, segundo a jornalista, isso é preconeito. “Existem negros colocados em grandes cargos na sociedade.” Para ela, não é uma unanimidade o negro ser ladrão ou empregado, existe outra realidade e ela pode e deve ser retratada. Além disso, afirma, a novela é ficção, e pode criar uma nova estória, se o autor desejar.

A Disney já está tomando uma iniciativa nesse sentido. Em dezembro próximo, deve lançar nos Estados Unidos e, em 2010, no Brasil, o desenho “A princesa e o sapo”, em que a princesa Tiana é afro-americana. O filme conta uma história de amor típica entre a princesa negra e o príncipe branco.

PesquisasSegundo pesquisa realizada

pelo Instituto DataFolha, o índice de pessoas que admitiam ter preconceito racial em 1995 era de 11%. Em 2008, quando a pesquisa foi realizada pela segunda vez, o índice caiu para 3%.

Se o aposentado Agripino Au-gusto, 91 anos, tivesse participado das entrevistas, certamente a sua opinião seria diferente nos dois anos. Descendente de europeu, sempre teve certa antipatia pelos negros. Depois de sofrer um infarto em 2003, ficou internado durante algumas semanas. Foi surpreendido quando uma enfermeira negra en-trou no quarto e disse que estava na hora do banho. “Como assim hora do banho, perguntei. Acho melhor deixar para depois, disse.” Não adiantou. A enfermeira cuidou

de Augusto com respeito, amor e carinho. Desde então, ele mudou sua maneira de se relacionar com os negros.

ConquistasSegundo dados da Pesquisa

Nacional por Amostra de Domi-cílios (Pnad), realizada pelo IBGE, houve um aumento no percentual de negros e pardos no Ensino Superior. No período de dez anos (1996- 2006), o índice cresceu de 18 para 30%. As ações afirmativas possibilitaram esse progresso na sociedade, o sistema de cotas nas universidades federais deu oportunidades aos negros de es-tudar em universidades públicas. “O sistema de cotas é um assunto complexo, uma forma de compensar os grupos que foram historicamente desestruturados. Deve, no entanto, ser temporário, pois não resolve o problema”, diz Gomes.

Com um sorriso no rosto e grande satisfação, a dona de casa Maria Mirna conta que os estudos sempre foram o principal objetivo que tinha para os filhos. “Como parei os meus estudos, eu incentivei os meus filhos a não pararem.” Sua filha é formada em Enfermagem e trabalha no resgate e o filho é um dos 116 negros que se formaram na primeira universidade negra brasileira. “Devemos sempre lutar pelos nossos ideais, erguer a cabeça e seguir em frente.”

Outro exemplo de superação é Alexandre Cândido, 30 anos, nascido em Uberlândia (MG). Ele é o primeiro universitário da família, após quatro gerações da abolição da escravatura. Sofreu preconceito quando entrou na universidade, foi o único negro de seu grupo de amigos que passou na federal do Paraná. Além de os colegas não comemorarem a aprovação, sofreu discriminação dentro da própria universidade. “As pessoas perguntavam o que um negro fazia em uma universidade pública.” Disse que conviveu com

essa realidade durante quatro anos. “Existe uma forma de vencer o preconceito. Quando dizem que você é incapaz, você vai e faz, e foi isso que eu fiz.” A conquista de Cândido não parou na graduação em Filosofia. Em 2007, veio para

São Paulo tentar mestrado na USP, passou em primeiro lugar e ganhou bolsa para estudar Psicologia na Europa. “Nunca vi minha cor como tabu, mas sempre vi nela a possibilidade de me ver e ser diferente.”

O mineiro Alexandre Cândido ganhou bolsa para estudar no exterior.

Priscila das Neves ficou entre as primeiras em teste para segurança.

Fotos Danielly A. de Abreu

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e acordo com pesquisas do Instituto Brasileiro de Geogra-fia e Estatística (IBGE), nos úl-

timos 25 anos houve um aumento da expectativa de vida do bra-sileiro, que subiu de 63,9 anos para 71,3 anos. Diante do en-velhecimento da população brasi-leira, torna-se inevitável que pessoas que já estão na terceira idade não estejam inseridas no mercado de trabalho. Uma prova disso é a pesquisa realizada pelas psicólogas Roberta Fernandes Lopes do Nascimento, Irani I. De Lima Argimon e Regina Maria Fernandes Lopes, que confirmam em seu trabalho “Atualidade sobre o idoso no mercado de trabalho”, o crescimento do número de pessoas idosas na População Economicamente Ativa (PEA) do país. A título de comparação, os idosos representavam 4,5% da PEA em 1977. Em 1998, esse número dobrou para 9% e a estimativa para 2020 é que os idosos sejam 13% da PEA. O trabalho de Ana Amélia Camarano, diretora de estudos sociais do Instituto de Pesquisa Económica Aplicada (IPEA), “O idoso brasileiro no mercado de trabalho”, mostra que além da evolução da participação dos idosos na PEA, de 1977 a 1997, o número de aposentados do sexo masculino que continuaram trabalhando, dobrou. Se em 1977 25,4% da PEA masculina era composta por aposentados, em 1997 esse número subiu para 54,4%. No caso das aposentadas, o número subiu de 13,2% para 34,7%, quase o triplo. Esse crescimento é devido ao aumento da longevidade

Aumenta a participaçãode idosos no mercado

de trabalhoEstimativa para 2020 é que os idosos sejam

13% da População EconomicamenteAtiva (PEA) do Brasil

Diego Maulana e Glauco Lopes

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da população, além é claro das vantagens em se contratar alguém com mais de 65 anos. Esse é o novo cenário da economia brasileira.

As empresas, por sua vez, estão demonstrando grande interesse na contratação de pessoas com idade superior a 65 anos, ação que pode trazer inúmeras vantagens ao empregador. A Viação Barão de Mauá, empresa responsável pelo transporte urbano na cidade de Mauá, é uma delas. Em seu quadro de funcionários, há muitos trabalhadores de terceira idade e que já estão aposentados, como o cobrador Brás da Silva, de 73 anos. Ele revela que a empresa tem um número expressivo de trabalhadores aposentados, exer-cendo cargos como de motoristas, cobradores, mecânicos e na parte administrativa da empresa. Brás, que está aposentado desde 1997, trabalha na Viação há cerca de 20 anos e ainda encontra ânimo para seguir prestando serviços.

“Quero continuar trabalhando enquanto for possível e eu agüentar”, diz o aposentado. O salário que recebe é uma complementação de sua aposentadoria. “Continuo trabalhando também por causa do salário que recebo, já que sobreviver apenas com a aposentadoria é muito complicado, tendo que ajudar no sustento da casa com quatro filhos e um neto”, explica.

Esse não é um caso exclusivo do cobrador Brás. Segundo relatos de muitos idosos, o dinheiro recebido de aposentadoria muitas vezes é insuficiente para sobreviver, já que, para cobrir todas as necessidades,

muitas vezes o salário fixo de um emprego estável é imprescindível. É por esse motivo que muitos continuam trabalhando, como no caso da faxineira Maria da Graça, de 66 anos, que trabalha na Loja Ponto Verde. Sem o salário recebido na loja, Maria da Graça teria muita dificuldade em conseguir se sustentar. “Sem o salário que ganho na loja, seria muito difícil sobreviver.”

MaturidadeDificuldades diante dos avanços

tecnológicos, falta de paciência, falta de respeito dos mais jovens e exploração são alguns problemas que as pessoas com mais idade sofrem e lutam para superar. Trabalhadores mais idosos, em média, produzem mais do que trabalhadores jovens, mesmo com todas essas dificuldades. Mas os jovens, por sua vez, não admitem perder um cargo para uma pessoa que, para eles, já está ultrapassada e não tem mais capacidade de desenvolver um bom trabalho. As empresas também podem ficar

receosas em oferecer salários inferiores daqueles pagos a outros funcionários que atuam na mesma função, e por isso, em muitas ocasiões, evitam a contratação de funcionários mais experientes.

Outro fator importante é o da pessoa aposentada estar ocupando uma vaga na empresa, o que para muitos é um desperdício, pois o mesmo não precisa de dinheiro para se manter, pois já sobrevive da renda do governo federal. Essa é uma das muitas adversidades encontradas pelo idoso no mercado de trabalho, uma vez que a socie-dade alimenta o preconceito de que ele não tem mais utilidade. Todavia, se as pessoas com mais de 65 anos de idade já não contam mais com a força da juventude, em compensação, possuem a maturidade e a perseverança im-prescindíveis para a execução de um serviço de qualidade.

O idoso, mesmo sofrendo com todas as dificuldades de relacionamento, agilidade e até mesmo do preconceito, vem se

superando e se firmando cada vez mais no mercado totalmente globalizado, demonstrando sua vontade de ser útil à sociedade e provando que a idade não é barreira para se executar um bom trabalho. É o que explica Joseph Coughlin, ph.D em Administração de Empresas e consultor de várias empresas multinacionais, como Ford, British Telecom e Johnson & Johnson. Coughlin acredita que o preconceito contra os idosos diminuirá com o passar do tempo, isso por causa da menor oferta de da mão-de-obra jovem e da transformação da maneira de se trabalhar nos dias atuais, onde o intelecto é mais privilegiado do que a força física e da juventude. O especialista ainda diz que em várias partes do mundo o número de pessoas na terceira idade aumentará significativamente e que isso será vantajoso tanto em termos financeiros e pessoais para as empresas que decidirem contratar idosos para trabalhar, pelo uso da experiência e vivência dessas pessoas.

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Brás da Silva complementa a aposentadoria com o salário que recebe como cobrador de ônibus em Maúa.

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aulista de 26 anos, descenden-te de espanhóis e publicitária. Quem vê a jovem Juliana Perez

feliz hoje não imagina como foi difícil para ela descobrir aos 15 anos ser portadora de diabetes tipo 1.

