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Alertas sobre as conseqüências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu Organizador A. Oswaldo Sevá Filho TENOTÃ-MÕ

TENOTÃ-MÕ · 2010. 10. 24. · implícitas, as razões assumidas e as finalidades escondidas, as declarações retumbantes e as vazias. Tenta-mos separar os dados corretos dos incorretos,

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Alertas sobre as conseqüências dosprojetos hidrelétricos no rio Xingu

Organizador A. Oswaldo Sevá Filho

TENOTÃ-MÕ

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Paul

o Ja

res

No dia em que o engenheiro Muniz compôs a mesadiretora dos trabalhos no ginásio coberto deAltamira, vários índios vieram se manifestar alimesmo em frente à mesa, alguns falando em sualíngua ao microfone e sendo traduzidos. Tu-Ira,prima de Paiakan, se aproximou gritando em línguakaiapó gesticulando forte com o seu terçado (tipode facão com lâmina bem larga, muito usado namata e na roça). Mirou o engenheiro, seu rostoredondo de maçãs salientes, traços de algumantepassado indígena, e pressionou uma e outrabochecha do homem com a lâmina do terçado, paraespanto geral. Um gesto inaugurador. Situação quemerece uma palavra-chave dos índios Araweté daTerra Ipixuna, no médio Xingu, recolhida peloantropólogo Eduardo Viveiros de Castro:·

“Tenotã - Mõ significa “o que segue à frente, o que começa”.

Essa palavra designa o termo inicial de uma série: oprimogênito de um grupo de irmãos, o pai em relação aofilho, o homem que encabeça uma fila indiana na mata,a família que primeiro sai da aldeia para uma excursãona estação chuvosa. O líder araweté é assim o que começa,não o que comanda; é o que segue na frente, não o que ficano meio.

Toda e qualquer empresa coletiva supõe um Tenotã-mõ.Nada começa se não houver alguém em particular quecomece. Mas entre o começar do Tenotã-mõ, já em si algorelutante, e o prosseguir dos demais, sempre é posto umintervalo, vago mas essencial: a ação inauguradora érespondida como se fosse um pólo de contágio, não umaautorização”(trecho extraído de seu livro “Araweté o povo do Ipixuna” CEDI-Centro Ecumênico de Documentação e Informação (ISA), S.P.,1992, pág.67)

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TENOTÃ - MÕ

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Ficha TécnicaorganizaçãoA. Oswaldo Sevá Filho

ediçãoGlenn Switkes

projeto gráficoIrmãs de Criação

produção gráficaIrmãs de CriaçãoDanilo Henrique Carvalho

fotoscapaAndreas MissbachBeto Ricardo, ISA

tiragem1000 exemplares

1ª edição • 2005

[email protected](11) 3822.4157

realização

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APRESENTAÇÃO ....................................................... 07Resumos técnicos e históricos das tentativas debarramento do rio XinguGlenn Switkes e Oswaldo Sevá

MENSAGEM DE ABERTURA ................................... 09Dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu

RESUMO EXECUTIVO............................................. 13Glenn Switkes e Oswaldo Sevá

PARTE I – OS XINGUANOS E O DIREITO

CAPÍTULO 1 .............................................................. 29Povos indígenas, as cidades, e os beiradeiros dorio Xingu que a empresa de eletricidade insisteem barrarOswaldo Sevá

Informes das lideranças em Altamira, Pará1.1. O assédio da Eletronorte sobre o povo e asentidades na região de Altamira ............................... 55Antonia Melo

1.2. A Terra do Meio e os projetos dehidrelétricas no Xingu ............................................... 58Tarcisio Feitosa da Silva

CAPÍTULO 2 .............................................................. 63Uma abordagem jurídica das idas e vindas dosprojetos de hidrelétricas no XinguRaul Silva Telles do Valle

CAPÍTULO 3 .............................................................. 74Xingu, barragens e nações indígenasFelício Pontes Jr e Jane Felipe Beltrão

3.1. As pressões da Eletronorte sobre os autores do EIAtrecho extraído de Louis Forline e Eneida Assis ..............91

PARTE II – ELETRICIDADE PARA QUEM?ÀS CUSTAS DE QUEM?

CAPÍTULO 4 .............................................................. 95Grandezas e misérias da energia e da mineraçãono ParáLúcio Flávio Pinto

CAPÍTULO 5 ............................................................ 114Análise do projeto Belo Monte e de sua redede transmissão associada frente às políticasenergéticas do BrasilAndre Saraiva de Paula

5.1. A eletricidade gerada em Tucuruí:para onde? para quê? ............................................... 135Rubens Milagre Araújo, Andre Saraiva de Paula eOswaldo Sevá

5.2. Dados de vazão do rio Xingu durante o período1931-1999; estimativas da potência, sob a hipótesede aproveitamento hidrelétrico integral ................ 145Oswaldo Sevá

CAPÍTULO 6 ............................................................ 150Especialistas e militantes: um estudo a respeitoda gênese do pensamento energético no atualgoverno (2002-2005)Diana Antonaz

PARTE III – NATUREZA: AVALIAÇÃO PRÉVIADO PREJUÍZO

CAPÍTULO 7 ............................................................ 175Evolução histórica da avaliação do impactoambiental e social no Brasil: sugestões para ocomplexo hidrelétrico do XinguRobert Goodland

7.1. A lógica da Volta Grande adulterada:conseqüências prováveis afetando moradoresurbanos, rurais e ribeirinhos em Altamira emunicípios vizinhos; efeitos possíveis para osarquipélagos, pedrais, cachoeiras,e na “ria” do baixo Xingu. ...................................... 192Oswaldo Sevá

7.2. Informe sobre a “Vazão ecológica”determinada para a Volta Grande do rio Xingu ....... 199Ivan Fumeaux

CAPÍTULO 8 ............................................................ 204Hidrelétricas planejadas no rio Xingu comofontes de gases do efeito estufa: Belo Monte(Kararaô) e Babaquara (Altamira)Philip M. Fearnside

Sumário

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PARTE IV – O ANTI-EXEMPLO ALI PERTO,O POVO AMEAÇADO E CONFUNDIDO

CAPÍTULO 9 ............................................................ 245Política e sociedade na construção de efeitosdas grandes barragens: o caso TucuruíSônia Barbosa Magalhães

CAPÍTULO 10 .......................................................... 255Índios e barragens: a complexidade étnica eterritorial na região do Médio XinguAntonio Carlos Magalhães

CAPÍTULO 11 .......................................................... 266Dias de incertezas: O povo de Altamira diantedo engodo do projeto hidrelétrico Belo MonteReinaldo Corrêa Costa

PARTE V – OUTRO FUTURO: NÃO BARRAR RIOSNEM GENTE, QUE VALEM E VALERÃO POR SI

CAPÍTULO 12 .......................................................... 281Conhecimento crítico das mega – hidrelétricas:para avaliar de outro modo alterações naturais,transformações sociais e a destruição dosmonumentos fluviaisOswaldo Sevá

CAPÍTULO 13 .......................................................... 296Contra-ataque! Choque da Comissão Mundialde Barragens estimula a indústria de grandesbarragens à açãoPatrick McCully

13.1. Barragens e desenvolvimento: um novomodelo para tomada de decisões ............................ 301Comissão Mundial de Barragens

ANEXOSManifestos e cartas abertas das entidades daregião paraense do rio Xingu (2001 e 2002) ......... 317

Glossário ................................................................... 335

Endereços de contato de grupos trabalhandoem defesa do Xingu ................................................. 341

Resumos biográficos dos autores ............................ 343

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Este é um livro feito de capítulos e notas técnicas inéditas, e de alguns trechos extraídos de trabalhos jápublicados, que foram assinados por 20 pessoas que acompanham de perto o problema dos projetoshidrelétricos no rio Xingu e na região amazônica. É uma obra de militantes de entidades, de jornalistas,e de pesquisadores de várias áreas acadêmicas, participantes de um Painel de especialistas e de entidadespor nós organizado. Esperamos que seja uma ferramenta fundamental para ampliar e aprofundar odebate sobre a proposta da construção do Complexo Hidrelétrico do Xingu.

Nosso livro é para atualizar um embate de mais de vinte anos.

Nosso compromisso é com as pessoas que vivem e viverão no vale do Xingu, especialmente os que estãoameaçados por esses projetos. Estes milhares de moradores urbanos e rurais, os ribeirinhos, beiradeirosde todo tipo, as muitas aldeias indígenas e seus muitos descendentes, desaldeiados, soltos pelo mundo,misturados com os demais brasileiros, quase todos vão sendo cercados em seu pedaço amazônico.

Cercados lá onde já viviam há muito, e lá aonde chegaram há mais tempo, nessas glebas que transforma-ram em roças e pomares, em seus recantos cheios de riquezas cobiçadas pelos predadores que a especu-lação move, que o desgoverno acomoda.

São levas de gentes e gerações que se entrecruzam, os xinguanos antigos como os vários grupos Kaiapó,os Parakanã, os Araweté e os Juruna, também os seringueiros do curto segundo ciclo da borracha (nosanos 1930, 1940), e xinguanos recentes como os colonos e fazendeiros dos travessões da Transamazôni-ca, os pobres e os peões, os comerciantes e artesãos que já estavam e os que vêm chegando a Altamira, aSão Félix do Xingu e tantas cidadezinhas e vilarejos.

Todos vão tendo agora que conviver, que se aliar com - ou explorar - os demais pobres errantes que vão àfrente da expansão, essa infantaria que vai garimpando ouro, estanho e pedras, serrando árvore, abrindoestrada, fazendo pasto, quase todos trabalhando pros donos, tentando sobreviver, e muitos ainda conse-guindo enviar um pouco de renda pros seus que ficaram, pros que deles dependem.

Nesse meio de mundo, chamado de Terra do Meio, um Brasil fervilhante e conflituoso, onde semprecabe cometer mais uma pilhagem – ou então criar grandes oportunidades nesta imensa continuidadefragmentada por seus enclaves e por eixos conectados aos circuitos internacionais, pontilhada de pistasde pouso, tracejada de rotas fluviais, um conjunto bem distinto daquela Amazônia distante, paradisíaca,despovoada ou com tão pouca gente, que tudo se manteria em equilíbrio na natureza intocada.

Esse livro trata sim, de um dilema real, um drama nacional, uma encruzilhada para a humanidade: Paraonde vai essa Amazônia ainda brasileira, mas nem tanto? Que chances terão esses povos? Que possibilida-des terão essas matas, esses igapós, igarapés e grandes rios, e todos os seus bichos?

Nosso compromisso também é com a busca interminável e acidentada da verdade mais objetiva dentroda desinformação crescente promovida pelos próprios projetistas e interessados em tais projetos. Tive-mos que lidar quase sempre com a verdade parcial segmentada e com a manobra viciada que forja gran-de parte da informação empresarial e governamental; tivemos que lidar com as versões explícitas e as

Apresentação:Resumos técnicos e históricos das

tentativas de barramento do rio Xingu

Glenn Switkes e Oswaldo Sevá

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implícitas, as razões assumidas e as finalidades escondidas, as declarações retumbantes e as vazias. Tenta-mos separar os dados corretos dos incorretos, discernir algo de razoável em meio ao sem propósito esurreal, à mistificação que tais mega-projetos desencadeiam.

Reconhecemos também como predecessor deste livro, o volume “As Hidre-létricas do Xingu e os Povos Indígenas”, publicado em 1988 pela ComissãoPró-Índio de São Paulo. Vários autores dos textos nesta publicação participa-ram na tentativa histórica para elucidar a problemática das propostas parahidrelétricas no Xingu naquela época.

Passados dezessete anos, a idéia de barrar o Xingu, duas vezes derrotada,tenta se concretizar ainda uma vez. Não estamos nos opondo frontalmente anada, mas fazemos questão de poder pensar de modo distinto. Com parcosrecursos e muita disposição, nos empenhamos para destacar e tornar públi-cas as avaliações distintas das oficiais e as outras visões do vale do rio Xingu ede sua gente.

Agradecemos o apoio do professor Célio Bermann no começo dos trabalhospara este livro, a firmeza e a humanidade da pessoal da FVPP: Antônia Melo, Marta Sueli Silva, AntoniaMartins “Toinha”, e também Juraci Galvino Moreira, Luziane do Socorro Costa Reis e Abimael MaranhãoPalhano, os pilotos Ruck e Sabá, a dona Miriam Xipaia, seu Miguelzinho, e o padre Paulo Machado.

Também devemos destacar pelos trabalhos nos mapas, agradecemos a colaboração do equipe de Geo-processamento do Instituto Socioambiental: Alicia Rolla, Edna Amorim dos Santos, Fernando Paternost,Cícero Cardoso Augusto e Rosimeire Rurico Sacó, e apoio do foto arquivista Claudio Aparecido Tavaresdo ISA.

Também devemos destacar o apoio do Sérgio Schlesinger da FASE e o Programa Brasil Sustentável eDemocrático, e Lúcia Andrade da Comissão Pró-Índio de São Paulo.

Reconhecemos a contribuição valorosa do Dr. Marcelo Cicogna e o professor Dr. Secundino Soares Fi-lho, da FEEC Unicamp.

Para o seu patrocínio, agradecemos a Fundação Conservation, Food, and Health, a Fundação Ford, aFundação C. S. Mott, a Fundação Overbrook, e a Sigrid Rausing Trust.

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Ao ver, com profunda gratidão, concluído este trabalho, vem-me, de repente, a lembrança do Xingu dosanos 60, época em que aqui cheguei. Jamais se apagam em minha memória as primeiras impressões que tivedestas plagas. Estão gravadas, de modo indelével, em meu coração. Vindo da Europa fiquei extasiado con-templando um dos mais espetaculares espaços que Deus criou. Será um último resto do paraíso perdido?

Este rio caudaloso com suas águas verdes-esmeralda, ora calmas e misteriosas, ora indômitas e violentas,este vale com suas selvas exuberantes, igarapés e igapós, várzeas e imensos campos naturais mudaria aminha vida e dará um rumo todo especial à minha vocação missionária. Encontrei neste mundo verde umpovo que ainda estava convivendo pacificamente com a natureza e hauriu seu vigor dos divinos mananciaisda Amazônia. Mas já naquele tempo pairou algo como uma Espada de Dámocles em cima da família xinguara.As ameaças de expulsão do paraíso e de destruição do lar (em grego: “oikos”) já se anunciavam numhorizonte cada vez mais sombrio, carregado de presságios de um futuro tempestuoso e sacrílego.

O dia 9 de outubro de 1970 é uma data histórica para o Xingu. Em Altamira já há meses se comentavaque “finalmente o progresso vai chegar”. Os comerciantes vibraram com os “rios de dinheiro” que iriaminundar a cidadezinha até então esquecida do mundo e isolado no meio da mata. Para os habitantes dacapital Belém o Xingu era sinônimo de terra de “índios selvagens e ferozes”, de região infestada pelamalária e outras doenças tropicais. Agora, tudo isso mudaria. Nesse dia de intenso calor chegou a Altamirao Presidente da República, o General Emílio Garrastazu Medici. Já dias antes aterrissaram possantesaviões Hércules na pista de pouso de piçarra para admiração ou espanto da população local só acostuma-da a ver hidraviões amerissarem nas águas do Xingu ou algum DC-3 da FAB fazer uma escala em Altamira.O Jornal de São Paulo descreve a visita presidencial:

“O general Medici presidiu ontem no município de Altamira, no Estado do Pará, a solenidade de implantação, em plena selva,do marco inicial da construção da grande rodovia Transamazônica, que cortará toda a Amazônia, no sentido Leste-Oeste,numa extensão de mais de 3.000 quilômetros e interligará esta região com o Nordeste. O presidente emocionado assistiu àderrubada de uma arvore de 50 metros de altura, no traçado da futura rodovia, e descerrou a placa comemorativa (...) incrus-tada no tronco de uma grande castanheira com cerca de dois metros de diâmetro, na qual estava inscrito: ‘Nestas margens doXingu, em plena selva amazônica, o Sr. Presidente da República dá inicio à construção da Transamazônica, numa arrancadahistórica para a conquista deste gigantesco mundo verde’”.

Foi a época do “Integrar para não entregar”. Não entendi e jamais entenderei como o presidente podiaficar “emocionado” ao ver uma majestosa castanheira cair morta. Não entendi as palmas delirantes dacomitiva desvairada diante do estrondo produzido pelo tombo desta árvore, a rainha da selva. Aplausopara quem e em razão de que? A placa fala da “conquista deste gigantesco mundo verde”. A implantaçãodo marco pelo presidente não passa de um ato cruel, bárbaro, irracional, macabro. O que significa“conquistar”? É “derrubar”, “abater”, “degolar”, “matar”, “assassinar”? Um emocionado presidente inau-gura a destruição da selva milenar! Por incrível que pareça, derrubar e queimar a floresta é doravantesinônimo de desenvolvimento e progresso.

Altamira tornou-se famosa de um dia para o outro e o Xingu um novo Eldorado. A propaganda governa-mental incentivou milhares e milhares de famílias a abandonarem o nordeste das secas periódicas e o

Mensagem de Abertura

Dom Erwin Kräutler - Bispo do Xingu

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sudeste, centro e sul com “pouca terra disponível” e rumarem para a Amazônia onde vastas terras esta-vam aguardando sua chegada e garantindo melhores condições de vida do que nos estados de origem.Reportagens sobre o sucesso da empreitada governamental se multiplicaram e tiraram as dúvidas dequem ainda ficou reticente.

Nada, porém, se falou dos povos que habitavam as terras que a Transamazônica cortou de leste a oeste. Aliáso Presidente Medici já não quis saber deles. Simplesmente os ignorou, chamando a região de “terra semhomens” a ser povoada por “homens sem terra”. Na cabeça do general não existiam índios no trecho, por-que não podiam existir e se, porventura, existissem, sua existência teria que ser ignorada. A nova rodoviapassou a 3 quilômetros da aldeia dos Arara no igarapé Penetecaua. Os índios fugiram com medo do chumbodas espingardas. Foram perseguidos até por cachorros. A brusca e forçada convivência com os “brancos”trouxe a morte à aldeia. Sucumbiram fatalmente a surtos de gripe, tuberculose, malária, até de conjuntivite.O mundo lá fora nada soube desta desgraça que desabou sobre um povo e continuava a aplaudir a “conquis-ta deste gigantesco mundo verde”. A que preço? O pior estava ainda por acontecer. Jamais me esqueço dodia em que pelas ruas de Altamira corria a notícia de que, finalmente, os “terríveis Araras” haviam sidodominados. Como prova de que o “contato” com os Arara tinha sido “amistoso” e um sucesso total, trouxe-ram uns representantes daquele povo, até então vivendo livre na selva xinguara. Nus, tremendo de medo emcima de uma carroça, como se fossem algumas raras espécies zoológicas, foram expostos à curiosidade popu-lar na rua principal da cidade. O que na realidade aconteceu no coração e na alma do povo Ugorogmo,quem será capaz de descrever? Os poucos sobreviventes continuam apavorados, na insegurança, como “es-trangeiros em sua própria terra”. A demarcação de sua área é sempre de novo protelada.

A rodovia Transamazônica foi inaugurada. Mais uma vez o presidente da República vem a Altamira. Maisuma vez se descerra uma placa de bronze, desta vez incrustada num feio paredão de cimento que seergue do descampado. A paisagem está mudada. A selva sucumbiu. As palavras continuam bombásticas:“Retornando, depois de vinte meses, às paragens históricas do Rio Xingu, onde assistiu ao início daconstrução desta imensa via de integração Nacional, o Presidente Emílio Garrastazu Medici entregouhoje ao tráfego, o primeiro grande segmento da TRANSAMAZÔNICA, entre o Tocantins e o Tapajós,traduzindo a determinação do povo brasileiro de construir um grande e vigoroso País. Altamira, 27 desetembro de 1972”.

A “Integração Nacional”, o que realmente é? “Integrar”, pelo que se vê, é, de um lado, agredir violenta-mente a obra da criação sem nenhum plano que visasse um desenvolvimento sustentável para região, ede outro, impulsionar a migração interna para resolver problemas fundiários nas regiões centro, sudestee sul do País. Através do desterro de milhares de famílias para a Transamazônica pretendeu-se fazer uma“reforma agrária” naquelas regiões sem mexer com os proprietários de grandes extensões de terra pro-dutivas e improdutivas. Deportando para a Amazônia o excedente de agricultores, os “sem terra”, todoseles potenciais invasores de fazendas, evitar-se-á problemas nos estados de origem dos desterrados e segarante o sossego e a paz para o latifúndio.

Mas, embutido no Projeto de Integração Nacional já se encontrava outro plano. As rodovias que sangra-vam as florestas cortavam também os grandes rios amazônicos, exatamente nas proximidades das princi-pais quedas d’água, prevendo a médio prazo a possibilidade de construir barragens para geração deenergia. A Rodovia Transamazônica foi inaugurada em setembro de 1972. Já em 1975, a Eletronortecontratou a firma CNEC (Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores) para pesquisar e indicar olocal exato de uma futura hidrelétrica. Em 1979 o CNEC terminou os estudos e declarou a viabilidade deconstrução de cinco hidrelétricas no Xingu e uma no rio Iriri, escolhendo inclusive os nomes para asmesmas, todos eles indígenas: Kararaô, Babaquara, Ipixuna, Kokraimoro, Jarina e Iriri. Por que nomesindígenas, já que a existência dos povos indígenas deve ser ignorada? Os Juruna, Xipaia-Curuaia, Kayapó,Arara, Assurini, Araweté e Parakanã não contam. Sem dúvida se achará uma “solução” para eles, mesmoque esta se transforme em “solução final”, a famigerada “Endlösung” que o nazismo encontrou para osjudeus. Os nomes indígenas para as hidrelétricas projetadas seriam assim um “in memoriam” para estespovos que, junto com as famílias de seringueiros, pescadores e ribeirinhos, “cediam” suas terras ances-trais para o progresso e desenvolvimento da região. Muitos de nossos conterrâneos sonharam novamentecom rios de dinheiro que inundariam nossas cidades. À população local negou-se as informações neces-sárias para avaliar o projeto. A transparência no fornecimento de dados não fazia parte da estratégia dosórgãos governamentais.

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Assim a Igreja do Xingu tomou a iniciativa de denunciar as ameaças que pairavam sobre a região doXingu e seus povos. Digo “povos”, no plural, pois é esta a realidade do Xingu. Colocamos em pauta nasreuniões das comunidades a verdadeira história da hidrelétrica projetada. Elaboramos cartilhas comdados obtidos algumas vezes até de forma “ilícita” (pelo menos do ponto de vista dos órgãos governa-mentais). Os trabalhadores locais traziam informações que ouviam nos acampamentos dos engenheiros.Pessoas que tinham acesso a informações, no-las passavam de forma secreta com medo de retaliação.Colaboramos com a Comissão Pró-ìndio de São Paulo e passamos a buscar ajuda com especialistas liga-dos a Universidades Brasileiras e do exterior.

Confesso que nem imaginávamos poder contar com um apoio todo especial. A expressão “apoio à nossacausa” nem é apropriada neste caso, pois os índios Kayapó do Alto Xingu, assumiram a “sua” causa quetambém é nossa, a defesa de “sua” terra e de “seus” direitos que são a terra e os direitos dos demais povos doXingu. Soube das intenções dos Kayapó apenas algumas semanas antes de acontecer aquilo que eles mes-mos denominaram de I Encontro das Nações Indígenas do Xingu, marcado para fevereiro de 1989. Algu-mas lideranças Kayapó vieram a Altamira e me convidaram para uma reunião. Comunicaram-me sem ro-deios que estavam decididos de vir a Altamira para um grande encontro e marcaram a data. Dei-lhes aentender que um encontro deste porte exigia uma intensa preparação e o tempo para isso era muitopouco. Pedi, por isso, que adiassem o evento por alguns meses. Não havia jeito de convencer os líderesKayapó. Sem meias palavras me disseram: “O encontro está marcado! Queremos que nos ceda a Bethânia!Só isso!” A Bethânia, o Centro de Formação da Prelazia do Xingu, há oito quilômetros de Altamira, tornou-se de 20 a 25 de fevereiro de 1989 a aldeia principal dos Kayapó. O evento que reunia em torno de 600índios, pintados para guerra, teve enorme repercussão em todo o Brasil e no exterior. A foto que retratoua cena em que a índia Tuíra esfregou um facão na cara de José Antônio Muniz Lopes, então diretor deengenharia da Eletronorte, percorreu o mundo, tornando-se símbolo e uma espécie de logotipo da hostili-dade total dos índios em relação às projetadas barragens. Enquanto os Kayapó estavam reunidos na Bethâniaas comunidades de Altamira se organizaram num ato público no bairro de Brasília. Levantaram sua vozcontra os órgãos do governo que operam na surdina e excluem deliberadamente a sociedade civil da dis-cussão de projetos que afetam a população e o meio-ambiente. A vitória estava do lado dos índios e de todosque se opuseram à concretização do megaprojeto. Kararaô foi arquivado! Aparentemente!

A alegria durou pouco. No fim da década de 90 o projeto ressurgiu, se bem que sob outro nome e comroupagem nova. A Eletronorte e demais órgãos governamentais aprenderam dos “erros” da década de 80e trocaram o modo de agir. Um grupo de especialistas fora contratado que passou a analisar as forçaspolíticas na região. Foram feitas pesquisas sobre os nossos movimentos sociais, as ONGs, os sindicatos, ospovos indígenas, tudo no intuito de mapear possíveis focos de resistência ao projeto agora denominadode UHE Belo Monte. O nome “Kararaô”, o grito de guerra, foi substituído pelo bucólico “Belo Monte”para que o povo do Xingu não lembrasse mais o facão da Tuíra e os rostos pintados de urucum dosKayapó contrários à hidrelétrica.

A estratégia mudou por completo. Nossas lideranças foram continuamente convidadas para reuniõescom grupos de técnicos das empresas do governo que, é óbvio, usaram de todos os meios para mostrar olado positivo do empreendimento. Outro alvo foram os jovens. Patrocinando festas e promovendo excur-sões à região da UHE Tucuruí procurava-se conquistá-los para idéia de que a hidrelétrica será um bemenorme para a região. Com volumosos presentes o governo aliciou descaradamente as comunidadesindígenas. De antemão evitavam-se reuniões com grandes grupos para impedir que a sociedade se orga-nizasse e discutisse abertamente os prós e contras do projeto. Políticos estaduais e municipais de poucacultura e muita fanfarrice encheram a boca proclamando a UHE Belo Monte a salvação do oeste do Paráe pregando que o Brasil necessita deste impulso energético para evitar o colapso de sua economia.

Mas, Deus seja louvado, um grupo de especialistas, professores e pesquisadores de renome, apoiadospor instituições e ONGs e a Igreja do Xingu organizaram este livro que, sem dúvida, desmistifica todoo discurso bombástico do Governo Brasileiro e das empresas interessadas na barragem do Xingu. No-vamente a espada afiada de Dámocles paira sobre o Xingu e seus povos, pendurada num fio muitodelgado, podendo cair a qualquer momento. Mas a lenda contada pelo escritor romano Horácio emuma de suas odas não termina em tragédia. O fio tênue resistiu e a espada não se desprendeu. É esta anossa esperança! Que a sensatez vença a insanidade e o Xingu continue lindo e pujante, também paraas futuras gerações!

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Agradeço, de coração, ao Professor Oswaldo Sevá da UNICAMP e ao Jornalista Glenn Switkes da IRNpelo trabalho incansável na organização desta obra e a todas as pessoas que participaram deste projetoem defesa do Xingu e de seus povos.

Altamira, 30 de novembro de 2004.

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1 . Resumo do projeto de aproveitamento hidrelétrico integral do rio XinguUma obsessão da engenharia mundial é esta “idéia fixa” de barrar todos os rios, aproveitando-se quedasd’água existentes, ou construindo-as em rocha, terra e em concreto armado, para instalar grupos turbo -geradores e produzir energia elétrica.

Estas entidades geográficas, hidro - geológicas e biológicas, os rios, a um só tempo são vazões vivas deágua se deslocando pelo planeta, e são meios bio-químicos da vida estável de cada local, e da vida dosanimais migratórios. Numa visão mutilante da realidade, rios e suas terras ribeirinhas passam a ser olha-dos apenas através de uma calculadora, como se existissem apenas para serem bloqueados por um pare-dão e para terem a sua energia em parte aproveitada.

Deste ponto de vista, o Xingu é “um bom potencial”, como eles gostam de dizer. Só que...muita aten-ção, pois uma de suas características mais importantes, que os indígenas e os beiradeiros conhecem,é que é exageradamente variável o seu fluxo de água, ao longo dos meses, em intervalos de semanas,e até, de dias!

É rio que enche rápido e muito, proporcionalmente à área em que capta a sua água. Na média dabacia, a vazão de água drenada para o rio principal pode estar acima de 17 litros de água por segundo,proveniente das chuvas regulares caindo em cada km2 de terreno nessa bacia. Nas bacias dos rios Ara-guaia e Tocantins, este indicador fica entre 14 e 16 l/s por km2, na bacia do Paraná, em 11 l/s por km2,e na do São Francisco, que atravessa uma extensa zona semi - árida, a coleta de água pelo rio principalfica na média de 5 l/s por km2!

Comparando-se os números de vazão d água dos rios: o mais volumoso, o Amazonas já teve registros, emÓbidos, antes de receber o Tapajós e o Xingu, de mais de 200 mil m3/segundo. O Xingu não é dosmaiores afluentes do Amazonas, mesmo assim, o patamar dos seus números indica o dobro da vazão nascheias no rio São Francisco (de 11 a 12 mil m3/s no trecho das usinas de Paulo Afonso) e um patamarbem acima do que as do rio Paraná em Itaipu (cheias de 20 a 22 mil m3/s).

Mas o Xingu é rio que seca rápido e que pode permanecer muito tempo bem baixo, quatro meses,digamos. Vejamos, por exemplo, os valores medidos lá na cidade de Altamira, Pará, no trecho quase finaldo rio Xingu, com sua vazão praticamente toda formada:

• as médias mensais baixas ficam abaixo de 1.000 metros cúbicos de água por segundo

• os valores mínimos são entre 450 a 500 m3/s em Setembro e Outubro

• as médias mensais altas são acima de 25 mil m3/ segundo

• “picos” de cheia registrados ou extrapolados acima de 30 mil m3/ segundo

Pois bem, conhecidas as vazões, para chegarmos à potência mecânica própria do rio, e que poderia seraproveitada, a equação dependerá precisamente dos desníveis verticais, das alturas das quedas d’água.

Resumo Executivo

Glenn Switkes e Oswaldo Sevá

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Segundo o documento “Estudos de Inventário hidrelétrico da Bacia hidrográfica do Rio Xingu”, elaborado pelaempresa de consultoria CNEC – Camargo Corrêa, em 1980, a “melhor” alternativa de aproveitamentointegral da bacia do Xingu (alternativa A dos estudos feitos) seria:

• entre a altitude próxima dos 281 metros, no norte de Mato Grosso, próximo da rodovia BR 080, prova-velmente localizada na Terra Indígena Kapoto-Jarina e/ou na faixa Norte do Parque Indígena do Xin-gu – e - a altitude próxima dos 6 metros, num ponto rio abaixo da vila de Belo Monte do Pontal e, pelamargem esquerda, perto da foz do igarapé Santo Antonio, rio acima de Vitória do Xingu, no Pará:

• fazer cinco barramentos no rio Xingu (eixos Jarina, Kokraimoro, Ipixuna, Babaquara e Kararaô) e umbarramento no rio Iriri, seu afluente esquerdo, o maior deles (eixo Cachoeira Seca).

As represas destas seis usinas hipotéticas alagariam ilhas e terras florestadas, muitas ainda virgens, confor-me aquele estudo de inventário mencionado, somariam quase 20 mil km quadrados, o equivalente aquase metade das áreas já inundadas por represas de todos os tipos no país, até hoje. Nestes 2 milhões dehectares, uma boa parte são glebas ribeirinhas incluídas em várias Terras Indígenas já homologadas,algumas delimitadas mas invadidas, outras ainda não homologadas.

Somente a represa de Babaquara, podendo atingir um alagamento de mais de 6.500 km2, seria a primeiramais extensa no país e a segunda no Mundo. A maior represa é a de Akosombo, no rio Volta em seu trechobaixo-médio, um “lago” de mais de 8 mil km2, dividindo ao meio o pobre e conflituoso Ghana, na ÁfricaOcidental. A mais extensa represa brasileira é a de Sobradinho, rio São Francisco, na Bahia, com 4.200km2 na cota máxima; a segunda maior é a de Tucuruí, no rio Tocantins, Pará com 2.800 km2 (SP-MS).

Mas a repercussão conjunta dessas obras iria muito além de terras alagadas. As conseqüências de tipodestrutivo e conflitivo deverão crescer muito por causa dos impactos:

• das estradas inteiramente novas a abrir, e de outras existentes a ampliar,

• das faixas das Linhas de Transmissão;

• das áreas alagadas e das áreas usadas para acesso às obras e para a abertura de novas linhas.

Basta conferir no mapa temático preparado pelo laboratório de geo processamento do ISA, em anexo aesse resumo executivo, para comprovar as numerosas interferências e superposições desses impactos emterritórios que têm atualmente destinações as mais variadas, e que aparecem na cartografia como ummosaico bem complicado, composto por:

a) extensas glebas de terras da União, as chamadas “terras devolutas”; e de modo similar, glebas arreca-dadas pelo INCRA e ou pelo Instituto Estadual de Terras, o ITERPA e que vêm sendo licitadas, leiloa-das para particulares, griladas e invadidas;

b) áreas protegidas como as Reservas Biológicas, e as áreas delimitadas para manejo como as Flonas, asFlorestas nacionais,

c) perímetros e acessos reconhecidos como reserva de garimpo, ou na prática transformadas em inva-sões garimpeiras,

d) além de áreas imensas cobrindo um grande número de autorizações para prospectar o subsolo, outor-gas para pesquisa e para lavra de minérios valiosos

Haveria também profundas conseqüências fundiárias e sócio-econômicas, por causa da perda de superfí-cies de terra, de ilhas, das riquezas das matas e de áreas cultivadas e com fruteiras, e também por causa damodificação territorial que obriga a retraçar estradas, caminhos, pontos de embarque e desembarquefluvial. Haveria a perda de benfeitorias e serviços existentes nas posses de grupos nativos ou de gruposmigrantes de décadas atrás, nos assentamentos antigos e novos do Incra, em fazendas de colonizadoresprivados, e em latifúndios, que podem conter ainda extensões ou fragmentos de mata.

Mostramos no capitulo 1, de autoria do professor Oswaldo Sevá, algumas das características locais de cadatrecho do Vale do Xingu ameaçado de sofrer as conseqüências de cada uma das seis obras previstas.Registramos os focos de conflito que caracterizam a ocupação recente, pelos brasileiros não índios epelas atividades econômicas de relevância nacional e internacional (como o soja, o gado, a madeira delei, o ouro) nessa região onde antes só residiam os índios.

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A primeira proposta para represar o rio Xingu despertou uma forte oposição dos povos indígenas e um amplogrupo de ambientalistas e movimentos sociais. As movimentações das lideranças indígenas, incluindo viagensinternacionais e audiências com ONGs e Bancos multilaterais, culminando no “Encontro dos Povos Indígenas emAltamira” em fevereiro de 1989, tiveram grande repercussão, enterrando por um tempo o projeto Kararaô, aprimeira etapa do plano da Eletronorte para o aproveitamento hidrelétrico do rio Xingu.

2. A segunda tentativa frustrada de barrar o rio XinguAté 1999, a empresa foi, em geral discretamente, intensificando a implantação do projeto: fez modifica-ções geográficas e técnicas relevantes no projeto, rebatizou-o pela 2ª vez, agora seria o CHBM - Comple-xo Hidrelétrico de Belo Monte, somente com as obras da 1ª usina na Volta Grande. Passou a chamar deUsina ou Aproveitamento Altamira a anterior usina Babaquara, mas desmentia que iria faze-la, insistindoque Belo Monte tinha viabilidade mesmo que fosse um barramento “isolado” no rio Xingu.

Por volta de 1999, a Eletronorte, derrotada dez anos antes, parecia se recompor. Tornara-se um entepolítico regional em Altamira, na Transamazônica, o quê está devidamente registrado nos depoimentose informes apresentados nesse livro pelas lideranças locais Antonia Melo e Tarcísio Feitosa da Silva.

Mas, havia o desgaste provocado pelos sucessivos erros na condução dos problemas e das providênciasnecessárias em Tucuruí, sua obra exemplar e anti-exemplar. Ao longo destas duas décadas, muito seescreveu e muito se falou sobre a usina de Tucuruí e os problemas no entorno de sua represa com 2.400km2, e rio abaixo da barragem. Os desdobramentos sociais do investimento hidrelétrico vão ganhandoamplitude e abrangência, seja porque novos fatos não cessam de surgir, como a chamada etapa II, commais uma Casa de força e com a sobre-elevação do nível da represa e o aumento de mais 400 km2 na áreaalagada; seja porque o movimento social - como no mito grego de Sísifo – recria a atualidade em cadaconjuntura. A antropóloga Sonia Magalhães explica, em seu capitulo desse livro, com base em uma longavivência de pesquisa in loco, como a dinâmica social e a vida política do país e da região determinam adimensão dos efeitos sociais das grandes barragens.

Existem várias referências feitas em 2001, 2002, repetidas em 2004 pela presidência da Eletronorte sobre apróxima hidrelétrica a ser construída – agora chamada Altamira.1 O próprio Ministério de Minas e Energia,nas suas apresentações sobre os planos de expansão do setor elétrico na região amazônica, mostra a usinaAltamira, junto com Belo Monte (ver mapa abaixo). E, no orçamento federal do ano de 2004, R$ 2 milhõesforam destinados aos estudos de viabilidade da Babaquara, para ficar prontos até o ano de 2007.2

A finalidade da obra em si continuava obscura, fugidia, sobretudo porque eram intensas as críticas nocaso da usina de Tucuruí, por causa também do prejuízo que o país estava tendo com os contratos depreços obtidos pelas industrias de alumínio que se instalaram em Belém e em São Luis.

Em 2001, a partir de fevereiro e março de um verão pouco chuvoso, ficou claro que o sistema Sudeste -Centro Oeste e o sistema Nordeste de eletricidade tinham pouca reserva de água em muitas das maioresrepresas existentes na bacia do Paraná e do São Francisco. Uma crise de oferta de eletricidade se insta-lou, dadas as insuficiências no sistema detransmissão inter-regional. Foi quando osbarrageiros reapresentaram Belo Montecomo “a salvação do país”, e por isto, rei-vindicavam que os “empecilhos” fossemremovidos e que as obras como estas pu-dessem iniciar o quanto antes!

Tais jogos de esconder a finalidade, de cri-ar racionalidades após os fatos consuma-dos, de embaralhar ou camuflar alternati-vas, foram analisados com detalhe nos ca-pítulos desse livro assinados pelo jornalistaLúcio Flávio Pinto, que detalhou os desen-contros dos números econômicos – finan-ceiros e expôs sem retoques as grandezas e

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Fonte: Ministério de Minas e Energia, 2002. Integração Energética naAmazônia, no site http://www.caf.com/attach/8/default/PalestraIIRSA-19-11-02-ENERGIA-BR.pdf em 10/11/04

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misérias desse “Pará exportador de minérios e de energia”, e pela engenheira e antropóloga Diana Antonaz,que entrevistou figuras proeminentes da intelectualidade “elétrica” e “petrolífera”, analisando quais osdiscursos e as lógicas daqueles que hoje ocupam posições centrais no setor de energia do governo. Cons-tatou, aliás, que a idéia de desenvolvimento defendida por estes técnicos volta-se para uma populaçãoabstrata, uma massa sem identidades e culturas, em vez de considerar as necessidades concretas de pesso-as de carne e osso.

Em fins de 2000 a Eletronorte firmou contrato com uma fundação chamada Fadesp, ligada à Universida-de Federal do Pará, através da qual foram formadas equipes de pesquisadores para elaboração do Estudode Impacto Ambiental. As condições desse contrato e a tentativa de obter a licença ambiental apenas noâmbito paraense, da Secretaria estadual de Tecnologia e Meio Ambiente, motivaram a iniciativa em 2001,do Ministério Público Federal em Belém, de peticionar uma Ação Civil Pública, e um dos pontos fortesde questionamento era a obrigatoriedade de consultar os indígenas das Terras Indígenas que fossemafetadas, e obter autorização do Congresso Nacional (artigo 231 da Constituição Federal).

A Eletronorte tentou contornar esta exigência quando redesenhou o projeto Belo Monte, colocando obarramento principal nas Ilhas Pimental e da Serra, uns 50 km rio acima da posição anterior , abaixo daprimeira grande cachoeira, Jericoá. E restringiu a condição de afetadas pelas obras apenas as terras quefosse alagadas. Assim, geograficamente, a área da T.I. Paquissamba, dos índios Juruna, deixaria de ficarsubmersa para ficar no trecho “seco” da Volta Grande, onde as vazões seriam sempre bem inferiores àsmédias historicamente observadas.

Quanto aos indígenas da região que seriam atingidos, são muitos mais do que os 50 e poucos Jurunaresidentes na T.I. Paquissamba. Alguns dos autores desse livro puderam comprovar que alguns milharesde beiradeiros mantêm contato cotidiano com Altamira, mesmo residindo 50 km ou mais rio abaixo ourio acima da cidade. Publicamos no livro, como um anexo, os dados cadastrais coletados pelo CIMI -Conselho Indigenista Missionário, que apontam mais de 400 moradores indígenas das etnias Xipaia,Kuruaia, Arara, Juruna e Kaiapó morando no trecho das barrancas do rio Xingu que seriam afetadas pelarepresa e nos trechos que ficariam na parte seca, rio abaixo da Ilha Pimental.

A própria Eletronorte reconheceu há muitos anos, e depois passou a negar, quando escolheu a alterna-tiva chamada Kararaô em 1988, que uma das alternativas em estudo (Kararaô III/Koatinema II) muitosimilar à atual Belo Monte traria “impactos indiretos de maiores proporções, devido à interrupção do fluxod´água no trecho da Volta Grande, o que interfere nos ecossistemas aquáticos e marginais e nas populações ribeiri-nhas e indígenas ali estabelecidas...” e admitiu uma população indígena na Volta Grande de “344 indivídu-os afetados diretamente” (Usina Hidrelétrica Kararaô, Efeitos e Programas Ambientais: Síntese, Eletronorte/CNEC, Outubro 1988).

Tais fatos e as várias versões sobre quem e quantos seriam atingidos, bem como o seu atual modo de vida,foram pesquisados e relatados pelo antropólogo Antonio Carlos Magalhães, e pelo geógrafo Reinaldo Costa,em outros dois capítulos do nosso livro.

A decisão judicial decorrente dessa Ação Civil Pública foi a de embargar o EIA e o processo de licencia-mento, decisão tomada em primeira instância em Belém, ainda em 2001, e mantida até a última instân-cia, em Brasília. Era a segunda derrota do projeto Belo Monte, em fins de 2002.

Tais tópicos foram devidamente detalhados e ponderados ao longo desse livro, no capítulo assinado peloadvogado Raul Silva Telles do Valle, do setor jurídico do ISA – Instituto SocioAmbiental de SP., e no capítu-lo assinado pelo Procurador Federal em Belém, Felício Pontes Jr e pela a antropóloga Jane Beltrão, daUniversidade Federal do Pará.

3. Simulação das potências hidráulicas do rio Xingu, se as usinas funcionassem desde 1931Metodologia: A simulação aqui usada foi feita usando-se o modelo Hydrolab (Cicogna e Soares Fo., 2003,FEEC, Unicamp) que foi alimentado pela base de dados do SIPOT - Sistema de Informações do PotencialHidrelétrico, da Eletrobrás), que informa os valores numéricos da vazão d’água do rio Xingu em Altamira,mensurados in loco ou extrapolados, desde o ano de 1931 até o ano de 1996. Destacamos o subperíodode 1949 a 1956, por ser considerado o de melhor pluviosidade, do ponto de vista da geração hidrelétrica

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nos rios brasileiros do hemisfério Sul. Não se trata portanto de afirmar quanto da sua potência instalada,tais usinas poderiam no futuro acionar, e sim, trata-se de deduzir como elas teriam funcionado no passa-do, se existissem nesses pontos desses rios que apresentaram essas vazões. Neste item apenas resumimosos números das simulações feitas para três tipos de situações hipotéticas.

A) BELO MONTE COMO APROVEITAMENTO ÚNICO NA BACIA DO XINGU: se apenas uma usina hipoté-tica, Belo Monte funcionou abastecendo a rede básica nacional entre 1931 e 1996

A potência máxima assegurada teria sido 1.356 MW

(ou seja: se naquele período, durante alguns dias a demanda ultrapassou 1.356 MW, a vazão turbinávelpela usina não assegurou mais do que esta potência, e a demanda teria que ser atendida por outra centralna mesma rede)

B) BELO MONTE COM BABAQUARA (ALTAMIRA) REGULARIZANDO O RIO XINGU: se apenas duas usi-nas hipotéticas, Belo Monte e Babaquara funcionaram conjuntamente entre 1931 e 1996

A potência máxima assegurada nas duas usinas teria sido 7.950 MW

Fazendo-se a repartição desta potência entre as duas usinas, supondo o aproveitamento total da água nasduas usinas (sem vertimento turbinável), teríamos:

31% da potência total seria fornecida pela usina Babaquara 3.078 MW

69% da potência total seria fornecida pela usina Belo Monte 4.872 MW

Para comparação: era previsto como potência instalada nas duas usinas 17.772 MW

Sendo Belo Monte, na versão mais recente, com uma Casa de Força complementar,

ou então 12.090 MW

na versão anunciada em outubro de 2003, com metade de potência na Casa de Força principal de BeloMonte.

A conclusão evidente é que somente com as duas usinas hipotéticas, Belo Monte e Babaquara funcionan-do, é que a situação operacional e econômica melhorou e passou a ser aceitável, pois para uma potênciainstalada de 12.090 MW, a máxima assegurada foi de quase 8.000 MW.

C) REPRESAMENTO INTEGRAL DO RIO XINGU E IRIRI: se as seis hipotéticas usinas funcionaram con-juntamente no período 1931-1996 (Jarina, Kokraimoro, Ipixuna, Iriri + Babaquara e Belo Monte)

A potência máxima assegurada nas seis usinas teria sido 12.806 MW

Para comparação, eis os números das potências previstas para serem instaladas, conforme a diretriz de “Apro-veitamento hidrelétrico integral” do rio Xingu, (IHX, CNEC, Eletronorte, 1980) e registradas no SIPOT:

1. Eixo Jarina 620 MW

2. Kokraimoro 1.490 MW

3. Ipixuna 1.900 MW

4. Iriri 770 MW

5. Babaquara 6.590 MW

6. Belo Monte* 11.000 MW

ou então: * na versão reduzida anunciada em outubro de 2003 5.500 MW

total da potência prevista para instalar 22.370 MW

ou, total incluindo Belo Monte versão reduzida 16.870 MW

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4. Resumo das dimensões do projeto da usina Belo Monte versão 2004A potência total prevista na 2ª versão do projeto, que vigorou desde 1998 até meados de 2003, era de11.182 Megawatts, dos quais 182 MW numa Casa de Força complementar, situada no paredão principal daIlha Pimental, e 11.000 MW na Casa de Força principal (Belo Monte); esta é a mesma potência previstana versão anterior do projeto, Kararaô, de 1988, mas é maior do que a potência de 8.400 MW indicada noInventário Hidrelétrico do Xingu (CNEC, Eletronorte, 1980).

A amplitude das variações da vazão do rio Xingu é muito grande, e as duas “meias” represas previstas teriampequena capacidade de armazenamento de água. Esta Casa de Força principal trabalharia com a capacidademáxima ou próxima dela durante três meses por ano no máximo; e muitas vezes, nem isto. Somente nosmeses de Março, Abril e Maio, o rio Xingu costuma ter uma vazão média mensal superior ao engolimentomáximo das turbinas de 13.900 m3/s. O Estudo de Viabilidade entregue à Agência ANEEL aponta uma“energia firme” da ordem de 4.700 MW médios (correspondendo a 42 % da potência nominal prevista, umíndice perto dos índices comuns a outras usinas no país), como que sugerindo ao leitor que a usina gerariapelo menos nesta faixa de potência, sempre, mesmo nos meses mais críticos do ano. Os cálculos que pude-mos fazer indicam que esta “energia firme” somente teria alguma chance de ser mantida, se fosse de fatoconstruída a outra represa rio acima, chamada antes de Usina Babaquara, rebatizada Usina Altamira, comum grande reservatório de acumulação, e prevista para alagar uma área de mais de 6 mil km2..

A instalação de dez grupos turbo-geradores (TGs) com 550 MW cada, numa primeira etapa, totalizando5.500 MW, ou de quatorze TGs, totalizando 7.700 MW não resolve o problema decorrente da amplitudedas vazões do rio. Embora, com uma potência menor, a usina possa funcionar “perto da capacidademáxima” por um período de tempo maior a cada ano; por exemplo, instalando-se dez TGs, a vazãod’água turbinada cairia para a faixa de 6.950 m3/s, o quê seria em geral factível por um período de até seismeses, de Janeiro a Junho, se considerarmos as vazões mensais médias já registradas no passado.

As superfícies totais ocupadas pela água represada e pelos canais seriam da ordem de 440 km2 a 590 km2,uma quarta parte dessa área estaria na represa dos quatro igarapés, criada em terra firme e três quartosdessa área ficariam na calha do Xingu; no projeto anterior, a área chegava a 1100 km2 .

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O volume d´água armazenado seria da ordem de 3,8 bilhões de m3 de água, com uma profundidade médiadas duas represas e do sistema de canais entre 6 e 8 metros. (v. quadro 2.3-1 do Estudo de Viabilidade).Pela concepção adotada para a obra, não seria obtida alguma regularização da vazão do rio. A “corrente-za” do Xingu estaria sendo conduzida por três canais principais e alagados rasos, até uma barragem alta(em relação à cota onde ficam as máquinas geradoras e o canal de fuga) mas com pouca profundidade epouco volume acumulado. As máquinas turbo-geradoras engoliriam a vazão que estiver chegando com orio Xingu na primeira represa; no jargão da engenharia elétrica, a usina trabalharia na modalidade “a fiod’água”. Na hipótese de realizar a obra em duas grandes etapas, cortando a potência inicialmente insta-lada pela metade, foi dito que seria construído apenas um canal de adução, retificando um dos doisigarapés, de Maria e Gaioso, e que seria construída a metade da Casa de Força principal. Construir oprojeto em duas fases não diminuirá os impactos ambientais ou sociais daquele conjunto de obras; detodo modo os três grandes paredões de rocha e concreto teriam que ser feitos: 1) na Ilha Pimental, abarragem do vertedouro principal , trancando o rio para forçar o desvio da Volta Grande e abrigando acasa de força auxiliar de 182 MW; 2) a barragem do vertedouro complementar abaixo da CachoeiraJericoá, na margem esquerda do Xingu; 3) o paredão final da segunda represa onde ficaria o prédio daCasa de Força principal, onde hoje passa a rodovia Transamazônica, entre a balsa de Belo Monte doPontal e Altamira, e o canal de fuga das águas turbinadas até a margem esquerda do Xingu, próximo doigarapé Santo Antonio.

5. Rotas possíveis para a eletricidade de Belo Monte e a (ir)racionalidade elétricaA destinação da eletricidade que seria gerada não está clara nem compromissada, até fins de 2004.

Pela lógica, são apenas duas possibilidades:

1. atender o consumo de outras regiões e/ou

2. atender a região Norte; e aí os fluxos de energia podem se bifurcar em• para atender os mercados convencionais urbanos e rurais da região e / ou• para atender os consumidores eletrointensivos aí já instalados e/ou• atender os eletrointensivos que venham a se instalar.

Os argumentos e as promessas de atender o Centro Sul e o Nordeste com a eletricidade proveniente deBelo Monte são freqüentes no EIA embargado, no estudo de viabilidade apresentado à Aneel, e nodiscurso de muitas autoridades econômicas e do setor elétrico, nos governos anteriores e no atual.

Para fornecer na base do sistema, somente com a geração adicional de Belo Monte, é difícil que sejustifique, impossível, talvez. Em nossa simulação do passado, a usina teria fornecido nas ultimas setedécadas, um patamar mínimo de 1300 MW nos meses secos mais favoráveis de todo o período.

Mas, nos meses com mais água e nos anos mais favoráveis, esta usina poderia também despachar exce-dentes sasonais para o Nordeste ou para o Centro Sul, mas isto dependeria de como estivesse despachan-do a usina de Tucuruí e da capacidade operacional de transmissão das atuais interligações Norte Sul I eII. Quanto à eventual complementaridade entre a sasonalidade do Xingu em Belo Monte e a sasonalidadedos rios onde ficam as usinas no Sudeste e no Nordeste, trata-se de logro técnico, pois poderia haveriauma defasagem de apenas 40 dias ou 50, entre o pico da cheia , por exemplo, na bacia do Paraná, emfinal de janeiro, inicio de fevereiro , e na bacia do Xingu, em Março ou Abril.

As obras de transmissão para ligar esta energia desde o Xingu até a Linha tronco Norte Sul seriambastante caras e acrescentariam 60% a 70% ao custo de geração; somente o custo desta transmissão eraestimado, em 2001, na faixa de 12 dólares/Megawatt x hora. No capitulo desse livro preparado peloengenheiro eletricista André Saraiva de Paula são ressaltadas as imprecisões, da ordem de bilhões dedólares, conforme as fontes de informação, quanto ao montante de investimento na construção do siste-ma de transmissão associado à usina Belo Monte.

A empresa pode até baratear, na aparência, estes custos, já que ao longo dos anos, vêm sendo incorpora-das nos Planos Decenais da Expansão da Transmissão algumas obras que visam ao reforço da ligaçãoNorte-Sul e à sua integração com o hipotético sistema de transmissão vindo da Volta Grande do Xingu.Mas a manobra é fictícia pois objetivamente são montantes já gastos para a mesma finalidade futura.

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Os mercados locais convencionais, as maiores cidades dos Estados do Pará, do Maranhão e do Tocantinsestão abastecidos, sem qualquer razão para crise ou déficit, e mesmo que avance a carga requisitada pelaeletrificação rural, o fato é que são modestos nestes Estados o tamanho populacional e a dimensão eco-nômica. Comunidades na área rural e isoladas na mata, nas beiras dos rios têm mais chances de serematendidas por eletricidade obtida por meio de placas foto-voltaicas, micro-hidrelétricas, e de moto-gera-dores queimando óleo diesel, e eventualemnte óleo vegetal.

Já os grandes clientes (indústrias metalúrgicas e a mineradora CVRD) estão por enquanto garantidoscom o acréscimo de geração na etapa II da usina de Tucuruí, quase pronta, e com os contratos (assinadospela 1ª vez em 1984) recentemente refeitos ou substituídos.

A outra única opção, que explique a decisão de construir e instalar uma usina desse porte nesse local -–além do intercâmbio regional - é a eletricidade adicional a ser despachada por Belo Monte servindo paraviabilizar novas ou futuras ampliações das atividades de mineração e metalurgia na região.

Por exemplo, mais um ou dois mil Megawatts garantidos seriam um bom reforço na transmissão paraVila do Conde, PA e para Ponta da Madeira, São Luis, MA, onde ficam as fundições de alumínio; ouentão para uso em Açailândia, MA (ferro-gusas ou ferro-ligas) ou na Serra Norte, PA, na ampliação dasminas de ferro e de manganês e nas novas instalações de concentração e de fundição de cobre da CVRD,inauguradas em 2004 pelo Presidente Lula e o Diretor Presidente da CVRD, Roger Agnelli.

De quebra, eventualmente os guseiros e fundições elétricas de ferro-ligas podem se ampliar, e podemtambém ser construídas novas instalações na região, além da sempre falada hipotética usina siderúrgicamaranhense. A empresa norteamericana Alcoa está avaliando a implantação de uma mina de bauxita erefinaria de alumina em Juriti Velho, na região de Santarém, PA, e já manifestou seu interesse em sersócia do mega-projeto Belo Monte.

Esta “opção” pelo uso da eletricidade futura do Xingu no suprimento da mineração e da metalurgiaaparece oficialmente como uma dentre outras alternativas, sempre de modo diluído numa cesta deopções...mas está presente de forma mais nítida nos mapas das LTs publicados entre 1999 e 2002.

Só que, para os empreendedores e para o próprio governo federal, não ficaria bem esta “repetição deTucuruí”: poucos querem assumir que esta eletricidade de alto custo e de grande impacto seria exclusiva-mente ou principalmente para a viabilizar a mineração e a metalurgia de exportação.

6. Resumo das conseqüências locais das obras hipotéticas da usina Belo MonteOs territórios que seriam mobilizados por este conjunto de obras civis, e mais os que seriam afetadosdiretamente pela inundação e pela mudança radical das condições locais, incluem

1) um grande setor terrestre da Volta Grande entre o rio e rodovia Transmazônica, no trecho dos assen-tamentos do Incra e das fazendas entre Altamira e a balsa em Belo Monte do Pontal, mais as terrasribeirinhas e barrancas do rio Xingu ao longo de duzentos km, em dois trechos totalmente distintos:

2) no primeiro trecho com oitenta a noventa km de extensão, barrancas, terras ribeirinhas e ilhas seriamcobertos de água pelo menos até a cota 97 metros, (em alguns documentos é mencionada a cota 98m)formando a represa “da calha do rio”. Seriam alagados os terrenos perto dos vários igarapés desembo-cando no rio Xingu, e, na cidade de Altamira, seriam afetadas as áreas baixas que ladeiam os igarapésAmbé, Altamira e Panelas. (detalhes a seguir)

3) e no segundo trecho, mais cento e dez km ao longo da Volta Grande até o local previsto para o canalde fuga, onde a água turbinada na usina re-encontra o rio Xingu, o leito natural desse rio ficarásempre com uma vazão bem menor do que as mínimas históricas. (mais detalhes adiante)

Mais de 2 mil famílias desta periferia urbana seriam obrigados a se mudar, além das 800 famílias na zonarural e 400 famílias ribeirinhas.

No total, seriam 3.200 famílias, aproximadamente 16.000 pessoas, a .grande maioria das quais tempouquíssima informação precisas sobre o projeto e as conseqüências que teria a expulsão de suas casas ede suas terras. Na versão fabricada pela Eletronorte, são todos miseráveis, morando muito mal, sem

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serviços públicos mínimos, e ficarão bem melhor após serem indenizados ou nos novos assentamentosque a empresa generosamente lhes oferece.

O artigo do Robert Goodland, apresenta um padrão internacional de análise dos impactos das grandesbarragens e reconhecimento dos direitos dos atingidos por barragens que poderia indicar procedimen-tos mais adequados para o planejamento de grandes obras no futuro.

O uso de avaliação estratégica ambiental possibilitaria a avaliação comparativa dos impactos e benefíciosde várias opções de projetos de desenvolvimento regional.

O reconhecimento do direito de consentimento anterior e informado (Prior Informed Consent) é talvez aúnica maneira conhecida de garantir que os atingidos por projetos do setor elétrico possam ser sujeitosparticipantes e ativos na determinação do seu próprio futuro.

Resumindo-se os efeitos hipotéticos da represa de Belo Monte em Altamira:

Pode-se deduzir das cartografias que a área construída de Altamira ficaria entrecortada pelos remansosdos igarapés, que estariam represados ao longo de alguns km correnteza acima de sua foz na margemesquerda do Xingu.

Igarapé Ambé. Seriam alagados os terrenos e fornos dos oleiros e a área do balneário São Francisco, aolado da ponte do acesso rodoviário que liga a cidade à Transamazônica. Várias residências de um lado eoutro desta ligação viária teriam que ser retiradas, ou teriam seu terreno diminuído; talvez a própria pistateria que ser elevada e uma nova ponte construída. Na boca do igarapé no Xingu, também haveriaremanejamentos a fazer, e talvez a serraria e a cerâmica antigas sejam atingidas; o bairro dos pescadorese carroceiros talvez ficassem cercados de água do igarapé e do rio.

Igarapé Altamira. Seriam alagadas as margens atuais, onde ficam as palafitas, na altura do cruzamentocom a rua Comandante Castilho, e todo o espraiamento do igarapé no bairro Brasília, interrompendoruas, e em alguns casos, tendo que elevar as pistas, as pontes de travessia e as pinguelas que o povo usatodo dia. A conferir, casa por casa, como ficaria o bairro chamado São Sebastião, onde residem os índiosxipaia e arara, além de moradores não índios.

Igarapé Panelas. Seriam alagados os terrenos e fornos dos oleiros, e talvez a água atingisse trechos daestrada que liga com o Aeroporto, e a ponte. A verificar como ficariam as duas serrarias que ainda funci-onam por ali. Uma perda importante seria a Praia do Pajé, com o seu sitio arqueológico, indicandopresença antiga de indígenas por ali.

Calçadão da Beira–Rio. A água represada bateria no muro de arrimo da avenida João Pessoa, uns doismetros abaixo da calçada, a conferir. Remanejamento total de todas as moradias ribeirinhas desde o BISaté o Xingu Clube, e modificação radical dos “portos” dos batelões e voadeiras, por exemplo, na rampado “Seis” onde há varias casas que ficariam abaixo da cota 97 metros.

A avaliar como ficariam alguns tubulões que despejam águas pluviais (e talvez esgotos clandestinos) nomuro de arrimo, com as bocas de saída uns três metros abaixo da calçada.

A paisagem da ilha Arapujá bem em frente da cidade ficaria mutilada, a ilha quase toda submersa, so-mente as arvores mais altas aparecendo.

Efeitos prováveis nas imediações da cidade: As atuais praias desapareceriam ou ficariam com a largurabem reduzida; a maior parte das ilhas ficaria bem reduzida, com a água batendo quase sempre nasárvores. Também mudaria, claro, o modo de operação da balsa que liga a margem esquerda (entre acidade e o aeroporto) com a margem direita (rodovia “Trans-Assurini”). E os pontos atuais de retirada deareia e de seixos do fundo do rio seriam abandonados, e outros seriam abertos.

Conseqüências na parte fluvial da Volta Grande do Xingu: Os arquipélagos sucessivos, desde rio acima deAltamira até a altura das Ilhas Pimental e da Serra, uma faixa de uns 80 km de comprimento por 8 , 10, 20km de largura, ficariam totalmente cobertos. Senão, quase isto, ficando para fora, até que morram deuma vez, as copas de árvores mais altas, castanheiras, sumaúmas.

Os igarapés Gaioso e da Maria seriam rasgados por máquinas, com largura de até 500 metros, com ofundo concretado, e suas barrancas acrescentadas de diques altos; seriam os tais canais de derivação do

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fluxo d água represado em direção à represa dos “cinco igarapés”. Os pequenos afluentes dos igarapés deGaioso e de Maria seriam contidos do “lado de fora” dos diques, e formariam alagadiços intermináveis noInverno e barreiros esquisitos no verão, problema aliás já pressentidos pelos moradores das comunida-des rurais nos travessões 27 e 45.

Toda a faixa dos dois igarapés e dos morrinhos que dividem suas bacias fluviais, seria atravessada pela maiorestrada de serviço da obra (barragem Pimental e um grande alojamento), e também seria atravessada porlinhas de transmissão de eletricidade em tensão de 69 kV para suprir o canteiro de obra; e quando começas-se a operar, atravessariam ali as faixas das linhas de 230 kV vindo da Casa de Força complementar.

A maior parte da vazão que chega e passa pela represa acima da Ilha Pimental, seria desviada pelos canaisde derivação para a represa e só seria devolvida ao rio Xingu depois de turbinada na casa de força prin-cipal em Santo Antonio do Belo Monte.

A descida encachoeirada da Volta Grande tem uns 150 km de comprimento; grosso modo, a primeiraterça parte ficará sob a água da represa; nos dois terços finais, a calha do rio será a mesma, mas a vazãoserá sempre menor do que as menores vazões históricas observadas no rio a cada mês.

As vazões liberadas pelo operador da usina para jusante, em 2/3 da Volta Grande serão sempre menoresque os “piores meses” em termos de vazão.

Supondo-se que o operador seria a Eletronorte e que ela cumprissse daqui a tantos anos a sua promessaatual, os números tirados do EIA apontam a situação seguinte:

• no Inverno amazônico, as mínimas mensais mais baixas foram em Março, com 9.561 m3/segundo e emAbril, 9.817 m3/s, e conforme o EIA, seriam liberados um mínimo de 15,7 % e 20, 4 % destas vazões;respectivamente - 1.500 m3/ s em Março e 2.000 m3/ s em Abril

• em pleno Verão, as mínimas mensais do rio Xingu ali foram de 908 m3/s em Agosto - e a liberação seriade apenas 250 m3/s, uns 27%; e 477 m3/s em Setembro - quando a liberação seria de apenas 225 m3/s.Em Outubro, a mais baixa das mínimas mensais, com 444 m3/s, a liberação no vertedouro do Pimentalseria de apenas 200 m3/s.

Ou seja, nos dois meses do verão com o rio sempre mais seco, seriam liberadas a jusante do Pimental,vazões equivalentes a 45 % - 47 % das vazões mínimas históricas destes dois meses.

Simplesmente nunca naquele trecho o rio teve tais vazões, nem poderia ter, a não ser durante umacatástrofe climática!

A navegação que é bem difícil no Verão, ficaria impossível.

A calha do rio, larga com vários km de ilhas e pedras ficaria praticamente no seco com poças de água,quentes durante o dia, como em geral a água nos trechos mais rasos é quente no Verão, e mornas duran-te boa parte da noite.

Como ficarão os peixes, retidos nas poças, sem chance de circular, de nadar contra a correnteza? E oscarizinhos dourados que todos querem vender para o exportador, sumirão? O mosquito da pedra todostemem que prolifere ainda mais, faz sentido, ele sempre aumenta no verão. Moluscos há muitos nosbancos de areia, podem dominar ou desaparecer? E os pássaros que os comem? E as cobras e quelôniosque estão sempre por ali? E as abelhas que ficam na florada dos arbustinhos das restingas?

Se houver o barramento , com o ex- rio ficando bem mais seco, isto facilitaria para os garimpeiros, pois alâmina d água sempre seria menor do que hoje, os mergulhadores poderiam ficar mais no raso, ou até,desnecessários, pois em muitos trechos, o fundo do rio estará quase sempre à mostra...

Podem até procurar ouro com menos dificuldade e menos custo, só que também eles precisam de águapara beber e lavar seu cascalho e sua bateia. Suas dragas precisam de rio navegável para se deslocar de umponto a outro de garimpagem. As pilhas de seus rejeitos, que já afloram atualmente ficarão como pirâmi-des eternas ao longo do leito antigo do rio.

Para os que moram nas barrancas e mesmo para dentro, mas próximos do rio, haveria um transtornogrande, aumento de despesas e dos problemas com a captação de água. Talvez algum colapso ocorra em

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várias casas e comunidades que usam água de poço. Isto porque o lençol freático no verão fica em geralno nível de 6 a 8 metros abaixo do solo, contando-se a partir das barrancas altas do rio, onde ficam ascasas. Se o rio estiver barrado com a vazão bem mais baixa que o usual, estes lençóis podem baixar metrose metros, e alguns podem secar de vez.

Na confluência do rio Bacajá com o Xingu, o encontro das vazões dos dois rios produz atualmente algotipicamente amazônico: no verão, o rio Bacajá vindo com pouca água pela margem direita, escorre len-tamente para dentro do Xingu também com pouca água; no inverno, o Xingu pode vir com tanta forçaque ao invés do Bacajá despejar a sua água ali naquele ponto, o Xingu é que invade o afluente e formaráuma barreira hidrodinâmica, uma espécie de freio, que o povo e os engenheiros chamam de remanso.Este remanso poderia nunca mais existir, se de fato forem liberadas no Xingu as tais vazões ínfimas. OBacajá chegaria com a sua vazão usual, e escorreria direto no Xingu, sem qualquer resistência ou amor-tecimento; no trecho final do Bacajá, durante o Inverno, haveria no lugar do remanso que atualmente seforma, uma correnteza mais veloz e um aumento na erosão das barrancas.

Todas as grandes cachoeiras, a começar pela Jericoá, secariam muito, ficariam com quase uma quartaparte de água que deveriam ter, p.ex. em Agosto, ou menos da metade do que deveriam ter, p.ex. emOutubro. Aumentariam muito as extensões de praias e ilhas de areia. A vegetação de restinga e algunsmanguezais na parte baixa tendem a morrer, pois podem ficar uma ou mais estações sem ser afogadaspela água que as fertiliza. Ou, porque suas raízes ficariam distantes dos lençóis subterrâneos da região dacachoeira, que tenderiam a baixar, em relação aos níveis de hoje.

Rio Xingu abaixo da praia da Jericoá, começam a desaguar pela margem esquerda, os quatro igarapésque nascem lá perto dos lotes da Transamazônica e dos travessões 45 e 55, e que vêm até aqui na zona dascachoeiras: o Paquiçamba, depois o Ticaruca, o Cajueiro, e o igarapé Cobal.

Estes quatro igarapés foram escolhidos para compor uma parte do projeto Belo Monte - a “represa emterra firme”, que serviria para encurtar o trajeto das águas até o desnível final em Santo Antonio doBelo Monte.

Como as barragens que formariam a tal represa são verdadeiros diques, elas não teriam vertedouros nemcomportas. Conclusão: dali para baixo, cada igarapé represado ficaria completamente seco no início dotrecho, talvez se torne intermitente no Verão, e, apenas na época mais chuvosa, poderia reconstituir umapequena parte de sua vazão usual. Nas margens destes igarapés pode haver um rebaixamento dos lençois,ou – ao contrário, pode minar água acumulada kms acima, na represa.

7. Resumo das conseqüências ambientais e alguns riscos dos projetos Belo Monte e Baba-quara no âmbito regional e planetárioO sistema hídrico represa de hidrelétrica é, em cada local, inédito, algo que nunca houve antes; a represa sesobrepõe ao ecossistema fluvial anterior. Os habitats existentes são destruídos, inteiramente ou em parte,e outros habitats serão criados na represa e nos novos relevos e interfaces por ela definidos. Se e quandofor feita a 1a. obra, seriam mais de 400 km2, ou 40 mil hectares cobertos por duas “meias” represas ligadaspor meio de canais; se for feita a segunda seriam mais de 6.000 km2 ou 600 mil hectares. Nesses novossistemas ocorrerão:

Mecanismos certeiros, mas com diferentes resultados em cada represa:

• estratificações de temperaturas e luz por camadas, conforme se aprofunda na massa d’água, quantomais fundo mais frio e mais escuro;

• afogamento e putrefação da vegetação, do húmus e dos resíduos orgânicos do solo anterior - no fundoda represa, com a emissão conseqüente de ácidos orgânicos voláteis ou gasosos, de hidrocarbonetos, degases carbônicos, e às vezes de sulfetos voláteis ou gasosos;

• formação e decadência lenta dos “paliteiros” de árvores moribundas nas áreas onde antes havia árvo-res, mais a formação e putrefação lenta dos falsos brejos que se formam nas margens mais rasas eremansos da represa;

• acúmulo de sedimentos trazidos pelo rio e afluentes da represa e retenção de uma parte desses sedi-mentos pelas plantas aquáticas;

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• evaporação da lâmina d’ água, evaporação nos vertedouros construídos e no turbilhão dos canais defuga da usina; evapotranspiração das plantas aquáticas;

• seleção forçada das espécies da microfauna, dos bichinhos que vivem nos sedimentos e dos peixes,crustáceos, moluscos e batráquios que sobrevivem no lago;

• bloqueio ou dificuldades nas rotas migratórias de espécies aquáticas; novos pontos de parada em rotasmigratórias de aves e de animais peri - aquáticos; proliferação de insetos dos tipos de águas paradas(nos remansos) e dos tipos de águas revoltas (nos vertedouros da barragem).

Em cada novo ecossistema, as populações destas espécies poderão se reproduzir enquanto as condiçõesbiogéoquímicas não se alterarem muito, enquanto não houver descontinuidades grandes na cadeia alimen-tar, na oxigenação da água do rio. Poderão se reproduzir enquanto estiverem dentro de um rio e de umarepresa com condições hidrodinâmicas e bioquímicas suportáveis, dentro de extremos delimitados (p.ex. derenovação e velocidade ou estagnação da água, de sua acidez e temperatura, da concentração de íons metáli-cos e ou de compostos orgânicos tóxicos) por parte das espécies que ali vivem, e das que por ali passam.

As represas sempre ficam sujeitas às possibilidades de degradação provocadas por eventos e atividades nabacia de montante, nos rios e igarapés que as formam, e nas terras em toda a sua orla: os mais comuns sãoo aumento da sedimentação por causa de erosão e do acúmulo de esgotos e de efluentes industriais não– tratados; contaminação decorrente do uso de agro-químicos; fermentação do material orgânico exce-dente com consumo de uma parte do oxigênio dissolvido na água.

Como a atividade agrícola e agropecuária vêm se intensificando na área drenada pelos mesmos igarapésque hipoteticamente desembocariam nas represas, haverá sempre o risco de acúmulo de excesso denutrientes (nitratos, fosfatos) e de amônia dissolvidos na água e nos sedimentos. Como os esgotos dacidade de Altamira também podem se acumular em trechos da represa, deve-se contar com a ocorrênciade proliferação de algas e de plânctons de determinadas espécies, por exemplo, de cianobactérias e deoutras que provocam intoxicações nos peixes e nos humanos. O processo é conhecido como eutrofizaçãodo corpo d’água, e potencializa vários dos efeitos já descritos.

As árvores deixadas em pé nos reservatórios – formando a paisagem chamada de paliteiros – vão sedecompondo e sua parte exposta acima da água emite gás carbônico (CO2). No fundo dos reservatóriosnão há oxigênio, e a decomposição produz o gás metano (CH4).

Nos primeiros anos o metano vem da decomposição das camadas de folhas da floresta, do húmus, e deuma parte do carbono do solo; o gás continua sendo produzido em anos posteriores pela decomposiçãode plantas herbáceas que crescem, a cada ano, nas áreas expostas temporariamente, na vazante, ou seja,quando o nível d’água desce. A água que passa pelas turbinas vem de níveis mais profundos nos reserva-tórios, onde o metano é mais concentrado.

O artigo do pesquisador Philip Fearnside analisa minuciosamente esse processo de emissão de gases carbônicos,que contribuem para o aumento do efeito estufa no nível global, considerando a hipótese de construçãodas duas usinas, Belo Monte e Babaquara. Uma parte do gás metano produzido no enorme reservatório deBabaquara seria liberada na própria represa e na barragem (vertedouros e turbinas) e outra parte seriarepassada a jusante para a represa Belo Monte, fazendo aumentar as suas emissões próprias.

O conjunto formado por Belo Monte e Babaquara teria um saldo negativo, em termos de emissões degases de efeito estufa, quando comparado com uma usina termoelétrica à gás natural durante pelo me-nos 41 anos após o enchimento da primeira represa.

Além disto, aumentando a formação, dentro da água das represas, de ácidos orgânicos (acético, fórmico)e eventualmente de sulfetos, haveria a acidificação progressiva da água, com conseqüências comprova-das para a saúde animal e humana, e também para as instalações da usina. Os prejuízos decorrentes dacorrosão acelerada de todas as partes metálicas dos equipamentos em contato com a água, já foramcomprovados pela mesma Eletronorte na usina de Balbina, Amazonas, e pela Celpa, na usina de Curuá-Una, próximo de Santarém, PA.

Com a acidez, haverá uma maior solubilização de íons de metais pesados existentes na própria terra emcontato com rio (leito e barrancas, rochas e lajes), e dos compostos trazidos pelos sedimentos e pelacorrenteza, ou eventualmente resíduos de atividades econômicas como o uso de mercúrio no garimpo;

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ocorrerá o processo de bio-metilação de metais pesados e em seguida, o processo de bio–acumulaçãodesses metais, ao longo da cadeia alimentar, aa contaminação atingindo, com taxas de concentraçãoexponenciais, os animais aquáticos e peri-aquáticos (síndrome de Minamata).

Grandes estruturas e represas também costumam provocar eventos sísmicos, ou tremores de terra; e nocaso das duas represas Belo Monte e Babaquara, que se formariam sobre leito rochoso cristalino, comfraturas naturais e cavernas, aumenta também o risco de extravazamento da água acumulada para terre-nos localizados em bacias vizinhas – que usualmente ocorre também (chamado de percolação) atravésdos paredões das barragens e dos diques laterais dessas represas, trinta deles na represa Belo Monte emuitos mais, com dezenas de km de comprimento na represa Babaquara.

Enfim, trata-se da destruição de um dos monumentos fluviais do País e do Mundo, a Volta Grande do rioXingu, algo para o quê é impossível de se estabelecer compensações, ou mesmo mitigações. Isto é o queestá sintetizado, na forma de uma teoria geral sobre estas mega-hidrelétricas, no ultimo capítulo do livro,de autoria do professor Oswaldo Sevá.

8. A terceira tentativa dos barrageiros e dos “eletrointensivos”, desde 2003.

Durante os anos 1990 e no começo da década atual, a polarização política e partidária que se formou emAltamira e no Pará a propósito desse mega-projeto, indicava quase sempre os parlamentares e candidatos dospartidos então considerados de esquerda, o PT, PCdoB, PSB, como sendo opositores do Belo Monte, e- porsimetria, eram a favor da obra os partidários locais e regionais dos governos estaduais do PMDB (J. Barbalho) edepois do PSDB(A . Gabriel e S. Jatene), alinhados, neste caso, com o governo federal na era Cardoso-Maciel.

Em 2001 e 2002, todos que acompanhavam o caso tinham a sensação de que uma vitória do candidatoLula poderia sepultar o projeto Belo Monte e os demais que eram mantidos na berlinda exatamentepelos políticos e militantes da antiga oposição.

Mas não! Uma das razões é que, durante os primeiros meses do novo governo, em 2003, o senador JoséSarney, aliado do governo Lula, convencia a cúpula federal da importância e oportunidade do projetoBelo Monte. No início de 2004, mostrou que ainda comandava o seu feudo na máquina federal, provo-cando a troca de presidente da Eletrobrás, que é a empresa acionista principal da Eletronorte e dasoutras geradoras estatais Furnas e Chesf.

Os “novos” dirigentes marcam o retorno do engenheiro Muniz e de sua equipe à frente do projeto debarrar o Xingu. Mas agora, tiveram que se contorcer para diminuir o tamanho do investimento previsto,reconhecendo que a empresa não tem como bancar sozinha, e que precisa atrair investidores para seassociarem ao seu projeto Belo Monte, e além disso, parecem ter convencido a presidência do banco estatalBNDES, mesmo sem a devida análise técnico-econômica, de assegurar uma parte do financiamento.

A “saída” agora apontada como natural é a formação de um consórcio de grupos poderosos, capazes dealavancar o financiamento aqui e no exterior, e depois, contratar a compra de alguns pacotes de eletrici-dade de bom tamanho: as três geradoras estatais, mais as empreiteiras, lideradas pela Camargo Correa, asfabricantes de equipamento pesado como a ABB, a Voith-Siemens, e as indústrias grandes consumidorasde eletricidade, lideradas pelas mineradoras e metalúrgicas Alcoa, CVRD, e a australiana BHPBilliton.

