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- Tenho impressão que Medeia não trata do amor infiel. Acho que... para mim, é curto demais... - Não é um monstro que mata crianças? - Não, de jeito nenhum. É um ato político frio, calculista... [...] Quando o ser humano se tornou mulher, as mulheres eram seres humanos, aconteceu uma mudança traumática. Desde então, as mulheres não são humanas, são mulheres. Porque os humanos hoje... pode-se ver claramente no teatro... Fausto sobe ao palco e é um ser humano. Representa toda a humanidade. Como ser humano, claro que penso como Fausto. Não penso como Margarida. Ela não é humana. Só é no olhar dele. Tudo está subordinado à sua subjetividade. Hamlet sobe ao palco e é a humanidade. Medeia sobe ao palco e tem problemas com a menstruação. Ela não representa a humanidade. Ela representa o problema de ser mulher. Como você disse, um problema com o amante infiel. Não acredito que seja isso, mas sim que já não seja um ser humano completo. E vemos que ela não o aceita. - Ela exige seus direitos. - Ela exige a qualquer custo. E nunca é apresentada como um ventre assassino “meu marido me deixou, então vou matar meus filhos”. Não, ela age diferente. Um rei chega a cidade e ela tenta tocar a vida. Não é um assunto emocional que veio desse lugar onde gostamos de por as mulheres, um lugar reduzido ao visceral, ao emocional. Nada disso. Mas ela já não tem espaço para se mover. Porque agora é só uma mulher com dois filhos. Todo o resto foi removido. Está fora de seu raio de ação política. Já não é mais rainha, só esposa. - Desterrada. - Exato. Ela é tratada como esposa e rejeitada como esposa. E um rei chega a cidade e ela faz um trato com ele “você é estéril, resolverei seu problema. Prepararei uma poção e terá filhos. Mas prometa que me abrigará, haja o que houver”. Isso aparece em Eurípides. Ela pensa com antecedência. Ela planeja. Faz um contrato transparente. É uma estrategista política. Depois, como todo homem tem... ela tem direito... à fama e à dignidade! Não quer ser só uma biologia feminina, dependente do amante. Ela também quer... se seu marido pode dizer... “quero ser rei e não ficar só fugindo. Agora tenho a chance de ser alguém”. Ela também quer ser alguém. Está ofendida e não vai tolerar isso. Quer viver como uma pessoa completa, com fama e honra e com

Tenho Impressão Que Medeia Não Trata Do Amor Infiel

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Tenho Impressão Que Medeia Não Trata Do Amor Infiel

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- Tenho impresso que Medeia no trata do amor infiel. Acho que... para mim, curto demais... - No um monstro que mata crianas? - No, de jeito nenhum. um ato poltico frio, calculista... [...] Quando o ser humano se tornou mulher, as mulheres eram seres humanos, aconteceu uma mudana traumtica. Desde ento, as mulheres no so humanas, so mulheres. Porque os humanos hoje... pode-se ver claramente no teatro... Fausto sobe ao palco e um ser humano. Representa toda a humanidade. Como ser humano, claro que penso como Fausto. No penso como Margarida. Ela no humana. S no olhar dele. Tudo est subordinado sua subjetividade. Hamlet sobe ao palco e a humanidade. Medeia sobe ao palco e tem problemas com a menstruao. Ela no representa a humanidade. Ela representa o problema de ser mulher. Como voc disse, um problema com o amante infiel. No acredito que seja isso, mas sim que j no seja um ser humano completo. E vemos que ela no o aceita. - Ela exige seus direitos.- Ela exige a qualquer custo. E nunca apresentada como um ventre assassino meu marido me deixou, ento vou matar meus filhos. No, ela age diferente. Um rei chega a cidade e ela tenta tocar a vida. No um assunto emocional que veio desse lugar onde gostamos de por as mulheres, um lugar reduzido ao visceral, ao emocional. Nada disso. Mas ela j no tem espao para se mover. Porque agora s uma mulher com dois filhos. Todo o resto foi removido. Est fora de seu raio de ao poltica. J no mais rainha, s esposa. - Desterrada.- Exato. Ela tratada como esposa e rejeitada como esposa. E um rei chega a cidade e ela faz um trato com ele voc estril, resolverei seu problema. Prepararei uma poo e ter filhos. Mas prometa que me abrigar, haja o que houver. Isso aparece em Eurpides. Ela pensa com antecedncia. Ela planeja. Faz um contrato transparente. uma estrategista poltica. Depois, como todo homem tem... ela tem direito... fama e dignidade! No quer ser s uma biologia feminina, dependente do amante. Ela tambm quer... se seu marido pode dizer... quero ser rei e no ficar s fugindo. Agora tenho a chance de ser algum. Ela tambm quer ser algum. Est ofendida e no vai tolerar isso. Quer viver como uma pessoa completa, com fama e honra e com dignidade humana. Por isso, mata seus filhos, para ferir ser marido mortalmente. E l fica ela, na carruagem de Hlio. - ela voltar ao seu pai.- Sim, ela parente de um deus do sol. - E comea tudo de novo.- Adoraria interpret-la, de verdade, naquela carruagem e no numa cozinha. No queria interpretar uma mulher casada do sculo 19. [...] Trata-se de um tema poltico, de uma quebra de contrato.