Embora a diabetes não seja uma doença infecto contagiosa, a jovem conheceu cedo o preconceito. “Não imaginava que colegas de escola se afastariam ao saber da diabetes”, disse. Por causa da doença, Juliana teve também dificuldades para ar-rumar namorado e encontrar em-prego.

As situações adversas não fo-ram suficientes para Juliana de-sistir de conquistar o sonho de ser publicitária. “As barreiras impostas pela vida e pelas pessoas a sua volta não podem ser maiores do que os seus sonhos.”

Neide Perez, mãe de Juliana, sempre esteve ao lado da filha. Era ela quem a acompanhava nos tratamentos e não permitia desânimo, mesmo em momentos difíceis. Juliana chegou a ser in-ternada e entrou em coma

Noiva e recém formada em Publicidade e Propaganda, Juliana trabalha em uma operadora de TV e leva uma vida igual a de qualquer pessoa de sua idade. Em breve, pretende se casar e ter filhos.

Nada a impede de se casar, mas quanto aos filhos é necessário muita disciplina para ter uma gravidez tranqüila e garantir que o bebê nasce saudável.

O principal cuidado, segundo os médicos, é o controle da taxa de glicemia. Casos de má formação do feto em pacientes diabéticas ocorrem nas oito primeiras semanas da gestão de vida intra uterinária, quando normalmente a mulher nem sabe que está grávida.

“É desejável que as gestantes previamente diabéticas tenham uma gestação planejada. Elas devem ser investigadas quanto à presença de retinopatia, nefro-patia, e/ou neuropatia, assim como

P

Pai de três filhas, inclusive de Maria Eduarda, de cinco meses, Marcus Fernandes é pequeno empresário.

de doença macrovascular. Algumas dessas complicações são, inclusive, contra indicações, relativas para gestação”, disse a endocrinologista Ingeborg Christa Laun, em entrevista ao Portal Sociedade Brasileira de Diabetes.

Ao contrário de Juliana, Vanes-sa Vasques não tem diabetes, mas seu marido, Marcus Fernandes, é diabético tipo 1. O casal tem três filhas: Vitória, 12 anos, Isabela, 4 anos, e Maria Eduarda, de apenas cinco meses. “As três vezes que minha esposa ficou grávida, logo informamos ao médico que eu tenho diabetes. As crianças não nasceram com diabetes. Também não deixamos de adotar uma dieta saudável”, disse Marcus.

Apesar de não haver registro de diabetes na família, Marcus nasceu com a doença. Aos 15 anos de idade, foi trabalhar em um escritório de advogacia em São Paulo. Em um dia normal de trabalho, teve hipoglecemina – bai-xo nível de glicose no sangue –, e foi demitido.

Fernandes ficou abalado por causa da demissão, mas não o suficiente para fazê-lo desistir. Continuou trabalhando em comér-

cios da região de Taipas, zona noroeste de São Paulo e aos 18 anos comprou uma motocicleta para trabalhar como motoboy. Com poucos meses de trabalho, sofreu um acidente. Deixou de dirigir mas se manteve no negócio, abrindo uma pequena empresa de moto

frete. Hoje, aos 33 anos, pai de três filhas, considera-se realizado e manifesta indignação com o preconceito. “Toda e qualquer manifestação de diferença é abo-minável. Associar capacidade profissional, inteligência a uma moléstia é deplorável. Se hoje tenho minha pequena empresa, embora pareça estranho dizer isso, é fruto do diabetes e daqueles que não acreditaram em mim.”

Quem ver o Marcus falando acredita que ele é extremamente cuidadoso, brinca Vanessa, que se diz a enfermeira oficial do marido. “Se eu deixar, o Marcus sai de casa sem café e sem aplicar a insulina.” Ele disse que inúmeras vezes a mulher já correu literalmente atrás dele com a “caneta” (uma espécie de seringa) nas mãos.

AcompanhamentoAs pessoas que descobriram

recentemente que têm diabetes e não sabem ainda como proceder, podem procurar pela Associação de Diabéticos Juvenis. A ADJ oferece

serviços aos jovens que buscam orientação e tratamento. São di-versas oficinas de auto ajuda em grupo, além de acompanhamento de oftalmologistas, psicólogos, nutricionistas, entre outros. A ADJ se destaca devido a sua vigilância na elaboração de políticas públicas, e atualmente colhe assinatura para aprovar um projeto de lei que obriga a presença de profissionais de saúde nas escolas de todo o país.

Estima-se que mais de 10 milhões de pessoas, entre 39 e 69 anos, tenham diabetes no Brasil, segundo o Censo Nacional de Diabetes, do Ministério da Saúde.

Existem dois tipos diabetes. No tipo 1, o organismo não consegue produzir insulina. No tipo 2, geral-mente há uma combinação da deficiência parcial da produção e uma resposta reduzida do corpo ao hormônio, o que é denominado de resistência à insulina. O modo de tratamento diferencia um caso do outro. A doença não tem idade para acontecer.

O “doce da vida” é o segredo para superar o diabetesDisciplina e determinação são os principais remédios indicados aos que não pensam em desistir de conquistar seus sonhos

Leandro Silva

Fotos Leandro Silva

Juliana Perez não desistiu de conquistar o sonho de ser publcitária.

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uem não se recorda de ter recebido apelidos pejorativos ou sofrido ameaças, insultos

e constrangimentos no ambiente escolar? Caso não se recorde de ter recebido, provavelmente, se recorda de ter causado. Até pouco tempo essas atitudes eram consideradas normais entre crianças e adoles-centes, geralmente cometidos con-tra os mais fracos e indefesos. Tal comportamento, para quem não sabe, chama-se Bullying: violência no ambiente escolar, com condutas anti-sociais e agressivas que além de causar dor e angústia nas vítimas, traz sérias consequências.

De acordo com médico pedia-tra Lauro Monteiro, editor do Ob-servatório da Infância, “as escolas que afirmam que lá não ocorre o bullying são, geralmente, as que mais têm casos desse tipo, porque não desenvolvem programas de prevenção e combate.” Esse

Especialistas indicam caminhopara previnir bullying na escola

Os pais precisam ficar atentos aos sinais dados pelos filhosde que estão sendo vítimas de atitudes agressivas

Cristiane Mendes e Mariana Sabato

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O médico pediatra Lauro Monteiro diz que as escolas devem implantar programas contra o bullying.

tipo de comportamento ocorre mundialmente. Nos Estados Uni-dos, por exemplo, aconteceram casos de alunos invadirem escolas atirando, como forma de resposta às humilhações. “Esses atos acontecem geralmente quando não há adultos presentes. A maioria dos trabalhos internacionais revela ser a hora do recreio e da entrada e saída das escolas os momentos mais comuns para os alunos praticarem o bullying”, afirma o pediatra Aramis Lopes, coordenador do Programa Anti-Bullying da Associação Brasileira Multipro-fissional de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia).

Antes o fenômeno bullying não era visto como um problema. Um exemplo da conscientização que ocorre hoje são os colégios que ficaram obrigados a agir contra o bullying, com punição para os que atordoam seus colegas e espe-

cialistas contratados para ajudar os que sofrem desse mal e projetos para vencer o bullying.

De acordo com a professora de português, especializada em Educação Infantil, Roberta Ramos, a escola deve trabalhar o tema e explicar que o bullying é uma “brincadeira que não tem graça.” Na maioria dos casos, segundo ela, a prática é interrompida com a conscientização. “Os pais preci-sam ficar atentos a sinais que os filhos dão que estão sofrendo na escola, aconselhando-os a de-nunciarem a violência”, destaca Roberta.

A informação está chegando cada vez mais para as pessoas, seja por matérias na TV, por notícias na internet, jornais e até mesmo nas rádios. Para Daniele Vuoto, de 23 anos, exemplo de superação contra o bullying, o acesso a informação faz com que mais pais e alunos

conheçam seus direitos e exijam que os mesmos sejam garantidos pelas escolas. “Algumas escolas fazem a semana do bullying, mas devem dar continuidade, se não de nada adianta”, afirma Daniele.

Outra forma de preconceito é o Cyberbullying, ou seja, o bullying virtual. Criar uma comunidade no Orkut para falar mal de um colega, distribuir fotomontagens constran-gedoras, entre outras práticas, mos-tra que esse tipo de preconceito pode ocorrer também via internet.

O bullying é algo presente nas escolas e na vida de várias famílias; reconhecer essa realidade, é o primeiro passo para que a sociedade, em conjunto com as escolas e as famílias, possa extinguir essas atitudes contra a vida e o futuro. “Melhorar a qualidade das relações pessoais, do ensino e da aprendizagem, promover o sucesso escolar e eliminar as diferenças sociais extremas é o caminho para impedir a propagação do bullying” disse Rosa Maria, diretora de es-cola de Educação Infantil.

Conselho de um vencedor“Quebrar o silêncio e se infor-

mar são os primeiros passos para recuperar a auto estima destruída ao longo da vida escolar. E se for necessário um apoio psicológico/psiquiátrico, não desistia até en-contrar a pessoa certa. Existem muitos profissionais dispostos a ajudar”. Palavras de Daniele Vuoto que mostram que o bullying pode ser superado.

Onde pedir ajuda?Quem sofre ou sofreu com o

bullying, pode encontrar ajuda no Observatório da Infância (www.observatoriodainfancia.com.br), no Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Bullying Escolar (www.bullying.pro.br), no Programa Proteger (www.programaproteger.com), na Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (www.abrapee.psc.br) e no blog idealizada em 1988 pelo pe-diatra Lauro Monteiro, “Não da para ficar calado”, http://naodaparaficarcalado.blogspot.com. O site www.denunciar.org.br possui informações sobre o tema e fornece ajuda gratuita.