A Eletronorte portanto, será provavelmente uma sócia menor desse denominado Consórcio Brasil, e pro-vavelmente restará a ela a função de fazer o serviço político local, dobrar os resistentes, neutralizar osdescontentes, fomentar os apoiadores. E talvez venha a administrar a sua insistente “inserção regional”,repartindo os “royalties” futuros por meio de uma “special purpose company”, tudo dentro de seu delíriode poder regional, de se tornar um Estado dentro do Estado do Pará.

A novidade agora é algo bem mais estratégico: todos podemos ter a certeza de quem vai operar – não seráa Eletronorte sozinha nem a principal sócia – e de quem vai usar a eletricidade dessa obra, se acaso umdia ela chegar a ser feita – não será o “resto do país”, nem o Nordeste à beira da crise, muito menos amalha elétrica Centro Oeste Sudeste, e sim as indústrias eletrointensivas que já comandam esse mesmoespetáculo na Amazônia paraense e maranhense e pelo mundo afora há um século.

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Notas

1 Em 2001: o então Presidente da Ele-tronorte, José Muniz Lopes, em entre-vista com a jornal O Liberal (Belo Mon-te entusiasma a Eletronorte por SôniaZaghetto, 15/07/2001), afirmou “Nóstínhamos, no planejamento do setor elétricopara o intervalo 2010/2020, três novas usi-nas: a de Marabá, a de Altamira (antigaBabaquara) e a usina de Itaituba (São Luísdo Tapajós).Alguns jornalistas dizem que

para aprimorar esses estudos. Ora, você ima-gina que pedaço de Brasil poderemos ter se,em seqüência às obras de Belo Monte, pu-déssemos dar início logo às obras de Marabá,mais na frente às obras de Altamira e de-pois Itaituba”.

2 http://www.planobrasil.gov.br/arquivos_down/relatorio_avaliacao.pdf em 01.04.05

não falo dessas usinas porque quero escondê-las. Apenas elas não estavam na ordem dodia. Como brasileiro, com compromissos his-tóricos com a região, não poderia deixar decolocar para apreciação das entidades su-periores a necessidade que nós avancemosos estudos relacionados a essas usinas. Elasforam analisadas num primeiro momento,mas não tiveram seus estudos aprofunda-dos. O que estou pedindo agora é autorização

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PARTE IOs Xinguanos e o Direito

Paul

o Ja

res

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Xingu é o nome de um ente mítico no Brasil. Já oera para muitos povos indígenas que viviam nasmargens do grande rio e de seus afluentes há sé-culos, talvez mais de mil anos.

Para nós não-índios, tornou-se mito nas últimasdécadas: nome de um pedaço da Amazônia, nomede um dos afluentes da margem direita do Ama-zonas, que os escolares decoram na aula de Geo-grafia do Brasil:...Javari... Juruá... Purus... Madeira...Tapajós... Xingu!

É também uma associação de idéias imediata comíndios que ainda “vivem como índios”.

Xingu, o rio que nasce e cresce no Mato Grosso edepois cruza o Pará, e os índios xinguanos estãono horário nobre. Na noite da 1ª sexta feira desetembro de 2003, o programa de reportagens damaior emissora de TV edita o “Kuarup” dosKamayurá e dos Yawalapiti, e de seus convidados.Pudemos ver seus homens e mulheres com pou-ca roupa e muita pintura, em suas cerimônias,suas lutas; pudemos vê-los trabalhando sua roçae sua farinha, banhando no riozão e nos igarapés.Vimos os velhos sábios fumando na pajelança, oscaciques puxando cantos para reavivar o espíritode seu padrinho branco, Orlando Villas Boas, fa-lecido um ano antes. Em uma epopéia do nossotempo, os irmãos Villas-Boas, Leonardo, Cláudioe Orlando, indigenistas respeitados e abnegados,funcionários do antigo SPI – Serviço de Proteçãoao Índio (posteriormente absorvido pela FUNAI- Fundação Nacional do Índio) obtiveram do

Capítulo 1

Povos indígenas, as cidades, e os beiradeiros do rio Xinguque a empresa de eletricidade insiste em barrar

Oswaldo Sevá

Tenotã Mõ, a ação inauguradorada mulher Kaiapó Tu-Ira contrao engenheiro Muniz(Primeiro resumo histórico, até 1989)

governo federal que decretasse, na década de1960, a demarcação de um conjunto de terras in-dígenas, o PIX - Parque Indígena do Xingu, noquadrante nordeste do território de Mato Gros-so, hoje com cerca de 25 mil km2 de extensão. Namesma época, outro sertanista lendário, ChicoMeirelles tentava proteger os grupos indígenasdo baixo Xingu e Iriri, da região que hoje é cor-tada pela Transamazônica. Povos que se acaba-vam nas guerras entre si, contra os brancos, numenredo de tocaiais e massacres, vinganças e reta-liações sem fim.

Nas décadas seguintes, além dos povos do PIX, tam-bém os Kaiapó, os Xavante, e outros povos e gru-pos moradores na bacia fluvial do Xingu e em áre-as próximas, na bacia do Araguaia, tornaram-se co-nhecidos e reconhecidos nas andanças dos caci-ques pelos gabinetes e pelos plenários das Câma-ras, Assembléias e Congressos. Falaram com mi-nistros e presidentes, puseram cocares de penaslindas na cabeça de alguns deles, especiais para asfotos.

Nos anos 1980, um desses militantes era o caciqueXavante Mário Juruna, eleito deputado federalpelo partido PDT com a benção do então gover-nador Leonel Brizola (RJ), com seu gravadorzinhode pilha, gravando, por desconfiança e garantia,todas suas conversas com os brancos.

Dentro dos limites das terras indígenas (T.I.) jádemarcadas e homologadas, que supostamenteestariam protegidas, muitos grupos indígenas têm,

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ainda hoje, que enfrentar palmo a palmo, hectarepor hectare, os invasores, garimpeiros, madeirei-ros, grandes grileiros, e até...brasileiros miseráveisabrindo roças e montando barracos nas barrancase nas capoeiras.

Ou então, como já se vê em vários casos, caciquesse põem (ou são postos?) a negociar acordos e com-pensações, pelo uso das riquezas localizadas pertode suas aldeias, no interior de suas terras legaliza-das; alguns em uma tribo podem se envolver comalguns madeireiros e garimpeiros. Isto é suficien-te para, depois, explodir alguma violência de umou de outro lado. Por decisão da FUNAI (Funda-ção Nacional do Índio, subordinada ao Ministérioda Justiça) ou, então, por iniciativa deles mesmos,abriram pistas de pouso, compraram motores depopa, camionetes. Fizeram também parcerias comas celebridades, as igrejas, as ONGs, receberammuitos pesquisadores e repórteres.

Difundiu-se nosanos 1980 uma forteimagem dos “índiosdo Xingu” freqüen-tando as pequenas emédias cidades doMato Grosso e doPará, viajando longepara as capitaisCuiabá e Belém, epara a capital fede-ral Brasília. Suas li-deranças e comitivasfreqüentaram a todahora a sede daFUNAI, pediam au-diência em várias outras instâncias de governo,marcaram presença na ocasião das votações naAssembléia Constituinte Federal, durante o anode 1988.

Foi então, nessa mesma época, que o governo fe-deral anunciou sua disposição de construir cincohidrelétricas de grande porte no rio Xingu e umaem seu maior afluente o rio Iriri. Todas elas iriaminterferir bastante com as terras ribeirinhas, asilhas, as matas e igapós, os rios e igarapés; e amea-çariam a existência e o futuro dos povos indígenasque ali moram, a grande maioria dentro das T.I.no norte de Mato Grosso e no centro do Pará.Ameaçariam também, ao mesmo tempo, dezenasde milhares de moradores das duas maiores cida-des de todo o vale xinguano:

Altamira: em cuja região também moram centenasde índios fora das aldeias, nas barrancas do rio, nas

palafitas e em bairros da cidade; se houvesse umarepresa no nível projetado para Belo Monte, nascotas 97 a 98 metros, os três igarapés principais daárea urbana seriam represados por vários km, ul-trapassando inclusive a faixa da rodovia Transama-zônica, que contorna a cidade pelo lado Norte eSão Félix do Xingu: prevista para ser inteiramentecoberta por uma das seis represas projetadas,Ipixuna, que atingiria também terras ao longo dorio Fresco, inclusive a T. I. Caiapó; e na faixa darodovia ligando com Cumaru e Redenção.

No final da década de 1970, técnicos da empresade consultoria CNEC, de SP haviam calculado ochamado “potencial hidráulico” do rio Xingu.Governantes da época e tecnocratas das empresasde eletricidade repetiam o número estrondoso: ashidrelétricas somariam mais de 22 milhões dekilowatts, num tempo em que a potência total ins-talada no país mal passava dos 50 milhões de kW.

Aí começa a entrarna história a Eletro-norte, que haviasido criada pelosmilitares do gover-no federal, em 1973por recomendaçãoestrangeira, para fa-cilitar os esquemasdas grandes emprei-teiras e dos grandesconsumidores deeletricidade. Consi-deravam então umdesfecho único, ób-vio: as obras seriam

feitas, e a Eletronorte seria a proprietária das usi-nas. Os tecnocratas se justificavam afirmando queesta eletricidade seria usada para atender o siste-ma nacional.

Incrível que a mesma ladainha continue sendo re-petida hoje, sem qualquer razão que se possa crer!

Alguns fatos vêm desmentindo as frases retumban-tes da Eletronorte:

1) a usina de Tucuruí no rio Tocantins havia sidoanunciada como a salvação, diante da má qualida-de da energia elétrica em Belém e na região Nor-deste; mas quando foi inaugurada em 1984, a prin-cipal destinação da eletricidade era o suprimentogarantido, 24 horas por dia, e a baixo custo, dosprocessos de mineração e de beneficiamento deminério na Serra dos Carajás e dos processos defundição de ferro - ligas em Tucuruí, (Camargo

Beira rio, AltamiraOswaldo Sevá

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Corrêa Metais, em associação com o grupo euro-peu Brown Boveri) e de fundição de alumínio emBarcarena ao sul de Belém, (Albrás, associação dogrupo CVRD, a “Vale” com metalúrgicas japone-sas) e outra similar na Ponta da Madeira, Ilha deSão Luís (Alumar, associação da Alcoa, outrasmetalúrgicas, o grupo Camargo Corrêa).

2) antes mesmo de Tucuruí operar, já estavaenergizada a Linha de Transmissão Nordeste –Norte, que saia da usina de Boa Esperança (rioParnaíba, PI-MA) até São Luís, passando por Pre-sidente Dutra, no centro do Maranhão...com aenergia elétrica proveniente da Chesf!

3) somente no final da década de 1990, esta LTNorte – Nordeste foi interligada com a malha elé-trica Centro – Oeste e Sudeste do sistema interliga-do nacional (por meio das LTs Norte-Sul I e II, en-tre Imperatriz e Açailândia/MA - e – Serra da Mesa/GO e Brasília/DF.

No final dos 1980,quando foram anun-ciadas e logo questi-onadas as obras doXingu, estávamossob o governo JoséSarney (1985-89)1.Um dos apadrinha-dos do presidente setornará um persona-gem central no ro-teiro das barragensprojetadas no Xin-gu, o engenheiroJosé Antonio MunizLopes, também ma-ranhense, e que era diretor de engenharia e nessacondição foi representar sua empresa uma mani-festação pública única, numa pequena cidade nomeio da floresta.

O “Encontro dos Povos Indígenas em Altamira” tevegrande repercussão no exterior e no Brasil, me-receu uma reportagem longa e fiel, umdocumentário produzido e exibido pela TV Cul-tura poucos meses após. O programa integrou asérie Repórter Especial, e foi feito pelo jornalis-ta Delfino Araújo que lhe deu o título adequa-do: “Kararaô, um grito de guerra”. As palavras es-colhidas pela empresa para batizar suas barra-gens projetadas no rio Xingu são nomes indíge-nas, e nesse caso, Kararaô, o nome da primeiraobra projetada pela Eletronorte, ali na VoltaGrande do Xingu, seria um grito de guerra na lín-gua kaiapó2.

O evento teve duração de vários dias, e foi promo-vido e organizado pelas entidades dos índios e porpesquisadores, liderados pela Comissão Pró-Índiode São Paulo, que havia editado também o primei-ro e importantíssimo livro sobre o assunto, com oapoio da Prelazia do Xingu e de seu bispo, domErwin Krautler.3

Com grande destaque nas imagens e nas notícias,pudemos conhecer as lideranças indígenas regio-nais e suas falas às vezes suaves, às vezes raivosas,sempre firmes, sérias: os caciques caiapós Kube-Ie Paulo Paiakan, e o cacique Megaron, hoje chefedo posto da Funai na complicada região da rodo-via BR 163, norte de MT e sul do Pará.

E mais o Ailton Krenak, da entidade UNI - Uniãodas Nações Indígenas, o Davi Kopenawa, dosIanomami de Roraima, os irmãos Terena, o coro-nel Tutu Pombo, e o famoso cacique Raoni, que

então fazia parceriasmusicais com o can-tor inglês Sting; etambém algumas li-deranças dos índiosdos Andes e da Amé-rica do Norte. Ali es-tavam os índios combordunas e tacapespor eles fabricados eenfeitados, sendo fil-mados e entrevista-dos como sujeitoshistóricos desta ba-cia fluvial:

- os temidos Kaiapódas Terras Indíge-

nas Kararaô, perto de Altamira e da T.I. Kaiapóperto de São Felix do Xingu, seu ramo Xicrinque fica pelas terras dos rios Bacajá e Cateté, seuramo Mekragnoti que fica no sul do Pará, naTerra do Baú, e mais os Juruna da TI Paquiçam-ba, ali mesmo na Volta Grande - mais os Asurinida Terra Koatinemo, os Araweté do IgarapéIpixuna, seus vizinhos Parakanã (que vieramcontrariados da beira do Tocantins, por causade Tucuruí), mais os Xipaia e Curuaia do rioCuruá no oeste do Pará, e na margem esquerdado rio Iriri, os Arara que haviam sido trazidosda faixa ao Norte da Transamazônica.

Todos direta e indiretamente ameaçados pelasobras previstas.

No dia em que o engenheiro Muniz compôs amesa diretora dos trabalhos no ginásio coberto

RaoniAguirre/Switkes/AMAZÔNIA

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de Altamira, vários índios vieram se manifestar alimesmo em frente à mesa, alguns falando em sualíngua ao microfone e sendo traduzidos. Tu-Ira,prima de Paiakan, se aproximou gesticulando for-te com o seu terçado (tipo de facão com lâminabem larga, muito usado na mata e na roça, gritan-do em língua kaiapó). Mirou o engenheiro, seurosto redondo de maçãs salientes, traços de algumantepassado indígena, e pressionou uma e outrabochecha do homem com a lâmina do terçado,para espanto geral. Um gesto inaugurador.4

Situação que merece uma palavra-chave dos índi-os Araweté da Terra Ipixuna, no médio Xingu, re-colhida pelo antropólogo Eduardo Viveiros deCastro5:·

“Tenotã Mõ significa “o que segue à frente, o que começa”.

Essa palavra designa o termo inicial de uma série: oprimogênito de um grupo de irmãos, o pai em relação aofilho, o homem que encabeça uma fila indiana na mata,a família que primeiro sai da aldeia para uma excursãona estação chuvosa. O líder araweté é assim o que come-ça, não o que comanda; é o que segue na frente, não oque fica no meio.

Toda e qualquer empresa coletiva supõe um Tenotã mõ.Nada começa se não houver alguém em particular quecomece. Mas entre o começar do Tenotã mõ, já em si algorelutante, e o prosseguir dos demais, sempre é posto umintervalo, vago mas essencial: a ação inauguradora érespondida como se fosse um pólo de contágio, não umaautorização”. (pág.67)

Geografia da expansão violenta: rastros doconflito nas terras ricas da bacia do Xingu.6

Dentre os grandes afluentes do Amazonas, apenasdois rios, o Tapajós e o Xingu nascem e correminteiramente em território brasileiro. O rio Xinguse forma a uns duzentos km a Nordeste da capitalCuiabá, na altura do paralelo 15 graus Sul; e dalisua bacia se estende na direção Norte, entra noPará pela fronteira Sul e segue até um pouco alémdo paralelo 2 graus Sul, perto das cidades de Portode Moz e Gurupá. Ali num mundo de águas emen-dadas, praias e ilhas, o Xingu começa a desembo-car no rio Amazonas, no início do estuário amazô-nico aberto para o Atlântico equatorial.7

Dali para o Leste, uma vasta planície de lagos cha-mados baías, são ligados, pelos furos, canais natu-rais, com as águas dos rios Anapu e Pacajá, pordetrás da ilha de Marajó, entre Portel e Breves, e comas águas do rio Tocantins, que desemboca do ou-tro lado de Marajó, na região de Cametá.

No sentido da largura, o vale do Xingu fica apro-ximadamente entre os meridianos 52 graus e 55graus Oeste. Começa em uma generosa bacia denascentes de numerosos rios, em forma de umapêra no Norte de MT. Entrando no Pará, a larguradas terras banhadas pelos rios da bacia do Xinguse amplia bastante incorporando a Oeste as terrasdo rio Iriri, seu maior afluente.

O sentido geral da descida das águas do Xingu edo Iriri é para o Norte, dos altos cerrados doschapadões e de suas grotas florestadas do PlanaltoCentral, até a calha baixa do Amazonas, exatamen-te como fazem os seus grandes rios vizinhos e qua-se paralelos, os rios Araguaia e o Tocantins, do ladoLeste, e o rio Tapajós, do lado Oeste. O Xingu érepleto de meandros, com algumas “esquinas” bemangulosas, corredeiras quase retas cavadas em fa-lhas rochosas de bom tamanho, todo coalhado deilhas pedregosas e às vezes, de ilhas com morros, oXingu faz várias voltas bem amplas, e até uma Vol-ta Grande.

Uma alça de mais de duzentos km de comprimen-to, fazendo quase 360 graus, com a cidade deAltamira, PA bem na primeira esquina do rio. Umgrafismo forte, vai virando símbolo regional, nasfotos aéreas e de satélite, é um ponto de interro-gação um tanto deitado; na geologia, pode-se ima-ginar o degrau cristalino da planície amazônicasendo contornado, lavado e enfim rasgado pelascorredeiras de águas verde-escuras e luminosasdo Xingu.

O rio Xingu só pode ser navegado, a partir do rioAmazonas, ao longo de uns trezentos km, entran-do pela foz, passando pela cidade de Senador JoséPorfírio, antiga Souzel, até o porto de Vitória do Xin-gu. Rio acima logo adiante, interrompe-se o per-curso fluvial por causa do extenso lajeado rocho-so, o degrau que contorna todo flanco Sul da ca-lha amazônica aflorando no trecho encachoeira-do da Volta Grande, num desnível de quase 100metros, da cidade de Altamira até ali.

Nos trechos médios do rio, navega-se por percur-sos descontínuos, e com dificuldades nos mesesali chamados de Verão, Julho a Outubro. Apenasduas cidades se estabeleceram na beira – rio nomédio vale: Altamira, onde se reinicia a possibili-dade de navegação acima da Volta Grande, peloXingu e pelo Iriri, seu maior afluente; e a antigaBocca do Rio, atual São Félix do Xingu, mais ao Sul,na foz do rio Fresco, afluente direito do Xingu.Ambas foram recentemente revitalizadas, estabe-lecendo ligações rodoviárias e aéreas com outrascidades do Pará e do país.

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Altamira, mesmo pequena para os padrões do Su-deste, é o maior centro urbano em todas as mar-gens do Xingu e também no traçado da rodoviaTransamazônica, a BR 230, neste longo trechoentre Marabá e Itaituba, e também um dos mais

extensos municípios do país, maior do que al-guns Estados e países (com mais de 100 mil km2,equivalente a quase metade da área do Estadode São Paulo). Antes ligada à economia extrati-vista tradicional, borracha, castanha, pesca, a

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cidade se tornou importante na década de 1970,durante a época da abertura da rodovia e do esta-belecimento dos colonos assentados pelo Incra epor empresas de colonização e cooperativas agrí-colas vindas do Sul e do Sudeste do país. Nestamesma época eclodem os surtos de garimpagemde ouro e as frentes de extração de madeiras delei, algumas perduram até hoje, outras novas fren-tes surgem, parecendo inexoráveis, pois “ainda seacha” ouro e muita madeira valiosa. Ao longo dafamosa rodovia Transamazônica, Altamira é sinô-nimo de “Rua”; o povo vai para “a Rua”, quandovai aos bancos, lojas, hospitais, nas sedes das re-partições estaduais e federais, e para as aulas nasfaculdades (um campus da universidade federalUFPA, outro da estadual, UEPA).

E assim, a cidade vai polarizando a vida da região,incluindo os portos fluviais das cidades de Vitóriado Xingu e de Senador Porfírio; umas três dezenasde agrovilas e vilarejos, mais algumas cidades pró-ximas que cresceram rapidamente, como Anapu ePacajá, ao longo da Transamazônica (sentidoMarabá), e no sentido inverso, Brasil Novo,Medicilândia, Uruará, se formos pela rodovia norumo de Rurópolis, Itaituba e Santarém, que é ver-dadeira capital do Oeste paraense, e ponto de li-gação fluvial permanente e de grande porte entreBelém e Manaus pelo rio Amazonas.

Em São Félix do Xingu, o antigo isolamento, mes-mo estando à beira do grande rio num trecho na-vegável, foi rompido com a proximidade do proje-to mineral da província de Carajás, com o garim-po intenso, disseminado, o movimento dos peque-nos aviões, e, com a primeira etapa da abertura deum terceiro eixo transversal ao vale do Xingu, arodovia PA 279, que por sua vez, precipitou maisoutras frentes madeireiras. Ao longo desta estra-da, duzentos e cinqüenta km no meio da selva, apartir de Xinguara, surgiram várias vilas e a cida-de-serraria de Tucumã.

Por aí o vale do médio Xingu ficou bem mais próxi-mo dos surtos econômicos da mineração e dos gran-des garimpos nos municípios de Carajás (CVRD,mina Serra Norte), e das cidades de Parauapebas, emais ao Sul, Xinguara e Redenção. Todas estas cidadestêm aeroportos movimentados, e são servidas pelarodovia estadual PA 150, eixo de ocupação recentedo Leste paraense. Incluem-se nesta porção geo-eco-nômica as terras e cidades na margem esquerda dorio Araguaia (Conceição do Araguaia e São Geraldo doAraguaia), região também famosa por ter sido umfoco de movimentos camponeses desde os anos 1950,e onde atuou uma guerrilha que foi destroçada pe-las Forças Armadas no início dos anos 1970.

A combinação de todas as áreas na bacia do Xingunas quais a cobertura vegetal original de mata ede cerrados foi arrasada ou está sendo bem adul-terada, é visível, de forma destacada numa ima-gem fotografada pelos satélites ou num mosaicode imagens vistas a partir dos aviões.

O arranjo cartográfico peculiar que resultou podeser sucintamente interpretado do seguinte modo:

• estratégias territoriais resultam das decisões deEstado e de alguns agentes econômicos, incluin-do-se as levas de garimpeiros, posseiros e traba-lhadores volantes, que vão junto nestes surtos deocupação pioneira das áreas antes habitada porindígenas e por ribeirinhos, e das áreas antes ra-refeitas ou intocadas;

• esta expansão geo-econômica se dá a partir dametade Norte das bacias do Tocantins e do Ara-guaia, já ocupada, e pressiona para o Oeste, en-grossando as faixas alteradas que aparecem nasfotos como “espinhas de peixe” na Transamazô-nica e nos seus “travessões”, típicos do trechoparaense Marabá - Altamira – Itaituba;

• as duas rodovias de ligação do vale do Xingu como Sul são corredores que abraçam o formato Nor-te-Sul desse vale; são grandes extensões contínu-as de terras alteradas, com faixas de dezenas dekm de cada lado das rodovias, começando pelaque liga Marabá a Barra do Garças, a rodovia PA150 continuada pela BR 158;

• esta banda oriental do vale do Xingu está, nasfotos de satélite, visivelmente mais alterada quea banda ocidental; vê-se uma concentração demuitos focos de queimada, grandes áreas de pas-tagens; e uma cunha aberta sobre o trecho mé-dio do vale; e sabe-se que isto corresponde àslevas de brasileiros justamente entrando peloúnico trecho em que as terras indígenas não sãoemendadas;

• isto se explica: mesmo existindo ali próximo duasFlonas - Florestas nacionais e uma Rebio - Reser-va Biológica, ficaram no mapa alguns “corredo-res” não protegidos, o maior deles, contornan-do de um lado e de outro a TI dos Xicrin doCateté, ligando São Félix do Xingu e a bacia do rioFresco, com uma parte já ocupada a Leste, nasbacias dos rios Itacaiúnas e Parauapebas, afluen-te esquerdo do Tocantins;

• na parte ocidental do vale do Xingu, onde passaa rodovia que liga Cuiabá a Santarém (BR 163), asua faixa de terras alteradas é um pouco menorque as faixas das demais rodovias apenas no ladosul paraense; pois no trecho mato-grossense, as

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grandes extensões demonstram as etapas da al-teração, nem sempre tão planejada nesta seqüên-cia exata, mas sempre comprovada: exploraçõesde garimpos e de madeiras de lei, a abertura dasestradas de madeira, depois as derrubadas e quei-madas, depois as pistas de pouso, as pastagens,enfim as grandes plantações de soja;

• no norte de MT, no entorno do Parque Indíge-na do Xingu e da TI Capoto – Jarina, fecha-se ocerco: nas fotos, as manchas das áreas alteradasvão se adensando a partir da “pinça” formadapelas duas rodovias BR 158 e BR 163, e a superfí-cie da terra mexida, com sinais da intervençãohumana e de máquinas, vai se avizinhando doslimites dos territórios demarcados e homologa-dos, como se fossem estrangular os perímetrosjustapostos das TIs.

Vendo agora o mapa regional numa escala nacio-nal, constatamos que entre Guarantã, ultima cida-de mato-grossense na rodovia BR 163, saindo deCuiabá - e as proximidades de Itaituba e Rurópolis,no Oeste paraense, fica o maior trecho ainda nãoasfaltado deste eixo terrestre brasileiro.

Eixo de “penetração”, portanto um imperativogeopolítico, conforme concebido há quase meioséculo pelos estrategistas militares como o gene-ral Golbery do Couto e Silva, intelectual palaciano

e articulador político durante os anos negros daditadura brasileira.

Foi nestes tempos que começou, a partir do famo-so Posto Gil, em Diamantino, MT, a ser rasgada nocerrado e na selva a famosa Cuiabá a Santarém.

Um jornalista especializado em política ambientaldefiniu o projeto de asfaltamento destes 760 km comoo “enigma ambiental de Lula”, informando que em 10de julho de 2003, foi criado um consórcio integradopor empresários da Zona Franca de Manaus, paraquem o asfaltamento e a construção de instalaçõesintermodais próximo de Santarém encurtariam aslinhas fluviais de cargas e carretas, do percurso atualManaus a Belém, para um percurso bem mais curto,Manaus a Santarém; diminuiriam também as distânci-as terrestres totais entre Manaus e algumas das maio-res cidades do Centro Oeste e do Sudeste. O consór-cio teria sido estimulado pelo governador BlairoMaggi, (MT, eleito em 2002 pelo PPS), consideradoo maior produtor “individual” de soja do país. 8

Este projeto foi mantido sob protestos de muitaspessoas e entidades na Amazônia e até no exteri-or, sendo um item destacado do Plano Plurianualde investimentos 2004-2007, o PPA conduzido pelogoverno Lula – Alencar no 1º semestre de 2003.

O Ministério do Interior pretende utilizar recursosdo Fundo Constitucional do Norte, um sucedâneo

Menino Kayapó,Gesellschaft für Ökologische Forschung, Pabst/Wilczek

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Festival do Kuarup, o ritual mais conhecido dos povos do Parque Indígena do Xingu, aldeia dos Yaualapiti.Marcello Casal Jr./ABr

do Finam gerido pela Sudam, para financiar anova rodovia Cuiabá a Santarém, que custaria 175milhões de dólares, algo na faixa de meio bilhãode reais! As Terras Indígenas dos Kaiapó(Mekragnoti e Baú) e dos Panará ficam perto, apouca distância e às vezes encostadas no eixo darodovia a ser asfaltada!

As disputas econômicas, fundiárias e étnicas quesão um fio condutor da história do país, apenascomeçaram ao longo da porção paraense da 163,mas podem durar décadas essas brigas armadas nadisputa pelas glebas, pelo mogno, pelos minérios,pelo acesso à água! A quem pertencem? Na práti-ca, parece que ficarão nas mãos dos mais violen-tos. Na letra da lei, contudo, quase 40% das terrassão dos índios e seus descendentes: “Do ponto devista político, a importância dos índios na região doXingu é inquestionável. Sua expressão na área da baciado rio, que vai do Mato Grosso ao Pará, é muito grande.São 27 etnias distribuídas por 26 terras indígenas, quecorrespondem a 38,5% da área da bacia.” 9

Mesmo que dentro das T.I. a degradação seja pou-ca, as invasões e o fogo prosseguem sempre aqui eacolá; mas de fato, estes perímetros “com os índi-os dentro” estão se transformando em santuários.Na epiderme da Terra, são manchas verdes que

resistem e ainda se impõem diante da fragmenta-ção e dos rastros ocre-amarelo-magenta–roxa quese destacam nas imagens da Amazônia vista do alto.10

Se pensarmos na preservação e na boa utilizaçãodo rio, nada está resolvido nem assegurado com ahomologação e a defesa dessas terras, pois elas nãoincluem exatamente as nascentes e os altos rios detodos os formadores do Xingu. As terras homolo-gadas - e especialmente o PIX - estão como umafaixa em torno da calha central do rio Xingu, emseu trecho médio, que é onde está repercutindo oprocesso de degradação significativa da coberturavegetal, da água e da biodiversidade.

Mas o processo que ali repercute de fato se iniciario acima, nas terras dos não – índios, no avançodos madeireiros, nas fazendas, nos pastos, nos ga-rimpos que vão pipocando em seu entorno.

Este é, em resumo, o Xingu dos índios e o Xingudos não – índios: Terras ricas, muitas em estadovirgem, madeiras valiosas, a bacia fluvial de umrio monumental, onde se pretende construir seisgrandes hidrelétricas.

Adiante veremos as regiões em que iria “se hospe-dar” cada uma dessas usinas projetadas nos anos

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1980 pelos barrageiros da Eletronorte, do escritó-rio CNEC e da empreiteira Camargo Correa, parano final retomarmos o resumo histórico das tenta-tivas de implantação de tais projetos.

O começo do rio Xingu, em Mato Grosso.O Parque Indígena e a TI Capoto–Jarinaseriam afetados pelo primeiro barramento- Jarina - projetado no Sul do Pará.

Comecemos a percorrer o rio como ele mesmo ofaz, pelo começo, pela parte alta.

Lá onde o rio ainda é pequeno, não dá para fazergrandes barragens; mais abaixo, lá onde o rio co-meça a ficar maior, é dos índios há muito tempo.A cento e poucos km a nordeste de Cuiabá, capi-tal de MT, fica a cidade de Nova Brasilândia e dalio espigão do Planalto central se divide em dois; aquase 1000 metros de altitude, vai se abrir o valedos formadores do Xingu, os rios Culuene,Curisevo, Batovi, Ranuro, todos escorrendo rápi-do na direção Norte e Nordeste.

As cidades próximas do início do Xingu sãoParanatinga, perto do divisor entre os formado-res do Culuene e os formadores do rio Teles Pi-res, bacia do rio Tapajós, e mais para o Leste,Canarana, na bacia do rio Tanguro, afluente di-reito do Culuene. Formando um triângulo comestas duas cidades, mais para o Sul, fica Campiná-polis, do lado de lá do divisor de águas entre oCuluene e o rio das Mortes (bacia do rio Ara-guaia). No centro desta região, forma-se o riopropriamente dito, o Xingu, e ali moram indíge-nas há centenas, talvez mais de mil anos. A partirdos anos 1960, um processo de demarcação e ho-mologação concluído apenas em 1991, garantiuuma área de 26 mil km quadrados, uma faixa de50 km ou mais em cada margem do rio para den-tro: Parque Indígena do Xingu, o PIX.

A população no interior do Parque deve estar per-to de 4.000 habitantes; os dados dos pesquisado-res da Unifesp (Escola Paulista de Medicina) em1999 indicavam 3705 indígenas de 15 povos, maisde 700 Kaiabi, mais de 300 Kuikuro, outros tantosKalapalo e Kamayurá, mais de 200 Ikpeng, e tam-bém de Waurá, Suiá, Yawalapiti.

Nos sertões, entre as cidades e tantas fazendas, namesma bacia do rio Xingu, moram milhares deXavante: 376 na Terra Indígena (TI) MarechalRondon (nascentes do Curisevo); 3.354 na TIParabubure, a Oeste de Campinápolis, e uma partedos 1.667 xavantes a Leste de Canarana, na TI

Pimentel Barbosa (parte desta TI fica na bacia dorio das Mortes, parte da bacia do Araguaia).

A ocupação não-índia das terras das cabeceirasprovocam efeitos cada vez mais no interior do PIX.Os desmatamentos não poupam as matas ciliaresdos rios e às vezes nem as grotas e nascentes, aexposição de terra nua, o uso de tratores, tudo istorepercute no assoreamento dos rios, na perda deprofundidade e mudanças de praias e bancos deareia, na mudança até de turbidez e coloração daságuas, tornando mais difícil a pesca com flecha,atividade fundamental nas aldeias. Conforme aentrevista de André Villas Boas, relatada no volu-me Povos Indígenas do Brasil, 1996 – 2000, ISA:

“Em 1998, as queimadas em fazendas pecuárias localizadas a nor-deste do Parque ameaçaram atingi-lo, o que provocou a mobilizaçãodos órgãos públicos responsáveis. Também nesta época o avanço dasmadeireiras instaladas a Oeste do PIX começou a chegar perto doslimites físicos definidos pela demarcação. Assim os índios do PIXestão diante de sinais concretos de perigo, mais graves do que asprimeiras invasões e pescadores e caçadores, ainda na década de1980. Entre os moradores do PIX, fortaleceu-se a percepção de queestá a caminho um incômodo “abraço”: o parque vem sendo cercadopelo processo de ocupação no seu entorno e já se evidencia como uma“ilha” de florestas na região do Xingu.” (p.631)

Ao Norte do PIX, fica a única cidade encostadanos seus limites, São José do Xingu. Ali, o perímetroindígena é limitado por um ângulo quase reto,contido pelo traçado da rodovia BR 080/MT 32211,já quê, do lado de lá também existiam aldeias. Opovo dessas aldeias nos anos 1960 e 70 havia rejei-tado a proposta de se mudar para dentro do PIX,conseguiu também a demarcação de outra TI, bemmenor é verdade, mas ainda protegendo as duasbandas do rio Xingu; é a terra chamada de Capo-to – Jarina, onde em 1997 moravam 577 Kaiapódo grupo Metuktire.12

O trecho médio alto do Xingu em território mato-grossense atravessa o PIX inteiro e toda a TI Capo-to- Jarina, e certamente sofreria bastante com osefeitos do barramento do rio logo abaixo, no sul doPará, num eixo denominado Jarina. No mínimo,porque ficaria afetada a navegação mesmo a depequeno porte, porque prejudicaria a circulaçãodos peixes; seria bloqueada a piracema no rio prin-cipal e nos afluentes, e, além disso, a população dasespécies típicas das corredeiras diminuiria.

Rios e igarapés de nome Jarina13 e Jarinal há mui-tos pela mata, um deles é o afluente esquerdo doXingu, rio Jarina cuja bacia, de porte médio, ficano norte de MT, desde a altura da BR –080 até adivisa MT – PA. Escolheram o nome deste rio paraa usina projetada em outro rio, o Xingu, e queseria localizada em outro Estado, o Pará.

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O barramento previsto da usina Jarina seria no tre-cho do rio Xingu ao entrar no sul do Pará. O rioXingu neste ponto já está bem formado, e suasvazões extremas variam entre mais de 9.000 m3/se menos de 400 m3/s. O canal de fuga estaria, namédia operacional, na cota 256,8 metros, e logo aseguir rio abaixo, estaria o remanso da represaseguinte (Kokraimoro).

Ao que tudo indica, seriam represados, da bar-ragem para cima: a foz e o baixo vale do Ribei-rão da Paz, toda a calha e as baixadas do Xinguaté a fronteira Sul do Pará, entrando pelo nortede MT. As águas quase paradas entrariam talvezpela foz e um bom trecho do Rio da Liberdade,

na margem direita do Xingu, e todas estas ter-ras estão dentro da TI Menkragnoti.

Mais para o Sul, a represa poderia entrar tambémpela vizinha TI Capoto – Jarina; e era previsto arepresa avançar por 60 km nesta terra indígena,até perto do vilarejo de Piara-Açu, município deSão José do Xingu, MT, e da BR 080. Efeitos de inun-dação ou de represamento chegariam assim à foze ao baixo vale do rio Jarina e também às aldeiasSuiá, Kaiapó e Panará próximas da margem esquer-da do Xingu.15 Até que sejam divulgadas cartogra-fias mais rigorosas e em escala pequena, comaltimetria detalhada, podemos supor que esta re-presa avançaria para o Sul do paralelo 10 graus30m, e assim iria submergir ou diminuir o degrauda cachoeira von Martius.

Uma grande usina neste trecho vai desarranjarbastante a vida dos indígenas na área, já marcadapelos problemas nas relações com os madeireirose os garimpeiros, além dos fazendeiros com seufogo e sua terra nua, suas aplicações de “venenos”.Deve ser hoje mais numerosa a população destaimensa TI: mais do que os 657 kaiapó grupoMenkragnoti e outros ainda isolados que ali mo-ravam há quase dez anos.16

Suas terras homologadas começam ainda no nor-te de MT, incluem um bom trecho da divisa esta-dual MT/PA, e se prolongam quase 300 km pelamargem esquerda do Xingu até a sub bacia do altoIriri, totalizando quase 50 mil km2, nos municípi-os de Altamira e de São Felix do Xingu.

Usina hidrelétrica inventariada Jarina

Capacidade instalada 600 MW depois 620 MW 14

8 Turbo geradores (TG ) de 77,5 MW each, com

capacidade total de turbinar até 3120 m3/s

Coordenadas 9 graus 2m Sul,

52 graus 4 m Oeste, a 1.234 km da foz.

Altura média da queda projetada: 23 m

Reservatório: áreas estimadas 1.168 km2

(na cota mínima 273 m) a 1.900 km2

(na cota máxima 281 m)

Volume: 9.000 hectômetros cúbicos

(cota 273 m) a 21.400 hm3 (cota 281 m)

Perfil longitudinal rio Xingu, no Pará, com seis barragens projetadas

Fonte: Dados do Inventário Hidrelétrico do Xingu, CNEC/Eletronorte, 1980 adaptado por O. Sevá, 2003.

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UHE inventariada Kokraimoro

Capacidade instalada: 1.900 MW , depois 1.490 MW 17

10 turbo-geradores (TGs) com capacidade

para turbinar 4.020 m3/s

Coordenadas: 7 graus 26m 30s Sul,

52 graus 40m 30s Oeste, a 1.009 km da foz

Altura média da queda projetada: 42,9 m

Reservatório: áreas estimadas nas cotas mínima

e máxima 940 km2 (na cota 245 m)

a 1.770 km2 (cota 257 m)

Volume: 12.450 hm3 (cota 245 m)

a 28.500 hm3 (cota 257 m)

O segundo barramento, Kokraimoro, outrausurpação de nomes e terras kaiapó

A região a ser afetada por essa hipotética grandeusina ficaria rio acima, não muito distante da ci-dade de São Félix do Xingu. O rio Xingu neste pon-to ainda se parece com o da barragem prevista Ja-rina: uma vazão extrema na seca, menor do que400 m3/s (mensal) e, na cheia, o valor extremomensal pode passar de 10.600 m3/s.

Os engenheiros do CNEC e da Eletronorte colo-caram o barramento previsto praticamente emcima do Posto Indígena Kokraimoro.18 A aldeia queem 1980, o próprio CNEC dizia ter 120 pessoas,ficaria a 500 metros a jusante do eixo traçado, napratica, seria destruída e o seu local ocupado pelocanteiro de obras, pelas pilhas de material, e pelotráfego de peões, veículos pesados, etc.

A represa encobriria a Cachoeira da Pedra Seca, tam-bém afogaria os afluentes rios Preto, Pereira e JoséBispo, terras ribeirinhas dentro da TI Kaiapó, ondeem 1998 moravam 2866 Kaiapó de vários grupos,19

inclusive os Kokraimoro cujo nome e cuja identida-de foi usurpada pelas empresas ao nomear o eixoinventariado, - mais os grupos A Ukre, os Gorotireno rio Fresco, que também seriam afetados pelarepresa da terceira usina inventariada, Ipixuna, maisos Kaiapó Kikretum, os Moikarakô.

Na mesma TI Kaiapó que vai até perto da rodoviaPA 279 e da cidade de Tucumã, com extensão demais de 30 mil km2 moram ou perambulam mui-tos garimpeiros não índios, e foi estabelecida umaReserva Garimpeira, a Cumaru, em área distantede qualquer represa projetada no Xingu.

A hipotética represa Kokraimoro se estenderia parao Sul, com uma grande barriga virada para o Oeste,

A terceira barragem - Ipixuna: mais Paraka-nã atingidos? a cidade de São Felix do Xingudesaparecida?

O rio neste trecho está bem mais encorpado, ten-do recebido o acréscimo de vazão de um grandeafluente, o rio Fresco. A vazão mínima mensal ain-da fica abaixo dos 500 m3/s e a máxima já ultra-passa 18.000 m3/s.

Mais uma confusão com nomes de projetos de usi-nas: Ipixuna é um nome comum na Amazônia, emespecial no Pará, mas, por ali, é o nome do princi-pal igarapé nas terras dos Araweté, uma T.I. quefica na banda direita do Xingu, no trecho antes dafoz do Iriri. A obra batizada pelos engenheirosbrancos como Ipixuna ficaria longe dali, bem aci-ma da foz do Ipixuna no Xingu, num arquipélagofluvial que é o ponto de encontro desta terra dosAraweté com outra terra indígena apenas delimi-tada, mas não homologada, chamada Apyterewa,onde moravam, em 1999, 240 Parakanã (remanes-centes e parentes daqueles quase 500 Parakanã queforam atingidos pelas obras de Tucuruí nos anos1980, e que foram remanejados para o lado Sul dafaixa da rodovia Transamazônica).

A barragem ficaria num trecho de corredeiras elajes cortando o Xingu (rio abaixo da cidade deSão Félix, até as Cachoeiras da Pedra Preta ePiranhaquara), e suas águas represadas se prolon-gariam pelo afluente rio Fresco, formando umarepresa com extensão de quase 3.300 km2 (seria

UHE inventariada Ipixuna

Capacidade instalada: 2.300 MW

depois 1.904 MW20

(16 TG de 119 MW cada com

capacidade de turbinar 5744 m3/s)

Coordenadas: 5 graus 39m 30s Sul; 52 graus

40m 30s Oeste, a 710 km da foz do Xingu

Altura média da queda projetada: 38,3 m

Reservatório: áreas estimadas 2.020 km2

a 3.270 km2 (na cota máxima 208 m)

Volume: 25 km3 (cota 195 m)

até 60 km3 na cota 208 m

avançando rio acima, na margem direita cobrindoterras e afogando rios da TI Kaiapó, na esquerda osda TI Menkragnoti, e mais ao Sul ainda, poderiaatingir até as terras identificadas, mas nãodemarcadas dos Kaiapó grupo Kuben Kran Ken, queeram 82 pessoas em 1998.

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uma represa maior do que Tucuruí, que ficou commais de 2.800 km2).

A terra indígena dos Parakanã chamada Apyterewa,não está ainda homologada, e sim sob a mira demadeireiros e de garimpeiros; talvez esses índios nãotivessem sua terra alagada, mas ficariam cercadospor estradas de acesso ao canteiro de obras; oigarapé Bom Jardim, que garante o acesso a aldeia,partindo da margem direita do Xingu, ficaria aolado do canteiro de obras e logo abaixo do pare-dão, o que teria reflexos em sua hidrologia. A re-presa Ipixuna alagaria o igarapé do Pombal, as lo-calidades de São Sebastião, São Francisco, e Triun-fo; e provocaria algo desconhecido, inaceitável:

“Inundaria a cidade de São Félix do Xingu, umloteamento de propriedade do Instituto de Terras do Pará,ITERPA, localizado junto a esta cidade, e uma série depovoados ribeirinhos.” 21

Anfrisio foram abertos às custas da difícil navega-ção rio acima pelo Xingu e pelo Iriri, numa áreasempre visitada e roçada pelos índios Xipaia,Curuaia e pelos Kaiapó que eram temidos por to-dos. Os resultados foram muitos mortos e feridosde ambos os lados. 23 Isto tudo na “época dos ameri-canos”, quando se tentava implementar o projetoFordlândia no Tapajós, e quando atuava naintermediação do látex a empresa RubberDevelopment Company, RDC, em várias áreas ex-trativistas do Pará.

A principal cachoeira do rio, não muito alta, compoucos metros de desnível, porém de difícil trans-posição, fica logo abaixo da foz do Riozinho, e sechama Cachoeira Seca. O nome talvez se expliquepor causa das vazões mínimas do Iriri, que são bembaixas para um rio amazônico bem comprido, poisficam na faixa de 60 m3/s. Mas as vazões máximasvão a mais de 9.500 m3/s.

Diante deste desafio em termos de tamanho daamplitude das vazões (a máxima mais de cento ecinqüenta vezes a mínima), os engenheiros quecriaram este inventário hidrelétrico da bacia deci-diram projetar o seguinte: barrar a própria Cacho-eira Seca com um degrau de 29 metros e uma áreainundada imensa, e com uma oscilação tambémgrande (de mais de 10 metros) entre os níveisoperacionais máximo e mínimo. Na hipótese deexistir um dia, essa represa seria uma espécie de“banheira” que, durante alguns meses, ficaria noseco mais da metade de sua área, que seria alagadana estação chuvosa seguinte.

A segunda TI dos índios Arara, com 57 moradoresem 1999, se chama Cachoeira Seca do Iriri, bemperto de onde provavelmente os engenheiros de-cidiram assinalar o ponto de barramento num tre-cho logo abaixo da grande esquina do rio Iriri,que faz 90 graus para o rumo Nordeste, e ondedesemboca o afluente Riozinho do Anfrisio.

As águas ficariam represadas desde a Cachoeira Seca,entrando pelo Riozinho, e se estendendo rio Iririacima até a foz do rio Curuá, e rio acima tambémum trecho, nesse que é o maior afluente do Iriri,afogando as localidades de Entre Rios, Cajueiro,Bonfim e pelo menos duas aldeias Xipaia - Curuaia,uma na TI Curuá, delimitada, mas ainda não homo-logada, onde moravam 91 pessoas em 1999, outrana TI Xipaia, que estava em fase de identificação noano de 2000, com 67 pessoas. 24

Na falta de cartografia mais detalhada, deduzi-mos se acaso tal obra venha de fato a ser concre-tizada, a represa subiria com dois braços, pelosrios Iriri e Curuá até a altura do paralelo 6 graus

UHE inventariada Iriri

Capacidade instalada 900 MW depois

770 MW, potência firme 380 MW,

7 TGs de 110 MW cada, com capacidade

de turbinar 3.070 m3/s

Coordenadas: 4 graus 44m 30s Sul, 54 graus

36 m 30 s Oeste, a 320 km de sua foz no

Xingu, a 406 km fluviais de Altamira

Altura média da queda projetada: 29 m

Reservatório: áreas estimadas 1710 km2

(na cota mínima 195,7 m) a 4.060 km2

(na cota máxima 206 m) 22

No Iriri, o passado de guerras de índios e serin-gueiros; no futuro, a segunda maior área inunda-da da bacia do Xingu ?

Este rio Iriri é bem peculiar, uma espécie de irmãomenor do Xingu, também nasce no MT, perto dadivisa com o Pará, na região do entroncamento daBR 163 com a BR 080, perto de Guarantã do Nortee Pontes de Lacerda e depois vai seguindo no rumoNorte, às vezes até inclinando para Noroeste. Rece-be o seu maior afluente Curuá e praticamente sedirigia para desembocar no Amazonas, quando omesmo escudo rochoso da Volta Grande do Xinguobrigou-o a dobrar à direita, quase 90 graus, seguin-do para Nordeste e indo desaguar na margem es-querda do Xingu. Nesta “esquina”, recebe o famo-so Riozinho do Anfrisio, nome de um seringalistaimportante de Altamira. Como alguns outros aven-tureiros também o fizeram, os seringais do coronel

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Usina projetada: Babaquara,

depois chamada “Altamira”

Capacidade instalada 6.300 MW,

depois 6.588 MW

18 TGs de 366 MW cada, com capacidade

de turbinar 12.096 m3/ segundo

Coordenadas estimadas: paralelo 3 graus 30 min

Altura média da queda projetada: 61 metros

Reservatório: áreas estimadas nas cotas mínima

e máxima da água 2560 km2 (na cota 142 m)

a 6.140 km2 (na cota 165 m)

Volume: 47 km3 na baixa (cota 142 m), para

143,5 km3 na alta (cota 165 m)

Sul. Pode-se supor que a represa não chegaria aatingir diretamente a Flona Altamira nem a TIvizinha, chamada Baú, onde viviam em 1994, 128Kaiapó grupo Mekragnoti.

Ali se forma um dos grandes conflitos fundiários eétnicos - sociais, na região ao Sul da cidade de NovoProgresso, justamente onde esta TI fica próxima daFloresta Nacional de Altamira, e do eixo da rodo-via Cuiabá a Santarém.25

Não longe desta confusão, milhares de km qua-drados de glebas públicas antigas, de algum modopassaram estão sendo tomadas por grandes emprei-teiras, p.ex., a CR Almeida, do Paraná, e por gru-pos madeireiros poderosos de São Félix do Xingu ede Altamira. O resultado hipotético desta represaIriri, calculada em alguma prancheta há mais devinte anos, é que o rio Curuá também ficaria, comoo seu irmão maior, Iriri, metade represado. Paraquem mora rio acima, isto influiria bastante napesca. De todo modo, como nas demais represashipotéticas aqui mencionadas, exigiria dos mora-dores uma convivência hoje desconhecida, com aproximidade de uma nova massa d’água muitoextensa, cuja área superficial e cujas profundida-des seriam bem variáveis ao longo do ano, e con-forme o modo de operação da projetada usina.

Xingu e seu irmão Iriri, construindo seis obrasenormes - seria obtida num trecho a partir daconfluência do Iriri, daí para baixo. Isto, prova-velmente por duas razões: primeira, o acréscimode vazão do Xingu pela contribuição do Iriri deveser, no período em que o rio enche, de Dezem-bro a Maio, da ordem de 40% da sua vazão antesde receber o afluente; segunda, o desnível dacorrenteza inicialmente pequeno, abaixo destaconfluência, passa por Altamira, e se acelera abai-xo da cidade, onde o rio faz uma manobra “radi-cal”, vinha no rumo Nordeste, se vira para o Sul,se retorce de novo e termina rumando para oNorte, é a Volta Grande.

Eis o atrativo (!) para os calculistas do setor elétri-co: uma queda natural em várias etapas, ao longode uns 400 km de rio, com desnível natural de unscem metros, e que seria, ampliada para uma quedaartificial de 150 metros, em duas etapas, por meio dedois paredões:

o 1º paredão vencendo um desnível natural de 90metros (Usina Kararaô, depois Belo Monte);

o 2º paredão mais acima, e neste caso, seria um des-nível completamente criado, de 60 metros (eixo eusina Babaquara, hoje chamada usina Altamira)26.

As vazões mínimas estimadas para o rio Xingu notrecho da ilha Babaquara, a partir das mediçõesem Altamira, seriam menores que 800 m3/segun-do e as máximas seriam maiores de 32.000 m3/segundo. Como a altura da barragem é exageradapara um trecho de rio praticamente em uma pla-nície com ondulações e colinas, o resultado é queo armazenamento de água bate recordes em ter-mos de engenharia: 47 km3 na baixa (cota 142 m),para 143,5 km3 na alta (cota 165 m); ao quêcorresponderia certamente uma trágica coleção derecordes também de destruição ambiental.

Babaquara seria, sozinho, o terceiro maior pro-jeto em toda a bacia amazônica e no país em ter-mos de capacidade instalada (os dois maioresprojetos para os rios brasileiros eram os da usi-na Kararaô prevista para 11.000 MW e da usinaItaituba, no Tapajós, com 13.000 MW). A repre-sa da famosa usina hipotética Babaquara seria amais extensa do país e a segunda mais extensano Mundo.27

Com a cota máxima da represa projetada em 165metros de altitude, o paredão de quase 10 kmbarrando o rio e a planície, seria construído numponto a pouco mais de dez km rio acima da ci-dade de Altamira, no meio de um longo trechoem que o rio chega se espraiando por entre um

O maior reservatório e a mais cara de todas usi-nas, Babaquara, fechando a foz do Iriri no Xingu,alagando trechos de várias Terras Indígenas e umaFloresta Nacional

A Eletronorte devidamente instruída pelo relató-rio de inventário hidrelétrico feito em 1980 peloCNEC – Camargo Correa, anunciava, em 1988,que 70% da potência total prevista - ou seja - 70%da eletricidade que se poderia arrancar do rio

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extenso arquipélago com ilhas de aluvião eentrecortado de pedrais, que seria alagado daíaté a foz do Iriri.

Ali a represa abriria dois longos e amplos braços,um prosseguindo pelo Xingu para o Sul, e outropelo Iriri para Oeste. No ramo Sul, as águas re-presadas entrariam pelo igarapé Ipiaçava no in-terior da TI Terra Indígena Koatinemo, onde vi-vem os Assurini, 91 deles em 1999. A represa ala-garia também terras ribeirinhas na TI dos Arawetédo Ipixuna, com 269 moradores no ano de 2000,a água cobrindo sua aldeia e entrando peloigarapé Ipixuna. A represa iria pelo Xingu aci-ma, até a foz do rio Pardo, ao sul do paralelo 5graus, perto da terceira barragem prevista(Ipixuna, a montante).

A hipotética mega–represa amazônica teria tam-bém um outro braço de mesma dimensão paraOeste, subindo pelo rio Iriri desde sua foz, ala-gando terras da TI Kararaô (28 pessoas deste gru-po cf Funai Altamira, em 1998) na margem di-reita, e atingindo terras ribeirinhas na margemesquerda do Iriri nas duas TI Arara, (num totalde 200 moradores), provavelmente inundandototalmente ou inviabilizando três aldeias, e indoaté perto do meridiano 56 graus, na CachoeiraSeca, onde seria o paredão da quarta usina pre-vista, Iriri.

Como tudo neste aproveitamento integral do Xin-gu decorre justamente da idéia fixa de obter amáxima potência, escolheram elevar o “paredão”para que a represa de Babaquara ficasse na cota166 metros – que seria a melhor opção para re-gularizar a vazão dos dois grandes rios, e para au-mentar, na usina seguinte, rio abaixo, seja Kararaôseja Belo Monte, o aproveitamento da potênciahidráulica e da eletricidade fornecida ao longodo ano.

Quando a Eletronorte anunciou os seus projetosem 1988, dando grande destaque às duas maioresusinas, Kararaô e Babaquara, já se sabia que oscustos de investimentos de Babaquara eram mui-to grandes, e uma das razões era exatamente anecessidade de se construir 48 km de barragens,pois além dos paredões principais, muitos diqueslaterais seriam exigidos para conter o extravaza-mento para as bacias fluviais vizinhas.

Com tantos paredões, a movimentação de concre-to e de enrocamento terra-rocha exigiria um volu-me de 170 milhões de m3, enquanto a barragembrasileira de maior volume de paredões constru-ídos, a de Tucuruí, significou 70 milhões de m3.

E tudo isto resultou nos números recordes de Ba-baquara: seria o maior alagamento do país, e aomesmo tempo, teria um índice de custo muito ele-vado, estimado então em 916 dólares por kilowattinstalado (custo sem os juros após a construção esem investimento em transmissão), portanto, uminvestimento de 6 bilhões de dólares.

Entretanto, as razões explicadas sempre comaquele jargão técnico de engenharia ou de eco-nomia, às vezes não passam pela lógica elemen-tar da dinâmica dos fatos físicos, nem resistem aqualquer comentário fundamento sobre as incer-tezas sempre presentes, nem sempre sabidas...esobre a maior ou menor confiabilidade das má-quinas e dos humanos.

Para o leigo, se 70 % do aproveitamento estari-am nestas duas obras, nesta Volta Grande transfi-gurada em dois imensos paredões, uma granderepresa e outra enorme, seria correta fazê-las an-tes das demais. Errado, pois em muitas regiões,começou-se pela usina “mais alta”, e em seguida,as outras que foram sendo feitas rio abaixo, tive-ram melhor aproveitamento, cada uma delas, etambém em sua produção conjunta de energia, esob condições operacionais previstas econcatenadas para tanto.

Errado também, elas só representam 70 % do to-tal inventariado, se todas as outras cinco barragensestiverem feitas, as usinas funcionando, pois sãoas represas rio acima que controlam em parte ofluxo de água que enche as duas represas maisbaixas (Babaquara e Belo Monte) para que pos-sam de fato turbinar a plena carga.

Agora, as duas represas são obras distintas, podemser feitas em qualquer ordem. Pela lógica parcialdo retorno do investimento, se faria primeiro amais barata (Kararaô ou Belo Monte), e, com arenda desta se poderia fazer a segunda, mais cara.Errado de novo, pois a usina debaixo só gerariaenergia de forma rentável ao longo do tempo seexistir a represa de cima, (Babaquara), com gran-de volume d’água acumulado, prevista e instruídapara operar visando a regularização das vazões quechegariam na represa rio abaixo.

O quebra-cabeça se presta a muita confusão edesinformação. Pelo menos para este nosso livro,fique certo que não acreditamos nunca que “ape-nas uma” destas duas usinas será feita. Quem o afir-ma, está deliberadamente escondendo a lógicaeconômica baseada na contingência hidrológicado rio...ou então, é porque acreditou no que disseo “lobby” atual do projeto Belo Monte.

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Belo Monte, ex-Kararaô: Kaiapó em guerra, Juru-na ameaçados, e os desaldeiados

Nos anos de 1915 a 20, quando um estudioso pio-neiro, o antropólogo austríaco Curt Nimuendajuestabeleceu contato com os grupos indígenasXipaia do baixo e médio Xingu, ele desenhou emum mapa o seu percurso, a região entorno, e ogrande meandro do rio (que ainda não se chama-va “Volta Grande” ) em cujo trecho final, onde ofluxo da correnteza aponta novamente para oNorte, ele escreveu “ Salto Itamaracá”.28 Assinalouas únicas localidades urbanas da época, na conflu-ência do Xingu com o Amazonas: Porto de Moz, rioacima, na margem direita do trecho bem largo, avila Souzel (hoje seria a cidade de Senador JoséPorfírio, nome de outro dos coronéis mandantesde tudo no baixo Xingu); o último porto antes do

trecho encachoeirado, Vitória do Xingu, e o primei-ro porto no trecho acima das cachoeiras, a vila deAltamira.

Em um recanto da margem esquerda, cercada demorros e platôs baixos, em frente a uma das gran-des ilhas do Xingu, a Arapujá, a cidade fica no pri-meiro “cotovelo” onde o traçado do rio que vinhadescendo no rumo quase Nordeste quebra para oLeste e depois para o Sul, como se estivesse voltan-do em direção às suas nascentes. Rio abaixo umlongo trecho de ilhas aluvionais, depois morros erochedos no meio e na barranca do rio, a larguraaumenta e a profundidade diminui, começam ospedrais intermináveis, e vão se preparando as que-das. Uma esquina abrupta e um novo rumo da ca-lha do rio, para o Nordeste, o piso é de lajes ro-chosas que cruzam quase toda a largura do rio; éum trecho com grandes ilhas algumas também ro-chosas, próximo da Terra Indígena Paquiçamba,abaixo da foz do rio Bacajá; descendo mais vêm asgrandes cachoeiras, a primeira delas a Cachoeirado Jericoá, altura relativamente pequena, 12 a 15metros, mas uma largura extraordinária, mais de5 km. É apenas a primeira de uma série de cincoou seis. Talvez o Salto Itamaracá assinalado porNimuendaju seja um outro nome para alguma dasduas últimas cachoeiras, chamadas agora a Assas-sina e a da Baleia.

E ali, após a ultima correnteza mortal, formou-seum poção, dizem, descomunal. Lá onde começa a

Cachoeira Jericoá volta grande do XinguO, Sewá out 2003

UHE projetada: Kararaô, depois Belo Monte

Capacidade instalada: 8.400 MW, depois

11.000 MW, depois 11.181 MW,

depois 5.681 MW

Reservatório: áreas estimadas 897 km2

na cota 90 m, a 1225 km2 na cota 96

(projeto inicial Kararaô), depois da alteração

da configuração feita em 1997: 470 km2

Volume: 3,8 bilhões de m3

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“ria” do Xingu: a água já fica abaixo da cota 10metros de altitude, o rio se prepara para escorrermais lentamente até confluir, mas tem dezenas demetros de profundidade.

Foi este desnível de oitenta e cinco a noventametros entre Altamira e o final da Volta Grande,abaixo de Belo Monte do Pontal, que despertou oímpeto dos engenheiros calculistas, tratava-se, semdúvida, de um belo potencial hidráulico.

Todos ali sabem, e os instrumentos também me-dem e acusam, uma respeitável diferença entre seuvolume de água em Outubro (bem pequeno parao tamanho do rio, dos arquipélagos e corredeiras,que ficam algumas secas) - e em Março, Abril, quan-do o nível do Xingu sobe vários metros, a água seesparrama, entra pelos igarapés, o rio fica cauda-loso no canal central e torrencial, violento nosboqueirões das lajes e nos estreitos formados pormorrotes das ilhas e das margens.

Imaginando que o Xingu fosse barrado e, de al-guma forma fosse obtida uma queda com esta al-tura, (a represa na cota 97 ou 98 metros, e a saí-da da água turbinada, no baixo Xingu, na cota 6a 10 metros), turbinando a vazão portentosa demais de 10 mil m3/segundo (um pouco acima dasmédias anuais das vazões mensais), os primeiros

cálculos apontaram uma potência de 8.400 MWa instalar. Depois, engenheiros e financistasdimensionaram a capacidade total em 11.000 MW.Esta potência exigiria uma vazão de 14.000 m3/s,que em geral só é atingida durante 3 a 4 mesesdo ano.

A represa que seria formada com o barramentoKararaô, (que foi então escolhido bem em cimado trecho encachoeirado abaixo da 1ª grande ca-choeira, a Jericoá) ocuparia quando cheia até uns1200 km2, afetando bastante toda a faixa ribeiri-nha no lado de dentro da Volta Grande, a mar-gem esquerda do Xingu, desde os igarapés deMaria e Gaioso, abaixo de Altamira - até a aldeiaPaquiçamba e daí em diante até se completar avolta do rio.

Na margem direita, a represa projetada avançariadezenas de km adentro pelos rios afluentes, inclu-indo o maior deles, o Bacajá. Pelas duas margens,a água ficaria represada em toda a calha do Xin-gu, transbordadas, segurando os igarapés lá emcima bem antes de suas barras atuais, inclusive naárea urbana de Altamira, onde teriam que ser re-movidos os pontões, palafitas e passarelas que fi-cam abaixo ou próximo da cota máxima, anuncia-da como 98 metros, às vezes 97 metros.

Usina Hidrelétrica de TucuruíAguirre/Switkes/AMAZÔNIA

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Esta lâmina d’água, que nas beiradas seria bemrasa, quase um manguezal, um pantanal, se esten-deria ainda muitos km e muitas ilhas e praias rioacima até bem perto do paredão seguinte, a usinaprojetada Babaquara.

Após a primeira derrota dos seus projetos, em 1989,a Eletronorte continuou trabalhando em cima desua “cria” predileta, o mega-projeto Belo Monte.Reapresentou-o em 1997 com uma modificação noarranjo: deslocou o eixo do principal paredão paraum trecho mais alto, na Ilha do Pimental, e alte-rou bastante os canais de ligação da represa com aCasa de Força que continuaria sendo lá em baixo,na margem esquerda, entre as localidades de BeloMonte do Pontal e de Vitória do Xingu.

As mudança feitas pelos engenheiros subtraiu defato, mais de 700 km2 da área inicial a ser inunda-da, e ao invés de quase afogar os Juruna, deixariaa aldeia no trecho do rio abaixo do paredão dabarragem Pimental. No trecho fluvial que ficariapor muitos meses bastante baixo, por causa daretenção da água na represa e do seu desvio pe-los canais. A mesma mudança “de represa” nãoaltera a potência prevista para instalar na casa deforça principal, vai além, e cria uma usina secun-dária com mais 181 MW, pela qual seria turbina-da, mesmo nos meses secos, uma “vazão ecológi-ca”, fixada e fiscalizada, naturalmente, pela pró-pria Eletronorte.

Dentre os que mais seriam atingidos pelo projetoBelo Monte, estão os índios Jurunas que, em 1988,eram 35 pessoas na aldeia Paquiçamba, na mar-gem esquerda do Xingu, naquele trecho de arqui-pélagos, furos e paranás, corredeiras e pedrais. Naversão remodelada, esta T.I. se tornaria uma ilhaoriginal, cercada pela água da represa no ladoNorte e, do outro, por um trecho de rio com avazão bastante diminuída em todas as épocas doano, quase seco de uma vez no verão amazônico.

Esta aldeia Juruna, onde mora o único grupo deíndios reconhecido pela Eletronorte, pode vir aser transformada em uma “vitrine” para os visitan-tes; bastaria que prevalecesse a mesma orientaçãoque teve a Eletronorte com os Waimiri - Atroaridesalojados e depois re-assentados na represa deBalbina, rio Uatumã, AM, e com os Parakanã, idempor causa da represa de Tucuruí.

Mas haveria também os demais, que saíram de suasaldeias, ou cujos pais o fizeram, e que estãodesaldeiados, e são beiradeiros do Xingu na VoltaGrande. A antropóloga Lúcia Andrade, da CPI-SP,que os conheceu na época em que se anunciou o

primeiro projeto de usina, em 1988, estimava a po-pulação indígena da região da Volta Grande em100 pessoas incluindo as que estão dentro da terraPaquiçamba, e as que vivem ali perto em ilhas e namargem direita do Xingu, e alguns grupos que seurbanizaram, morando na Vila São Sebastião, bair-ro Recreio, em Altamira, junto com grupos de ín-dios Xipaia e Curuaia.29

O CIMI – Conselho Indigenista Missionário, deAltamira registra, em 2003, um total de quase 400pessoas, agrupadas em dezenas de famílias Xipaia,Curuaia, Caiapó, e em um aldeamento de índiosArara do Pará, um povo que se espalha nas duasbeiras do Xingu e nas ilhas da Volta Grande, espe-cialmente nas localidades Ilha da Fazenda e Maias,- os quais seriam certamente atingidos pela forma-ção daquela represa do primeiro projeto, pois osseus locais atuais seriam alagados mesmo, ou fica-riam à beira do futuro “lago”. Ou então, poderi-am ser prejudicados também pela interrupção deacessos e percursos, por causa da proximidade comcanteiros de obras, vias de acesso e com a monta-gem de torres e linhas de transmissão, e pelo ala-gamento de igarapés.

Mesmo mudando o nome da usina para Belo Mon-te e mudando o eixo do barramento para a IlhaPimental, muitos ainda seriam atingidos pela mu-dança do regime do rio Xingu e dos afluentes queali desembocam, exatamente no trecho que fica-ria mais tempo mais seco, abaixo do vertedouroprincipal ali previsto; e isto teria repercussões apósa lendária Cachoeira Itamaracá, no final dascorredeiras, no “poção” defronte à vila de Belo Mon-te do Pontal.

Uma outra TI importante na região, chamada Trin-cheira - Bacajá, onde moravam 382 pessoas dosgrupos Xicrin, Kararaô, Parakanã, Araweté eAsurini do Xingu, estava muito ameaçada pois orepresamento do rio Bacajá avançaria até uma dasaldeias, a da Trincheira.30 Por isto, o engenheiroMuniz, já como presidente da Eletronorte, podiadeclarar no início de 2000:

“Na primeira versão do projeto, se o lago ficasse com 1,2mil km2, isto praticamente significaria a morte do rioBacajá, um afluente do Xingu. Com a redefinição doprojeto, a Eletronorte garante que o Bacajá, para alíviodos ambientalistas, não será comprometido”31

O que também não é a previsão correta: com oredesenho da represa, o Bacajá passaria a desaguarno trecho em que o Xingu teria de 15% a menosde 50% de sua vazão natural, e portanto, o seu tre-cho final poderia sofrer mudanças drásticas na

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dinâmica fluvial (p.ex. escoando mais rápido,erodindo mais as barrancas, não preenchendo la-goas e várzeas marginais).

O histórico continua: até a segunda derrota da Ele-tronorte (1989-2002)

Uma das miragens tecnocráticas dos anos 1980:duas mega-hidrelétricas Kararaô e Babaquara,previstas para instalar mais de 17 milhões de kW,duas grandes represas somando mais de sete milkm quadrados de alagamento, centenas de kmde barrancas de grandes rios alagados na“forquilha” formada pela confluência do rio Iririno Xingu, dali até o final da Volta Grande. Apósiniciado e tornado irreversível o grande e longocanteiro de obras de Tucuruí, esta nova miragemtornou-se o carro-chefe da investida dosbarrageiros na Amazônia: barrado o Tocantins, queseja agora o Xingu!

Este “complexo hidrelétrico de Altamira” (ocodinome prestigiando a cidade beira –rio queficaria praticamente espremida entre a represade Kararaô e o paredão de quase 70 metros deBabaquara), foi o primeiro “projetão” da empre-sa Eletronorte a ser fortemente questionado porvários agentes sociais e políticos, dentro e fora daregião e do país. A primeira derrota dos projetosde usinas hidrelétricas no rio Xingu não foi ex-plicitamente assumida pela empresa nem pelo go-verno federal.

Essa atitude: ser derrotado e nem mesmoreconhecer...fazia muito sentido no ambiente po-lítico em que viveu o país na década de 1980. Seantes foram feitos, sem qualquer limitação ou cons-trangimento inicial, projetos igualmente danosose insensatos – Tucuruí, no Pará, Balbina, no Ama-zonas, Samuel em Rondônia – se foram conduzi-dos pela mesma empresa Eletronorte e pelas mes-mas grandes empreiteiras (Camargo Correa,Andrade Gutierrez, CBPO e outras) - em 1988, 89já não seria tão evidente! O primeiro sinal de quea Eletronorte recebera um golpe - e não apenasum engenheiro havia tido as bochechas apertadaspor um facão - foi a mudança de nome, um tipode manobra que a empresa ainda faria outras ve-zes, confundindo a opinião pública e atrapalhan-do a formação das bases de informações e de da-dos técnicos.

O projeto Kararaô se chamaria agora Belo Monte,registrando assim, singelamente o nome de duasvilas da rodovia Transamazônica, onde se toma oferry-boat para transpor o rio Xingu, entre a margem

direita (Belo Monte do Pontal) e a margem esquer-da (Santo Antonio do Belo Monte).32

Não vivíamos mais, formalmente, numa ditaduramilitar. Já havíamos saído às ruas, numerosos e porvárias vezes; em 1988, uma nova Constituição ha-via sido costurada sob a maestria do deputadoUlysses Guimarães (PMDB), e em Outubro de 1989votaríamos, após um jejum de 29 anos, para presi-dente da República! Na Constituição foram ins-critos artigos específicos a respeito do meio ambi-ente (artigo 225) e dos povos indígenas (artigo231), comentados em seguida.

Não fique a impressão de que nada foi feito pelaempresa e pelo “lobby” barrageiro desde a pri-meira derrota, até o seu primeiro ressurgimen-to, em 1998-99, na campanha eleitoral de 1998e nos primeiros meses do segundo mandato Car-doso-Maciel.

A empresa gastou muitas homens-Hora de traba-lho técnico, teve despesas de todo tipo, salários,contratos e subcontratos, acampamentos e missõesterritoriais variadas, além de certa dose de gastosem publicidade, propaganda e relações públicasna região, em Belém, em SP e outras capitais, e noexterior. Conforme pudemos deduzir da leitura dodocumento técnico relevante mais recente33, aempresa veio detalhando bastante o chamado “pro-jeto de engenharia básica”, sempre com base nosdelineamentos do documento mais antigo de to-dos, o Inventário Hidrelétrico do Xingu, uma en-comenda da Eletronorte, feita pelo escritórioCNEC, da Camargo Correa, SP, em 1980.

Até 1999, a empresa foi, às vezes discretamente,intensificando a implantação do projeto: fez mo-dificações geográficas e técnicas relevantes no pro-jeto, rebatizou-o pela 2ª vez, agora seria o Com-plexo Hidrelétrico de Belo Monte (CHBM), so-mente com as obras da 1ª usina na Volta Grande.E aumentou um pouco a confusão das denomina-ções: passou a chamar de Usina ou Aproveitamen-to Altamira a anterior usina Babaquara.

Contudo, não havia elaborado nem contratadoa elaboração de um Estudo prévio de ImpactoAmbiental, portanto, nem tinha como cumpriro que era exigido desde fins de 1988, pelo artigo225 da Constituição Federal: atividades potencial-mente poluidoras e degradantes do meio ambi-ente devem obter suas licenças ambientais e paratanto devem apresentar aos organismoslicenciadores os respectivos Estudos Prévios deImpacto Ambiental. E, quanto ao artigo 231 daC. F., que exigia que as minerações e as obras de

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hidrelétricas em Terras Indígenas fossem auto-rizadas pelos próprios índios ameaçados pelasobras e pelo Congresso Nacional - a Eletronortetentou contorná-lo quando redesenhou o pro-jeto Belo Monte, colocando o barramento prin-cipal nas Ilhas Pimental e da Serra, uns 50 kmrio acima da posição anterior, abaixo da grandecachoeira, Jericoá.

Geograficamente, a área da T.I. Paquissamba, dosíndios Juruna, deixaria de ficar submersa para fi-car no trecho “seco” da Volta Grande, onde as va-zões seriam sempre bem inferiores às médias his-toricamente observadas.

Assim a empresa pode, até hoje, esgrimir o argu-mento de que “não há Terras Indígenas atingidas”pelas obras de Belo Monte.34 Quanto aos indíge-nas da região que seriam atingidos, muitos maisdo que os 40 ou 50 Juruna que a Eletronorte reco-nhece como residentes na T.I. Paquissamba e diznão estarem ameaçados pelas obras, a empresamesmo sabia, graças aos estudos do CNEC no fi-nal dos anos 1970, dessas populações debeiradeiros em toda a Volta Grande. Após essamanobra de re-localização do eixo do barramentoe do “by-pass” geográfico na única T.I. homologa-da daquele trecho de rio, a empresa passou a ten-tar descaracterizar os demais índios ou seus des-cendentes que por ali estivessem desgarrados desuas aldeias, inclusive os moradores da área urba-na de Altamira.35

Fomos informados repetidas vezes a respeito demilhares de beiradeiros que mantêm contatos co-tidianos, de interesse familiar, previdenciário e deatendimento de saúde, educacional e comercialcom Altamira, mesmo residindo 50 km ou mais riobaixo ou rio acima da cidade. Sabemos ainda que,no trecho que seria afetado pela represa de BeloMonte ou pela parte seca do rio abaixo da IlhaPimental, quase 400 moradores indígenas dasetnias Xipaia, Curuaia, Arara, Juruna e Kaiapó fo-ram recentemente cadastrados pelos técnicos lo-cais do CIMI - Conselho Indigenista Missionário.36

O fato é que o lobby barrageiro na Amazônia semanteve numa corda bamba neste longo período:obteve novos trunfos, sim, mas carrega passivosmais pesados do que antes. A Eletronorte esten-deu sua linha de 230 mil volts desde Tucuruí atéas cidades de Novo Repartimento, Anapu, Altamira,Medicilândia, Uruará e Rurópolis, ao longo de cen-tenas de km da Transamazônica, e dali dois circui-tos de 138 kV para Itaituba e para Santarém, comisto atendendo uma das principais demandas daregião. Vale lembrar que uma das correntes mais

fortes na movimentação em Altamira em 1989 ti-nha como lema “Linhão sim, barragem não!”

Como acontece em toda empresa de eletricidade,foi a partir da derrota de 1989, que os dirigentes egerentes da Eletronorte passaram a fazer políticanos municípios, a interferir bastante; mandaramseus assessores e contratados percorrer a área, sehospedar nos hotéis, alugar barcos e aviões. Emmeados dos anos 1990, decidiram marcar presen-ça, começaram a promover excursões para os es-colares, professores, pescadores, índios, em roma-ria de visitação à usina e ao “lago” de Tucuruí.

Organizavam reuniões com vereadores e prefei-tos e os estimulavam com promessas de royaltiesque engordariam os orçamentos das prefeituras,e de oportunidades de negócios e serviços paraquando os canteiros de obra se instalassem. Agin-do em várias frentes, a empresa e seus contratadosintensificam o mapeamento das lideranças locais,para em seguida passar a assediar algumas delasem prol de um cooptação, de uma mudança depostura pública, passando das posições divergen-tes ou contrárias à obra para uma posição de ne-gociação, de apoio, e talvez até de “parceria” comos empreendedores! Por volta de 1998, 1999, aEletronorte, derrotada dez anos antes, se recom-punha, tornava-se um ente político regional emAltamira, nesta região da Transamazônica.37

Mas, havia o desgaste provocado pelos sucessivoserros na condução dos problemas e das providên-cias necessárias em Tucuruí, sua obra exemplar eanti-exemplar. Pouco podia diante da corrosão dasua imagem empresarial, pela disseminação de tan-tos problemas ambientais e sociais ali provocados,e não resolvidos, pendentes, ano após ano, algunsaté hoje.38

No segundo semestre de 2000 a Eletronorte fir-mou convênio de quase 4 milhões de reais com aFadesp, fundação ligada à Universidade Federaldo Pará, através da qual foram contratados pes-quisadores para elaboração do Estudo de Impac-to Ambiental.39 As condições desse convênio e atentativa de obter a licença ambiental apenas noâmbito paraense, da Secretaria estadual deTecnologia e Meio Ambiente, motivaram a aber-tura de uma Ação Civil Pública. A decisão judicial,uma liminar embargando o EIA, suspendendo oprocesso de licenciamento, foi tomada pelo juizRubens Rollo de Oliveira, da Justiça Federal emBelém, em maio de 2001.

No mês de agosto, um evento traumático para omovimento popular e para as entidades regionais

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que reagrupam assentados, pequenos fazendeiros,comunidades rurais: o assassinato de seu líderAdemir Federici, o Dema. Mesmo que tenha sidopor encomenda de madeireiros por ele denuncia-dos, e não por encomenda do “lobby” barrageiro,o fato conhecido é que Dema criticava os projetosde barragens e incluía este ponto na sua luta polí-tica, em seus discursos.

Em Novembro, após ser confirmada a decisão ju-dicial pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região,em Brasília, a mesma liminar foi mantida na ulti-ma instância no Supremo Tribunal Federal.

Era a segunda derrota do projeto Belo Monte, emfins de 2002.40

A finalidade da obra em si continuava obscura,fugidia, sobretudo porque eram intensas as críti-cas em cima da usina de Tucuruí, por causa tam-bém do prejuízo que o país estava tendo com oscontratos de preços obtidos pelas industrias de alu-mínio que se instalaram em Belém e em São Luís.