Vitória dasuperação

estudante de Pedagogia Da-niela Vuoto, 23 anos, foi vítima

da prática do bullying. “No início, a gente tenta levar na brincadeira, não se afetar com o que escuta, mas depois de um tempo aquelas palavras e constrangimentos pas-sam a ter um peso muito maior”, diz Daniela sobre seu começo na vida escolar e sentimento causado ao sentir o bullying pela primeira vez. Quando tinha trabalhos em grupo ou atividades físicas para fazer na escola, era quase sempre excluída e escutava como explicação desculpas preconceituosas com relação à cor de sua pele branca, ao seu cabelo cacheado ou pelo fato de ser muito magra. Diante dessas situações que aconteciam não somente com ela, mas com outros colegas, os professores adotavam, em geral, duas posturas: alguns costumavam fingir que não estavam vendo e outros seguiam a onda dos praticantes do bullying, piorando a situação. Muitos professores passavam a mão em sua cabeça como que dizendo “tenha força, sei que é duro”, mas não tomavam nenhuma atitude para reverter o problema. Isso explica o fato de Daniela ter mudado de escola quatro vezes. Ao perceber que não teria condições de voltar às aulas no final das férias de inverno, Daniela decidiu contar aos pais para procurar ajuda psicológica. Precisou abandonar os estudos para fazer tratamentos, que no começo foram diagnosticados de forma bastante equivocada e por falta de informação dos médicos, ela passou 11 dias em um hospital recebendo medicação para esquizofrenia, sendo que o problema era depressão ou síndrome do pânico.

No final de abril de 2005, já com 19 anos, após terminar todos os tratamentos e superar o problema, Daniela resolveu ajudar outras pessoas que passavam pelo mesmo que ela, criando o blog chamado No More Bullying.

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obson Santos, mais conhecido como Robinho, tem 23 anos, cursa o segundo ano do Ensino

Médio e mora hoje com o pai ado-tivo no bairro do Tatuapé, zona leste de São Paulo.

Filho mais velho de uma família de quatro irmãos, Robinho conta que sofreu muito na infância. “Passei muita fome, frio, via meus irmãos sem ter o que comer, nem o que vestir.” O pai natural era ajudante de pedreiro. Quando che-gava bêbado no barraco em que moravam em São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, era comum espancar a mulher. “Minha mãe sempre foi honesta, fazia de tudo para dar do bom e do melhor aos filhos e ainda assim apanhava do meu pai”, diz Robinho.

Revoltado e sem poder fazer muita coisa, Robinho tornou-se menino de rua. Aos nove anos de idade, fumou maconha pela primeira vez. Para sustentar o ví-cio, virou catador de papelão. Aos 11 anos, recebeu oferta de um conhecido para entrar no mundo do crime. “Ele me disse que se eu quisesse ganhar dinheiro e continuar fumando, o único jeito era roubar. Foi então que fiz meu primeiro assalto”, conta. Como era inexperiente, o parceiro lhe ajudava a roubar carros. Robinho praticava os assaltos com uma arma calibre 22. Acordava às seis da manhã e ao meio dia já havia faturado dois mil reais. ”Era como se todos os meus problemas tivessem terminado”, lembra. Metade do dinheiro era pa-ra o parceiro e R$500,00 Robinho dava a mãe, para quem dizia fazer “bicos”.

PrisãoSeu vício aumentou, o “ba-

seado” não fazia mais tanto efeito e aos 14 anos começou a usar cocaína. Não passava pela cabeça de Robinho que um dia seria preso. Mas aconteceu. Aos 16 anos, foi enquadrado no Artigo 157 do Codigo Penal, por assalto à mão armada. O

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parceiro que o acompanhava fugiu. Robinho foi levado a Delegacia de Polícia de Diadema (SP). Mesmo sendo um menor de idade, ficou na cela por uma semana. Depois, foi levado à Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), onde deveria ficar por seis meses. Mas, por desacato à autoridade – ameaçou de morte a juíza –, foi condenado a três anos de reclusão. “Lá, você entra roubando bala e sai querendo roubar banco. É a escola da malandragem”, disse.

PreconceitoRebeliões, brigas, estupros.

Diante de tanta violência e so-frimento, Robinho sentiu neces-sidade de mudar de vida. Foi a partir daí que ele começou a desejar um futuro melhor, diferente.

Enquanto estava na Febem, só tinha o apoio da mãe, a única que acreditava em sua recuperação. As demais pessoas da família e os amigos se afastaram. Ao sair da Febem, todas as portas se fecharam, e a sociedade não o enxergou de outra forma a não ser como ex-presidiário “Você pode fazer tudo certo, mesmo depois de muito tempo que já saiu da prisão, mas nunca vão te olhar de outra maneira, sempre como o viciado, o ladrão”, declarou. Deveria ser bem diferente, acredita Robinho “A sociedade é muito preconceituosa, não deixa a sua imagem do passado apagar, não dá segunda chance.”

PerseverançaAinda assim Robinho foi per-

severante. Quando estava decidido a mudar, conheceu uma igreja evangélica. Foi acolhido de braços abertos, recebeu amor, carinho e muita disposição para acompanhá-lo, disse. Por causa da ajuda, con-seguiu arrumar um emprego. Um ano e meio depois, Robinho pediu para sair pois estava pronto para abrir seu próprio negócio. “Nem acreditava que aquele marginal que todos menosprezavam era dono de uma empresa de brindes

promocionais”, disse. Foi o come-ço de muitas coisas boas que aconteceram. “Fui adotado por um empresário que frequenta a mesma igreja e moro com ele há um ano e meio. Continuo ajudando a minha família, que tem casa nova e tudo tem caminhado em vitória em minha vida.”

Ele diz que a pior situação de preconceito que passou, pelo fato de já ter sido ex-presidiário, foi quando pediu uma menina em namoro e a mãe dela disse que ele não tinha futuro, que era ex-detento. Mal sabia ela que Robinho seria capaz de superar os obstáculos e estar hoje em boas condições.

“A sociedade brasileira tem que aprender a ajudar ao invés de ignorar”, declarou o empresário Mauricio de Oliveira, pai adotivo de Robinho. “Eu senti necessidade de ajudar. Sou muito feliz por ter um filho como ele.”

Robinho é admirado pelos no-vos amigos, para os quais ele é um exemplo. “Robinho saiu do meio do pó, no meio do lixo, e hoje é um servo de Deus, um homem cheio de motivações novas e feliz, coisa que ele nunca conseguiu ser”, disse Conta Shirley Osmak, que o chama de “filho”.

Com os olhos firmes, olhando em meus olhos, Robinho faz uma viajem ao passado, respira fundo e diz: “Inacreditável, só Deus para ter me colocado onde estou hoje. Sou outra pessoa”. Realmente, as aparências enganam, pois Robinho foi e é um exemplo de superação. Isso mostra o quanto a força de vontade do ser humano é capaz de transformar as pessoas. Ele tem uma eterna dívida de amor com todos que nunca abriram mão de apostar nele. “Agradeço ao meu pai, Maurício Oliveira, que me adotou, que me acolheu, ao

apóstolo Estevam, a bispa Sônia e a Igreja Renascer por acreditarem em mim, terem cuidado de mim.”

Para Sandra Wazir, delegada regional da Polícia Civil, a vida de Robinho é um exemplo da importância da reintegração do preso na sociedade. Ela acredita que depois de cumprir a pena os ex-presidiário é marginalizado pela sociedade. “Ora, se a sociedade o discrimina, o indivíduo fica sem dignidade e volta a delinquir.”

O problema não está só na falta de oportunidades para trabalhar. A delegada acreita que o maior problema em reintegrar o preso está na cultura da sociedade brasileira, que é “cheia de preconceitos”. “A população acredita que ele não se reabilitará.” Ela explica que isso acontece porque as pessoas não convivem com esses problemas em seu dia-a-dia. “A maioria da pessoas não avalia a extensão que um não pode causar ao ex-detento. A cada negativa outro problema é gerado, como o retorno à marginalidade.”

Já a psicóloga Nara Cola diz que ex-detentos precisam de ajuda. “Quando superam o seu passado e enxergam que podem ter um futuro melhor, eles se dedicam muito e acontece a transformação, mas por vontade própria”. Robinho ainda enfrenta muitos preconceitos, mas não se deixa abalar. Dedicado e focado sabe de onde veio e onde quer chegar. Isso trás a ele o maior de todos os troféus que alguém pode levantar. O troféu da vitória, da conquista de ser um novo homem.

Ex detento dribla discriminação e se torna empresário Por causa de sua semelhança com o craque brasileiro que atua no futebol inglês, Robson é chamado de Robinho pelos colegas

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O pai adotivo Maurício de Oliveira.

Robson Santos administra uma pequena empresa de brindes na Capital.

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Jogadoras enfrentam com graça e ele gância a barreira

dos adversários da prática do futebolA vontade de jogar e o amor pelo esporte falam mais alto que a pressão e a discriminação da sociedade

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Juliana Cabral conquistou a medalha de prata para o Brasil em Pequim.

uem disse que a mulher tem que ficar em casa, lavando roupa, cozinhando ou simples-

mente cuidando dos filhos. Nada disso. Hoje no Brasil mais de 80 mil mulheres têm uma paixão um pouco diferente do que estamos acostumados a ver: jogar futebol.

A modalidade feminina nasceu em 1920 na Inglaterra, mas não há nenhum registro oficial de que isso tenha acontecido originalmente. No país do futebol, as realidades entre o futebol masculino e o feminino são muito diferentes, ou melhor, há um verdadeiro abismo entre elas. De um lado glamour, toda a imprensa mundial, transmissão pela televisão, patrocínios extraor-dinários e muito dinheiro envolvido. Do outro, o amadorismo, falta de apoio, não há sequer um cam-peonato que possa fazer com que clubes invistam nessa área.

Há preconceito com as joga-doras de futebol. Muitas vezes são insultadas dentro de campo pela torcida e não tem o mesmo espaço na mídia, por isso a falta de apoio. “Preconceito acho que diminuiu bastante, antes era mais gritante. No início ouvia bastante que mulher tinha que esquentar a barriga no fogão, que futebol era para homem. Já as mulheres que jogavam eram sapatão. Hoje em dia, não escuto mais isso, para todos que falo sou super aceita”, comenta Juliana Cabral, capitã da Seleção Brasileira de futebol na conquista da medalha de prata nos jogos Olímpicos de Pequim, em 2008. Por uma infelicidade na carreira, teve que interromper o que mais gostava de fazer.

Juliana era atleta do Sport Club

Corinthians Paulista, que montou uma verdadeira seleção para a disputa dos campeonatos do ano passado. Depois de quase uma década, o time corintiano resolveu contratar estrelas como Juliana Cabral, Cristiane e outras campeãs. A aventura durou pouco. Menos de um ano depois de anunciar o ambicioso projeto, o clube acabou com seu time feminino próprio e deixou diversas jogadoras desem-pregadas.

Sem dinheiro e um patrocinador máster, a diretoria fechou uma par-ceria com o São Caetano/Unip e dispensou a maioria das atletas que acabara de contratar. Hoje o clube brasileiro que mais investe nesse setor é o Santos. Disputando vários campeonatos regionais e com o apoio da diretoria gerida pelo presidente Marcelo Teixeira, o Santos teve nove jogadoras convo-cadas pelo técnico da Seleção que também dirige o clube praiano, Kleiton Lima. “Trabalho há 12 anos com futebol feminino no Brasil e acho que o convite para dirigir a Seleção Brasileira é um verdadeiro reconhecimento dessa experiência”, explica do treinador.

Chagamos ao ponto até de a Seleção Brasileira de futebol feminino ter que usar os uniformes velhos dos jogadores do time principal masculino por falta de apoio. Hoje essa prática não é mais adotada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), mas só por aí podemos tirar uma base do que realmente acontece com o tratamento do futebol feminino no Brasil.

Nos Estados Unidos, a situação é bem diferente. Lá existe uma

Liga Profissional com patrocínio, transmissão pela televisão e muito dinheiro envolvido. É a Women´s Professional Soccer (WPS), ou no simples português Campeonato Americano feminino de Futebol.

A principal estrela por lá é uma brasileira: Marta, melhor jogadora do futebol mundial eleita pela FIFA, e com ela uma legião de estrangeiras. A média de público ultrapassa os cinco mil espectadores por jogo e não há qualquer tipo de preconceito com as atletas, pelo contrário, são muito respeitadas e queridas pelos torcedores. “Aqui no Brasil, o ideal era ter uma Liga Profissional como acontece hoje nos Estados Unidos e em outros países. Essa Liga iria contribuir muito para o crescimento e consolidação da modalidade dentro do país, além de ser benéfico para própria seleção”, defende Ju-liana Cabral, ex-jogadora.

Enquanto os Estados Unidos ressurgem como um novo caminho do futebol feminino, o Brasil ainda tenta dar formatação a competições de equipes. A grande novidade no calendário vem da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol). A entidade deve anunciar em bre-ve a realização da primeira Taça Libertadores feminina. Há muitas chances de o Brasil ser sede única do torneio e o time do Santos ser o representante nacional. “É claro que tudo poderia estar melhor, mas as coisas estão caminhando para o amadurecimento do futebol feminino”, comenta Lima.

Mesmo com toda a falta de incentivo no futebol feminino, a prática por garotas é cada vez maior na América do Sul e principalmente no Brasil. Meninas perdem a A brasileira Marta foi eleita a melhor jogadora de futebol do mundo.

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Jogadoras enfrentam com graça e ele gância a barreira

dos adversários da prática do futebolA vontade de jogar e o amor pelo esporte falam mais alto que a pressão e a discriminação da sociedade

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vergonha do preconceito da sociedade. Driblam o preconceito, entram em um campo de futebol e correm atrás da bola. “Para mim é muito difícil. Meus pais sempre foram contra, mas nunca desisti de jogar bola. Todos queriam que eu brincasse de boneca. Nunca gostei. Sempre fui apaixonada mesmo por uma bola de futebol”, revela Caroline Dias, jovem jogadora da escola de futebol que leva o nome do jogador Marcelinho Carioca.

As garotas de classe média sofrem mais com esse preconceito do que as que pertencem às classes mais humildes. “Muitas vezes ou-viu comentários provocantes. Já fui chamada de lésbica durante um jogo”, afirma, com mágoa, Caroline Dias, de 16 anos.

Maria Isabel Guedes, de 8 anos, é aluna do Colégio Nossa Senhora das Graças. Ela participa de uma atividade extracurricular esportiva que engloba quatro modalidades: vôlei, handball, basquete e futebol. A ideia do projeto é incentivar as crianças à realização de práticas esportivas, fazendo com que elas entrem em contato com os quatro esportes e possam desenvolver disciplina, coordenação motora, além de habilidades sociais. A atividade é separada por idades. Em sua faixa-etária, meninos e meninas praticam juntos os esportes.

Bel, como é conhecida pelos amiguinhos, começou a participar da atividade no ano passado. De lá para cá, sente diferença no tratamento dispensado pelos meninos, em relação a elas, meninas. “Antes os meninos zoavam as meninas, não tocavam a bola durante o jogo, só jogavam entre eles. O que eu gosto

é que agora isso mudou. Quando o jogo começa, as meninas param de falar e querem só jogar bola. E os meninos começaram a passar a bola para as meninas.”

Fã de futebol e são-paulina fanática, Bel garante que tem menina em sua turma que leva jeito com a bola. “Tem uma amiga minha que poderia até ser jogadora.”

Na arbitragem não poderia ser diferente. Os caminhos foram abertos por Sílvia Regina, que trouxe a oportunidade para várias mulheres poderem trabalhar como árbitras e bandeirinhas. Silvia preferiu não falar com nossa re-portagem sobre o assunto, mas, em entrevista ao site “Cartão Vermelho”, revelou que desde os 15 anos de idade é louca por futebol. “Meu pai é juventino fanático, tem recortes de tudo quanto é matéria que sai do Juventus. E me levava sempre que podia à Rua Javari. Eu sonhava ser jornalista esportiva. Tanto que, para falar do assunto, achava que devia conhecer as regras a fundo. E fui fazer um curso de arbitragem.”

Outras mulheres seguiram os passos de Silvia, como a auxiliar de arbitragem Graziele Crizol, que já participou de vários jogos importantes e sempre encarou com naturalidade a pressão da torcida que não cansa de insultá-la. “No início sofri bastante, mas hoje com mais experiência, eu já estou totalmente acostumada com esse tipo de situação. Durante a partida eu só presto atenção no gramado”, garantiu a auxiliar.

Bate bolaJuliana Cabral, capitã da Se-

leção Brasileira de futebol na

conquista da medalha de prata nos jogos Olímpicos de Pequim, em 2008. Data de nascimento: 3/10/1981. Local: São Paulo (SP). Altura: 1,69 m. Peso: 58 kg. Posição: zagueira

Como foi seu início no futebol? Juliana Cabral – Comecei na

rua com meu irmão. Ele é dois anos mais velho que eu e sempre me chamava para jogar. Jogava na rua, na escola, no trabalho do meu pai, até que um dia surgiu uma oportunidade de fazer um teste em uma equipe de salão. Fui, passei no teste e dei início a minha carreira. Algum tempo depois fui jogar na equipe do Saad, uma das equipes pioneiras do futebol feminino. A partir daí tive oportunidades em vários clubes e cheguei a Seleção Brasileira com 15 anos.

Como é sua preparação física?J. C. – A preparação física é

constante. Tem épocas que cheguei a treinar três vezes por dia, mas o normal são duas.

Hoje você está sem clube? Qual foi seu ultimo clube e por que parou de jogar?

JC - Sim, o último clube foi o Sport Clube Corinthians. Pa-rei de jogar este ano, por um acon-tecimento no clube pelo qual fiquei muito chateada e me senti muito desrespeitada.

Como é o apoio no Brasil do futebol feminino ?

JC - Dentro do país temos clubes de prefeituras e clubes grandes que disputam campeonatos realizados pela Federação Paulista, LINAF e CBF. Temos os Jogos Regionais e Abertos, mais ainda precisamos de muitas coisas para poder dar boas condições as nossas atletas.

A auxiliar de arbitragem Graziele Crizol já participou de jogos importantes.

Aline Lambert é árbitra de jogos do campeonato paulista de futebol.

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Débora Araújo e Diego Lima

Estagiários são mais valorizados no mercado de trabalhoA tão esperada efetivação é cada vez mais comum em algumas empresas e a competência é o principal fator, diz analista

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aA jornalista Tainá Ianone (à esq), a administradora Giovanna Gallo (no alto) e a assessora de imprensa Patrícia Ribeiro (em baixo) foram efeti- vadas depois de fazer estágios em empresas na capital paulista

ompetência é a habilidade espe- rada pela maioria das empre-sas ao contratar um estagiário

para fazer parte do seu grupo de colaboradores. Seu significado está normalmente associado ao resultado de uma ação, pois uma pessoa é competente quando atinge os resultados esperados, por ela mesma e/ou pelos demais. O preconceito que existia com os estudantes vem sendo superado com habilidade e força de vontade da juventude.

Segundo pesquisa sobre o investimento em programas de estágio, realizada em dezembro de 2008, pelo Instituto Stanton Chase International, o Brasil é o maior investidor em programas de estágio

da América Latina. Empresas do país se preocupam com a força jovem e acreditam no seu talento, basta o jovem mostrar interesse, qualificações básicas (como um segundo idioma) e competência.