Ficava sempre mal definida, nos informes oficiaise nos discursos de palanque, a destinação da ele-tricidade prometida pelo projeto Belo Monte, comprevisão de instalar 11.182 Megawatts na versão quevigorou entre 1998 e outubro de 2003.

Em 2001, a partir de fevereiro e março de um Ve-rão pouco chuvoso, ficou claro que o sistema Su-deste - Centro Oeste e o sistema Nordeste de ele-tricidade passavam por uma crise de oferta de ele-tricidade, em parte relacionada com uma crise deoferta “de água para turbinar nas usinas existen-tes na bacia do Paraná e do São Francisco” e emparte relacionada com insuficiências no sistema detransmissão inter-regional. Foi quando osbarrageiros reapresentaram Belo Monte como “asalvação do país”, e por isto, reivindicavam que os“empecilhos” fossem removidos e que as obrascomo estas pudessem iniciar o quanto antes!41 42

Localmente, a Eletronorte tentava contornar a se-gunda derrota pondo em campo mais gente. Des-ta vez, contratou um núcleo de pesquisa da Uni-versidade de Brasília, o Centro de DesenvolvimentoSustentável, para ir a campo com a missão de aper-feiçoar os mecanismos de “inserção regional” doseu mega-projeto. Na prática porém prosseguiu ocerco, o assédio às lideranças e à opinião pública.

A empresa adquiriu ou alugou prédios em Altami-ra, em pontos nobres da avenida Beira Rio, lugarmais freqüentado da cidade nas noites e finais desemana. Num deles construiu um tipo centro cul-tural, com micro-computadores e ligações de

internet para uso dos “excluídos digitais”; enquan-to no calçadão em frente, erigeu um quiosque,onde instalou uma maquete grande, vários metrosquadrados, do seu projeto alagando boa parte daVolta Grande...que era, certamente, para o povoir se acostumando àquela futura paisagem.

Noutro prédio em rua mais comercial, próximade prédios públicos, instalou a sede de um “Con-sórcio Belo Monte”, formado pelos prefeitos dosmunicípios de uma região fictícia definida como“de influência” da mega-obra, os quais teriam di-reito, no futuro aos “royalties” que a lei obriga ashidrelétricas a pagar às prefeituras que tiveramterras ocupadas pelas obras e pela represa.

É toda uma construção ideológica e institucionalque vai avançando, se enredando nas forças locaise fazendo links com as forças “de fora”; até na pre-visão meteorológica numa TV aberta estadual apa-rece a temperatura e a chuva na localidade BeloMonte, omitidas algumas cidades importantes doPará. Algo que nos faz recordar o percurso feitonas ultimas décadas para se tentar criar uma re-gião “do Carajás”, cujo núcleo seria o impérioterritorial da CVRD englobando também as áreasindustriais e portuárias ao Sul de Belém e na Ilhade São Luís. Conforme o veredicto do antropólo-go Alfredo Wagner B. Almeida em seu mapeamen-to dos conflitos em toda a região:

“O ‘espaço’ na versão dos planejadores corresponde ao des-conhecimento e ao descaso das realidades localizadas. Desteprisma, a região é inteiramente naturalizada pelo pensamentotecnocrático, endossando a arbitrariedade da delimitação. Aúnica identidade que lhe corresponde é aquela forjada nossuportes técnicos às iniciativas empresariais mencionadas.Não há quem se auto-defina como vivendo, morando, traba-lhando ou de passagem por esta região inventada nos gabi-netes definidores de estratégias empresariais. O sentimentode pertencer a ela só surge forte na solicitação de incentivosfiscais e creditícios. A denominação ‘Carajás’ por conseguin-te torna-se recorrente na razão social de hotéis, agropecuárias,madeireiras, estabelecimentos comerciais e projetosincentivados”.(p.28/29)

Atualizando: de 2002 a 2004, a terceira tentativados barrageiros e dos “eletrointensivos”, e as ra-zões da discordância e do repúdio ao barramentodo Xingu

Desde as eleições de 1998, a polarização política naregião de Altamira, e no Pará colocava os partidári-os do projeto megalômano da Eletronorte juntocom o governo do Pará (na época, Almir Gabriel,do PSDB) e com o grupo do PFL que tomou contado Ministério das Minas e Energia no governo Car-doso-Maciel - e do outro lado, os “contrários ao Belo

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Monte”: lideranças indígenas, entidades de extrati-vistas, de trabalhadores e de moradores de assenta-mentos rurais, algumas delas ligadas à Igreja Cató-lica através da CPT e de outras ações pastorais, ou-tras com a presença forte ou dominante de militan-tes dos Partido dos Trabalhadores, outras ligadasaos movimentos de atingidos de barragens de ou-tros regiões, à Contag e à CUT.

Por um momento, durante o ano de 2002, osparaenses e os que de longe acompanham o casotiveram a sensação de que uma vitória do candida-to Lula em 2002 poderia sepultar o projeto BeloMonte e os demais, de vez. Seria um alívio paratanta gente, que pudessem cuidar dos projetos quelhes interessam de perto, no dia a dia, viver, pre-servar, produzir, e não ser infernizado por essemeteoro caído sobre suas cabeças. Mas não!43

Uma das razões é que, vinte anos depois, o agorasenador Sarney e aliado do governo Lula, pareceter persuadido a cúpula federal da importância eda excelente oportunidade do projeto Belo Mon-te. No mínimo, mostrou que ainda comandava oseu feudo, tendo recentemente conduzido a trocade presidente da empresa “holding” Eletrobrás,que é a acionista principal da Eletronorte.44

Todavia, esses “novos” dirigentes já tiveram que re-conhecer que o rio não fornecerá a potência ne-cessária para a instalação dos 11.000 MW, e que aEletronorte não tendrá como bancar sozinha o in-vestimento, que precisam ser atraídos investidorespara se associar, além de uma parte do financia-mento ser assegurada pelo banco estatal BNDES.45

De tal modo que a saída agora apontada comonatural é a formação de um consórcio de grupospoderosos, capazes de alavancar o financiamento:as empreiteiras Camargo Correa e Andrade Guti-errez, as fabricantes de equipamento pesadoAlstom, Asea Brown Boveri, General Eletric e VoithSiemens, e grupos capazes de contratar a comprade alguns pacotes de eletricidade de bom tama-nho, como as empresas mineradoras emetalúrgicas como a Alcoa, a CVRD, a australianaBhpBilliton.

O atual governo delineou também a participaçãoacionária das ainda poderosas estatais Furnas eChesf - a Eletronorte seria uma sócia menor desseConsórcio Brasil 46. Pelo visto, restará a ela continu-ar a fazer o serviço político local, de dobrar os re-sistentes, de embolsar os descontentes, e de fomen-tar os apoiadores. Talvez viesse a administrar a sua“inserção regional”, por meio de uma “special purposecompany”, tudo dentro de seu delírio de poder re-gional, de sua obsessão em se tornar - como a “Vale”

fez com o seu Carajás - um Estado dentro do Esta-do do Pará.

A novidade nesta terceira tentativa não é tanto queos políticos do Partido dos Trabalhadores estejamse tornando favoráveis aos projetos no rio Xingu etambém aos anunciados para o rio Madeira, emRondônia. A novidade agora é algo bem mais es-tratégico, pois podemos ter mais certeza de quemiria operar a usina – não seria a Eletronorte sozi-nha, nem majoritária - e de quem vai usar a eletri-cidade dessa obra, se acaso um dia ela chegar a serfeita – não será o “resto do país”, nem o Nordesteà beira da crise, muito menos a malha elétricaCentro Oeste Sudeste. E sim as indústrias eletro-intensivas que já comandam esse mesmo espetá-culo pelo mundo afora há um século.

As razões da primeira discordância continuam depé, desde 1988, 89, quando o antropólogo DarrellPosey levou os caciques Kube I e Paiakan a NewYork para audiência junto ao Banco Mundial e àsONGs, e desde quando o mundo viu Tu Ira comseu terçado nas bochechas do engenheiro Muniz.47

Os conflitos provocados pelas empresas de eletri-cidade ao anunciar obras que alagam ou afetamdiretamente Terras Indígenas vão pipocando,muito além da região amazônica, por exemplo nasbacias dos rios Paraná, Tibagi e Iguaçu e em obrasna Argentina.

Problemas que foram assim apontados em umacompilação de pesquisas recentes pelos antropó-logos Silvio Coelho dos Santos e Aneliese Nacke48:

“Como visto, o envolvimento tardio de antropólogos e ou-tros especialistas não conduziu às reorientações necessáriasnos procedimentos que as empresas vinham tendo para comaos indígenas. A atuação do órgão de assistência, a Funai,sintonizada com os interesses das empresas do setor elétrico,nos casos em questão, dificilmente poderia ter sido pior. Issopermitiu a apropriação das terras indígenas; a protelação doprocesso de regularização dessas terras; a colaboração, semcrítica, na transferência compulsória das populações afeta-das; a negligência na adequada negociação das compensa-ções pelos prejuízos; e, finalmente, a subordinação explícitado órgão às empresas do setor elétrico. As iniciativas visandoao reparo destas situações decorreram fundamentalmente depressões internas e externas, sempre tardias, e tendo efeitoslimitados.(...)Especificamente para as populações indígenas,todas as experiências vivenciadas em relação à implantaçãode projetos hidrelétricos foram desastrosas. As iniciativas demitigação dos prejuízos sempre foram parciais e de feitoslimitados, tendo as empresas do setor elétrico dificuldadesem realmente compreender as reais dimensões da questão.Mais recentemente, com o processo de privatização do setorelétrico, novas ameaças emergiram, especialmente devido àcrônica falta de compromisso das empresas privadas com adefesa dos interesses das minorias indígenas. Essa é a maiorrazão para que as terras indígenas fiquem efetivamente li-vres e fora do alcance dos projetos hidrelétricos.”.

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O fato de tais projetos no Xingu representaremmais uma frente de ameaças à Amazônia poderiaquestionar os seus anunciadores e defensores, masnão! A Amazônia como reserva de biodiversidade,de biomassa e de vida aquática vai cedendo espa-ço e vitalidade para a Amazônia supridora de me-tal e de eletricidade contida em metais e minériospara o mundo rico da Europa, EUA, Japão e ago-ra, também para a China.

Não resta mais dúvida também de que o Pará vaise transformando num enclave como os que exis-tem na Austrália, no Chile, na África do Sul, gran-des supridores da industria pesada mundial. Ohistoriador Pere Petit, ao correlacionar as elitespolíticas com os novos negócios dos recursos mi-nerais e hidrelétricos:

“Há relações econômicas entre algumas regiões com o merca-do internacional que, num determinado momento históricopodem ser de maior importância que as estabelecidas comoutras regiões ou estados do mesmo país – em decorrência daexpansão espacialmente desigual do sistema capitalista; veja-se por exemplo, a Amazônia brasileira durante o ciclo da bor-racha, e o atual `ciclo do minério´ no estado do Pará”.49

A imagem da Amazônia brasileira como “pulmão”do planeta não se justifica tecnicamente, pois aregião já contribui razoavelmente para aumentaros gases que acentuam o efeito estufa, por causa

Pedra gravada com inscrições, Volta Grande do Xingu.Oswaldo Sevá

das queimadas anuais, vinte mil km quadrados, oumais, a cada ano incluindo-se na conta as queima-das nas matas de terra firme e na transição para oscerrados do Planalto central.

Aumentou também o desmatamento conformese ampliaram as áreas mineradas e garimpadas,as aberturas das estradas e de uma longa ferroviaconstruída para o escoamento da produção mi-neral, a abertura de pistas de pouso e das faixaspara a passagem de Linhas de Transmissão de ele-tricidade para essas atividades. E, com a forma-ção de mais represas artificiais, vai aumentar bas-tante e durante prazos longos, trinta anos, oumais, a emissão de gases carbônicos e ácidos or-gânicos típicos da putrefação da massa orgânicano fundo das represas50.

A atitude dos barrageiros que escolheram desde1980 o rio Xingu como seu alvo, vai se tornando umtanto esquizofrênica, cada vez mais dissociada da re-alidade. Só o que lhes interessa no momento é:

“vencer a resistência de organizações ambientais e das co-munidades locais do Pará, para poder levar adiante a cons-trução da hidrelétrica” 51

Mas para isto, para levar adiante, eles têm que tor-nar atrativo e irreversível o seu negócio. Ou então,quem sabe? Estaria agora o governo se adaptando

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às exigências de alguma entidade financeira, a qual- já tendo avaliado os dados disponíveis, a maioriadeles já vencidos, trazidos de 1980 ou de 1988 parahoje, - poderia ter concluído que a obra é muitocara e que o retorno é pouco garantido. Por isto, oslobbistas insistem em atrair mais parceiros privados,por isto avisam que ficará mais barato, pois será fei-to apenas um canal de adução, e que serão encomen-dadas “somente” dez das enormes máquinas de 550MW cada, além é claro, de divulgar uma obscuradiminuição do sistema de transmissão. 52

O quê de fato temos pela frente, são projetos dis-tintos, que competem ou até conflitam entre si.São visões e propostas de distintos grupos de inte-resse e de distintas classes sociais para o mesmoespaço territorial, são demandas de utilizaçõesdistintas para os mesmos bens coletivos, e para osmesmos recursos públicos. No Vale do Xingu as-sim revisto, lá mesmo onde se pretende promo-ver novas e grandes alterações, vive-se em um tipode guerra social, eclodindo em todos os conflitoso direito aos recursos naturais, e em vários deles,atuando também causa de fundo étnico, bastan-te acirrado. A Natureza e as pessoas – as que alise reproduzem há muito tempo e as recém chega-das - estão à mercê de ações nefastas e de ameaçasseguidas, investidas de aventureiros impunes e de

empresas muito poderosas. Na essência, uma guer-ra de desiguais: aventureiros e empresas, livres paraagir, acobertados em seus desmandos, muito bemrepresentados na máquina pública em todas esfe-ras e instâncias de poder...enquanto o povo e osíndios só contam praticamente com eles mesmos,uns poucos abnegados que os ajudam, e partes damáquina pública, raras, que conseguem cumprirsua função. Defendemos e brigamos pela únicasaída honrosa, não criminosa diante da responsa-bilidade pela história humana e do planeta, que é* interromper a idéia de barrar o Xingu e demaisrios na Amazônia.

Sob a ditadura e diante do poderio dos cartéis in-ternacionais, não pudemos evitar que na Amazô-nia paraense fosse instalado um reduto da indús-tria eletrointensiva mundial.

Que possamos então limitar este avanço, e no fu-turo, revertê-lo!

Que a Eletronorte, destinada a ser uma sócia me-nor, e o Consórcio Brasil, ainda um fantasma do pro-vável operador da usina, possam desistir. Tenhamque desistir desse projeto Belo Monte.

Os índios é que decidirão! Os beiradeiros e osmoradores de Altamira e São Felix também!

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1 Sarney era então um político mara-nhense, ex-presidente da ARENA, opartido oficial da ditadura, governouo país pelo fato de ter sido o vice – pre-sidente do político mineiro TancredoNeves, eleito indiretamente em 1984,e falecido antes de sua posse. É bastan-te comentado que o clã político Sarneyfez da Eletronorte um dos seus feudosdentro da máquina federal, e sistema-ticamente indica seus diretores; domesmo modo teria feito na empresa deeletricidade estadual Cemar e naCVRD, enquanto foram estatais.

2 Quando a empresa escolheu os no-mes de seus projetos, Kararaô já era adenominação oficial de uma Terra In-dígena a Sudoeste de Altamira, perten-cente a um grupo Kaiapó, localizadano triângulo formado pela foz do rioIriri no rio Xingu... T.I. que não seriadiretamente atingida pela hipotéticarepresa que usurpou o seu nome e simpela outra represa projetada, denomi-nada Babaquara.

3 SANTOS e ANDRADE, orgs: “As hi-drelétricas do Xingu e os povos indí-genas”, Comissão Pro Índio de S.P.1988. Posteriormente foi publicadauma versão desse livro em língua in-glesa, pela Cultural Survival, Boston,MA. Dentre os estudiosos que colabo-raram com capítulos naquele livro, trêsdeles colaboram, dezesseis anos depois,nesse livro: os antropólogos Sônia Ma-galhães, Antonio Carlos Magalhães eo engenheiro Oswaldo Sevá.

4 O que se passou desde então, é oassunto desse capítulo: o vale do Xin-gu e muitas terras de sua bacia fluvial,vão sendo ocupados de modo confli-tivo. Todas as seis obras projetadaspela Eletronorte atingiriam Terras In-dígenas desde o norte de MT até naVolta Grande do Xingu, por causa doalagamento, e da proximidade ou docruzamento com a abertura de estra-das de serviço e com a passagem dasfaixas de linhas de transmissão previs-tas. Visto esse panorama, ao final docapitulo faremos o segundo resumohistórico, até a segunda derrota dosprojetos de barramento, e atualizare-mos esta batalha até o segundo semes-tre de 2004.

5 CASTRO, E. V. de “Araweté o povodo Ipixuna” CEDI-Centro Ecumênicode Documentação e Informação (ISA),S.P.,19926 Devido à grande extensão de terrase locais aqui descritos e ao grande nú-mero de cidades, rios, áreas protegidas,e estradas federais (as BRs) e estadu-ais (siglas PA e MT) que mencionamos,favor consultar durante a leitura as car-tografias inseridas no capitulo, elabo-radas pelo Laboratório de GeoProces-samento do Instituto Sócio Ambiental,SP, chefiado por Alicia Rollo. Imagenssimilares e cartas temáticas podem serconsultadas no sitio www.sociambiental.orge na página www.fem.unicamp.br/~seva7 Para destacar as referências mais co-nhecidas, que são os nomes das cidades,foram escritos em italico em todo o texto.Adiante, foram negritados os númerosde população em algumas Terras Indí-genas, nomes de usinas e projetos hi-drelétricos e algumas de suas dimensõesfísicas, como as superfícies alagadas eas cotas de alagamento das represas.8 Carlos Tautz, artigo publicado nonúmero 99 de “O Pasquim21”, de14.02.2004. Informa que no mesmoconsórcio do asfaltamento, estão tam-bém os agenciadores de soja, que utili-zariam a rodovia asfaltada no sentidoinverso, para exportar via Santarém,mais as empresas rodo-fluviais (delogística industrial e comercial) e asempreiteiras de construção. Além deum “brinde” extra que foi anunciado,a associação de capitais com a estatalPetrobrás, não se sabe bem ao certocom qual função.9 “Povos Indígenas do Brasil”, ISA, SP,2000, página 635.10 Outros perímetros institucionaisalém das TIs parecem estar ajudando aconter o alastramento da devastação, asFlorestas Nacionais, duas em todo o valedo Xingu: uma chamada Flona de Alta-mira, mas que fica a centenas de km dedistância desta cidade, lá na banda es-querda do rio Curuá, e à direita dequem vai pela BR 163, no trecho deNovo Progresso a Itaituba; outra é aFlona do Xingu, que acompanha a mar-gem direita do baixo rio Iriri, e atraves-sa o triângulo da foz do Iriri até a mar-

gem esquerda do Xingu; o perímetroda Flona envolve a TI dos Kararaô queocupa o bico do triângulo; na margemoposta do rio Iriri, ficam as TIs Arara, ea chamada Cachoeira Seca do Iriri, tudoisto rio acima de Altamira.11 A estrada é uma longa transversalainda em terra, mas que liga tempora-riamente os dois corredores rodoviári-os cada vez mais movimentados, a BR158, entre o Sudeste do Pará e o Lestedo MT, e a BR 163, a famosa CuiabáSantarém.12 “Povos Indígenas do Brasil”, ISA, SP,2000, página 488-48913 Jarina é a palmeira mais baixa daAmazônia, sua folhagem começa seabrir quase ao rés do chão, os caixosficam baixos, e os coquinhos têm umasemente muito dura, que após o poli-mento da casca, fica branca leitosa. Poristo, a semente de jarina é conhecidacomo “marfim vegetal”, cada vez maisutilizada no artesanato e adereços in-dígenas e não – indígenas em várioslocais da Amazônia.14 cf entrevista do presidente da Ele-tronorte, à Gazeta Mercantil de 15 defevereiro de 2000, citada em Povos In-dígenas do Brasil, ISA, SP, 2000, Boxpágina 23615 SANTOS e ANDRADE, orgs: “As hi-drelétricas do Xingu e os povos indíge-nas”, Comissão Pro Índio de S.P. 1988p.191 conforme dados do Inventário hi-drelétrico do Xingu, CNEC, 198016 cf Tanaka, 1994, in “Povos Indígenasdo Brasil”, ISA, SP, 2000, página 48817 cf entrevista do presidente da Ele-tronorte, à Gazeta Mercantil de 15 de fe-vereiro de 2000, citada em “Povos In-dígenas do Brasil”, ISA, SP, 2000, Boxpágina 23618 cf pgs 191-2 e mapa temático da pg193, SANTOS e ANDRADE, orgs: “Ashidrelétricas do Xingu e os povos indí-genas”, Comissão Pro Índio de S.P. 198819 cf dados da Fundação Nacional de Saú-de, Funasa, 1998, citados em “Povos In-dígenas do Brasil”, ISA, SP, 2000, pg 48820 cf entrevista do presidente da Ele-tronorte, à Gazeta Mercantil de 15 defevereiro de 2000, citada em “Povos

Notas

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Indígenas do Brasil”, ISA, SP, 2000,Box página 23621 SANTOS e ANDRADE, orgs: “As hi-drelétricas do Xingu e os povos indí-genas”, Comissão Pro Índio de S.P.1988, p.19122 Esta represa seria, quando cheia, umpouco menor que a represa brasileiramais extensa, a de Sobradinho, no tre-cho médio do rio São Francisco, com4.200 km2. (Apenas quando fica cheia,o quê é cada vez mais raro atualmen-te). Na época de formação deste “lago”,em meados dos anos 1970, foram de-salojados quase 100 mil moradores, in-cluindo quatro cidades baianas antigas!23 Fatos inusitados e ricas versões so-bre as várias guerras movidas pelos ín-dios contra os seringueiros e seringa-listas, e sobre algumas chacinas de ín-dios promovidas pelos brancos, na épo-ca do famoso sertanista ChicoMeirelles, são recompilados por umdos filhos do “coronel” Anfrisio Nunesem obra recentemente publicada emBelém: NUNES, André Costa. “A Bata-lha do riozinho do Anfrisio. Uma his-tória de índios, seringueiros, e outrosbrasileiros”. Halley Gráfica e Editora,Belém, 2003.24 Conforme dados da Funai, Gerenciade Altamira, em “Povos Indígenas doBrasil”, ISA, SP, 2000, página 48925 O conflito de tornou assunto damídia nacional em 2003; por exemplo,uma reportagem de capa na edição dedomingo do Estado de São Paulo, 14de setembro de 200326 Não utilizaremos a nomenclaturaAltamira para esta usina, pois foi umaalteração praticamente de imagem fei-ta pela Eletronorte e querendo home-nagear a parte da cidade de Altamiraque apóia o projeto. A meu ver, dar aoprojeto o nome da cidade mais impor-tante próxima ao projeto é aumentara confusão, principalmente depois detantas mudanças de nomes e de “com-plexos”, desde 1988.27 A primeira represa em termos deárea alagada é a represa da usinaAkosombo, no Ghana, com 8 mil km2,e que deslocou mais de 100 mil pesso-as, com potencia de 700 Megawatts,cuja eletricidade supre uma fundiçãode alumínio, de capital europeu e ame-ricano, localizada no litoral Atlânticoda África Ocidental.28 conforme desenho cartográfico daépoca, reproduzido em SANTOS, AN-DRADE, 1988, p.13829 SANTOS, ANDRADE, 1988, pg 147.Esta população de índios e descenden-tes de índios desaldeiados constava jáno estudo de Kararaô, feito para a Ele-tronorte em 1978; foi verificada quasetrinta anos depois nas duas observaçõesde campo feitas por COISTA, em 2002,

SEVA em 2003 e MAGALHÃES em 2004,autores desse livro; o resumo do levanta-mento cadastral das famílias feitas peloCIMI é apresentado mais na frente30 De toda forma, a TI Trincheira –Bacajá seria indiretamente atingidapor outras obras do mesmo elenco con-cebido pelo CNEC e pela Eletronorte:1) aí passariam as estradas de acessoao canteiro da usina Ipixuna, agravan-do-se os problemas já havidos quantoao controle do acesso dos garimpeirose das prospecções de interesse daCVRD, já que a TI fica bem próximadas reservas minerais da Serra Norte;2) o setor Noroeste da TI Trincheirana divisa com a TI Koatinemo, ficariaquase encostado no braço do igarapéIpiaçava, que seria represado pela re-presa de Babaquara.31 entrevista do presidente da Eletro-norte, à Gazeta Mercantil de 15 de fe-vereiro de 2000, citada em “Povos In-dígenas do Brasil”, ISA, SP, 2000, Boxpágina 23632 Sem o saber, a empresa está reavi-vando uma memória não tão longín-qua do povo nordestino: Belo Montefoi também o nome anterior do vilarejono sertão baiano, onde o líder popu-lar Antonio Conselheiro construiu asua próspera cidade de excluídos e re-sistentes da sociedade latifundiária deentão, a famosa Canudos, arrasada nocomeço do século XX pelo exércitorepublicano.33 O Estudo de Viabilidade do projetoBelo Monte (apresentado pela Eletro-norte à agencia reguladora ANEEL emfevereiro de 2002, num pacote de oitoCDs), demonstra que a empresa aper-feiçoou os métodos de captura e análi-se cartográfica, altimétrica e hidroló-gica, os parâmetros técnicos, desenhose plantas, ampliou o preenchimentodas planilhas de cálculos de estruturas,de materiais, e o planejamento dalogística da hipotética obra, e os res-pectivos orçamentos.34 Tais tópicos foram devidamente de-talhados e ponderados ao longo desselivro, no capítulo assinado pelo advo-gado Raul Silva Telles do Valle, do se-tor jurídico do ISA – Instituto Socio-Ambiental, SP, e no capítulo assinadopelo Procurador Federal Felício Pon-tes Jr e a antropóloga Jane Beltrão, deBelém, Pará.35 No site do ISA –Instituto Socio Am-biental, matéria assinada por TicianaImbroisi, comentava em 03 de setem-bro de 2001 uma intervenção públicadesse tipo militante do “lobby” barra-geiro, feita na capital federal: Durantepalestra comemorativa da Semana daEngenharia Civil, realizada em 28/08,no auditório da Faculdade deTecnologia da Universidade de Brasília(UnB), foi explicado porque a UHE de

Belo Monte não alagará áreas indíge-nas. Antônio Coimbra, funcionário daEletronorte e professor do Departa-mento de Engenharia da UnB, decla-rou que os grupos indígenas da regiãonão serão afetados, tendo em vista que“nem índios mais são”. Ele mostroufotos de indígenas desaldeados – queem sua opinião não são índios – mo-rando em casas sobre palafitas - apa-rentemente indesejáveis como mode-lo de moradia por não terem “sequerum vaso sanitário” – e revelou sua in-dignação com as condições de vida dapopulação local. Partidário da menta-lidade “eletronórtica”, Coimbra acre-dita que as compensações previstaspara os atingidos serão muitíssimo maisbenéficas do que a situação atual emque se encontram.36 Tais fatos e os desencontros das vá-rias versões - sobre quem, quantos ecomo seriam atingidos - foram pesqui-sados e relatados pelo antropólogoAntonio Carlos Magalhães, e pelogeógrafo Reinaldo Costa, em outrosdois capítulos do nosso livro.37 Em nossa pesquisa de campo emAltamira, ouvimos depoimentos de vá-rias pessoas confirmando este tipo deação política por parte da empresa es-tatal. Nesse livro, tais fatos são retoma-dos nos informes elaborados pelas li-deranças da região Antonia Melo eTarcísio Feitosa da Silva e nas declara-ções públicas e cartas de princípiosanexadas ao final.38 Analisado pela antropóloga SoniaMagalhães em nosso livro, com rique-za de detalhes e recapitulando desde adécada de 1970.39 Um relato interessante, surpreenden-te até, das condições em que trabalha-ram os pesquisadores contratados foipublicado no exterior, em um periódi-co especializado, do qual há um excertona íntegra nesse livro: FORLINE, Louise ASSIS, Eneida “Dams and socialmovements in Brazil: quiet victories onthe Xingu” Practicing Anthropology, vol.26 no. 3 Summer 2004 pp 21-2540 Assim foi noticiado em Belém: Opresidente do Supremo Tribunal Fede-ral (STF), Marco Aurélio Mello, man-teve ontem a liminar que paralisou osestudos de impacto ambiental da usi-na hidrelétrica de Belo Monte, no rioXingu.(...) Marco Aurélio manteve adecisão mesmo tendo o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro,dado dois pareceres a favor da suspen-são da liminar. Também de nada adi-antou a deliberação da Comissão deConstituição e Justiça da Câmara dosDeputados, que, em resposta à consul-ta feita pelo deputado federal AnivaldoVale (PSDB-PA), registrou que não ha-via necessidade de autorização do Con-gresso Nacional para a realização de

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estudos de impacto ambiental visandoà futura construção do Complexo Hi-drelétrico Belo Monte. Matéria:Mantida liminar que suspende BeloMonte - O Liberal-Belém, 06/11/200241 Aliás, o mesmo tipo de pressão foifeito, na mesma ocasião, pelo “lobby”das termelétricas (movidas pela quei-ma de gás natural, de resíduos de pe-tróleo e de carvão mineral). As empre-sas e suas engrenagens pela mídia vêminsistindo em apressar a emissão dasautorizações da ANEEL, as licençasambientais, e em antecipar os resulta-dos ( sempre favoráveis...) dos pedidosde financiamento.42 Tais jogos de esconder a finalidade,de criar racionalidades após os fatosconsumados, de embaralhar ou camu-flar alternativas, foram analisados comdetalhe em alguns outros capítulosdesse livro assinados pelo jornalistaLúcio Flávio Pinto, pelo engenheiroeletricista André Saraiva de Paula, epela engenheira e antropóloga DianaAntonaz, que entrevistou figuras proe-minentes das intelectualidades “elétri-ca” e “petrolífera”, analisando como seformou o pensamento dominante atu-al sobre a energia e a sociedade no país,e sobre a função do Estado.43 Conforme matéria “Kararaô vem aí:projeto tem a simpatia dos principaiscandidatos às eleições presidenciais” as-sinada por Carlos Tautz, revista Ecolo-gia e Desenvolvimento, 10 de junho de2002, “A construção da megahidrelé-trica no rio Xingu, no Pará, conseguea simpatia dos adversários FernandoHenrique Cardoso, Lula e Garotinho.Deve começar a sair do papel antes dofinal do mandato do próximo presiden-te da República.”44 Conf. Agência Estado, despacho deKelly Lima, de 27 de abril de 2004: Aministra de Minas e Energia, DilmaRousseff, confirmou ontem a indicaçãodo atual presidente da Eletronorte,Silas Rondeau, para substituir LuizPinguelli Rosa na presidência da Ele-trobrás. (...) Na semana passada,Pinguelli convocou entrevista coletivapara anunciar que estava deixando ocargo para que o governo acomode ospartidos aliados. Dilma informou que,para o lugar de Rondeau na Eletronor-te, será nomeado o atual diretor dePlanejamento da Eletrobrás, Roberto

Salmeron. (...) A ministra não quis co-mentar eventuais efeitos negativos deingerência política na substituição dePinguelli. “Nosso governo não é‘unipartidário’ e, por isso, a composi-ção da base do sistema político é crucialpara as relações do Executivo e doLegislativo. Então, é absolutamentefundamental considerar critérios degovernabilidade, que se compõem comsustentação política e capacitaçãogerencial e técnica”, declarou a minis-tra. Rondeau foi indicado pelo presi-dente do Senado, José Sarney (PMDB),aliado de primeira hora do governoLula, e que teve participação importan-te na aprovação das reformas previden-ciária e tributária.45 Conforme matéria assinada porClaudia Costa, revista Brasil Energia, ou-tubro de 2004 ... “na lista de vantagens(dessa nova concepção anunciada) estáa redução do tamanho da obra - o quepoderá atrair mais parceiros privados,pois haverá queda nos custos do em-preendimento” - Título da matéria: “Oprojeto reformulado de Belo Monte.A megausina de 11 mil MW terá suaconstrução em duas etapas, uma delasgarantida, com 5,6 mil MW. A potên-cia complementar virá quando o siste-ma precisar de energia.”46 Conforme matéria “Governo costu-ra associação na hidrelétrica da BeloMonte” assinada por Leila Coimbra eChristiane Martinez, revista Valor Eco-nômico, 01 setembro de 2003, “Via Ele-trobrás e suas subsidiárias Furnas, Ele-tronorte e Chesf, o governo negociasociedade com um consórcio privado,que ainda está sendo formatado masque já reúne as fabricantes de equi-pamentos Alstom, ABB, GeneralElectric e Voith Siemens e as constru-toras Camargo Corrêa e Andrade Gu-tierrez... No caso de Belo Monte -cujos estudos ambientais e de viabili-dade econômica estão em fase maisadiantada - costura-se uma fatia de49% para as estatais Furnas, Chesf eEletronorte, enquanto o consórcioprivado ficaria com 51%. Segundo umespecialista do setor... as duas obrasserão suficientes para ocupar todo oparque industrial nacional de fabrica-ção de equipamentos para geraçãopor quase dez anos...Há um estudo naEletronorte que prevê a redução dacapacidade de Belo Monte para 60%

do total original, com o objetivo dereduzir o impacto ambiental da obra.Mas as fabricantes de equipamentoslutam para que ela venha a ser cons-truída com os 11 mil MW originais...Para garantir a viabilidade das obras,o ministro do Planejamento, GuidoMantega, tem mantido uma agendade reuniões com representantes daAssociação Brasileira da Infra-estrutu-ra e indúsria de Base (Abdib) entida-de que engloba praticamente todas asempresas ligadas à cadeia elétrica nopaís, lideradas pelas fabricantes deequipamentos. No setor elétrico, o‘Consórcio Brasil’ já foi apelidado de‘Consórcio Abdib’.”47 Ver a respeito o ensaio por nós ela-borado e publicado no ano seguinte aesses eventos: SEVA Fo., A . Oswaldo“Ecologia ou Política no Xingu?” vol.4 série Documentos / Instituto de Es-tudos Avançados/USP, Ciências Ambi-entais, São Paulo, junho 1990.48 SANTOS, Silvio Coelho dos e NACKE,Aneliese (orgs) “Hidrelétricas e povosindígenas” Letras Contemporâneas Ofi-cina Editorial, Florianópolis, 2003. Tre-chos extraídos das páginas 13 e 17.49 PETIT, Pere “Chão de promessas:elites políticas e transformações econô-micas no estado do Pará pós-64”, edi-tora Paka-Tatu, Belém, 2003. pg.34. vertambém a crítica feita sobre esse “des-tino” do Pará, pelo jornalista Lúcio Flá-vio Pinto em nosso livro.50 é o que está discutido e quantificadono capítulo do cientista Phillip Fearn-side em nosso livro.51 Extraído de artigo da revista BrasilEnergia, outubro 2004; este periódicoempresarial usualmente repercute os“lobbies” em favor dos negócios e pro-jetos do setor elétrico e do setor petró-leo e gás.

52 O quê talvez possa significar o lan-çamento de uma ou duas LTs por alimesmo, por exemplo, para abasteceralguma nova mineração ou indústriano Baixo Amazonas, entre Santarém eMacapá, ou então - para reforçar os cir-cuitos de Tucuruí, abastecendo novosempreendimentos na Serra dos Carajáse também na região de Paragominas,onde já funciona um novo corredor deexportação de bauxita pela margemdireita do rio Tocantins.

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Informes das Lideranças em Altamira, Pará

1.1. O assédio da Eletronorte sobre opovo e as entidades na região de Altamira

Antônia MeloEm nome do MDTX- Movimento Pelo Desenvolvimento

da Transamazônica e Xingu (conjunto de 113 entidades).

Em fevereiro de 1989 as nações indígenas lidera-das pelos Kaiapó mobilizaram–se contra o nefastoempreendimento de construção de seis usinas hi-drelétricas no rio Xingu. Realizaram em Altamirao I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu comapoio de organizações ambientalistas do Brasil edo mundo, e de organizações populares locais eregionais, da Prelazia do Xingu, do CIMI - Conse-lho Indigenista Missionário, dos Sindicatos de Tra-balhadores Rurais, de movimentos sociais comoMovimento Pela Sobrevivência da Transamazôni-ca e Xingu (que hoje se chama MDTX - Movimen-to Pelo Desenvolvimento da Transamazônica eXingu),– a CRACOHX -Comissão Regional dosAtingidos pelo Complexo Hidrelétrico do Xingu,e mais a Fundação Chico Mendes. Participaramdo evento pesquisadores do museu Emilio Goeldi,ambientalistas como Camilo Viana, o deputadoFernando Gabeira, a atriz Lucélia Santos, e notá-veis internacionais como Sting e Anita Roddick,entre outros.

Os povos indígenas deram o grito de guerra. Aíndia Kaiapó Tuíra, num gesto de indignação pôso seu facão afiado no rosto do então diretor deEngenharia e Obras da Eletronorte, José AntonioMuniz Lopes, desafiando a mentira e prepotênciado poderio econômico. Foi então dado um bastano tal projeto faraônico.

Após dez anos da primeira grande investida, a esta-tal Eletronorte e seus apoiadores voltaram à cenapara tentar construir a mesma usina Kararaô, agora

chamada Belo Monte. No final do ano 2000 e nodecorrer dos anos 2001 e 2002 a Eletronorte, comescritório já instalado em Altamira e conhecedorado potencial da organização que tem o povo da re-gião, intensificou os seus métodos de aliciamentoda população local e das instituições. Foram assedi-ados os prefeitos e os vereadores dos municípiosonde seriam localizadas as obras (Altamira e Vitó-ria do Xingu, e os municípios vizinhos, Anapú, Bra-sil Novo, Senador José Porfírio e Uruará) criaramo Consórcio intermunicipal Belo Monte junto comos prefeitos da região, com sede em Altamira, e ins-talaram um espaço Cultural na orla do cais.

Fizeram contato, propondo barganhas e compen-sações para as entidades de classe, as organizaçõespopulares, as comunidades indígenas, e os dirigen-tes de órgãos públicos, com o claro objetivo deromper com qualquer ação de resistência ao pro-jeto de barragens no rio Xingu.

A Eletronorte articulou o apoio do comércio lo-cal, através da ACIAPA - Associação ComercialAgropastoril de Altamira, da AMEALT - Associa-ção dos Micro-empresários de Altamira, e do CDL-Clube de Dirigentes Lojistas, do Sindicato Patro-nal dos Produtores Rurais, e da AMUT - Associa-ção dos Municípios da Transamazônica, e tambémo apoio dos Vereadores da Região, principalmen-te os ligados ao PSDB e PMDB. Os então prefeitosDomingos Juvenil - Altamira (PMDB), AnselmoHoffman - Vitória do Xingu (PT), Gerson Cam-pos - Porto de Moz, (PSDB), Mário Lobo - Uruará

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(PSDB), João Escarpario - Placas (PSDB), e Anto-nio Lorezoni - Brasil Novo congregaram-se no cha-mado Consórcio intermunicipal Belo Monte, quefoi articulado pelo ex-presidente da EletronorteJosé Antonio Muniz Lopes e outros políticos dogrupo Sarney.

O MDTX - Movimento pelo Desenvolvimento daTransamazônica e Xingu, articulador e mobiliza-dor do movimento social da região, tinha comoprincipal líder naquela época o Ademir AlfeuFedericci , conhecido como Dema. Morador dacidade de Medicilândia, o sindicalista e ex-verea-dor do Partido dos Trabalhadores era uma lide-rança regional considerada insubstituível, e querepresentava a esperança de vitória de um novomodelo de desenvolvimento, mais humano e emharmonia com a natureza. Seu papel era o de fo-mentar as discussões sobre os principais proble-mas regionais e o de defender a proposta popularde um novo modelo de desenvolvimento para aregião com a consolidação da agricultura familiare questionando os investimentos feitos com apoioda Sudam na região. Dema também fez denunciasàs autoridades competentes sobre a invasão demadeireiros e do roubo de mogno em terras indí-genas, e participava com outras lideranças regio-nais num vigoroso movimento social contra as bar-ragens no Xingu, contrapondo-se ao atropelo e aoautoritarismo da Eletronorte, que tentava empur-rar goela abaixo tal projeto. Foi Coordenador Ge-ral do MDTX e vinha desempenhando com deter-minação as ações de resistência e mobilização so-cial contra o projeto Belo Monte. Em 2001, junta-mente com outras lideranças, assinou um docu-mento de apoio à ação da Polícia Federal na inves-tigação dos envolvidos no caso Sudam.

Dema foi assassinado em sua casa, na noite de 25 deagosto de 2001, quando se aproximava de seus ide-ais. Hoje duas pessoas estão presas, acusadas do cri-me, mas ainda falta chegar aos possíveis mandantes.

Entre todas as honrarias póstumas que se possadedicar ao companheiro Dema - ainda é muitopouco pela bravura destemivel da doação da suavida, pela justiça social, pelo povo da Transamazô-nica e do Xingu, - uma das homenagens foi a cria-ção do FUNDO DEMA constituído com os recur-sos da venda de um grande lote de Mogno apre-endido pelo governo federal, e que foi doado peloIBAMA, órgão do Ministério do Meio Ambiente, epelo Ministério Público Federal, às entidades FVPP- Fundação Viver Produzir e Preservar, de Altamirae FASE (Federação dos Órgãos Assistenciais e Edu-cacionais, escritório de Belém, PA).

Desde aquela época, para desenvolver suas açõesautoritárias a direção da Eletronorte fazia propa-ganda enganosa na grande mídia e nos meios decomunicação local, com promessas de muitosempregos; abusando do poder, entrando sem au-torização dos proprietários nas suas terras demar-cando os piques da obra, e cortando plantaçõesde vários agricultores da Volta Grande como ocor-reu no travessão do km 27.

A Eletronorte patrocinou desde festas escolares,material e jogos de futebol, camisetas, até o trans-porte para levar e trazer estudantes para visitar amaquete da hidrelétrica, miniatura de uma obraque se apresentava como uma obra perfeita, po-rém enfeitada de inverdades. Os visitantes tinhamque escutar funcionários treinados para repetirexplicações ensaiadas sobre as belezas do projeto,e assinar um livro especialmente aberto para co-lher assinaturas dos visitantes.

A reação dos que freqüentavam era diversificada:uns achavam maravilhas, outros ficavam caladoscom dúvidas, outros questionavam e não tinhamrespostas. Os da Eletronorte estavam sempre pre-sentes nas manifestações das pessoas contrárias àobra, filmando tudo nos encontros, nos seminári-os, palestras promovidas por nossas entidades.

Por exemplo, no primeiro Encontro dos agriculto-res do Km 27 em 2002, com a presença de visitantesaliados das entidades e de representante do Minis-tério Público Federal, - a direção da Eletronortepagou pessoas e moto-táxis para ir até lá vestindo acamiseta da empresa com a frase “Queremos BeloMonte”, e mandou distribuir bebida alcoólica.

Tais pessoas foram usadas, induzidas para tumultu-ar o evento, mas não conseguiram pois a posição eorganização dos agricultores era firme. A tentativada Eletronorte de tumultuar o evento deixou maisclaro ainda, claro para os agricultores, essa práticaautoritária e truculenta que a empresa usa para con-seguir implantar seus projetos.

Além das ações locais de cunho assistencialista, aempresa usou outras estratégias, como a de levargrupos de lideranças à Tucuruí bancando todas asdespesas, com o melhor conforto possível para vi-sitar as obras da barragem. No caso da comitivados presidentes de Associações de Bairro, a em-presa gravou uma fita de vídeo de modo tendenci-oso, direcionado, com entrevistas de varias pesso-as de Tucuruí falando maravilhas da Eletronorte edos benefícios que receberam com a barragem.

Em Altamira esta fita, dentre outras era usada paraas reuniões que a Direção da Eletronorte fazia com

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as pessoas dos bairros no seu auditório, semprecom transporte à disposição para ir buscar os cida-dãos e levar de volta aos bairros. Por várias vezes,estudantes e professores das escolas de ensinomédio e dos campus universitários de Altamira(UFPA e UEPA) foram levados a Tucuruí, haven-do pessoas que participaram das caravanas que fi-caram indignadas com a conduta dos representan-tes da Eletronorte, pois a visita era esquematizadasomente nos lugares e com as pessoas determina-das pela empresa, sendo interditado entrevistaroutras pessoas para ouvir outras versões.

A Eletronorte distribuía também informativos ofi-ciais usando as entrevistas de lideranças, muitasvezes de forma distorcida, a exemplo da entrevistadada pelo Prof. Domingos à assessoria de impren-sa da Eletronorte por ocasião de sua visita emTucurui. Quando perguntado o que representavaTucuruí para Altamira, êle respondeu que os er-ros de Tucurui eram um espelho para Altamira.No jornal da Eletronorte o Professor teria faladofalou que Tucurui era um espelho para Altamiracomo se estivesse elogiando o projeto.

Quem ousasse questionar ou se opor ao proje-to, era tratado como inimigo, pois era “contra odesenvolvimento”.

Na caminhada das lutas das organizações sociaisde oposição frente ao projeto Belo Monte e à polí-tica energética brasileira, as eleições do 2002 for-taleciam a esperança de mudança com Lula presi-dente do Brasil. Mas foram os arranjos do governono Ministério de Minas e Energia, por exemplo,

colocando previsão de gastos com Belo Monte noPlano Pluri-anual de investimentos. Aí o governofoi contra a decisão da sociedade expressa nosfóruns do PPA realizados em 2003.

O governo atual fortaleceu os grandes projetos debarragens nos rios da Amazônia Brasileira, refor-çando a velha degradante política energética pen-sada pelo capital internacional, favorecendo olobby de empresas como Albrás/Alunorte, a Valedo Rio Doce, e a Alcoa, que se beneficiaram deenergia subsidiada pelo governo durante mais de20 anos.

Estas empresas há décadas se apossam de nossasriquezas contribuindo isto sim, para o aumento dadegradação ambiental, da pobreza e da miséria damaioria da população do Pará, que ainda tem quepagar a energia mais cara do País.

E o que é pior - tudo em nome do desenvolvimen-to e crescimento econômico do País.

No decorrer dos anos 2003 e 2004 persiste a vonta-de do governo em construir Belo Monte, pressio-nado pelas empresas metalúrgicas internacionais,enquanto as organizações da sociedade civil, as nãogovernamentais e outras instituições vêm trabalhan-do e pressionando para que também o governo in-vista em fontes de energia renováveis1, para um novomodelo energético do Brasil com justiça social.

Para tanto é necessário e urgente que a sociedadeacorde da inércia, que parta para a mobilização,para que sejam ouvidas as vozes nos campos e nasruas das cidades.

1 Nota dos editores: A maioria dosmovimentos representados no Fórumnacional das entidades ambientaisFBOMS e alguns pesquisadores não in-

cluem as grandes hidrelétricas dentroda categoria energia nacional renovável.Ao contrário do governo brasileiro quedespachou sua ministra Dilma Roussef

para a Conferência de Bonn, Alemanha,sobre energias renováveis, em meadosde 2004, com a missão de impor asmega-usinas como “renováveis”.

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O Governo Federal nas duas últimas décadas vemanunciando a possibilidade de barrar os rios Xin-gu e Iriri para obter geração de energia elétrica.Os empreendimentos anunciados contem barra-mentos colocados estrategicamente no entorno daúltima área preservada no oeste do Pará localiza-das entre os Rios Xingu, Iriri e Curuá, (na áreageográfica dos municípios de Altamira e São Felixdo Xingu) conhecida como Terra do Meio.

O que devemos apresentar aqui será um apanha-do das discussões junto a instituições da socieda-de civil, pastorais da Igreja Católica e Metodistaentre outras, movimentos sociais da região de Al-tamira e da Transamazônica que apresentam umasérie de razões para não construção de tais hidro-elétricas, que se construída poderão criar danossociais, culturais, ambientais e econômicosirreparáveis na região.

Nestes últimos anos, milhares de famílias vieram àprocura de emprego e terra motivados pela gran-de crise que o Brasil vem passando nas últimasdécadas e que atingi o centro - sul, estamos viven-do na região agora o novo boom que é da ocupa-ção desenfreada de terra/floresta para produçãode gado e grãos. O Xingu que passou na décadade 40 e 50 pelo boom Borracha/Seringa, na déca-da de 70 pela implantação da Transamazônica, nadécada de 80 pela mineração/garimpo (decassiterita, estanho e ouro), e entre a década de80 e 90 à exploração desenfreada do mogno(Swietenia macrophylla - ouro verde da Amazônia),a Bacia do Xingu agora enfrenta o processo de

pecuarização e substituição da vegetação nativa porgrandes e extensivas plantações de grãos que jáiniciou em suas cabeceiras, processo relacionadointimamente a exploração ilegal de madeira de lei(cedro, jatobá, maçaranduba, muiracatiara, ange-lim vermelho e pedra entre outras).

A Terra do Meio é hoje a última região intocada noEstado do Pará, e é circundada por um conjuntode terras indígenas e florestas nacionais, fator queimpediu até agora o processo desenfreado, rápido,violento e espontâneo de ocupação humana movi-dos pela força econômica do gado verde e dos grãoscomo motor principal na soja que vem chegandopouco a pouco no interior da Terra do Meio.

A Terra do Meio é parte da bacia do Rio Xingu.Com um total de 511.891 km2 (quinhentos e onzemil oitocentos e noventa e um quilômetros qua-drados) a Bacia do Xingu fica localizada no inter-fluvio dos rios Tapajós e Tocantins/Araguaia, pas-sando pelos territórios dos estados do Mato Gros-so e Pará.

Na bacia do Rio Xingu, temos hoje 40% da área dabacia protegida por terras indígenas chegando aototal de 198.887,29 km2 além de duas florestas nacio-nais somando 9.549,56 km2, sendo um dos maiorescorredores de florestas conservados na Amazônia.

Para contextualizar historicamente a região, lem-bremos que em 16 de junho de 1970 o Plano deIntegração Nacional criado através do Decreto Leinº 1.106 pelo então Presidente Médici, deu porprioridade a abertura das rodovias Santarém-

Texto Coletivo que acumula as discussõesdo Movimento Social do Xingu e daTransamazônica quanto a possívelconstrução dos primeiros barramentosdo rio Xingu — a Uhe Belo Monte(ex. Uhe Kararaô).

Informes das Lideranças em Altamira, Pará

1.2. A Terra do Meio e as hidrelétricasdo Xingu

Organizado por Tarcísio Feitosa da SilvaSecretário Executivo da ComissãoPastoral da Terra – Prelazia do Xingu

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Cuiabá (BR-163) e a Transamazônica (BR-230) queabriu no meio da floresta fulcros para ocupaçãohumana e como decorrência grandes áreas de flo-restas foram substituídas por lavoura de subsistênciae logo depois por pastos extensivos e agora pelapresença da soja. Com a grande quantidade demadeira disponível na floresta e com o aparado defiscalização do Estado incapaz ou inexistente as ár-vores de lei tipo mogno e cedro foram as primeirasa serem retiradas da floresta.

As estradas abertas na década de 70 com sentidoleste – oeste e norte - sul foram colocadas exata-mente no meio da floresta para cruzar com os gran-des rios amazônicos nos locais onde poderiam rea-lizar possíveis aproveitamentos hidroelétricos. Asestradas também servem de suporte para instala-ção de grandes e extensas redes de distribuição deenergia direcionadas às grandes consumidoras deenergia levada até os complexos das empresas de alu-mínio: Albrás (CVRD, Nippon Amazon AluminumCompany), Alunorte (CVRD, NAAC, NorskHydro) e Alumar (Alcoa, BhpBilliton e Alcan).

Os anunciados empreendimentos envolvendo ca-pital público e privado destinado as mega-obrasde infra-estrutura como o asfaltamento das rodo-vias Transamazônica e Santarém-Cuiaba, constru-ção da Hidrelétrica de Belo Monte (ex-UheKararaô, parte do Complexo Hidroelétrico do rioXingu), e Programa de Eletrificação Rural colo-cou a região no novo alvo do setor especulativo deterras e na implantação de grandes propriedades.O primeiro setor a se estabelecer na região foi osetor madeireiro, agraciado com a energia elétri-ca disponível através da linha de Tucuruí que en-controu aqui o ninho próprio para se reproduzirde forma veloz. Entretanto ainda não tevem suaenergia disponibilizada as unidades rurais de pro-dução familiar localizadas no interior dos traves-sões e nos assentamentos ao longo do rio Xingu,Ituna e Bacajaí.

Nas bacias do Tocantins/Araguaia e do Tapajós aexploração ilegal/criminosa de madeira, a pecua-rização violenta, e a chegada dos mega-plantadoresde grãos, especificamente a soja, colocou o Estadodo Pará como refém e em alguns casos subjugou opróprio Estado ao poder paralelo. Quando ao Es-tado era a força econômica da soja e da pecuáriaou quando apresentada sua força armada contralideranças comunitárias/sindicais, populações tra-dicionais e contra trabalhadores teve ai a perda devidas humanas e da floresta.

Em muitos casos a ação ilegal/criminosa mantém umíntimo financiamento do braço/banco financeiro do

narcotráfico, como se dá na região conhecidacomo sul do Pará, onde volumosas quantias decapital transitam livremente, inclusive entre ban-cos estatais e privados da região, ou do própriofinanciamento público quando emprestam dinhei-ro sem analisar criteriosamente os documentosfundiários das propriedades e acabam financian-do a destruição de terras/florestas públicas.

Com os espaços ao longo das estradas já ocupadose com um grande bolsão de terras/florestasdesprotegidas entre os rios Xingu, Iriri e Curuá,foi para lá que seguiram nos últimos anos os gran-des grileiros que já convertem de forma rápidagrande áreas de floresta em pastos.

A força de trabalho humano usada nessas regiõesnão poderia ser outra, senão, o trabalho semi - es-cravo e mesmo o trabalho escravo. Seres humanosescravizados, enganados com promessas de bonssalários são jogados no interior da floresta, ondesão colocados em baixo de lonas plásticas, comosua sede de trabalho aonde até a água vem de ca-cimbas abertas ao relento, sem nenhuma condi-ção de higiene.

Os trabalhadores são obrigados a cumprir contra-tos de derrubada de floresta ou de retirada demadeira por troca de alimentos. E no fim do tra-balho não recebem nada. Se reclamarem ou ten-tarem empreender fuga, são acionados no interi-or da floresta e nas vilas próximas, milícias arma-das e treinadas em perseguição. O clima de terrore medo encontra-se estabelecido na região conhe-cida como Terra do Meio.

Muitos capangas, bem armados e com um sistemade comunicação que passa pelo rádio de escuta dafreqüência da polícia indo até telefones celularesvia satélite, protegem as imensas áreas griladas. Aautoridade por parte do crime organizado nessaregião é tamanha, que juizes são expulsos de suascomarcas, promotores não permanecem por mui-to tempo em suas jurisdições e policiais prestamserviços às milícias armadas.

A União quando anuncia que realizará operaçõesno Estado do Pará nessa região é preciso ter a cons-ciência do atraso de no mínimo 10 anos. Pois jáatuou a máfia do minério, a máfia do mogno eagora atua a máfia da grilagem de terra.

Trecho do Relatório do Grupo de Assessoria In-ternacional (IAG) do Programa Piloto para a Pro-teção das Florestas Tropicais do Brasil para da XXIReunião O Plano BR-163 Sustentável no quadro daspolíticas governamentais para Amazônia, Brasília, 26de julho a 6 de agosto de 2004:

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“As missões de campo apontaram para uma situação grave,com acirramento do conflito social, aumento da grilagemde terras e postura agressiva dos atores que promovem aampliação das fronteiras locais. Há uma defasagem entre olento ritmo das ações do Estado e a aceleração das dinâmi-cas de ocupação. A falta de confiança na capacidade de atu-ação do Estado gera freqüentemente um clima de desobedi-ência civil aberta e declarada em relação ao Estado de Direi-to. Foi observado um aumento das invasões de unidades deconservação e das terras indígenas.”

A ocupação desenfreada de terras/florestas públi-cas que ocorreu na região do sul do Pará foi ali-mentada pelas condições dadas dos grandes proje-tos ali implementados como aberturas de estradas,Ferro Carajás e a Uhe Tucurui. A Uhe Belo Monte(ex-Uhe Kararaô) se construída, será o grandeimpulsionador da destruição das florestas na Terrado Meio dando suporte para ocupação de 7.678.048hectares (sete milhões, seiscentos e setenta e oitomil e quarenta e oito), sem proteção e tendo ape-nas 1,7% de floresta alterada em 2002 segundo oLaboratório de Geo-processamento do InstitutoSocioambiental. Ali estará o novo palco do arco dedesmatamento como ocorreu ao sul do Pará.

A possível construção da Uhe Belo Monte, será nãosó um grande lago, mas vai trazer para a regiãomilhares de famílias em busca de terra “livres” naregião e se deslocarão automaticamente para asregiões ao sul da Transamazônica. Daí encontra-ram as áreas já griladas e com proteção armadaatravés das milícias como ocorre hoje.

O movimento social e pastorais sociais da regiãoformando um total de 114 entidades que integramo Movimento Pelo Desenvolvimento da Transama-zônica e Xingu apresentaram ao Governo Brasilei-ro a proposta de re-ordenamento fundiário paraimpedir o avanço do desmatamento na região. Estaproposta teve no resultado a “Formulação de umaProposta Técnica para Implantação de um Mosaico deUnidades de Conservação no Médio Xingu” tal estudofoi conduzido pelo Instituto Sócioambiental e finan-ciado pelo Programa de Ações Estratégicas para aAmazônia Brasileira – PRODEAM (OEA/SUDAM).

Os Estudos Preliminares e Formulação de uma Pro-posta Técnica para Implantação de um Mosaicode Unidades de Conservação no Médio Xingu vemsendo deixado abandonado nas gavetas dosgestores ambientais. Tal estudo serviria de basepara um novo modelo econômico de desenvolvi-mento regional, que garantiria os serviços ambi-entais das florestas, o uso racional das comunida-des e famílias de extrativista com manejo florestalde produtos madeireiros e não madeireiros. Sen-do um novo impulsionador econômico na região.

Nos estudos preliminares foi a recomendação dacriação de um mosaico de unidades de conserva-ção dentre elas Reservas Extrativistas, Parque Na-cional, Florestas Nacionais e Áreas de ProteçãoAmbiental. Tais medidas garantiriam antes de tudoa proteção da Bacia do Xingu que hoje conta com40% de sua área geográfica reservada à territóriosindígenas e a duas florestas nacionais.

O mosaico também servirá para impedir as gran-des derrubadas de floresta que vem ocorrendo naregião principalmente na região da Estrada daCanopus e suas vicinais. Com a criação do mosaicoa Bacia do Xingu seria integralmente protegida,com a característica econômica do uso de suas flo-restas na forma sustentável baseado nas unidadesde produção familiar ou comunitária que realizamum impacto mínimo a floresta e ao meio ambiente.

Para atingir tais objetivos será necessário desen-volver ações de combate ao desmatamento, traba-lho escravo, grilagem de terras públicas e a explo-ração ilegal de madeira. Se faz ainda necessáriolevantamento da população e do seu uso sobre áre-as de floresta, e ações organizativas (encontros, reu-niões e assembléias) para formação política e soci-al das famílias e das comunidades buscando os di-reitos básicos e o planejamento coletivo da gestãoterritorial.

Gerar uma aliança entre as famílias de extrativis-tas/ribeirinhos, pescadores e comunidades indí-genas hoje ameaçadas será fundamental para ga-rantir a Terra do Meio protegida dos grupos orga-nizados de destruidores da floresta que chegamem busca do lucro baseado na pecuária extensivae plantação de grão em grandes áreas.

Uma dessas áreas no qual temos a promessa doGoverno Federal é a Resex Riozinho do Anfrísioque conta 736.941,41 ha (Setecentos e trinta e seismil e novecentos e quarenta e um hectares e qua-renta e um centiares), condicionará proteção in-tegral de um dos principais e mais conservadosafluentes da Bacia do Rio Xingu — o Riozinho doAnfrísio(nota ed.: no 9 de novembro de 2004, PresidenteLula decretou a criação da reservas extrativistas Riozinhodo Anfrísio (736.000 hectares) no município de Altami-ra e Verde para Sempre (1,28 milhão de hectares) nomunicípio Porto de Moz.).

Além disso teremos a formação de corredor de áre-as verdes composto por Unidades de Conservação(Floresta Nacional de Altamira e Resex do Riozinhodo Anfrísio) e Terras Indígenas (Cachoeira Seca/Iriri, Xipaya, Curuaya e Baú), localizadas entre oRio Iriri e a BR 163. Tal corredor poderá segurar o

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avanço do desmatamento sobre este restante de flo-resta e impedir o seu avanço sobre a região conhe-cida como Terra do Meio.

Se criada a Resex Riozinho do Anfrísio o EstadoBrasileiro estará a garantir aos homens, mulheres,jovens e crianças (ribeirinhos, extrativistas e pes-cadores) daquela localidade a continuidade deuma vida harmônica na convivência com a flores-ta. Além de proporcionar a essas famílias que láhabitam desde da época áurea da borracha a so-brevivência em suas áreas de uso - coletivo. Aindaestaremos também perpetuando condições de diasmelhores às gerações futuras.

Com apenas o anuncio da abertura dos estudospara criação da Resex as famílias que de lá saíramnas décadas de 80 e 90 por falta de escola, postode saúde, também pela insegurança fundiária e vi-eram morar na periferia da cidade de Altamira jádemonstram o desejo retornar à região trazendono coração esperança de dias melhores. Há espe-rança nas famílias de tempos melhores onde po-derão finalmente processar e comercializar os re-cursos florestais (andiroba, copaíba, castanha,madeira, peixe e etc) existentes em grande quan-tidade naquela região.

Hoje tal região é palco da presença de pistoleiros,grileiros e compradores de terra que por influên-

cia do asfaltamento da BR 163 já pressionam asfamílias a se retirarem de suas localidades. As ame-aças não cessam ou de forma velada ou mesmodireta colocando placas dentro dos castanhaisproibindo a entrada das famílias, queimando ca-sas como aconteceu agora dia 29 de junho na lo-calidade Praia Grande. São inúmeras as intimida-ções e ameaças contra as famílias que lá moram.

Dessa região do Riozinho pelo menos temos notí-cias que chegam; agora imaginem as áreas maisdistantes no Iriri e no Curuá onde nem notíciaschegam por causa da distancia. Sabemos sim dasameaças e do trabalho escravo. Não houve uma sóderrubada naquela região em que não se usou tra-balho escravo ou forçado. Algo habitual já que nãohá punição exemplar para tal crime.

Tais situações só tendem ao agravamento, se nãohouver um ordenamento territorial, baseado nautilização sustentável dos recursos naturaisrenováveis e na gestão dos não renováveis (ex. dosrecursos hídricos).

É necessário levar em consideração a existência decomunidades, famílias de pescadores, ribeirinhose extrativistas e povos indígenas que necessitamde uma proteção especial por parte do GovernoFederal, assim como também a imediata proteçãode seus territórios que inclui hoje a demarcação e

Extração ilegal de madeira, Terra do Meio,Greenpeace/Beltra

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homologação da Terra Indígena Xipaya e da Ter-ra Indígena Curuaya, e da des-intrusão da TerraIndígena Cachoeira Seca/Iriri. A TI CachoeiraSeca/Iriri, por omissão do Governo Brasileiro eseu órgão indigenista, durante os últimos 12 anosfoi ocupada por famílias de pequenos agricultoresdesavisados que ali era terra indígena. Em 1996era uma média de 400 famílias; hoje estamos comaproximadamente 1.500 gerando um conflito so-cial que só favorece a exploração ilegal de madei-ra e grilagem do território indígena. Este povo in-dígena (os Araras do Pará – autodenominadosWogorogma) é um dos mais frágeis povos do Bra-sil por causa do seu pouco tempo de contato coma sociedade nacional.

Garantir a integridade física, social, cultural e eco-nômica das comunidades indígenas, ribeirinhas,dos pescadores, de pequenos extrativistas que pos-suem modos próprios e mecanismos de uso dos

recursos florestais, sendo levados em consideraçãopelo mercado local, regional, nacional e interna-cional pode ser a saída da sobrevivência responsá-vel e sustentável da floresta.

Não é necessário dizer a catástrofe que seria a cons-trução da Uhe Belo Monte (ex-Uhe Kararaô) paraa região da Bacia do Xingu — só aumentará o qua-dro de destruição que cerca ou que se encontradentro da Terra do Meio. Infelizmente hoje partedo Movimento Social e grupos de empresários vemcomungando na região com um processo arrisca-do de barganha “toma lá, dá cá” junto ao GovernoFederal, entendo de será possível a convivência dedois modelos de desenvolvimento na Amazônia —um que mantém a floresta e usa seus recursos emforma racional e sustentável e outro que substituia floresta por extensas áreas de capim e soja, e ex-pulsa comunidades tradicionais, indígenas e famí-lias de agricultores de suas terras.

Fundo Dema

O Ibama doou seis mil toras de mogno apreendidas na

região de Altamira, sul do Pará, cujo valor bruto foi

estimado em cerca de sete milhões e meio de reais, e o

valor líquido em cerca de três milhões e quinhentos mil

reais, para que a FASE (Federação de Órgãos de Assistência

Social) criasse um fundo permanente de financiamento

de projetos de proteção ambiental, manejo florestal comunitário e ações de

desenvolvimento e inclusão social, com seus parceiros na região. A doação

qualificada do mogno apreendido golpeou a exploração ilegal e selou

uma aliança inédita entre o governo federal, o Ministério Público, as ONGs e o

movimento social da região em favor do desenvolvimento sustentável e

democrático da Amazônia.

O Fundo Dema, criado a partir desta proposta, é organizado e administrado

pela FASE em parceria com FVPP (Fundação Viver, Produzir, Preservar/

Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu).

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IntroduçãoTentar entender o histórico do processo de con-cepção, elaboração e aprovação administrativa daUsina Hidrelétrica de Kararaô, hoje denominadaoficialmente de Complexo Hidrelétrico de Belo Monte,não é tarefa fácil e tampouco indicada para os nãoiniciados. Os dados oficiais, os relatos históricos,as inúmeras manifestações de autoridades e órgãosde governo, as fofocas que correm soltas por en-tre os grupos políticos, todos são contraditórios eincompletos, o que transforma a resposta a umasimples pergunta - “afinal, qual é o projeto do CHEBelo Monte?” - em um angustiante desafio de mon-tagem de peças de um quebra-cabeça cuja formafinal ninguém conhece.

Filho pródigo dos projetos megalômanos de infra-estrutura do governo militar, o projeto de implan-tação do CHE Belo Monte traz consigo muitas dascaracterísticas dessa época, como a falta de trans-parência nas informações oficiais, decorrente desua classificação como “empreendimento estraté-gico” para o desenvolvimento nacional, e a desor-dem – irregular em muitos casos – nos processosde aprovação junto aos órgãos de governo. Tam-bém não poderia ser diferente para uma obra quefoi inicialmente planejada em 1975, por umaconsultoria técnica contratada pela Eletrobrás, eque, desde então, já teve de suportar mais de 15presidentes diferentes da estatal, 13 diferentesministros de minas e energia e não se sabe quantastrocas de equipe técnica.

Capítulo 2

Uma abordagem jurídica das idas e vindas dosprojetos de hidrelétricas no Xingu

Raul Silva Telles do Valle

O presente artigo analisa, desde o ponto de vistajurídico, a imbricada história do CHE Belo Mon-te, com o objetivo de mostrar as inúmeras incon-gruências, contradições e ilegalidades que até hojevigem em torno do projeto.

Os passos do processo de “licenciamentode projetos de geração de energia” e suarelação com o licenciamento ambientalPara se planejar e construir uma usina hidrelétri-ca no Brasil é necessário percorrer um longo pro-cesso administrativo de autorizações e registros.Em nosso sistema jurídico, os potenciais hidrelé-tricos – “matéria-prima” para a produção de ener-gia elétrica – sempre foram considerados uma ri-queza estratégica para o desenvolvimento nacio-nal e por isso estão arrolados dentre os bens daUnião (art.20, VIII da Constituição Federal de1988), tal qual as riquezas minerais do subsolo(art.20, IX), de forma que qualquer pessoa quequeria explorar algum desses potenciais deve sesujeitar a um processo administrativo de concessão deuso de bem público, mediante o qual o legítimo titu-lar desses bens – a União – concede a um particu-lar - ou mesmo a uma empresa pública, que fazparte da Administração Pública indireta, e por-tanto tem personalidade jurídica própria e distin-ta do ente público que a criou – o direito de ex-plorar com exclusividade um bem que é de domí-nio público.

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Há uma farta legislação que, pelo menos desde adécada de 30, regulamenta os procedimentos ne-cessários para se obter a autorização para construire explorar centrais de geração de hidreletricidade.Embora essa legislação tenha sido bastante modifi-cada ao longo das décadas, o pressuposto que sem-pre a permeou é o de que cabe ao Estado garantir o“aproveitamento ótimo” do potencial hidrelétricobrasileiro, seja como agente planejador oufiscalizador das atividades dos agentes de mercado.

O aproveitamento ótimo, sob a ótica da legislaçãoenergética e da grande maioria dos técnicos dosetor de produção de energia elétrica, significaexplorar ao máximo todo o potencial hidrelétricode nossos rios, o que demanda um planejamentoprévio que evite que o aproveitamento de um de-terminado potencial hidrelétrico – que, em termosreais, é um desnível de altura em determinado tre-cho de rio – venha a prejudicar outros aproveita-mentos no mesmo corpo d’água ou, porventura,na mesma bacia hidrográfica1. Os órgãos públicosencarregados de planejar a expansão do sistemade geração de energia elétrica no Brasil semprepensaram as usinas hidrelétricas, tomadas indivi-dualmente, como partes de um conjunto maior,que seria o aproveitamento hidrelétrico do rio, oqual é composto por um conjunto de obras que,embora possam ser construídas por pessoas dife-rentes e em épocas distintas, obedecem a umamesma concepção, a um mesmo projeto cuidado-samente planejado para aumentar a sinergia en-tre as diversas partes do conjunto.

Para se concretizar esse objetivo, a legislação exige

que o primeiro passo a ser dado para se planejar oaproveitamento de potenciais hidrelétricos comcapacidade de geração superior a 30.000 Kw2, é aelaboração de um estudo de inventário hidrelétrico.Este, segundo sua definição legal, é a “etapa deestudos de engenharia em que se define o poten-cial hidrelétrico de uma bacia hidrográfica, medi-ante o estudo de divisão de quedas e a definiçãoprévia do aproveitamento ótimo” (art.1º Resolu-ção ANEEL nº 393/98). Portanto, antes de se ini-ciar a elaboração de um projeto de engenhariamais detalhado para um determinado barramen-to, é necessário que o Poder Público tenha defini-do quantos aproveitamentos existirão naquele de-terminado rio e qual a concepção geral – localiza-ção, tamanho de lago, tamanho da queda d´água– de cada um deles.

Percebe-se, portanto, que os estudos de viabilida-de são de fundamental importância para o plane-jamento da expansão do setor elétrico e têm umaenorme relevância socioambiental, na medida emque é a partir de suas conclusões que serão defini-das quantas barragens um mesmo rio terá, qualserá a área alagada, e, portanto, é nessa etapa quesão definidos os elementos que mais tarde impli-carão em impactos sobre a qualidade da água,fauna aquática e terrestre, vegetação e populaçãoafetada. Por essa razão, esse estudo, durante suaelaboração, deveria avaliar os impactos ambientaisdecorrentes das diversas alternativas, de forma agerar o menor impacto possível e garantir o usomúltiplo das águas. Isso, no entanto, quase nuncaocorreu, pois apenas muito recentemente, a par-tir da década de 90, em função da organização da

Principais normas referentes ao licenciamento ambiental no Brasil

1) Decreto 24.643, de 10/07/1934 – Código de águas

2) Lei 6.938, de 31/08/1981 - Política Nacional do Meio Ambiente

3) Resolução CONAMA 01/1986 – Dispõe diretrizes sobre a Avaliação de Impacto

Ambiental

4) Resolução CONAMA 06/1987 – Dispõe sobre o licenciamento ambiental do setor

elétrico

5) Lei 7.804/89 – Altera a Lei 6.938/81, tratando de competências do licenciamento

ambiental em seu art. 10.

6) Decreto 99.274, de 07/06/1990 – Regulamenta a Lei 6.938/81, tratando do

licenciamento

6) Resolução CONAMA 237/97 – Define e dispõe sobre o licenciamento ambiental, o

Estudo de Impacto Ambiental e dá outras providências.

7) Resolução Aneel 393/98 – Informações gerais sobre o inventário

8) Resolução Aneel 395/98 – Dispõe sobre estudos de viabilidade

9) Resolução Aneel 398/01 – Dispõe sobre o inventário hidrelétrico, tratando até mesmo

dos critérios de escolha do melhor inventário apresentado.

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Principais normas referentes a licitações e ao licenciamento de projetos hidrelétricos no Brasil:

1) Decreto-Lei Federal nº 185, de 23/02/1967 – Esta-

belece normas para contratação de obras e para re-

visão de preços em contratos de obras ou serviços a

cargo do Governo Federal.

2) Decreto-Lei nº 200, de 25/02/1967 – Dispõe sobre

licitações para compras, obras, serviços e alienações.

3) Portaria DNAEE n º 99 de 1979 (D.O. 17/09/1979)

– Dispõe sobre normas para apresentação de proje-

tos de exploração de recurso hídricos.

4) 03/1983 – Eletrobrás publica “Instruções para estu-

dos de viabilidade de aproveitamentos hidrelétricos”

5) 06/1984 – Eletrobrás publica “Manual de inventá-

rio de bacias hidrográficas”

4) Portaria DNAEE nº125, de 21/08/1984 – Dispõe so-

bre procedimentos de aproveitamento hidrelétrico.

5) Decreto-Lei nº 2.300 de 21/02/1986 – Dispõe sobre

licitações e contratos da Administração Federal.

6) Portaria DNAEE nº 43, de 04/03/1988 – Aprova o

inventário realizado na bacia do rio Xingu, nos esta-

dos de Mato Grosso e Pará.

7) Lei Federal nº 8.666 de 21/06/1993 – Institui normas

para licitações e contratos da Administração Pública.

8) Lei Federal nº 8.833 de 08/06/1994 – Altera a lei

8.666/93

9) Portaria DNAEE nº 769, de 25/11/1994 – Constitui

um Grupo de Trabalho (GT) para avaliar a propos-

ta apresentada pela Eletronorte sobre a nova confi-

guração da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

10)Lei Federal 8.987, de 13/02/1995 – Dispõe sobre

o regime de concessão e permissão da prestação

de serviços públicos

11) Lei Federal 9.074, de 07/07/1995 – Estabelece nor-

mas para a outorga e prorrogações das concessões

e permissões de serviços públicos.

12) Decreto Federal nº 2003, de 10/09/1996 – Dispõe,

em seu art 3º, sobre o programa de licitações após

a aprovação de estudos de inventário.

13) Lei 9.427, de 26/12/1996 – Cria a Agência Nacio-

nal de Energia Elétrica.

14) Lei 9.433, de 08/01/1997 – Institui a Política Na-

cional de Recursos Hídricos, regulando a outorga

do uso de recursos hídricos.

15) Lei Federal 9.648, de 27/05/1998 – Altera a lei

8.666/93 (lei das licitações)

16) Resolução Aneel nº 393, de 04/12/1998 – Estabe-

lece procedimentos gerais para o inventário hidre-

létrico.

17) Resolução Aneel nº 395, de 04/12/1998 – Dispõe

sobre o registro e aprovação dos estudos de viabili-

dade de hidrelétricas.

18) Instrução normativa do Ministério do Meio Ambi-

ente (MMA) nº 4, de 21/06/2000 – Dispõe sobre a

outorga de direito de uso de recursos hídricos em

corpos d´água da União.

19) Resolução Aneel nº 398, de 21/09/2001 – Dispõe

sobre o inventário

20) Resolução Conselho Nacional de Política

Energética (CNPE) nº1, de 04/03/2002 - Cria GT

para estudar plano de viabilização para implanta-

ção de Belo Monte.

21) Resolução CNPE nº2, de 06/08/2002 - Prorroga

até o dia 30/11/2002 a apresentação dos resulta-

dos do GT da resolução anterior.

22) Resolução CNPE nº18, de 17/12/2002 - Determi-

na a continuidade das providências para o desen-

volvimento e a viabilização do Complexo Hidrelé-

trico Belo Monte.

sociedade civil brasileira, que passou a denunciaros impactos das grandes barragens, a dimensãoambiental passou a ter algum peso no planejamen-to do setor elétrico.

O interessante é que, inobstante a importânciaestratégica dos estudos de inventário, até a ediçãoda lei que regulamenta o novo modelo elétricobrasileiro (Lei Federal nº 10.847, de 15 de marçode 2004) e cria a Empresa de Pesquisa Energética– EPE, a responsabilidade pela condução dos es-tudos de viabilidade era delegada a particulares.Isso fez com que quase todos os estudos, elabora-dos por aqueles que têm como interesse precípuoproduzir energia para venda ou uso industrial, tra-tassem dos rios como meras matérias-primas paraa produção de sua mercadoria – energia elétrica –sem se preocupar seriamente com a garantia deusos múltiplos e tampouco com a dimensãosocioambiental envolvida na implantação desses

empreendimentos. Por isso, a marca dos estudosde viabilidade elaborados até hoje, principalmen-te aqueles anteriores à década de 90, é a absolutaausência ou irrelevância da dimensão ambientalou social em sua concepção.

A etapa seguinte à elaboração dos estudos de in-ventário é a dos estudos de viabilidade. Não há umadefinição legal do que seja propriamente esse es-tudo, mas ele é, basicamente, um aprofundamentodos trabalhos de engenharia focado para um de-terminado barramento, já previamente definido noinventário aprovado pelo órgão competente (hojeANEEL), onde o interessado procura avaliar, basica-mente, a viabilidade econômica do empreendimento,identificando as condicionantes físicas para suaimplantação (estrutura geológica do local deimplantação, disponibilidade de material paraconstrução, dentre outros), detalhando suas carac-terísticas estruturais (tipo de barragem, material

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utilizado, tamanho do lago, localização das casasde força, dentre outros) e prevendo com mais pre-cisão quanto será demandado de tempo e recur-sos, financeiros e tecnológicos, para a construçãoda usina hidrelétrica. É, portanto, um documentode natureza eminentemente técnico-econômica,cujo objetivo principal é sinalizar aos possíveis in-vestidores a rentabilidade do negócio.

O estudo de viabilidade deve ser aprovado pelaANEEL (art.3º, Resolução ANEEL nº395/98), queo analisará sob diversos aspectos, dentre os quais,teoricamente, o ambiental. Ocorre que a dimen-são ambiental nunca foi seriamente levada em con-sideração pelos técnicos da ANEEL, que sempreenxergou essa exigência legal (art.12, ResoluçãoANEEL nº395/98) de uma forma burocrática, de-legando aos órgãos de controle ambiental essa ta-refa, e exigindo do interessado em aprovar o estu-do apenas que tenha dado início ao processo delicenciamento ambiental junto ao órgão compe-tente. Portanto, esses estudos sempre foram apro-vados e, muitas vezes, colocados “à venda” em pro-cessos licitatórios, sem mesmo se saber sobre a via-bilidade ambiental do empreendimento a ser even-tualmente construído, já que nem a licença préviaambiental era exigida como condição para a reali-zação do leilão de venda dos estudos e para a assi-natura dos contratos de concessão.

De qualquer forma, deve ficar claro que o estudode viabilidade está profundamente atrelado ao in-ventário hidrelétrico da bacia hidrográfica, pois éum detalhamento deste. Isso significa que, embo-ra a estrutura física do empreendimento seja rele-vante para determinar seus impactos ambientais,não é na fase dos estudos de viabilidade que sepoderá “adequar ambientalmente” o empreendi-mento, pois aí suaconcepção já estádefinida, e o máxi-mo que se poderáfazer é amenizar al-guns poucos impac-tos com soluções deengenharia. O mo-mento crucial paradeterminar os im-pactos de uma de-terminada hidrelé-trica é na definiçãoda partição de quedasdo rio, que é quandose define o aproveita-mento ótimo do po-tencial hidrelétrico

daquela bacia hidrográfica e, portanto, fica determi-nado quantos barramentos haverão e, mais, comoeles deverão operar para criar uma sinergia epotencializar a produção de energia em cada usina.

Por mais absurdo que pareça, até hoje o processode Avaliação de Impacto Ambiental – AIA3 semprefoi – e continua sendo, embora existam tímidospassos do atual governo4 para modificar essa lógi-ca – centrado no estudo de viabilidade, ou mesmono projeto básico, que é um aprofundamentodaquele, e não no inventário hidrelétrico. Isso sig-nifica que a avaliação será sempre sobre as conse-quências, se tornando na verdade uma mera men-suração de impactos, pois as causas jamais serãoquestionadas e avaliadas, e mais, não poderão seralteradas, uma vez que o inventário já está aprova-do e a concepção das barragens já é apresentadacomo um fato. Isso contraria a própria concepçãoda AIA, que é muito mais do que um mero proce-dimento que identifica medidas mitigadoras paraum projeto pronto, sendo na verdade um processono qual a própria proposta colocada inicialmente podeser completamente alterada, modificada, transforma-da, ou, eventualmente, rejeitada.

Como fica evidente, o diálogo entre ambos siste-mas – de aprovação “energética” e de avaliaçãoambiental – é absolutamente esquizofrênico, e oarranjo jurídico que o sustenta traz como conse-qüência alguns paradoxos. Se, no processo de ava-liação de impacto ambiental, chega-se à conclu-são que aquela determinada usina é ambiental-mente inviável da forma como está planejada, aúnica opção que resta é negar a licença para cons-trução, pois não há como alterar sua concepção,já que esta foi prevista num projeto maior, que estáfora de questão e que só faz sentido se concretiza-

do tal como planeja-do. Por outro lado,se a licença ambien-tal é negada parauma das usinas pro-jetadas, e ela nãopode ser implanta-da, então todo o es-tudo de inventáriofica prejudicado,pois a partição dequedas foi planeja-da para se obter oaproveitamento óti-mo, e sem aqueladeterminada barra-gem não só ele nãoserá alcançado mas,

Indígenas aplaudem a aprovação das garantiasdos direitos indígenas na Constituinte, 1988,

Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA

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caso já se soubesse de antemão que uma barragemnaquele local não seria possível, poderia ter se op-tado por um outro arranjo que dispensasse aquelabarragem e incrementasse a potência das demais,chegando mais próximo de um hipotético apro-veitamento ótimo. Ademais, como muitas vezes asbarragens no mesmo rio funcionam em série, comuma regularizando a vazão ou estocando água paraaquela que está a jusante, impedir a implantaçãode uma pode inviabilizar todo o sistema, o que émenos preocupante quando isso ocorre já na pri-meira a ser implantada, mas muito mais sério quan-do algumas já foram implantadas na expectativade que as outras o serão também. Nesses casos, apressão sobre o processo de licenciamento ambi-ental é enorme, e os órgãos ambientais ficam pra-ticamente atados a uma única opção, a de aprovaro empreendimento, contrariando assim o dispos-to na Resolução CONAMA 01/86, que determinaque deverá ser sempre avaliada a opção de nãoimplantação (art.5º, I).

Toda essa digressão foi necessária para poder explicaro status atual do licenciamento do CHE Belo Montee, mais, demonstrar suas inúmeras incongruências.

O licenciamento de Belo Monte e as demaisusinas hidrelétricas do rio XinguComo explicitado em outros capítulos dessa obra,o projeto da UHE Kararaô é fruto de um dessesestudos de inventário elaborados durante a déca-da de 70, com pouca ou nenhuma preocupaçãode ordem socioambiental. Esse estudo, elaboradopelo Consórcio Nacional de Engenheiros Consul-tores (CNEC) e contratado pela Eletrobrás, defi-niu que o rio Xingu deveria ter, para se obter ofamigerado aproveitamento ótimo, um conjuntode seis barragens (Jarina, Kokraimoro, Ipixuna,Iriri, Babaquara e Kararaô). Essa foi a partição dequedas definida no estudo como a mais apta aobter o máximo de energia gerada, e este foi oestudo oficialmente apresentado em 1980 ao en-tão Departamento Nacional de Águas e EnergiaElétrica – DNAEE, antecessor da ANEEL enquan-to órgão de gestão do setor elétrico, que foi apro-var o estudo apenas oito anos depois.

O fato é que, oficialmente, existe apenas um in-ventário hidrelétrico do rio Xingu apresentado eaprovado, e esse aponta a construção de seis usi-nas, que por sua vez trabalhariam em série parapoder contornar o obstáculo natural representadopela grande variação de vazão do rio nas diferen-tes estações do ano . Essas seis usinas, se construí-das, irão inundar uma área de 18 mil quilômetros

quadrados, incluindo aí o território de 12 povosindígenas, e transformar o rio Xingu em uma sériede grandes lagos, alterando completamente suadinâmica e desestruturando inexoravelmente to-das as cadeias ecológicas que dele dependem. Ouseja, a concretização do previsto no inventário hi-drelétrico do rio Xingu significaria uma verdadei-ra catástrofe ambiental, social e cultural, pois des-truiria o rio e afetaria significativamente a vida detodos os povos indígenas que vivem em seu entor-no. Foi por essa razão que ocorreu, já na décadade 80, organizações sociais, Igreja, povos indíge-nas e lideranças políticas se reuniram no famosoEncontro de Altamira e iniciaram o movimentopara impedir a implementação desse projeto, de-nunciando perante o público os impactos inaceitá-veis que poderiam ser causados.

Em função da reação da sociedade perante a amea-ça representada pelo conjunto de represas no rioXingu, a Eletrobrás e sua subsidiária, a Eletronor-te, “colocaram na geladeira” o inventário aprova-do, por não haver como defendê-lo publicamente,diante do absurdo e da ilegalidade de suas conse-qüências. Quando, já na segunda metade da déca-da de 90, voltaram a falar publicamente do projetode construção de usinas no rio Xingu, o foco pas-sou a ser exclusivamente a implantação da UHEKararaô, rebatizada de CHE Belo Monte. Portanto,“desapareceram” com as demais usinas e passarama alegar que elas não seriam mais construídas, emfunção de seus impactos socioambientais, o que vemsendo reafirmado até hoje.

O Conselho Nacional de Política Energética –CNPE, colegiado vinculado ao Ministério de Mi-nas e Energia – MME que tem como função auxi-liar no planejamento da expansão do sistema bra-sileiro de geração de energia elétrica, criou em2002, em função da crise de energia pela qual pas-sou o país, um grupo de trabalho para “viabilizar aimplantação de Belo Monte” (Resolução CNPE nº01, de 04 de março de 2002). Esse GT apresentou,em dezembro do mesmo ano, um relatório final,no qual conclui pela viabilidade e necessidade deimplantação do empreendimento, considerando“apenas a existência do CHE Belo Monte no rioXingu, de tal forma que não é imputado ao mes-mo qualquer benefício de regularização a mon-tante, apesar dos estudos inventário hidrelétricodo rio Xingu, realizados na década 70, terem iden-tificados quatro aproveitamentos hidrelétricos amontante”. Portanto, o governo federal vem aca-tando oficialmente a idéia de que Belo Monte se-ria um empreendimento isolado, que existiria in-dependentemente das demais usinas do Xingu, o

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RESOLUÇÃO Nº 2, DE 17 DE SETEMBRO DE 2001 Dispõe sobre o reconhecimento do interesse estratégico da

Usina Hidrelétrica Belo Monte, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA - CNPE, no uso das atribuições que

lhe confere o art. 2º da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, o art. 2º, § 3º, inciso III, do Decreto nº 3.520, de 21 de

junho de 2000, e tendo em vista as deliberações aprovadas na 3a Reunião Ordinária do Conselho, realizada no dia

1º de agosto de 2001, resolve:

Art. 1º Reconhecer o interesse estratégico da Usina Hidrelétrica Belo Monte, a ser construída em trecho do rio

Xingu, no Estado do Pará, no planejamento de expansão da hidreletricidade até o ano de 2010, e propor que seja

autorizada a continuidade dos estudos de viabilidade econômico-financeira, projeto básico, licenciamento ambiental,

e a realização de estudos referentes a:

I - participação de capital privado na modelagem financeira do empreendimento, preferencialmente na condição

de controlador;

II - forma de integração da usina ao sistema interligado, considerando os aspectos energéticos, comerciais e do

sistema elétrico;

III - impactos de sua operação no parque gerador nacional;

IV - confiabilidade da rede básica face ao sistema de transmissão associado;e

V - impactos financeiros da execução da obra no Orçamento da União.

Art. 2º Recomendar que os estudos de impacto ambiental e do uso múltiplo das águas do reservatório a ser formado

com a construção da UHE Belo Monte sejam realizados com a participação dos Ministérios de Minas e Energia, do

Meio Ambiente, do Planejamento, Orçamento e Gestão, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, da

Agência Nacional de Energia Elétrica e da Agência Nacional de Águas, compreendendo nesse estudo a avaliação

do potencial do empreendimento na promoção do desenvolvimento econômico e social na Região.

Parágrafo único. A Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRÁS, por intermédio da Centrais Elétricas do

Norte do Brasil S.A. - ELETRONORTE, deverá iniciar os estudos, conforme estabelecido no caput e em conjunto

com o Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos - CCPE e o Comitê Técnico de

Planejamento do Suprimento de Energia Elétrica do CNPE.

Art. 3º Os estudos de que trata o art. 2º desta Resolução deverão ser apresentados à Secretaria-Executiva do CNPE,

até 17 de dezembro de 2001, para possibilitar manifestação do Conselho quanto à construção da UHE BeloMonte.

Art. 4º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

JOSÉ JORGE DE VASCONCELOS LIMA

Ministro das Minas e Energia

que se reflete não apenas em alguns – poucos –documentos oficiais, mas no discurso da maiorparte das autoridades.

Ocorre que, embora a concepção da partição dequedas tenha sido profundamente modificada, nun-ca foi apresentado um novo estudo de inventário eo aprovado nunca foi cancelado. Isso significa que,para todos os fins legais, o projeto para o rio Xingué de construção de seis barragens, e Belo Monte éapenas uma delas, devendo, portanto, ser analisa-da em função do conjunto, e não isoladamente.

Mas essa não é apenas uma conclusão “formal”,derivada de um preciosismo jurídico que analisao processo apenas quanto a seus atos oficiais. En-tender Belo Monte como uma peça de um que-bra-cabeça maior é uma conclusão lógica derivadada análise de sua concepção estrutural.

O primeiro estudo de viabilidade da UHE Belo Mon-te, baseado no estudo de inventário hidrelétricoaprovado em 1988, foi entregue ao DNAEE em 11de outubro de 1989, e previa a formação de um lagode 1225 km2 na cota 96 m, para uma geração de

cerca de 8.400 MW de potência máxima. Esse estu-do, no entanto, jamais chegou a ser aprovado peloDNAEE, pois cerca de três anos e meio depois, em1993, técnicos do DNAEE e da Eletrobrás firmaramentendimento no sentido de ser necessária uma re-visão dos estudos até então procedidos, com vistas àsua “viabilização sócio-política”5.

Em 25 de novembro de 1994, o DNAEE criou umgrupo de trabalho (Portaria nº 769) composto portécnicos da Eletronorte, da Eletrobrás e do pró-prio DNAEE, que tinha como objetivo:• reavaliar energeticamente a configuração

estabelecida nos estudos viabilidade, com fins deconfirmar a atratividade do empreendimento;

• atualizar os estudos ambientais, hidrológicos ede orçamento;

• analisar e propor ações para viabilização sócio-política do empreendimento.

Desse GT surgiu a idéia de se alterar o projeto deengenharia, de forma diminuir o tamanho do re-servatório e assim minimizar os impactos ambien-tais de qualidade da água no rio Bacajá, eliminar ainterferência do reservatório com a área indígena

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Paquiçamba e diminuir a área de inundação do re-servatório, minimizando os custos com relocações6.Acreditava-se, portanto, que estaria afastada gran-de parte dos problemas apontados pelos opositoresdo projeto, sem perda de energia, ou melhor, comum aparente ganho energético, que saltaria de 8.400MW para 11.181 MW de potência máxima.

Essa proposta foi encaminhada à Eletrobrás que,em outubro de 1999, solicitou ao Ministério de Mi-nas e Energia autorização para dar prosseguimen-to aos estudos que validariam a alternativa propos-ta, incluindo neles, os estudos de mercado e do sis-tema de transmissão associado. No mesmo mês, aautorização foi concedida, e um novo estudo de vi-abilidade foi iniciado, já a partir do novo projetode engenharia, que transformaria a UHE Belo Mon-te em uma usina praticamente a fio d´água, ou seja,sem reservatório de acumulação, como já explica-do no capítulo 1. Esse estudo de viabilidade foi con-cluído em fevereiro de 2002, e logo em seguidaapresentado à ANEEL, que até 21/07/2004 classi-ficava-o como “em análise”, ou seja, sem um resul-tado quanto a sua aprovação ou não.

Ocorre que esse novo estudo foi feito sem ter havi-do qualquer modificação no inventário hidrelétri-co aprovado em 1988, o que contraria a regulamen-tação legal sobre a questão. Todo estudo de viabili-dade deve estar baseado em um inventário aprova-do, e, portanto, deve seguir o que está nele estipu-lado. O inventário do rio Xingu oficialmente apre-sentado prevê a construção de seis barragens, cadauma com uma determinada concepção estruturaljá definida para poder aproveitar o máximo do po-tencial hidrelétrico, e nele nada consta sobre esse“novo arranjo” para Belo Monte. Para que um novoestudo de viabilidade fosse elaborado, seria neces-sário, antes, rever o inventário aprovado, apresen-tando um novo estudo que contemplasse as novaspropostas tanto para o CHE Belo Monte quantopara as demais barragens originalmente previstas.Um estudo de viabilidade sem um inventário que osustente é, juridicamente, viciado.

Sem um novo inventário elaborado e aprovado, nãohá como afirmar que não se pretende construiroutras barragens ao longo do rio Xingu, pois essaafirmação não só contraria a única informação ofi-cial disponível, mas também vai de encontro a to-das as informações técnicas até agora levantadas.

Como já demonstrado em outros capítulos dessaobra, embora tenha sido apresentado um novo es-tudo de viabilidade que contemple Belo Montecomo uma usina a fio d´água, sem modulação deponta, e neste se afirme que “o CHE Belo Monte é

viável economicamente independente de outrosaproveitamentos”, razão pela qual “não estão sendoconsiderados nos seus estudos sócio-ambientais osimpactos sinérgicos com eventuais futuros aprovei-tamentos hidrelétricos na bacia”6, há sérias razõespara se duvidar da credibilidade dessas afirmações.

Conforme demonstram os dados expostos na notatécnica do Capítulo 5, obtidos a partir de uma si-mulação da geração de eletricidade de Belo Mon-te em sua atual concepção, ou seja, operando a fiod’água e sem outras barragens a montante pararegularizar a vazão do rio Xingu, Belo Monte con-seguiria operar em sua carga máxima, produzin-do 11.182 MW de energia, durante, no máximo,apenas três meses do ano. Isso significa que, du-rante nove meses do ano, ou seja, durante 75% dotempo, a usina ficaria com turbinas uma capacida-de de produção ociosa, em função de não haverágua suficiente para girá-las.

Mas isso não é o mais espantoso. Pelas simulaçõesfeitas para o período de 1931 a 1996, a potênciaassegurada máxima teria sido de 1.356 MW, ou seja,seria garantido, durante o ano inteiro, uma po-tência que corresponde a cerca de 1/10 do núme-ro que vem sendo alardeado (11.182 MW) comoo grande trunfo para a construção da obra e apre-sentado oficialmente como a energia que seria efe-tivamente gerada. Esse dado, que não vem sendodivulgado pelo Ministério de Minas e Energia oupela Eletronorte, e que não consta nem mesmodos estudos de viabilidade entregues, nos quais sefala na produção de 4.700 MW “médios”, é de sumaimportância para avaliar a validade desses estudos,pois levanta sérias dúvidas quanto à viabilidadeeconômica do empreendimento.

Segundo os dados apresentados no relatório doCNPE para analisar a viabilidade da implantaçãode Belo Monte, os custos do empreendimento,compreendendo tanto a estrutura de geraçãoquanto de distribuição, girariam em torno de US$5,25 bilhões, o que, considerando a potência má-xima a ser gerada (11.182 MW) e custos de investi-mento de menos de 400 dólares por kw/instalado- valor extraído do inventário realizado há mais devinte anos - faria com que a usina produzisse ener-gia a 12,4 US$/MWh, custo considerado baixo parao setor elétrico. Porém, como visto, esse valor depotência máxima seria atingido durante apenasdois ou três meses do ano, sendo que no restantedo ano a energia gerada seria muito inferior, o quesignifica que os custos apresentados tanto nos es-tudos de viabilidade, quanto no relatório do CNPEestão subavaliados.

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O que isso significa? Significa que verbas do erá-rio público serão investidas em um projeto cujoaproveitamento econômico é mais do que duvido-so, e que trará, mesmo com sua reformulação es-trutural, graves impactos ambientais. Segundo o“modelo institucional financeiro” proposto peloCNPE, “a estruturação do projeto, vislumbrada nacondição da participação majoritária da iniciativaprivada, no que se refere à redução dos riscos re-lativos aos aspectos ambientais e de inserção regi-onal, sugere a presença da Eletrobrás, assumindoa coordenação dessas atividades”. Vê-se, portanto,que haverá pesados investimentos de uma empre-sa pública para ancorar o grupo de investidores egarantir a captação de recursos no mercado finan-ceiro com os menores riscos possíveis aos parcei-ros privados, pois “a reconhecida capacidade demobilização de recursos da Eletrobrás, inclusivepor meio do lançamento de papéis no país e nomercado internacional, seria um fator mitigadordo risco de financing para o empreendimento”7.

Surgem, portanto, duas questões de alta relevânciapolítica e jurídica: se está demonstrado que BeloMonte não gerará, durante grande parte do ano, aenergia que seus proselitistas afirmam, embora suaestrutura física permaneça a mesma, implicandopraticamente nos mesmos custos econômicos eambientais, tem essa obra realmente viabilidadeeconômica e ambiental? Como é possível investiruma quantia muito considerável de recursos públi-cos em um empreendimento que não só causarágrandes impactos ambientais e sociais mas, desde oponto de vista essencialmente financeiro, não traráo retorno que vem sendo por todos esperado?

Uma coisa é avaliar a obra diante da perspectiva deque ela gerará os 11.182 MW de energia firme du-rante o ano inteiro, que essa energia será distribuí-da de forma socialmente justa e voltada ao desen-volvimento regional, não sendo vendida com pre-ços subsidiados a grandes exportadoras de alumí-nio ou aço. Nesse caso, embora sua viabilidadesocioeconômica e ambiental possa ainda ser ques-tionada, há mais fatores positivos a serem coloca-dos na balança. Outra coisa é avaliar uma obra quegerará apenas 1.356 MW de energia firme durantetodo o ano, mas com os mesmos custos econômi-cos e ambientais. Devemos, enquanto sociedade,aceitar tantos impactos para gerar essa quantidadede energia? Devemos aceitar que volumosos recur-sos públicos, escassos para tantas áreas, sejam inves-tidos em um empreendimento cujo retorno econô-mico e social é profundamente questionável?

Aplicar recursos públicos dessa monta numa usinaque muito possivelmente operará muito abaixo de

sua capacidade máxima de produção atenta contraos princípios básicos da boa gestão administrativa.Em primeiro lugar, fere o princípio constitucionalda razoabilidade e proporcionalidade, pois serão dispen-sados muitos recursos para poucos resultados, oumelhor, para poucos benefícios econômicos e mui-tos prejuízos socioambientais. Em segundo lugar,fere o princípio constitucional da economicidade(art.70, parágrafo único, Constituição Federal), quesignifica saber se foi “obtida a melhor proposta paraa efetuação da despesa pública (...) e se ela fez-secom modicidade, dentro da equação custo-benefí-cio”8.

Mas o mais grave é que o documento oficialmenteapresentado, que vem servindo de base para todosos debates públicos acerca do empreendimento, eque subsidiará futuramente a elaboração do EIA/Rima para o processo de licenciamento9, apresentadados que estão sendo tecnicamente contestados,e que demonstram que o verdadeiro projeto não éesse que vem sendo vendido ao público. Por tudoque já foi exposto, o CHE Belo Monte claramentenão se sustenta técnica e economicamente sozinho,pois necessitará, num futuro breve, da construçãode pelo menos mais uma barragem a montante, pararegularizar a vazão do rio e melhorar seu aproveita-mento energético. Essa é uma realidade que, em-bora a Eletronorte venha tentando escamotear, nãotem como ser negada, o que leva até mesmo docu-mentos oficiais a ter de deadmiti-la, mesmo queindiretamente. Esse é o caso do relatório produzi-do pelo CNPE, que diz textualmente: “na hipótesede ser implantado qualquer empreendimento hi-drelétrico com reservatório de regularização a mon-tante de Belo Monte, poderá ser aumentado o conteúdoenergético desse Complexo, a ser definido com a revisãodos estudos de inventário do rio Xingu, a montan-te de Altamira”. O mesmo é repetido no Estudo deViabilidade entregue à ANEEL, onde, após afirmarque o estudo energético “considera apenas a exis-tência do CHE Belo Monte no rio Xingu”, faz a se-guinte observação: “frisa-se, porém, que a implantaçãode qualquer empreendimento hidrelétrico com reservatóriode regularização a montante de Belo Monte aumentará oconteúdo energético dessa usina”.

Como se vê, o projeto de aproveitamento hidrelé-trico do rio Xingu é, e sempre foi, o de construçãode uma série de barragens. Uma vez construídoBelo Monte, e diante dos vários bilhões de dólaresinvestidos, logo aparecerão críticos afirmando oabsurdo de existir uma obra desse tamanho quetrabalhe com pouco mais de 10% de sua capacida-de. Não demorará para que essas mesmas pessoaspassem a defender a construção de pelo menos

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mais uma barragem a montante, quando não todoo complexo de hidrelétricas previsto desde a dé-cada de 70. Afirmarão que essa é uma medida debom senso, pois não se pode investir tanto dinhei-ro em uma usina e deixá-la ociosa, e já que ela estáconstruída então deve-se viabilizar sua operação acontento. Isso significará a retomada integral doestudo de inventário original, com todos os impac-tos socioambientais disso decorrentes.

Mas por que, há vários anos, as sucessivas ges-tões da Eletronorte e do Ministério de Minas eEnergia vêm negando essa realidade? Por que nãoadmitem que o projeto continua sendo o mesmode sempre, apenas dividido em etapas imaginári-as? Por que elas sabem que a construção do com-plexo de usinas trará impactos ambientais, sociais,culturais e econômicos tão negativos que não teri-am como defendê-la publicamente, pois elas nãoseriam aceitáveis hoje, como já não foram no pas-sado. Por essa razão vêm omitindo informaçõesrelevantes, ferindo, portanto, o direito à informa-ção da sociedade brasileira.

O direito à informação, tutelado constitucionalmen-te, é um dos elementos centrais do Estado democrá-tico de Direito. É com base em uma informação atu-alizada, completa e compreensível que a sociedadecivil poderá, por um lado, saber quais as questõesque mais lhe interessam e que merecem sua inter-venção, e por outro, decidir com segurança sobreos temas postos em discussão. Por essa razão, a LeiFederal nº 10.650/03, determina aos órgãos e enti-dades da Administração Pública, direta ou indireta,o fornecimento de todas as informações ambientaisque estejam sob sua guarda e que versem sobre “po-líticas, planos e programas potencialmente causa-dores de impacto ambiental” (art.2º, II).

No caso sob análise, se está claramente omitindo in-formação ambiental. Segundo a Convenção deAarhus, que trata sobre o direito à participação nagestão ambiental e que é hoje tida como referênciainternacional sobre o assunto, informação ambientalé toda e qualquer informação que disponha sobre:a) o estado dos recursos naturais e bens ambien-

tais, como o ar, água, biodiversidade etc.;

b) atividades, públicas ou privadas, políticas, pla-nos, programas, leis ou qualquer outro fator fí-sico, biológico ou social que possam afetar demaneira significativa a qualidade ambiental;

c) análises econômicas e avaliações de custo-benefício quetenham sido ou venham a ser fundamento para qual-quer tipo de decisão concernente a questões ambientais;

d) o estado da saúde e bem estar humano, a quali-dade de vida, a situação de bens e patrimônios

históricos ou culturais, que possam ser signifi-cativamente afetados por qualquer alteraçãoambiental (art.2,3).

Portanto, ao negligenciar do público em geral da-dos cruciais para a análise custo-benefício do em-preendimento, o Governo Federal não vem cum-prindo com seu dever de informar adequadamen-te os cidadãos.

Mas o que ocorrerá se todo o complexo hidrelétricodo rio Xingu for realmente implementado? Uma áreade, no mínimo, 8.800 km2 seria completamentealagada, e o rio Xingu seria completamente altera-do, pois não seria mais um rio corrente, mas um con-junto de lagos. Nenhuma Terra Indígena do sul doPará e norte do Mato Grosso ficaria ilesa, pois outeriam áreas alagadas e utilizadas para a construçãodas barragens, ou, mais grave ainda, teriam sua caçae pesca radicalmente afetados, uma vez que o Xingue seus afluentes também o seriam. Ademais, as re-presas afetariam uma área de extrema importânciapara a conservação da biodiversidade, conhecida ge-nericamente como Terra do Meio, que hoje tem 98%de sua área com vegetação natural e que, por servircomo um grande corredor ecológico entre TerrasIndígenas e Unidades de Conservação situadas en-tre o sul do Pará/norte do Mato Grosso e o norte doPará, foi definida como de alta prioridade para a cri-ação de Unidades de Conservação pelo Ministériode Meio Ambiente10.

Infelizmente, até o momento os estudos de impactoambiental já elaborados para Belo Monte, cuja lega-lidade ainda está sendo judicialmente questionada,nunca trataram dos efeitos sinérgicos do complexode hidrelétricas na bacia do rio Xingu, cuidando deBelo Monte como se fosse uma obra isolada, semrelação com as demais barragens projetadas para omesmo rio. No momento11 não há nenhum proces-so de licenciamento ambiental oficialmente em cur-so, pois o que havia sido iniciado junto ao IBAMA foiarquivado. Mas poucas são as esperanças de que ele,quando for retomado, cumpra com o estipulado naResolução CONAMA 01/86 e realize a avaliação deimpacto ambiental tendo como referência a baciahidrográfica na qual está inserida a obra, e, assim,faça uma avaliação do conjunto de barragens.

Está claro que o Brasil não aceita mais esse tipo de“desenvolvimento”, que destrói tudo o que toca.Nossa Constituição Federal estabelece que a ordemeconômica deve ter por fim assegurar a todos exis-tência digna, e deve se basear no respeito ao meioambiente ecologicamente equilibrado (art.170).Isso significa que não há desenvolvimento comdestruição ambiental ou desajuste social.

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Entrevista com Nilvo Luis Silva, diretor de Licenciamento Ambiental do Ibama, Ministério do Meio Ambiente

(fonte”O governo que planeja tem de estar integrado ao governo que licencia” entrevista concedida a Cláudia Siqueira e Roberto Carlos Francellino,

revista Brasil Energia, junho de 2004)

Como é a relação com o Ministério de Minas e Energia (MME)?

Nilvo: O MME e o MMA estão fazendo um levantamento dos estudos de viabilidade das hidrelétricas que não

iniciaram construção. O que estamos vendo no Brasil é isso: uma parte do governo faz concessão de hidrelétricas e

outro vai avaliar a viabilidade depois, muitas vezes dizendo “não”. É preciso haver uma integração maior entre a

área do governo que planeja e a que licencia.

Como está o licenciamento de hidrelétricas?

Nilvo: Não preocupa. O que temos é muito trabalho para garantir a expansão da geração. Primeiro, resolver alguns

empreendimentos que estão embargados judicialmente. E já vínhamos trabalhando com o MME para tratar a

questão dos conflitos sociais. Hoje o que preocupa são esses conflitos, e não os ambientais. O próprio setor elétrico

precisa se envolver mais na questão dos conflitos antes do licenciamento. Outro desafio será o aumento da demanda

com o novo modelo do setor elétrico. Estamos discutindo com os estados a melhor maneira de fazer esses

licenciamentos. (...) Muitas das reclamações da indústria contêm meias-verdades. Um artigo que saiu em “O Globo”

dizia que as obras estavam paralisadas por causa do Ibama. Das obras mencionadas no artigo não existia nenhuma

paralisada por causa do Ibama. Havia obras embargadas judicialmente e de licenciamento estadual.

Qual seria a forma de acelerar o processo?

Nilvo: Os estudos têm de ter mais capacidade. Em muitos casos o processo sai da esfera administrativa e vai para o

Judiciário, onde leva um tempo muito grande. É preciso conduzir o licenciamento com rigor, tendo uma preocupação

com o tempo, mas isso não pode ser a principal preocupação. Um exemplo é a negociação de indenizações.

Preferíamos que elas não fossem responsabilidade do órgão de licenciamento. Não podemos, contudo, ignorá-las.

Alguém teria de cuidar dessa parte, deixando para o Ibama apenas questões relativas ao meio ambiente.

Qual é a visão do Ibama sobre projetos de grande porte, como Belo Monte e rio Madeira?

O Ibama não pode ser contra ou a favor desses empreendimentos. Nosso papel é justamente ser uma espécie de árbitro

e dizer se ele é viável ou não. O que achamos é que os projetos devem ter mais qualidade, independente do seu porte.

Se o complexo hidrelétrico do Xingu for implan-tado, não só todo um conjunto de ecossistemas seráirremediavelmente degradado, mas a vida de to-das as populações indígenas que deles dependemserá, para sempre, alterada. As perdas ambientais,culturais e sociais para o país serão irreparáveis, eisso afronta os princípios básicos estipulados emnossa ordem constitucional. Isso vem sendo admi-tido até mesmo pelos proponentes do projeto, queafirmam no Estudo de Viabilidade que “emboraos estudos de inventário hidrelétrico do rio Xingurealizados no final da década de 70 tivessem identi-ficado cinco aproveitamentos hidrelétricos a mon-tante de Belo Monte, optou-se por não considerá-los nas avaliações aqui desenvolvidas, em virtude danecessidade de reavaliação deste inventário sob umanova ótica econômica e sócio-ambiental”12. Por essarazão eles hoje pregam que o estudo de inventáriodeve ser esquecido, o que, por todo o exposto, éevidentemente apenas da boca para fora, pois osdados vêm desmentir esse aparente desinteressepelos demais aproveitamentos hidrelétricos.

ConclusãoA sociedade brasileira tem o direito de ser ade-quadamente informada sobre os planos oficiaispara utilização do rio Xingu e quais suas conseqü-ências socioambientais. Esse direito, no entanto,vem sendo reiteradamente afrontado pelos órgãos

de governo que deveriam implementá-lo, na me-dida em que insistem em apresentar Belo Montecomo uma “obra prima” da engenharia que, sozi-nha, responderia por parte significativa da deman-da nacional por eletricidade.

Há no entanto várias evidências técnicas, políticase jurídicas que questionam essa afirmação e colo-cam em cheque a viabilidade do empreendimen-to, demonstrando que ele necessitaria da constru-ção das demais barragens previstas no Estudo deInventário Hidrelétrico do rio Xingu para ser eco-nômica e energeticamente viável. Essas evidênci-as, no entanto, não vêm sendo expostas ao grandepúblico, e nem vem levadas em consideração pe-las autoridades competentes, que relutam em acei-tar perante a sociedade uma realidade que, embo-ra os discursos tentem escamotear, os dados insis-tem em reafirmar: Belo Monte nunca deixou deser Kararaô.

As consequências da construção de um complexode barragens no rio Xingu, assim como em outrosrios brasileiros, devem ser cuidadosa e aprofunda-damente debatidas pela sociedade e pelo Gover-no Federal, sob pena de estarmos, de uma formamais sutil, reeditando as famigeradas práticas dogoverno militar de impor à sociedade obras e pro-jetos sem antes consulta-la quanto à sua conveni-ência. E isso imaginava-se que era uma página vi-rada em nossa história Republicana.

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Notas

1 A Lei Federal nº 9074/95 define oaproveitamento ótimo como “todopotencial definido em sua concepçãoglobal pelo melhor eixo do barramen-to, arranjo físico geral, níveis d’águaoperativos, reservatório e potência, in-tegrante da alternativa escolhida paradivisão de quedas de uma baciahidrográfica” (art.5º, £3º).

2 A potência superior a 30.000 Kw é oque diferencia a Usina Hidrelétrica –UHE das mini usinas e das PequenasCentrais Elétricas – PCE, que não se-guem as mesmas regras e os mesmosprocedimentos daquelas para sua im-plantação.

3 A AIA é um dos instrumentos da Polí-tica Nacional de Meio Ambiente (art.9º,

Lei Federal nº 6938/81) que tem comoescopo permitir ao Poder Público e àsociedade realizar uma análise dos pos-síveis impactos ambientais advindos daimplantação de um determinado empre-endimento, de forma que possa pesar osbenefícios e prejuízos que ele causará,para então avaliar a legalidade e a opor-tunidade de sua implantação.

4 Esse artigo foi terminado em marçode 2005, quando o Presidente da Re-pública era Luiz Inácio Lula da Silva, aMinistra de Meio Ambiente era MarinaSilva e a Ministra de Minas e Energiaera Dilma Rousseff.

5 cf. Estudos de Viabilidade do ComplexoHidrelétrico de Belo Monte – Relatório Fi-nal. Fevereiro de 2002.

6 Idem, pp.41.7 Plano de Viabilização para a Implanta-ção do Empreendimento Belo Monte – Rela-tório Final”. CNPE, dezembro/2002,pp.25.8 OLIVEIRA e HORVAT, 1999, pg.96.9 Sobre a situação jurídica do proces-so de licenciamento ambiental do CHEBelo Monte, ver Capítulo 310 cf. Ministério do Meio Ambiente.Biodiversidade brasileira: avaliação e iden-tificação de áreas e ações prioritárias paraconservação, utilização sustentável e repar-tição de benefícios da biodiversidade brasi-leira. Brasília, MMA/SBF, 2002.11 Março de 2005.12 pg.136.

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Capítulo 3Xingu, barragem e nações indígenasFelício Pontes Jr e Jane Felipe Beltrão

A Ação Civil PúblicaA sociedade civil da região da Transamazônica edo Xingu no Pará representou ao Ministério Pú-blico Federal exigindo a fiscalização do empreen-dimento denominado Usina Hidrelétrica de BeloMonte (UHE), especialmente quanto aos seus as-pectos sócio-ambientais. Em 1999, informaçõesjornalísticas2 davam conta de que a Eletronorteplanejava, de novo, retomar o projeto de barra-mento do Rio Xingu.

A representação foi acolhida pelo Ministério Pú-blico Federal, que logrou “descobrir”3 tratar-se deum mega-projeto. Tem por escopo a geração de11.000 MW de energia e o alagamento de uma áreade 400 km2. É, segundo técnicos do setor, o maiorprojeto de hidrelétrica genuinamente nacional. Ocusto total está estimado em R$ 13 bilhões, deven-do entrar em operação plena somente entre osanos de 2012 a 2014. O projeto em face dos bene-fícios anunciados, ou melhor, alardeados pelaempreendedora poderia ter o respaldo da socie-dade civil, caso as conseqüências sócio-ambientaisnão se avizinhassem drásticas.

Segundo os prognósticos, a barragem produzirá:a inundação de parte da cidade de Altamira; odesaparecimento das praias da região; além deprovocar a acentuada diminuição do volumed’água à jusante da barragem, onde se localiza a

Terra Indígena Paquiçamba. O cenário que se vis-lumbra provoca espanto nos Arara “... ficamos tristede pensar que a Volta Grande do rio Xingu estáameaçada por pessoas que não sabem o quanto anatureza é importante para nós ...” acompanhadopela impertinente pergunta dos Kayapó, porque“... pagar com nossas terras e nossa vida o preçodo desenvolvimento da região?”4

Antevendo os inúmeros transtornos que o empre-endimento pode causar às sociedades localizadasna área de influência do Xingu, caso a obra se con-firme, o Ministério Público Federal protocolou umaAção Civil Pública em benefício de: A’Ukre, Arara,Araweté, Assurini, Gorotire, Juruna (Yudjá),Kararaô, Kayapó-Kuben Kran Ken, Kayapó-Mekrangnoti, Kikretum, Kokraimoro, Moikarakô,Panará, Parakanã, Pituiaro, Pu’ro, Xikrín, Xipaia-Kuruaia, posto que a Eletronorte “escolheu” alo-jar-se em área de influência indígena, ou seja, emterritório que historicamente tem dono e senhor.Entende-se por área de influência indígena ou ter-ritório indígena a base espacial onde uma deter-minada sociedade indígena se expressa cultural esocialmente, retirando deste território tudo que énecessário para a sobrevivência do grupo. Área deinfluência indígena ou território indígena não deveser confundido com terra indígena, ou seja, com oprocesso político-jurídico conduzido pelo Estadopara regulamentar as demandas de demarcação

Nós, índios Juruna, da ComunidadePaquiçamba, nos sentimos preocupados com aconstrução da Hidrelétrica de Belo Monte.Porque vamos ficar sem recursos de transporte,pois aonde vivemos vamos ser prejudicadosporque a água do rio vai diminuir como a caça,vai aumentar a praga de carapanã com abaixado rio, aumentando o número de malária,

também a floresta vai sentir muito com oproblema da seca e a mudança dos cursos dosrios e igarapés ... Nossos parentes Kaiapó,Xypaia, Tembé, Maitapu, Arapium, Tupinambá,Cara-Preta, Xicrin, Assurini, Munduruku, Suruí,Guarani, Amanayé, Atikum, Kuruaya ... vãoapoiar a Comunidade ...1

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dos territórios tradicionalmente pertencentes àuma sociedade indígena. No caso estudado, a áreade influência indígena ou o território indígenacorresponde ao rio Xingu e seu entorno, indicadaem documentos históricos coloniais e recentescomo local de abrigo de sociedades indígenas(aldeadas ou não) de diversas etnias, falantes dediferentes línguas, adaptadas a áreas ribeirinhas oude floresta, ou ainda aos pequenos fluxos dos inú-meros igarapés.5 As terras pertencem à União, mascom usufruto das sociedades indígenas. Para umavisão de conjunto do contexto do Xingu, consul-tar Quadro 1 abaixo.

Além das sociedades indígenas referidas, existemindivíduos Arara, Juruna, Kayapó, Kuruaia, Xipaiaque integram grupos estabelecidos na Volta Gran-de do Xingu, segundo levantamento realizado peloConselho Indigenista Missionário – Regional Nor-te II (CIMI) juntamente com o Movimento de Fa-mílias Índígenas Moradoras da Cidade de Altamira(MFIMCA), em dezembro de 2003. Há 82 famílias,que são constituídas por três e até 11 indivíduos,

vivendo nas mais diversas condições. Somam 404pessoas, números não definitivos, pois a região éde difícil acesso.8 Os grupos foram deslocados deseus territórios tradicionais por conta de disputasinterétnicas e invasões, terminando embrenhados,“perdidos e esquecidos” pelos recantos de uma dasregiões mais inacessíveis do Xingu, em que o riosofre um desnível de mais de 50 km, emparedadopelas serras e farto em cachoeiras e corredeiras.Trecho não navegável que, há séculos, desafia ohomem. Era o tempo em que, como contaNimuendajú:

“existiam no Xingu, de Altamira para cima, alguns milharesde habitantes e donos de seringais, ‘coronéis’ poderosos dosquais alguns dispunham de centenas de ‘cabras’ armados eque, na consciência do seu poder e certeza de sua imunida-de – porque, naquele tempo, havia dinheiro, ou julgava-seque houvesse, apesar de já haver começado a crise da borra-cha –, cometiam violências e mortes comparados às quais osataques Kayapó são brincadeiras.”9

Assim como há índios moradores da Volta Gran-de, cerca de 1.300 indígenas moram em Altamira,no “beiradão”, tanto que Arara, Kayapó, Kuruaia,

Quadro 1 Terras e Povos Indígenas no Xingu6

Povo

Parakanã

Arara

Araweté

KayapóKubenKran Ken

KayapóMekrangnoti

Arara

Xipaia-Kuruaia

Terra Indígena

Apyterewa

Arara

Araweté/Ig.Ipixuna

Badjonkore

Baú

CachoeiraSeca do Iriri

Curuá

População(n°, fonte, data)7

271 FunaiAltamira: 2002286 DSEIAltamira:2002

161 Funai/DSEIAltamira: 2002

285 FunaiAltamira: 2002278 DSEIAltamira 2002

82 GT/Funai: 98

128 NairTanaka: 94

64 Funai/DSEIAltamira: 2002

120 FunaiAltamira: 2002115 DSEIAltamira: 2002

Situação Jurídica

Delimitada.Port. Min. 267 de 28/05/92 declara deposse permanente (DOU, 29/05/92). Port. Funai710 de 30/08/96 cria GT p/estudos e levantamen-tos complementares na TI (DOU, 03/09/96).

Homologada. Reg. CRI e SPU. Dec. 399 de 24/12/91 homologa demarcação (DOU, 26/12/91).Reg. CRI Altamira (206.862 ha) Matr. 21.084,Liv. 2 ACC, fl. 255 em 15/07/92. Reg. CRI UruaráMatr. 103, Liv. 2-A fl. 103 em 06/02/96. Reg.SPU Cert. 04 de 22/06/94.

Homologada. Reg. CRI e SPU.Dec. do pres. F. H.Cardoso do Dia 05/01/96 homologa a demarca-ção administrativa (DOU, 08/01/96). Reg. CRIde S. Félix do Xingu, Comarca de S. Félix doXingu (175.126 ha) Matr. 1485, Liv. 2-H, fl. 76em 09/02/96. Reg. CRI de Senador José PorfírioMatr. 522, Liv. 2-C, fl. 29 em 09/02/99. Reg. CRIAltamira Matr. 22.357, Liv. 2-AAQ, fl. 220 em04/03/96. Reg. SPU Cert. s/n. em 20/05/97.

Identificada/Aprovada/Funai.Sujeita a Contesta-ção. Port. Funai 125, cria GT p/ estudos e identi-ficação da TI. Despacho do pres. da Funai apro-va estudos de identificação (DOU, 14/04/99).

Delimitada.Port. do ministro da Justiça 826 de11/12/98 declara de posse permanente dos índi-os (DOU, 14/12/98)

Delimitada.Port. Min. 26 de 22/01/93 declara deposse permanente indígena (DOU, 25/01/93). Port.Funai 428 de 27/04/94 designa antropólogo p/es-tudos antropológicos conclusivos (DOU, 06/05/94)

Delimitada.Port. minist. 550 de 16/11/92 decla-ra de posse permanente (DOU, 17/11/92).

Extensão(ha)

980.000

274.010

940.900

222.000

1.850.000

760.000

19.450

Município

AltamiraS. Félix doXingu

AltamiraMedicilândiaUruará

AltamiraS. Félix doXinguSe. JoséPorfírio

S. Félix doXinguCumaru doNorte

Altamira

RurópolisAltamiraUruará

Altamira

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Quadro 1 Terras e Povos Indígenas no Xingu8

PovoTerra IndígenaPopulação

(n°, fonte, data)9 Situação JurídicaExtensão

(ha) Município

Kararaô

Kayapó

Koatinemo

Menkragnoti

Panará

Paquiçamba

Pu’ro – Baixo/Rio Curuá

Rio Merure

Rio Tapirapé/Tue-re

Trincheira/Bacajá

Xipaia

Kararaô

Kuben KranKenKikretumGorotireKokraimoroMoikarakôA’Ukre

Asurini doXingu

KayapóMekrangnotiKayapó(isolados)

Panará

Juruna

KayapóPu’ro(isolados)

KayapóPituiaro(isolados)

Isolados doRio Tapirapé

Asurini doXinguArawetéParakanãKararaôXikrin doBacajá

Xipaia-Kuruaia

33 FunaiAltamira: 200232 DSEIAltamira: 2002

2866 Funasa: 98

108 Funai/DSEIAltamira: 2002

657 NairTanaka: 94

202 ISA: 00

69 FunaiAltamira: 200279 DSEIAltamira: 2002

Sem informação

Sem informação

Sem informação

468 FunaiAltamira: 2002450 DSEIAltamira: 2002

87 FunaiAltamira: 200263 DISEAltamira:2002

Homologada. Dec. s/n. de 14/04/98 homologa ademarcação (DOU, 15/04/98). Resolução daCom. de Sindicância da Funai lista os ocupantesde boa fé da TI p/efeito de indenização debenfeitorias (DOU, 17/11/99). Port. 1160 criaCT p/realizar pagto das benfeitorias (DOU,23/12/99).

Homologada. Reg. CRI e SPU.Dec. 316 de 29/10/91 homologa ademarcação (DOU, 30/10/91).Reg. CRI Matr. 18.807, Liv. 2-AAD, fl. 129 em21/12/87. Reg. SPU Cert. 3 em 27/10/87

Homologada. Reg. CRI.Dec. s/n de 05/01/96 ho-mologa a demarcação (DOU, 08/01/96). Reg. CRIem Altamira Matr. 22.341, Liv. 2-AAQ, fl. 197 em05/02./96

Homologada. Reg. CRI e SPU.Dec. s/n de 19/08/93 homologa a demarcação (DOU, 20/08/83).Reg. CRI de S. Félix do Xingu (1.432.481 ha)Matr. 1209, Liv. 2-F, fl. 195 em 26/06/95; deAltamira (3.336.390 ha) Matr. 22.341, Liv. 2-AAQ, fl. 197 em 09/02/96; de Peixoto Azevedo(128.305 ha) Liv. 2-RG, fl. 01V em 27/09/93:de Matupá, Comarca de Peixoto Azevedo (17.078ha) Matr. 1742, Liv. 2-RG, fl. 01 em 12/12/93.Reg. SPU MT 26 em 03/05/94. Reg. SPU-PA 05em 05/07/94.

Delimitada.Em demarcação Port. do Ministroda Justiça n. 667 de 01/11/96 declara de possepermanente indígena (DOU, 04/11/96) Funaifaz contrato para demarcação física com TrêsIrmãos Engenharia e Planejamento ImobiliárioLtda. Valor R$ 148.925,70, vigência um ano apartir de 06/03/98 (DOU, 16/03/98) Foirepublicado o mesmo contrato em 13/04/98

Homologada. RG. CRI e SPU.Dec. 388 de 24/12/91 homologa a demarcação (DOU, 26/12/91), Reg. CRI Matr. 103, Liv. 2 A, fl. 108 em12/11/90. Reg. SPU Cert. 10 em 05/08/94.

A identificar

A identificar.(Verswijver, L. P: 86)

A identificar

Homologada. Reg. CRL.Dec. s/n de 03/10/96homologa a demarcação (DOU, 04/10/96). Reg.CRI em Senador J. Porfírio Matr. 535, Liv. 2 –C, fl. 42 Reg. CRI em Altamira 22.552, Liv. 2-AAQ, fl. 167 em 02/04/76. Reg. CRI em Pacajá1075, Liv. 2-I, fl. 142 em 04/05/98. Reg. CRIS. Félix do Xingu, área II Matr. 1.742, Liv. 2, fl.141 em 04/05/98. Reg. CRI S. Félix do Xinguárea II, Matr. 1‘743. Liv 2-I, fl. 142 em 04/05/98. Resolução 85 de 11/02/00 considera de boafé o ocupante não-índio José F. da Conceição(DOU, 14/02/00).

Em Identificação:Port. 974 de 15/10/99 criaGT para estudos de identificação da TI (DOU,18/10/99)

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Altamira

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Altamira

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Se. JoséPorfírio

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Altamira

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Juruna e Xipaya entre outros, constituíram associ-ação e tentam, a duras penas, descobrir seus “pa-rentes”.10 A presença de índios em Altamira é so-bejamente conhecida pela Fundação Nacional doÍndio (FUNAI), mas esquecida, ou melhor, não re-conhecida para fins de exercício de suas obriga-ções tutelares.

Os indígenas moradores da Volta Grande junta-mente com o sem número de Curuaia, Xipaya eKayapó que vivem em Altamira são, do ponto devista dos impactos do empreendimento Belo Mon-te, os mais vulneráveis e que, portanto, demandammaior proteção. Especialmente porque morar lon-ge de seus territórios tradicionais não foi uma “op-ção”. Foi fruto de raptos, guerras interétnicas oudeslocamento compulsório produzido pelas fren-tes de expansão. Deixá-los entregues à própria sor-te fere direitos humanos fundamentais.

Notícias sobre os conflitos foram registradas porNimuendajú, na década de 40, em uma das mui-tas viagens que fez ao Xingu. Diz o etnólogo:“[n]a ilha do Bom Jardim encontrei uma personagem inte-ressante: Judith. Em 1936 atacaram os Górotire, na sua mi-gração para o norte, uma casa um pouco abaixo dePiranhaquara, matando a mãe de Judith e dois outros paren-tes e caregando-a como prisioneira. Ela estava entre osGórotire quando estes derrotaram os Açurini. Depois dequatro meses, estando os índios já outra vez a caminho doSul, Judith conseguiu fugir.

Havia então entre os Górotire um moço Yuruna [Juruna],prisioneiro de guerra como ela, de nome Utira, com o qualela fez amisade [sic]. Ele tinha então uns 20 anos, ela uns 16anos. Fugiram juntos e alcançaram a margem do Xingu naboca do Igarapé de Bom Jardim onde seringueiros os acolhe-ram. Judith estava longe de se conservar fiel ao seu salvadorque, enfim, sempre era um ‘bicho’ [índio]. Ao índio simpá-tico e moço ela preferiu um mulato velhusco, seringueiroem Bom Jardim com quem se amasiou. Utira foi levado paraAltamira onde o maquinista da usina elétrica tomou contadele, iniciando-o no ofício. A última vez que o vi foi quandopassou por mim nas ruas de Altamira, montado numa bici-cleta e metido num fato branco.”11

Contadas assim, histórias de raptos, alianças e de-sencontros não parecem trágicas. Mas quantos nãoforam os índios e não índios vítimas das desaven-ças, cujos descendentes continuam embrenhadosnos recantos do Xingu?

Voltando ao Xingu de hoje, é assustador ver que asituação das sociedades indígenas mesmo quandopossuem seus direitos assegurados e terras regis-tradas é frágil. Especialmente, porque o projetoda Eletronorte prevê a construção, além da casade força principal, de dois canais de adução (lestee oeste) para barrar o Rio Xingu, aproveitando aqueda d’água de 90 m do local para construir a

barragem. Isso quer dizer que dois rios serão usa-dos para ligar o local de represamento ao de gera-ção de energia. Mas, para desempenhar essa fun-ção, tais rios terão que ser alargados e estendidospara receber concreto numa faixa de 13 km, apro-ximadamente. Portanto, serão dois canais de 13km cada um, com 10 m de profundidade e 50 mde largura. O local escolhido para o empreendi-mento é a Volta Grande do Xingu, parte final dorio que atinge diretamente os municípios de Alta-mira, Anapu, Senador José Porfírio no estado doPará.12 Indiretamente, atinge os municípios deCumaru do Norte, Guarantã do Norte, Pacajá,Rurópolis e São Felix do Xingu, onde há territóri-os indígenas, conforme referido acima. Os movi-mentos sociais receiam, também a repercussão daobra, caso esta se concretize, sobre os municípioslocalizados na foz do Xingu.

Instada a se manifestar pelo Ministério Público, aEletronorte declarou, em fevereiro de 2000, queo projeto ainda não estava definido. Entretanto,em março de 2001, novamente provocada por for-ça da Ação Civil Pública já proposta, a Eletronorteinformou que o Estudo de Impacto Ambiental e oRelatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) es-tavam sendo providenciados através da Fundaçãode Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa(FADESP), e que o processo de licenciamentoambiental tramitava perante a Secretária Executi-va de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente(SECTAM) do estado do Pará, e não junto ao Ins-tituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur-sos Naturais Renováveis (IBAMA), como quer alegislação vigente, dadas as características da obra,analisadas na seqüência.

Segundo a demanda do Ministério Público Federalà Justiça, a Eletronorte contratou a Fundação deAmparo e Desenvolvimento da Pesquisa (FADESP),sem licitação, para a elaboração do EIA/RIMA aopreço de R$ 3.835.532,00 (três milhões oitocentose trinta e cinco mil e quinhentos e trinta e dois re-ais).13 Além do que ficou constatado que o Termode Referência do empreendimento, o qual deter-mina o conteúdo do EIA/RIMA, não contou com aparticipação do Instituto do Patrimônio Históricoe Artístico Nacional (IPHAN), malgrado a área deincidência direta da obra abrigar sítios arqueológi-cos patrimônio cultural tangível e patrimônio cul-tural intangível constituído por costumes e tradi-ções dos povos indígenas e não indígenas na áreaonde o empreendimento deverá se estabelecer.14 OTermo de Referência, submetido e aprovado pelaSECTAM, órgão estadual incompetente para tal fim,determinou a realização de quatro campanhas15 de

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campo para a elaboração do EIA-RIMA. Verifican-do as datas do cronograma de execução, notou-seque o término de uma das campanhas estava pre-visto para novembro de 2001, sendo que afinalização do EIA-RIMA está prevista para marçode 2001. Impossível, portanto, de se completar areferida campanha, ou então o estudo e o pertinenterelatório não se pautaram por critérios científicos?

A competência, “não competente” referen-te ao licenciamento ambientalO Projeto UHE de Belo Monte é obra que, pelasdimensões, causará significativa degradação domeio ambiente. Portanto, para que seja legítima aexecução do projeto torna-se necessário o Estudode Impacto Ambiental, bem como o pertinenteRelatório (EIA/RIMA), como determinado pelaConstituição Federal, a saber:“[t]odos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equi-librado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qua-lidade de vida, devendo o poder público e a coletividadedefendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Para assegurar a efetividade desse direito incumbe ao PoderPúblico: disposto no item IV “exigir, na forma da lei, parainstalação de obra ou atividade potencialmente causadorade significativa degradação do meio ambiente, estudo deimpacto ambiental, a que se dará publicidade.”16

Portanto, a competência para o licenciamentoambiental é exercida por todos os entes da federa-ção, através dos órgãos integrantes do SistemaNacional de Meio Ambiente (SISNAMA), previstono artigo 6º da Lei 6.938/81, que diz:“[o]s órgãos e entidades da União, dos Estados, do DistritoFederal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as Fun-dações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela pro-teção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sis-tema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) ...”

Na tentativa de efetivar a utilização do sistemade licenciamento ambiental, o Conselho Nacio-nal de Meio Ambiente (CONAMA) editou a Re-solução 237/97, que estabelece critérios para arepartição das competências que assegura noartigo 4º que,“[c]ompete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dosRecursos Naturais Renováveis (IBAMA) órgão executor doSISNAMA, o licenciamento ambiental, a que se refere o art.10 da Lei n.º 6.938/81, de empreendimentos e atividadescom significativo impacto ambiental de âmbito nacional ouregional a saber: I. localizadas ou desenvolvidas conjuntamen-te no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plata-forma continental; na zona econômica exclusiva; em terrasindígenas ou em unidades de conservação do domínio daUnião; II. localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais esta-dos; III. cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os li-mites territoriais do país ou de um ou mais Estados; ...”

Essa disposição normativa vem sendo alvo de críti-cas por não ser exaustiva. Com efeito, não são ape-nas os casos nela elencados que devem ser licenci-ados pelo IBAMA. Outras hipóteses, inclusive pordeterminação constitucional, prevêem a compe-tência licenciatória federal, como quer Benjamim:“[n]esse ponto, a Res. CONAMA 237/97 é, no mínimo, in-completa, pois, na repartição das competências licenciatóriasambientais que fez, diz muito menos do que exige a Consti-tuição Federal. Além das hipóteses de licenciamento federalexpressamente listadas no ato regulamentar do CONAMA,cabe ao IBAMA, evidentemente, licenciar projetos em que aUnião seja especialmente interessada, o que ocorre quando:a) assim determina o ordenamento, expressando umavaloração direta de interesse federal; b) é de seu domínio obem imediato potencialmente afetado, ou ainda; c) por es-tar a União obrigada a fiscalizar o bem ambiental potencial-mente afetável...”17

No mesmo sentido se posiciona Florillo,“[v]ale frisar que essa competência material deverá serverificada ainda que o ente federado não tenha exercido asua atribuição legislativa. Ademais, deverá ser verificado seo bem a ser tutelado é de gerência da União (art. 20 III) oudo Estado (art. 26, I), para que se possa determinar qual oente responsável pela aplicação das sanções aplicáveis aocaso.”18

A definição sobre os bens da União é realizada pelaConstituição da República que no artigo 20 dis-põe como bens da União:“III – os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terre-nos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado,sirvam de limites com outros países, ou se estendam a terri-tório estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenosmarginais e as praias fluviais; ...” (Destaque nosso)

O sagrado Xingu dos povos indígenas nasce naregião leste do estado de Mato Grosso, mais preci-samente a oeste da imponente Serra do Roncadore ao norte da Serra Azul, onde se encontram osrios Kuluene e Sete de Setembro, seus formado-res. Após percorrer aproximadamente 2.100 km,fertilizando várias terras indígenas e não indíge-nas, deságua no Rio Amazonas, através de uma fozde 5 km de largura ao sul da Ilha de Gurupá, noestado do Pará.19

Diante dessas constatações e tendo como lastro alegislação vigente, é impossível não admitir que obem afetado pela construção da UHE de Belo Mon-te é da União. Portanto, o licenciamento ambien-tal somente poderá ser realizado pelo IBAMA, ja-mais pela SECTAM, como quer a Eletronorte. Hános autos do Processo 2001.39.00.005867-6 JustiçaFederal,20 tomado como fonte, ofício do titular daSECTAM (fls. 139-140) a informar que o Termode Referência do empreendimento em estudoobteve aprovação do órgão que dirige e do IBAMA.Fato é desmentido pelo Presidente do IBAMA no

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supra mencionado processo. Com efeito, o IBAMApode efetivar a sua competência licenciatória deforma originária ou supletiva. A primeira ocorrequando a licença afeta bem ou interesse da União.A supletiva se dá quando o Estado não está muni-do de órgão ambiental próprio – o que não é ocaso – ou ainda quando há receio de que o cami-nho seja ou possa ser materialmente ou formal-mente viciado. No caso sob julgamento, trata-sede competência originária do IBAMA, tendo emvista ser o Rio Xingu bem da União, haver poten-cial de energia hidráulica, além de outros aspec-tos que serão referidos adiante.

O termo de referência, “sem referências”A empreendedora não cometeu equívocos, ape-nas em relação à competência para licenciar aobra. O Termo de Referência ou Termo de Ori-entação e Referência é o instrumento orientadorpara a elaboração de qualquer tipo de estudoambiental (EIA/RIMA, PCA, RCA, Plano de Mo-nitoramento, entre outros).21 O documento deveanteceder à modificação do meio ambiente aoestabelecer o conteúdo que deve ter um estudoambiental de conformidade com a grandeza doempreendimento.22 Ele deve ser elaborado peloórgão ambiental encarregado do licenciamentoda obra, embora possa ser elaborado pelo pró-prio empreendedor e submetido à aprovação doórgão ambiental.

Voltando a Belo Monte, a Eletronorte, sem qual-quer preocupação ambiental, elaborou por contaprópria o Termo de Referência do empreendimen-to e o encaminhou para aprovação ao órgão ambi-ental não competente, a SECTAM. Esse fato se re-vestiu de gravidade extraordinária, posto que foio infausto Termo de Referência que possibilitou acelebração de Convênio entre a Eletronorte e aFADESP que prevê gastos na ordem de R$ 3,8 mi-lhões de reais em um EIA/RIMA, cujo conteúdofoi determinado por órgão incompetente. Valedizer, houve gasto de dinheiro público em um es-tudo ambiental que não servirá para licenciamen-to algum. Considerando a má aplicação dos recur-sos públicos, os integrantes do 1º Encontro dos Po-vos Indígenas da Volta Grande do Xingu, realizadoem 1º.06.2001, na Aldeia Paquiçamba exigem:“... que o dinheiro público que será investido na construçãodessa barragem seja revertido: na educação, na saúde, emfinanciamentos na agricultura familiar, na demarcação dasterras indígenas, na regularização fundiária dos lotes, namelhoria das comunidades locais, no apoioà organização decomunidades tradicionais, em projetos sustentáveis de usodos rios e das florestas de acordo com nossos interesses enecessidades.”

O Termo de Referência, nem foi requerido peloórgão ambiental competente como ordena a Lei,nem tampouco foi elaborado em estreita articula-ção com este. Resta patente que já nasceu viciado,vez que desrespeitou as orientações do Ministériode Meio Ambiente e os dispositivos da legislaçãovigente. Além das vicissitudes formais identificadasna fase preliminar à elaboração do Termo de Re-ferência, este, em seu bojo, apresenta algumasanomalias. Para um empreendimento do porte daUHE Belo Monte é imprescindível que, na sua ela-boração, o Termo de Referência conte com a par-ticipação de outros agentes sociais, como comuni-dade científica, órgãos públicos, grupos sociais atin-gidos pela obra, dentre outros. É nesse sentido aorientação do Ministério do Meio Ambiente, dosRecursos Hídricos e da Amazônia Legal:“[c]omo detentor das informações sobre o plano, projetoou programa a ser licenciado, deve elaborar o Termo de Re-ferência com os demais agentes sociais (...). Essa participa-ção propicia uma melhor compreensão das exigências ambi-entais e pode levar a eventuais reformulações ou adequaçãono projeto proposto, antes de submetê-lo formalmente aoórgão de meio ambiente. Isto contribui para a redução decustos e maior agilidade no processo de licenciamentoambiental do empreendimento.”23

A empreendedora parece se achar auto-suficien-te, ao mesmo tempo em que se esquiva dos pro-blemas sócio-ambientais, culturais e econômicosque a sua atividade trará à região. Despreza os de-mais integrantes do cenário social quando das dis-cussões preliminares referentes à construção deum empreendimento que, inevitavelmente, acar-retará mudanças significativas em âmbito local enacional. Questionada judicialmente, a Eletronor-te anexou ao processo Documentos que comprovam aparticipação da sociedade de Altamira-PA na Elabora-ção do EIA/RIMA de UHE de Belo Monte.24

Os documentos anexados tomam como partici-pação a assistência bancária25s a palestras sobre a“Implantação do Projeto da Hidrelétrica de BeloMonte” realizadas em associações clubes e esco-las em alguns municípios paraenses. A Eletronor-te fez fotocópias e apresentou as listas de freqüên-cia aos eventos, em número de sete, que não pa-recem obedecer a uma programação e tambémnão parecem atrair um público demasiadamentegrande, num total de 784 pessoas, o que dariauma média de 112 participantes por evento. Háeventos extremamente reduzidos com 12 partici-pantes dos quais cinco da Eletronorte e outroscom mais de duzentos participantes (Quadro 2).Qual a dimensão da participação em uma regiãohabitada milhares de pessoas? Como contemplarinteresses sem discussão?

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No quadro, o evento em negrito parece não dizerrespeito a UHE de Belo Monte, deve ter havidodescuido da empreendedora. É necessário obser-var que não há um evento na sede do municípiode Altamira. Há, no documento apresentado, umarelação de eventos, ocorridos em Brasília, aos quaisalguns representantes da Sociedade Civil Organi-zada, autoridades institucionais e políticos entreoutros parecem ter sido convidados pela Eletro-norte a se fazerem presentes, estão listados 128nomes entre entidades, autoridades civis e eclesi-ásticas, lideranças sindicais entre outras, inclusiveo Bispo do Xingu Dom Erwin Krautler, que enca-beça o documento, talvez (?) porque a Eletronor-te acredite que insatisfeitos, os habitantes do Xin-gu, possam queixar-se ao Bispo, como diz o adá-gio popular e, nada resolver!

Engana-se a Eletronorte quando toma assistênciaa eventos ou pagamento de deslocamento de lide-ranças locais como “participação”. Participação, noXingu, se expressa a partir da luta como: direito àinformação, discussão das informações oferecidas,agregação de informações obtidas pelos morado-res da região, conhecimento detalhado de proje-tos que digam respeito ao destino dos xinguenses,26

e sobretudo tomada de decisão após discussõesdetalhadas. Os movimentos sociais que ao longodo Xingu se multiplicam, possuem tradição políti-ca. Há anos o Movimento pelo Desenvolvimento da

Transamazônica e do Xingu, as Associações de PovosIndígenas do Xingu aldeados ou moradores da ci-dade e tantas outras entidades vem discutindo sis-tematicamente seus destinos. A Eletronorte fezquestão de desconhecer o fato, talvez (?) por,preconceituosamente, acreditar que Altamira é“terra de índio”, “de arigozada” “de nordestinos”,“de gauchada”, dada a afluência de migrantes des-de os idos do século XVIII, quando os sertões eramou pareciam inacessíveis, só que seus habitantespensam e procuram agir para superar desentendi-mentos e os massacres do tipo Vitória.27

No que tange à participação do IPHAN é necessá-rio considerar que o órgão deve analisar, juntamen-te com os interessados, os impactos advindos daconstrução da UHE de Belo Monte sobre sítiosarqueológicos, formações rochosas trabalhadascom pinturas rupestres, patrimônio cultural e his-tórico da região não registrado nem tombado. OXingu por ter sido um dos últimos afluentes doAmazonas a ser revelado ao colonizador, mantémtesouros escondidos, alguns deles só “preservados”pela retina de seus filhos ao vislumbrar a “terrasem males”, como reza a tradição Tupi. O inventá-rio e a avaliação patrimonial é de suma relevânciapara a formação da sociedade brasileira, paraenseem particular, bem como para a manutenção demarcadores que possam delinear políticas públi-cas e proteger o patrimônio histórico brasileiro.

Quadro 2 Eventos sobre a UHE de Belo Monte

Evento

1. Sem título

2. Situação atual dos estudosde viabilidade técnica,econômica e ambiental daUHE de Belo Monte

3. Sem título

4. Projeto casaFamiliar Rural –palestrante DarcílioVronski

5. Situação atual dos estudosde viabilidade técnica,econômica e ambiental daUHE de Belo Monte

6. Situação atual dos estudosde viabilidade técnica,econômica e ambiental daUHE de Belo Monte

7. Encontro da Eletronorte emPorto de Moz

Local/Município

Sem referências

Escola Municipal Irmã(nome ilegível) – BrasilNovo

Usina Abraham Lincon[sic] Medicilândia

Casa Familiar RuralAgrovila MiguelGustavo Medicilândia

Clube RitmusMedicilãndia

Clube SocrecaUruará

Sem referência Porto deMoz

Fonte: Processo 2001.39.00.005867-6, Justiça Federal.

Data

Sem data

21.06.2001

21.06.2001

20.06.2001

19.06.2001

18.06.2001

26. 05. 2001

Nº departicipantes

110

25

12

17

101

239

280

ParticipantesEletronorte

10

Nãodiscriminado

05

07

06

12

Sem referência

Referênciano processo

Fls. 694-497

Fls. 498

Fls. 499

Fls. 500

Fls. 501-504

Fls. 505- 512

Fls. 513- 520

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Sobre a dimensão do patrimônio, TympektodemArara foi enfático em carta a Fernando HenriqueCardoso, datada de 27.04.2002:

“senhor presidente, nós não queremos a terra com males,queremos rapidamente a terra demarcada para nossa comu-nidade Arara, todo mundo sabe que os índios precisam dasua terra, sem a terra ninguém vive, você tem tudo e não estánem aí pra nós índios, enquanto isso nos temos mal a terra evivemos na maior dificuldade, com medo dos madeireiros einvasores de terra indígena e pescadores... Todos nós índiosqueremos viver felizes na nossa terra ninguém gosta de vio-lência, sempre gostamos de brincar, caçar, trabalhar, andarna nossa terra.”28

No entanto, a Eletronorte ignorou/ignora pedi-dos, requerimentos, manifestações e tentativas dediálogo. Age de forma truculenta. Em passado nãomuito distante, há exemplo da intransigência daEletronorte quando da construção da UHE deTucuruí, conforme relata Santos:

“[p]rovocou o alagamento de cerca de 250.000 ha, atingindoos grupos indígenas Gavião e Parakanã.. Suas linhas de trans-missão atingiram os Guajajaras. Trata-se de um típico empre-endimento implantado durante a ditadura militar e voltadopara atender interesses transnacionais, interessados na pro-dução de eletrometalúrgicos, especialmente o alumínio.”29

Ainda hoje, a União responde pelos desmandosda década de 80, pois os processos continuam naJustiça e os Gavião Parkatêjê30 não arrefeceram nopropósito de ver seus direitos reparados. Some-seao exemplo, o trecho de carta desesperada dosJuruna, residentes na Terra Indígena Paquiçam-ba, enviada ao Ministério Público Federal (emepígrafe) que indica tanto o conhecimento tradi-cional de quem respeita a natureza, como a dispo-sição de não se submeter a imposições que com-prometam o sagrado Xingu.

Pelo exposto, é inegável constatar que a Eletro-norte desconsiderou os aspectos social, cultural eambiental, excluindo de sua atividade preliminarpeças fundamentais para a feitura de um Estudode Impacto Ambiental. Hipoteticamente, supõe-se que, pela pressa em levar a obra a termo,despreparo político ou má fé, a empreendedorarepete os erros ocorridos em outros locais do país.A literatura científica, sobre os problemas relacio-nados aos impactos produzidos pelas hidrelétricas,é vasta, alguns especialistas inclusive já colabora-ram com a empresa em outros momentos.31

Na edição de março de 2001, o periódico AgendaAmazônica traz matéria de capa intitulada Belo Monte– a maior Hidrelétrica a fio d’água do mundo. Nela ojornalista Lúcio Flávio Pinto aponta as contradi-ções do projeto, entre as quais o período de estia-gem, afirmando:

“[o] Rio Xingu está entre os grandes cursos d’água do plane-ta. No seu trecho final a Eletronorte projeta uma grande hi-drelétrica, só menor no Brasil à de Itaipu, com investimentode R$ 13 bilhões. O problema é que essa usina só vai podergerar a plena capacidade em metade do ano. Durante doisou três meses ela ficará parada ou a baixíssima produção.Mesmo sabendo que não será dona da obra a Eletronorteanda às pressas para queimar etapas. Isto é bom ?”

E, adiante, explica:“[p]ara as 20 máquinas alcançarem sua rotação máxima defábrica, precisam de 14 mil metros cúbicos de água (14 mi-lhões de litros) por segundo (700 m3 por cada máquina). Asvazões do Xingu variam entre um máximo de pouco mais de30 mil m3/segundo (menos da metade do recorde de vazãodo Tocantins) e um mínimo de 443 m3/s. Mas o Rio costumater estiagens rigorosas durante 2 a 3 meses. Isso significa quedurante esse período nenhuma das maravilhosas máquinasde Belo Monte poderá funcionar. Em outros três meses, ofuncionamento será de 2 a 4 máquinas. Ao longo de seis meseso Xingu verte menos do que os 14 mil m3 necessários paramanter a capacidade nominal da usina”

Das conseqüências relatadas acima, depreende-seo quanto é importante tratar com seriedade o Es-tudo de Impacto Ambiental, o qual revelará nãosó a viabilidade ambiental, bem como a possibili-dade econômica do empreendimento.32

Os direitos indígenasCom a promulgação da Constituição Federal de1988, os povos indígenas obtiveram o reconheci-mento de seus direitos originários sobre as terrasque tradicionalmente ocupam (art. 231). Em con-seqüência, tornou-se obrigatória a consulta aospovos indígenas em casos de aproveitamento derecursos hídricos ou de exploração mineral emsuas terras. A Carta Magna também reconheceu,aos índios, organização social, costumes, línguas etradições diversas. Em outras palavras, a lei supre-ma delineou as bases políticas em que se devemefetivar as relações entre os diferentes povos indí-genas e o Estado brasileiro.

A Constituição da República projetou, assim, parao campo jurídico, normas referentes ao reconhe-cimento da existência dos povos indígenas e defi-niu as condições para a sua reprodução e conti-nuidade física e social. Ao reconhecer os direitosoriginários dos povos indígenas sobre as terras tra-dicionalmente ocupadas, a Lei Maior incorporoua tese da existência de relações jurídicas entre osíndios e essas terras anteriores à formação do Es-tado brasileiro.

Não se pode pensar que tais inovações foram con-seqüências da magnanimidade dos constituintes emfavor dos índios. Na verdade, enquanto minorias

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étnicas, os povos indígenas estão protegidos pordiferentes convenções internacionais. O Brasil é sig-natário de várias delas, como a Convenção 169 daOrganização Internacional do Trabalho (OIT) ereferente à questão indígena, assinada em Gene-bra, revela o nítido propósito de garantir a diversi-dade étnica.

No nível interno, as lideranças indígenas se orga-nizaram e exerceram legítimas pressões sobre osconstituintes para assegurar seus direitos. A socie-dade civil também participou desse processo detomada de consciência sobre a nossa realidadeinterna. O Brasil é um país pluriétnico, multicul-tural e multissocietário e o Estado brasileiro deveefetivamente estar organizado para administrar osinteresses dos diferentes segmentos que o integram(artigo 216 da Constituição). Os povos indígenas,através de suas especificidades, lingüísticas, soci-ais e étnicas, contribuem à sua maneira para a for-mação desse mosaico étnico em que consiste o país.

Os indígenas conhecem os desmandos e estãoprontos a intervir em favor de suas sociedades, dos“parentes”, como informou Cláudio Mura, dirigen-te da Coordenação das Organizações Indígenas daAmazônia Brasileira (COIAB): “o governo faz pro-jeto de cima para baixo. Fica agradando [alician-do] liderança, fazendo promessas, mas não é isso

que queremos. Nós queremos é nos organizar, usu-fruir nós mesmos da riqueza de nossas terras.”33

Faz-se necessário asseverar que, como diz Geertz,o direito não se realiza somente como um conjun-to sistemático de leis, decretos, portarias, medidasprovisórias, procedimentos formais e princípiosabstratos. Consubstancia, também, o “... saber lo-cal; local não só com respeito ao lugar, à época, àcategoria e variedade de seus temas, mas tambémcom relação a sua nota característica.” (1998: 324)34

Nessa perspectiva, Belo Monte não pode ser redu-zida a uma questão técnica. Não é possível trans-formar diferenças sócio-culturais concretas embanalidade. Afinal, a sensibilidade jurídica dosíndios e dos xingüenses que se apresenta comple-xa dadas às múltiplas falas que implicam em supo-sições e histórias sobre ocorrências reais, passadase futuras, formuladas através de imagens relacio-nadas aos seus princípios culturais, não pode serdesconhecida. Aos indígenas está se imputando apesada carga de “obstruir o desenvolvimento”. Maiso que é o desenvolvimento feito às custas de vidas,de usurpação de terras? Aos índios, como aos de-mais moradores do território do Xingu, não se temgarantido os princípios constitucionais de ampladefesa de direitos, na medida em que a participa-ção é cerceada.

Claudia Andujar

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Os impactos que as Nações Indígenas “nãodesejam experimentar”A saga dos xinguenses, viva na memória dos índi-os e esmaecida – por conveniência – na memóriados brancos, é bastante conhecida na área doXingu, pois seguidamente seus territórios temsido invadidos pelas frentes de expansão que al-cançaram a bacia do Xingu e seus afluentes. Par-ticularmente, trágicas são as áreas entre o Xingue o Tocantins compreendendo o vale do Iriri edo Jamanxim; e entre o Xingu e o Tapajós, palcode inúmeras tocaias e região de intensos confli-tos étnicos.

Dois episódios rela-tados por Nimuen-dajú dão conta daguerra, no tempoem que se acredita-va que “[o] bicho[índio] só amansamesmo a bala.”(1982[1940]: p. 222)

Em carta a Schultz,chefe da equipeetnográfica do Servi-ço de Proteção aosÍndios (SPI), sobre aexpedição armadacontra os índios Pa-rakanã, descreve a postura de Carlos Teles, chefede polícia, à época da construção da Estrada Fer-ro do Tocantins, na década de 40. Diante dointerventor no estado do Pará, Coronel Barata, dizo etnólogo:“[d]e hoje em diante, quando avistarem os índios na estra-da de ferro, ninguém mais deve pesquisar se estes vinhamcom intenções pacíficas ou não, mas abrir fogo contra eles,e não deveriam atirar para o ar nem para o chão mas fazerpontaria certa! Ele, Teles, ficaria como responsável por to-das as conseqüências [sic] ... ou se acaba com os índios ouestes acabam com a civilização!”(1982 [1945]: p. 244. Des-taque nosso.)

As declarações ouvidas por Nimuedajú motivaramsua desistência em acompanhar as operações daFundação Brasil Central responsável pela constru-ção da Estrada de Ferro Tocantins, por antever acarnificina. Em relatório apresentado ao SPI sobreos Gorotire, em abril de 1940, conta Nimuendajú:“[o] resto daquele bando que aparecera no Jaraucu e quepor último acampou defronte a Itapinima, saira numa praiado Xingu, na boca do Tucuruí. Era apenas uma dúzia de ín-dios. Diversas embarcações que passaram encostaram e ostripulantes visitaram o acampamento sem incidentes. Depoisos índios apareceram em frente a Vitória pedindo que ostransportassem à margem direita do Tucuruí, no que foram

atendidos. Uma vez em Vitória, os índios foram levados parauma sala, e, quando estavam dormindo, as saída foramobstruídas por gente armada. O chefe do grupo, perceben-do o que se preparava, saiu, e, ao tentar apoderar-se de umacanoa no pôrto, foi morto a tiros. Os assassinos dizem queêle estava armado de revolver e que atirou primeiro. Em se-guida, fuzilaram também os que estavam na sala, morrendoao todo, entre homens, mulheres e crianças, 9 índios. Só es-capou um casal. – Foi isto o ‘ataque dos Kayapó a Vitória’.”(1982 [1940]: p. 227. Destaque nosso.)

Sem muito esforço, observa-se que intenso seráo impacto sócio-ambiental e cultural, especial-mente considerando o significado do Xingu,para os habitantes da região. A construção da

UHE de Belo Mon-te profanará o rio eameaçará às diver-sas populações in-dígenas residentesao longo do RioXingu, em especialà etnia Juruna, daTerra Indígena Pa-quiçamba.