No Brasil e nas principais capitais, as organizações estão cada vez mais interessadas em investir em programas de estagiários e trainees. Esses programas são parecidos, mas recrutam profissionais de perfis e formação diferentes. A palavra estágio significa “período ou fase da prática para o exercício da profissão” (Michaellis) ou “situação transitória de preparação” (Aurélio). Para as empresas, o estágio é uma relação de troca, em que a empresa

oferece o ambiente mais adequado para que o estagiário possa vivenciar seus conhecimentos acadêmicos. A palavra trainee significa “treina-ndo” e no mercado brasileiro, esta posição acabou recebendo uma atribuição diferente da do estagiário, com responsabilidades maiores e desafios avaliados para a efetivação ocorrer ou não. Os trainees normalmente são es-tudantes recém-formados (ou com até dois anos de conclusão do curso superior) que ingressam numa empresa para atuar efetivamente.

Em São Paulo, as empresas têm investido muito nos processos seletivos, principalmente de esta-giários. Além de oferecer uma

situação propícia de aprendizado, é uma oportunidade de conviver com o “turbilhão” de idéias novas que o estagiário pode oferecer ao grupo efetivo. Em muitas entidades, o estagiário irá compor efetivamente o futuro quadro de colaboradores, pois quanto melhor for o seu envolvimento com o trabalho e quanto maior for a semelhança entre suas características pessoais e as da empresa, maior serão essas chances. Cursos de línguas estrangeiras também são um diferencial importante em todos os setores, saber nunca é demais.

Valter Silva, estudante de Engenharia da Computação, está no quinto semestre do curso,

que tem duração de cinco anos e foi efetivado com oito meses de estágio pela empresa Processor – uma das empresas líderes em serviços e soluções de Tecnologia da Informação na América Latina. O estudante conta que no início suas atividades eram mais simples, mas que aos poucos foi recebendo mais tarefas e de mais responsabilidade. Passou a executar processos si-milares aos de seu superior e a con-fiança foi aumentando. “Logo que entrei na empresa fui informado da possibilidade de efetivação, mas não me imaginei efetivado, em regime CLT, logo, pois não efetivavam estagiário até o término da faculdade devido ao preconceito

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Foto Diego Lima

Depois de oito meses de estágio, Valter Silva (primeiro à dir.) foi efetivado em empresa de tecnologia.

e desconfiança da credibilidade proporcionada. Hoje sou a prova de que isso mudou e fui muito bem instruído para chegar ao cargo que estou, Analista de Sistemas”, afirma. O futuro engenheiro de Projetos da Computação pretende continuar crescendo na empresa.

Roberta Vargas, estudante do último ano de Administração, com foco em Recursos Humanos, foi efetivada na área com funções em “Administração de Pessoal” depois de um ano, na empresa WTORRE – empresa de grande porte atuante no setor de engenharia civil. Ela conta que assim que entrou na empresa foi informada sobre a possibilidade de contratação de estudantes e que isso ocorreria de acordo com a capacidade de cada um ao longo de um ano de contrato. “Aprendi muito e hoje me sinto preparada, inclusive, para instruir um novo estagiário, pois pelo tempo que exerci a fun-ção consegui observar o valor que o estagiário tem na empresa e nas funções. Muita confiança foi depositada em mim e me tratavam sem duvidar da minha capacidade por ainda ser estudante”, conta.

Com as mudanças recém-chegadas da lei do estagiário, não ficou mais fácil ou mais difícil conseguir e escolher o trabalho. Há um forte reflexo de uma necessidade dos empresários de investir e formar profissionais qualificados, sendo os jovens a melhor opção, ou seja, a tendência é que o mercado contrate ainda mais estagiários para investir no processo de formação profissional. Para os jovens que desejam aprimorar suas habilidades na área escolhida e adquirir experiência para um futuro mais promissor, o momento é oportuno, mas é preciso investir e acreditar em si mesmo.

A jornalista Tainá Ianone foi efetivada na empresa de assessoria de imprensa Ricardo Viveiros, assim que concluiu a faculdade. Estagiou durante um ano e meio e ela lembra como se sentia ao estagiar. “Tanto eu como todos os estagiários éramos tratados como profissionais e nos eram confiadas atividades de responsabilidade e desde o primeiro dia tive total

orientação”. Atualmente, Taina é gerente de conta do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo e da Federação Nacional dos Trabalhadores de Energia, Água e Meio Ambiente e tem uma estagiária muito competente, a estudante Natalia Bezutti. “A meu ver, o estágio é uma excelente oportunidade de o estudante apren-der as tarefas cotidianas da sua profissão e conhecer todas as áreas possíveis de atuação da profissão escolhida.”

A jornalista Marilia Ramires estagiou junto com Taina Ianone, na mesma empresa, durante dois anos e é mais um exemplo de superação do preconceito contra a atuação dos estagiários nas empresas. “Atualmente atuo em posto avançado das empresas Trevisan, tive uma ótima trajetória como estagiária e pude contar com muito apoio e atenção”, conta. Sua superior imediata, na época, era Patrícia Ribeiro, jornalista pós-graduada em Marketing, que conta como funciona o processo de evolução das funções dos estagiários de jornalismo na Ricardo Viveiros. “Quando percebo que o estagiário já tem condições de avançar para uma nova fase, faço questão de atualizar seus conhecimentos para transmitir o que aprendi até então. Existe uma troca de aprendizado quando o trabalho é reconhecido como parceiro e isso é muito bom. Como gerente, todos os estagiários que tive foram inteiramente valorizados, tanto para a empresa, quanto para o cliente. Este é o ponto de partida.”

Na empresa Mantecorp – um dos maiores laboratórios do setor farmacêutico nacional –, Giovanna Gallo, da área Administrativa, era superior imediata de Camila Vinercati, estudante de Propaganda & Marketing, que estagiou na área por dois anos e foi efetivada como assistente recentemente. Gallo conta como funciona esse processo na empresa. “Temos sempre uma grande preocupação com os estagiários, pois muito deles possuem potenciais e competências necessárias para a efetivação. Procuro passar o máximo de

informações e treinamento, pois sei que para um bom aprendizado é necessário entender de maneira mais ampla em que as suas atividades podem influenciar no todo”. Vinercati sempre se sentiu parte da empresa enquanto fazia estágio. “Nunca me senti inferior aos outros funcionários, desde o início sabia que poderia crescer profissionalmente, tive 100% de auxílio, só tenho a agradece.” Ela acredita que, com a nova lei do estagiário (ver matéria nesta página), muitas empresas multinacionais e farmacêuticas ainda estão se adequando com dificuldades, mas a nova carga horária beneficia e faz bem ao estudante.

O estagiário é uma peça fundamental para a empresa, ele não é apenas responsável pelas suas tarefas, mas também pelas responsabilidades do seu gerente/chefe enquanto ele não está. É o próprio estagiário quem faz e sempre tem de se mostrar pró-atividade, é a sua competência na função que vai provar sua capacidade em exercer um cargo maior e melhor no futuro. O antigo preconceito que a maioria dos estudantes sofria vem sendo superado.

presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, em 25 de se-

tembro de 2008, a Lei n. 11.788, que regulamenta o estágio profis-sional.

A nova lei limita a carga horária dos estudantes, oferece bolsa-auxílio e também vale-transporte para os casos de estágio não-obrigatório e férias.

A regulamentação vale para os contratos assinados a partir de 26 de setembro de 2008 ou para os que forem renovados.

A lei estabelece jornada máxi-ma de seis horas diárias e 30 horas semanais para os estudantes de ensino superior, educação profissional e ensino médio.

O estágio na mesma empresa ou instituição não poderá durar mais de dois anos e o estudante deve ser indicado apenas para atividades compatíveis com sua grade curricular.

Em relação às férias, é asse-gurado ao estagiário, sempre que o estágio tenha duração igual ou superior a um ano, período de

A nova lei do estagiáriorecesso de 30 dias, que deve ser tirado, de preferência, durante as férias escolares. As férias devem ser remuneradas caso o estagiário receba bolsa-auxílio.

Para os casos de estudantes de educação especial ou portadores de deficiência, há diminuição das horas trabalhadas e benefícios dife-renciados e propícios, disponíveis nos principais portais de educação e estágios do país ou mesmo nas instituições de ensino superior.

A lei estipula ainda o número máximo de estagiários em relação ao quadro de funcionários das empresas ou entidades que ofe-recem o estágio. Se a empresa tem de um a cinco empregados, o máximo é de um estagiário; de seis a dez funcionários, até dois estagiários; de 11 a 25 empregados, até cinco estagiários; e acima de 25 funcionários, até 20% de estagiários.

Mais informações podem ser obtidas no Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee), pelo tele-fone 0800-771-2433.

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vaidade e o batom entraram definitivamente para o co-tidiano das polícias. A par-

ticipação das mulheres nos quartéis, viaturas e mesmo nas ruas, comba-tendo o crime, aumentou nos últi-mos anos. Elas já representam 19% do contingente das Polícias Civis de São Paulo, 11% da Guarda Municipal da Capital, 10% da Polícia Federal e 6% da Polícia Militar.

A investigadora Kelly Vicentini Neves Caldeiras, 24 anos, integra o Grupo de Operações Especiais da Polícia Civil (GOE), considerado a tropa de elite de São Paulo. A policial garante que o trabalho não é fácil, exige muita responsabilidade, con-centração e disposição. “É preciso ter certeza daquilo que se quer e é exatamente por isso que eu estou aqui”, disse.

Ela diz que se sente à von-tade no ambiente de trabalho pre-dominantemente masculino. “Já me acostumei a conviver com o ‘clube do bolinha’. Não acho que isso seja ruim, pelo contrário, é ótimo, sou respeitada e isso é o mais importante.”

A investigadora trabalhou cinco anos no Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos (Garra), antes de entrar no GOE. Em 26 anos de existência da unidade, foi a primeira mulher a ser aceita “Eu batalhei muito para superar a resistência dos outros policiais. Eles tinham a certeza que eu não aguentaria e ia pedir para sair”, afirmou. Ele sente orgulho de ter conquistado o respeito dos co-legas.