A experiência viven-ciada, pelo contatocom os “parentes”expulsos de Tucu-ruí,35 faz Manuel Ju-runa antever a catás-trofe e afirmar:

“eu já fui duas vezes em Tucuruí e todas as vezes que chegolá o pessoal ‘tá tudo reclamando. Então tudo que o pessoalfala dessa barragem, além de afetar a água que nem a mata,não vai servir prá gente. Aí a gente não tá querendo nemeu, nem meu pessoal. Ninguém tá querendo não! De jeitonenhum!”36

Mas Manuel não é o único a compreender os im-pactos, caso o projeto seja implantado. A seguirapresentamos depoimentos de indígenas que com-partilham das preocupações do “parente”.

Diz Adoum Arara,“[d]epois da barragem, nós não vamos viver como agora sema barragem. Vai desaparecer o peixe, morrer muita caça, e agente vai passar fome, não vamos ter todas as coisas que temno rio e na mata. Uns vão embora porque o rio vai ficar cheioou vão morrer. Vai estragar a vida de todos os índios, ribeiri-nhos e da natureza que é a nossa vida. Nós não queremos abarragem de Belo Monte.”37

A compreensão da repercussão é aterradora. Dei-xa de existir caça, pesca e coleta. Produz a desa-gregação social pela ameaça de migração dada aoespectro da fome. O conhecimento de Adoum nãose aprende na escola, pauta-se pelo conhecimen-to vivenciado, é a chamada ciência do concreto, como

Manuel Juruna,Monti Aguirre/IRN

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quer Lévi-Strauss.38 O jovem Arara, da EscolaUgorogmo Oudo Tapeda Idekekpo, é acompanhado emseu receio pelos seus colegas que sem serem advo-gados, antropólogos, biólogos ou engenheiros,informam sobre o futuro:“... vai acabar com tudo, além de trazer doenças e muitaspragas e vai tirar a vida de muitas pessoas de índios, de bi-chos, vai acabar com o peixe, caça, aí nós vamos passar fome,vai alagar nossa terra, vai morrer muitas árvores de castanhae de outros que fazem parte da nossa natureza é dela quevivemos e por isso somos felizes.”39

Com a interrupção do curso do rio, Kuit prevê a prolifera-ção de diversas doenças que, se não forem controladas, po-dem levar a um processo de dizimação do grupo. Fala dadevastação da cobertura vegetal, da morte das castanheiras.Urge chamar atenção para a diferença feita pelo escriba: “...vai tirar a vida de muitas pessoas de índios ...” e, em seguida,enumera: “ de bichos, ...peixe, caça ...” Diferença que nósnão precisamos fazer, pois não sofremos preconceito, masque aos índios é fundamental, afinal, como dizem os maisidosos que não dominam o português: “nós não somos quenem jabuti para viver num pedacinho de terra, nós temospés para andar na mata, mão para trabalhar e matá caça.”40

No contraponto com a sociedade nacional, ou com os Karei(brancos), como dizem os Arara, a humanidade precisa serenfatizada, pois são tratados, ainda hoje, como bichos. Àsgentes o tratamento deve ser diferenciado, mas os Karei daEletronorte parecem não entender, pois não ouvem os do-nos da terra. No Dossiê o nome da empreendedora é, algu-mas vezes, trocado para “Eletromorte”, empresa que quer a“destruição do futuro”, como afirma Sílvia Juruna. O bradode Mobu-Odo Arara é contundente, na afirmação de direi-tos, previsão de futuro e disposição para luta,

“[v]ocês pensam que índio não é gente e que não tem valor?Mas nós somos gente e iguais a vocês brancos, temos o mes-mo valor que vocês. Vocês podem governar na cidade devocês, mas no rio, na nossa aldeia não é vocês que gover-nam. Tente respeitar os nossos direitos e o que é nosso. Nãoqueremos barragem! Não queremos Belo Monte!”41

Os depoimentos indicam a existência de um cor-po de categorias culturais, ou códigos normativosinstituídos socialmente que definem direitos edeveres entre os homens, bem como os meiosatravés dos quais os conflitos são dirimidos. Nãohá como deixar de perceber as categorias de res-peito à terra, à natureza, ao rio, mas sobretudosàs gentes.42

Na esteira da arguta compreensão dos povos indí-genas sobre os impactos, vejamos o que dizem osespecialistas.

Os impactos, desde a infausta concepção da UHEKararaô pela Eletronorte há uma década atrás, jávinham sendo delineados no chamado Livro Verde,como se constata a seguir:“(...) a pesquisa efetuada em convênio com a FUNAI,inventariou um total de 1.014 índios localizados na VoltaGrande do Xingu, na A I Bacajá, na Aldeia Trincheira, em

Altamira, no beiradão Xingu/Iriri/Curuá e na AI Curuá.Desse total cerca de 344 indivíduos serão diretamente afeta-dos pela formação do reservatório. (...) A população indíge-na dessa área soma 344 pessoas, agregadas em 42 grupos fa-miliares e em 61 famílias nucleares. Deste total, 193 perten-cem ao grupo Juruna, 79 pertencem ao grupo Xipaya, 06 aoGrupo Curuya, 06 ao Grupo Arara do Xingu e 02 ao grupoKayapó”43.

Essa situação gerou, à época, grande revolta às co-munidades indígenas, as quais relutaram de todasas formas contra a construção da então UHEKararaô, hoje denominada Belo Monte. Tal resis-tência deu ensejo à cena que correu o mundo, aíndia Tuíra, considerada símbolo da luta contraKararaô, encostou a lâmina de seu facão no rostodo representante da Eletronorte.

E nem se diga que o novo projeto da UHE de BeloMonte veio justamente para eliminar ou minimizaros impactos previstos para a UHE Kararaô, comotem afirmado o presidente da empreendedora.Não é a simples diminuição da área a ser inunda-da, ou a criação de dois canais de adução, que fa-rão com que as águas cheguem à Volta Grande doXingu com o mesmo volume e piscosidade de an-tes como se não houvesse interferência alguma.Além do mais, a obra – caso seja executada – acar-retará fato admitido pela Eletronorte (2002)“relocação de aldeia” ou “relocações de famílias”e “reformulação de situação fundiária” dos Juru-na da Terra Indígena Paquiçamba e dos indígenasque moram ao longo da Volta Grande (Arara, Ju-runa, Kayapó, Kuruaia e Xipaya).

No caso do baixo Xingu (Assurini do Xingu,Araweté, Parakanã, Kararaô e Xikrin do Bacajá) éadmitida a “reformulação de via de transporte”.Enquanto que, no caso dos indígenas do “beiradão”,em Altamira, (Arara, Juruna, Kayapó, Kuruaia eXipaya), está prevista a “possível relocação de fa-mílias por conta do alagamento de trechos da cida-de”. O “despreparo” do empreendedor é incomen-surável! Arrola pessoas, famílias e sociedades indí-genas com terras homologadas, como se os papéisda República fossem letra morta. Tratam indíge-nas que escorraçados de seus nichos originais mo-ram na Volta Grande e em Altamira, como se fos-sem “bichos” a quem se fará talvez (?) uma possívelconcessão. Além do que os indígenas moradoresda Terra Indígena Trincheira Bacajá perderão seudireito de ir e vir, já que há possibilidade de cerce-amento da locomoção.

Os Juruna, principal sociedade indígena a sersacrificada com os impactos gerados pela obra emtela, estão localizados à jusante do possível empre-endimento e dependem fundamentalmente das

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águas do Xingu parasobreviver. Eles sa-bem que, com obaixíssimo níveld’água, após o re-presamento, terãosérias dificuldadesde tráfego, além dopescado não resistirao calor forte deáguas tão baixas. Aestagnação daságuas aumentará,também, o númerode pragas, comoocorreu em Tucu-ruí, gerando, comcerteza, sérios riscos sanitários e a proliferação dedoenças, como a malária, na região.

Quer pelo próprio reconhecimento da Eletronor-te (Livro Verde), quer pelos dados científicos e co-nhecimento dos povos indígenas, a construção daUHE de Belo Monte necessitará do aproveitamen-to de recursos hídricos de Terras Indígenas, im-pondo os danos irreparáveis aos povos da floresta.

Como forma de assegurar a característica da na-ção como plural, e não mais “singular, sem ser”, aConstituição Federal assegura a apreciação e ava-liação dos indígenas mesmos, possibilitando-os ainterferência em seus destinos, como determina oartigo 231, parágrafo 3º:“[s]ão reconhecidos aos índios sua organização social, cos-tumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos origináriossobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo àUnião demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seusbens. Parágrafo 3º O aproveitamento dos recursos hídricos,incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra dasriquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetiva-dos com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as co-munidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nosresultados da lavra, na forma da lei.”(Destaque nosso)

Esse dispositivo é apenas uma das limitações cons-titucionais que o Poder Público no processo deimplementação de grandes projetos deve atender.

Em Tucuruí nada foi observado e, pelo andar dacarruagem, em Belo Monte a Eletronorte pensaem repetir a dose, só que de remédios amargoschegam o quinino e a mamona, os habitantes daárea de influência do Xingu querem e precisamser ouvidos. É interessante observar que o projetopensa em assentar-se em território indígena, masinvertendo a ordem, a Eletronorte fala em “áreade influência do CHE belo Monte”, na verdade oterritório é “xingüense”.

Em que pese o des-cumprimento dasnormas vigentes, opróprio GovernoFederal admitiu noPlano 2015 que oempreendimentoem discussão requero cumprimento deexigências constitu-cionais. Sobre o as-sunto, é de suma re-levância trazer àlume os estudos fei-tos por Becker, Nas-cimento e Couto:“[o] próprio texto do

Plano 2015 reconhece que entre as muitas interferências comas populações locais que a transmissão desses grandes blocosde energia irá ocasionar, a questão da população indígena sereveste de grande importância. O documento aponta para 5casos onde os empreendimentos estarão sujeitos a restriçõesconstitucionais. Tais empreendimentos são as Usinas Hidre-létricas de Belo Monte, Cachoeira Porteira, Cana Brava, Ji-Paraná e Serra Quebrada. Todos estes empreendimentoscausarão interferências em áreas indígenas, razão pela qualestão sujeitos às restrições constitucionais. A população in-dígena a ser direta ou indiretamente afetada pela constru-ção das hidrelétricas nestas áreas é de aproximadamente 7000indivíduos.”44

Desta forma, inquestionável a outorga congressualpara a grande obra antes de qualquer estudo am-biental. Com efeito, a via escolhida pela Eletronor-te juntamente com a FADESP pode causar o des-perdício de R$ 3,8 milhões, posto que, se o Con-gresso Nacional não conceder autorização, de nadaservirá o custoso EIA/RIMA, ferindo-se de morteo Princípio da Economicidade, artigo 70 da Consti-tuição Federal.

Há ainda uma outra questão a ser considerada,impeditiva do EIA/RIMA. Trata-se da previsão doparágrafo 6º, do artigo 231, o qual impede a ex-ploração dos rios existentes em áreas indígenas,ressalvado o relevante interesse público da União,definido em lei complementar: “[s]ão nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, osatos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a possedas terras a que se refere este artigo, ou a exploração dasriquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existen-tes, ressalvado relevante interesse público da União, segun-do o que dispuser lei complementar, não gerando a nulida-de e a extinção direito a indenização ou a ações contra aUnião, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias deriva-das da ocupação de boa-fé.” (Destaque nosso)

A lei complementar exigida pela Constituição da Re-pública ainda não foi promulgada. Isso inviabiliza

Luiz Xipaia,MDTX

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qualquer obra que tenha por objeto exploraçãode recursos hídricos em áreas indígenas.

Diante dessa visão, se não houver uma análiseteleológica dos parágrafos 3º e 6º do artigo 231 daConstituição da República, estes serão conduzidosà inaplicabilidade no que se refere aos recursoshídricos em geral.

Como se extrai do artigo 231, parágrafo 1º, da ConstituiçãoFederal:

“[s]ão terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as poreles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para assuas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservaçãodos recursos ambientais necessários a seu bem estar e as ne-cessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos,costumes e tradições.”

Para melhor elucidar a questão é válido transcrever trechodo estudo realizado por Roberto Santos45:

“[g]raças à raiz histórico-originária de sua posse, as terrasdos índios estão-lhes afetadas permanentemente (artigo 231,parágrafo segundo), dispondo eles de um “usufruto exclusi-vo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existen-tes”. Com o fim jurídico de proteger a posse indígena per-manente, o Estado brasileiro estatuiu que são bens da Uniãoas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, o que in-cluiu o solo, subsolo, águas superficiais e águas subterrâne-as. (Constituição da República/1988, artigo 20, item XI)

A importância das sociedades indígenasA preservação de áreas e adjacências intituladascomo indígenas assume papel fundamental paraa continuidade e perpetuação da cultura de umpovo. Desprovidos de seu habitat natural, os povosindígenas correm sério risco de extermínio pelaperda de vínculos históricos e sociais.

As sociedades indígenas são reconhecidas comosujeitos coletivos diferenciados de outros setoresda coletividade brasileira com identidade étnicaespecífica e direitos históricos imprescritíveis, de-vidamente reconhecidos pela Convenção 169. Por-tanto, o governo brasileiro deve assumir a respon-sabilidade de desenvolver-se com a participação dassociedades indígenas. Toda e qualquer ação queimplique em mudanças deve desencadear-se atra-vés de ação coordenada e sistemática que protejaos direitos indígenas e garanta a integridade físicae social dos indígenas, enquanto sociedades. Oartigo 6º da referida Convenção assegura a con-sulta aos povos interessados, “... mediante proce-dimentos apropriados e, particularmente, atravésde instituições representativas, ...” sempre que

medidas legislativas ou administrativas possamafetá-los diretamente.

Falcão, também, compartilha desse entendimento: “(..)não é apenas indígena a terra onde se encontra edificadaa casa, a maloca ou a taba indígena, como não é apenas indí-gena a terra onde se encontra a roça do índio. Não. A posseindígena é mais ampla, e terá que obedecer aos usos, costu-mes e tradições tribais, vale dizer o órgão federal de assistên-cia ao índio, para poder afirmar a posse indígena sobre de-terminado trato de terra, primeiro que tudo, terá que man-dar proceder ao levantamento destes usos, costumes e tradi-ções tribais a fim de coletar elementos fáticos capazes de mos-trar essa posse indígena no solo, e será de posse indígenatoda a área que sirva ao índio ou ao grupo indígena paracaça, para pesca, para coleta de frutos naturais, como aque-la utilizada com roças, roçados, cemitério, habitação, reali-zação de cultos tribais etc., hábitos que são índios e que, comotais, terão que ser conservados para preservação da subsis-tência do próprio grupo tribal.

A posse indígena, pois, em síntese, se exerce sobre toda aárea necessária à realização não somente das atividades eco-nomicamente úteis ao grupo tribal, como sobre aquela quelhe é propícia à realização dos seus cultos religiosos.”46

Urge reconhecer, por fim, que o conceito de terraindígena compreende não só a terra indígena pro-priamente dita, como suas adjacências, por exem-plo: rios, igarapés, posto que indispensáveis à sobre-vivência do grupo étnico. Trata-se do instituto jurídi-co chamado Indigenato. Não se vislumbra aí apenasuma questão de direito patrimonial, mas também umproblema de sobrevivência étnico-cultural.47

A UHE Belo Monte fere os direitos indígenas deinúmeras sociedades indígenas no estado do Pará(Quadro1). Portanto para fazer valer o Indigenatoe a legislação pertinente, torna-se necessário con-sultar lideranças, chefias, conselhos tribais, conse-lhos de anciãos e associações indígenas, sempreobservando as especificidades de cada sociedade.Aos povos interessados deverá ser dado“... o direito de escolher suas próprias prioridades no quediz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida emque afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espi-ritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de algu-ma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu pró-prio desenvolvimento econômico, social e cultural.” (Art. 7º/Convenção 169)

Assim sendo, o Estado brasileiro deve zelar paraque sejam efetuados estudos capazes de revelar aincidência social sobre o meio ambiente e a reper-cussão para as sociedades indígenas. Os estudosdevem ser considerados critérios fundamentaispara a execução ou não de Belo Monte.

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Quadro 3 - Entrevista com Felício Pontes Jr.

Entrevista concedida a Jane Felipe Beltrão em 09.03.2004

JFB – Como foi usado o estatuto do Indigenato no caso Belo Monte?

FPJr. – O indigenato foi decisivo para o sucesso até o momento das decisões judiciais a favor dos índios e contra a

UHE Belo Monte. Trata-se de um conceito de posse mais amplo do que o conceito tradicional usado na ciência

jurídica. O Indigenato toma a área utilizada por uma sociedade indígena como necessária à vida e esta, muitas

vezes, transborda os limites da terra indígena. Por isso, os tribunais por onde a ação civil pública foi julgada até

agora foram unânimes em considerar que a utilização do Rio Xingu afeta diretamente os povos indígenas que ali

vivem. Portanto, as normas de Direito Indígena devem ser respeitadas na implantação de um projeto que utilize as

águas do Rio Xingu. Aí está, na prática, a apropriação pelo Direito do instituto do Indigenato que, originariamen-

te, vem da Antropologia. É assim que o Direito alcança sua finalidade: ser apenas um instrumento e não um fim,

para que se alcance o ideal de justiça.

JFB – Quais os desdobramentos da Ação Civil Pública, após a concessão da Liminar e sua ratificação pelo Supremo?

FPJr. – A Ação ainda não chegou ao seu final. Está em grau de recurso de apelação no Tribunal Regional Federal da

1ª Região, em Brasília. É que, como foi julgada favoravelmente ao MPF pela Justiça Federal do Pará, a Eletronorte

apelou com o objetivo de modificar a decisão. Ainda não há data para o julgamento do recurso.

JFB – Como ficam os direitos indígenas se Belo Monte não sair da prateleira para o lixo?

FPJr. – Minha maior preocupação é com a remoção de povos indígenas. Fato inevitável com a construção da obra.

Sempre que o governo brasileiro teve que fazer remoção de povos indígenas as conseqüências foram catastróficas.

Veja o caso dos Panará, na divisa do Pará com o Mato Grosso, quando da abertura da Rodovia 163, Santarém-

Cuiabá. Boa parte da sociedade não resistiu, não se adaptou e morreu. A remoção, portanto, destrói a relação

mítica do indígena com a sua terra. Ou seja, destrói a própria cultura de um povo.

Destrói o próprio povo.

JFB – Do ponto de vista do Ministério Público Federal, quais são os próximos passos em

relação à Belo Monte?

FPJr. – Nós já apresentamos contra-razões ao recurso da Eletronorte. Há esperança

de que o TRF confirme a decisão da Justiça Federal do Pará. Quando a Eletronorte

recorreu da liminar em 2001, que paralisava todo o projeto, esse mesmo Tribunal

foi quem julgou favorável aos povos indígenas, por unanimidade, e confirmou que

o projeto UHE Belo Monte não estava respeitando os direitos indígenas e as normas

ambientais. Portanto, qualquer julgamento diferente agora será um contra-senso

diante dos precedentes do Tribunal Regional Federal de Brasília.

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REFERÊNCIAS

DocumentosProcesso 2001.39.00.005867-6/Justiça Fe-deral, referente à Ação Civil Públicamovida pelo Ministério Público Fede-ral contra as Centrais Elétricas do Nor-te do Brasil S/A e outro, protocoladoem 25.01.2001. (cinco volumes)

Jornais citadosAgenda Amazônica

A Província do Pará

Diário do Pará

O Liberal

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BELTRÃO, Jane Felipe, MASTOP-LIMA, Luiza de Nazaré & MOREIRA,Hélio Luiz Fonseca. De agredidos aindiciados, um processo de ponta cabeça:Suruí Aikewar versus Divino Eterno – lau-do Antropológico. Belém, UFPA, 2003.(mimeo)

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CIMI – Regional Norte II. Relação dasfamílias indígenas dispersas na confluência

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ELETROBRÁS/ELETRONORTE.CHE Belo Monte – Estudo de Impacto Am-biental. Brasília, Eletrobrás/Eletronor-te, 2002 (Disponível em CD ROM)

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Referências eBibliografias

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1 Carta dos Juruna, manuscrita e assi-nada por 46 representantes indígenas,encaminhada à 6º Câmara do Ministé-rio Público Federal em 22.02.2001,cujos originais constam do Processo2001.39.00.005867-6/Justiça Federal.2 Os jornais impressos em Belém vei-culam desde de 1999, vez por outra,informações sobre Belo Monte. Na ver-dade, desde fevereiro de 1989, quandose realizou protesto contrário à constru-ção da Hidrelétrica de Kararaô, hoje, de-nominada Belo Monte. Dirigentes da Ele-tronorte e políticos que desejam o desen-volvimento a qualquer custo, de 1989 paracá, têm ganho as páginas dos principaisjornais de Belém posicionando-se sobreo assunto. Para verificar a ocorrência,conferir: A Província do Pará, Diário doPará e O Liberal.3 Na verdade não se trata de uma des-coberta, pois todos sabíamos que cedoou tarde os projetos referentes aos bar-ramentos dos rios da Amazônia seriamtirados da prateleira e que a sociedadeteria que agir, sob pena de ser submeti-da a propostas autoritárias as quais nãoformulou e tão pouco discutiu.4 Cf. Relatório do 1º Encontro dos PovosIndígenas da região da Volta Grande do RioXingu realizado em 1º. 06.2002. Confe-rir detalhes no Processo 2001.39.00.005867-6, Justiça Federal, já referido.5 Para uma discussão sobre o assuntoem outra área indígena, consultar:BAPTISTA, Angela Maria & PAULA ESILVA, Maria Fernanda Paranhos. Relató-rio Tenetehara-Guajajara. Brasília, Minis-tério Público Federal, 1998: 1 (mimeo).6 Fonte: RICARDO, Carlos Alberto(editor). Povos Indígenas do Brasil,1996-2000. São Paulo, InstitutoSocioambiental, 2000: pp. 488-9; Fun-dação Nacional do Índio/Altamira,2002; Distrito Sanitário Especial Indí-gena/Altamira, 2002.7 Os dados referentes a 2002 foramcoletados pela antropóloga Luiza deNazaré Mastop-Lima e pela graduandaMaria do Socorro Lacerda Lima em tra-balho de campo realizado pelo projetoColeções etnográficas: testemunhos dahistória, educação e registro da diversi-dade na Amazônia desenvolvido no

Departamento de Antropologia do Cen-tro de Filosofia e Ciências Humanas daUniversidade Federal do Pará, sob acoordenação de Jane Felipe Beltrão,aprovado pelo PNOPG/CNPq.8 Cf. CIMI – Regional Norte II. Rela-ção das famílias indígenas dispersas naconfluência da Volta Grande do Rio Xin-gu. Altamira, CIMI, 2003. (mimeo)9 Cf. NIMUENDAJÚ, Curt. Textos In-digenistas. Rio de Janeiro, Loyola, 1982:p. 228. (Destaque do original) O textode Nimuendajú é extremamente atu-al, especialmente, ao falar dos Kayapóe das inúmeras ações diretas que prati-caram nos últimos anos em benefíciode seus direitos. As ações Kayapó assus-tam os brancos, talvez porque não re-flitam sobre seus desmandos, ou atépor refletirem.10 É comum que indivíduos dos maisvariados grupos étnicos chamem unsaos outros de “parente” chamamentoque não significa laço de consangüini-dade e/ou afinidade, parece indicar“nós” em contraponto aos demais.Usam, com freqüência, as seguintesexpressões: “chamar os parentes”, “vi-sitar os parentes”, “reunir os parentes”,“ouvir os parentes”, ‘igual aos paren-tes” entre outras expressões quando seexpressam em português.11 Cf. NIMUENDAJÚ, 1982: p. 229, járeferido. Fato ou terno era roupa de usomasculino feita, em geral, de linho, etrajada quotidianamente, em Altamiraou Belém, pelos homens para trabalhar,até meados dos anos 60, quando a tra-dição foi sendo abandonada.12 Para maiores informações técnicas,consultar os capítulos 2, 3 e 4 que con-tém os registros e detalhes pertinentesao projeto. A Eletronorte, em que pese,a liminar que suspendeu os Estudos deImpacto Ambiental, divulgou: ELE-TROBRÁS/ELETRONORTE. CHEBelo Monte – Estudo de Impacto Ambien-tal. Brasília, Eletrobrás/Eletronorte,2002 (Disponível em CD ROM) noqual há referências a dados oriundosdo convênio com a FADESP.13 Cf. Processo 2001.39.00.005867-6, Jus-tiça Federal, já referido, fls. 22-32.14 Idem, fls. 150.

15 Na academia, usa-se a expressão tra-balho de campo, pois este implica napermanência dos pesquisadores naárea sob observação para processarapurada coleta de dados que possa sub-sidiar os argumentos e as conclusões aque se chega após a análise dos dados.Campanha “soa”, confunde-se comações rápidas e pontuais, das quais re-sultam impressões preliminares queprecisam ser confirmadas posterior-mente. Infelizmente, o uso consagrou-se nos termos de referência, a pressaimpede estudos mais aprofundados.16 Cf. Artigo 225, parágrafo 1º. (Desta-que nosso)17 Cf. BENJAMIM, Antônio HermamV.. “Introdução ao Direito AmbientalBrasileiro” In Revista de Direito Ambien-tal. Nº 14, São Paulo, Revista dos Tri-bunais, 1999: p. 59.18 Cf. FLORILLO, Celso AntônioPacheco. Curso de Direito Ambiental Bra-sileiro, São Paulo, Saraiva, 2000: p. 102.(Destaque nosso)19 Cf. Mapa detalhado na abertura daobra. Para maiores detalhes sobre oXingu, consultar o capítulo 2.20 Para uma completa visão do percursoda Ação movida pelo Ministério Públicosugere-se consulta á página do SupremoTribunal Federal, posto que o processotramita há dois anos e possuí até o pre-sente momento cinco alentados volu-mes. No Ministério Público Federal hácópia do processo, devidamente auten-ticada e disponível à consulta.21 Cf. Ministério do Meio Ambiente,dos Recursos Hídricos e da AmazôniaLegal, Instituto Brasileiro do Meio Am-biente e dos Recursos Naturais Reno-váveis. Avaliação de Impacto Ambiental:Agentes Sociais, procedimentos e ferramen-tas, Brasília, 1995.22 Cf. Resolução Conama Nº 001/86).23 Cf. MMA/IBAMA, 1995: 56, referi-do anteriormente. (Destaque nosso)24 Cf. Fls. 469-520 do processo, anteri-ormente mencionado.25 Aqui empregada no sentido usadopor Paulo Freire. Consultar: FREIRE,Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio deJaneiro, Paz & Terra, 1975.

Notas

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26 Expressão aqui utilizada para indi-car “pertença” à área de influência dabacia do Xingu, originariamente é osinônimo gentílico de altamirense.Englobando índios e não índios; nati-vos ou migrantes estabelecidos na re-gião e que pelejam por desenvolvimen-to sem prejuízos sociais. Evita-se oxinguano, porque na literatura antro-pológica o termo é referente dos po-vos que se encontram no Parque Naci-onal do Xingu.27 Local onde os Kayapó foram chaci-nados pelos coronéis da região, con-forme relata Curt Nimuendajú. Con-ferir: NIMUENDAJÚ, Curt. Textos Indi-genistas. Rio de Janeiro, Loyola, 1982.Para uma compreensão romanceada,mas igualmente trágica, do Xingu eseus moradores, bem como das dispu-tas, consultar: NUNES, André Costa. Abatalha do riozinho do Anfrísio: uma his-tória de índios, seringueiros e outros brasi-leiros. Belém, Secult/Fumbel, 2003.28 Carta que integra o Dossiê de car-tas dos alunos da Escola Ugorogmo OudoTapeda Idekekpo enviadas ao Presidenteda República em 2002, antes referido.Negritos nossos.29 Cf. SANTOS, Sílvio Coelho. “Notassobre o deslocamento compulsório depopulações indígenas em conseqüên-cia da implantação de hidrelétricas naAmazônia” In MAGALHÃES, SôniaBarbosa, BRITO, Rosyan Caldas &CASTRO, Edna Ramos de (org.). Ener-gia na Amazônia. Vol .II. Belém, MuseuParaense Emílio Goeldi/ UniversidadeFederal do Pará/ Associação das Uni-versidades Amazônicas, 1996: p. 690.30 Cf. FERRAZ, Iara. “Resposta a Tu-curuí: o caso dos Parkatêjê” In MAGA-LHÃES, Sônia Barbosa, BRITO,Rosyan Caldas & CASTRO, Edna Ra-mos de (org.). Energia na Amazônia. Vol.II. Belém, Museu Paraense EmílioGoeldi/ Universidade Federal doPará/ Associação das UniversidadesAmazônicas, 1996: pp.537-544.31 Sobre o assunto consultar: REIS,Maria José & BLOEMER, Neusa Ma-ria Sens (org.). Hidrelétricas e populaçõeslocais. Florianópolis, Cidade Futura/UFSC, 2001 que apresenta experiên-cias do sul do Brasil e da Argentina;SANTOS, Sílvio Coelho & REIS, Ma-ria José (org.). Memória do setor elétricona região sul. Florianópolis, UFSC, 2002que discute historicamente a impor-tância da energia, os grandes e mega-projetos no sul do Brasil; e especifica-mente sobre os impactos causados às

populações indígenas, o recém lança-do, SANTOS, Sílvio Coelho & NACKE,Anelise (org.). Hidrelétricas e povos in-dígenas. Florianópolis, letras contem-porâneas, 2003 que reúne ensaios so-bre experiências na Argentina, Brasil,Chile, Paraguai e Uruguai. Além da li-teratura específica sobre Amazôniaapresentada em MAGALHÃES, SôniaBarbosa, BRITO, Rosyan Caldas &CASTRO, Edna Ramos de (org.). Ener-gia na Amazônia. Vol .I e II. Belém,Museu Paraense Emílio Goeldi/ Uni-versidade Federal do Pará/ Associaçãodas Universidades Amazônicas, 1996que congrega especialistas das mais di-versas áreas, referência obrigatória nosestudos sobre o setor hidrelétrico eseus efeitos.32 Considerando que a Justiça acatouo pedido de liminar, solicitado via AçãoCivil Pública, deixamos de discutir alicitude do contrato Eletronorte/FADESP, posto que o deferimento dopedido inicial admite os problemas.Para compreensão da discussão trava-da na justiça, verificar os autos do pro-cesso, supra citado.33 Depoimento constante do Relatóriodo 1º Encontro dos Povos Indígenas da Re-gião da Volta Grande do Rio Xingu, ocor-rido em junho de 2002, anteriormen-te citado. (Destaque nosso)34 Para uma compreensão da lógicadescrita por Geertz na sociedade oci-dental, consultar: GEERTZ, Clifford. Osaber local: novos ensaios em Antropologiainterpretativa. Petrópolis, 1998 eTHOMPSOM, E. P.. Senhores e Caçado-res, a origem da lei negra. Rio de Janeiro,Paz e Terra, 1987 e Costumes em comum.Estudos sobre cultura popular tradicional.São Paulo, Cia. das Letras, 1998 quetrata das questões, aqui debatidas, ten-do como campo a Inglaterra.35 Os índios costumam se visitar porperíodos longos ou breves. As visitassão sempre um aprendizado, especial-mente porque em lugar de lerem asinformações em folhetos e livros, ob-servam os fatos no terreno, vendo asocorrências e ouvindo depoimento dosafetados, a vivência gera conhecimen-to prático experimentado intensamen-te. As narrativas das vivências, na voltaà aldeia, produz informações discuti-das nas longas conversas às soleiras dascasas quando a platéia partilha do co-nhecimento do andarilho.36 Depoimento inscrito à frente do Re-latório do 1º Encontro dos Povos Indígenasda Região da Volta Grande do Rio Xingu,

ocorrido em junho de 2002, anterior-mente referido. (Destaque nosso)37 Cf. depoimento de Kuit Arara noDossiê de cartas a José Antônio MunizLopes no Processo 2001.39.00.005867-6/Justiça Federal. (Destaque nosso)38 Cf. LEVI-STRAUS, Claude. O pensa-mento selvagem. Rio de Janeiro, Nacio-nal/USP, 1970.39 Cf. Depoimento de Kuit Arara, noDossiê de cartas a José Antônio MunizLopes no Processo 2001.39.00.005867-6/Justiça Federal. (Destaque nosso)40 Depoimento inscrito no mesmoDossiê, antes referido, Processo2001.39.00.005867-6/Justiça Federal.(Destaque nosso)41 Idem.42 Sobre o assunto, consultar: BEL-TRÃO, Jane Felipe, MASTOP-LIMA,Luiza de Nazaré & MOREIRA, HélioLuiz Fonseca. De agredidos a indiciados,um processo de ponta cabeça: SuruíAikewara versus Divino Eterno – laudo An-tropológico. Belém, UFPA, 2003.(mimeo)43 Cf. Processo 2001.39.00.005867-6/Jus-tiça Federal: fls. 84, antes referido. (Des-taque nosso)44 Cf. BECHER, Bertha, NASCIMEN-TO, José Antônio Senado & COUTO,Rosa Carmina de Sena. “Padrões dedesenvolvimento, hidrelétricas e reor-denação do território na Amazônia” InMAGALHÃES, Sônia Barbosa, BRITO,Rosyan Caldas & CASTRO, Edna Ra-mos de (org.). Energia na Amazônia. Vol.II. Belém, Museu Paraense EmílioGoeldi/ Universidade Federal doPará/ Associação das UniversidadesAmazônicas, 1996: p. 810. (Destaquenosso)45 Cf. SANTOS, Roberto A. O.. “Limi-tações jurídicas do “setor elétrico”naesfera étnica e na ambiental” In MA-GALHÃES, Sônia Barbosa, BRITO,Rosyan Caldas & CASTRO, Edna Ra-mos de (org.). Energia na Amazônia.Vol. I. Belém, Museu Paraense EmílioGoeldi/Universidade Federal do Pará/Associação das Universidades Amazô-nicas, 1996: p. 21446 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Do-mínio da União sobre as Terras Indígenas– O Parque Nacional do Xingu. Brasília:Ministério Público Federal, 1988, p. 58.(Destaque nosso)47 Sobre os desdobramentos da ques-tão Belo Monte, leia o Quadro 3.

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A Eletronorte delegou um estudo de impacto daUniversidade Federal do Pará (UFPA) e MuseuGoeldi para avaliar os impactos sociais e ambien-tais da barragem proposta. A empresa alocou R$ 3,8milhões de reais (aproximadamente U.S.$ 1,3 mi-lhão de dólares) para executar esses estudos e con-tratou a Secretaria de Gestão de Concessões daUniversidade(FADESP) para administrar este con-trato. Os fundos representaram cerca de um quin-to do orçamento anual da Universidade. Os deta-lhes finais do contrato foram negociados com aFADESP em outubro de 2000, e a Eletronorte con-vocou todos os pesquisadores para uma reuniãoonde foram apresentadas as diretrizes para os es-tudos de impacto. A equipe de avaliação incluiupesquisadores de ciências naturais e sociais, alémde consultores ad hoc.

Nós (antropólogos Eneida Assis e Louis Forline)fomos contratados para determinar que impactospoderiam sobrevir às comunidades indígenas daregião do médio e baixo Xingu. Assis é professoraassistente de Antropologia na UFPA e Forline pes-quisador assistente do Museu Goeldi. Trabalhamosanteriormente com grupos indígenas na região.Forline, por exemplo, continuou um projeto ini-ciado em 1998 entre os índios urbanos de Altamira.

A Eletronorte descreveu resumidamente o projetopara os pesquisadores presentes na reunião. Esses,por sua vez, deveriam explicar o projeto às comuni-dades locais e nas proximidades de Altamira comoeles avaliavam os impactos potenciais da barragem.

A companhia mostrou os aspectos gerais do proje-to aos políticos locais, comerciantes e elite da re-gião, mas não à população em geral.

Surpreendentemente, não foi elaborado nenhumesboço de contrato formal entre Eletronorte e mem-bros individuais da equipe de avaliação. A empresaafirmou que as disposições gerais de seu contratocom a FADESP eram abrangentes e submetiam ospesquisadores às estipulações estabelecidas nos ter-mos de referência do projeto. Os pesquisadoresapresentaram as propostas individuais que indica-ram os equipamentos e recursos financeiros de queprecisam para executar seus estudos. Esta situaçãocriou a impressão entre muitos pesquisadores deque eles estavam trabalhando sob um contrato in-formal que só seria honrado se as diretrizes da em-presa fossem obedecidas. Depois que os estudos doimpacto fossem iniciados, os pesquisadores teriamde reunir-se periodicamente com os diretores daEletronorte e apresentar relatórios do andamento.Posteriormente, a Eletronorte orientou os pesqui-sadores a apresentarem relatórios periódicos a seucomitê de análise e consultores ad hoc que publica-riam os achados da pesquisa e esboçariam o relató-rio final. Por sua vez, este relatório seria apresenta-do à Secretaria do Meio Ambiente do Estado doPará (SECTAM). A Secretaria do Meio Ambienteentão avaliaria a magnitude dos impactos sócio-ambientais que a barragem causaria e atuaria comoagência licenciadora de fato se a mesma conside-rasse o projeto viável.

Do artigo: “Dams and Social Movementsin Brazil: Quiet Victories on the Xingu”,publicado em Practicing Anthropology26(3):21-25

3.1. As pressões da Eletronorte sobreos autores do EIA

Eneida Assis e Louis Forline

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Numa tentativa de controlar mais a pesquisa, os fun-cionários da Eletronorte acompanharam periodi-camente os pesquisadores em seus locais de estudopara monitorar o trabalho de campo e forneceraconselhamento a partir de sua “vasta experiência”com estudos de impacto. Depois, a empresa solici-tou aos pesquisadores o fornecimento de seus da-dos brutos. Muitos pesquisadores recusaram-se aatender a esta solicitação por razões éticas. Os pes-quisadores que trabalham com pessoas queriammanter o anonimato e a confidencialidade das co-munidades onde eles trabalhavam. Durante as reu-niões periódicas, os pesquisadores solicitaram àcompanhia maiores informações sobre a barragem,uma vez que os detalhes do projeto ainda não ti-nham sido totalmente divulgados. Por exemplo,diversos pesquisadores solicitaram detalhes sobre apossibilidade de construir um complexo de barra-gens ao invés de apenas uma, conforme planejado.

Os diretores da Eletronorte educadamente evitaramessas questões…

Os pesquisadores se sentiram incomodados pelaânsia da Eletronorte em concluir os estudos deimpacto. Os termos de referência estipulavam queos estudos do impacto deveriam ocorrer no cursode um ano completo, para retratar com precisãoas características biofísicas e sociais do Xingu du-rante as estações de chuva e de estiagem. Porém aempresa ignorou esta cláusula e encorajou os pes-quisadores a concluir suas tarefas antes do tempoprevisto. Os representantes da Eletronorte justifi-caram suas ações afirmando que o período de umano deveria incluir a pesquisa e as apresentaçõesdo relatório final. Na verdade, a empresa queriaque os estudos de impacto fossem concluídos omais rápido possível a fim de obter uma aprova-ção rápida de seu projeto pela SECTAM.

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PARTE IIEletricidade para quem?Às custas de quem?

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O Pará começou a primeira década do novo milê-nio produzindo pouco mais de dois bilhões dedólares em minérios, destinados quase integral-mente à exportação. Chegará ao final desta pri-meira década do século XXI com o produto mine-ral próximo da marca de US$ 10 bilhões, vendidopraticamente todo no mercado externo. Trata-sede um desempenho impressionante. Seria comose o PIB mineral do Estado dobrasse a cada doisanos no decênio. Em 2010 o Pará passará à frentede Minas Gerais, o maior minerador brasileiro aolongo dos últimos três séculos. Mas não só isso: aimportância do Estado em 12 commodities se torna-rá mundial.

O que está ocorrendo no Pará é um verdadeiroboom. O mais inusitado nessa corrida é que ela édefinida por um único competidor, a CompanhiaVale do Rio Doce, que chegou à Amazônia comoestatal e agora é uma empresa privada. Ofaturamento da Vale é maior do que o do governodo Estado. Sua verba de investimento, especifica-mente, está muito além da soma dos recursos decapital da administração pública. Ao longo destadécada a CVRD deverá investir 5,5 bilhões de dó-lares (quase 17 bilhões de reais) no Pará, valor querepresenta mais de um terço do PIB do Estado.Em quatro anos, completados em 2004, a Vale exe-cutará um terço desse orçamento.

Essa grandeza se baseia na exploração de 12 bensminerais. Até agora, a maior fonte de receita é ominério de ferro. A produção, neste ano, deverá

Capítulo 4

Grandezas e misérias da energiae da mineração no Pará

Lúcio Flávio Pinto

bater num número recorde em Carajás: 70 milhõesde toneladas, três vezes e meia acima da capacida-de máxima de viabilidade do projeto de minera-ção, quando ele foi concebido. Mas em 2010 a re-ceita de cobre, chegando a US$ 2 bilhões, passaráà frente da tradicional mercadoria da CVRD, queé responsável por um quarto do minério de ferroque circula pelos oceanos.

Em 2010 deverão estar funcionando cinco minasde cobre em Carajás, que se consolidará, então,como a maior província mineral do planeta. Nãosó garantirá a auto-suficiência brasileira nesse mi-nério como colocará o Brasil entre os cinco maio-res exportadores mundiais.

Para tanto, o investimento nos pólos de cobre deCarajás somarão US$ 2,5 bilhões. O primeiro a serativado, o da Serra do Sossego, começou a produ-zir em junho, antes mesmo de ser inaugurado, nomês seguinte, pelo presidente Luiz Inácio Lula daSilva, ao custo de US$ 430 milhões. A CVRD é donade todas as jazidas. Além de cobre, comosubproduto, produzirá ouro, prata e molibdênio.Voltará a ser a maior mineradora de ouro do Bra-sil, título que ocupou quando explorava a jazidado igarapé Bahia, também em Carajás, esgotadaem 10 anos de lavra.

Carajás não produz, hoje, um grama de níquel, ou-tro dos minérios dos quais o Brasil é carente. Masem 2010 a produção de níquel em Carajás será trêsvezes maior do que toda a produção brasileira atu-al, tornando-se responsável por 15% do valor da

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Presidente Lula visita obras da mina do Sossego,Ricardo Stuckert/PR

produção mineral da Vale no Pará. O níquel do Es-tado não será falado apenas no Brasil. Como o miné-rio alcança em Carajás um dos mais altos teores járegistrados no mundo, ele passará a interessar im-portadores espalhados por vários outros países.

Esse será o desempenho de dois bens mineraisabsolutamente novos para a CVRD. Mas a evolu-ção dos produtos mais tradicionais da cesta demercadorias da empresa não será menor. Em 2007a produção de minério de ferro alcançará 100milhões de toneladas em Carajás, que também jáé o maior produtor mundial de manganês, com1,5 milhão de toneladas. Com a nova mina deParagominas e o surgimento da Alcoa com umprojeto de mineração próprio, em Juruti, o Parásubirá um degrau, tornando-se o segundo maiorprodutor mundial, abaixo apenas da Austrália.

Mas poderá passar a Austrália em matéria dealumina, a etapa seguinte na transformação do mi-nério, assumindo o primeiro lugar. E estará entreos cinco maiores produtores de alumínio, se osprojetos anunciados – de expansão e de uma novaindústria, a da Alcoa – forem realizados. O Pará seconsolidará também como o terceiro maior pro-dutor mundial de caulim, argila utilizada no re-vestimento de papéis especiais.

Em 2010, o Pará, que hoje é o sétimo maior expor-tador do Brasil e o quinto em saldo de divisas, po-derá estar gerando US$ 8 bilhões líquidos para ascontas externas nacionais, uma contribuição queapenas duas ou três outras unidades da federaçãotambém poderão dar.

Mas enquanto representa quase 80% do valor docomércio internacional paraense, a produção mine-ral tem papel pouco expressivo na formação da ri-queza interna. A mineração entra atualmente com4% da receita estadual de impostos, graças às isen-ções e vantagens concedidas pela União aos expor-tadores de semi-elaborados. Mesmo com aquintuplicação do valor da produção na década, opeso da mineração será de 18% da renda tributáriaem 2010, segundo estimativa do governo do Estado.

O Pará, que é o 16º em IDH (Índice de Desenvolvi-mento Humano), mesmo tendo o segundo maiorterritório e a 9ª população brasileira, não avançarámuito nesse item se depender do boom mineral, queprovoca crescimento mas não – ou só raramente,graças a outras variáveis, desde que elas sejam cria-das – desenvolvimento. Assim, o Pará parece fada-do a ocupar seu lugar no firmamento mineral su-jeito à mesma circunstância dos países que o ante-cederam no pódio: ficar grande, sem ficar rico.

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Amazônia: a transferência da tecnologiaeletrointensivaA Amazônia saiu do marasmo de três décadas, noqual ficou prostrada, a partir de 1910, por causada decadência da exploração da borracha, quan-do foi chamada a participar do esforço da produ-ção para atender as forças aliadas na SegundaGuerra Mundial. Exaurida a economia de guerra,em 1946, a elite dirigente da região percebeu queseu horizonte dependia de um fator essencial: adisponibilidade de energia.

Embora abrigando a maior bacia hidrográfica domundo, que drena 12% da água doce superficialexistente no planeta, a Amazônia não possuía umaúnica hidrelétrica. Sua escassa energia provinhade velhas máquinas a diesel, de funcionamentoprecário, sempre sujeitas à pane. Por isso mesmo,a empresa remanescente, no Pará, do período emque esse serviço foi realizado por concessionáriosingleses (que, com o tempo e a pouca demanda,cessaram os reinvestimentos), a Pará Eletric, pas-sou a ser popularmente (ou impopularmente)conhecida como Paralítica. Ficava mais tempo pa-rada do que funcionando.

Os blecautes eram constantes, a qualidade da ener-gia deixava muito a desejar, o consumo era violen-tamente reprimido e a economia não podia cres-cer. Nenhuma industria se algum porte se instala-ria na região com uma energia dessa qualidade.Para enfrentar o grave problema, que deixava cons-tantemente às escuras a maior cidade da região,Belém, com quase meio milhão de habitantes, ogoverno do Pará criou uma Comissão Estadual deEnergia e, em seguida, uma empresa, a Celpa (Cen-trais Elétricas do Pará), no início da década de 60.

A Celpa foi incumbida de criar energia farta e ba-rata para substituir as térmicas velhas, caras, depequeno porte e ineficientes. A saída, obviamen-te, estava nos rios, até então completamente igno-rados como fontes de energia. Havia alguns alvos,mas o principal se localizava na cachoeira deItaboca, no rio Tocantins, 300 quilômetros a sudo-este de Belém. A regularização do rio permitiriainstalar no local uma hidrelétrica capaz de gerar20 vezes mais energia do que todo o consumo daAmazônia nessa época. Ou 1,2 mil megawatts. Naspranchetas dos técnicos da Celpa que examinavama viabilidade do empreendimento, era um sonhograndioso. Ou uma utopia.

Uma década depois a possibilidade de realizaçãodesse sonho saiu do âmbito da administração estadu-al, várias vezes multiplicado de tamanho, e passou

para a jurisdição de uma empresa federal, as Cen-trais Elétricas do Norte do Brasil, Eletronorte, queseria criada seis meses depois do primeiro choquedo petróleo. A súbita e drástica elevação do preço dobarril de petróleo pelo cartel dos produtores, a Opep,foi fundamental para o surgimento da Eletronorte,em setembro de 1973, em pleno regime militar (en-cabeçado então pelo general Emílio GarrastazuMédici, o terceiro e o mais feroz presidente do ciclode autoritarismo, que se manteria até 1985).

Técnicos japoneses foram despachados de Tóquiocom uma missão: estudar a viabilidade da implan-tação da indústria de alumínio no Pará. Mas emregime de urgência: dependente em 80% do pe-tróleo como fonte de energia, todo ele importa-do, o Japão estava consciente de que não podiamais produzir bens industriais de alta demandaenergética, sobretudo o alumínio, o maiseletrointensivo de todos. O petróleo ficara carodemais e não havia possibilidade de encontrar su-cedâneos em território japonês para manterintacto seu parque industrial. As fábricas de alu-mínio teriam que ser fechadas no Japão e reaber-tas em outros lugares. Se possível, com ganhos. Omais promissor desses locais estava situado a 20mil quilômetros do território japonês, na foz damaior de todas as bacias hidrográficas, que, porisso mesmo, devia poder gerar energia para suprira maior fábrica de alumínio do mundo (o projetoinicial previa uma produção de 600 mil toneladasde metal, metade das necessidades do Japão e cin-co vezes a produção brasileira da época).

Com adaptações e correções, o projeto japonês foiexecutado, tornando-se a mais bem-sucedida ex-periência de transferência industrial de todos ostempos. Todas as 46 fábricas de alumínio nipônicasforam fechadas e a maior (e mais rentável) delasfoi aberta e começou a funcionar, 20 anos atrás, a50 quilômetros de Belém, garantindo o atendimen-to de 15% da demanda de metal do Japão, commais de 200 mil toneladas.

O principal segredo do sucesso seria dispor de umafonte de energia abundante e barata. Quando ficouclaro que o Tocantins poderia desempenhar esse pa-pel, a uma distância econômica da futura indústriade alumínio, num ponto do estuário amazônico aces-sível por navios de grande porte, os japoneses, emnegociações intensivas mantidas entre Brasília e Tó-quio, fecharam um pacote completo: participariamtanto da fábrica quanto da hidrelétrica.

Para isso, o monopólio estatal da energia, exerci-do pela Eletrobrás, foi simplesmente ignorado. Oestatuto da Eletronorte admitia a possibilidade de

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que cotistas estrangeiros subscrevessem até umterço das ações da empresa. Seria a cota financei-ra do Japão, já que a indústria de alumínio, proje-tada para 600 mil toneladas (acabou dando parti-da com pouco mais da metade, 320 mil toneladas,hoje elevadas para 430 mil toneladas, na perspec-tiva de chegar a 700 mil toneladas no futuro), fica-ria com um terço da energia firme da usina. Nofinal, os japoneses não precisaram gastar seu capi-tal porque o governo brasileiro assumiu todos oscustos, inclusive de obras de interesse direto daAlbrás, como a vila residencial da fábrica e o por-to. Mas o rompimento do monopólio estatal daenergia para atender o esquema original mostrouo grau de prioridade que as autoridades de Brasíliadavam à associação nipo-brasileira.

Tucuruí e o “fator amazônico”Quando começou a ser construída, em 1975, a hi-drelétrica de Tucuruí, a segunda maior do Brasil(terceira da América do Sul e sexta do mundo), com4,2 mil MW na primeira etapa (e 8,3 mil MW depotência final, quando tiver sido finalizada, em2006), deveria custar 2,1 bilhões de dólares. Ao serinaugurada, em 1984, seu orçamento já havia al-cançado US$ 5,4 bilhões. A Comissão Mundial deBarragens calcula que seu preço atualizado, até2000, bateu em US$ 7,5 bilhões. Considerando alinha de transmissão de energia associada à usina,o valor sobe para US$ 8,77 bilhões. Há quem esti-me esse custo em algo acima de US$ 10 bilhões.

Para a Eletronorte, porém, o número oficial é deUS$ 4,7 bilhões. Ou seja: menos do que o valorque já estava apropriado em 1984, incluindo jurosdurante a construção. Mas essa conta de juros jun-to aos agentes financeiros europeus, transferidapara a responsabilidade da Eletrobrás, ainda nãofechou. O passivo atualizado da Eletronorte é de5,6 bilhões de reais.

Qualquer que seja ovalor de referência,ele extrapolou todasas previsões, inclusivea margem de acrésci-mo geralmente joga-da sobre as costas lar-gas do chamado “fa-tor amazônico”, re-sultante da condiçãoonerosa da Amazô-nia de frente pionei-ra, selvagem. O ex-ministro de Minas e

Energia e ex-presidente da Companhia Vale do RioDoce, Eliezer Batitsta, entende que a usina teria cus-tado muito menos e não teria obrigado o governo asubsidiar os dois maiores consumidores individuaisde energia do país, a Albrás, em Barcarena, e aAlumar, em São Luís, em valor ao redor de dois bi-lhões de dólares (correspondente a duas fábricasinteiramente novas), se não tivesse havido corrupçãona obra. Admitindo-se que o valor do subsídiocorresponde ao da corrupção, o desvio de dinheiropúblico na obra seria do tamanho de US$ 2 bilhões.Rombo para nenhum Maluf botar defeito.

A afirmativa foi feita prosaicamente à professora epesquisadora carioca Gisela Pires do Rio, em 17de outubro de 1995, na sede da CVRD, no Rio deJaneiro, para um trabalho de doutorado. Reveleias declarações de Eliezer no meu Jornal Pessoal da1ª quinzena de junho daquele ano. Voltei mais duasvezes ao assunto, tentando sensibilizar a socieda-de para a gravidade das palavras de um cidadãocom a responsabilidade do ex-ministro, acima dequalquer suspeita ao falar do assunto. A única re-percussão foi uma representação que o então de-putado federal Geraldo Pastana, do PT, encami-nhou ao presidente do Tribunal de Contas daUnião, em novembro de 1997.

Em janeiro de 1998, apreciando a denúncia, o as-sessor da Secretaria de Controle Externo do TCUno Pará, Daniel Eliezer Rodrigues, propôs o arqui-vamento dos autos. Segundo ele, os “graves dados”submetidos ao tribunal pelo deputado paraense(não-reeleito), “que, aliás, foram e são amplamen-te conhecidos da sociedade brasileira, escapam a[sic] apuração desejada uma vez que a construçãodessa usina ocorreu num momento político diver-so do atual vivido pelo país. Naquela ocasião, deliberdade restrita, o controle externo não apresen-tava algumas das atuais características estabelecidas

somente em 1988,quando da promul-gação da nova CartaMagna brasileira”.

Já agora, “além de sersignificativa a dife-rença política em re-lação a [sic] vigente àépoca dos fatos, háainda todo um pro-cesso de privatizaçãoem andamento quetem alterado profun-damente a relaçãodas citadas entidades

Fábrica de alumínio Albrás,Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA

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99com o Tribunal”, argumentou o assessor. Para ele,seria “razoável supor que se deu em outras épocas aoportunidade e conveniência de apurar os fatos”, mashoje “devemos ser realistas a ponto de compreenderque dificilmente uma investigação sobre o caso hátanto ocorrido, cujas possíveis provas dissiparam-senas névoas do tempo, ocasionará no desfecho dese-jado pelo ilustre parlamentar”.

Como compensação, o assessor esperava que vies-se a ser feita “a avaliação do desempenho presen-te das atuais instituições federais sob jurisdição doTCU que tenham relação direta com a usina deTucuruí, cujas atividades possam afetar esta e fu-turas gerações”. Mas essa tarefa, tranqüilizava ofuncionário do tribunal, “já vem continuamentesendo realizada”, uma vez que “graves irregulari-dades e ilegalidades surgem com freqüência”.

Como discurso moral, era consolador. Mas restrin-gir-se a ele não significaria admitir um estado deimpotência desestimulador, como se as conquis-tas do regime democrático só valessem para fren-te e não mais para trás? Foi a atitude do Tribunalde Contas da União: seu então presidente, MarcosVinícios Villaça, acatando o parecer do técnico deBelém, determinou o arquivamento dos autos,como se a questão se referisse a um tema remotodo passado, que já estivesse confinado a um arqui-vo morto. E fosse impossível recuperar a monta-nha de dinheiro que foi desviada, embora esse tipode crime seja imprescritível.

A dúvida, que só fugazmente atormentou os buro-cratas federais, diz respeito a pelo menos centenasde milhões de dólares que podem ter sido sangra-dos do erário por superfaturamentos, desvios, irre-gularidades, fraudes e outros ilícitos. O contenciosopermanece ativo: nem todas as dívidas internacio-nais contraídas para a construção da usina foraminteiramente pagas. Tucuruí ainda é um livro emprocesso, com páginas abertas ou em branco, algu-mas envolvendo respeitáveis personagens da vidapública de hoje, como o deputado federal DelfimNeto, embaixador do Brasil na França quando oscontratos para o financiamento de Tucuruí foramassinados com consórcios de bancos europeus, lide-rados pelos franceses (um adido militar da embaixa-da, o coronel do Exército Raimundo Saraiva, fez ummisterioso relatório denunciando irregularidades nanegociação e definição dos contratos). Mas, por seupercurso tortuoso, a história da hidrelétrica de Tu-curuí serve de álibi para fraudes que continuam aser perpetradas, aproveitando-se da dissipação dasprovas pelas “névoas do tempo”, conforme entendi-mento de muita gente, como o assessor do TCU.

Convém lembrar que entre 1975 e 1984, do inícioda construção até a inauguração da usina, o donoda Construtora Camargo Corrêa, a principalempreiteira da obra, ascendeu à condição de mem-bro do exclusivíssimo grupo dos bilionários mundi-ais, do qual faziam parte na época apenas AntônioErmírio de Moraes e Roberto Marinho. A fortuna

Hidrelétrica Tucuruí,Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA

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de Camargo dobrou nesse intervalo, de US$ 500milhões para US$ 1 bilhão. Tucuruí deve ter contri-buído para esse desempenho. Afinal, foi a princi-pal obra da Camargo Corrêa nesse período. Paradar uma idéia do seu significado, a Eletronorte seorgulha de proclamar, em seu raquítico site nainternet, que a usina do rio Tocantins é a obra queacumula mais concreto (8 milhões de metros cúbi-cos) do Brasil e a maior hidrelétrica “genuinamen-te nacional”.

Apesar da relevância do tema e da gravidade dadenúncia lançada por Eliezer Batista, só em 2001 aprincipal revista de informação do Brasil (e a quin-ta do mundo) descobriu o assunto. Veja publicouentão que o contrato assinado pela CamargoCorrêa, mais de um quarto de século antes, para aconstrução da hidrelétrica era a maior loteria queuma empreiteira já havia ganhado no Brasil. A ma-téria, publicada com algum destaque, não era exa-tamente um primor de jornalismo: havia poucasinformações, algumas delas trocadas, e muitos juízosde valor. Os poucos fatos revelados para quem jáacompanhava a questão, porém, seriam suficientespara exigir explicações de quem de direito.

A revista dizia que o orçamento da usina duplica-ra dos 6 bilhões de reais originais para R$ 11,5 bi-lhões. Desde sua assinatura, em 1977, o contrato-base havia sido aditado 29 vezes, em “pontos es-senciais”, observava a revista, permitindo à empre-sa ampliar os serviços e multiplicar-lhes o valor.Para tanto, teria sido violada a antiga lei de licita-ções públicas, modificada em 1993.

Quando, em 1979, a Eletronorte transferiu para ajá extinta Portobrás a responsabilidade de cons-truir o sistema de transposição da barragem, a obra,mesmo desmembrada, continuou com a CamargoCorrêa. Depois de seis anos de paralisação, a cons-trução das eclusas foi retomada pela empresa, ain-da com o mesmo contrato.

Já a duplicação da capacidade nominal da usina,com investimento global de US$ 1,5 bilhão, tam-bém está sendo feita pela Camargo Corrêa, ao abri-go do velho e maravilhoso contrato. Tanta elastici-dade e tão grande facilidade para dela desfrutarcriaram escola. Uma escola risonha e franca, queaceita qualquer tipo de lição.

Belo Monte: ficará em quanto?Quando apresentou, em 2001, o projeto consoli-dado para a construção da hidrelétrica de BeloMonte, no rio Xingu, que deverá deslocar Tucu-ruí do segundo lugar e se tornar, ao final, a quarta

maior usina de energia de fonte hidráulica domundo, a Eletronorte disse que a obra sairia porUS$ 6,5 bilhões. Seriam US$ 3,7 bilhões na hidrelé-trica propriamente dita e US$ 2,8 bilhões na linhade transmissão, uma das maiores do mundo, comtrês mil quilômetros de extensão, até os grandescentros consumidores, no sul do país. Já era umaeconomia alentada em relação ao valor exploratórioque a Eletronorte manuseou até consolidar o pri-meiro projeto básico, de 11 bilhões de dólares.

Em maio de 2002, o então presidente da Eletro-norte, José Antônio Muniz Lopes, anunciou umnovo valor: Belo Monte passou a ser orçada emUS$ 5,7 bilhões, 800 milhões de dólares a menos,uma boa economia de 12%. Mas a conta aindapodia se tornar um bilhão de dólares mais leve,prometeu Muniz Lopes, acenando com a reduçãodo “linhão” para US$ 1,7 bilhão.

Assim, em questão de meses, graças ao trabalhodos projetistas, o custo de Belo Monte baixou deUS$ 6,5 bilhões para US$ 4,7 bilhões, dos quaisUS$ 3 bilhões na usina e US$ 1,7 bilhão na linhade transmissão. Corte de 30%. Impressionante.Esse valor asseguraria a Belo Monte o menor cus-to de kW instalado de hidreletricidade que se po-deria alcançar num empreendimento de grandeporte. Algo que só tem paralelo com a usina deXingó, no Nordeste, a mais recente das mega-hi-drelétricas a entrar em operação no Brasil.

Em projeto, pelo menos, a hidrelétrica ficou me-nor em 2003, não tendo mais a potência que aaproximaria bastante das duas maiores hidrelétri-cas do continente, Itaipu e Guri (no rio Orinoco,na Venezuela), no quarto lugar entre as gigantesmundiais, a serem encabeçadas em futuro próxi-mo por Três Gargantas, na China, ainda em cons-trução. Dos 11,5 mil megawatts que devia ter, apotência nominal de Belo Monte baixou para umvalor entre 7,5 mil e 5,5 mil MW. Naturalmente,seu custo também encolheu: ao invés dos US$ 6,5bilhões da primeira revisão, seu orçamento pas-sou a gravitar em torno de US$ 4 bilhões (ou pou-co mais de 12 bilhões de reais, ao câmbio do dia).

Sua viabilidade estaria assegurada por um únicobarramento, o que já estava previsto para a gran-de curva pela qual o Xingu segue depois de Alta-mira até chegar ao Amazonas, formando um dosmais interesses deltas interiores da Terra. Mas aquantidade de máquinas permanecia a mesma: 20,cada uma com o dobro da potência de cada má-quina de Tucuruí.

Restava uma questão: como compatibilizar essastrês variações de potência com o “tamanho ótimo”

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que a Eletronorte havia definido para Belo Monte,depois de longos e meticulosos estudos? Esse ta-manho ótimo, produto do cruzamento de diversasvariáveis, era de 11,5 mil MW. Reduzido em 40%ou à metade, como fica o nivelamento da viabilida-de da usina?

A ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff,disse, numa entrevista à imprensa, no ano passa-do, que o custo de geração de cada MW pode serde 12 dólares. O presidente da Eletrobrás (hojedemitido), Luiz Pinguelli Rosa, citou outro núme-ro: US$ 20 (para potência instalada de US$ 300 oMW, verdadeiramente uma pechincha, a ser devi-damente checada na linha de chegada). A varia-ção, só aí, é de 70%. Se US$ 20/MW é o número,isso significa um custo de geração considerável.

Embora a Eletronorte agora argumente que umgrupo de estudo, formado pelas instituições maisconceituadas no setor no Brasil, analisou e apro-vou os estudos sobre Belo Monte, a viabilidade eco-nômica ainda é um item sujeito a elucidação, prin-cipalmente por se manterem variáveis pré-defini-das, a despeito das mudanças nos elementos decálculo, como a potência. A energia firme, porexemplo, que era de 4,7 mil MW para uma capaci-dade nominal de geração de 11,5 mil, deve ter sidomelhorada com o encolhimento de Belo Monte.

Outra mudança importante para a viabilização dausina é no projeto de transmissão da energia. Alinha foi reduzida a quase um quarto da extensãodo projeto original, sob a responsabilidade dequem ganhar a licitação para a concessão da hi-drelétrica do Xingu e do seu sistema associado detransmissão. Haverá duas diretrizes, quase do mes-mo tamanho (pouco acima de 400 quilômetros),para Marabá e Colinas. Nesse ponto de entregadeverá assumir a energia quem for distribuí-la parao Sistema Integrado Nacional. O valor da nova li-nha não foi apresentado, mas deve ter sido umaeconomia significativa, para melhorar a apresen-tação orçamentária de Belo Monte.

Na nova modelagem do projeto também deve in-fluir o retoque de uma implantação parcial e nãototal. Agora se prevê que primeiramente serãoentregues 10 máquinas e, só em seguida, as 10 res-tantes. Outro elemento de peso é a organizaçãoempresarial do negócio, num consórcio, já batiza-do de Consórcio Brasil, liderado pelas conhecidasempreiteiras do setor, Andrade Gutierrez eCamargo Corrêa, maiores fabricantes internacio-nais de máquinas e equipamentos elétricos, alémdas estatais Eletronorte, Furnas e Chesf.

Recentemente manifestaram interesse de entrarna associação a Alcoa, que pretende implantar umaplanta de alumina, para produzir 800 mil tonela-das anuais, em Juruti, no extremo oeste do Pará, apartir de jazidas de bauxita locais com vida útil de50 anos, e a Albrás, a empresa formada pela Com-panhia Vale do Rio Doce e um consórcio japonês,que conseguiu garantir seu suprimento de ener-gia por mais 20 anos junto à Eletronorte, a partirde Tucuruí, mas quer ter uma boa alternativa nova.Se o pólo da Alcoa em Juriti evoluir para uma refi-naria de alumínio, então grande parte da potên-cia de Belo Monte estará comprometido com oatendimento local de energia e não mais, comona concepção original, com a transmissão para forado Estado.

Há, portanto, ainda muitas pendências a consoli-dar e esclarecer. A Eletronorte, contudo, tem sidoenfática num ponto: Belo Monte é viável sozinha,sem qualquer outro aproveitamento hidrelétricoa montante do rio Xingu. Mesmo assim, seu presi-dente seguinte (já também ex, tendo assumido re-centemente a presidência da Eletrobrás), SilasRondeau, garantiu que, quando o licenciamentoda obra puder ser retomado, com o fim dalitigância judicial com o Ministério Público Fede-ral, o EIA-Rima abrangerá toda a bacia do Xingu(que drena 6% do território brasileiro) e não ape-nas no local do barramento, na Volta Grande.

Já os impactos ambientais e humanos serão de pro-porção pequena comparativamente aos fatoresatrativos e positivos da obra, segundo o prospectoda Eletronorte. Redesenhada sob a administraçãode Luiz Inácio Lula da Silva, a usina estaria prontapara ser submetida ao debate público e resistir àcontrovérsia, podendo ser iniciada no prazo de 13meses, a partir do momento em que a pendênciaque sustou seu andamento na justiça, a avaliaçãode seu impacto ambiental, for resolvida.

Sob a bandeira do PT, começou o terceiro momen-to da história de Belo Monte, cheia de atropelos emudanças, mas inusitadamente persistente.

Uma maravilha de engenharia?Essa história foi iniciada em 1975. Enquanto aConstrutora Camargo Corrêa instalava seu cantei-ro para começar a construir Tucuruí, no rio To-cantins, a Eletronorte patrocinava os primeiroslevantamentos na bacia do Xingu, mais a oeste,com área só um pouco menor.

Essa primeira etapa chegou melancolicamente aofim em 1989, quando, no auge de uma medição

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de forças entre osgrupos a favor e con-tra a usina, em Alta-mira, no Pará, a ín-dia Tuíra ameaçoucom um facão o en-tão coordenador (efuturo presidente,agora ex) da Eletro-norte, Muniz Lopes.Muniz tentou man-ter-se firme diante dalâmina colocada acentímetros de seurosto, mas seus olhosnão escondiam o sus-to. Tuíra no local,Paulinho Payakan e Kube-í em Washington, ao ladodo etnoantropólogo (já falecido) Darrel Posey, de-ram o coup-de-grâce no projeto.

A reação dos índios arrematava, com seu simbolis-mo forte, constatação mais prosaica: era inaceitá-vel o projeto de um complexo aproveitamento hi-drelétrico, com cinco usinas, que iria inundar qua-se 22 mil quilômetros quadrados, área equivalen-te à do Estado de Sergipe. Só as duas barragens daVolta Grande, à altura de Altamira, provocariam oafogamento de 14,5 mil quilômetros quadrados,quase cinco vezes a área do reservatório da usinade Tucuruí.

A reanimação do corpo moribundo da hidrelétri-ca ocorreu em grande estilo, Muniz Lopes já nocomando total do novo projeto, na década de 90.Nessa nova fase, a área inundada foi reduzida su-cessivamente, primeiro para 1.200 km2 e, em se-guida, para 440 km2, o tamanho definitivo, qual-quer que venha a ser a motorização da barragem,porque a usina irá operar praticamente a fiod’água, sem reservatório.

Essa transformação miraculosa se devia a dois fato-res. O primeiro, a eliminação (ao menos no proje-to) da barragem reguladora de Babaquara, a mon-tante de Kararaô (designação mudada para BeloMonte porque os índios se consideraramlingüisticamente ofendidos), que submergiria maisde 6 mil km2. O segundo fator derivava da aduçãodireta de água à casa de força, através de dois ca-nais, que resultariam da retificação e concretagemde dois igarapés naturais. Essa ligação, estabelecidaentre um ponto anterior ao início da curva do rio eum ponto após a curva, com desnível natural de 90metros, teria a vantagem adicional de permitir aoconstrutor trabalhar a seco no corpo da barragem

e da casa de máqui-nas, sem qualquerobra de desvio dorio, economizandodinheiro e tempo.

Reduzido a 400 qui-lômetros quadrados(ou 40 mil hectares),correspondente àextensão das cheiasnormais do rio, o re-servatório do Xingutem uma área quasecinco vezes menordo que a do lago dahidrelétrica de Tucu-

ruí. Mas teria um impacto ainda menor porque,além de uma aldeia indígena, o único remaneja-mento significativo de população que ela exigiriaseria a de um bairro da cidade de Altamira, a maisimportante do vale. Mas esses moradores não senti-riam tanto a mudança por já estarem acostumadosàs inundações periódicas do Xingu.

Maravilha da engenharia? Os representantes daEletronorte sempre tentaram transmitir a imagemde Belo Monte como uma autêntica dádiva da na-tureza, ou mesmo divina: seria possível gerar umaenorme quantidade de energia com o menor cus-to de kW instalado possível no Brasil, inundandouma área muito pequena, remanejando poucagente, usando uma cidade já existente como pon-to de apoio, o que dispensaria construir uma novavila no canteiro de obras, e construindo a barra-gem sem precisar desviar o rio.

Enquanto promovia espetáculos de relações pú-blicas para vender a imagem de Belo Monte, cria-va planos de desenvolvimento para o entorno doreservatório, apoiava a criação de associação dosmunicípios afetados e realizava debates segmenta-dos, a Eletronorte concebia um projeto para quea obra fosse executada e operada pela iniciativaprivada. Delegou a si própria, porém, a tarefa depreparar o projeto básico de engenharia e o EIA-Rima para o licenciamento ambiental da usina.Espera investir o suficiente na fase de pré-constru-ção para ficar com 30% do capital da empresa ven-cedora da licitação, que será realizada pela Aneel,passando em frente essa participação quando aconstrução estiver concluída – e, então, completa-mente privatizada.

Esta foi a primeira novidade de um grande proje-to hidrelétrico na Amazônia, até então de integralresponsabilidade estatal. Na verdade, uma meia

Pesquisas para a usina Kararaô, 1987,Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA

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novidade: a Eletronorte definiu a viabilidade eco-nômica do empreendimento antes mesmo de ha-ver aparecido quem se interessasse em ser o donodo negócio. Tradicionalmente, a participação pre-visível do poder público em tais situações seria ela-borar os termos de referência da concorrência.Neles, definiria o que pretende da concessão ener-gética e com o que não concorda. O resto, ficariasob o encargo do investidor privado. Inclusive sevale à pena assumir a empreitada. Em Belo Monteesse procedimento lógico foi invertido.

Uma obra estratégicaÉ significativo que, adotado esse modelo hetero-doxo, pela primeira vez um empreendimento elé-trico foi declarado de interesse estratégico para opaís. Desde 17 de setembro de 2001, Belo Monteocupa essa posição inédita, reconhecida, em reso-lução assinada pelo presidente do Conselho Naci-onal de Política Energética, José Jorge de Vascon-celos Lima, como estratégica “no planejamento deexpansão da hidreletricidade até o ano 2010”. Sedependesse do governo federal, a usina teria co-meçado a ser construída em 2002.

Ao reconhecer o interesse estratégico da usina, opresidente do CNPE propôs que fosse autorizadaa continuidade de todos os estudos de viabilidadeeconômico-financeira, ambiental e de engenhariado empreendimento. A Eletronorte, responsávelpor esses trabalhos, entregou os documentos ne-cessários para permitir a outra agência estatal, aAneel, lançar a concorrência pública. Mas não orelatório de impacto ambiental, suspenso pela jus-tiça federal em atendimento a uma ação civil pú-blica proposta pela Procuradoria da República, emfunção de irregularidades no contrato assinadocom a executora dos estudos, a Fadesp, a funda-ção de pesquisas da Universidade Federal do Pará.

O governo não ignorava que Belo Monte era umaobra polêmica. Ao conferir-lhe um status especial,porém, indicou sua disposição de executá-la dequalquer maneira, num momento em que o ba-lanço energético do país dava sinais dedesequilíbrio (situação que poderia voltar depoisda atual fase de excedente de energia no merca-do, em função dos investimentos oficiais insufici-entes na infraestrutura do país). Alegou que paradispensar a hidrelétrica do Xingu, seria precisoconstruir usinas térmicas a gás natural que consu-miriam 42 milhões de metros cúbicos por dia. Essademanda exigiria dobrar a oferta atual de gás dopaís. Ou então recorrer a oito usinas nuclearesiguais a Angra II.

A importância estratégica de Belo Monte decorriadas vantagens que, segundo os argumentos apre-sentados pelo governo de Fernando HenriqueCardoso (mantidos pelo seu sucessor oponente),ela iria incorporar ao sistema interligado nacio-nal. Como as necessidades adicionais de energiainternas ao Pará são mínimas, Belo Monte pode-ria transferir quase toda a energia gerada, permi-tindo às usinas do Nordeste e do Sudeste armaze-nar água em seus reservatórios para funcionar aplena carga no período seco do ano.

Além disso, como os cálculos da Eletronorte ga-rantem que o custo da energia na hidrelétrica doXingu será baixo, Belo Monte permitirá ao gover-no postergar a implantação de empreendimentosde custos mais elevados previstos para as regiõesSul, Sudeste e Centro-Oeste. Combinando essesatrativos, a nova hidrelétrica reduziria o risco dedéficit no sistema nos próximos anos.

Os técnicos da Eletronorte não economizam en-tusiasmo. Eles dizem que Xingó, no Nordeste, é oúnico aproveitamento energético melhor do queo de Belo Monte no Brasil. Queriam começar ologo a obra para que o primeiro dos 20 grandesgeradores a serem instalados na usina pudesse co-meçar a operar em março de 2008. A cada três ouquatro meses uma nova máquina entraria em fun-cionamento, gerando energia suficiente para aten-der a mais da metade da população de Belém, com1,2 milhão de habitantes, nos pique de consumoda capital paraense, a 10ª mais populosa do país.

Não há dúvida que Belo Monte representa umprovidencial desafogo às dificuldades de suprimen-to energético com que a parte mais antiga e maisdesenvolvida do país deverá se defrontar no hori-zonte do planejamento energético, que vai até2010, qualquer que seja o custo de produzir e le-var essa enorme quantidade de energia por umadistância de três mil quilômetros, da fronteiraamazônica até os grandes centros consumidores.Mas e para a Amazônia?

O projeto de inserção regional montado pela Ele-tronorte para seu novo paquiderme de megawattsé muito mais sofisticado do que o arranjo da déca-da de 80. A empresa está mais bem preparada parao confronto de idéias (e não só de idéias, natural-mente, como esses momentos de choque acabamse tornando). Resta verificar outros dois compo-nentes da equação de Belo Monte:

1) o significado real da obra, se de fato é um apri-moramento na abordagem ecológica, social, deengenharia e social de uma hidrelétrica construí-da na Amazônia, e

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2) o preparo dos que ainda acham que deixar paradepois, reduzir o tamanho e alterar a concepçãodesses projetos é o melhor que se pode fazer quan-do a intenção é usar inteligentemente os recursosnaturais dessa vasta e complexa região.

Como o Brasil precisa acrescentar 4 mil megawattsa cada ano à capacidade instalada de geração paraatender ao crescimento do consumo nacional deenergia, não haverá quem se negue a apoiar oempreendimento proposto pela Eletronorte. Des-de, naturalmente, que a empresa apresente suasplanilhas de cálculo e se submeta a uma auditagemdas suas contas, que nem sempre podem ser devi-damente apuradas, conferidas e aprovadas. Preci-sará demonstrar que, não sendo sua conta apenasum efeito da variação do câmbio, a quanto montacada um dos itens de redução – redução ainda maisnotável porque obtida na fase de planejamento daobra – de Belo Monte.

Mas não só em relação às contas específicas da usi-na. É necessário fazer uma checagem mais amplado projeto. Quando exibiu ao público o orçamentoconsolidado, de US$ 6,5 bilhões, só recentementemodificado (mas não adequadamente explicado),a Eletronorte não previa um acréscimo, que só de-pois faria: a construção de uma usina térmica emBelém, a capital do Pará, o Estado no qual a usinaserá construída. Essa termelétrica irá gerar 1,5 milMW (pouco menos de 15% da potência nominal dahidrelétrica), com investimento de US$ 750 milhões.

Se essa termelétrica é obra complementar da hidre-létrica, o orçamento geral deixaria de ser de US$4,7 bilhões. Subiria para US$ 5,45 bilhões. Esse “de-talhe”, que representa um razoável encarecimentodo projeto, não foi destacado. Mas outros “porme-nores” também permanecem pendentes de escla-recimento. Por que instalar a usina térmica emBelém, que fica mais de 700 quilômetros a leste dafutura barragem? Seria para abastecer os consumi-dores próximos, dos quais os principais seriam apopulação da capital paraense e a fábrica de alumí-nio da Albrás, a maior do continente? Ou seria paraassegurar a energização da linha durante quasemetade do ano, quando nenhum megawatt estarásaindo de Belo Monte por falta de água suficienteno Xingu para permitir à usina produzir energia?

Além dessas dúvidas, há uma outra questão: quemconstruir Belo Monte terá que assumir a respon-sabilidade pela térmica de Belém? O financiamen-to para essa obra será negociado como um pacotefechado, nas mesmas condições? Será seguido oesquema previsto pela Eletronorte, de privatizaçãoda obra, mas com financiamento oficial e com

participação da Eletrobrás em até um terço docapital da empresa particular que vencer a licita-ção, passando ao mercado essas ações quando che-gar a fase operacional?

O perfil de Belo Monte só poderá ser traçado comnitidez após a elucidação desses pontos. Mas aindahá outros. A Eletronorte já admite que a potênciafirme da usina será inferior ao patamar internacio-nal de viabilização da construção de hidrelétricas,que é de 50% da capacidade nominal de geração.A potência teórica de Belo Monte, com suas 20máquinas, é de 11 mil MW, mas a energia firme seráde apenas 4,7 mil MW, ou 40% do máximo que elaserá capaz de gerar no pique de inverno.

Em quatro meses do “verão” amazônico, o Xingunão terá água suficiente para movimentar as gi-gantescas engrenagens das turbinas, que precisamde 700 mil litros de água por segundo (a deman-da das 20 máquinas é de 14 milhões de litros deágua a cada segundo). Em outros dois meses a pro-dução de energia será mínima. Essa depleção, por-tanto, afeta profundamente a média.