A rotina de Caldeiras tem mais a ver com tiroteios e resgates do que com depoimentos e análises de documentos, Já participou de várias ações, entre elas, a reconstituição do assassinato de Isabella Nardoni, e o combate aos ataques de uma facção criminosa no Estado de São Paulo.

Caldeiras revela já se envolveu em várias situações de risco. “Há um

Mulheres ocupam cada vez mais espaço na políciaPoliciais femininas se dizem tão competentes quanto os homens no combate à violência e ao crime organizado em São Paulo

Paula Baldini e Rafaella Negri

A ano estava na casa dos meus pais e dois bandidos tentaram roubar meu carro. Um deles atirou e me acertou com dois tiros, um na perna e outro no pulmão. Senti muito medo, mas não é um assalto que vai fazer eu desistir do meu sonho”. Depois de três cirurgias e oito dias na UTI, a policial estava pronta para retomar sua vida.

Outra guerreira é a “dona” do Morro Dona Marta, na zona sul do Rio de Janeiro. A capitã Priscila de Oliveira Azevedo, de 30 anos e 11 de profissão, comanda 120 homens da companhia de policiamento comunitário implantada no mor-ro. Desde dezembro do ano passado, quando os traficantes foram expulsos do local, sobe 768 degraus, duas ou três vezes por dia, com a missão de melhorar a vida da comunidade e não deixar que os traficantes voltem. “Quero me dedicar o máximo que eu puder nesse trabalho, e garantir para toda a comunidade um ambiente bom, saudável, de tranqüilidade e cultura. Quero que as crianças gostem da polícia. Por que assim, vou ganhar um monte de filhos”, brincou a capitã, que antes trabalhava no departamento de administração do 16º Batalhão da Polícia Militar, em Olaria, subúrbio do Rio.

A primeira atitude da capitã Azevedo foi acabar com os bailes funk, para não estimular o tráfico e evitar o consumo de drgoas. “Eu garanto que comigo o tráfico não vai voltar”, sentenciou.

Desde 1989, a policial Eli-sabete Ferreira Sato Lei, de 52 anos, é delegada Seccional de Polícia e comanda a zona norte da Capital. Ela afirmou que já sofreu preconceito. “No início da minha carreira, quando assumi pela primeira vez uma delegacia no DHPP, o meu chefe me falou que duvidava que eu desse conta do recado, e que achava que eu só seria uma secretária melhorada. Apesar de estranho, isso para mim

foi como uma injeção de ânimo, e no segundo mês, minha equipe foi a primeira colocada”, disse.

Outra situação de preconceito ocorreu quando a delegada efetuou a prisão de uma pessoa acusada de homicídio. “O preso falou ‘pelo amor de Deus, ser preso tudo bem, mas por uma mulher não dá’”, brincou.

As pessoas vem as mulheres que trabalham na polícia como pessoas frias, mas, segundo a delegada, no decorrer da carreira tornam-se cada vez mais sensíveis, porque se deparam com casos que nunca imaginaram que poderia acontecer com um ser humano. “Quando eu trabalhava no Departamento de Homicídios, esclareci o crime de um garoto que morava com a avó. Depois de um tempo, a avó desse menino veio conversar comigo, e falou que gostaria de me dar um presente, mas que não tinha dinheiro, e que a única coisa que ela tinha era uma lata de sardinha.

Então fez uma torta, me entregou, e perguntou se eu comeria. Fiquei muito emocionada. Comemos juntas”, contou.

“Sempre exigi de mim mesma o melhor, mas não me esforço mais para ser melhor do que os homens”, disse Alexandra Comar de Agostine, 37 anos, 14 como delegada. Ela é titular 4ª delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil. A delegada contou que já enfrentou preconceito pelo fato de ser uma mulher bonita. “Nunca ninguém falou diretamente para mim, mas já senti. Reverti isso por meio do meu trabalho”, afirmou.

“Chorei e me emocionei muito em vários casos, mas nem por isso me considero uma pessoa fraca”, disse Agostine. Segundo ela, nunca deixou ir ao local de um crime ou participar de alguma situação pe-rigosa, como tiroteios, por exemplo. “O meu papel é investigar e ir às ruas”, declarou.

Antes de ir à luta contra o preconceito, a maioria das mu-lheres que atua na segurança pública precisa superar a discri-minação dentro de casa. Foi o que aconteceu com a chefe da equipe de perícias do Instituto Médico Legal (IML) da região do centro de São Paulo, Alba Blasotti, de 43 anos e 18 de profissão. “A minha mãe é um pouco resistente até hoje, já que para insatisfação dela, eu prefiri ser médica de mortos”, contou Alba, que começou a carreira em Guarulhos (SP).

A médica legista conta que não enfrentou muita resistência no local de trabalho, apesar de dizer que quando começou a profissão era essencialmente masculina. “Na época existiam poucas mulheres legistas. Têm aquelas piadinhas que lugar de mulher é na cozinha, esquentando a barriga no fogão, mas fica nisso. Mesmo assim, a gente ocupa os espaços, porque mulher é responsável”, afirmou.

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Além arma, algema, rádio transmissor, balas e distintivo, a policial feminina carrega estojos de maquiagem.

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Movimento gay se mobiliza e conquista novos direitos Parceiros do mesmo sexo têm hoje o direito de receber herença e benefícios da aposentadoria em caso de morte ou invalidez

Caio Miranda e Barbara Pinheiro

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A parada gay em São Paulo movimentou em 2008 cerca de R$190 milhões em negócie como hospedagem.

O estudante Isaac Carvalho assumiu para a família que é gay.

luta contra a liberdade de op-ção sexual segue a cada dia, e como símbolo dessa batalha,

a parada gay é o maior marco de conquista da homossexualidade.Ano após ano, a festividade tem um considerável aumento do público presente. Na 12ª edição, em 2008, cerca de 3,4 milhões de pessoas prestigiaram a festa na Avenida Paulista. São famílias inteiras, ca-sais heterossexuais, idosos e todos os tipos de pessoas. O evento já é considerado o segundo maior em movimentação de dinheiro na cidade de São Paulo, em termos de publicidade, hotelaria e turismo, de acordo com a Secretaria de Turismo. Só em 2008, a parada movimentou cerca de R$190 milhões de reais na cidade.

A mais nova pesquisa intitulada Mosaico Brasil, mostra a quantidade de homossexuais e bissexuais em 10 capitais brasileiras, levando em conta somente as pessoas com idade acima de 18 anos. De acordo com o levantamento, 10,8% dos homens e 5,1% das mulheres do Distrito Federal são homossexuais ou bissexuais, o que significa 135 mil indivíduos residentes no Distrito Federal.

A pesquisa foi feita pelo Pro-jeto Sexualidade, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, sob encomenda do laboratório Pfizer, fabricante do Viagra e divulgada no final de 2008. O estudo ouviu 8.200 pessoas e é um dos mais amplos do país a respeito do tema.

Para o titular interno da Coor-denação de Pesquisas do Grupo Estruturação de Brasilia, Welton Trindade, a pesquisa é essencial para que a sociedade reconheça a presença dos homos-sexuais e bissexuais e, com isso, tenha respeito por eles. “Todo o ser humano deve ter seus direitos preservados e promovidos, nós não devemos levar em conta somente a questão numérica, mas não

podemos ignorar os índices como os apresentados pela Mosaico Brasil, pois eles são importantes para que o poder público e o país, de forma geral, veja o quanto os homo e bissexuais integram a sociedade.”

Trindade afirma que, com receio da discriminação, muitas pessoas não admitem ser homo ou bissexual, e isso pode levá-las a não serem sinceras ao responder uma pesquisa. A falta de autoaceitação e o preconceito também tiveram influência impor-tante nos números, segundo o coordenador. “A cultura de uma cidade pode ocasionar diferentes posturas. Em uma capital com mais aceitação a homo e bissexuais, as pessoas podem ter posturas mais francas. E em uma cidade com cultura mais homofóbica pode ter tolhido respostas verdadeiras.”

Por ter a segunda maior pa-rada gay do mundo, perdendo somente para os EUA, o brasileiro é um dos mais otimistas quando se fala na vitória contra a homofobia, e alimenta o sonho de futuras mudanças. “No Brasil, as pessoas precisam se acostumar com a

situação. Aqui tudo é devagar, em outros países já há casamentos entre homossexuais e leis que nos protegem, dando mais coragem para enfrentarmos o dia a dia”, argumentou o professor de Educação Física, Fábio Vieira. Mas as mudanças nas leis e no comportamento dos cidadãos estão longe de serem totalmente reais. Apesar de considerar que hoje o preconceito está menor, Vieira diz já ter sofrido por ser homossexual. “Fui fazer uma entrevista para dar

aula de natação para deficientes físicos e, depois de conversar com o dono, ele me disse que eu era perfeito para a vaga. Mas dias depois ele me ligou e disse que por ser gay eu não fui aprovado”.

Renato Oliveira, recém formado em Comércio Exterior, diz não ter passado por qualquer situação semelhante. “O trabalho tem que ser baseado em profissionalismo e respeito, se existir os dois não há motivos para ter problemas.”

“As pessoas têm curiosidade

em relação à homossexualidade. Na verdade, têm um preconceito formado. Tudo que precisam en-tender é que o fato de eu ser gay não vai afetá-las em nada”, diz Isaac Carvalho, estudante de Relações Públicas.

Algumas pessoas se apoiam na questão religiosa para defender a reprovação da homossexualidade. Em diversas religiões, o homossexual é visto como pecador, uma pessoa impura que quebra os dizeres de Deus na criação do mundo, Gênesis 1: “Após criar o homem e a mulher, Deus os abençoou e disse: Frutificai e multiplicai-vos”.