Um barramento único?Belo Monte é realmente viável sozinha ou necessitade outros barramentos a montante do Xingu paraproporcionar rentabilidade? De início, para vencertraumas e resistências do passado, a Eletronorte de-clarou que Belo Monte seria a única hidrelétrica naregião. Recentemente, rebatizou seu projeto para“complexo hidrelétrico”. Mas sugeriu que a adoçãodesse coletivo se devia a uma modificação na enge-nharia do empreendimento: haverá motorizaçãotambém no vertedouro, a barragem secundária aser construída no início da curva fechada (ou VoltaGrande) que o Xingu dá, 50 quilômetros acima dolocal onde surgirá a barragem principal, asseguran-do dessa maneira o fluxo normal de águas enquan-to se constrói, a seco, a casa de máquinas, rio abai-xo. Por que motorizar essa barragem menor se elavai acrescentar apenas 100 MW ao complexo (ou1% de sua capacidade nominal)?

Não será esse um claro indicador de que Belo Mon-te seguirá o mesmo rumo de Tucuruí também nes-te aspecto? A Eletronorte elevou a cota operacionalda barragem do nível de 72 metros, que era o máxi-mo normal, para o nível (maximo maximorum) de74 metros. Esse aumento de dois metros na área dolago (que já ocupa 2.875 km2, tendo começado aoperar com 2.430 km2, corrigidos em relação à áreaoriginal do projeto, que era de 2.116 km2) repre-sentará menos de 3% de adição à potência nomi-nal da usina do Tocantins, ao custo de 30 milhões

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de reais só para o pagamento da indenização dasbenfeitorias dos lavradores que novamente preci-sarão ser remanejados da beira do lago.

O dado maior, porém, não é esse: é ver passar pelovertedouro da barragem tanta água não turbinadano inverno (a vazão do rio podendo chegar até a 60milhões de litros de água por segundo. enquanto asnecessidades da usina – e assim mesmo apenas nomomento em que estiver completamente duplicada,dentro de três anos – serão de pouco mais de 11milhões de litros por segundo) e no verão a escassezde água deixar a maioria das máquinas paradas. Dos8,3 mil MW máximos, Tucuruí ficará com 3,3 MWmédios ao final da duplicação em curso.

Assim, outras barragens terão que ser construídasXingu acima para elevar a potência firme de BeloMonte, como certamente acontecerá em relaçãoa Tucuruí. No Tocantins, a barragem que já estáengatilhada para cumprir essa função, de suple-mentar o reservatório de Tucuruí, impossibilitadodefinitivamente de crescer, será a de Marabá. NoXingu, será a barragem de Babaquara.

A área de inundação sai do âmbito dos singelos400 quilômetros quadrados de Belo Monte e vaipara seis mil quilômetros quadrados de Babaqua-ra, mais do dobro do lago de Tucuruí. E se na es-teira de Babaquara vierem os outros aproveitamen-tos inventariados pela Eletronorte no Xingu, o nú-mero vai parar em 14 mil km2 (para uma expecta-tiva de produção de energia de 16 mil MW, maisdo que Itaipu). A questão ecológica e os impactoshumanos dos represamentos deixam de ser ques-tões acessórias para serem itens essenciais na agen-da de discussões sobre o que pretende a Eletro-norte fazer no Xingu.

Uma nova fonte de atençõesImaginava-se que, com a chegada de Lula ao po-der, essas questões continuariam a ser examina-das e aprofundadas. Ao que parece, porém, foiincorporada a imagem criada pela Eletronorte nosoitos anos de FHC, de que Belo Monte é a hidrelé-trica dos sonhos de qualquer barragista, a “jóia dacoroa” energética, como agora também acredita aministra Dilma Rousseff, antes cética a respeito.Mas se definhou, na retórica oficial, o monstrengoimpactante do passado, ainda restam dois aspec-tos polêmicos do projeto.

Além de conquistar o suspeito título de a maior hi-drelétrica a fio d’água já construída pelo homem, BeloMonte pode ficar – inteira ou parcialmente – parali-sada durante metade do ano. A vazão do Xingu, que

no inverno chega a bater em 30 milhões de litrosde água por segundo, no verão fica aquém da de-manda das enormes máquinas da usina, de até 600mil litros cúbicos por segundo. No pique da estia-gem, todas as 20 turbinas teriam que ficar paradaspor falta de água. Por isso, a energia firme da usinase manteria abaixo do nível de viabilidade.

A Eletronorte tem desprezado esse questionamen-to alegando que no período em que não estivergerando, Belo Monte receberá, através de sua ex-tensa linha, energia de outras bacias brasileiras emcondições de transferir-lhe energia, graças à ple-na integração do sistema nacional, controlado peloONS (Operador Nacional do Sistema). No entan-to, mesmo sem suspender ou reduzir o ritmo doprojeto, o governo Lula criou uma nova fonte deatenções ao desviar seu interesse para o rio Madei-ra, em Rondônia. Está em andamento o estudo deviabilidade econômica para a construção, a partirde 2005, de duas hidrelétricas no Alto Madeira,entre Porto Velho e Abunã. Quando estiveremconcluídas, em 2012, segundo os dados disponí-veis, as usinas terão absorvido 14 bilhões de reais(R$ 10 bilhões na geração e R$ 4 bilhões no siste-ma de transmissão), com capacidade instalada de7,3 milhões de quilowatts, na soma apenas 15%menor do que a hidrelétrica de Tucuruí.

O projeto do Madeira vem sendo conduzido háquase três anos por uma equipe de técnicos deFurnas (subsidiária da Eletrobrás) e da Construto-ra Norberto Odebrecht, com a assessoria da Pro-jetos e Consultorias de Engenharia Ltda. As son-dagens visam não só ampliar a capacidade de pro-dução energética nacional como tambémincrementar a navegação ao longo de quase todosos 4.200 quilômetros do rio Madeira, regularizan-do o trecho entre a capital de Rondônia e Abunã,na fronteira com a Bolívia.

O estudo de engenharia concluiu pela viabilidadeda construção de duas usinas hidrelétricas, de San-to Antônio e Jirau, com potencial 7.362.000quilowatts de energia. Também apontou para apossibilidade de serem abertas saídas fluviais paraManaus, Porto Velho e Cuiabá, permitindo ainda aintegração energética e econômica entre Brasil,Bolívia e Peru. Plenamente navegável na fronteira,o Madeira será interligado aos seus principais aflu-entes, o Mamoré e o Guaporé, criando uma saídada navegação para o Oceano Atlântico. O Brasil,assim, no século seguinte, estaria cumprindo o com-promisso que começou a saldar no século XX edeixou inconcluso com a legendária ferrovia Ma-deira-Mamoré (onde cada dormente assentadocorresponderia a uma morte).

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Os estudos do consórcio asseguram que o empre-endimento teria efeito imediato sobre Mato Gros-so, que produz três milhões de toneladas de soja,atualmente escoadas por rodovias até os portos deembarque para exportação. Com a navegabilidadedo Madeira, essa produção seguiria por via fluvial,com frete inferior ao praticado hoje. A produçãointerna de grãos poderia alcançar 25 milhões detoneladas em Rondônia e Mato Grosso, utilizandosete milhões de hectares de áreas agricultáveis nosdois Estados, que não são cultivadas devido ao altocusto do transporte. Com a hidrovia, o frete ficariamais barato 15 dólares por tonelada.

As obras teriam pequeno impacto ecológico por-que os reservatórios das hidrelétricas correspon-deriam a 40% da área que o próprio Madeira ala-ga às suas margens durante o período de chuvasmais intensas. No curso do rio a ocupação huma-na não é densa, o que atenuaria os efeitos sociais.Quanto ao desmatamento, a quantificação ficarápara o período de elaboração do EIA-Rima (Es-tudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impac-to Ambiental), que será executado em seguida àdefinição da viabilidade econômica.

O consórcio liderado por Furnas justifica ainda anecessidade do complexo pelo baixo desenvolvi-mento atual da região de influência, necessitada deinvestimentos em infra-estrutura para estimular aeconomia. A área apresenta solos de baixa fertilida-de, não dispõe de programas de incentivo para apesca comercial e a sua base econômica é constitu-ída por microempresas. Com a súbita ampliação daoferta de energia e o desembaraço da navegaçãono rio Madeira, a capacidade da região de atraircapitais seria incrementada notavelmente.

Os indícios são de que Brasília prefere retomarno Madeira o ciclo dos grandes aproveitamentoshidrelétricos, dandoinício à execução deBelo Monte um oudois anos depois.Não parece que ausina do Xingu váser arquivada. Maspode perder em pri-oridade para os pro-jetos de Rondôniaque se enquadrari-am na diplomaciacontinental de Lula,voltada para umaunião entre os paí-ses sul-americanos,

sobretudo os que oferecem ao Brasil saída parao Pacífico.

No Madeira o modelo de construção estabelece ocontrole do empreendimento por Furnas, que, as-sim, rompe a jurisdição da Eletronorte e, por en-quanto, se sobrepõe à subsidiária da Eletrobrás paraa Amazônia. Esse deslocamento parece ter sido re-alizado para que o grupo do então presidente daEletrobrás pudesse assumir o controle do projeto.

Para levar adiante a construção da obra, a partici-pação estatal no empreendimento deve ser maiordo que o previsto anteriormente, deixando Furnasà frente do consórcio de empresas que participa-riam do projeto. Ele não seria apenas de geraçãode energia, mas de desenvolvimento regional. Ostrabalhos preliminares têm incluído a construçãode eclusas para o Madeira, ao contrário do proce-dimento da Eletronorte, que prevê a transposiçãodo rio, mas transfere a responsabilidade para ou-tra instituição.

Pará: o crescimento como rabo de cavaloCom a construção da hidrelétrica de Tucuruí em seuterritório, o Pará, que era quase zero em matéria deenergia, se tornou o quinto maior produtor e o ter-ceiro maior exportador de energia do país, respon-sável por 8% da capacidade instalada de geração detodo o Brasil. Com os grandes projetos de minera-ção, associados ao subsídio energético, o Estado as-sumiu, em meados dos anos 90, o lugar de 5º maiorexportador brasileiro e o segundo em saldo de divi-sas (superávit médio de dois bilhões de dólares aoano na conta do comércio exterior). Nos últimosanos, porém, apesar da expansão dos empreendi-mentos produtivos de grande porte, o Pará caiu de5º para 9º maior exportador e de 2º para o 6º lugarem saldo de divisas.

O Pará tem o segun-do maior territóriodo Brasil, é o nonoEstado em popula-ção, o 12º em PIB(Produto InternoBruto), o 16º em de-senvolvimento hu-mano (o IDH) e o19º em desenvolvi-mento juvenil (oIDJ). Essa série de in-dicadores segue umalinha decrescente:da mensuração ma-terial e quantitativa

Estrada de ferro Carajás passa por cima de comunidades pobres,Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA

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para a avaliação humana e social, da grandeza bru-ta ao seu valor qualitativo. Essa reta descendenterevela que o Pará não está tirando proveito de suariqueza. Ou seja: está desperdiçando seu potenci-al de enriquecimento e pondo a perder sua voca-ção de grandeza. O trem do progresso está pas-sando pela estação Pará e os paraenses não estãoembarcando nele. Do trem, os paraenses ficam ape-nas com o apito. E um retrato na parede.

Por que os paraenses não estão embarcan-do no trem da história?Porque está havendo um descompasso entre o somda história e sua captação pela sociedade: quandoo som chega à estação, o trem já passou, deixandoo passageiro na mão. Os paraenses vivem numuniverso e sua história em outro. Tomam por rea-lidade o que é miragem e se deixam levar pela se-dução do canto de sereia. Foram atacados pelo piortipo de cegueira: a que existe sem que dela se tomeconsciência. O dia parece estar claro e brilhante.Mas nem dia há.

Se a realidade já é desanimadora para os que es-tão com maturidade suficiente para encará-la, asperspectivas são bem piores para os que só agoravão entrar ou estão entrando no jogo. Eles deviamter esperanças, mas não as têm. Os jovens estãovivendo pior do que os adultos no Pará.

O Brasil tornou-se o primeiro país do mundo a setornar laboratório para o mais novo índice daUnesco (a organização da ONU dedicada à edu-cação e à cultura). Inspirado no IDH, o IDJ foicriado para medir especificamente a qualidade devida dos jovens de 14 a 24 anos. O índice conside-ra a quantidade de matrículas de jovens nos ensi-nos fundamental, médio e superior, mas tambémavalia se os alunos estão cursando a série adequa-da à sua idade.

O IDJ considera parcialmente três índices (saúde,educação e renda) e cruza seis indicadores ofici-ais: taxa de analfabetismo, escolarização adequa-da, qualidade do ensino, mortes por doença, mor-tes por causas violentas e renda familiar per cápita.O índice será calculado a cada dois anos, conta-dos a partir de 2003, que marcou a sua estréia. Onível superior do IDJ é 1.

Santa Catarina, o Estado brasileiro com melhordesenvolvimento juvenil, ficou em 0,673, um va-lor baixo se comparado às médias do primeiromundo. O Estado da Amazônia Legal melhor co-locado foi Mato Grosso, em 10º lugar. Tocantinsficou em 13º, Amapá em 14º, Rondônia em 15º e o

Maranhão em 17º. Abaixo do Pará, ficaram o Ama-zonas (20º), Roraima (23º) e o Acre (25º). Espíri-to Santo, um Estado que guarda várias semelhan-ças com o Pará (sobretudo em função da atuaçãoda Companhia Vale do Rio Doce), é o 11º.

A dedução lógica da queda que acontece quandose aproximam os valores brutos dos dados qualita-tivos é que no Pará não está havendo um bom usodo espaço físico. O Estado tem dilapidado o seupatrimônio natural, não fazendo com que ele ren-da suficiente para que todos se beneficiem. Deveestar ocorrendo uma brutal concentração da ren-da. Mais forte do que esse fenômeno, porém, é adrenagem de receita (materializada ou em poten-cial) para o exterior. Segundo a Fundação IBGE,os ricos (com renda de mais de R$ 12 mil) nãochegam a somar sete mil pessoas no Pará, um Es-tado com quase sete milhões de habitantes.

A grandeza do Pará é evidente a partir de sua pró-pria dimensão física, de 1,2 milhão de quilôme-tros quadrados. Essa grandeza se confirma concre-ta e especificamente quando são identificadas asriquezas existentes no vasto espaço territorialparaense, entre as quais a célebre biodiversidadeamazônica, o caudal de energia hídrica (e de águacomo um todo), a diversidade e amplitude de mi-nérios no subsolo e as manchas de terra fértil.

O balanço do uso desses recursos é espantosamen-te deficitário. Quem se aventurar em cobrir o Parácom imagens de satélite descobrirá, chocado, quealguns municípios não têm mais floresta nativa, emoutros o remanescente de mata está bem abaixode 20% (limite legal para o desmatamento) e quediversas áreas de proteção obrigatória, como asmargens dos cursos d’água, estão sem sua cober-tura vegetal ciliar (sinal de que a erosão vaisedimentar rios ou fazê-los desaparecer). Não sur-preende que o monitoramento do ano passadocoloque o Estado no segundo lugar do desmata-mento e São Félix do Xingu na negra liderançados municípios devastadores (ou devastados).

Só há esperança para o futuro se o uso do espaçofor ordenado e a anarquia reinante ceder à organi-zação territorial. A receita para esse diagnóstico éo zoneamento ecológico-econômico. O primeirorelatório do zoneamento foi produzido há quase15 anos por uma equipe que acabou se dispersan-do, reunida na época no Idesp (Instituto de De-senvolvimento Econômico e Social do Pará), pri-meiro órgão do gênero criado em todo país, extin-to por um ato de força do então governador AlmirGabriel, do PSDB, exatamente quando completa-va 36 anos de existência. Sem consultar ninguém e

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nem permitir qualquer reação ao seu ato, o gover-nador fulminou o Idesp com um decreto, em fun-ção do crime de ter produzido estatísticas que ha-viam sido usadas pelos adversários de Almir na suacampanha pela reeleição, em 1998. As estatísticas,sobre desemprego, que mostraram o descumpri-mento das promessas do governador, eram verda-deiras. O médico paraense foi reeleito.

Agora a Secretaria de Ciência, Tecnologia e MeioAmbiente do Estado está apresentando um novozoneamento, centrado numa compilação cartográ-fica. O mapa produzido é interessante e pode setornar numa ferramenta mais útil do que o volu-me 1 do zoneamento, homiziado em algum arqui-vo. Mas quem, como e para quê vai executá-lo, ain-da não se sabe muito bem. O atual zoneamentonão foi precedido de debates e consultas. Saiu doforno burocrático como um tijolo quente.

Se houvesse um índice de saúde ambiental (ou,melhor dizendo, de sanidade ecológica institucio-nal), o Pará estaria dividindo o último lugar comRondônia. Ambos se empenham para deixar de seramazônicos. Rondônia, cinco vezes menor do queo Pará, está bem próximo dessa meta absurda. Suaslideranças já se mobilizam para que o Estado deixede fazer parte da Amazônia Legal, passando a inte-grar o Centro-Oeste, numa obtusa renúncia ao quetêm de mais valioso: serem parte da Amazônia. Aárea de desmatamento seria invertida: deixaria deser de 20%, como se exige na região, e passaria para80% dos imóveis rurais, o padrão brasileiro. No Paráa situação ainda não chegou a esse extremo de pa-ranóia, mas só a área desmatada no Estado já equi-vale ao tamanho de Rondônia.

Sintomaticamente, desde 1991 Rondônia, numainiciativa pioneira, tem seu zoneamento ecológi-co-econômico. Mato Grosso, o Estado maisdesmatado da Amazônia em termos absolutos, aseguiu. E agora o Pará, o segundo em qualquercritério (valores absoluto e relativo), queracompanhá-los. O zoneamento seria para purgara culpa ou um hábeas corpus remissivo?

Não basta passar a régua e esticar o compasso sobrea imagem digital do Estado para racionalizar suaocupação, tapando os canais de drenagem de ri-queza e desperdício de oportunidades. É precisoque a aplicação dos estudos siga diretrizes claras eeficientes para mudar a direção patológica do pro-cesso econômico no Estado, cada vez mais intensoe distorcido. Deixamos de ser um risco de enclavepara estarmos a nos consolidar como uma colônia.

A ação pública deve se orientar para conter asfrentes econômicas, fazer reverter as investidas

claramente especulativas e selvagens, impor nor-mas de exploração e uso dos recursos naturais,apoiar as atividades inteligentes (ditas sustentá-veis), orientar os investidores, defender a socie-dade, favorecer os desiguais.

O poder público só poderá agir dessa maneira secontrolar os meios técnicos e científicos, se sou-ber como fazer e o significado do que está fazen-do. A sociedade só se credenciará como beneficiá-ria da trama se dispuser de informações para fazeras cobranças e mediar as decisões. Em ambos oscasos o que se requer é informação, conhecimen-to, saber. O que caracteriza, porém, tanto a políti-ca pública quanto a posição da sociedade é a ma-nipulação dos dados, o poder que alguns têm demistificar e embromar.

Decorativa é a própria participação da opiniãopública nessas histórias. A sociedade é levada deum lado para outro pelas vagas de propaganda epelo noticiário da imprensa chapa branca. Acre-dita então que o que lhe estão dizendo é verdadei-ro. Mas quando chega um órgão técnico compe-tente para verificar os resultados, o que apura con-trasta com o quadro cor de rosa da cultura oficial.O IDJ da Unesco confirma essa esquizofrenia. Maisuma vez, é o Pará crescendo, sim, mas como rabode cavalo: para baixo.

Como explicar esse paradoxo?Simples, ainda que trágico: é o destino fatal paraquem não agrega valor ao que produz. Os produ-tos paraenses valem cada vez menos, se não em va-lores absolutos, ao menos em termos relativos. Ovolume de receita cresce e impressiona porque asquantidades dos produtos são cada vez maiores.

O ponto de viabilidade de Carajás batia em 20 mi-lhões de toneladas de minério de ferro. Neste anoa mina estará chegando em 70 milhões de tonela-das. Deverá alcançar, ao final da década, 85 milhõesde toneladas. A lavra de bauxita do Trombetas erade bom tamanho em 6 milhões de toneladas. Em2004 chegará aos píncaros de 16,3 milhões de tone-ladas, quando começará uma nova frente para mais4,5 milhões (e, logo em seguida, 9 milhões de tone-ladas) em outro local, na mina de Paragominas.

A Alunorte, empresa de alumina gêmea da Albrás,foi concebida para 1,1 milhão de toneladas dealumina. Já está em 2,4 milhões e irá para 4,2 mi-lhões, no topo mundial, em 2006. Até 2010 pode-rá chegar a 7 milhões (outros 7 milhões poderãoser alcançados, no mesmo local, pela ABC Refina-ria, empreendimento sino-brasileiro anunciado

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pela CVRD logo depois da vi-sita de Lula à China).

A Albrás foi projetada para seruma fábrica de 320 mil tonela-das de lingotes de alumínio,mas cortou a fita nacional em432 mil toneladas e já vai pas-sar de meio milhão com a ex-pansão da Alunorte. Três fábri-cas de caulim reunidas farão doPará nesta década o 3º maiorprodutor mundial dessa argila.As cinco minas possíveis emCarajás nos colocarão num lu-gar parecido no mercado mun-dial de cobre. As perspectivaspara o níquel são parecidas.

Tudo pode crescer, ao menosnão falta energia para isso.Mas essa grandeza não se tra-duzirá em desenvolvimento seo modelo econômico do extrativismo mineral formantido. Ou pior: ampliado. Não só com desper-dício de energia, vendida abaixo do preço de re-muneração, como com a transferência da indus-trialização da matéria prima e do insumo básicopara além-mar.

Além da bacia Tocantins/Araguaia, que pode re-ceber mais duas grandes usinas ainda em territó-rio paraense (ela abrange ainda Tocantins, Goiáse Mato Grosso), o Pará dispõe de outras duas baci-as hidrográficas na margem esquerda do Amazo-nas, a do Xingu e a do Tapajós, já inventariadaspara aproveitamento hidrelétrico. Se a Eletronor-te pudesse impor sua vontade, no final desta déca-da o Pará já estaria gerando mais de um quarto daenergia brasileira.

Nem com números tão impressionantes, entretan-to, a sina de subdesenvolvimento crescente estariaabolida na terra do deputado federal JaderBarbalho, a personalidade mais (tristemente) co-nhecida do Estado. A expansão do parque hidre-létrico continuará seguindo a diretriz da exporta-ção. A usina de Belo Monte, por exemplo, vai trans-ferir para fora do Estado, através do sul do país oupara o exterior, na forma de bens eletrointensivos,toda a energia que produzir, sejam 11 mil ou 5 milMW. A agregação de valor com o maior beneficia-mento, do produto continuará a ser feita no portode destino das matérias primas.

A situação vai repetir, em versão agravada, o es-quema de uso de Tucuruí. Abandada a energia(mais de um terço do total) subsidiada do pólo

exportador de alumínio, cujatarifa não amortiza o investi-mento, quase um terço daenergia produzida pelas turbi-nas da hidrelétrica vai paraoutros Estados, onde é trans-formada em bens de maiorvalor agregado. No Estado pro-dutor ficam apenas os royalties,quase uma gorjeta. O Estadoconsumidor não paga o ICMS,cobrado apenas (com alíquotade 17%) nas operações inter-nas do gerador da energia.

A maior consumidora individu-al de energia do Brasil tambémestá no Pará. É a Albrás, quedivide essa posição com a vizi-nha Alumar, instalada em SãoLuís do Maranhão. As duas res-pondem por 3% do consumoenergético nacional. Em 1984

receberam do governo uma tarifa subsidiada, quecustava 200 milhões de dólares ao ano, o dinheironecessário para cobrir a diferença entre o custo dageração e o valor da tarifa privilegiada.

No prazo de validade do contrato, de 20 anos, aconta do subsídio foi parar em US$ 5 bilhões. Sódo lado da Albrás, o valor corresponde a 10 anosde receita de ICMS, a principal fonte de tributosdo Estado onde a empresa está instalada, verbacom a qual o governo cobre sua folha de pessoal,com mais de 100 mil servidores públicos.

Há quase 20 anos a Albrás exporta alumínio bru-to, principalmente para o Japão, sócio da Compa-nhia Vale do Rio Doce no empreendimento, quetem direito a metade da produção. Com o subsí-dio energético, a empresa poderia construir umaoutra fábrica, inteiramente nova. O único investi-mento que fez no período foi ampliar a capacida-de da planta de alumínio bruto. A verticalização,feita por um grupo argentino instalado no mesmodistrito industrial, tem significado simbólico. Oefeito multiplicador desse que é o maior póloaluminífero do continente, com investimento dequase US$ 2,5 bilhões, continua a ocorrer na sededo país importador. O Japão, a mais de 20 mil qui-lômetros de distância.

Da riqueza e pobrezaNão surpreende que sendo o único Estado da fe-deração a abrigar o ciclo completo do alumínio,desde a mineração de bauxita até a fundição do

Mina de manganês, Serra dos Carajás,Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA

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metal, o Pará continue em reta descendente noranking nacional. Pelo IDH (Índice de Desenvolvi-mento Humano), está numa posição melancólicapara a grandeza do seu estoque de recursos natu-rais: 17º lugar. Principalmente porque não conse-gue reter uma parcela expressiva da energia quebrota dos seus caudalosos rios. Enquanto a curvada quantidade de energia exportada evoluir commais desenvoltura do que a da produção, signifi-cará que o Estado caminha para a consolidaçãode província energética nacional. Um título quenão rima com desenvolvimento.

Nesse contexto, não deveria ser considerada comoprova de insensibilidade ao drama brasileiro da ener-gia, três anos atrás, a relutância dos paraenses emaderir ao programa de racionamento criado pelogoverno federal para enfrentar o “apagão” de 2001.Dos 4,2 milhões de kW que então constituíam a po-tência máxima de Tucuruí, o Pará ficava apenas com15%, distribuídos numa proporção africana com 4milhões de consumidores, que representavam 60%da população do Estado. Uma proporção escanda-losa dela, 40%, ainda dependia de usinas térmicas aóleo diesel, uma despesa que correspondia a toda afolha de pessoal da Eletronorte.

Todos os dias, no período de cheia do rio, a hidre-létrica de Tucuruí remete 1.300 megawatts de ener-gia para o Nordeste e o Sudeste, o equivalente a 3%da demanda nacional e a um terço de tudo o que ausina é capaz de gerar no pique do inverno, quan-do seu reservatório está à plena carga. Não transfe-re mais energia simplesmente porque as duas linhasdisponíveis estão com sua capacidade esgotada.

No auge da enchente, Tucuruí joga água fora por-que opera seu reservatório na capacidade máxi-ma de armazenamento. As 17 turbinas atualmen-te em operação precisam de 8,5 milhões de litrosde água por segundo para render, cada uma, namédia, em torno de 370 MW. Ao reservatório estáchega, nesse período, uma descarga do Tocantinssuperior a 30 milhões de litros por segundo. Al-cançando o limite de 53 trilhões de litros do lago,que se espraia por 2.875 quilômetros quadrados,é preciso abrir as comportas do vertedouro. A usi-na, com todo o seu sistema, alcança o clímax. Mes-mo assim, o Pará foi obrigado a racionar para queoutras regiões recebessem o máximo possível daenergia de Tucuruí.

Diante dessa realidade, não é de surpreender que,ao longo da década de 90, a Amazônia tenha sidoa única região periférica brasileira que teve umaredução na sua participação na riqueza nacional,deixando de se beneficiar da pequena redução de

tamanho das tradicionais regiões hegemônicas dopaís. O Sudeste caiu de 58,83% do PIB (ProdutoInterno Bruto) nacional para 58,25% entre 1990e 1999, enquanto a contração no Sul foi de 18,21%para 17,75%.

Aproveitando-se dessa transferência cosmética, oCentro-Oeste pulou de 5,16% para 6,44% e o Nor-deste, de 12,86% para 13,11%. O Norte ficou ór-fão nessa corrida pela riqueza: baixou de 4,94%do PIB brasileiro para 4,45%, distanciando-se ain-da mais dos seus acompanhantes nas posições in-feriores da desequilibrada federação brasileira.

Como as mais refinadas estatísticas da FundaçãoIBGE não deixam dúvida, Mato Grosso e Amazo-nas foram os Estados mais favorecidos pela peque-na desconcentração do poder econômico brasilei-ro na região Centro-Sul, sobretudo em São Paulo,o Amazonas na vertente industrial e o Mato Gros-so como o braço agropecuário que se alimenta damigração de capital no campo.

Mas enquanto Mato Grosso conseguiu arrastar con-sigo o Centro-Oeste, a região de melhor desempe-nho no período, o Amazonas, pela própria lógicada Zona Franca de Manaus, não conseguiu esprai-ar suficientemente os efeitos inibidores dosenclaves exportadores, cravados sobretudo em ter-ritório paraense, o segundo Estado minerador doBrasil, o sétimo maior exportador e o segundo emsaldo de divisas. Nem mesmo foi capaz de se es-tender ao restante do seu território, o mais exten-so de todos os Estados brasileiros, com 1,5 milhãode quilômetros quadrados (quase 20% do Brasil).Manaus, com 1,5 milhão de habitantes, concentrametade da população e mais de 90% do PIB esta-dual. O interior do Amazonas se transformou numdeserto, demográfico e econômico.

O resultado é que Norte e Nordeste estão se dis-tanciando das outras regiões como o locus do sub-desenvolvimento estruturado e da fronteira colo-nial, o Norte mais acentuadamente ainda. Há mai-or massa bruta de riqueza gerada pela atividadeeconômica, em função de pesados investimentosde capital destinados a projetos de exportação.Mas, além de sua repartição ser concentrada, suamá aplicação, orientada para atender a necessida-de dos enclaves (especialmente dos intensos flu-xos migratórios que provoca), acarreta indicado-res sociais desastrosos.

Três dos principais são os piores do país. Enquan-to a mortalidade infantil no Brasil caiu de 44,3 emcada mil nascidos vivos em 1990 para 34,6 em 1999(9,7 pontos percentuais), a redução na Amazôniafoi de 40,7 para 34,1 (ou 7,6 pontos percentuais).

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Praticamente não houve melhoria nos serviços deágua, esgoto e lixo nos domicílios urbanos: o índi-ce na região passou de 13,1% para 13,6%, enquan-to a evolução no país foi de 53,8% para 62,3%.Quanto ao analfabetismo funcional, todas as regi-ões o reduziram em proporção maior do que oNorte, mesmo o Nordeste (quase 9 pontospercentuais contra menos de 5 da Amazônia), quetem ainda o maior valor absoluto na modalidade(nada olímpica).

Por causa desse modelo exportador e concentra-dor, o mais prejudicado na Amazônia é justamenteo Estado com maior potencialidade, o Pará, comárea de mais de 1,2 milhão de quilômetros quadra-dos e seis milhões de habitantes. Em 1994, o Parátinha o terceiro melhor PIB (Produto Interno Bru-to) per cápita da Amazônia, superado apenas peloAmazonas e o Amapá. O PIB per cápita regional,de 1.574 reais, era, então, apenas ligeiramente su-perior ao do Estado, de R$ 1.509. Em 1995, o Parádesceu um degrau, para o 4º lugar, trocando posi-ção com Rondônia, que subiu para o 3º piso. O Es-tado manteve essa condição em 1996.

No ano seguinte, porém, caiu mais, para o 5º lu-gar, superado desta vez pelo Acre. De 1997 até 1999o Pará estacionou como o quinto PIB per cápitaamazônico, à frente apenas de Roraima e do To-cantins, mas a renda de cada paraense, de R$ 2.705,se distanciou da média da região, de R$ 3.380, prin-cipalmente porque mais do que duplicou no perí-odo o que coube a cada amazonense, R$ 5.577.

Em 1999, segundo os dados do IBGE, o Pará ocu-pava apenas a 20ª posição (em 27 possíveis) entreos PIB/per capita do país. Em termos de valor bru-to do Produto Interno, o Estado era o 13% da fe-deração, participando com 1,71% do PIB nacio-nal. Era uma posição superior à registrada em1985, de 1,52%, mas naquele ano o Pará estava na12ª posição, tendo sido superado por Goiás. Sem-pre é bom não esquecer que a população paraenseé a 9ª maior do Brasil.

Bem interpretadas, as estatísticas do IBGE referen-tes ao Pará só lhe dão algum motivo para come-moração quando a situação é vista apenas interna-mente e por uma ótica meramente quantitativa.Feitas as comparações e correlações, constata-seque, se de fato o Pará cresceu entre 1985 e 1999,cresceu menos do que os demais Estados. Perdeupeso relativo no período, não apenas no conjuntonacional, mas no âmbito regional mesmo.

Os números mostram que, se for mantido a formaatual de crescimento, a massa da riqueza geradano Estado continuará a se incrementar, mas sem

beneficiar a sua população. Um modelo perversoe excludente. O paraíso dos colonizadores, o in-ferno dos colonizados. E o purgatório da elite quemedeia essa relação.

É evidente, porém, que a causa desse desequilíbrionão está propriamente no que o governo tem fei-to de errado, mas no que não fez de certo. Ou dacombinação de ter endossado um modelo econô-mico voltado para o crescimento do bolo de rique-zas, mas não para sua partilha, e fazer de contaque esse resultado está de acordo com as melho-res expectativas locais. A voz do governo passou aser a voz do dono. No caso, dono do grande proje-to, do enclave, da visão colonial.

É o modelo geral adotado para a Amazônia, coma exclusão parcial apenas do Amazonas, um teme-rário ensaio de industrialização a título precário,que apresenta desempenho muito melhor nomomento, mas cujo caráter de transitoriedadepode vir a ser fatal.

Os paraenses vesgos podem continuar a fazer fes-ta para alguns números brutos, que são capazesde proporcionar belas manipulações em publici-dade oficial. Pelo critério de participação bruta nariqueza nacional, colocado em 13º lugar, o Pará éo líder regional, um degrau acima da metade naescada federativa, que tem 27 patamares.

Mas para entender realmente o que isso significa,é bom sempre lembrar que, demograficamentefalando, o Pará é o 9º Estado brasileiro, com odobro da população do Amazonas. Quando serelativiza a riqueza pelos habitantes, o Estado caida 13ª para a 20ª posição, já aí fazendo parte doterceiro Brasil, o mais pobre. O Amazonas, queestá em 14º lugar no PIB total, sobe para 8º pelocritério de PIB per capita. O Mato Grosso, de 15ºvai para 11º. Rondônia, que está em 22º por volu-me, salta para 12ª posição em termos relativos.

Todos os demais Estados amazônicos, exceto To-cantins (com ligeira queda, de 24º para 25º) têm,nesse particular, que é o mais importante, com-portamento melhor: Amapá (25º e 14º lugares),Acre (26º e 18º) e Roraima (27º e 22º).

Isto quer dizer o seguinte: não é só o trem deCarajás que está levando o rico minério para além-mar, deixando no lugar apenas seu apito e o bura-co na terra: é também o comboio da federaçãoque está se distanciando, deixando o Estado ama-zônico mais promissor para trás. Cheio de propa-ganda e vazio de realidade.

A propaganda enche os olhos, mas não chega aoestômago – e muito menos ao cérebro. Desligado

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de sua história, induzido a se desinteressar pelostemas decisivos que são decididos no cotidiano, oPará parece ser apenas um passivo espectador dosacontecimentos. Exemplar dessa abulia foi a omis-são da opinião pública local diante do capítulomais recente da história do uso de Tucuruí: o finalda vigência do contrato de 20 anos que garantiu osuprimento de energia à Albrás.

A empresa não conseguiu simplesmente a renova-ção desse contrato, o que seria um escândalo naci-onal: ela queria pagar um valor entre 12 dólares e9 dólares por megawatt/hora, o referencial maiorsendo o que já vinha pagando e o menor um ajus-te às tarifas que outras plantas de alumínio estari-am recebendo em outras partes do mundo. A Ele-trobrás, controladora da Eletronorte, porém, que-ria que a Albrás passasse a pagar US$ 20 por MWh,igual à tarifa praticada pela Alumar, a outra plantade alumínio favorecida pelos benefícios do Pro-grama Grande Carajás, instituído pelo governomilitar em 1982, com os mesmos favores fiscais etributários, ou quase (por começar primeiro, aAlbrás levou mais).

Sem acordo, a empresa anunciou que iria buscarenergia através de leilão no Mercado Atacadistade Energia. Na véspera do dia marcado para o lei-lão, alegando “motivos técnicos”, a Albrás o can-celou, marcando nova data para uns dias depois.

O leilão seria para garantir 750 MW médios de ener-gia para a Albrás entre junho e dezembro, permi-tindo-lhe fechar o exercício de 2004 sem maioresatropelos, enquanto se prepararia para definir umanova fonte de suprimento estável e de longo prazo.A demanda de energia da Albrás equivale ao con-sumo individual das duas maiores cidades da Ama-zônia, Belém e Manaus, com 1,2 milhão e 1,5 mi-lhão de habitantes, respectivamente. Sem a garan-tia de uma fonte segura, a competitividade da em-presa no mercado internacional desaparece.

Uma disputa de cartas marcadasNa verdade, essa era uma disputa de cartasmarcadas. Apesar do mercado livre de energia, sóhavia um fornecedor seguro, a curto e médio pra-zo, para a Albrás: a Eletronorte. Para a estatal, poroutro lado, a fábrica de alumínio de Barcarena re-presenta o consumo constante de um terço daenergia firme da hidrelétrica de Tucuruí, que res-ponde por 80% de tudo o que a Eletronorte geraem toda a Amazônia. É por isso que enquanto eraanunciado o leilão e medidas mais duras ecoavamdo lado do governo, as partes mantinham intensanegociação de bastidores. Acabarão tendo que

encontrar um denominador comum para oimpasse em que foram colocadas.

Em 20 anos desfrutando de tarifa favorecida, aAlbrás recebeu um subsídio do tamanho do pró-prio investimento da fábrica, que custou 1,6 bilhãode dólares. Esse valor é conseqüência do custo degeração (mais as amortizações do investimento)da usina de Tucuruí. Não saindo dos cofres da in-dústria de alumínio, foi bancado pelo erário, à basede dinheiro do contribuinte, através de vários me-canismos de compensação e transferência que im-pediram a Eletronorte de quebrar e atrapalharamas contas do setor elétrico público, comandadopela Eletrobrás.

A Albrás argumentou que, hoje, os US$ 12 porMWh já não são tão atrativos como em 1984, o quenão deixa de ter algum fundo de verdade, emboraa Alumar, formada pelo consórcio Billiton/Alcoa,sempre tenha pagado mais (US$ 20) sem deixarde ser viável e competitiva (e ainda antecipando aduplicação da linha de transmissão de energia paraum encontro de contas futuro com a Eletronorte,o que a Albrás não fez).

O subsídio às duas reduções multinacionais dealumínio não teria sido necessário se o orçamen-to de Tucuruí não tivesse explodido. Doparâmetro inicial, de US$ 2,1 bilhões, ele foi pa-rar em US$ 4,7 bilhões nas contas lipoaspiradasda Eletronorte, em US$ 7,5 bilhões no cálculo daComissão Mundial de Barragens e em mais deUS$ 10 bilhões nas estimativas de quem foi atrásdas pontas dos nós financeiros, até hoje não to-talmente desatados.

Por que esse estouro? Por corrupção, como disseEliezer Batista, numa declaração cuja gravidade teveuma relação inversamente proporcional à atençãoda grande imprensa nacional. Nem o atormentado“fator amazônico” explica o crescimentoexponencial dos custos de Tucuruí. Só a sucessãode polêmicos e obscuros acontecimentos, que se su-cederam ao longo da obra, do acompanhamentodos custos diretos aos contratos de financiamento.

A questão atual é: o Brasil pode – e deve – ser res-sarcido pelo que gastou em Tucuruí através da re-muneração do serviço de energia ou deve praticartarifas de mercado a partir de agora, jogando sobreos imensos costados da viúva mais essa conta semfim, esquecendo a amortização da “energia velha”?

A solução para o aparente impasse, a do leilão,acabou sendo inovador. Como se mostrou simples-mente inviável a renovação do contrato anterior,pela impossibilidade de as partes chegarem um

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Alumínio, Fábrica Alumar, São Luís,Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA

valor entre a tarifaanterior, tremenda-mente baixa, e a ta-rifa necessária paraque a Eletronortepudesse amortizarseus débitos, aAlbrás partiu o Mer-cado Atacadista deEnergia.

Todas as empresasgeradoras de ener-gia podiam, em tese,participar do leilão,mas já se sabia deantemão que apenasa Eletronorte concorreria para valer. O teto estabe-lecido pela Albrás para os lances era de R$ 53 oMWh. A Cesp, de São Paulo, que pretendia dispu-tar, fez seus cálculos e concluiu que só a despesade transmissão de energia até a fábrica, emBarcarena, abocanharia um terço desse valor. Ime-diatamente pulou fora.

O lance vencedor foi justamente o máximo admi-tido pela Albrás. Até o dia 31 de maio, quando ocontrato assinado em 1984 chegou ao fim, a Albráspagou quase R$ 34 (ou US$ 12) por MWh de ener-gia recebida da Eletronorte. Em relação a esse va-lor, portanto, o ganho é de mais de 50%. Mas aAlumar, instalada em São Luís do Maranhão, quepagava quase o dobro da Albrás, no novo contratoainda terá uma tarifa um pouco mais alta do quesua concorrente do Pará, embora a diferença te-nha se reduzido bastante, não só em relação aosvalores em si (agora o MWh da Alumar ficará emtorno de R$ 60), como porque o consumo daAlbrás cresceu mais do que o da Alumar. Mas seráuma espécie de compensação para o consórcioAlcoa/Billiton pelas duas décadas anteriores demenor benefício.

Aparentemente, portanto, a solução foi boa paratodos. Mas nem tanto. A Albrás decidiu adiantar1,2 bilhão de dólares, adiantamento contratual aser quitado em seis parcelas, por causa da situaçãofinanceira delicada da Eletronorte. A empresa acu-mulou R$ 5,6 bilhões de dívidas (sendo R$ 3,7 bi-lhões em função do subsídio, segundo suas pró-prias contas), que a levaram a atrasar – em R$ 100

milhões – até os for-necedores da dupli-cação da hidrelétri-ca de Tucuruí.

A segunda etapa dausina, partindo de4,2 mil MW (com 12máquinas instaladasna casa de força), jáestá em 5,7 mil MWde potência instala-da, devendo, ao fi-nal da duplicação,em 2006, com 23máquinas, atingirsua plena capacida-

de nominal, de 8,3 mil MW. Tucuruí se consolida-rá então como a terceira maior hidrelétrica daAmérica do Sul e a sexta do mundo.

As seis primeiras parcelas adiantadas do contratovão permitir à Eletronorte manter em dia ocronograma da duplicação. A Albrás será benefi-ciada por essa iniciativa. Em 2006, mesmo com aconclusão da energização de Tucuruí, a fábrica dealumínio (com o consumo de 800 MW médios)absorverá mais de 20% da energia firme da hidre-létrica, aquela realmente disponível o ano inteiro.Dificilmente qualquer outra planta industrial con-corrente no mundo disporá de uma fonte de su-primento de longo prazo tão segura (e, em fun-ção disso, barata) quanto a da Albrás. Os R$ 53acertados se mostram, assim, como um preço alta-mente recompensador para a empresa.

Também para a Eletronorte, mas apenas em ter-mos operacionais. A estatal, com a renovação docontrato com as duas indústrias mais eletrointen-sivas do país, deixará de acumular todos os anosos R$ 400 milhões de prejuízo que as tarifas subsi-diadas anteriores lhe impunham. Mas ainda teráum grande desafio diante de si: como acertar ascontas com o passivo acumulado de R$ 5,6 bilhões?Para que pudessem contribuir com um efeito re-trospectivo, Albrás e Alumar teriam que pagar R$70 por MW. A diferença, a Eletronorte vai ter quebuscar no mercado dos consumidores não favore-cidos. Ou seja: no seu, no meu, no nosso bolso.

E assim caminha a história da energia na Amazônia.

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Capítulo 5Análise do projeto Belo Monte e de sua rede de transmissãoassociada frente às políticas energéticas do BrasilAndre Saraiva de Paula

Considerações IniciaisO debate sobre a construção do Complexo Hidre-létrico de Belo Monte (CHE Belo Monte) sempreganhou contornos polêmicos desde a concepçãodo projeto em função do impacto ambiental queeste pode causar.

Em conformidade com os objetivos deste livro, estecapítulo busca propiciar aos leitores um “outromodo” de analisar e de refletir sobre os mega - pro-jetos de hidrelétricas, em especial o CHE Belo Mon-te. As discussões sobre a viabilidade ou não do CHEBelo Monte vão além das questões ambientais queenvolvem as obras das barragens. Noutros capítu-los, especialistas abordaram questões sociais de po-pulações indígenas e ribeirinhas e de impacto am-biental. Neste, se analisará a rede de transmissãoassociada ao CHE Belo Monte demonstrando paraonde e para quem pode ser destinada a energia aser produzida nesse conjunto de usinas e as impre-cisões dos valores de investimentos divulgados (er-ros na casa de bilhões de dólares).

Aproveita-se, ainda, para indicar aos leitores ascontradições existentes na política energética doBrasil quando se trata da expansão do parque ge-rador com mega - projetos hidrelétricos versus aexpansão da matriz energética utilizando gás na-tural, por meio da expansão do escoamento de gásnas regiões produtoras litorâneas do NorteFluminense e do Nordeste e do pólo de Urucu,no Amazonas e da importação através do gasodu-to Bolívia-Brasil (GasBol).

Numa avaliação de um sistema de transmissão,além dos aspectos técnicos, é primordial se avaliaras questões econômicas, principalmente as relati-vas ao financiamento e aos custos de construção.Estas informações, como sobre todo o projeto BeloMonte, são altamente contraditórias, com diver-sas versões, o quê há três décadas vem confundidoa sociedade, divulgando dados, estatísticas e estu-dos de veracidade duvidosa. Isto segundo a óticado governo e de empresas privadas, tem o intuitode levar a sociedade a aceitar um projeto que pa-rece “natural” para o desenvolvimento do país.

Felizmente, nesses anos de luta contra o faraônicoprojeto, além do crescimento dos custos com asobras do mesmo, também aumentou o número decidadãos informados e não dispostos a legitimaraquilo que tem se divulgado como tão “natural.”

Este trabalho inicia traduzindo o complexo voca-bulário técnico, oficial e empresarial utilizado, namaioria das vezes, para evitar questionamentossobre polêmicas dos projetos e, quiçá, até mesmoutilizado propositalmente para confundir os cida-dãos mais humildes. Nesta seção são resumidas asprincipais características dos agentes de um siste-ma de energia elétrica. Espera-se, assim, facilitar acompreensão do funcionamento de sistemas elé-tricos por aqueles que o desconhecem. Ainda nela,são apresentadas as características da operaçãoenergética de sistemas predominantemente hidre-létricos, como é o caso do sistema elétrico brasilei-ro. O regime hidrológico do rio Xingu no local

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projetado para o CHE Belo Monte é comparadocom os regimes de outros rios, em destaque o rioCaroni, onde se situa a usina hidrelétrica de Guri,na Venezuela.

Na segunda seção, o crescimento da demanda edo parque de geração do sistema elétrico brasilei-ro são analisados considerando as conseqüênciasda política de Restruturação do Setor Elétrico Bra-sileiro (RESEB). Tal reforma, iniciada em 1993,resultou na crise de racionamento em 2001. Tam-bém são tratadas a política de incentivos à instala-ção de usinas termelétricas e a construção do ga-soduto Brasil-Bolívia. Compara-se a quantidade deenergia que poderá ser adicionada ao parque ge-rador brasileiros por usinas termelétricas previs-tas no Plano Prioritário de Termelétricas (PPT)1 epelo projeto CHE Belo Monte. Frente a atual polí-tica energética, o projeto de expansão de Linhasde Transmissão de eletricidade desde Altamira atéManaus, mostra-se discrepante e competitivo àexpansão do gasoduto de Urucu (trecho Coari –Manaus, um investimento da Petrobrás, cuja Li-cença Ambiental foi concedida pelo governo esta-dual em 2004) e que também visa à geração deenergia elétrica na capital .

O mercado de energia elétrica da região norte éestudado na seção 3. Nesta são apresentados osdispositivos legais que definem os chamados “sub-mercados” do Sistema Interligado Nacional (SIN).Discute-se, também, a criação da Eletronorte e aconstrução da usina hidrelétrica de Tucuruí paraatender os interesses de indústrias eletro-intensi-vas de se instalarem na região norte do país medi-ante os incentivos oferecidos pelo governo fede-ral em meados de 1973 com o II Plano Nacionalde Desenvolvimento (II PND).

Na quarta seção, são analisados a formação da in-terligação Norte/Nordeste e os problemas ocorri-dos com a transferência de energia entre os siste-mas de transmissão da Chesf e da Eletronorte. Combase no mapa da região operativa para o horizon-te de 2005, verifica-se que não há previsão de ex-pansão da transmissão para a região norte.

Problemas que ocorreram com o início da opera-ção da interligação Norte/Sul são descritos na se-ção 5. Nessa também é ressaltado que a interliga-ção Norte/Sul II já se encontra em construção e,que os estudos das alternativas de sistemas de trans-missão associados ao projeto CHE Belo Monte pre-vêem a interligação Norte/Sul III.

Na sexta seção são analisadas as previsões de cresci-mento da região norte frente à previsão de expan-são da geração de energia elétrica para a região.

Na seção 7 são apresentados as características bá-sicas do sistema de transmissão associado ao pro-jeto CHE Belo Monte ressaltando a preferênciapelas linhas de transmissão de 765 kV.

Na seção 8 demonstra-se que o estado do Pará, seconstruído o projeto CHE Belo Monte, será tra-tado mais uma vez como uma provínciaenergética pois, todos os estudos de alternativasde sistemas de transmissão associados ao projetoindicam que a energia produzida será enviadapara a região sudeste.

Nesse caso, vale a pena adiantar que os montantesde investimento divulgados para as obras do sistemade transmissão associado ao projeto CHE Belo Mon-te, divulgados oficialmente, diferem bastante confor-me a época e, principalmente, conforme a fonte deinformação do governo federal e da Eletrobrás.

E, na última seção do artigo, comenta-se a questãoambiental que envolve a construção das linhas detransmissão, na maioria das vezes omitida ourelegada a segundo plano no debate sobre as hi-drelétricas, já que o foco ambiental é sempre oalagamento das terras pela formação das represas.

1. Introdução1.1. Características e principais agentes do Sistema Elé-trico Brasileiro

O objetivo básico de um sistema de energia elétricaé fornecer energia às várias cargas existentes em lo-calidades distintas. A área de abrangência dos servi-ços de um sistema é denominada de área de serviçoou área de cobertura (atuação). Quando adequada-mente projetado e operado, um sistema de energiaelétrica deve atender aos seguintes requisitos:• Fornecer energia com custos mínimos, tanto eco-

nômicos quanto ecológicos.

• Não ser um fator de impedimento/restrição ao cres-cimento econômico e social da área de cobertura.

• Fornecer energia a todos os locais pertencentesà área de cobertura (centros de carga) dentrodos padrões de qualidade (por exemplo, os defi-nidos pela Resolução ANEEL No 505 de 26/11/2001 – disposições relativas à conformidade dosníveis de tensão de energia elétrica em regimepermanente – e a Resolução ANEEL No 24 de27/01/2000 - disposições relativas à continuida-de da distribuição de energia elétrica às unida-des consumidoras) dentre outras.

O sistema elétrico brasileiro é predominantemen-te hidráulico e, dispõe de significativo potencialpara sua expansão.

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O potencial hidrelétrico das bacias hidrográficas maispróximas dos principais centros de carga das regiõessudeste e nordeste está praticamente esgotado emfunção das crescentes necessidades de energia.

A hidraulicidade2 da maioria das bacias hidrográ-ficas brasileiras caracteriza-se pela existência deseqüência de anos secos consecutivos, onde as va-zões naturais apresentam-se inferiores à média.Como conseqüência, desde o seu início, os siste-mas elétricos brasileiros foram concebidos comaproveitamentos hidrelétricos baseados em reser-vatórios com capacidade de regularização pluri-anual (grandes barragens com imensos lagos).

Deste modo, através do armazenamento da águaem reservatórios nos anos de afluências favorá-veis, garante-se a produção de energia de formacontínua independentemente de períodos secosou chuvosos [1].

No Brasil, a localização das fontes primárias conven-cionais de energia: potenciais hidráulicos e; reservasde gás natural; geralmente, não coincidem com alocalização dos centros de carga (consumidores).

No passado, os agentes responsáveis pelas políti-cas energéticas do Brasil optaram em construir asunidades geradores próximas as fontes primárias

(usinas hidrelétricas) e transportar a energia paraos centros de carga (consumidores). Um conjun-to de linhas de transmissão conectando usinas hi-drelétricas isoladas (concessionárias de geração)a centros de carga (concessionárias de distribui-ção) foi constituído. Na figura 1 são apresentadasas competência de cada um dos agentes de um sis-tema de energia elétrica. Conforme se interliga-vam conjuntos de linhas de transmissão isolados epertencentes a uma mesma empresa, formava-seuma rede de transmissão (concessionárias de trans-missão) [2], [3] e [4]. A interligação entre doissistemas é baseada na possibilidade de se transfe-rir energia de um sistema para outro. Este inter-câmbio pode ser motivado principalmente porquestões econômicas (custo de geração menor nooutro sistema) ou técnicas (aproveitamento doperíodo chuvoso em um sistema enquanto o ou-tro encontra-se no período de estiagem).

1.2. O Sistema Interligado Nacional (SIN) e suas ca-racterísticas de operaçãoA interligação entre as redes de transmissão dasdiferentes empresas gerou o Sistema InterligadoNacional (SIN) conforme figura 2.

A Interligação das regiões Sul e Sudeste ocorreuem outubro 1982 com o início em operação dasusinas hidrelétricas de Salto Santigo e Foz do Areia.Ambas localizadas no rio Iguaçu. Na época a regiãoSul passou a ter excedente de geração e, interliga-ram-se as duas regiões como forma de se transferirtal excedente da região Sul para a Sudeste. A cone-xão física entre os sistemas ocorreu através da cons-trução de linhas de transmissão associadas à usinahidrelétrica de Itaipu em ±600 kV (corrente contí-nua) entre Ivaiporã(PR)-Tijuco Preto(SP) e, dostrechos em 500 kV (corrente alternada) entreIvaiporã, Salto Santiago, Foz do Areia(PR) e os sis-temas de SC e do RS . Cf. [5] e [6].

A interligação entre as regiões Norte e Nordesteefetivou-se em outubro de 1981 por meio da linhade transmissão de 500 kV que passou a levar ener-gia do sistema Chesf até Vila do Conde, perto deBelém, para alimentar a ALBRÁS nos seus primei-ros anos de fabricação de alumínio, uma vez que ausina hidrelétrica de Tucuruí I não havia entran-do em operação. Posteriormente, quando entra-ram em operação as primeiras máquinas (gerado-res) desta usina em meados de 1984, o excedenteda energia não absorvido na região Norte passoua ser transferido para a região Nordeste [5] e [6].

Até 1998, o Sistema Elétrico Brasileiro era consti-tuído de 2 sub-sistemas de transmissão: o Norte/

Figura 1 – Principais Agentes Integrantes do Mercado deEnergia Elétrica Brasileiro e suas Áreas de Competência.

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Figura 2 – Mapa da Interligação Norte-Sul e Submercados do SINFonte: site do ONS em 30/10/2003.

Nordeste; e, o Sul/Sudeste/Centro-Oeste. Com a entra-da em funciona-mento da Interliga-ção Norte-Sul, linhade transmissão em500 kV de 1.020 km,custo total em tornode US$ 738 milhõese capacidade detransmissão de 1.000MW, formou-se oSistema InterligadoNacional. Este re-presenta 98% doconsumo de energiaelétrica do país [7]conforme figura 2.

Como a operaçãodo Sistema Interli-gado Brasileiro obedece à predominância de ge-ração hidráulica, é importante relembrar que sedeve ter a precaução para se armazenar energia(água) nos reservatórios das usinas hidrelétricas.Isto permite a produção (geração) de energiapara atendimento dos consumidores (mercado)nos períodos em que há poucas chuvas, isto é,hidrologicamente desfavoráveis (estiagens /se-cas). Ressalta-se, contudo, que estes períodos nãoocorrem freqüentemente, conforme pode serverificado no histórico brasileiro.

Em [8] afirma-se que

“o atendimento confiável da demanda é viabilizado pela exis-tência de estoques reguladores, que são os reservatórios dosistema. Devido à grande capacidade de armazenamentodos mesmos (armazenamento de água), é possível armaze-nar a energia excedente em anos molhados e transferi-la para

anos secos. Esta capaci-dade de transferênciapode se estender porquatro ou cinco anos,servindo como uma pou-pança de energia.

Outra grande vantagemda poupança proporci-onada pelos reservatóri-os é permitir que pro-blemas conjunturais se-jam resolvidos sem atro-pelos. Por exemplo, épossível manejar os re-servatórios para absorverum aumento inespera-do da demanda ou umatraso na entrada de al-guma unidade de gera-ção. Entretanto, é fun-damental que a energiaretirada dos reservatóri-os seja reposta posterior-mente por outros mei-

os, em outros locais do mesmo sistema, sob pena de com-prometer a capacidade futura de suprimento”.

A decisão em se estabelecer interligação entre sis-temas de energia elétrica, na maioria das vezes, émotivada por ganhos energéticos expressivos. Taisganhos são obtidos através da circulação de flu-xos de energia (intercâmbio de energia) entreregiões que apresentam características sazonais(período chuvoso) diferentes.

Em [9] relata-se que nos estudos de planejamentoque culminaram com a definição das característi-cas técnicas da interligação Norte-Sul previu–se acomplementaridade hidrológica3 entre as baciasdos rios São Francisco/Tocantins e Iguaçu/Uru-guai. Esta complementaridade propiciaria reflexosque poderiam ser significativos em situações

Figura 4 – Comparação dos regimes hidrológicos do rioXingu, do Tocantins na usina hidrelétrica de Tucuruí e

do rio Caroni na usina hidrelétrica de GuriFonte: [10] em 30/10/2003.

Figura 3 - Regime Hidrológico observadode 1968 a 2000 no rio Xingu.

Fonte: [10] em 30/10/2003.

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hidrológicas desfavoráveis (períodos de secas pro-longadas), especialmente com a redução da gera-ção de energia elétrica por usinas termelétricas(cuja eletricidade tem custo maior do que nas usi-nas hidrelétricas). As figuras 3 e 4 ilustram essacomplementaridade. Contudo, até agora, a com-plementaridade do projeto Belo Monte divulgadaé apenas em relação a hidrelétrica de Guri, naVenezuela.

Tal complementaridade baseia-se no fato de queUHE Guri está localizada no hemisfério norte e oprojeto Belo Monte no hemisfério sul, implican-do em regimes de chuva distintos. Entretanto, estebenefício só seria viável caso existisse um sistemade transmissão interligando o sistema brasileiro aovenezuelano. Esse sistema de transmissão não exis-te e, nos estudos do CHE Belo Monte não há pre-visão de construí-lo. Não há também estudos eco-nômicos indicando o quanto de investimento se-ria necessário para se interligar os sistemas brasi-leiro e venezuelano.

2.As rotas de expansão do sistema interli-gado nacionalEm 1992/1993 iniciou-se a Restruturação do Se-tor Elétrico Brasileiro (RESEB). Argumentava-seque a redução na capacidade de investimentos dasestatais do setor elétrico eram necessárias pois, docontrário, ocorreriam cortes de verbas nos setoresde saúde, educação entre outras. Contudo, em[11], ressalta-se “que os investimentos na área so-cial não foram significativos, comparados aos gas-tos do governo com o sistema financeiro, princi-palmente, o cumprimento de metas da políticamonetária e do FMI.”

Os estudos de planejamento decenal de meadosde 1993, relativos à evolução da demandaenergética, indicavam a necessidade de aumentoda geração para fazer frente ao crescimento doconsumo [12].

Sob este aspecto, esperava-se que com o novo mo-delo houvesse uma grande atração de investimen-to privado para o setor elétrico e a capacidade degeração do país fosse retomada uma vez que ogoverno brasileiro não realizaria os investimentosà contento.

A carga própria de energia registrada em 1992 foide 242.755 GWh, enquanto que, em 2000, estacarga subiu para 360.225 GWh. Ou seja, em 8 anoso Brasil apresentou uma elevação no seu consu-mo de energia elétrica de 48,4%.

Por outro lado, a capacidade de geração instaladano país, no final de 1992, era de 49.692 MW. Aofinal de 2000, esta capacidade estava em 65.757MW. No período de 8 anos, o parque gerador teveuma evolução de 32,3% [13].

A existência desse desajuste estrutural entre ofer-ta e demanda foi ocultado da sociedade brasileirapor alguns anos devido a capacidade de armaze-namento dos reservatórios brasileiros, conformemencionado na seção anterior. Em [8] relata-seque esta foi uma das principais causas da crise deracionamento em 2001. Na figura 5 é demonstra-do o esvaziamento dos níveis dos reservatórios daregião sudeste.

2.1. O Programa Prioritário de Termelétricas (PPT) eo GasBolA existência de deficiências ou de incertezas noRESEB resultou em investimentos privados emmenor volume que o planejado no parque de gera-ção brasileiro. Para incentivar a expansão deste, em2000, através do Decreto Nº 3.371 de 24/02/2000,o governo federal instituiu o Programa Prioritáriode Termelétricas (PPT), que criava uma série deincentivos à implantação de usinas térmicas no país[15]. Na figura 6 são indicadas as possíveis localiza-ções das usinas termelétricas propostas no PPT.

Tal decisão é oposta àquela que havia sido to-mada em 1965 durante reunião do Conselho deSegurança Nacional, quando o Marechal Artur daCosta e Silva, ministro da Guerra, e o GeneralErnesto Geisel, secretário do Conselho induziramo presidente Castelo Branco a adotar a opçãoprioritária pelo programa hidrelétrico (construirusinas hidrelétricas próximas as fontes primárias etransportar a energia até os centros de carga) [16].Desde aquela época, a opção de importação de gásda Bolívia era considerada de alto risco, devido à

Figura 5 – Evolução dos Níveis dos Reservatóriosda Região Sudeste.

Fonte: trabalho sobre o Racionamento de Energia Elétricadecretado em 2001 de 15 de março de 2002.

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possíveis cenários de instabilidade política na Bo-lívia que, poderiam vir a comprometer o forneci-mento de gás natural ao Brasil através do gasodu-to. Recentemente, em 2003, a política bolivianade exportação de seu gás natural esteve no centroda revolta popular que levou à fuga do presidenteboliviano Sanchez de Losada.

Com a adoção do Programa Prioritário de Terme-létricas em 2000, o Brasil escolheu a opção de seconstruírem unidades geradoras próximas aos cen-tros de cargas e transportar o combustível até estas.

O gasoduto Brasil-Bolívia, proposto em 5/11/1965no Conselho de Segurança Nacional pelo entãoministro do planejamento, Roberto Campos, ca-paz de transportar gás natural de Santa Cruz a SãoPaulo, voltou a ser a escolha de ampliação da ma-triz energética brasileira [17] e [18].

Inaugurado em 11/02/1999 em Corumbá-MS pelopresidente Fernando Henrique, com 3.150 km ecusto total em torno de US$ 2 bilhões, o gasoduto

Figura 6 – Mapa dos Gasodutos existentes no Brasile da Termelétricas propostas pelo PPT.

Tabela 1 – Quadro comparativo daspolíticas energéticas do MME

entre 1994 e 2000.

Política Energética do Ministériodas Minas e Energia

Área: Energia ElétricaEletrobrás/Furnas/EletronorteConstruir a Interligação Norte-Sul visando ganhosenergéticos com a operação otimizada de reservatóriosde usinas hidrelétricasIncentivo: Programa HidrelétricasInvestimento: US$ 738 milhõesInício da Operação: Dezembro de 1998

Área: Gás Natural Petrobrás/GasPetroConstruir o gasoduto Brasil-Bolívia para ampliaçãoda matriz energética brasileiraIncentivo: Programa Prioritário de TermelétricasInvestimento: US$ 2 bilhõesInício da Operação: Fevereiro de 1999

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atravessa os Estados de MS, SP, PR, SC e RS (135municípios brasileiros). O contrato de fornecimen-to de gás natural com a Bolívia é de 20 anos, compossibilidade renovação.

Na tabela 1 são comparados os investimentos rea-lizados com a construção do gasoduto Brasil-Bolí-via e com interligação Norte/Sul. Ambos motiva-dos pelo crescimento da demanda energética naregião sudeste.

2.2. O Projeto Belo Monte num Cenário de Expansãoda Capacidade de GeraçãoEm 6/2/2002, o então presidente FernandoHenrique ao avaliar os seus sete anos de gover-no, anunciou que entre 1995 e 2001 foram inves-tidos R$ 23 bilhões (US$ 9,5 bilhões na cotaçãoda época) no sistema elétrico brasileiro. Este in-vestimento propiciou o acréscimo de 17.400 MWao SIN. Ressaltou, ainda, que nos anos de 2002 e2003 seriam adicionados 9.000 MW e 11.000 MWrespectivamente [19].

Conforme já mencionado, em 2001 o parque degeração brasileiro era de 65.757 MW. A partir dosvalores anunciados em 6/2/2002, demonstra-se natabela 2 a evolução do parque de geração até ofinal de 2003.

Na mesma coletiva, o presidente anunciou a reto-mada do projeto Belo Monte com capacidade de11.100 MW para entrar em funcionamento entre5 a 6 anos do lançamento do edital da obra queocorreria em 2002. Contudo, evidencia-se que, nogoverno do presidente Luís Inácio, ainda não háprevisão, pelo menos até o momento, para lança-mento deste edital.

Em [20] relata-se que os estudos referentes aos sis-temas de transmissão associados ao CHE BeloMonte consideraram a previsão do início da

motorização em 2008 e previsão de término em2013. Em usinas hidrelétricas, os geradores nãoentram em operação todos de uma só vez. Porexemplo, na usina hidrelétrica de Itaipu (capaci-dade de geração similar a do CHE Belo Monte), aprimeira unidade geradora de um total de 18 uni-dades geradoras entrou em operação em 5 maiode 1984. As demais foram sendo instaladas ao rit-mo de duas a três por ano. A 18ª entrou em opera-ção somente em 9 de abril de 1991. A capacidadeinstalada da usina hidrelétrica de Itaipu é de 12.600MW e a do CHE Belo Monte é prevista em tornode 11.100 MW (com 20 unidades geradoras).

Logo, a capacidade máxima de 11.000 MW do CHEBelo Monte só estaria disponível para o SIN a par-tir de 2013, isso se nenhum atraso ocorresse.

Contudo, a GasPetro já havia anunciado em 1999,conforme [21], que até 2006, a geração térmica apartir do gás natural fornecido pelo gasoduto Bra-sil-Bolívia, ampliaria a capacidade de geração doSIN em 11.000 MW [22].

Caso se considere que a partir de 2001 (parque degeração de 65.757 MW) os dois únicos acréscimosde geração no SIN possíveis serão o CHE BeloMonte e as usinas térmicas anunciadas pelaGasPetro, ter-se-ia uma projeção de crescimentodo parque gerador brasileiro conforme a figura 7.

2.3. Investimentos e projetos em gás e eletricida-de na Região AmazônicaA política de construção de gasodutos não se res-tringe as regiões sul e sudeste do país. Até 2005, aPetrobrás espera iniciar a construção dos gasodutosUrucu-Porto Velho e Coari-Manaus. Estes dois em-preendimentos estão avaliados em US$ 600 milhõese dependem da liberação da licença ambiental. Ogasoduto Urucu-Porto Velho deverá ter 550 km deextensão e capacidade para transportar 2,5 milhões

Tabela 2 – Quadro Comparativo daCapacidade de Geração do SIN entre2001 e projeção para o final de 2003.

Evolução da Capacidade instaladano Parque de Geração Brasileiro

Ano Cap. de Geração Cap. de Geração Adicionada MW Total MW

2001 65.757

2002 9.000 74.757

2003 11.000 85.757

Total disponível ao final de 2003 85.757

Figura 7 – Previsão de Crescimento do Parque GeradorBrasileiro considerando apenas o acréscimo das

usinas térmicas da GasPetro e do CHE Belo Monte.

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Figura 8 – Mapa de localização dos Gasodutos planejados para aregião amazônica (gasodutos Urucu-Porto Velho e Coari-Manaus).

Fonte: Petrobras

de m3 por dia. O cus-to estimado destaobra é de US$ 300milhões. Esse gaso-duto levaria gás paraa usina termelétricada El Paso4 na capi-tal de Rondônia, ga-rantindo a produ-ção de 64 MW deenergia. O gasodutoCoari-Manaus –uma extensão parao Gasoduto Urucu-Coari, já existente -deverá custar US$280 milhões e ter extensão de 420 quilômetros.Transportará 10,5 milhões de m3 por dia. Atual-mente, um gasoduto de 285 km liga Urucu a Coari– contudo este está inativo devido à falta do tre-cho Coari-Manaus. Com esse gasoduto, as quatrotermelétricas existentes em Manaus - e que têmcapacidade de 400 MW - trocariam a queima doóleo diesel pelo queima do gás natural.

Conforme a divulgado pelo jornal Gazeta Mercan-til Norte de 09/03/2001 [47], o gasoduto Urucu-Porto Velho está entre os sete investimentos eminfra-estrutura, na América Latina, que apresen-tam maior risco sócio-político-ambiental para po-tenciais investidores. A avaliação foi feita peloAmazon Financial Information Service (AFIS). AAFIS é um serviço norte-americano de informa-ções financeiras com sede em Washington. APetrobrás avalia que a afirmação divulgada não temsustentação. O AFIS é responsável pelo sitewww.redlisted.com que subsidia potenciais investido-res sobre os fatores de risco dos projetos submeti-dos às bolsas de valores.

O gasoduto é classificado no relatório do AFIScomo altamente impactante para o meio ambien-te da Amazônia e para os habitantes das áreas poronde passará.

Esse mesmo relatório ainda afirma que o gasodu-to Urucu-Porto Velho “poderá comprometer a reputa-ção das empresas e/ou organizações envolvidas com oprojeto junto às instituições financeiras públicas e priva-das internacionais”. O traçado do gasoduto comaproximadamente 550 quilômetros de extensãocorta, no Estado do Amazonas, uma rota de altaprioridade para a conservação da biodiversidade:a Reserva Biológica de Abufari na bacia do médiorio Purus.

O gasoduto também passará próximo às reservas

indígenas Kataxixi eJacareúba. Esse tra-jeto, segundo osconsultores ameri-canos, deixará os ín-dios vulneráveis adoenças e a outraspressões da civiliza-ção. Como outroexemplo do impac-to negativo, o AFIScita que, no municí-pio de Coari, “após achegada da Petrobrás,registrou-se o aumentoda prostituição, tráfico

de drogas e doenças sexualmente transmissíveis, como aAids”. Os consultores da AFIS ainda afirmam quea relação custo/benefício do projeto não justifica-ria a construção do gasoduto.

O projeto “Gás Natural de Urucu para GeraçãoTermelétrica” visa garantir o fornecimento de ener-gia elétrica aos Estados do Amazonas (através dotrecho de gasoduto Coari a Manaus), de Rondô-nia e do Acre, através do gasoduto que liga Urucua Porto Velho e da linha de transmissão de 230 kVentre Porto Velho e Rio Branco, já construída. Emtodos os casos, a Petrobrás é parte interessada. Ob-jetiva substituir nas usinas térmicas já existentes aqueima do óleo diesel pelo gás natural, e tambémampliar o número de usinas térmicas a gás nas duascapitais estaduais.

Diante disto, é primordial alertar os leitores sobrea permanência, daqui em diante, de um conflitono planejamento energético brasileiro entre polí-ticas energéticas: termelétricas e gasodutos de umlado – e usinas hidrelétricas e linhas de transmis-são, de outro. Se o governo brasileiro não é capazde realizar os investimentos à contento em pelomenos uma das políticas energéticas, quem diráem duas simultaneamente.

A Petrobrás amplamente já divulgou ter investido,nos últimos anos, cerca de R$ 888 milhões emUrucu. Tais investimentos foram destinados para asobras de ampliação da capacidade de produção deóleo, de 30 mil para 50 mil barris por dia, e de gásnatural, dos atuais 2 milhões para 6 milhões demetros cúbicos diários. Uma parte também foi apli-cada no poliduto que liga a Província Petrolíferade Urucu ao Terminal do Solimões próximo a Coari.

O Projeto Gás Natural de Urucu para GeraçãoTermelétrica é gerenciado pela Gaspetro, subsidi-ária da Petrobrás para gás natural. Segundo essa

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subsidiária, para a construção dos gasodutosCoari-Manaus e Urucu - Porto Velho seriam ne-cessários investimentos da ordem de R$ 500 mi-lhões. Ainda estão previstos mais investimentosda ordem de R$ 1 bilhão na adaptação das usinastermelétricas existentes e na construção de no-vas usinas. Tem-se então um total de R$ 2,4 bi-lhões em investimentos.

No que tange a quantidade de energia a ser gera-da, de acordo com a Petrobrás, os volumes de gásnatural existentes permitirão a instalação de mais500 MW em Manaus e em Porto Velho, de mais330 MW. Como a atual geração de Porto Velhoestá em torno de 100 MW, verifica-se que a exis-tência de uma considerável geração excedentepossibilitará a ampliação do parque industrial epermitirá exportar energia para o interior deRondônia e para a cidade de Rio Branco e algunsmunicípios do Acre. Estes projetos de expansãode gasodutos e usinas termelétricas na regiãoamazônica já concorrem com o anunciado proje-to de usinas hidrelétricas de grande porte no RioMadeira, existente há muitos anos e recentementerelançado pelo governo federal e pelo grupoOdebrecht (ver Capítulo 4, de L.F. Pinto, nestelivro). É mais um foco de conflito na cúpula fe-deral brasileira, entre políticas energéticas distin-tas envolvendo as duas maiores empresas estataisbrasileiras, Petrobrás e Eletrobrás.

3. O Submercado Da Região NorteNa seção anterior, contextualizou-se a proposta doempreendimento de Belo Monte em relação háprogramas/políticas nacionais em andamento, emespecial, os projetos relacionados à utilização dogás natural para gerar energia elétrica. Nesta, seráabordada as vantagens e desvantagens de BeloMonte para o submercado da Região Norte.

Pela figura 2, nota-se que o submercado da RegiãoNorte é formado pelos Estados do Pará, Maranhão,Tocantins. Os estados do Amazonas, Acre,Roraima, Amapá e Rondônia são considerados Sis-temas Isolados.

3.1. A Definição de Submercado e as dimensões do sis-tema elétrico na Região NorteEm sistemas com restrições de transmissão, opreço da energia pode ser calculado por dife-rentes fórmulas. No Brasil, optou-se pelo mode-lo de “precificação” ou estabelecimento de clas-ses de preços e contratos, por submercados. Aidéia é simplificar a representação da rede detransmissão preservando apenas as interligações

mais importantes. Logo, os submercados devemser identificados através das restrições estrutu-rais de transmissão, isto é, pelo limites físicos,técnicos da capacidade de transferência de ener-gia entre regiões, chamados “intercâmbios”.

Os submercados foram instituídos pelo DecretoNo. 2.655 de 3/7/1998. Conforme estabelece aResolução ANEEL No. 290/2000 de 3/8/2000, háquatro submercados até 2005 no Brasil: Sul, Su-deste, Centro-Oeste, e Norte - Nordeste. Para cadasubmercado há um preço da energia.

Os submercados brasileiros apresentam seus poten-ciais hidráulicos explorados em níveis bastante dife-rentes. Tem-se os submercados Sudeste e Nordestebastante explorados, enquanto os submercados Nor-te e Sul com grandes potenciais a serem explorados.

Enquanto todas as outras regiões do país já deti-nham um mercado de energia constituído antesde 1950, o da região norte passou a existir somen-te a partir de novembro de 1975 com a inaugura-ção da primeira usina hidrelétrica da região, a usi-na hidrelétrica de Coaracy Nunes.

Também em 1975, iniciaram-se as obras da usinahidrelétrica de Tucuruí. Esta iniciou sua operaçãoem meados de 1984.

Todavia, a partir de outubro de 1981, conforme[5][6], em face dos atrasos nas obras na usina hi-drelétrica de Tucuruí I, a entrada em operação dainterligação N/NE foi um modo de atenderemergencialmente a ALBRÁS uma vez o governobrasileiro já havia se comprometido com esta noII PND5.

Com a entrada em operação da interligação N/NE o excedente de energia produzido pela Chesfera repassado ao sistema de transmissão da Eletro-norte através da linha de 500 kV localizada entre ausina hidrelétrica de Sobradinho e a subestaçãode Presidente Dutra.

Na época, conforme [3], a explicação oficial paraa antecipação das obras desta interligação foidivulgada como sendo o meio de se evitar a conti-nuação de blecautes e racionamentos que ocorri-am no estado do Pará entre 1979 e 1980.

3.2. As Políticas Energéticas Brasileiras e Os GrandesConsumidores Industriais Eletro-Intensivos da RegiãoNorteNo passado, a política adotada pelo governo fede-ral foi de incentivar a instalação de indústriaseletro-intensivas em São Luís (Consórcio ALU-MAR) e na área do Projeto Carajás.

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Conforme [3], a usina hidrelétrica era indispen-sável para o suprimento de energia destes proje-tos. Outros estudos evidenciavam a importânciade tais projetos para a região [23].

“A aplicação da transformação hidrelétrica ao suprimentode eletricidade necessário a processos eletroquímicos, situaa economicidade como referência principal. Nessa aplicação,estão considerados a taxa de consumo de energia elétrica, afinalidade industrial, a eficiência operacional, o transportee o manuseio da matéria-prima.

Para a indústria eletroquímica em causa, as classes seletivassão:

a) Aquelas indústrias que não podem ser transferidas de locale que, independentes dos meios e do custo da energia, de-vem ser mantidas em razão da sua importância estratégica.São elas: as de refino de cobre, de zinco, de metais raros, daeletrosiderurgia e, também, as de materiais radioativos.

b)Aquelas indústrias que, existentes (ou que estão em adian-tado estágio construtivo), muito dependem do condiciona-mento com que se realiza o suprimento da energia elétricapara uma continuada ação empresarial ou para uma expan-são. São elas: as de alumínio, de ligas de aço, de álcalis, decarbo-cloro, de ácido sulfúrico, de soda cáustica, etc.”

Em [6] relata-se que, em setembro de 1974, apósa divulgação do II PND, a implantação de indús-trias altamente intensivas em energia elétrica apon-tava para a ocupação da Amazônia. Neste ano, aCompanhia do Vale do Rio Doce (CVRD) e umconsórcio de 32 empresas japonesas formaram ajoint-venture Alumínio Brasileiro (Albrás) com oobjetivo de implantar, em Vila do Conde, no Pará,a maior fábrica de alumínio do mundo. Nas nego-ciações com os empresários japoneses, as autori-dades brasileiras asseguraram o suprimento deenergia elétrica para o projeto com tarifas subsidi-adas. A fábrica da Albrás e a exploração do miné-rio de ferro da serra dos Carajás, também no Pará,ocuparam lugar de destaque entre os empreendi-mentos prioritários do II PND voltados para aintegração econômica da Amazônia e o fortaleci-mento da capacidade exportadora do país. Os doisprojetos sinalizaram o enorme aumento da deman-da de energia elétrica naquela região, justifican-do, em ampla medida, a missão confiada à Eletro-norte de promover o aproveitamento hidrelétricode Tucuruí no rio Tocantins.