A comunidade católica, assim como a evangélica, reconhece o direito dos homossexuais a um tratamento digno e igualitário, mas se preocupa com a aprovação do Projeto de Lei Complementar que pretende punir como crime qualquer tipo de reprovação ao homossexualismo. Os Batistas entendem que o Projeto pode re-sultar no aumento da subversão de valores morais.

Carvalho explica como foi assumir para a família evangélica que era gay. “Não foi muito pesado, até porque desde criança tenho esse jeito, essa voz e sempre gostei de coisas femininas. A família já comentava, mas nunca cheguei para meus pais e falei: eu sou gay. Aconteceu com o tempo. Hoje isso não atrapalha nossa convivência, mas eles não aceitam, acham errado, mas não tocam no assunto.”

A legalização da homossexua-lidade é uma das pautas no Con-gresso Nacional. Hoje, os tribunais já reconhecem os parceiros do mesmo sexo e os permitem receber herança e previdência social. Uma das pautas abertas no Legislativo é a questão do casamento homos-sexual. “Eu sempre sonhei em casar, e com esta modificação na lei e a diminuição do preconceito vou conseguir realizá-lo”, diz a secretária Vanessa Bastos.

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s mulheres ocupam hoje uma fatia de 45% no mercado detrabalho, representando não

apenas o reconhecimento da luta pelos seus direitos, como também o símbolo da batalha diária.

As trabalhadoras brasileiras estão em sua maioria no setor de serviços. 80% delas ocupam cargos de secretárias, comerciarias, funcio-nárias públicas, manicures, cabelei-reiras e professoras. O maior con-tingente está concentrado no ser-viço doméstico remunerado.

Após interromper movimento de expansão entre 2005 e 2007, a taxa de participação das mulheres na Região Metropolitana de São Paulo, voltou a crescer, ao atingir 56,4%, em 2008, frente aos 55,1% no ano anterior. Para as mu-lheres, o crescimento do nível de ocupação em 2008 foi o maior em sua trajetória de elevação de dez anos consecutivos e superou o observado para os homens (5,6% e 3,8%, respectivamente).

As mulheres correspondem hoje a 41% da População Economi-camente Ativa (PEA) do Brasil, e mais de um quarto das famílias são por elas chefiadas. Ao longo dos anos elas vencem o preconceito, mostrando que têm garra para assumir cargos de comando e ainda assumir empregos considerados próprios de homens. Com isso, não é difícil encontrar mulheres que se tornaram “chefes de família”, sendo responsáveis por toda a renda do lar.

“Meu pai era taxista e quando ele faleceu, peguei o carro dele e comecei a trabalhar. Estou nessa função a dois anos, sempre pego passageiros curiosos, já até perguntaram se ‘gostava de mullheres’. Logo respondo que tenho três filhos e cuido da minha mãe de 60 anos, sou o chefe da família. Minha única renda vem do táxi”, relata Vanessa Assakura, 36 anos, cujo ponto fica no bairro da Liberdade, em São Paulo.

Disposição para o trabalho é o que não falta à mulherAs mulheres representam hoje 41% da População Economicamente Ativa (PEA) e chefiam mais de um quarto das famílias

Ana Luísa Mello e Natália Bezutti

A Assakura é respeitada pelos colegas de profissão, a ponto de estar sendo indicada para ser a coordenadora do ponto. “As brincadeiras dos homens que entram no meu táxi são tranquilas, o preconceito maior vem das mulheres mais idosas, mas a gente leva tudo na esportiva”, disse. Segundo o Sindicato dos Taxistas Autônomos de São Paulo, são 33 mil homens e três mil mulheres taxistas.

A crescente demanda de mu-lheres no mercado de trabalho foi decorrência de fatores econômicos e culturais, somados ao boom da industrialização. Com o aumento da demanda por mão de obra, surgiram as oportunidades e as as mulheres tiveram papel de destaque.

Um exemplo disso é visto no setor eletricitário, no qual as pagam salário inicial igual para homens e mulheres. Para o presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, Antonio Carlos dos Reis, a discriminação começa com o aumento dos salários e promoções. “Se dois profissionais exercem funções de jornada de trabalho iguais, devem receber o mesmo salário, isso é lei. Nós defendemos que as profissionais tenham, na prática, os mesmos direitos, benefícios e tratamento que os homens. É importante destacar o valor do trabalho feminino para o desenvolvimento da sociedade e conseguir, de verdade, igualar os direitos”, declara.

No setor de eletricista de Furnas Centras Helétricas S.A. – linhas de transmissão de energia em alta e extra alta tensão – há uma única mulher para executar a função. “Fiz a prova em 2004, e quando entrei, até me ofereceram outros cargos administrativos, mas recusei, porque quando eu prestei o concurso me informei sobre como era a profissão. Não tive dúvidas de que era o que eu queria, pois gosto de situações de perigo”, revela Davina

de Campos Glovaski. Sobre o dia-a-dia, Glovaski diz que conquistou o respeito e reconhecimento da sua equipe, mas que encontra ainda resistência com os eletricistas que não a conhecem. “Eles não acreditam que trabalho como eles, então ficam desconfiados. Porém, executo minhas tarefas igual a todos, tanto que a equipe que fico às vezes até esquece que sou mulher”, brinca. “Não deixo de lado minha vaidade feminina, gosto de estar sempre arrumada, maquiada e penteada.”Antes de trabalhar em Furnas, Glovaski era policial. Hoje, além da função considerada perigosa para muitos, ela faz saltos de pára-quedas, rapel, bung-jump, entre outros esportes radicais.

O setor eletricitário teve outra pioneira que representa todas as mulheres que lutam por direitos iguais, mostrando que não há diferenças entre sexos quando o assunto é trabalho. Maria Isabel Breveglieri Almeida, eletricitária aposentada, foi a primeira secre-tária da presidência da Light, atual Eletropaulo. “Comecei na empresa como datilógrafa em 1957. Quatro anos depois fui convidada para ser secretária do diretor superintendente. Eu era a única mulher nesse cargo”, relembra.

PesquisaUma pesquisa feita nos cursos

superiores mostra as mulheres invadiram o espaço predominan-temente masculino. Entre 1991 e 2002, o número de alunas no curso de Engenharia subiu de 25.500 a 42.800, uma elevação de 67,8%. Nos cursos de Direito falta pouco para que elas se igualem a quantidade de homens. O número aumentou para 223,2% contra 165% de homens e já somam 48,8% do curso. Além disso, as mulheres brasileiras estudam cerca de 7,3 anos, enquanto os homens estudam 6,3 anos, segundo o Ins-tituto Brasileiro de Geografia e Es-tatística (IBGE).

Com maior nível de instrução que os homens, as mulheres não exercem funções compatíveis com a sua formação: ocupam, em geral, postos mais precários, de menor remuneração.

As mulheres representam 53,0% da população total, e 53,8% da População em Idade Ativa (PIA). Sua presença na População Economicamente Ativa (PEA), no entanto, é menor que a masculina, correspondendo a 44,4%. Outra pesquisa sobre a presença de mulheres no mercado de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo, mostra a porcentagem de 56,4% no ano de 2008. Em 2007, representavam pouco mais de 55%, segundo dados divulgados pelo Departamento Intersindical

de Estatísticas e Estudos Socio-econômicos (Dieese).

Edna Oliveira Soare trabalha como motorista de caminhão na filial de São Paulo da Transportadora Brás Press. Com a ajudante Edna Moreira, fazentregas de merca-dorias. “Quando os homens vem uma mulher descendo do cami-nhão, já se assustam, imagina quando descem duas”, brinca Edna ao falar sobre o pensamento das pessoas sobre seu trabalho. “Não vejo o preconceito, vejo um pouco de medo, mas todo mundo brinca e também respeita muito o meu trabalho. Tenho o apoio da família e dos amigos, além dos comerciantes que recebem a mercadoria que entrego”, revela a motorista, com orgulho.

Davina trabalha em torres de alta tensão e pratica esportes radicais.

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Palavras de fé desmascaram preconceito religiosoA diversidade de religiões praticadas no País é fruto da convivência de diferentes raças desde o início da colonização portuguesa

Débora Fiúza e Renata Gollo

Opreconceito religioso continua vivo entre nós? Na opinião da teóloga Ivete Strauss, “não

existe preconceito mas desconhe-cimento das pessoas em relação as religiões.” O sociólogo Marcelo Trovato questiona o próprio termo preconceito religioso. “A rejeição pura e simples não significa precon-ceito, é uma disputa de mercado. Eles se engalfinham para pegar a maior fatia. Quando um pertence a uma e não pertence a outra, ele vê aquela como uma rival. A questão não é preconceito e sim rivalidade”.

Espírita desde criança, o policial militar Thiago Soares, de 25 anos, revelou que já foi discriminado pelos colegas ao se declarar espírita. “Eram dois católicos e um evangélico. A fisionomia de-les mudou. Disseram para eu não frequentar esse negócio de ‘centro’, ‘terreiro’, e que tudo isso era envolvido por algo maligno.”

O espiritismo chegou ao Brasil no ano de 1865 e hoje o país possui o maior número de adeptos do mundo, cerca de 2,3 milhões. Baseados na Bíblia e nos ensinamentos de Allan Kardec, creem em um plano espiritual e na encarnação dos espíritos. Segundo

Soares, as pessoas veem com certo repúdio o nome da religião e locais de culto. Ele já escutou termos como “macumbeiros”, “repudiados por Deus” e “adivinhos”, mas acredita que os espíritas não passam por muita discriminação como em outras religiões.

As religiões protestantes durante os últimos anos tiveram grande crescimento no Brasil. Segundo dados de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE), ocupam a segunda posição entre os religiosos, com 26,2 mi-lhões de pessoas.