Em [24] relata-se que a Albrás, localizada emBarcarena (PA), paga pelo megawatt-hora (MWh)US$ 12, enquanto a Alumar, de São Luiz (MA),desembolsa US$ 22. O custo de produção do MWhpela usina de Tucuruí, da Eletronorte, chega aUS$ 72. Neste também esclarece-se que a Albrásé uma associação na qual a Companhia Vale doRio Doce (CVRD) tem 51% das ações e o consór-cio com 32 empresas japonesas, o Nippon Amazon

Aluminium Co. (NAAC), detém os outros 49%.Já a produção de alumínio na Alumar é de 54%da Alcoa e 46% da BHP Billiton. Ambas as em-presas produziram, no ano de 2002, 776,1 mil to-neladas de alumínio.

Conforme [24], praticamente toda essa produçãode alumínio foi destinada ao exterior. Ela corres-pondeu a 88% das 881,4 mil toneladas de alumí-nio exportas em 2002. Ao preço médio de US$1.364 por tonelada do alumínio em 2002, Albrás eAlumar exportaram em torno de US$ 1,058 bilhão,ou 1,7% do total das exportações brasileiras. Em[24] também se afirma que cálculos da Eletronor-te apontaram que, os 20 anos de venda de energiaa preços mais baratos para as suas duas indústriasde alumínio, corresponderam a subsídios da or-dem de pelo menos US$ 2 bilhões.

Em [25] afirma-se que as duas indústrias de alu-mínio respondem por 3% do consumo energéti-co nacional e, que a tarifa subsidiada para as duas,desde 1984, custa 200 milhões de dólares ao anopois, corresponde ao dinheiro necessário paracobrir a diferença entre o custo da geração e opagamento da tarifa. No prazo de validade do con-trato, de 20 anos, a conta do subsídio, irá pararem US$ 5 bilhões.

Conforme [26], o então presidente da Eletronor-te, José Antônio Muniz Lopes, afirmou no dia 29de outubro de 2001 que não seria mais mantida atarifa subsidiada oferecida à fábrica de alumínioda Albrás:

“...Sob hipótese nenhuma, é possível manter a tarifa deenergia a 12 dólares por megawatt/hora, ...É a tarifamais barata do país.”

É importante ressaltar que este contrato de subsí-dio por 20 anos entre a Albrás e a Eletronorte ter-mina em 2004. Em [24] evidencia-se o fato dasindústrias de alumínio já estarem negociando jun-to ao governo federal e à Eletronorte a manuten-ção do subsídio.

Até o momento, todas as nossas pesquisas têm in-dicado que a geração do CHE Belo Monte estávoltada para suprir as regiões sudeste e nordestedo Brasil. Logo, poder-se-ia descartar as críticasque afirmam que a construção do CHE Belo Mon-te, a exemplo do que ocorreu com a construçãoda usina hidrelétrica de Tucuruí, objetiva o aten-dimento da expansão de grandes consumidoreseletro-intensivos já instalados ou que se instala-rão na região norte.

Contudo, em [27] relata-se que uma da alternati-vas de sistemas de transmissão associados ao CHE

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Belo Monte prevê a construção de linhas de trans-missão ao nível de 500 kV passando pelo estado doMato Grosso. Como a Companhia do Vale do RioDoce está realizando investimentos para extraçãode minérios de cobre no sul do estado do Pará, pró-ximo à fronteira com o estado do Mato Grosso, podeser que as críticas mencionadas sejam realmenteprocedentes pois, os custos das obras serão ratea-dos entre todo o povo brasileiro e os benefícios doCHE Belo Monte, ao exemplo do que já ocorre coma usina hidrelétrica de Tucuruí, propiciarão lucrosapenas para empresas multinacionais.

4. Os intercâmbios entre a Chesf e a EletronorteO sistema de transmissão Norte-Nordeste é forma-do pelas redes de transmissão de duas empresasregionais: Chesf e Eletronorte que são as respon-sáveis pelo suprimento de energia nas regiõesNordeste e Norte respectivamente.

Essas duas regiões são interligadas por um circui-to simples (uma única linha de transmissão) de500 kV com 1.800 km entre a usina hidrelétrica deTucuruí e as usinas hidrelétricas de Paulo Afonsoe Sobradinho conforme figura 9.

Em [28] são relatados os problemas de estabilida-de dinâmica com a carga da ALUMAR que causa-

Figura 9 – Sistema de Transmissão Norte-Nordesteem meados de 1986.Fonte: artigo técnico[28]

ram um blecaute de todo o estado do Maranhãoem julho de 1986. Noutro estudo, em [29], des-creve-se o esquema de controle de emergência queteve de ser adotado para se evitar a perda quesincronismo entre as usinas hidrelétricas da Ele-tronorte e Chesf associadas a oscilações do desem-penho da carga da ALUMAR. Um novo critériopara cálculo dos limites de intercâmbio na interli-gação Norte-Nordeste e o impacto na recomposi-ção do sistema de transmissão após grandes per-turbações é apresentado em 1995 [30] com basenos relatórios [31], [32] e [33].

4.1. Expansão do Sistema de Transmissão da RegiãoNorte

As obras de Tucuruí II já estão em andamento. Aotérmino, a capacidade desta usina hidrelétrica seráde aproximadamente 8.200 MW. O sistema detransmissão para transportar esta energia tambémjá se encontra em construção.

Para o horizonte de 2005 não há previsão de ex-pansão da transmissão no sentido de atender po-pulações da região norte. Os reforços programa-dos entre a UHE de Tucuruí e as subestaçõesMarabá e Açalândia objetivam aumentar a capaci-dade de transferência de energia do estado do Parápara a região nordeste. Ver mais detalhes na notatécnica de SEVÁ, PAULA e ARAÙJO, item 5.1.deste livro, após esse capítulo.

Na subestação de Marabá, por exemplo, há a pre-visão de instalação de um segundo banco deautotransformadores para atender a futuros pro-jetos de eletrointensivos até o ano de 2007.

O projeto Carajás, que é alimentado por uma li-nha de transmissão de 230kV está operando comuma carga 60 MW, contudo tem uma capacidadepor volta de 200 MW. Para atender outro projeto,o de Sossego, na região da cidade de Canaã dosCarajás, inaugurado em 2004, para a extração e aconcentração do minério de Cobre pela CVRD6,foi construída uma linha de transmissão de 230kVde 70km interligando a subestação de Paraupebasa subestação Marabá.

5. Os problemas e precauções com a ope-ração da interligação Norte-Sul

Tomada a decisão de construção da InterligaçãoNorte-Sul, justificada pelo benefício representadopelo ganho energético de ordem de 600 MW médi-os, aceleraram-se os processos de planejamento deforma a viabilizar, em tempo recorde a realização

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de estudos elétricos de todas as etapas envolvidasno projeto relacionados ao comissionamentooperativo da interligação conforme [34].

O início da operação da Interligação Norte-Sul re-presentou uma mudança significativa para o de-sempenho do Sistema Interligado Nacional (verfigura 2).

Em [35] relata-se que para o atendimento míni-mo de premissas operativas determinadas peloONS em seu manual de operação [36], exigiu aobservância de um limite no intercâmbio máximo.

Conforme [37], “a interligação Norte-Sul, inclu-indo a extensão da área Brasília até a áreaParanaíba, foi dimensionada para suportar limi-tes de transmissão da ordem de 1000 MW em am-bos os sentidos no trecho Imperatriz-Serra da Mesa.

Nem definida uma estratégia operativa para a In-terligação Norte-Sul I, já se encontra em constru-ção a Norte-Sul II. É evidente que para esta segundainterligação entrar em operação, serão necessári-os novos estudos elétricos e, novos esquemas deproteção contra grandes perturbações.

O CHE Belo Monte exige o funcionamento em ple-na operação das Interligações Norte-Sul I e II e, tam-bém, de uma terceira interligação já prevista para ohorizonte do SIN em 2007 segundo a figura 10.

Figura 10 – O Sistema Interligado Nacional planejado parao horizonte de 2007 sem incluir o CHE Belo Monte e seu

respectivo sistema de transmissão associado.Fonte: relatório técnico [38]).

6. As previsões de crescimento da deman-da na Região Norte

Nesta seção, avalia-se o crescimento da carga deenergia e de demanda para a região Norte para osanos de 2007 e 2012 com base na versão prelimi-nar do sumário executivo do Plano Decenal deExpansão 2003-2012 de dezembro de 2002 elabo-rado pelo Comitê Coordenador do Planejamentoda Expansão dos Sistemas Elétricos (CCPE) [39].

Pela Tabela 3 verifica-se que as previsões para a

Tabela 3 – Projeção de Crescimento da Cargapelo CCPE no Plano Decenal 2003-2012.

BrasilRequisitos dos Sistemas-Carga Atendida pelas Concessionárias. - Projeção de Referência(1)

2001 2002 ∆% 2007 ∆% 2012 ∆%

Carga de Energia (MW médios)

Norte Isolado (2) 1.217 1.005 -14,4 1.400 6,9 1.928 6,6

Norte Interligado (3) 2.415 2.581 6,9 3.776 7,9 5.314 7,1

Nordeste (3) 5.309 5.578 5,1 7.504 6,1 9.544 4,9

Sudeste/Centro-Oeste 23.524 24.668 4,9 31.446 5,0 39.796 4,8

Sul 6.514 6.689 2,7 8.734 5,5 11.099 4,9

Carga de Demanda (MWh/h)

Norte Isolado (2) 1.814 1.503 -18,4 2.067 6,6 2.807 6,3

Norte Interligado (3) 3.045 3.084 1,3 4.391 7,3 6.180 7,1

Nordeste (3) 8.187 7.440 -9,1 10.143 6,4 12.879 4,9

Sudeste/Centro-Oeste 39.736 32.110 -19,2 42.783 5,9 54.071 4,8

Sul 9.464 9.556 1,0 12.658 5,8 16.086 4,9

Obs.: (1) as taxas de crescimento são médias geométricas anuais do período. (2) sistemas da região Norte não interligadosao Sistema Interligado Nacional. (3) o consumo do Estado do Maranhão está considerado ao Sistema Norte, ao qual estáeletricamente interligado.Fonte: Relatório do CCPE [25]

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demanda na Região Norte em meados de 2012apresentam valores totais inferiores a capacidadeinstalada final que a UHE de Tucuruí ofereceráao final das obras da etapa Tucuruí II. A parcelada região Norte abrangida pelo Sistema Interliga-do Nacional apresenta uma projeção de Carga para2007 de 3.776 MW e, em 2012, de 5.314 MW. Am-bos são bem inferiores aos 8.200 MW que a usinahidrelétrica de Tucuruí irá oferecer.

6.1. Desenvolvimento Regional e Expansão da Gera-ção na Região Norte

No artigo [25] questiona-se muito bem o bordão:“energia é desenvolvimento.” Segundo este traba-lho, há mais de uma década, o estado do Pará é oquinto maior produtor e o terceiro maior expor-tador de energia do país devido à usina hidrelétri-ca de Tucuruí. Esta é responsável por 8% da capa-cidade instalada de geração em todo o Brasil.

Contudo, no estado do Pará, embora a CELPA7

esteja presente em todos os municípios do estado(total de 143), apenas 67,3% da população do es-tado é atendida por ela conforme [41].

Segundo [20][27][38][39][40] a expansão doparque hidrelétrico na região norte continuaráseguindo a diretriz da exportação. Seja exportan-do energia para as outras regiões do país (sudestee nordeste), seja exportando energia através doalumínio ou do cobre fabricados com tarifas elé-tricas subsidiadas.

Dos estudos de alternativas para os sistemas detransmissão associados ao projeto CHE Belo Mon-te, [20] e [27], pode-se inferir que todos os 11.000MW serão transferidos para o sudeste e nordestedo país. Uma quantidade equivalente a quase 20%da atual produção energética brasileira.

É correta a afirmação em [25] que “a energia só édesenvolvimento quando fomenta processos eco-nômicos no mesmo lugar, criando efeitomultiplicador na atividade produtiva interna” (nopróprio estado). Conforme [25], “por força dosplanos federais, o Pará tem sido obrigado a passarem frente energia bruta, no máximo ligeiramentetransformada. Quase um terço da energia produ-zida pelas turbinas de Tucuruí vai para outros Es-tados, onde é transformada em bens de maior va-lor agregado.” Isto é, infelizmente, o estado do Parátem sido tratado como uma província energética.

7. Características técnicas do sistema de trans-missão Aassociado ao Projeto Belo Monte

Em [40] são apresentados os estudos prelimina-res para escolha da rede de transmissão associadaao projeto CHE Belo Monte.

As alternativas de transmissão associadas ao CHEBelo Monte analisadas, segundo [20] foram:• Corrente Alternada em 500 kV;

• Corrente Alternada em 765 kV;

• Corrente Contínua em ±600 kV;

• Corrente Alternada em 500 kV passando peloestado do Mato Grosso;

• Corrente Alternada mista em 500 kV/765 kV.

Por [39] e [40] verificou-se que a opção pelos qua-tro circuitos de 765 kV foi a opção escolhida.

No relatório do CCPE [39] são apresentadas duastabelas distintas. Uma denominada de Sistema deConexão (Tabela 4) e outra de Reforços da RedeBásica (Tabela 5).

Pelas tabelas acima se verifica que a confirmaçãopela opção de corrente alternada em 765 kV, se-gundo o relatório do CCPE,

Tabela 4 – Empreendimentos Necessárias parao Sistema de Conexão de CHE Belo Monte.

Sistema de Conexão

Linhas de Transmissão kV km Data Circuito

Belo Monte - Marabá 765 407 Mar 2010 1

Belo Monte - Marabá 765 407 Set 2010 2

Belo Monte - Marabá 765 407 Dez 2012 3

Marabá - Colinas 765 345 Mar 2010 1

Marabá - Colinas 765 345 Set 2010 2

Marabá - Colinas 765 345 Dez 2012 3

Fonte: Relatório do CCPE

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Tabela 5 - Empreendimentos Necessárias parao Reforço da Rede Básica (SIN).

Reforços da Rede Básica

Linhas de Transmissão kV km Data Circuito

Colinas - Gurupi 765 430 Mar 2010 1

Gurupi - Rianópolis 765 410 Mar 2010 1

Rianópolis - Emborcação 765 425 Mar 2010 1

Emborcação - Poços 765 450 Mar 2010 1

Poços - Itajubá 500 95 Mar 2010 2

Itajubá - Cachoeira Paulista 500 100 Mar 2010 2

Colinas - Gurupi 765 430 Set 2010 2

Gurupi - Rianópolis 765 410 Set 2010 2

Rianópolis - Emborcação 765 425 Set 2010 2

Emborcação - Araraquara 765 410 Set 2010 1

Araraquara - Campinas 500 172 Set 2010 2

Emborcação - Poços 765 450 Set 2010 2

Emborcação - Bom Despacho 765 375 Dez 2011 1

Bom Despacho - Neves 500 132 Dez 2011 2

Bom Despacho - SGPará 500 36 Dez 2011 2

SGPará - Ouro Preto 500 120 Dez 2011 2

Colinas - Gurupi 765 430 Set 2012 3

Gurupi - Rianópolis 765 410 Set 2012 3

Rianópolis - Emborcação 765 425 Set 2012 3

os “estudos realizados permitiram identificar que as alterna-tivas de transmissão mais recomendáveis eram aquelas commaior acoplamento ao restante da rede, principalmente coma malha em 500 kV das Interligações Norte – Sul (Sudeste),Norte - Nordeste e de integração de usinas ao longo dos riosTocantins e Araguaia. Dentre as alternativas identificadas queatenderiam a esta premissa, a de conexão à subestação Coli-nas, em corrente alternada, com quatro circuitos em 765 kV,foi então considerada a mais indicada. Como parte dessesestudos, foi realizada uma avaliação preliminar dos reforçosna Rede Básica das regiões Sudeste e Nordeste, com a defini-ção de novos empreendimentos.”

Tanto em [39] como em [27] constatou-se que háganhos (redução das perdas e possibilidade demaior intercâmbio com a região nordeste), casoocorresse conexões entre o sistema de transmissãoassociado ao projeto CHE Belo Monte e a interliga-ção Norte/Sul.

Segundo [27], com base em estudos energéticos,a região nordeste é um mercado importante, ain-da totalmente dependente da hidrologia do rio SãoFrancisco e deve sempre ser considerada a alter-nativa de exportação de energia do sistema Norteou do sistema Centro-Oeste para complementar osuprimento da Chesf.

Foram analisadas as localizações e subestações exis-tentes que poderiam ser pontos de conexão entreo SIN e o sistema de transmissão associado ao CHEBelo Monte. As subestações e locais cogitados parase realizar a conexão foram: Tucuruí, Marabá, Im-peratriz, Açalândia, Colinas, Miracema, Gurupi eEstreito.

Conforme [20] o projeto de CHE Belo Monte possuiuma “característica peculiar de poder gerar cerca de11.000 MW durante o período chuvoso do rio Xin-gu, cerca de cinco meses do ano, e de apenas 1.000MW durante o período seco.” Neste, ressalta-se, ain-da, que no período seco deve ser evitado o desliga-mento das linhas de transmissão associadas ao CHEBelo Monte como meio de se evitar vandalismos efurtos de equipamentos das mesmas e das subestações.Tal fato implica na instalação de equipamentos adici-onais pois, as linhas irão operar em vazio. Do perío-do chuvoso para o seco o intercâmbio é reduzido em90% (de 11.000 MW para 1.000 MW).

É importante ressaltar também que, independen-te da escolha do tipo de sistema de transmissãoassociado ao projeto, (se corrente alternada ou

Fonte: Relatório do CCPE

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corrente contínua), a construção dessas linhas detransmissão implicará na importação de equipa-mentos para transmissão em corrente contínua oupara a compensação de reativos caso se escolha aopção de corrente alternada. Tal fato deve ser le-vado em consideração pois, os custos das obras deconstrução de um sistema de transmissão desteporte são da ordem de bilhões. Logo, a importa-ção de equipamentos pode afetar desfavoravelmen-te a balança comercial brasileira.

Ademais, é importante evidenciar que algumas dasobras associadas ao projeto CHE Belo Monte jáestão sendo realizadas ou já foram licitadas (casoda LT Norte –Sul III, e de reforços em subestações).Não é correto entretanto deixar de computar taisinvestimentos na divulgação dos montantes dasobras associadas sistema de transmissão do proje-to CHE Belo Monte.

8. O destino da energia hipotética de BeloMonte

Em [38], apêndice 6 do relatório final dos Estu-dos de Viabilidade do projeto CHE Belo Monte,considera-se que os principais centros de cargasdo país, entre 2008 e 2013, ainda, estarão nas regi-ões Sudeste/Sul e Nordeste.

Nos relatórios de estudos de viabilidade, [38] e [40],justifica-se a construção da complexo hidrelétricocomo forma de atender aos crescimentos das de-mandas das regiões Sul/Sudeste e Nordeste. Tal fatoé ratificado pelo trabalho que estudou as alternati-vas de transmissão associadas ao projeto [20]:

“Os estudos consideraram a representação de todaa malha das regiões Norte/Nordeste e Sudeste/Centro-Oeste para o horizonte de 2013 e para osanos intermediários de 2008 e 2010. Levou-se emconta o Plano Indicativo da Eletrobrás para a ex-pansão da transmissão e geração das regiões emanálise. O cenário estudado é o Norte Exportador,ou seja, a região norte, incluindo o projeto CHEBelo Monte, as usinas de Tucurui I e II e as usinasdo Médio Tocantins e Araguaia, injetando o máxi-mo de potência para as regiões Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste.”

Aliás, é importante ressaltar novamente que nadaimpede que se escolha a opção de um sistema detransmissão associado ao CHE Belo Monte atra-vessando o estado do Mato Grosso. Neste caso,muito provavelmente, a energia seria utilizada paraatender a expansão da indústria do cobre e do ní-quel no estado do Pará (região de São Felix doXingu) numa rota que se ligaria com o extermaLeste da fronteira MT/Pará.

9. A imprecisão do valor a ser investido nosistema de transmissão associado ao pro-jeto CHE Belo Monte

Uma avaliação econômica deve levar em conside-ração a metodologia utilizada para calcular o in-vestimento necessário e, também, uma aferição dosvalores numéricos obtidos.

O enfoque neste trabalho se aterá ao valor finalpois, do contrário, se escreveria um outro capítuloapenas para se analisar a metodologia de avaliaçãoeconômica empregada na definição do valor líqui-do calculado para o projeto CHE Belo Monte. Con-tudo, analisar somente o valor final do investimen-to necessário ao sistema de transmissão associadoao projeto, numa situação de excesso de informa-ções divergentes, já é uma tarefa árdua.

O intervalo de valores divulgados pelos órgãos ofi-ciais oscila de US$ 2 bilhões a US$ 6 bilhões con-forme [25][27][39][42][43][44][45][46]. Embo-ra a cotação do dólar utilizada em [27] seja otimis-ta (US$ 1 = R$ 2,38), os valores divulgados mostra-ram-se mais realistas ainda conforme tabela 6.

Em [42] relata-se que toda a obra do projeto CHEBelo Monte, construção das barragens e das li-nhas de transmissão, requer investimentos de US$6,5 bilhões.

No dia 30/10/2001, conforme [26] e [43], o en-tão presidente da Eletronorte, José Antônio MunizLopes, anunciou que os investimentos necessáriospara se construir o sistema de transmissão seriamda ordem de US$ 2 bilhões.

Para [45], os recursos destinados para a rede detransmissão também são de US$ 2 bilhões.

Já em [25], divulgou-se a quantia de US$ 2,8 bilhões.Segundo [44], as obras da rede de transmissão do CHEBelo Monte seriam da ordem de US$ 2,7 bilhões.

Em [46] Relata-se que o então presidente da Ele-trobrás, Cláudio Ávila, anunciou que o custo totalde Belo Monte era US$ 7 bilhões. Desse total, US$3 bilhões seriam gastos na parte de geração e US$4 bilhões na transmissão. Na época, ainda não es-tava decidido se todos os trechos de transmissãoseriam incluídos na mesma licitação. Do total deUS$ 4 bilhões, US$ 2 bilhões seriam para as linhasde transmissão de energia que partem do CHEBelo Monte até a subestação Colinas, no estadodo Tocantins. Os outros US$ 2 bilhões seriam ne-cessários para a construção do trecho de ligaçãocom as regiões Nordeste e Sudeste da país.

Pela segunda coluna da tabela 6, constata-se quepara [27], os valores de investimentos estão entre

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4 e 6 bilhões de dólares apenas para o sistema detransmissão.

Como já mencionado na seção 7 deste estudo (vertabelas 4 e 5), e, em [39], as obras referente à redede transmissão do projeto CHE Belo Monte foramdivididas em dois tipos: sistemas de conexão; e,reforços da Rede Básica. Consequentemente, deve-se ter sempre o cuidado nas análises econômicasdos investimentos anunciados para o sistema detransmissão. É importante verificar se o valor di-vulgado engloba os dois tipos de obras pois, suporque os reforços na Rede Básica seriam realizadosindependentemente da construção do CHE BeloMonte implica em valores de investimentos me-nores. Os investimentos com reforços da RedeBásica são descontados do total dos investimentosnecessários ao sistema de transmissão associadosao projeto CHE Belo Monte. Cria-se, então, comojá se verificou outras vezes com a empresa

Elertronorte, uma falsa impressão de que houveuma redução/economia nos custos com transmis-são do projeto

É evidente que os responsáveis por obras que en-volvem grandezas de investimentos de bilhões dedólares devem elaborar e apresentar projetos mui-to bem detalhados. Qualquer erro no destino dosrecursos dos sistemas de transmissão poderiamresultar em perdas de milhões de dólares que po-deriam estar sendo aplicados em outros setores davida nacional, saúde, educação, programas sociais.

10. O Projeto CHE Belo Monte e o PlanoPlurianual de Investimentos 2004-2007

As ações na área de infra-estrutura, para a regiãoAmazônia, previstas no PPA 2004-2007 (Plano Plu-rianual) demonstra o empenho do atual gover-no em, mesmo diante de inúmeras contradições

Tabela 6 – Análise Econômica das Alternativas dos Sistemasde Transmissão Associados ao projeto CHE Belo Monte.

(Fonte: artigo técnico [27]).

Custos das Alternativas de TransmissãoAno Inicial - 2008 US$ 1,00 = RS$ 2,38

Juros Durante a ConstruçãoLinhas - 20% Taxa de Desconto - 11%

Subestações - 20% CME - 36 US$/MWh

Alternativas VPL VPL+Jur+Per % US$/MWhUSUS$/kh

Nº Configuração 3-2-1 Milhões US$

1 CA 500kV 3.738,38 5.004,76 126 19,55 455,0

2 CA 750kV 3.731,79 4.809,83 121 19,59 437,3

3 CC 600kV 3.251,88 4.388,28 110 17,63 398,9

4 CA 500kV - Rota MT 4.206,64 5.598,45 141 21,74 509,0

5 CA 750kV e CA 500kV 3.885,00 4.949,63 124 20,08 450,0

6 CC 600kV e CA 500kV 4.845,44 8.293,10 158 25,52 572,1

7 2 CC 600kV - SE e1 CA 500kV - NE 3.350,21 4.379,27 110 17,65 398,1

8 CA 500kV CSP 3.398,78 4.597,23 116 17,92 417,9

9 CA 750kV CSP 3.040,32 3.980,06 100 16,18 361,8

10 CA 750kV DESACOP 4.076,98 5.320,19 134 21,64 483,7

Configuração 4-3-1

CA 500kV 4.266,91 5.445,26 137 20,97 495,0

CA 750kV 3.622,67 4.531,95 114 18,26 412,0

CA 500kV - Rota MT 4.671,88 6.050,73 152 23,19 550,1

CA 750kV CSP 3.206,92 4.033,06 101 16,22 366,6

CA 500kV MT CSP 4.331,71 5.642,76 142 21,66 513,0

Obs.: Valor presente total referido a abril de 2008CSP - Compensação Série Passiva

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presentes na construção do projeto CHE BeloMonte, manter este mega-projeto vivo. Indepen-dentemente dos inúmeros alertas de grupos am-bientais e, principalmente, daqueles que fiscali-zam a aplicação das verbas públicas e combatemo super faturamento de obras.

O Plano Plurianual elaborado pelo Governo Fe-deral é composto por Programas. Estes são consti-tuídos por ações. Três grandes objetivos nortearama construção do último Plano: (a) inclusão sociale redução das desigualdades sociais; (b) crescimen-to com geração de renda e emprego, ambiental-mente sustentável e redutor das desigualdades re-gionais e (c) promoção e expansão da cidadania efortalecimento da democracia.

Os valores das ações presentes na seleção abaixoreferem-se ao quadriênio 2004-2007 e representamuma previsão de gastos que devem ser confirma-dos na Lei de Diretrizes Orçamentárias de cadaano. Também é importante notar que algumasobras têm o custo total superior ou inferior aoapresentado neste PPA. Isto acontece nos casos emque a obra já foi iniciada ou será finalizada em umperíodo fora da vigência deste plano plurianual,como é o caso da construção do projeto CHE BeloMonte. As ações do Plano Plurianual são divididasem dois grupos: Orçamento da União, onde estãoas ações que contarão com investimento direto doGoverno Federal; e Investimentos em parcerias,para aquelas a serem realizadas com participação,parcial ou total, do capital privado.

Conforme [48], volume 6 do PPA 2004-2007, relati-vo ao grupo do Orçamento da União, no programa0297 (Energia na Região Norte), Ação 1907 (Estu-do de Viabilidade de Implantação da Usina Hidre-létrica de Belo Monte -PA), previu R$ 8.100.000 paraà Eletronorte (órgão 32000; unidade 32224 – clas-sificação adotada pelo governo federal).

Pelo PPA, verifica-se que apenas 79% do estudode viabilidade já foi executado. Se, em 2004, osestudos de viabilidade ainda não se encerram, umleitor mais atento se perguntará qual o percentualestudado na época das tentativas anteriores deconstrução do projeto CHE Belo Monte.

Em face dos três grandes objetivos que nortearameste Plano, em especial o segundo, indicado pelaletra (b) - crescimento com geração de renda eemprego, ambientalmente sustentável e redutordas desigualdades regionais – pelo já apresentadoaté aqui, verifica-se que em nada o projeto CHEBelo Monte atende a este objetivo. Estranhamente,não se obteve dos órgãos oficiais uma explicaçãoforte de porquê ainda se destinam verbas a este

projeto, quando certamente estariam sendo me-lhor aproveitadas noutros projetos de maior inte-resse da sociedade.

11. ConclusõesComo mencionado várias vezes ao longo desse es-tudo, os aproveitamentos hidrelétricos das regiõessudeste e nordeste já foram quase totalmente ex-plorados. As previsões de crescimento na deman-da por energia nestas regiões só poderá ser aten-dido a partir da transferência de energia de ou-tras regiões do país, ou então, de outros países.

No intuito de atender o crescimento do submer-cado de energia da região sudeste, o governo fe-deral adotou, a partir de 1995, duas políticasenergéticas: construção do gasoduto Brasil-Bolívia;e, construção da interligação Norte-Sul.

A primeira tinha como objetivo a importação degás natural da Bolívia. Dessa forma, se produziriaenergia elétrica em usinas termelétricas próximasaos principais centros de carga da região sudeste.Evitar-se-ia, assim, os gastos com a construção delinhas de transmissão.

A segunda opção visava atender à demanda da re-gião sudeste através do intercâmbio dos exceden-tes de energia da região norte para a sudeste. Con-tudo, a transferência de energia a grandes distân-cias resultou em procedimentos especiais na ope-ração do Sistema Interligado Nacional que limita-ram o intercâmbio a 1.000 MW.

Das 49 usinas previstas no Plano Prioritário de Ter-melétricas (PPT), menos de dez usinas foram insta-ladas e, a maioria delas, com capacidade parcial.Além disso, estas usinas térmicas enfrentam gran-des litígios contratuais com a sócia Petrobrás e comas distribuidoras regionais de eletricidade quandooperam apenas com as turbinas a gás. Ou seja, semo ciclo combinado previsto no projeto original e,portanto, com menor eficiência, maior custooperacional e maior taxa de poluição. Alguns dosobstáculos para a implantação deste programa PPTforam as incertezas quanto ao preço do gás naturalimportado da Bolívia (este é cotado em dólar),quanto aos tipos de contratos e preços de venda deeletricidade, e em alguns casos, principalmente noestado de São Paulo, dificuldades na obtenção daslicenças ambientais, e situações de questionamen-to ou rejeição do projeto no município previsto.

O racionamento de eletricidade em meados de2001, causado principalmente pelo esvaziamen-to de importantes reservatórios da região sudes-te, foi agravado também pela inexistência de uma

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capacidade térmica que pudesse complementara oferta, e pela impossibilidade de se transferirgrandes fluxos de energia entre as regiões.

Aliás, a suposta complementaridade hidrológicaque existe entre as bacias dos rios São Francisco/Tocantins e Iguaçu/Uruguai, argumento utiliza-do para a construção das interligações Norte-Sul Ie II, e, agora, do projeto Belo Monte, seria melhoravaliada se fossem comparados os regimes hidro-lógicos do rio Xingu e do rio Paraná onde fica usi-na hidrelétrica de Itaipu. Dessa forma se estariacomparando capacidades instaladas próximas,11.100 MW e 12.600 MW, respectivamente. Não seestaria analisando a complementaridade com usi-na hidrelétrica de outro país que nem tem possi-bilidade de se interligar com grande capacidadede transporte, com o sistema elétrico brasileiro acurto ou médio prazo (sistema brasileiro evenezuelano).

Não havia até meados de 2004, nenhum projetotécnico consistente para expandir o sistema detransmissão brasileiro de forma a integrar umausina como Belo Monte, nem um palnejamentode operação que compensasse os meses em queBelo Monte não despachasse 11 mil megawatts,nem metade disto, para o Sistema Interligado Na-cional. Não faria sentido decidir por investimen-tos bilionários numa usina que produziria gran-des fluxos de energia elétrica durante poucos me-ses do ano. É importante evidenciar que, confor-me já mencionado, o projeto CHE Belo Montepossui uma característica peculiar que permitegerar com potência de cerca de 11.000 MW ape-nas durante o período chuvoso do rio Xingu (cer-ca de cinco meses do ano). No período seco eleirá terá potência na faixa de 1.000 MW (v. notatécnica no item 5.2 deste livro a seguir). Essa ca-racterística peculiar implica também num investi-mento muitíssimo peculiar pois, serão aplicadosaproximadamente US$ 4 bilhões num sistema detransmissão com 4 circuitos de linhas de transmis-são (considerando a opção de CA 765 kV). Cadaum dos circuitos terá ± 2.000 km. Tudo isso paratransportar energia na capacidade máxima apenasdurante 5 meses do ano.

No período de seca, quando se produzirá 1.000MW, para se transferir energia para a região su-deste, pode-se utilizar, por exemplo, ou asinterligações Norte-Sul I ou II.(ver detalhes notatécnica do item 5.2. deste livro )

Essa expansão da malha de transmissão na regiãoamazônica é, além disto, estrategicamente concor-rente com os interesses da maior empresa estatal

brasileira, a Petrobrás. Esta já está investindo sig-nificativamente na construção de gasodutos nointuito de atender à demanda das usinastermelétricas próximas às principais capitais daregião. Demonstra-se assim um princípio de con-tradição, no âmbito de um planejamento energé-tico que deveria ser coerente em âmbito nacional.Embora tanto a Petrobrás quanto a Eletrobrás se-jam empresas públicas ligadas ao mesmo ministé-rio, Ministério das Minas e Energia, tudo indicaque as empresas adotam políticas de investimen-tos independentes e concorrentes.

A imprecisão e segredos que estão sendo manti-dos desde a concepção inicial do projeto em mea-dos de 1980 versam sobre pontos cruciais do pro-jeto: quantidade de energia que será produzidapelo CHE Belo Monte ao longo do ano (definiçãodistinta de capacidade instalada); o valor real a serinvestido no sistema de transmissão; e, o destinoda energia a ser produzida no CHE Belo Monte.

A usina hidrelétrica de Tucuruí, concebida sob oregime militar, resultou em subsídios da ordem deUS$ 2 bilhões para as indústrias de alumínio.

Atualmente, no estágio que a democracia brasilei-ra alcançou, cabe um amplo debate junto à socie-dade para a escolha da política energética a ser ado-tada no país e a quem ela beneficiará. A forma dese financiar obras da ordem de bilhões de dólarese, também, de se conceder subsídios relacionadosà energia elétrica devem ser objeto de debates coma sociedade. Embora nossas pesquisas tenham in-dicado que, até meados de 2004, o destino maisprovável para a energia do projeto CHE BeloMonte seria a região sudeste, começa a se tornarprovável também um outro destino prioritário:atender a expansão de indústrias eletro-intensi-vas na região norte do país, o projeto Sossego eoutros da CVRD para extração de cobre e ouro,o projeto de níquel da empresa canadenseConoco, ambos próximos de São Felix do Xingu,a ampliação do processamento de bauxita e defundição de alumínio, na região de Paragominase na região de Santarém.

Manter em sigilo informações sobre o destinodos recursos que serão aplicados no projeto CHEBelo Monte e, também, sobre o destino da suaeletricidade, sob a alegação de segredo comer-cial ou de segurança nacional, não é mais acei-tável no atual contexto político que o Brasil vive.O nível de maturidade que a sociedade brasilei-ra alcançou permite a ela escolher a melhor for-ma de se aplicar um montante tão grande quan-to os US$ 7 bilhões previstos.

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Em princípio, se forem recursos federais, estespoderiam ser aplicados nos setores de educação,saúde e em projetos da área social. Tendo em vistaque o governo brasileiro não tem capacidade pararealizar investimentos deste porte, certamente seránecessário obter empréstimos, financiamentos,que podem resultar no aumento das dívida exter-na, interna, ou de ambas.

É provável que a iniciativa privada venha a partici-par na composição do investimento necessáriopara a construção do projeto CHE Belo Monte.Entretanto, nenhum investidor faz caridade ao

aplicar seu dinheiro. Como então “garantir lucros”para os investidores por meio de hidrelétricas pro-duzindo em sua capacidade máxima apenas du-rante o período mais chuvoso no rio Xingu (cercade cinco meses do ano)?

Antes de se lançar qualquer edital de licitação paraa construção do projeto CHE Belo Monte, o fatoque insistimos nesse capitulo, é que as muitas dú-vidas sobre o projeto ainda devem ser respondi-das, principalmente sabendo-se que seriam obras,equipamentos e mercados da ordem de bilhõesde dólares.

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Notas

[1] Ventura, A. Fo. Panorama da Ofer-ta de Energia Elétrica. Revista do Ser-viço Público. No. Especial Ano 43, Vol.114, p. 12-13. ISSN 0034/9240.

[2] Vian, A. Sistemas de Transmissão ea Transmissão a Longa Distância: Con-ceitos Básicos. Revista do Serviço Pú-blico. Nº. Especial Ano 43, Vol. 114, p.42-45. ISSN 0034/9240.

[3] Memória da Eletricidade. Panora-ma do Setor de Energia Elétrica noBrasil. Rio de Janeiro: 1988. ISBN 85-85147-03-2.

[4] Biblioteca do Exército. A EnergiaElétrica no Brasil (da primeira lâmpa-da a Eletrobrás). Rio de Janeiro: 1977.CDD 621.310981.

[5] Eletrobrás. Relatório Técnico defevereiro de 1978. Definição das Fun-ções de Supervisão e Coordenação daOperação do Sistema Interligado doBrasil. Consórcio HidroService-SCI.

[6] Memória da Eletricidade. O plane-jamento da expansão do setor de ener-gia elétrica: a atuação da Eletrobrás edo Grupo Coordenador do Planejamen-to dos Sistemas Elétricos (GCPS). Riode Janeiro: 2002. ISBN 85-85147-53-9.

[7] Gama, C.A.; Lima, D.A.; Araujo,E.M.A.; Simões, F.R.A.; Pinto, H.C.P.;Gribel, J.B.; Cavalcanti, J.A.; Gama,M.F.; Souto, R.V.; Eiras, M.J.X.; Leoni,R.L.; Santos, M.A.; Fraga, R.; Mâcedo,N.G.L.; Balaban, S.; Martins, N.;Albuquerque, V.O. Dimensionamentoda Transmissão da Interligação Norte-Sul Contemplando Inovações Metodo-lógicas Relacionadas a AspectosEnergéticos. XIV SNPTEE – GPL 12.Belém, 1997.

[8] Relatório da Comissão de Análisedo Sistema Hidrotérmico de EnergiaElétrica criada pelo Decreto Presiden-cial em 22/05/2001 (DOU No 99-E de23/05/2001 pág. 4 seção 1) Coorde-nador: Jerson Kelman.

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[11] Lessa, C.; Rosa, L.P.; Oliveira, A.;Benjamin, C.; Costa, D.; Mello, H.;Pochmann, M.; Metri, P.; Lessa, R.;D’araújo, R.P.; Soares, S.; Victer, W.;Guimarães, S.P.; Klagsbrunn, V.H. OBrasil à Luz do Apagão. Ed. Palavras &Imagem: Rio de Janeiro, 2001. ISBN85-88099-06-3.

[12] COOPERS &LYBRAND. EtapaVII – Projeto de Restruturação do Se-tor Elétrico Brasileiro. Relatório con-solidado. Volume II: Relatório Princi-pal. SEN/ Eletrobrás. Brasília, 1997.

[13] Ellis, M.F.; Ferreira, L.E.S. As Cri-ses Energéticas na Califórnia e no Bra-sil em 2000/2001 e suas Relações comos novos Modelos Setoriais Adotados.VIII SEPOPE. Informe: IP-143. Brasília.Maio, 2002

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[15] Seção Legislação de:www.aneel.gov.br

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[22] Site da GasPetro em 01/09/2003:www.gaspetro.com.br/termelet.htm

[23] Mattos, D.J.; Ribeiro, M.J.;Menezes, A.A.; Mello, J.C.P. Atenuaçãodos Efeitos devidos à Produção de Har-mônicos em Sistemas Elétricos Causa-da por Grandes Retificadores. VIISNPTEE. GSP Nº 37. Brasília, 1984.

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[28] Martins, A.C.F.; Flarys, L.F.H.;Lima J.F.; Lama, M. Tavares, P.C.C.;Alves, E.S. Dynamic Performance ofthe Interconnected North / North-eastern System as Influenced by theLoad of the Industrial Consumer ALU-MAR. I SEPOPE – SP36. Rio de Janei-ro, 1987.

[29] Vieira, X, Fo; Prado, H.V., Jr.;Cisneiros, S.J.N.; Pires, A.S. EmergencyControl Schemes in the North/Northeastern Interconnected System.I SEPOPE – SP4. Rio de Janeiro, 1987.

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[30] Cavalcanti, J.A.; Simões, F.R.A.;Martins, W. Silva, J.M.M. Obtenção deum Critério com Risco para Cálculodos Intercâmbios Limites na Interliga-ção N-NE e o Impacto na Recomposi-ção do Sistema após Grandes Pertur-bações. XIII SNPTEE - GAT 02.Florianópolis, 1995.

[31] Relatório Técnico. IntercâmbiosMáximos na Interligação N/NE – Pe-ríodo 1992/2006. RT GCPS-CTST-GTEI 036.92.

[32] Relatório Técnico. Investigaçãodo Desempenho dos Sistemas Norte eOeste da Chesf período 1998/2000.NT-SGNO-02/91.

[33] Relatório Técnico. Determinaçãodos limites da transmissão da Interli-gação N-NE, no período de 1995 a1999. SCEL-GTAS/NO-18/94.

[34] Santos, M.G.; Gomes, P.;Monteath, L.; Luz, J.C.F.; Schilling,M.Th.; Ferreira, L.E.S.; Martins,A.C.B., Macedo, N.J.P., Silva, I.J., Fo.Interligação Norte-Sul: Desafios, Pro-blemas, Soluções e Perspectivas paraa Operação Elétrica Integrada Nacio-nal. XV SNPTEE. – GAT 14. Foz doIguaçu, 1999.

[35] Santos, M.G.; Ordacgi, J.M. Fo;Martins, S. B.; Gebien, H., Fo; Martins,C.G.; Alves, S.R.M.; Martins, A.C.B.;Silva, I.J., Fo; Lima, R.C. Investigaçãode Perda de Sincronismo entre os Sis-temas Interligados Norte-Sul devido aImpacto Severo de Geração no Siste-ma Interligado Sul-Sudeste: Identifica-ção do Problema e Propostas de Solu-ção através de Esquemas Especiais deProteção. XV SNPTEE. – GAT 15. Fozdo Iguaçu, 1999.

[36] Gomes, P.; Viotti, F.A.; Santos,M.G.; Ordacgi, J.M., Fo; Ferreira, S.T.;Alves, S.R.M.; Massaud, A.G.; Duarte,A.C.R. Experiência na Aplicação deProteção Para Perda de Sincronismono SIN. XVII SNPTEE, GAT 12. Uber-lândia, 19 a 24 de outubro de 2003

[37] Gama, C.; Rodrigues, V. Colapsode Tensão: Uma Abordagem sobEnfoque Dinâmico e uma Proposta deSolução usando Compensação SérieControlada. XVI SNPTEE – GAT 021.Campinas, 2001.

[38] Complexo Hidrelétrico de BeloMonte. Estudos de Viabilidade. Rela-tório Final. Apêndice 6: Sistema e

Subsistema de Transmissão. Brasília,2002.

[39] Sumário Executivo do PlanoDecenal de Expansão 2003-2012: Ver-são Preliminar. Dezembro, 2002. Comi-tê Coordenador do Planejamento daExpansão dos Sistemas Elétricos –CCPE.

[40] Estudo de Viabilidade da Inser-ção do Complexo Hidrelétrico deBelo Monte: Análise dos Sistemas Re-ceptores das Regiões Sudeste/Centro-Oeste e Norte/Nordeste. Rio de Janei-ro, 26/Abril/2002. Revisado em 08/MAI/2002.

[41] Informações divulgadas nainternet no sítio da CELPA: http://www.gruporede.com.br/cgi-bin/cfml?template=/index.cfm&id=218em 31/10/2003.

[42] Pinto, L.F. Ao ser reaquecida porBrasília. Jornal Estado de São Paulo. 9/10/2001.

[43] Gondim, A. Obstáculos para er-guer nova usina. Jornal do Brasil de 1/11/2001.

[44] Pinto, L.F. UHE Belo Monte: Amaior a fio d’água do mundo. AgendaAmazônica No. 19, Ano II. Março de2002.

[45] Cucolo, E. Edital de hidrelétricade Belo Monte deve sair em agosto.Folha on Line. Brasília/DF. 4/3/2002.

[46] Marques, G. CNPE estudará via-bilidade de Belo Monte. Jornal Estadode São Paulo de 5/3/2002.

[47] Gazeta Mercantil Norte de09/03/2001 Belém – PA http://www.investnews.net

[48] Diário Oficial da União de 19 dejaneiro de 2004. Suplemento. Pág. 17e 147. ISSN - 1676-2339

[49] Relatório de Pesquisas de Camponos Sistemas Elétricos do Pará (Belém,Tucuruí, Marabá) e do Maranhão (Im-peratriz ) no Período de 26.09.2003 a19.10.2003 financiada pelo IRN -International Rivers Network.

NOTAS1 Conjunto de projetos de construçãode usinas térmicas que, em sua maio-ria, previam a queima de gás natural.O Plano Prioritário de Termelétricas(PPT) foi lançado em 2000 pelo então

ministro das Minas e Energia, RodolfoTourinho. hoje senador pelo PFL daBahia.2 hidraulicidade é a relação entre asafluências no período observado e asafluências correspondentes a um mes-mo período no ano médio. O termoafluências corresponde aos volumes deágua que passam numa dada seção (nocaso, parte do rio), durante um perío-do de tempo determinado. (Glossáriode Termos Energéticos Produzido pelaCoordenação Geral de InformaçõesEnergéticas Secretaria de Energia doMinistério de Minas e Energia. sítio:h t t p : / / w w w. e c e n . c o m / e e e 1 3 /gloss.htm em 15/10/2003 ver Econo-mia & Energia Ano III - No 13 de Mar-ço/Abril 19993 Integração entre bacias hidrográficascom diferentes regimes hidrológicos(estimação da vazão do rio a partir deregistros históricos de anos anteriores).4 Multinacional norte-americana queinvestiu na instalação de algumastermelétricas no Brasil.5 II Plano Nacional de Desenvolvimen-to proposto no governo do presidenteGal. Ernesto Geisel elaborado entremaio e agosto de 1974, este plano eco-nômico buscou ajustar o funcionamen-to da economia do país ao choque pro-vocado pela crise do petróleo.6 CVRD – Companhia Vale do RioDoce. Empresa criada pelo governobrasileiro nos anos 1940 a para explo-ração do minério na região do Quadri-látero Ferrifero de MG, incluindo ovale do médio e alto Rio Doce.Privatizada em 1997, encontra-se sobo controle de grupos econômicos es-trangeiros e tornou-se a maior expor-tadora mundial de fero e um grandeprodutor de alumínio.7 CELPA - Centrais Elétricas do ParáS.A. Foi criada em 1962 com o obje-tivo de eletrificar o Estado do Pará.Em 1969 associou à empresaFORLUZ (Força e Luz do Pará S.A.),originando uma única concessioná-ria de energia para atender o estado.Conforme mencionado, a partir de1981, ela passou a contar com ener-gia do Sistema Interligado Norte-Nordeste. Em 1998, foi adquiridapelo Grupo REDE num leilão reali-zado no dia 9 de julho de 1998.

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Uma das maneiras de começar a esclarecer asdestinações finais da energia elétrica produzidanuma central ou num conjunto de centrais elétri-cas é acompanhar o formato (geográfico, sobre orelevo) da sua rede de transmissão de eletricidadee captar a sua dimensão elétrica, a saber:

tensão (vulgarmente denominado de “voltagem”),a qual, na maior parte dos casos, fica em patama-res de 138 mil a 500 mil Volts e

capacidade de transmissão das LTs (linhas de trans-missão), em geral na faixa de dezenas e de cente-nas de milhares de kilowatts (Megawatts); algumasLTs podem despachar mais de 1.000 MW em cadacircuito.

É fundamental nesta rota de estudo compilar tam-bém a seqüência histórica das datas de entrada emoperação das LTs e das SEs (subestações) nos dife-rentes trechos e regiões. É o que procuramos sin-tetizar a seguir: durante a pesquisa de Mestradode um dos autores, foram feitos levantamentos eregistros de dados em campo, nas principaissubestações da interligação entre os sistemas Nor-te – Nordeste e Centro-Oeste, e também na cen-tral de Tucuruí e no centro operacional da Eletro-norte em Belém1.

Uma lista de eventos marcantes foi resumida noBox a seguir, o qual deve ser lido em conjunto coma cartografia anexa, montada sobre a base de ummapa temático editado pela Eletrobrás em 2000, eretrabalhado no Laboratório de Geo - Processa-mento do ISA, em São Paulo.

O ideal, para uma comprovação rigorosa destasdestinações, seria analisar os valores agregados aolongo de cada período mensal e de cada períodoanual dos fluxos transportados em cada trecho dosistema. Em seguida, fazer um tratamento estatísti-co completo, devidamente associado a um conhe-cimento rigoroso da geografia das L.T.s, dos modosde operação das hidrelétricas e, principalmente, dosvalores de cargas demandados pelos principais con-sumidores de eletricidade da região. Portanto, umatarefa para ser feita por técnicos da própria máqui-na estatal, por exemplo, em uma agência como aAneel, por uma Auditoria do TCU ou do Congres-so Nacional. Uma tarefa impossível de ser feita nocontexto do Painel do qual resultou esse livro. Quemsabe, a nova empresa estatal, EPE – Empresa dePesquisas Energéticas, realize tais estudos.

Dentro do possível, apresenta-se o funcionamento dosistema elétrico em questão e as suas ordens de gran-deza, por meio de uma fotografia instantânea dosdespachos de carga no sistema Eletronorte centradoem Tucuruí, e, também, em todos os segmentos dainterligação Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Para isso, foi montado um quadro sinótico, aquireproduzido em duas partes seguidas: Demandasatendidas pelas linhas de transmissão provenien-tes da usina de Tucuruí no dia 06/11/03. Regis-tramos ali o quantitativo oficial dos fluxos desde aSubestação Tucuruí (Pará) até a Subestação Im-peratriz (Maranhão), e os fluxos representativosdas conexões do sistema Norte com os sistemasCentro-Oeste e Nordeste.

5.1. A eletricidade gerada em Tucuruí:para onde? para quê?

Rubens Milagre Araújo e Andre Saraiva de PaulaEditada por Oswaldo Sevá

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Entenda a geografia do sistema elétrico na bacia do Tocantins e as suas ligações com

Belém, São Luis e as regiões Nordeste e Centro-Oeste:

Desde 1999, estão interligados os três sistemas regionais de geração e transmissão de eletricidade (Norte,

Nordeste, e Centro-Oeste/Sudeste):

1) um que cobre os Estados do Sudeste, do Sul e parte do Centro-Oeste, cujas principais empresas geradoras

são a estatal federal Furnas, a binacional Itaipu, e as estaduais Cemig em MG e Copel no PR;

2) outro que cobre os Estados do Nordeste da Bahia ao Piauí, com praticamente uma única empresa geradora

e transmissora, a empresa federal CHESF;

3) outro que cobre o Maranhão e parte dos estados do Pará e do Tocantins, atendido principalmente pela

eletricidade gerada em Tucuruí e por suas linhas de transmissão (LTs) de alta voltagem, operadas pela estatal

federal Eletronorte.

Eis uma cronologia resumida indicando as cidades e regiões por onde passam as LTs:

Até o ano de 2003, os dois sistemas regionais (o do CO - SE - Sul e o do NE), funcionaram desconectados

entre si. Ressalta-se, entretanto, que desde 1999 já estavam ambos ligados ao sistema Norte. A primeira

interligação regional de grande porte foi feita entre 1981 e 1983. Conectava o sistema do Nordeste ao da nova

rede de transmissão associada à usina hidrelétrica de Tucuruí, da Eletronorte, que estava em obras no Pará.

Realizaram vultosos investimentos em LTs para expandir a rede da CHESF em direção ao Maranhão e ao Pará.

Uma LT de 500 mil Volts fazia o trecho Sobradinho (BA) – Boa Esperança(PI/MA) - Presidente Dutra(MA). Da SE

Presidente Dutra, essa LT se bifurca para a capital São Luís (onde, na época, estavam sendo construídos o

complexo de fabricação de alumínio Alumar e a ferrovia e terminal de exportação de minério de ferro) e

para Imperatriz (MA), Marabá e Tucuruí (PA).

A partir de Marabá foi feita a primeira derivação em 69 mil Volts para abastecer as instalações do projeto

Carajás, que em 1986 foi re-capacitada para 230 mil Volts; da subestação de Tucuruí, fez-se uma derivação em

230 mil Volts para uso da fundição de ferro-silício da CCM - Camargo Correa Metais, defronte à cidade.

Até o final de 1984, todo este novo trecho de LTs e esses importantes clientes do tipo eletro-intensivos estavam

sendo abastecidos com eletricidade vinda do rio São Francisco, através da hidrelétrica de Sobradinho.

Enquanto isso, Belém e cidades próximas eram abastecidos por termelétricas, e não havia uma rede regional.

Somente com a entrada em operação da primeira máquina geradora da hidrelétrica de Tucuruí essa situação

se alterou.

Entre 1985 e 1988, são construídos e entram em operação um segundo circuito em 500 mil Volts entre

Tucuruí e São Luís via Presidente Dutra (de onde a Eletronorte passou a despachar uma parte da eletricidade no

sentido inverso ao anterior, para a área de atuação da CHESF). Também é construído o primeiro circuito de

igual tensão, 500 mil volts interligando Tucuruí a Vila do Conde (ao lado de Barcarena, onde se localiza o

complexo de fabricação de alumínio Albrás). Deste se constrói uma derivação em 230 mil Volts para a região

de Belém, e com isto quase dez anos depois do início das obras de Tucuruí, a capital paraense passou a ser

abastecida finalmente pela hidrelétrica,

O segundo circuito de Tucuruí para Vila do Conde entrou em funcionamento em 2002.

A interligação entre o sistema Norte e o sistema Centro-Oeste – Sudeste somente se concretizou em 1999 quando

foi energizado o primeiro circuito de 500 mil Volts, podendo transmitir no sentido Imperatriz a Brasília ou no

sentido inverso. É importante ressaltar que essa interligação via Serra da Mesa também coincidiu com a entrada em

operação da usina (Furnas e grupo VBC) que também se denomina Serra da Mesa. É prevista para o segundo

semestre de 2004 a operação do segundo circuito Imperatriz – Serra da Mesa- Brasília.

Estas conexões N-NE e de ambas com o CO tomou no mapa forma de um “Y” bem aberto, ou de um “T” meio

penso, de todo modo é algo de porte continental, que une fisicamente a cidade de Itaituba na beira do rio

Tapajós até João Pessoa no extremo Leste; e cujo eixo vertical vai de São Luis e Belém até Uruguaiana, RS.

O pivô das ligações fica no Sul do Maranhão, na região de Imperatriz e vem sendo reforçado, com um primeiro

circuito Marabá –Presidente Dutra via Açailândia, e um segundo previsto parta operar no final de 2004.

O “Y” vai virando uma árvore, ganhando um novo ramo CO – NE, com a entrada em operação da LT de 500

kV saindo de Serra da Mesa (GO) para Governador Mangabeira, no Recôncavo Baiano.

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Sistema Elétrico BrasileiroLinhas Existentes na Região Centro-Oeste, Pará e Amapá

Fonte: Mapa do Sistema Interligado Brasileiro.Eletrobrás - Diretoria de Engenharia, 2000.Modificado por Oswaldo Sevá.Mapa Elaborado pelo Laboratório de Geoprocessamento do Instituto Socioambiental. Dezembro, 2004

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Demandas atendidas pelas linhas de transmissão provenientes da usina de Tucuruí no dia 06/11/03.Fluxos desde a Subestação Tucuruí (Pará) até a Subestação Imperatriz (Maranhão).

02 circuitos de 500kV: da UHE-Tucuruí à SE-Vila do Conde*Linha de 500kV – UHE Tucuruí com destino à SE - Vila do Conde, circuito1 ........................................ 646 MW*Linha de 500kV – UHE Tucuruí com destino à SE - Vila do Conde, circuito2 ........................................ 756 MW

Total 1402 MW*Linha de 230kV – SE - Vila do Conde à SE - Albrás1 (fundição alumínio) ............................................ 402 MW*Linha de 230kV – SE - Vila do Conde à SE - Albrás2 ............................................................................ 419 MW

Total 821 MWdesse total, 671MW consumidos pela Albrás e 150MW consumidos pela Alunorte (fabricação de alumina); consumido pela Rede Celpa, na região metropolitana da cidade de Belém-PA ........................................ 581 MW

*derivação da SE Tucuruí para localidades do Estado do Parácircuito de 230kV chamado Tramo Oeste, ao longo da rodovia transamazônica* SE- Altamira, 230/69kV ......................................................................................................................... 10 MW* SE- Transamazônica, 230/34,5kV .......................................................................................................... 3,2 MW* SE- Ruropólis 230/138/13,8kV .............................................................................................................. 0,6 MW* SE -Itaituba 138/69kV .............................................................................................................................. 9 MW* SE -Tapajós 138/13,8kV ......................................................................................................................... 10 MW

Total 32,2 MW

1 circuito de 230kV: da UHE Tucuruí à SE CCM (fundição de ferro silício) Total 61 MW

03 circuitos de 500kV: da UHE Tucuruí à SE-Marabá* Linha de 500kV - UHE Tucuruí com destino à SE-Marabá, circuito1 ................................................... 550 MW* Linha de 500kV - UHE Tucuruí com destino à SE-Marabá, circuito2 ................................................... 620 MW* Linha de 500kV - UHE Tucuruí com destino à SE-Marabá, circuito2 ................................................... 607 MW

Total 1777 MW

* Derivações a partir da Subestação Marabá para localidades do Estado do Pará:* 1 circuito de 230kV - SE Marabá com destino à SE-Paraupebas -CVDR - Projeto Carajás ..................... 74 MW* 1 circuito de 230kV - SE Marabá com destino à SE-Rede Celpa (região de Marabá) ............................... 78 MW* 1 circuito de 69kV - SE Marabá p/ as cidades de Rondon e Jacundá - Rede Celpa .................................. 16 MW

Total = 168 MWO fluxo principal 1777 - 168=1609MW seguia para São Luiz e os sistemas Nordeste e Centro-Oeste.

05 circuitos de 500kV: da SE-Marabá à SE-Imperatriz (2), da SE-Marabá à SE-Açailândia (1),da SE-Colinas-SE à SE Imperatriz(1), e interligação das SE-Imperatriz e -SE-Açailândia(1)

* Linha de 500kV – SE Marabá com destino à SE-Imperatriz, circuito1 .................................................. 570 MW* Linha de 500kV – SE Marabá com destino à SE-Imperatriz, circuito2 .................................................. 621 MW* Linha de 500kV - SE Marabá com destino à SE-Açailândia, circuito1 .................................................. 418 MW* Linha de 500kV - SE Colinas(N-S-I) com destino à SE-Imperatriz, circuito1(chegando) ...................... 350 MW* Linha de 500kV - SE Imperatriz com destino à SE-Açailândia, circuito1=............................................. 76 MWTotal intercambiado 1337MW (via Imperatriz) 494MW (via Açailândia)* derivação para localidades do Estado do Maranhão* Linha de 230kV - SE Imperatriz com destino à SE-Porto Franco= ....................................................... 128 MW

Obs: Os dados foram obtidos durante as pesquisas em campo, nos locais mencionados, e através de contatos com oCentro de Operação do Sistema - Belém- COS (Eletronorte). Dados instantâneos, das 13:00 horas do dia 06/11/03(quinta-feira)

Na usina de Tucuruí, com todos os doze grupos tur-bo geradores (TGs) da etapa I, cada um com 330MW, a potência total instalada atingiu 3.960 MW.Essa capacidade permaneceu inalterada até o iní-cio de 2003, quando foi completada a parte civil daetapa II da usina: um novo corpo de barragem, coma sobre elevação da crista e o aumento da cota deoperação em mais 2 metros. Depois veio a instala-ção de grupos TG mais potentes, de 375 MW cada.

Os dois primeiros desses TGs foram colocados emcondições operacionais em abril e maio de 2003,e previa-se a entrada de mais quatro TGs duranteo ano de 2004.

Talvez sejam esses os TGs “inaugurados” em finsde novembro de 2004 pela comitiva do presidenteLula, da ministra Dilma Roussef e de todo o corpodirigente da Eletronorte e da Eletrobrás. É impor-tante ressaltar que naquele início de primavera, o

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139nível do rio Tocantins ainda não havia subido osuficiente, isto é, estava quase a 10 metros abaixoda cota operacional, portanto os TG não tiveramágua suficiente para turbinar. Assim, esses novosTGs nem puderam gerar no dia da sua “inaugura-ção”, e nem por algumas semanas após.

Quando forem instaladas as onze máquinas de375 MW, a segunda etapa atingirá 4.125 MW e apotência total de Tucuruí I + II ultrapassará os8.000 MW.

Na tentativa de quantificar as ordens de grandezados vários fluxos de eletricidade despachados apartir da usina de Tucuruí, a pesquisa de Araújo,2003 mencionada, elaborou também um resumode uma fotografia instantânea do sistema com os da-dos do dia 06 de novembro de 2003:

Estava instalada uma potência total de 4.710 MWe a potência operacional efetivamente aproveita-da do rio Tocantins era de 3.272,2 MW em Tucu-ruí (70 % da capacidade). Deste total :

• 1.596 MW (48,8%) asseguravam a demandados principais clientes eletro-intensivos

no Pará• 671 MW para Albrás

• 150 MW Alunorte,

• 74 MW Carajás

• 61 MW CCM

no Maranhão• 640 MW Alumar

• 1.102,2MW (33,7%) despachados para as con-cessionárias nos Estados do Pará, Maranhão eTocantins

• 574MW (17, 5%) despachados para o sistemaChesf, que atende a região Nordeste.

A eletricidade gerada em Tucuruí depende, é cla-ro, da vazão do rio Tocantins que chega à represa.Consultando os dados históricos, vimos que no pe-ríodo entre 1999 e 2002, esta vazão situou-se entre20 e 30 mil m3/s no pico da cheia do rio, isto é, emmarço. Nos meses de menor vazão - setembro eoutubro - situou-se na faixa entre 2 e 3 mil m3/s.

Os operadores informaram que em períodos comvazão mais “favorável” afluindo na represa, a contri-buição elétrica para o sistema Nordeste em geral émaior; ademais, se a represa estiver cheia, Tucuruí tam-bém pode contribuir para os sistemas Centro-Oeste –Sudeste. Em ambos os casos, se isto for necessário.

Para comparação, foram registrados alguns desem-penhos em condições hidrológicas distintas:a) No início de 2002, o Tocantins teve vazões com-

paráveis às suas médias históricas: no “inverno”manteve-se durante três meses na faixa de 20 a25.000 m3/s; a usina de Tucuruí pode enviar1.000 MW médios para os dois sistemas Nordes-te e Centro-Oeste .

Demandas atendidas pelas linhas de transmissão provenientes da usina de Tucuruí no dia 06/11/03.Fluxos entre a Subestação Imperatriz (Maranhão) e as conexões Norte-Centro-Oeste, e Norte-Nordeste

03 circuitos de 500kV: SE-Imperatriz à SE-Presidente Dutra (2), SE-Açailândia à SE-P. Dutra(1)

* linha de 500kV - SE - Imperatriz com destino à SE - Presidente Dutra,circuito1 .................................. 648 MW* linha de 500kV - SE - Imperatriz com destino à SE - Presidente Dutra, circuito2 ................................. 689 MW* linha de 500kV - SE -Açailândia com destino à SE-Presidente Dutra, circuito1 .................................... 494 MW

Total 1831 MW

05 circuitos de 500kV: da SE - Presidente Dutra à SE - São Luís (2), da SE-Presidente Dutra à SE-Teresina (2), da SE Presidente Dutra à SE - Boa Esperança(1)*linha de 500kV - SE-Presidente Dutra à SE - São Luís, circuito1 .......................................................... 491 MW*linha de 500kV - SE-Presidente Dutra à SE - São Luís, circuito2 .......................................................... 416 MW

Total 907 MW

* 2 circuitos de 230kV saindo da SE São Luís para a SE da Alumar(fabricação de alumina e fundição de alumínio) ....................................................................................... 640 MWobs: carga revendida pela CEMAR, na cidade de São Luís equivale a: 907-640= ..................................... 267 MW

Intercâmbio entre os sistemas Eletronorte e Chesf* linha de 500kV - SE-Presidente Dutra com destino à SE-Teresina, circuito1 ....................................... 364 MW* linha de 500kV - SE-Presidente Dutra com destino à SE-Teresina, circuito2 ....................................... 372 MW

Total 736 MW

* linha de 500kV - SE-Presidente Dutra com destino à SE - Boa Esperança ............................................. 188MW Total Despachado para o Sistema Nordeste foi de: 736 + 188 = ............................................................. 924 MW

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b) No final de 2002, em condições bem críticas, apotência efetivamente em operação caiu paramenos de 2.500 MW em outubro, e menos de1. 900 MW em dezembro

c) No dia 13/11/02 (quarta feira) às 17:00horas, parauma capacidade instalada de 3.960 MW a potên-cia em Tucuruí estava na casa de 2.375,5 MW (60% da capacidade) nesse caso, o suprimento doseletro-intensivos se manteve naquele patamar de1.600 MW, portanto, os eletro-intensivos usavam67% da potência disponível na usina.

d) No dia 11/12/02 (quarta feira) as 08:00 h, apotência era de 1.586 MW (40% da capacida-de); com o reservatório chegando na cota 54,11m, próxima da cota mínima de operação paraas máquinas de Tucuruí I, de 52 m. Dizem osoperadores que a causa foi o atraso das chuvasna bacia do Tocantins e do Itacaiúnas; na reali-dade esta potência só era suficiente para garan-tir o suprimento dos eletro-intensivos e não aten-dia a carga própria do sistema Norte; o sistemaCentro-Oeste-Sudeste teve que “socorrer” com600 MW médios, em dezembro, e atender par-te da carga própria do sistema Norte.

Esse modo de funcionamento dos três sistemasintercambiando eletricidade, e um podendo “so-correr” o outro, somente foi possível porque em1999 completou-se a obra civil, montagem e foienergizada a Interligação chamada “Norte/Sul-I”de 500 kV, entre as subestações de Imperatriz - MAe Samambaia-II - DF2. Esta linha de transmissão daEletronorte tem capacidade máxima de transmis-são de 1.300 MW.

Atualmente a capacidade de transmissão foi eleva-da para 2.500 MW, isto se funcionarem simultane-amente, a plena carga, aquele primeiro circuito eum segundo circuito (Interligação “Norte/Sul-II”,500 kV), que entrou em operação em meados de2004, após licitação feita pela Aneel, ganha porum consórcio privado.

No levantamento feito pelo engenheiro eletricistaRubens Araújo, seguindo os quesitos formuladospor André Saraiva (também engenheiro eletricis-ta, co-autor dessa nota técnica e de um capitulodesse livro), foram identificadas algumas condiçõestípicas de operação das subestações e das LTs, eregistrados parâmetros essenciais para o seu en-tendimento, tais como a capacidade de transpor-te de energia elétrica3; e como os principais usosde eletricidade em cada área de atendimento.

Além disso, para melhor comprovar e ilustrar ob-servações coletadas junto aos operadores, foram

acrescentados nessa nota técnica algumas notíciasrecentes, sobre o aumento recente da capacidadeinstalada em Tucuruí, sobre planos de investimen-to em novas atividades minerais e metalúrgicas noPará e no projeto da hidrelétrica de Belo Monte.Deliberadamente cotejamos esses informes com adeclaração solene de um poderoso ministro de Es-tado vinte e dois anos antes, em 1982. Essas trans-crições selecionadas resumem a lógica que até hojeprevalece nesse sistema elétrico regional e nessaregião geo - econômica.

Subestação Tucuruí e Tramo Oeste (LT Tucuruí –Altamira - Rurópolis)As subestações de Tucuruí alimentam todas as li-nhas de saída de eletricidade gerada na mega-usi-na, a saber, as LTs de 500 kV que abastecem os prin-cipais centros de carga: Vila do Conde e a capitalBelém, a ilha de São Luís, via Marabá, Imperatriz/Açailândia e Presidente Dutra.

Desse trecho pode haver intercâmbio com o siste-ma Chesf (Nordeste) e com o sistema Furnas (Cen-tro-Oeste Sudeste); e desde 1999, funciona tam-bém uma SE em 230 kV, prevista para uma cargatotal de 450 MVA4, despachando no sentido daTransamazônica, até a região do Baixo Tapajós.

Em outubro de 2003 foi verificado que a carga erade 35 MW para uma capacidade operacional de200 MW no trecho de 230 kV, até Rurópolis, e ca-pacidades de 100 MW nos trechos em 138 kV dalipara Itaituba e para Santarém.

No estudo de viabilidade do projeto Belo Monte,entregue à Aneel em 2002, ficou definida uma novalinha de transmissão em 230 kV, a partir da Casade Força complementar do complexo hidrelétri-co (no paredão do vertedouro da Ilha Pimental,com 182 MW previstos) e ligando à SubestaçãoAltamira. Esta carga plena está muito longe dademanda atual e de qualquer demanda provávelnos próximos anos, pois os principais núcleos ur-banos já estão na rede, e a eletrificação rural avan-ça pouco e já incluiu vários trechos mais densa-mente ocupados. A única possibilidade lógica detransmitir 450 MW ou mesmo 200 MW para estaregião seria ligar a região de Óbidos, e a de JurutiVelho, a Sudoeste, na rota para Parintins (AM),onde se noticia atualmente um projeto de mine-ração de bauxita, matéria prima do alumínio.

Outro projeto que veio sendo desenhado nos últi-mos anos pela Eletronorte prevê a partir de Tucu-ruí ou a partir da usina hipotética Belo Monte, umanova LT de 500 kV ligando com Santarém e com

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Manaus ou com a usina de Balbina.5 Uma LT comcomprimento de 1400 km, boa parte em plenaselva e em terrenos de várzea fluvial!

Transmissão Tucuruí - Vila do Conde e daí a Belém

Antes da entrada em operação do 2° circuito queinterliga a subestação Tucuruí à subestação Vilado Conde, no mês de outubro de 2002, a linhapioneira de 500kV trabalhava sempre carregada,transportando uma carga quase constante de 1.300MW. Desse total, cerca de 850 MW (demanda depico) eram destinados com prioridade para os doisprincipais consumidores eletro-intensivos (a fun-dição Albrás, 750 MW e a fábrica de aluminaAlunorte, 100 MW). A partir da energização do 2°circuito, a capacidade de transmissão chegou nafaixa de 3.000 MW.

A Albrás utiliza a eletricidade depois de retificar acorrente (recebe em corrente alternada e passapara corrente contínua), abaixa a voltagem e ele-va a intensidade de corrente elétrica acima da fai-xa de 100 mil ampères, que atuará nas cubaseletrolíticas para fundir o metal. Para os operado-res consultados a prioridade era clara: não desli-gar a Albrás; e falavam também de um 3o. circuitoa ser construído.

Em Outubro de 2003, a demanda de Belém ficavana faixa de 450 a 500 MW, atendida por LTs de230 kV, três circuitos passando pelas SubestaçõesGuamá, Utinga e Santa Maria.

Subestação Marabá e o suprimento de eletricida-de para os projetos na “região” dos Carajás

A subestação Marabá é do tipo “sentido único”,ou seja, quando Tucuruí está gerando, a SE estárecebendo, derivando para uso na região e redes-pachando para Imperatriz ou Açailândia. O úni-co período lembrado pelos operadores, em quehouve uma inversão de fluxo, com a eletricidadevindo do Nordeste para o Norte, foi entre 1981 e1984. Até que Tucuruí ficasse pronta e começassea gerar, a região foi abastecida pela Chesf. Em ou-tras ocasiões assim anormais, quando corre umapane total e o sistema “é derrubado”, por exem-plo, por perda de sincronismo (como houve emnovembro de 1998 e novamente em novembro de2004). No momento de retomar a geração emTucuruí, precisou ser invertido o fluxo, vindo deImperatriz via Marabá, a eletricidade necessáriapara energizar a subestação da usina e rebaixan-do a tensão para 13,8 kV, energizar os excitadoresdo geradores elétricos.

A capacidade operacional da subestação Marabápara o atendimento regional é de 300 MVA, e du-rante a pesquisa de Araújo em outubro de 2003,foi comentada a previsão a curto prazo, da entra-da em funcionamento de um 2º banco deautotransformador. Na ocasião a potência ativa erade 142 MW, e a reativa era de 24 MVA (de tipoindutivo); deste total, cerca de 80 MW destinava-se à rede de transmissão da CELPA, incluindo ademanda das cinco siderúrgicas (“guseiros”) ins-taladas no entorno da cidade de Marabá. E tam-bém uma parte cuja tensão era rebaixada para 138kV e que abastecia o Sudeste do Estado, as cidadesde Redenção, Tucumã e São Felix do Xingu.

A outra parte da carga dessa subestação, 62 MW,destinava-se a atender as atividades de mineração,beneficiamento, transporte de minérios na Serrados Carajás, da empresa CVRD (Companhia Valedo Rio Doce) e da cidade Serra Norte; esse con-junto era alimentado por uma LT de 230 kV, comcapacidade da ordem de 200 MW.

Outro trecho dessa LT de 230 kV, com 70 km decomprimento foi construído recentemente atéperto da cidade de Canaã dos Carajás, para aten-der especialmente às instalações de mineração econcentração de cobre (mina Sossego), inaugura-das em meados de 2004.6

Em outubro de 2004, foi leiloado em SP um con-trato de fornecimento de eletricidade, da ordemde meio bilhão de dólares, por 16 anos a partir dejulho de 2007, no município paraense deOurilândia do Norte, próximo de Tucumã e deSão Félix do Xingu, onde está se instalando a em-presa canadense Inco, quase monopolista do ní-quel, com o nome de fantasia de Onça Puma.Cadalinha de produção de concentrado metálico deníquel terá uma demanda de 90 MW, e o forneci-mento médio anual será de 1,6 GWh. Toda essaconfiguração somente se viabilizaria com a mon-tagem de uma nova LT, em 230 kV, com 400 km apartir de Marabá – o que também já estaria resol-vido com a Aneel naquela época.7

Imperatriz / Açailândia e Presidente Dutra, os“pivôs” da interligação elétrica nacionalA interligação de Marabá, no Pará, com PresidenteDutra no sul do Maranhão se fez inicialmente pas-sando por Imperatriz e depois também porAçailândia, cidade vizinha, e enfim foi feito um pe-queno trecho de LT interligando as duas cidades,de modo que as subestações possam operar plena-mente direcionando despachos em qualquer senti-do: do Centro-Oeste para São Luís e o Nordeste, e

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ou para o Norte - e no sentido inverso, do Norte eou do Nordeste para o Centro-Oeste.

O terceiro circuito ligando Marabá a Imperatriz eAçailândia em 500 kV entrou em operação em2003, e era previsto um 4º circuito para entrar emoperação em 2004. Regionalmente apenas umaderivação abastecia a própria cidade de Impera-triz e uma LT de 230 kV até a cidade de Porto Fran-co (MA), nas proximidades de onde passa a ferro-via Norte-Sul e onde se prevê a construção da usi-na do hidrelétrica do Estreito.

Em Imperatriz e Açailândia fica uma das pontasdas LTs chamadas Norte – Sul, a primeira delas aEletronorte opera desde 1999, e a segunda, de umaempresa italiana que venceu a licitação da Aneel,desde 2004. Nesse trajeto principal até asSubestações de Furnas em Taguatinga, D.F., parteda eletricidade pode ser descarregada emMiracema, para a cidade de Palmas e outras doEstado do Tocantins, mas também se faz a ligaçãopara receber a eletricidade despachada pela usinado Lajeado no rio Tocantins, operada pelo con-sórcio Investco (grupo Rede, EDP e outros).

Na LT-I, a interface entre a Eletronorte e Furnas éfeita em Gurupi, no sul do Tocantins; ambas pas-sam no Norte de Goiás, nas subestações que sãoabastecidas pelas usinas de Serra da Mesa eCanabrava, ambas próximas da cidade de Minaçu,GO. A outra ponta de ambas as LTs fica em umdos pivôs do sistema Centro-Oeste, a subestação deTaguatinga, DF.

Do mesmo “pivô” de Imperatriz e Açailândia,saem as duas LTs de 500 kV ligando com asubestação de Presidente Dutra, no sul do Mara-nhão; um terceiro circuito era previsto operar noinício de 2004. Aí se reside também um dos pon-tos de confusão a respeito dos intercâmbios deeletricidade. A energia que chega em PresidenteDutra, vinda de Tucuruí ou do Centro-Oeste éem geral mencionada como “eletricidade para oNordeste”, incluindo-se indevidamente o própriomercado de eletricidade do Maranhão, com a ci-dade de São Luis, a Alumar e a CVRD num estra-nho Nordeste. Na tabela no início dessa nota téc-nica, vê-se que, do total de 1831 MW, um total de907 MW são enviados para São Luís e a Cemar;enquanto a eletricidade direcionada realmentepara a abastecer a área abastecida pelo sistemaChesf, direcionada para o Piauí, via Boa Esperan-ça e via Teresina totalizava 924 MW.

Outras ligações vão se concretizando e retirandodessas cidades Imperatriz e Açailândia, e PresidenteDutra a função até aqui exclusiva de completar esta

interligação nacional de energia elétrica; já entrouem operação uma LT de 500 kV ligando Serra daMesa ao Recôncavo baiano e há outra LT em pro-jeto ligando Colinas, TO com Sobradinho, BA.Ambas essas LTs permitiriam aos despachantes deenergia do sistema Centro-Oeste tanto “socorrer”o sistema Chesf via Sobradinho como “aliviar” ainterligação via Presidente Dutra caso aumentassemuito a demanda em São Luís.

O consumo crescente de eletricidade industrial emSão Luis

A eletricidade que chega atualmente na ilha deSão Luís pelas duas LTs de 500 kV vem desde opivô já comentado, a subestação de PresidenteDutra, onde a Eletronorte intercambia com aChesf, através da usina de Boa Esperança; a mai-or parte desse fluxo vai para as instalações indus-triais da Alumar e da CVRD, além de abastecer acapital do estado. Uma subestação de 230 kV foifeita para ligar com o Leste do Estado, permitin-do transportar até 100 MVA até Peritoró e daliaté a capital vizinha Teresina, usualmenteabastecida pela Chesf.

Em São Luís, a Alumar prevendo investir em umnovo módulo de cubas eletrolíticas para fundir mais60 mil toneladas anuais de alumínio, elevou a de-manda contratada de 680 MW para 820 Megawatts(para comparação, o despacho para a Alumar esta-va em 640 MW em novembro de 2003).8

Uma outra hipótese para aumento do consumoindustrial de eletricidade e aumento da demandanas LTs que abastecem a ilha de São Luís seria aconcretização de alguma etapa de um outro pro-jeto que resiste há quase 3 décadas sem se concre-tizar e foi recentemente ressuscitado: a usina ouas usinas siderúrgicas de grande porte que se loca-lizariam na ilha já bastante ocupada por ativida-des industriais e de infra-estrutura de exportação,além de uma enorme população residente e umturismo significativo.