Há alguns anos, o preconceito com os membros era maior. “Nós usávamos saia, cabelo comprido e roupas discretas. Éramos cha-madas de ‘meninas da aleluia’, ‘Marias mijonas’, ‘Maria Madalena arrependida’. Quando passávamos na rua perto de rodinhas, era comum ouvir: ‘Glória Deus, aleluia!”, tirando sarro”, diz Ivania Cano, 46 anos, empresária e membro da Congregação Cristã no Brasil.

Ao lembrar-se do passado, Cano relata: “As meninas corriam atrás da gente para cortar o nosso cabelo, nossas mães não deixavam nós irmos a escola de cabelo solto.” Outro caso marcante em sua vida foi

na primeira entrevista de emprego, aos 15 anos de idade. Quando o seu futuro chefe soube que pertencia a Congregação, perguntou se ela era do tipo de crente que fazia sexo com o marido de luz apagada para não mostrar o corpo. Muito constrangida, respondeu: “Ainda não pensei nisso, pois o sexo não faz parte da minha vida”.

Ela acredita que o jeito con-servador e as doutrinas severas de algumas instituições fizeram a sociedade ter uma imagem distorcida da religião. ”Acham que as mulheres crentes não podem cortar o cabelo ou fazer depilação, o que não é verdade, pois isso é questão de higiene e não de vaidade”, afirma.

Quando questionada sobre o relacionamento com pessoas de outras crenças, ela diz que sempre teve amigos de todas as religiões. “Já tive amigas espíritas e até umbandistas. Sempre me dei bem com todas as pessoas.”

Os escravos trouxeram da África uma fé ancestral, porém eram proibidos pelos colonizadores de exercerem suas práticas religiosas. Obrigados a participar das missas, driblavam a Igreja criando fundos falsos em altares para cultuar seus

deuses, dando origem a religião afro-brasileira.

Hoje é difícil quantificar os integrantes desse grupo religioso. De acordo com dados do IBGE, são aproximadamente 525 mil praticantes, porém acredita-se que o número pode ser maior, uma vez que muitos não expõem sua crença. Felipe Garbin, de 23 anos, membro do Templo Caboclo Sete Flechas Vermelhas, diz que muitas vezes não assumiu sua religião. “No meu antigo emprego, na hora do intervalo, as pessoas criticavam, me sentia mal para falar, ficava acuado. A maioria não fala que é umbandista, dizem que são espíritas.”

Na opinião do sociólogo Marcelo Trovato, o sentimento de culpa existe desde a época da escravidão, quando a Igreja e o Estado tinham o direito de proibir. “Os escravos não podiam professar sua fé livremente, porque eram vistos como alguém pernicioso e assim o preconceito se estabelecia em relação a eles”. Segundo ele, trata-se de “preconceito vinculado a raça, a cor, que foi criado para tentar extirpar, arrancar esse hábito que veio com os escravos e suas culturas ancestrais.”

A dirigente espiritual Matilde Aparecida Rocha, 80 anos, diz que hoje se sente respeitada pelas pessoas e que nunca mais foi vítima de preconceito.

Garbin acredita que depois que pessoas públicas como Ivete Sangalo, Zeca Pagodinho e outros artistas passaram a se assumir umbandistas, a sociedade teve maior aceitação e respeito.

A comunidade nipônica trouxe ao Brasil uma nova crença religiosa: o budismo. O universitário Celso Tokusato é descendente de orientais e disse ter sido discriminado durante a sua infância. “Eu sempre me senti com certa vergonha, durante toda a minha vida, até hoje eu não me sinto a vontade para falar que sou budista. Acredito que seja por essas coisas da infância”, diz o estudante de Jornalismo.

“Se eu pudesse resumir o budismo que eu pratico em uma palavra, essa palavra seria fé.” O estudante afirma que muitas pessoas consideram o budismo apenas uma filosofia, mas para ele a fé prevalece. Acredita-se que há uma força no Universo, não personificada, que existe também no interior das pessoas. Invocam as forças para alcançar os objetivos.

Diversificação religiosa no Brasil: o budista Celso Tokusato, 24 anos, a protestante Ivania Cano, 46 anos, o ubandista Felipe Garbin, 23 anos e o espírita Thiago Soares, 25 anos.

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Cargo de chefia é sim cada vez mais coisa de mulherA cada dia que passa as mulheres estão ocupando cargos de liderança nas empresas por serem determinadas e detalhistas

Daiane Cabral e Fernando Verdasca

Uma pesquisa realizada em 2008 pelo grupo internacional de mulheres executivas, a Corpo-

rate Women Directors Internacional (CWDI), mostrou que apenas 11,2% das 200 maiores empresas atuantes no mundo empregam mulheres em cargos de chefia. Apesar de esse número ser pequeno, representa uma melhora se comparado a um estudo anterior, em que se constatou que as mulheres davam as cartas somente em 10,4% das empresas. Houve um crescimento entre os anos de 2004 e 2008: o número de funcionárias em altos postos passou de 285 para 308.

Existem grandes diferenças em porcentagens de país para país. A mesma pesquisa mostrou que entre as 75 maiores empresas dos Estados Unidos, por exemplo, apenas 17,6% dos diretores em cargos de confiança são mulheres. Já no Reino Unido e na Holanda, o percentual é 13,9% e 12,2%, respectivamente.

No caso do Brasil, segundo a coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Mulher, da Universidade de Brasília, Lourdes Bandeira, os dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostravam que, no setor público, as mulheres ocupavam 51% dos postos de trabalho iniciais. Já os postos de comando são ocupados por 13%.

A reportagem ouviu quatro mulheres que obtiveram sucesso em suas carreiras profissionais e hoje ocupam cargos de chefia nas empresas em que trabalham. Foram elas: Vera Biojone, gerente de Mar-keting e Comunicação Social da Infraero (Regional Sudeste); Mônica Viveiros, gerente de Treinamento e Desenvolvimento de Recursos Humanos da Rede de Energia; Sandra Pinheiro da Silva, arquiteta da empresa Spinfer; e Sheyla Pelose, diretora de Marketing da Wtorre Engenharia.

Segundo as entrevistadas, o

preconceito contra a mulher em cargo de chefia diminuiu devido ao aumento de sua projeção

no mercado de trabalho. Vera Biojone possui sob o seu comando profissionais do sexo masculino.

Segundo ela, sua relação com os homens no ambiente de trabalho sempre foi boa. “Acredito que o bom profissional independente de ser homem ou mulher. Ele precisa estar comprometido, ligado, ser inteligente, buscar sempre se aprimorar, aprender. É esse tipo de profissional que eu gosto, seja homem ou mulher. Uma pessoa que esteja aberta a aprender, que não se sinta ofendido quando é chamado a atenção.”

Já Sandra Pinheiro explica seu ponto de vista quando o assunto é mulheres que exercem a função de gerenciamento, coordenação e presidência. “Hoje ambos possuem capacidade, tanto homens como mulheres, muito diferente de algumas décadas atrás quando as mulheres cuidavam apenas da casa e dos filhos e, no máximo, conseguiam ser professoras. Hoje as mulheres cursam faculdades, se especializam, fazem idiomas. Mas ainda existe uma vantagem com relação às mulheres: nós conseguimos desenvolver várias tarefas ao mesmo tempo, o que para os homens é mais difícil, a própria ciência comprova isso”.

Ao ser questionada sobre como é coordenar uma equipe em que homens são maioria, a gerente de recursos humanos Mônica Viveiros conta que já teve mais problemas com mulheres que com homens. “A questão toda é a postura do chefe ao lidar com as situações do dia a dia. Isso é que vai fazer que ela seja respeitada. Tive mais problemas com mulheres que com homens, pois elas são mais competitivas, desde a roupa/sapato que usam até o dia a dia do trabalho”.

Quando a questão é concor-rência no mercado de trabalho e o papel desempenhado pela mulher no seu dia a dia, Vera Biojone comenta: “Eu acredito que o mercado vem crescendo para as mulheres nos últimos anos. As mulheres têm realmente conquistado espaço.

Acho que as vezes podem sim encontrar dificuldades porque era um mercado essencialmente masculino. A gente tem visto nas pesquisas que as mulheres têm um número maior de matrículas em cursos de todos os tipos, inclusive superior. Eu acredito então que o caso seja de capacitação. Se o homem buscar essa mesma capacitação, acredito que ele tenha as mesmas oportunidades. Talvez por ter sido marginalizada ao longo do tempo no mundo do trabalho, a mulher hoje luta um pouco mais. A gente não pode deixar de esquecer também que muitas vezes a mulher é casada, tem filhos. Quer dizer, ela não tem só a tarefa do trabalho na empresas, como também a tarefa dos filhos e da casa. Hoje eu acho que a juventude está entendendo isso e está mudando. O homem de hoje também é muito mais atuante dentro da casa, já divide mais as funções, e para que uma família dê certo tem de acontecer isso mesmo”.

Sheyla Pelose acredita que não existem obstáculos para a mulher mostrar seu potencial na sociedade coorporativa, apenas alguns desafios. “A mulher tem as mesmas possibilidades que o homem. Só deve descobrir ou deixar claro aos empresários onde o seu potencial pode ser mais bem empregado. Como exemplo, cito a Wtorre que, com muitas obras e um grande contingente masculino, escolheu, para algumas tarefas, a mão-de-obra feminina. As mulheres têm mais facilidades para trabalhar com detalhes, são minuciosas e se apegam as riquezas de detalhes e, os homens, nem sempre. Eu não chamaria de obstáculos e sim de desafios, pois podem ser transpostos, mas o maior deles é conciliar a vida profissional com a particular. A mulher é parecida com aquele equilibrista chinês, que equilibra todos os pratinhos sem que nenhum caia no chão.”

A gerente de Marketing e Comunicação Social da Infraero, Vera Biojone.

A jovem e bela arquiteta da empresa Spinfer, Sandra Pinheiro da Silva.

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