O projeto mais provável em fins de 2004 é o darecente sociedade capitalista celebrada entre aCVRD, a chinesa Baosteel e a européia Arcelor,para fabricar e exportar - parece que com exclusi-vidade para a China - algo como 3,7 milhões detoneladas de aço por ano.9 Mas os números sem-pre mirabolantes falam em várias usinas que che-gariam a fundir 24 milhões de toneladas anuais,quando a produção total brasileira hoje (soman-do as cinco grandes: Usiminas, CSTubarão, Cosipa,CSN e Açominas, mais dezenas de outras) é daordem de 34 milhões de toneladas.

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Quando foi elaborado nos anos 1970, anos negrosda ditadura militar, o primeiro projeto FerroCarajás tinha um escopo menos megalômano doapresentado hoje. Era apenas um corredor de ex-portação de minério. Logo entrou em ação a re-localização de indústrias eletro-intensivas em es-cala mundial, e a eletricidade de Tucuruí ajudouenormemente as decisões de investimento de gran-de porte por parte das indústrias japonesas do con-sórcio NAAC, da americana Alcoa, da européiaBilliton, todas associadas às empresas brasileirasCamargo Corrêa e Companhia Vale do Rio Doce,que na época era uma empresa de capital majori-tário estatal, com ações em bolsa e debêntures nomercado internacional.

O projeto específico “Ferro Carajás” tornou-se oabrangente “PGC = Projeto Grande Carajás”, umacombinação de mineração, metalurgia de ferro,manganês, cobre e níquel, exportação de miné-rio, de concentrado metálico, e de ferro - ligas, eaté de celulose, madeira de lei e carne bovina.

Para tanto, a eletricidade tinha que estar plenamen-te assegurada, e era isto que os ditadores militares eseus planejadores garantiam. Com a palavra o en-tão ministro Delfim Netto, em 1982:

“Eu gostaria de dizer inicialmente que Tucuruí é fundamen-tal para o Projeto Carajás e Carajás é o único projeto desen-volvido pelo governo Figueiredo. Ele tem a prioridade nú-mero um em termos de investimento neste governo... satis-faz as necessidades mais fundamentais da economia brasilei-ra. Então é preciso que o Pará entenda esse fato: Carajás vairevolucionar o Meio norte brasileiro(...)

Com Tucuruí nós induzimos os nossos parceiros a acredita-rem efetivamente na execução do projeto Carajás. Nós estamosconstruindo Tucuruí, e já construímos duas linhas de suportepara o fornecimento de energia para Carajás, (obs OS: de BoaEsperança PI/MA a São Luís e a Marabá), antes mesmo determinar Tucuruí e a construção de suas linhas de energia .

É preciso que distingamos o seguinte: não faltará energiapara tocar Carajás” 10

Vinte e dois anos depois, a mesma história parecese confirmar, as multinacionais decidiram agoraampliar ainda mais seus investimentos na área, e aeletricidade de Tucuruí talvez não seja o bastantepara o seu apetite eletro-intensivo já constatado:“Segundo o presidente da multinacional (Alcoa) na AméricaLatina, Josmar Verillo, além do investimento de US$ 1,4 bi-lhão anunciado para os próximos 4 anos, a empresa está eminício de conversação com o governo para a construção deuma nova usina de alumínio no País, que exigiria recursos deUS$ 3,2 bilhões. ‘Nosso interesse em Belo Monte está associa-do a essa nova fábrica’.” (O Liberal, Belém, 15.06.2004)

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1 ARAÚJO, Rubens Milagre. Uma re-trospectiva da expansão do sistema elétricona bacia do rio Tocantins, com estudo decaso na região de Lajeado – Palmas – Por-to Nacional, (TO), 1996-2003. Disserta-ção de Mestrado. Planejamento de Sis-temas Energéticos, FEM/UNICAMP.Campinas, 2003.2 Segundo o jornal Gazeta Mercantil(Katia Ogawa) de 17/12/2002, “Duran-te o racionamento de energia, entre junhode 2001 e fevereiro deste ano, a Eletronorte,e principalmente Tucuruí chegou a expor-tar 1.000 MW médios para o Sudeste/Cen-tro-Oeste e Nordeste. Hoje o sentido é inver-so. O submercado Sudeste/Centro-Oeste en-viou 600 MW médios para o Norte este mês”(EFEI Energy News Ano4 N.302 - Edi-ção 021205, dezembro de 2002).3 em termos leigos essa capacidade detransporte da carga elétrica poderia serassociada ao “calibre” da linha de trans-missão; ou seja, sendo fica a sua volta-gem de transmissão (500 mil ou 230mil volts, nesse sistema regional), acapacidade é tanto maior quanto mai-or a corrente elétrica ou amperagemsuportada pelos cabos.4 conforme mapa editado no “jornal”da Eletronorte, Corrente Continua, do 1ºsemestre de 19985 Conforme noticiado no Jornal do Co-mércio, RJ, 25.06.2004, o presidente daEletrobrás, Silas Rondeau anunciouque este ano serão concluídos os estu-dos de impacto ambiental para a cons-trução de duas linhas de transmissão:a primeira, de Tucuruí a Manaus, terá1,4 mil quilômetros (km) e exigirá in-vestimentos de US$ 1 bilhão; a segun-da, de Jauru a Vilhena (RO), terá 500

km e custo de US$ 600 milhões. “Estaslinhas devem ir a leilão em 2005. Com elas,Acre e Rondônia entrarão no sistema inter-ligado nacional, reduzindo em cerca de70% a CCC (Conta de Consumo de Com-bustíveis, cobrada sobre o uso de combustí-veis fósseis para geração de energia), dosUS$ 3,3 bilhões por ano atuais para US$1,2 bilhão”.6 Informe da Agência de Desenvolvimen-to Tietê Paraná, Seção: Energia,12.07.2004: Eletrointensivos absorverãoenergia de Tucuruí. O aumento do consu-mo de energia pelas empresas eletrointensi-vas, que estão investindo no Norte do país,vai impulsionar o mercado da Eletronorte,principalmente após a conclusão das obrasde expansão de Tucuruí, prevista para ofinal de 2006[..] .Até 2010, a expectativada Eletronorte é de que esse crescimento fi-que em torno de 8% ao ano[...] Outros po-tenciais clientes da Eletronorte na região sãocinco projetos de mineração de cobre e umde níquel, todos da CVRD, que devem estarem plena atividade até 2010, completandoo Complexo de Cobre de Carajás. Esses no-vos investimentos também são eletro - inten-sivos e poderão utilizar energia de Tucuruí..7 Conforme despacho de 26.10.2004,da Gazeta Mercantil, Caderno A - Pág.7, assinado por Raymundo de Olivei-ra: “O teor de níquel contido no minérionessa mina do sul do Pará é de 2,15%,um dos maiores índices entre as jazidas co-nhecidas do minério. A expectativa damineradora canadense é que a produçãoanual fique em torno de 44 mil toneladasde níquel e que a vida útil da reserva do suldo Pará seja de 45 anos com duas linhasde produção ou o dobro com uma só linha.Os investimentos na unidade da Canico noPará estão estimados em US$ 560 milhões

na primeira fase e outros US$ 300 milhõesna ampliação[...]

8 Conforme matéria jornalísticapublicada antecipando um novo con-trato entre a metalúrgica Alumar e aEletronorte: “O contrato, ainda nãoanunciado oficialmente, garantirá até2024 receita de US$ 4 bilhões à Eletro-norte, subsidiária da Eletrobrás[...] “AAlcoa deverá anunciar na próxima se-mana investimentos de US$ 130 mi-lhões na expansão da usina de alumí-nio primário, que deverá ampliar aprodução em 60 mil toneladas – cujoprincipal destino é o mercado exter-no. No contrato de energia com a Ele-tronorte já está incluído a demanda de140 MW para essa expansão[...] Jun-tas, as unidades de fundição do metalda Alcoa e BHP Billiton estão hoje ap-tas a fabricar 380 mil toneladas, comconsumo de 680 MW. Com a expansão,vão passar a pelo menos 440 mil tone-ladas em 2006". Gazeta Mercantil(Christiano Martinez e Ivo Ribeiro),25.05.2004

9 maiores detalhes no Jornal Pessoal,publicação quinzenal de Lucio FlávioPINTO, em Belém do Pará. Numero33, ano XVIII, 1ª quinzena de novem-bro end: [email protected]

10 DELFIM NETTO, Antonio “Rumoao Norte: a abertura de uma nova eta-pa de desenvolvimento” entrevistaconcedida pelo ministro Delfim Nettoaos jornalistas do grupo ~O Liberal,Belem, Para, 1982. in PETIT, Pere“Chão de promessas: elites políticas e trans-formações econômicas no Estado do Parápós-64”, editora Paka-Tatu, Belém,2003. pág.265

Notas

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1. De quê depende a potência de uma usina?Depende de quanto o rio naquele trecho pode“oferecer”, ou “disponibilizar”, se aquela vazãod água e se aquele desnível de terreno foremaproveitados para gerar energia hidrelétrica.Para chegarmos aos números desta potência pró-pria do rio naquele local determinado, usamosa fórmula

Potência = Vazão de água turbinada x Desnívelvertical x coeficiente técnico

Obs: Este coeficiente é especifico de cada obra ede cada tipo de máquinas instaladas, e temos deadotar um patamar adequado e unidades físicascorretas para poder fazer estimativas numéricas:

• um índice de rendimento total de 85% (ou seja,com 15 % de perdas, incluindo perda de cargano trajeto da adução da água, e perdas nas con-versões de energia realizadas pela turbina e pelogerador)

• a aceleração da gravidade 9,8 m2/s; e a densida-de da água 1,0 ton/m3,

• o coeficiente valeria 8, 33 (9, 8 x 0,85)

A fórmula fica então: P = 8,33 Q x h

Se tivermos o número da vazão Q em m3/segundo,o número do desnível vertical h em metros, obtere-mos uma potência P expressa em kilowatts

2. O desnível vertical dos rios Xingu e Iriri.O rio Xingu foi inventariado no seu trecho médio,

* que começa na altitude próxima de 280 metros,ainda no Norte de Mato Grosso, a uns 1500 km desua foz, perto das localidades urbanas de São Josédo Xingu, de Piara-açu, da rodovia BR 080 e doParque Indígena do Xingu (PIX); e

*que termina no Pará, após a Volta Grande, na al-titude entre 2 e 8 metros, no último trecho do bai-xo Xingu, a sua “ria” de onde sua vazão escorrepara a margem direita do rio Amazonas, cuja fozainda fica a uns 300 km dali rio abaixo. Portanto,um trecho de rio com desnível natural aproxima-do de 270 a 280 metros.

Conforme o critério de maximização da potência aser obtida, os engenheiros decidiram demarcar cin-co barramentos no rio Xingu, e um no seu afluenterio Iriri, já mencionados nos capítulos 1 e 2. Osdesníveis verticais, em cada usina, foramdimensionados entre 23 metros de altura, no eixoJarina, até os 88,7 metros (modificada para 90metros), no eixo Belo Monte. Apenas neste últimocaso, há um desnível natural que pode ser aprovei-tado, algo como quase 100 metros de desnível em200 km de percurso do rio. Nos outros cinco casos,há uma queda baixa (como a da Cachoeira Seca doIriri) ou então, são desníveis muito longos, de de-zenas de km, com corredeiras e pequenos degraus.

Estas condições não são bem propícias ao aprovei-tamento hidrelétrico, e isto leva os projetistas a

5.2. Dados de vazão do rio Xingudurante o período 1931- 1999;

estimativas da potência, sob a hipótesede aproveitamento hidrelétrico integral

Nota elaborada por Oswaldo Sevá, com dados doEstudo de Viabilidade de Belo Monte (2002)

e de Cicogna (2003)

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adotar a “queda artificial”, ou seja : cravar funda-ções na rocha do piso do rio e do subsolo, e erigirparedões de rochas e concreto, de grande porte,ligando uma margem do rio à outra, com alturasde 40 a 45 metros (eixos Kokraimoro e Ipixuna) ede mais de 60 metros (eixo Babaquara).

3. As séries históricas dos dados de vazãod’água.Obs. Os cálculos feitos pelos engenheiros das em-presas de projetos - como os que o CNEC fez parao Xingu (IHX – 1980) se basearam numa sériehistórica de vazões de água em diferentes pontosdo rio. Tratava- se de um conjunto de dados devazão de água do rio Xingu, medidas desde o anode 1968 (por meio de instrumentos de mediçãode descarga ou de régua de nível d’água), em pon-tos escolhidos próximos das cidades de Altamira ede São Félix do Xingu, e nas vilas de Belo Hori-zonte e de Santo Antonio de Belo Monte, além decomunidades na beira do afluente Iriri (Laranjei-ra e Pedra do Ó) e do afluente Bacajá, com pon-tos na Fazenda Cipaúba e a Aldeia Bacajá. Combase em comparações de chuva e vazão com ou-tros rios, foram extrapoladas as vazões mensaisneste mesmos pontos, para o intervalo de 37 anosantes, de 1967 recuando até 1931.

Em certas condições, é possível ter registros diári-os, médias mensais e médias anuais nestes pontos,e por extrapolação, estimar as vazões exatamentenaqueles trechos onde se decidiu aproveitar a ener-gia do rio, denominados “eixos de barramento”,onde se prevê a fixação das futuras barragens. Es-tes dados são agrupados para fins de estudo hidro-lógico, em séries de números da vazão d’água, nosseis “eixos” inventariados, cinco no Xingu e umno afluente Iriri.

Os números que utilizamos representam a vazãomédia mensal nestes pontos do rio Xingu, ao longode 816 intervalos de tempo de um mês cada, co-brindo 68 anos, de 1931 a 1999, e constam oficial-mente das bases de dados da Eletrobrás (já que asua empresa Eletronorte foi inicialmente a “deten-tora” destes eixos). São indicadores de potencialhidrelétrico, incluídos naqueles montantes que sãovolta e meia divulgados, de 200 e tantos mil MW.

* No trecho das duas primeiras usinas projetadas,no norte de MT e sul do Pará, as vazões mensaismínimas do rio Xingu podem cair a menos de400 m3/segundo, e as máximas podem passar de9.000 m3/s, no eixo Jarina, e chegar quase a11.000 m3/s, no eixo Kokraimoro.

• Uns 500 km abaixo, no eixo Ipixuna, abaixo dacidade de São Felix, o rio Xingu já tendo recebi-do o afluente rio Fresco, suas vazões mensais mí-nimas aumentam para perto de 500 m3/s, e asmáximas ultrapassam 18.000 m3/s.

• Enquanto isto no rio Iriri, a vazão média mensalmínima pode ficar abaixo de 60 m3/s; no Inver-no, a média máxima ficar acima de 9.000 m3/s,valores estimados naquela “esquina” do Riozinhodo Anfrísio e da Cachoeira Seca, locais próximosda cidade de Rurópolis.

4. Vazões do rio Xingu no Inverno e noVerão, na Volta Grande, antes da obra(conforme dados compilados do EIA fig 3.3.1.2. e do Estudode Viabilidade tab2, item 8.1.5.)

Após se juntarem as vazões d água dos dois rios, oXingu e o Iriri, no trecho que passa pelos eixosBabaquara e Belo Monte, os números de vazão doXingu chegam perto da vazão total do rio, poisdali até a foz, apenas mais um afluente volumosovai desaguar no Xingu, o rio Bacajá. Este é o tre-cho fluvial de maior “potencial inventariado”: des-de a confluência do rio Iriri no rio Xingu [queseria represada pela barragem Babaquara, locali-zada uns 10 km. rio acima da cidade de Altamira,com a água na cota 166 ou 165 metros] - até o finalda Volta Grande [onde o rio seria represado coma água na cota 96 (Kararaô) – ou 97 (Belo Monte)].

As vazões médias anuais em Altamira têm a seguintedistribuição durante o período de dados medidose extrapolados, do ano 1931 ao ano 2000:

• durante 69 anos, num único ano a vazão médiaanual foi acima de 12.000 m3/s;

• noutros sete anos bem chuvosos, as vazões fo-ram de 10.000 a 12.000 m3/s;

• vinte e sete anos com vazões entre 8 e 10.000 m3/s;

• vinte e oito anos com vazões entre 6 e 8.000 m3/s; e

• seis anos com vazões anuais médias abaixo de6.000 m3/s

Com base no histograma destas vazões anuais (fig6.2.5.-15 do EIA) poderíamos então atribuir ao rioXingu, em Altamira, num período de quase 70anos, * 8.000 m3 d’água/segundo, como uma “mé-dia das vazões médias anuais”. Este número nãotem o menor significado físico, já que, por defini-ção, a vazão d’água de um rio é algo definitiva-mente variável ao longo dos dias, dos meses, e dosanos. Mas, serviria para dar uma primeira idéia daescala da potência do rio neste trecho; num único

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degrau de 88,7 metros, e com esta vazão média, apotência possível seria:

P (88,7m) = 8,33 x 88,7 m x 8.000 m3/ s = 5.889.680kW, quase 5.900 MW

E, se fosse um degrau duplo, somando-se as que-das dos dois projetos

(Belo Monte, com 88,7 m e Babaquara com 61 m),a potência possível seria

P (149,7 m)= 8,33 x 149,7 m x 8.000m3/s=9.976.008 kW, quase 10.000 MW

Quando analisamos, no mesmo trecho de Altamirae no mesmo período de 1931 a 2000, as séries devazões mensais médias, vemos que os números mu-dam muito, e ficam mais próximos da realidadedo funcionamento do rio Xingu:

• as médias máximas de Fevereiro a Maio ficamentre 25.000 e 30.000 m3/s

• as médias máximas no Verão, de Agosto a Outu-bro entre 1.500 e 2.300 m3/s

• as médias mínimas no Inverno ficam entre 5.600e 9.800 m3/s

• as mínimas no Verão: 444 m3/s em Outubro, e477 m3/s em Setembro

Com base em tais séries de números, os hidrólogosdefinem alguns padrões para o hidrograma de umrio. Por exemplo, um ano hidrológico caracterís-tico tipo úmido, para o rio Xingu, foi o períodooutubro 1977 a setembro 1978. Ao longo dos me-ses, os números de vazões mensais médias no anotípico úmido:

• terminam o período do verão no patamar de1.500 m3/s;

• ainda em Dezembro, ultrapassam os 5.000 m3/ s;

• antes do fim de Janeiro, passam de 15.000 m3/s;

• no “repiquete” das cheias, no mês de Março, maisde 25.000 m3/s;

• começam a diminuir em Abril, e em Julho, caemabaixo de 5.000 m3/ s.

E, um ano hidrológico característico tipo seco,p.ex. foi o período outubro 1998 a setembro 1999,durante o qual as vazões mensais médias:

• ficam, no final do Verão (outubro)entre 500 e 1.000 m3/s;

• somente em Janeiro as médias mensais ultrapas-sam os 5.000 m3/s;

• mesmo com o “repiquete” de Março, ficam en-tre 12 e 14.000 m3/s até Maio;

• em Junho, já caíram para menos de 5.000 m3/s

• no final de Julho, as vazões mensais médias caemabaixo de 2.000 m3/s

Isto tudo foi mensurado ou extrapolado neste pe-queno intervalo de tempo de quase 70 anos passa-dos; esta dinâmica de chuvas e vazões pode conti-nuar valendo em curto prazo, e em linhas gerais,valeria enquanto não houvesse nenhuma catástro-fe climática...nem ocorresse a construção das bar-ragens projetadas.

5. Vazões do Xingu no Inverno e no Verão,na Volta Grande, depois da obra.A concepção desta usina Kararaô/Belo Montesempre foi a mesma desde o inventário de 1980:barrar o Xingu antes dele completar o seu desní-vel de 90 metros e derivar a vazão d’água pelamargem esquerda, encurtando a Volta Grande eturbinando a vazão numa casa de força paralelaao rio (e não transversal, como é usual em mega–projetos hidrelétricos). A primeira modificaçãonotável do projeto Belo Monte, quando foi re–apresentado no final dos anos 1990, foi o desloca-mento do eixo de barramento:

• o Xingu não seria mais barrado num ponto cha-mado Bela Vista ou Juruá (abaixo da CachoeiraJericoá e perto da foz do igarapé Paquiçamba), esim num ponto situado quase 50 km rio acima. Estabarragem com quinze metros de altura, com vári-os prédios articulados entre si, ligaria as duas mar-gens do rio com a ilha Pimental e a ilha da Serra.

Nesta modificação, diminuiu-se o porte da repre-sa principal (a da “calha do rio”) em volume deágua e em superfície; apesar disto, aumentaramas áreas alagadas em terra firme, longe da calhado rio, no interior do grande meandro, na 2ª re-presa, a represa “dos cinco igarapés”. As águasrepresadas seriam conduzidas ao mesmo pontodo projeto inicial, que era - e é - a Casa de Forçaprincipal, que seria construída por entre os mor-ros da margem esquerda do baixo Xingu - umavez que não se alterou a posição da usina, nemsua localização, nem o desnível. Vejamos: O flu-xo de água contido na parte alta da Volta Gran-de, na 1ª represa, a represa “da calha do rio”, da-ria um “by – pass”, como se pegasse um atalho nomeandro pelo seu lado de dentro, na margemesquerda, e iria sendo escoado através de canaise represas menores. Este fluxo seria enfimturbinado lá onde o rio já desceu até a planíciefinal do Xingu, o nível d’água no canal de fugaficando entre as cotas 2 e 9 metros, mais comumenteentre 4 e 6 metros de altitude.

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Se, num certo intervalo de tempo, ficarem fecha-das as comportas dos dois vertedouros (o princi-pal na 1ª represa, no paredão projetado sobre aIlha Pimental, e o complementar na metade da 2ª

represa, no paredão previsto para o sitio Bela Vis-ta/Paquiçamba) e Se a Casa de Força complemen-tar não estiver turbinando – o rio Xingu secariacompletamente ao longo de dezenas de km, da IlhaPimental até a foz do rio Bacajá, na margem direi-ta. Para não deixar o rio seco neste trecho monu-mental que os projetistas denominam “estirão dejusante”, é prometido no EIA, que a cada mês se-ria liberada uma vazão mínima pré - determinada,e esta série de vazões “administradas” foi batizadacomo “vazões ecológicas”. Para se ter uma idéia dadesproporção entre o quê é hoje o rio neste trecho,e o quê faria com o rio a Eletronorte, se fosse aoperadora da usina, basta analisar os dados dosmeses mais típicos das duas estações do ano:

A vazão mínima a ser liberada abaixo do paredão dailha Pimental seria, durante o Verão,

• 47% da média mensal mínima do mês de Setem-bro (225 m3/s para 477 m3/s)

• 27,5 % da mínima em Agosto (250 m3/s para908 m3/s) e uma proporção entre estes dois va-lores, nos outros meses. Durante o Inverno, avazão dita ecológica ficaria entre

• 15,7% (em Março, 1.500 m3/s para 9.561 m3/s)e 20, 4 % (em Abril, 2.000 m3/s para 9.817 m3/s)das vazões mensais mínimas. Nos demais meses,ficaria numa proporção intermediária.

6. Simulação das potências hidráulicas dorio Xingu, se as usinas funcionassem desde19311

a) Belo Monte como aproveitamento único na Baciado Xingu: se apenas uma usina hipotética, BeloMonte funcionou abastecendo a rede básica naci-onal entre 1931 e 1996

A potência máxima assegurada teria sido 1.356 MW

(ou seja: se naquele período, durante alguns diasa demanda ultrapassou 1.356 MW, a vazão turbi-nável pela usina não assegurou mais do que estapotência, e a demanda teria que ser atendida poroutra central na mesma rede)

b) Belo Monte com Babaquara (Altamira) regulari-zando o rio Xingu: se apenas duas usinas hipotéti-cas, Belo Monte e Babaquara funcionaram conjun-tamente entre 1931 e 1996

A potência máxima assegurada nas duas usinas teriasido 7.950 MW

Fazendo-se a repartição desta potência entre asduas usinas, supondo o aproveitamento total daágua nas duas usinas (sem vertimento turbinável),teríamos:

31% da potência total seria fornecida pela usinaBabaquara - 3.078 MW

69% da potência total seria fornecida pela usinaBelo Monte - 4.872 MW

Para comparação: era previsto como potência insta-lada nas duas usinas - 17.772 MW

Sendo Belo Monte, na versão mais recente, comuma Casa de Força complementar,

ou então - 12.090 MW na versão anunciada emoutubro de 2003, com metade de potência na Casade Força principal de Belo Monte.

A conclusão evidente é que somente com as duasusinas hipotéticas, Belo Monte e Babaquara funci-onando, é que a situação operacional e econômi-ca melhorou e passou a ser aceitável, pois para umapotência instalada de 12.090 MW, a máxima asse-gurada foi de quase 8.000 MW.

c) Represamento integral do rio Xingu e Iriri: se asseis hipotéticas usinas funcionaram conjuntamen-te no período 1931-1996 (Jarina, Kokraimoro,Ipixuna, Iriri + Babaquara e Belo Monte)

A potência máxima assegurada nas seis usinas teriasido - 12.806 MW

Para comparação, eis os números das potências pre-vistas para serem instaladas, conforme a diretriz de“Aproveitamento hidrelétrico integral” do rio Xin-gu, (IHX, CNEC, Eletronorte, 1980) e registradasno SIPOT:

1. Eixo Jarina 620 MW

2. Kokraimoro 1.490 MW

3. Ipixuna 1.900 MW

4. Iriri 770 MW

5. Babaquara 6.590 MW

6. Belo Monte* 11.000 MW

ou então: * na versão reduzida anunciada em ou-tubro de 2003 5.500 MW

total da potênciaprevista para instalar 22.370 MW

ou, total incluindo Belo Monte versão reduzida16.870 MW

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De qualquer modo, nesse tipo de simulação “dopassado”, não se faz nenhuma previsão do futuro.Fica apenas a certeza de que tudo sempre depen-de de haver - ou não - água para turbinar.

O projeto original da Casa de Força previa 20 gru-pos Turbo - Geradores de 550 MW cada; e nas oca-siões em que todos funcionassem, as turbinas teri-am engolido uma vazão de 13.900 m3/s; note-se quesomente nos meses de Março, Abril e Maio, o rioXingu costuma ter uma vazão média mensal supe-rior a este engolimento máximo das turbinas.

Na versão reduzida do projeto, (a versão anuncia-da pela ministra Dilma Rousseff em outubro de2003) com 10 TGs de 550 MW, ao invés de 20 TGs- a vazão d’água turbinada cairia para a faixa de6.950 m3/s, o quê seria em geral factível duranteseis meses, de Janeiro a Junho, se considerarmosas vazões mensais médias.

Agora, se considerarmos as vazões mensais mínimas,em geral somente durante dois meses (Março e Abril)haveria fluxo de água suficiente para gerar na capa-cidade máxima desta usina (versão reduzida).

A simulação aqui usada foi feita usan-do-se o modelo Hydrolab (Cicogna eSoares Fo., 2003, FEEC, Unicamp) quefoi alimentado pela base de dados doSIPOT - Sistema de Informações do Po-tencial Hidrelétrico, da Eletrobrás, sis-tema esse que informa os valores nu-méricos da vazão d’água do rio Xinguem Altamira, mensurados in loco ouextrapolados, desde o ano de 1931 atéo ano de 1996. Não se trata portanto,no caso dos projetos no Xingu, de afir-mar quanto da sua potência instalada,tais usinas poderiam no futuro acionar,e sim, trata-se de deduzir como elas teri-am funcionado no passado, se existissemnesses pontos desses rios que apresen-taram essas vazões.

Neste item apenas resumimos os nú-meros obtidos nas simulações feitaspara três tipos de situações hipotéticas,

em todas elas sendo pré-definida umameta de geração hidrelétrica total parauma ou mais usinas. Excluímos do re-sumo aqui apresentado os valores ob-tidos para o sub-período de 1949 a1956, por ser considerado, nos rios bra-sileiros do hemisfério Sul, o períodopluri-anual de pior pluviosidade (piordo ponto de vista da geração hidrelé-trica). Se este período for considera-do, a resposta isolada da usina BeloMonte a uma meta pré-fixada de gera-ção seria ainda mais deficiente, nãoultrapassando 1200 MW. Conforme opesquisador CICOGNA, da FEEC,Unicamp:

“O problema se apresenta no fato deque a operação coordenada do conjun-to de usinas no rio Xingu operandosegundo regras paralelas, determina aenergia firme de 4.700 MW médios embelo Monte. Não se deve portanto,

omitir que todo o sistema Xingu deveser construído para se dispor de talenergia em Belo Monte.” (p.193)

“Nesse estudo (simulação XinguBMonte) determinou-se a energia fir-me de Belo Monte operando isolada-mente no rio Xingu. Devido à grandevariabilidade das vazões naturais doposto de Belo Monte, somada à perdade regularização (que seria) feita pe-los grandes reservatórios de montan-te, encontra-se um valor de apenas1.172 MW médios para a energia fir-me.” (p.195)

Ver CICOGNA, Marcelo A . “Sistema desuporte à decisão para Planejamento e Pro-gramação de Operação de Sistemas de ener-gia elétrica” Tese de Doutorado, Facul-dade de Engenharia Elétrica e de Com-putação, Universidade Estadual deCampinas, SP, dezembro de 2003.

Nota Metodológica

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Capítulo 6Especialistas e militantes: um estudo a respeito da gênese dopensamento energético no atual governo (2002-2005)Diana Antonaz

O objetivo deste capítulo é o de procurar com-preender como se consolida uma forma de pen-samento que reproduz as lógicas subjacentes àpolítica energética brasileira e, como se insere aí,a proposta de construção de hidrelétricas nos riosXingu e Madeira. Nesse texto procurarei mostraras trajetórias de alguns dos produtores dessaspolíticas e das instituições onde suas idéias sãoproduzidas e legitimadas. Em seguida, serão ana-lisadas as questões evocadas por estes especialis-tas que desempenham (ou desempenharam) pa-péis centrais no atual governo para, então, ilus-trar e comentar suas distintas visões a respeito dapolítica energética1.

Essa análise permite perceber que, apesar danormatização emanada pelo Ministério de Minase Energia, os especialistas não aderem a um pen-samento único, sendo que as diferentes corren-tes continuam competindo no sentido de fazerprevalecer sua posição e sua visão de mundo. Es-sas tendências se consolidam, uma vez que o con-junto de postulados que fundamentam as políti-cas energéticas não resulta da criação de especia-listas individuais, mas de elaborações coletivasconstruídas ao longo do tempo no interior de ins-tituições que se comunicam e se inserem, inclusi-ve, no debate de temáticas extra-nacionais. Con-forme será visto, as diferentes visões sãopolissêmicas e os critérios técnicos, invocados pe-los especialistas como justificativa das opções fei-tas, constituem, na realidade, apenas minuta par-te dessas visões.

Procura-se dar conta, igualmente, das razões quelevam os técnicos a priorizar os rios da Amazôniaem seus projetos de hidroeletricidade, apesar doserros e das conseqüências de experiências anteri-ores como Tucuruí e Balbina, explicitando, paraisso, os argumentos que invocam a fim de afirmarque a experiência dramática desses dois casos nãose reproduzirá.

As instituições do planejamento energéticoe seus personagens2

Vários dirigentes de primeiro e segundo escalão,e alguns dos principais consultores do atual gover-no federal na área de energia vieram das institui-ções universitárias, são professores na pós-gradua-ção na área de Energia, na UFRJ – UniversidadeFederal do Rio de Janeiro e na USP – Universida-de de São Paulo3. Outros são engenheiros dasempresas estatais de eletricidade e da Petrobrás, ealguns já faziam carreira no funcionalismo públi-co. São especialistas reconhecidos dentro e forade suas instituições, sendo que sua atuação políti-ca se concentra em intervenções no âmbito daspolíticas energéticas. É o que mencionarei commaior detalhe a seguir.

a) na COPPE/ UFRJ

A COPPE (Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia) reúne, desde os anos1970, os cursos de pós-graduação nas várias moda-lidades de Engenharia, e ocupa vários blocos doCentro de Tecnologia da UFRJ, na Ilha do Fundão,

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em quadra vizinha aos centros de pesquisa daEletrobrás (CEPEL) e da Petrobrás (CENPES).A Área Interdisciplinar de Energia da COPPEfoi criada em 1978, por iniciativa conjunta dosprogramas de Física, Engenharia de Sistemas,Engenharia de Produção e Engenharia Nucle-ar, sendo que a primeira turma da pós-gradua-ção ingressou no ano seguinte. O programa seautonomiza ao longo da década de 80, e a partirde 1992 passa a se denominar Programa de Pla-nejamento Energético (PPE). Na realidade, orótulo “planejamento energético” já era, na épo-ca de sua adoção pelo Programa, expressão deuso corrente entre pesquisadores, uma vez quesua origem data da crise do petróleo dos anos70. Na realidade, o programa da COPPE coloca-va-se, à época de sua fundação, como uma espé-cie de extensão de outros institutos de planeja-mento energético que vinham sendo criados nomundo todo, com o patrocínio da ComunidadeEuropéia. A hidroeletricidade e a geração deenergia nuclear passam a ocupar o centro dosdebates enquanto formas da geração. São esses,também, os temas predominantes nas investiga-ções e teses do programa. Em época mais recen-te, o consumo de energia, assim como outrasformas de geração, têm sido objeto de pesquisa,inclusive as chamadas alternativas.

No entanto, a expressão “planejamento energéti-co” não implica apenas a discussão da forma deenergia a ser utilizada prioritariamente, mas re-mete à idéia de escassez - de um bem limitado – eque, portanto, necessita ser adequadamente admi-nistrado. A percepção da “escassez”, e sua perma-nente reprodução, subentende uma série de ou-tras questões freqüentemente não explicitadas, ouseja, as variadas concepções de demanda e consu-mo, que, por sua vez, implicam diferentes cons-truções de “desenvolvimento”, categoria chave queinclui diferentes visões sócio-econômicas e políti-co-ideológicas. Além disso, conforme veremos, atematização desta categoria é central para a com-preensão da ação dos diferentes agentes na elabo-ração das políticas energéticas.

Os fundadores do programa constituíam umaequipe multidisciplinar: dentre eles, os professo-res Luiz Pinguelli Rosa4 vindo da área de Físicanuclear, João Batista de Araújo, da Engenharia deSistemas, e os economistas Adilson de Oliveira eOtávio Mielnik; posteriormente entraram outrosprofissionais da mesma especialidade, comoEmílio Lèbre La Rovere e Maurício TiomnoTolmasquim, além de professores de outras áreas,como geógrafos e sociólogos.

Os pós-graduandos são em sua maioria engenhei-ros ou economistas, mas também foram selecio-nados geógrafos, arquitetos, biólogos, sociólogos,advogados. Alguns destes - que podemos chamarde segunda geração - se doutoraram no exterior,principalmente na França e nos Estados Unidos.La Rovere, Adilson de Oliveira e Otávio Mielnik eTolmasquim concluíram seus doutorados noCIRED (Centre International de Recherche surl’Environnement et le Développement), um cen-tro de pesquisas vinculado à École des HautesÉtudes em Sciences Sociales, de Paris, produzin-do suas teses sob a orientação de Ignacy Sachs.5.

Com isso, verifica-se que, desde o início, o Programade Planejamento Energético se liga ao pensamen-to internacional, conta com equipe multidiscipli-nar e procura pensar energia de forma integrada,envolvendo as diferentes formas de sua produção.Planejamento energético consistiria, portanto, nadiscussão das formas mais adequadas de produção,distribuição e consumo de energia, de acordo comdeterminado projeto de desenvolvimento, consi-derando-se uma multiplicidade de fatores: recursosnaturais de onde extrair a energia, preço, rendi-mento, agressões ao meio ambiente, eficiência nouso final. O planejamento energético se preocu-pa, portanto, com as modalidades de obtenção e usode energia, incluindo-se os combustíveis (petróleo,carvão mineral e vegetal, gás, álcool, resíduos) e aeletricidade (de origem hidráulica, térmica, nucle-ar, fotovoltaica, eólica).

Essa percepção múltipla fez com que alguns parti-cipantes do programa procurassem agregar discus-sões centrais e emergentes travadas em outras or-ganizações. Desta forma, em 1988 promovem umseminário6 para o qual convidam antropólogos doMuseu Nacional, que na época estudavam “os efei-tos sociais dos grandes projetos hidrelétricos”7. Nodebate daquele momento, contrapunha-se a ener-gia hidrelétrica e a energia nuclear.

Outro seminário importante teve como tema cen-tral a Amazônia8. Desse seminário participaramalém dos pesquisadores da COPPE, técnicos deempresas do setor elétrico do norte, pesquisado-res do Museu Goeldi, da Universidade Federal doPará (UFPA) e do Instituto de Desenvolvimentodo Pará (IDESP). Esse seminário foi realizado nomomento em que os efeitos sociais perversos deTucuruí vinham à tona e, além disto, construíam-se novas hidrelétricas na Amazônia em Balbina(Amazonas), em Samuel (Rondônia) e eram anun-ciados os projetos nos rios Xingu e Trombetas. Poristo, considero indispensável pensar o projeto Belo

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Monte e os demaisno Xingu, temascentrais do presentelivro, dentro de umalógica mais ampla.

Nas entrevistas reali-zadas e nas publica-ções da COPPE/PPE percebe-se cla-ramente a existênciade diferentes per-cepções e projetospara a sociedade.Dentre as figurascentrais na consti-tuição do pensa-mento, destaca-seLuiz Pinguelli Rosa, constituinte do que podemoschamar de primeira geração, que tem sua origemna física nuclear e em cuja trajetória destaca-se oseu papel crítico em relação ao programa nuclearbrasileiro, em particular, ao projeto das usinasnucleares em Angra dos Reis, RJ. 9

b) No Instituto de Eletrotécnica e Energia, e naUSP

Outros participantes centrais na elaboração daproposta de planejamento energético para o go-verno Lula eram vinculados ao Programa Interu-nidades de Pós-graduação em Energia da USP –Universidade de São Paulo, que é constituído porprofessores do Instituto de Eletrotécnica e Ener-gia (onde fica sediado curso de pós-graduação),da Escola Politécnica, da Faculdade de Economia,Administração e Ciências Contábeis e do Institu-to de Física. Conforme o site oficial, o PIPGE /USP se caracteriza também pela diversidade deinteresses, “um esforço interdisciplinar no sentido deformar profissionais voltados às questões vinculadas àdisponibilidade de energia, seus usos e impactos sobre asociedade, e sobre o meio ambiente”(www.energia.usp.br,2004).10

Enquanto que na UFRJ apareciam mais claramen-te as filiações intelectuais, a circulação nacional-internacional, a formação de grupos distintos, aimportância das gerações, as articulações de pes-quisa envolvendo projetos que mobilizam grandesquantidades de recursos, financiados por empre-sas públicas e por órgãos internacionais; no PIPGE-USP, pelo menos à primeira vista, destacam-se maisfiguras intelectuais individuais, que tem ocupadohistoricamente posições de mando nos governosestadual e federal, dentre as quais: o seu criador,

José Goldemberg11,físico, ex-reitor daUSP, que ocupoucargos no executivoestadual (presidentedas empresas esta-duais de eletricida-de e de gás, no go-verno Montoro,1983-86) e federal(Ministro da Educa-ção e depois, doMeio Ambiente, nogoverno Collor,1991-2). Aposentou-se como professor, econtinua atuando

na área de Energia, como representante brasilei-ro na World Comission on Dams, ocupando atual-mente a Secretaria Estadual de Meio Ambiente(governo Alckmin); David Zylberstajn, ex-genro doex-presidente Fernando Henrique Cardoso, foisecretário estadual de Energia (primeiro governoCovas, 1996-2000) e posteriormente presidente daANP – Agência Nacional do Petróleo; Ildo Sauer,especialista em nuclear, e que se firmou como oidealizador, em São Paulo, das propostasenergéticas do PT; e Célio Bermann, assessor, des-de o início, do Movimento dos Atingidos por Bar-ragens, e recentemente, consultor do ProgramaBrasil Sustentável e Democrático, conduzido emcooperação internacional pela importante ONGsediada no RJ, a FASE. Pode-se assim dizer que noPPE/COPPE convivem várias correntes, enquan-to que nos departamentos de energia da USP for-maram-se dois blocos políticos nítidos.

c) A investidura de especialistas militantes em fun-ções de dirigentes da política energética nacional

Engenheiros, físicos e economistas das instituiçõesacima apresentadas aparecem como os principaiselaboradores da política energética do governo,desde quando, nos anos anteriores à eleição de2002, enquanto participantes do Instituto Cidada-nia, elaboraram a proposta setorial de energia parao Partido dos Trabalhadores. Além dos professo-res Luiz Pinguelli Rosa, Maurício Tolmasquim, IldoSauer, participaram do grupo de trabalho os pro-fessores Célio Bermann e Carlos Vainer, o enge-nheiro da empresa Furnas, Roberto D’Araujo, e aatual ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff.

Apresentando inicialmente uma proposta coesa,muito rapidamente começaram a aflorar diferen-ças, sejam resultantes de processos anteriores de

Comício do Movimento dos Atingidos por Barragens, realizado em Brasília,Roosewelt Pinheiro/ABr

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pertencimento, se-jam por efeito dasnovas alianças e con-veniências políticas.Nesse sentido, pare-ce-me relevante de-talhar mais precisa-mente quem são aspessoas hoje formal-mente responsáveispela política energé-tica, a partir de suastrajetórias e das ins-tituições de origem.

O engenheiro civilIldo Sauer coorde-nava a pós-graduação em Energia da USP em 2002,quando liderou a formulação do programa deEnergia do candidato José Genoíno ao governode SP; foi em seguida designado para a Diretoriade Gás e Energia da Petrobrás. Havia cursado omestrado em engenharia nuclear e planejamentoenergético na UFRJ (1985) e concluiu o doutora-do no Massachusetts Institute of Technology em1991, com uma tese sobre o desenvolvimento demetodologia para geração de combustível nucle-ar. Ao regressar ao Brasil, trabalhou para o Minis-tério da Marinha no desenvolvimento do circuitoprimário do reator nuclear e em 1992 ingressouna USP como professor do IEE.

O arquiteto Célio Bermann, com mestrado emPlanejamento Urbano e Regional no IPPUR/UFRJ, havia concluído em 1991 seu doutorado naUnicamp pesquisando aspectos estratégicos dosinvestimentos em hidrelétricas no Brasil, especial-mente as relações entre tais investimentos e asdemandas das empresas grandes consumidoras(chamadas de eletro-intensivas) que aqui vieramse localizar. Entrou como professor no IEE/USPem 1992, e desde as eleições de 1994, colaborouna elaboração dos Programas de energia do PT;em meados de 2003, foi convidado para assessoraro secretário executivo Mauricio Tolmasquim, noMME, especificamente nas relações com a área am-biental e com os atingidos de barragens, perma-necendo por apenas um ano na função.

O engenheiro Roberto d’Araújo, um dos entrevis-tados, é quem explicita com maior clareza comodeveria funcionar o sistema elétrico interligado.Sua proposta tem relação direta com a trajetóriade engenheiro eletricista, formado na PUC-RJ, compós-graduação no Canadá, país, segundo ele, cujamatriz de predominância hidrelétrica serve de guia

para o sistema brasi-leiro. Trabalhou du-rante 26 anos emFurnas, a maior em-presa pública volta-da para a geração etransmissão de ener-gia elétrica. Aposen-ta-se no momentoem que começam acorrer ameaças deprivatização da em-presa, passando adedicar-se à criaçãoe liderança do Insti-tuto ILUMINA, deonde se afasta a fim

de integrar os quadros dirigentes da Eletrobrás nogoverno Lula, em 2003.

O professor Luiz Pinguelli Rosa, já menciona-do, foi por várias vezes Diretor da COPPE/UFRJ,é oficial reformado da Marinha, e havia se for-mado em Física e concluído seu doutorado naPUC na área de Física Nuclear. A discussão daquestão nuclear na época da construção das usi-nas de Angra I e II lhe propiciou notoriedadeno Rio de Janeiro.

Nos anos noventa, seu campo de pesquisa se am-plia para as questões ambientais, sendo um dos pi-oneiros do estudo da emissão de gases de represasde hidrelétricas que produzem efeito estufa e umdos primeiros a apresentar críticas bem fundamen-tadas do programa de privatização do setor elétri-co. Nas eleições de 2002, era cotado para Ministrono governo Lula, mas acabou sendo designado pre-sidente da Eletrobrás, cargo que exerceu até abrilde 2004, quando foi exonerado para acomodar in-teresses de alianças partidárias, voltando para aUFRJ. Em junho, as divergências até então enco-bertas foram explicitadas em entrevista concedidapelo físico à Folha de São Paulo, e novamente rea-firmadas em palestra na reunião da SBPC (Socie-dade Brasileira para o Progresso da Ciência) emCuiabá. Sua crítica principal diz respeito à falta deautonomia e de investimentos da Eletrobrás, quedeveria estar à frente do setor, em vez de aguardarinvestimentos de setores privados.

Logo depois de haver sido destituído da presidên-cia da Eletrobrás, o professor Pinguelli estava sen-do mencionado para ocupar a presidência daEmpresa de Pesquisas Energéticas (conformewww.setorialnews.com.br, 18.07.2004), cuja criação foiprevista pela lei 10.847/200412.

Professor Luiz Pinguelli Rosa,Antônio Cruz/ABr

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O professor Maurício Tolmasquim foi designadono governo Lula para o importante cargo de se-cretário-executivo do Ministério de Minas e Ener-gia. Tendo dupla formação em engenharia e eco-nomia, trabalhou na agência financeira federalFINEP, realizou seu mestrado na COPPE e douto-rado na EHESS, já mencionada, percorrendo tra-jetória similar à do professor Emílio La Rovere,um dos nossos entrevistados. Ingressou no Progra-ma de Planejamento energético da COPPE comoprofessor em 1994, tendo publicado vários estu-dos a respeito da “matriz energética brasileira”.

A economista Dilma Rousseff seria a “mais políti-ca” entre essas figuras destacadas do setor energé-tico do governo Lula. Já havia sido secretária dafazenda de Porto Alegre (1986–1988), e no gover-no estadual gaúcho, foi presidente da Fundaçãode Economia e Estatística do Rio Grande do Sul(1991–1993), Secretária de Energia, Minas e Co-municações (1993-1994 e 1999-2002). Antiga mili-tante de movimentos contra a ditadura, foi filiadaao Partido Democrático Trabalhista, migrando pos-teriormente para o Partido dos Trabalhadores.

d) nas empresas estatais de eletricidade e no Insti-tuto ILUMINA

Alguns técnicos e dirigentes de empresas do setorelétrico, com destaque a Eletrobrás e seu centrode pesquisas o CEPEL (Centro de Pesquisas deEnergia Elétrica) desempenham igualmente papelimportante na produção de um pensamento con-solidado referente ao planejamento energético –preocupação que nasceu em instâncias da Eletro-brás que congregavam no passado técnicos de to-das as regiões, como a Comissão Central de Plane-jamento Setorial e o Grupo Coordenador da Ope-ração Interligada.

Cabe ainda ressaltar que, no Rio de Janeiro, ou-tras instituições foram fundamentais na geração emanutenção de discussões a respeito do papel dasempresas estatais e da atuação dos técnicos volta-dos para o interesse público, ou melhor dizendo,incentivaram a politização dos engenheiros e téc-nicos. Trata-se das associações de engenheiros eempregados das estatais/empresas públicas e doSindicato dos Engenheiros no Estado do Rio deJaneiro, que funcionou, durante anos, como umgrande guarda-chuva para essas associações.

A maioria dos técnicos de Furnas, Eletrobrás e deoutras organizações do setor vivenciou a perda deperspectivas dentro das empresas onde trabalhava,resultante do que via como destruição da capacida-de técnica e de planejamento do setor público de

energia elétrica. Alguns deles se aliaram aos profes-sores da UFRJ já mencionados e a outros persona-gens relevantes da vida pública brasileira, comoHerbert de Souza, o Betinho13, e Alexandre Barbo-sa Lima Sobrinho14. Destes partiu a sugestão de cri-ação de uma entidade como o ILUMINA, segundoum dos nossos entrevistados. Naquele momento deprivatização das empresas do setor elétrico, seria umespaço de debates que contasse com a contribui-ção de técnicos – com grande peso dos engenhei-ros eletricistas de Furnas que, insatisfeitos com apolítica da empresa, passaram a pedir sua aposen-tadoria15. Alguns desses engenheiros recém-aposen-tados passaram a dedicar seu tempo a instituiçõesprofissionais que exercem também papel políticode grande influência na vida do país16.

Neste ambiente, em 1996, foi criado o ILUMINA,uma entidade civil, que surge com uma propostade democratização da política energética, e logose destaca por posições contra a privatização dosetor, ou por uma privatização que traga menoresprejuízos para o Estado e a população brasileira.Discussões importantes foram travadas na impren-sa e no âmbito do Congresso Nacional sobre astarifas de energia elétrica, o valor do patrimôniodas empresas e sobre a ampliação do acesso à ener-gia elétrica.

Um dos entrevistados relata que, na época do raci-onamento, o “pessoal descobriu o ILUMINA” e que,naquele momento, a página da instituição nainternet chegou a ter 1.500 acessos por dia, fato esseque confere à organização igualmente uma certanotoriedade enquanto órgão de utilidade pública.

Logo no início de sua administração na Eletrobrás,o presidente Pinguelli, auxiliado pelos engenhei-ros vindos do ILUMINA, Roberto d’Araújo e JoséDrummond Saraiva, criou no âmbito da Eletrobráso grupo de estudos Gênese (Grupo de estudos paraa nova estruturação do setor elétrico), com o ob-jetivo de trabalhar articuladamente com o Minis-tério de Minas e Energia no diagnóstico e propo-sição de subsídios para mudanças de modelo emedidas emergenciais.

A saída de Pinguelli da presidência da Eletrobrásum ano e meio depois de nomeado poderia sugeriruma inflexão na política energética, no entanto seusauxiliares Roberto d’Araújo e José Drummond Sa-raiva lá permanecem; mantendo-se igualmente ocontrato de assessoria com Carlos Vainer, professordo IPPUR/UFRJ e assessor do MAB.

O sucessor de Pinguelli na Eletrobrás, SilasRondeau Cavalcante Silva17, engenheiro eletricista

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com especialização em administração de empresas,é quadro de carreira do setor elétrico. Atuou du-rante mais de quinze anos na CEMAR (Companhiade Eletricidade do Maranhão), participou do con-selho de administração de diversas empresas elé-tricas, foi presidente da Manaus Energia (AM) eda Boa Vista Energia (RR); e entre 1995 e 2000ocupou cargos na direção da Eletronorte. Confor-me foi noticiado pela imprensa à época de sua no-meação, a ascensão ao cargo resultou de acordoentre o governo e o PMDB, com o objetivo de gran-jear o apoio deste partido que, em troca, obteriaalguns cargos-chave. A presidência da Eletrobrásfoi preenchida por indicação do ex-presidente daRepública e senador José Sarney, do PMDB doAmapá, cujo grupo político é dominante no Mara-nhão, tendo igualmente grande influência em todaa região Norte.18 Rondeau conhece os problemasda região e certamente é pessoa que integra o pen-samento Eletronorte a favor da construção de hi-drelétricas na Amazônia, como forma de desenvol-vimento local19.

Em relação ao caso em análise, a Eletronorte, em-presa estatal criada em 197320, tem, através de seusadministradores e técnicos, desempenhado papelrelevante tanto em articulações políticas locais enacionais, sempre no sentido de promover a cons-trução de barragens na região – para o que fazemcoro outros órgãos locais como o CREA- PA – quan-to nas relações com as populações locais, freqüen-temente personalizadas. Cita-se a exemplo disto,o caso do ex-presidente da empresa José AntônioMuniz Lopes, cuja imagem, associada à da índiaTuíra roçando com o facão o seu rosto, foidivulgada internacionalmente em 1989, quando,na qualidade de diretor de planejamento e enge-nharia, representava a empresa no Encontro dosPovos Indígenas para discutir os projetos das usi-nas de Kararaô (atual Belo Monte) e Babaquara.Se o resultado imediato do encontro representoua impossibilidade política de implantação do pro-jeto na época, Muniz Lopes, após trabalhar umperíodo na CHESF, volta para a Eletronorte naposição de presidente da estatal em 1996, dedi-cando desde então todos os seus esforços naviabilização das usinas hidrelétricas no Xingu. Aconsecução do projeto de Belo Monte transfor-mou-se, para ele, a partir do evento de 1989, emuma questão pessoal.21

e) na PETROBRÁS

Para concretizar sua atividade-fim de extrair pe-tróleo e de fabricar derivados, a Petrobrás utiliza

quantidades elevadas de energia, usualmente ge-rada por termelétricas da empresa, que alimentamsuas refinarias e plataformas de produção. Mas asua participação em projetos de usinastermelétricas e na discussão do planejamento daenergia elétrica é recente e, no interior da empre-sa, sujeita a críticas. Neste quadro, segundo repor-tam integrantes da Diretoria de Gás e Energia, oórgão a que pertencem é visto como corpo estra-nho pelos técnicos e dirigentes voltados para aprodução de petróleo. Embora, no projeto do ga-soduto Bolívia-Brasil já estivesse prevista, desde1996, a “ancoragem” de várias usinas termelétricaspara viabilizar o consumo do gás importado, a pri-meira incursão da empresa no setor se tornoupública quando esta é instada a tornar-se parceirade capitais estrangeiros no Programa Prioritáriode Termelétricas (PPT, lançado no ano 2000 peloentão ministro Rodolfo Tourinho).

Esse programa garantia aos empresários dispostosa investir na construção de termelétricas, o preçosubsidiado de gás natural nacional, a manutençãodo câmbio para o gás importado, e a compra pelaEletrobrás de toda a energia produzida por essasusinas, isso, mesmo quando as hidrelétricas esti-vessem operando sem problemas. Poucas usinasdas 49 termelétricas projetadas foram construídas,e várias têm a Petrobrás como sócia importante(p.ex. as usinas Três Lagoas, MS, Canoas, RS, Ibiri-té, MG, e outras na Bahia, no Ceará, no RJ).

Com a crise de oferta de eletricidade em 2001, aPresidência da República criara uma instância iné-dita no país: a Câmara de Gestão da Crise de Ener-gia comandada pelo então ministro-chefe da CasaCivil, Pedro Parente, - a qual por sua vez elaborouiniciativas que se tornaram Medidas Provisórias bas-tante controvertidas, dentre as quais um “encargode capacidade emergencial” que onera até hoje ascontas mensais de eletricidade. O professor IldoSauer da USP tornou-se o principal crítico destasmedidas, tendo sofrido represálias jurídicas da par-te do então governo federal. No início do governoLula, a nova Diretoria de Gás e Energia da Petrobrásfoi preenchida exatamente pelo professor Sauer.

Ildo Sauer e sua equipe estariam entendendo osinvestimentos em gás e energia elétrica como for-mas estratégicas de preparar a empresa para o fu-turo. Conforme conversa mantida com um dosintegrantes dessa diretoria, eles se sentem um tan-to “outsiders”, uma vez que os quadros e técnicosda empresa costumam reagir contra os que são “defora”. Também, segundo o meu interlocutor, nãovêem com bons olhos a expansão da produção e

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do consumo de gás natural, meta que se afastariado objetivo histórico da empresa: a produção dederivados no país e a autonomia em relação à im-portação de petróleo e de derivados.

Alocar recursos para projetos na área do gás e daeletricidade seria visto então como um desvio derecursos destinados ao petróleo, como, por exem-plo, o investimento na construção de gasodutosna Amazônia e a participação na implantação deusina térmica em Manaus, ações essas que gera-ram resistências no interior da empresa.

Idealizações e a práticasObserva-se que o setor de produção de energiaelétrica se destaca pela sua organização, construí-da ao longo do tempo, tanto em grupos de estudoe trabalho no interior das empresas públicas, quan-to em diversas instituições associativas de engenha-ria ou de interesse público como o ILUMINA. É aexistência dessas instituições na longa duração quetem permitido que a constituição de correntes depensamento, por vezes opostas e que podemosentender como diferentes posições num mesmocampo (espaço social de disputa pela posição do-minante), que se expressam com freqüência atra-vés dos mesmos temas, assuntos e categorias – ouseja, há uma linguagem comum aos personagensque ocupam diferentes posições no campo.

Embora os técnicos no governo se apresentemcomo constituindo um bloco, não são poucas asdiferenças de percepção sobre como deve funcio-nar o setor elétrico no Brasil. Essas diferentes vi-sões variam em função de uma multiplicidade defatores - trajetórias (acadêmica e política), inser-ções institucionais, capitais sociais, relações perso-nalizadas – que contribuem para a produção dediversas avaliações das ordens técnica, econômicae ideológica. Apesar das diferentes abordagens, ostemas discutidos pouco variam: desenvolvimento,democratização do acesso à energia elétrica, po-der de controle sobre o sistema, bem como outrasdestas decorrentes: formação de demanda e con-sumo, “apagão”, relação público x privado, custos.

Por uma questão de método, antes de debater asposições que giram em torno desses temas, pare-ce-me oportuno mostrar como esses diferentes per-sonagens pensam o que denominam “sistema elé-trico brasileiro”. Apresentarei aqui uma síntese bas-tante esquemática, no entanto, informações deta-lhadas a esse respeito podem ser encontradas nolivro SAUER, PINGUELLI et.al., 2003 e nas diver-sas entrevistas ou matérias assinada que circulamna internet.

Segundo Roberto d’Araújo, dirigente da Eletrobrás,o Brasil desfruta de uma característica única nomundo: possui um monopólio natural de energia,

Presidente Lula visita obras da duplicação da Tucuruí,Ricardo Stuckert/PR

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constituído pela importante e variada rede hidro-lógica, tendo portanto a possibilidade de formarreservatórios amplos e produzir grandes quantida-des de energia22.

Além disto, de acordo com o técnico, extensa ma-lha de linhas de transmissão de alta voltagem jáfunciona em grande parte do território brasileiro,sendo que a execução dos projetos de construçãode usinas nos rios Xingu e Madeira permitiria “fe-char” completamente esse Sistema Interligado, aten-dendo com ele a todos os Estados. Desta forma,por exemplo, Amazonas e Rondônia, cuja eletrici-dade é majoritariamente de origem térmica, pas-sariam a ser supridos por energia elétricatransferida de outras regiões, uma energia geradapor um conjunto de grandes centrais, uma eletri-cidade mais estável segundo o entrevistado 23. Nasua opinião, resultariam benefícios para o desen-volvimento local.

Coloca, ainda, que para baratear os custos, essesistema deveria ser controlado por uma únicaempresa. Reconhece que, no passado, foram co-metidos grandes erros, como em Itaparica e Tucu-ruí, mas que, com o sistema interligado funcionan-do, seria possível operar com grandes potênciasinstaladas em usinas com reservatórios menores,transferindo imediatamente para outras regiões aenergia gerada pelas turbinas, ao invés de armaze-nar grandes quantidades de água. As usinas térmi-cas e nucleares não seriam para o engenheiro umaboa solução em virtude de seu alto custo e da po-luição decorrente das primeiras. Conforme as pu-blicações citadas ao final, essa parece ser de formageral, a mesma opinião do professor Pinguelli ede outros aqui mencionados.

Em sua proposta de “planejamento da expansão”,o professor Sauer e seus colaboradores, em seu li-vro, preconizam a formação de um comitê coor-denador24, o qual seria constituído a partir do mu-nicípio, passando pelas concessionárias, indo atéo nível nacional. O comitê atuaria considerandoas expectativas energéticas e as diferentes possibi-lidades, e realizaria os estudos que possibilitassem“o ordenamento dos projetos de geração hidrelé-trica, termelétrica ou alternativos, como blocos deco-geração, conservação e de linhas de transmis-são”. Além disso, SAUER prevê que o plano deexpansão seja submetido à “contestabilidade públi-ca, para que atores como empresas, universidades, movi-mentos ambientais, e outros interessados em oferecer al-ternativas tenham ainda oportunidade de se manifestarsobre a precisão da previsão de demanda ou se restampossibilidades não consideradas”(op. cit, 2003, p.98).

O autor ressalta, ainda, a necessidade de resgataro caráter público e essencial do serviço (op. cit.,2003, p. 99 – 100), chamando a atenção para a“volatilidade” do sistema hidrelétrico brasileiro,com grande variabilidade de regime dos cursosd’água, o que implica fornecimento pouco está-vel de eletricidade. Por esse motivo, ele tambémprevê um sistema interligado nacional, mas ondepossam coexistir diferentes formas de geração deeletricidade.

O especialista entrevistado na Diretoria de Energiae Gás da Petrobrás desce do patamar do ideal paraalgumas questões mais concretas. Considera que astérmicas são caras e não competitivas com as hidre-létricas, em virtude do custo dos combustíveis, alémdos graves problemas de poluição que venham acausar. No entanto, prevê, que se houver investimen-tos e interesse político na expansão do gás, as tér-micas a gás poderiam ser uma solução complemen-tar interessante. Investimentos na prospecção de gásem Urucu (Amazonas) e na Bacia de Santos pode-riam fazer cair o preço do combustível, atualmenteimportando em grande parte da Bolívia e pago emdólares. Naturalmente essa não aparece como umasolução de curto prazo. Coloca-se a favor da capta-ção de recursos e do incentivo a investimentos in-ternacionais, da oferta de energia estável, em gran-de quantidade e barata.

Vejamos algumas variações desses pontos de vistaaparentemente coesos. O Professor La Rovere, daUFRJ, por mim entrevistado, diz que o futuro dosistema elétrico dependerá muito de questões po-líticas e de como o mercado irá reagir. Consideraque a capacidade de investimento do Estado estáextremamente limitada e que haveria necessida-de, portanto, de se contar com o aporte financei-ro privado para os grandes trabalhos de infra-es-trutura, assim como aconteceu em outras partesdo mundo. Em princípio, vê a possibilidade deutilizar diferentes formas de geração, mas acredi-ta que o sistema resultante dependa do mercado.Relata o entrevistado que há diferenças de visãono programa de planejamento energético, ou “gru-po” da COPPE: por exemplo, por um lado, o pro-fessor Pinguelli, vê como indispensável o controleúnico pelo Estado, e por outro, alguns de seusantigos alunos como Danilo Dias, Adriano PiresRodrigues e Rafael Schechtman, teriam uma visãomais aderente à “dos mercados” e estariam criti-cando publicamente a nova proposta do Ministé-rio de Minas e Energia para o setor elétrico, dosquais o professor Maurício Tolmasquim é um dosprincipais articuladores. Relembrou que outra di-mensão importante, a questão do meio ambiente

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é considerada atualmentecomo o grande “guarda-chu-va” acadêmico do programade pós-graduação, e tratadacomo um tema transversal atodas as políticas energéticas.

O professor Tolmasquim semostra igualmente partidáriodas hidrelétricas25 e sua preo-cupação, em artigo publicadoem 2001, volta-se para a viabi-lidade dos investimentos, umavez que a especificidade do sis-tema elétrico apresenta riscos,ou seja, dependendo da de-manda e oferta de energia, ospreços podem variar muito,penalizando em uma situaçãoos consumidores, na outra osinvestidores. Ao concluir, afir-ma que “se é dessa maneira queos investimentos ocorrerão no fu-turo, os consumidores estariam,indiscutivelmente, melhor sob o antigo regime das empre-sas estatais brasileiras, as quais tinham a obrigação deservir aos consumidores, e não aos acionistas de um ou-tro continente”.

Durante a fase de elaboração das leis 10.847 e10.848, o professor na condição de secretário-exe-cutivo do MME, apresentou um sistema de remu-neração das concessionárias vinculado ao prazo decontrato que pode ser assim traduzido: mais curtoo prazo, maior a possibilidade de lucro mas tam-bém maior seria o risco, e quanto mais longo,maior segurança, com taxas de lucro menores.Além da empresa de planejamento e pesquisa jámencionada, EPE, foram também criados em 2004,a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica,um órgão centralizado e sujeito a um marcoregulatório26 e, pelo decreto no. 5.175, mais umnovo órgão, o Comitê de Monitoramento do Se-tor Elétrico, “com o objetivo de avaliar permanentementea continuidade e a segurança do suprimento energéticoem todo o território nacional”.

Conferência de Bonn, 2004: um exercíciode prestidigitação em torno das “energiasrenováveis”Dentre alguns eventos recentes que permitem iden-tificar com maior clareza as atuais tendênciashegemônicas do setor elétrico (quem ocupa e qualé a posição dominante), vale destacar o seguinte: emjunho passado, conforme amplamente anunciado

pelos jornais27, a MinistraDilma Rousseff participou emBonn, na Alemanha, da Con-ferência Internacional de Ener-gias Renováveis, enquanto re-presentante do Brasil e tam-bém porta-voz do restante daAmérica Latina e do Caribe.

Pretendia-se naquele fórumfirmar um compromisso inter-nacional a favor das “energiaslimpas”. Estava em jogo odirecionamento de financia-mentos do Banco Mundial edo Banco Interamericano deDesenvolvimento para “no-vos” modos de geração elétri-ca. Na reunião, houve debatesacirrados, e disputas em tornoda definição do que seriamenergias renováveis.

Por um lado, colocava-se a po-sição que incluía como renováveis as hidrelétricasde menor porte (menos de 10 MW e reservatóriosde até 3 milhões de m2), as fontes eólicas, solar e debiomassa. Por outro a posição dos governos do Bra-sil, da China e de alguns países da África (que ain-da contam com potencial hidráulico não utilizado)insistia na inclusão de toda e qualquer hidroelétri-ca sob a legenda de “energias renováveis”.

A segunda posição acabou prevalecendo, apesardos protestos e críticas de representantes de vári-as organizações não governamentais que defendi-am a apresentação e ampliação de programas deincentivo às fontes não convencionais28. Emborareconhecendo a Ministra que “não se podem ig-norar” os danos ambientais e sociais causados porgrandes hidrelétricas, acrescenta que podem sermitigados na execução dos projetos, o que a leva aconcluir que: “Como se vê, o Brasil busca explorar to-dos os seus recursos naturais de forma sustentável epriorizando a eficiência energética”. E, a justificativapara a continuidade da construção de grandes hi-drelétricas estaria, segundo a Ministra nos “milhõesde brasileiros que ainda vivem à luz de velas”.

O que ocorreu na Conferência pode ser configu-rado como um caso de violência simbólica – amanipulação de conjuntos lógicos ou associaçõesde idéias - aqueles que tem direito à palavra privi-legiada manipulam os conjuntos, a fim de defen-der os interesses que representam, no caso, obtero financiamento de bancos internacionais para aconstrução de grandes usinas hidrelétricas. No

Maurício Tolmasquim, Secretário Executivo MME,Antônio Cruz/ABr

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entanto, a existênciade uma agenda am-biental de amplaaceitação internaci-onal impõe aos ban-cos políticas que de-mandem, dos finan-ciados, a adesão auma agenda ambi-entalista. Compre-ende-se então a ope-ração realizada pelaministra. Se, no iní-cio da conferência,havia consenso emtorno dos efeitos so-ciais e ambientaisnegativos causados pelas grandes hidrelétricas, as-sociando as grandes usinas à energia renovável,estas passam a integrar outro pólo de associaçõesde pensamento. Produz-se, então, através desse des-locamento, um conjunto de novas associações ló-gicas, cujos efeitos não são necessariamente pla-nejados, mas podem vir a ampliar-se em funçãode diferentes fatores (imprensa, reorientação depolíticas energéticas, elaboração de literatura téc-nica, por exemplo): Hidrelétricas = energia renovável= energia limpa = desenvolvimento sustentável.

Acontecimentos que sucederam a Conferênciasão bastante esclarecedores dos significados daorientação adotada pelo governo no evento. Logoapós o Congresso de Bonn, a Ministra Roussefreclamou da falta de celeridade no licenciamen-to ambiental de 21 das 54 usinas licitadas pelaANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica)entre 1999 e 200229. A esse mesmo respeito, emuma reunião em São Paulo, o SecretárioTolmasquim declarou que não há no momentopossibilidade de um novo “apagão”, desde quetranscorra normalmente a construção de novasusinas num total de 5 mil Megawatts.

Por outro lado, o diretor de projetos da Eletro-brás, Aloísio Vasconcelos, em participação no“Fórum continuado de energia” no Clube de En-genharia do Rio de Janeiro, declarou que o paísnão corre o menor risco de “apagão”, pelo menosaté 2008. Com base na “realidade do sistema elé-trico brasileiro”, afirmou que o país possui atual-mente 5 mil MW de reservas sem demanda e ain-da 3,3 mil MW de capacidade a instalar no âmbitodo PROINFA.

Esse tipo de divergência mostra, conforme serádetalhado mais adiante, que o planejamento

energético, do pon-to de vista dos atu-ais dirigentes doMinistério das Mi-nas e Energia, in-clui elementos e in-teresses que lhe sãoexternos. Nessa li-nha, no Encontrode Negócios eEnergia, Tolmas-quin reafirma queas pendências no li-cenciamento deve-rão ser rapidamen-te resolvidas30 emostrou entusias-

mo no que chamou de “nova onda de investi-mentos do setor”, a começar em breve.

Como os especialistas constroem a equa-ção: desenvolvimento = energia elétricaNos diferentes textos consultados e entrevistas re-alizadas, a motivação ou justificativa de base paraexpandir a geração de energia é o “desenvolvimen-to”. Esta categoria mostra-se extremamente pro-blemática, tanto em virtude dos múltiplos signifi-cados que lhes são atribuídos, quanto pela gene-ralidade que lhe é conferida. Pretendo dizer, comisso, que os objetivos invocados em nome do de-senvolvimento pouco tem a ver com as necessida-des das pessoas de carne e osso, tanto localmente,quanto extra-localmente.

Pode ser também interessante traçar um paraleloentre os grandes projetos dos anos 70 e a atualproposta de eletrificação acelerada, que propicia-ria a expansão do parque industrial voltado para aexportação, sem que tenha sido explicitada a in-tenção clara de investir em programas específicosque visem a obtenção de melhores condições devida para as populações locais.

Conforme discursos dos técnicos, a própria implan-tação das hidrelétricas teria o efeito indutor demudar as realidades locais, que, de modo geral, aseu ver, se caracterizam por atraso e miséria. Deve-se considerar que alguns dos entrevistados man-têm relações com dirigentes do MAB (Movimentodos Atingidos por Barragens), inclusive compro-missos de campanha; no entanto, uma coisa é arelação política com diretores do movimento, queestão investidos de legitimidade, e outra bem dife-rente é a relação dos técnicos com as populaçõeslocais e seus problemas concretos.

Dilma Rousseff, Ministra de Minas e Energia,Wilson Dias, ABr

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Vivemos hoje um outro momento histórico e políti-co, quando existem instituições democráticas funci-onando - como, por exemplo, o Ministério Público,que tem desempenhado um papel de grande rele-vância – numa sociedade livre para se organizar,entidades de defesa dos direitos dos cidadãos, e umgoverno pelo menos em princípio mais disposto aodiálogo do que qualquer outro anteriormente.

No entanto, toda a preocupação visível nos pro-nunciamentos dos representantes do governo como licenciamento de mais de meia centena de pro-jetos de usinas mostra que suas “reclamações” seaproximam das do setor privado, e, pelo menospor enquanto, o poder público não tem demons-trado a intenção de manter um compromisso cla-ro e específico em relação àqueles que sofreriamperturbações decorrentes das obras.

Cabe a esse respeito lembrar a literatura voltadapara os efeitos sociais das grandes hidrelétricas,produzida no final dos anos 80, em particular, pelaequipe do Museu Nacional, coordenada pela pro-fessora Lygia Sigaud, que analisa a complexidadee especificidade de cada caso mostrando a partirde material empírico, que em diferentes situaçõesconcretas, os efeitos esperados podem ser modifi-cados em vários graus e modos.31

Nas entrevistas realizadas e no material analisadodetectei dois tipos distintos de concepções de de-senvolvimento que, no atual governo, estarão per-manentemente em contraposição e disputa pelahegemonia, podendo resultar em posicionamentosque pendem ora para um lado ora para outro.

Um dos tipos preconizados prevê um desenvolvi-mento voltado para a população, para a elevaçãoda renda e produção de bens para o consumo in-terno. A avaliação dos especialistas, que se agre-gam em torno dessa posição, apontam o baixoconsumo domiciliar32 como sinal de pobreza, sen-do que o desenvolvimento seria medido pelo au-mento do consumo, e em particular pelo aumen-to de consumo de energia elétrica. Dessa forma,consideram que mesmo o “desenvolvimento eco-nômico voltado para o social” requer a contínuaexpansão do sistema elétrico.

A esse respeito, parece-me oportuno observar queos comportamentos de consumo das pessoas podemvariar intensamente e que os resultados não são ime-diatamente previsíveis: alguns, por exemplo, podemdeslocar recursos de um produto para outro, outrosinduzidos a adotar novos padrões de consumo.

O caso atual do consumo residencial de energiaelétrica ilustra bem esse caso: setores do governo

demonstram preocupação porque o consumoresidencial ainda não voltou aos níveis anterioresà “fase do apagão” e a demanda continua baixaem relação à quantidade de energia que as em-presas dispõem para ofertar e vender.

Grande número de pessoas aprendeu não apenascomo poupar energia numa situação de crise, mastambém, como pagar contas mais baixas e liberarrecursos para outros tipos de consumo.

O dissenso em torno dos eletro-intensivosO segundo tipo de “desenvolvimento” segue a cha-mada lógica do mercado ou seja trazer investimen-tos de qualquer espécie para o país, seja na fase deconstrução das UHEs, seja posteriormente, o queimplica atrair recursos através de oferta de ener-gia elétrica abundante, estável e barata. O que estáem jogo, aí, são as fábricas eletro-intensivas33, queconstituem o verdadeiro divisor de águas entreas duas posições. Ou como expressou um dosentrevistados:“Essa questão de exportação dos eletro-intensivos sempre foi uma si-tuação controversa. Se você abre mão, tem efeitos na própria econo-mia do país. A própria Albrás e Alcan34 trouxeram muito dinheiro.Se não se permitisse aquilo lá, esses recursos não entrariam. Elescolocaram dinheiro muito alto, tanto é que eles estão participando detodas as licitações de hidroelétricas na região.”

O especialista entrevistado expressa ainda a neces-sidade de existência de energia abundante e bara-ta, de forma a que possa servir de atrativo parainvestimentos estrangeiros no país. 35

Outro dos entrevistados, partidário do “primeirotipo” de desenvolvimento aqui mencionado, ex-pôs a divergência: “O Brasil está se tornando umaespécie de exportador de recursos naturais e recebendomuito pouco por isso”. De fato, Bermann (2004) nãoapenas confirma isso, como quantifica a relaçãoprodução para o mercado interno/exportaçõese traduz a produção exportada em um equivalen-te de energia elétrica exportada. Em valores doano de 2000, o setor alumínio exportou 71,4%da sua produção equivalendo a 14,2 milhões deMWh, o de ferro-ligas 51,5% equivalendo a 3,3milhões de MWh, o de siderurgia 34,5% da tone-lagem de aço produzida, equivalendo a 5,3 mi-lhões de MWh. Vale sublinhar, que somando ape-nas a fração exportada destes três processos in-dustriais chega-se a quase 8% de todo o consumonacional de eletricidade.

Os dois tipos de desenvolvimento implicam propos-tas bem diferentes de planejamento energético: noprimeiro, o investimento em novas usinas poderiaser bastante modesto enquanto que o investimento

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principal seria feito em linhas de transmissão,subestações e distribuição, na melhoria de eficiênciados usos finais de eletricidade e visaria principalmen-te a universalização do consumo e ramos da produ-ção econômica que não sejam eletro-intensivos.

A segunda tendência prevê investimentos maciçosna construção de grandes e médias usinas, enquan-to que os custos de transmissão e distribuição seri-am relativamente baixos, uma vez que as linhas detransmissão seriam dirigidas para os principaispontos de consumo, incluindo-se aí fábricas eletro-intensivas cuja localização pode ser decidida demodo que as linhas de transmissão sejam mais cur-tas e de uso exclusivo.

Os programas de eletrificação popularCom o intuito de melhor contextualizar a questãoenergética mais geral, importa entender o significa-do de dois programas que vêm sendo conduzidossob a coordenação da Eletrobrás: o “Luz para to-dos” e o PROINFA. O primeiro quantificado naincorporação, até 2008, de 12 milhões de pessoasa serem atendidas, parece constituir-se em passofundamental em direção à universalização do aten-dimento. Foi inaugurado ainda na gestão Pinguelli- pode-se dizer, simbolicamente em 2003, na loca-lidade de Nazaré, no Município de Novo Santo An-tônio, no Piauí.

Na opinião de Juhas e d’Araújo há problemas gra-ves subjacentes à proposta de universalização, acomeçar pelo rendimento insuficiente e irregulardas famílias, ou seja, boa parte dos possíveis bene-ficiados pelo programa não tem como pagar regu-larmente as contas de luz36. Pode-se considerar tam-bém que o programa tem como efeito um aumen-to geral de consumo, o que é da conveniência tan-to do conjunto de empresas interessadas na cons-trução de usinas37, quando das distribuidoras lo-cais de energia.

Conforme Juhas, a universalização tem sido obje-to de conflito, particularmente, em algumas áreasda Amazônia. De um lado estaria a Eletronorte,cujos dirigentes defendem a construção de barra-gens, mas consideram necessário que as comuni-dades locais recebam também energia. Por outroestaria o mercado (e também o MME) que nãocompartilha desse ponto de vista, uma vez que asdistâncias e o meio ambiente particular da Ama-zônia são fatores de elevação de custos de infra-estrutura. Aparentemente o mercado nacional deeletricidade, incluindo produtores de eletro-inten-sivos localizados no sudeste, parece não estar dis-posto a arriscar esse tipo de investimento.

Quanto ao PROINFA, este tem por objetivo a di-versificação da “matriz energética” brasileira. Évoltado para a “busca de soluções de cunho regio-nal” e inclui pequenas centrais hidrelétricas, ener-gia solar, energia eólica e projetos promissores deuso de biomassa (utilização de resíduos agro-in-dustriais, bagaço, serragem, para produção de ele-tricidade, e utilização de óleos vegetais como com-bustíveis complementares do óleo diesel).

O resultado da concorrência pública para o for-necimento de eletricidade obtida a partir de taisfontes de energia acaba de sair e é a primeira vezque o governo inclui as chamadas energias alter-nativas na matriz energética, embora a Eletrobrástivesse tradição de pesquisa acumulada com essasáreas. Os números do programa são também ex-pressivos: 3.300 MW com início previsto para 2006(contra 5.000 MW a serem gerados por 51 novasgrandes UHEs). Apesar do importante aporte deenergia que esses programas podem trazer, os es-pecialistas do setor não consideram as contribui-ções dessas fontes como relevantes para o sistema.

Com relação a isso, d’Araújo deixa bem claro que“nem ventoinha, nem pequena central hidrelétrica, nempainel solar vão resolver o problema”. Na realidade,esses especialistas são unânimes em afirmar queos programas defendidos por ecologistas não po-dem impulsionar nem o desenvolvimento, comoeles o percebem, nem melhoria de renda da po-pulação. É oportuno lembrar, por outro lado, queexistem financiamentos internacionais crescentespara a instalação de equipamentos voltados paraas “energias renováveis”.

Os defensores dos dois tipos de propostas de de-senvolvimento aqui descritas têm, no entanto algu-mas crenças em comum: a) a necessidade de inves-tir maciçamente no aumento de oferta de energia;b) os efeitos ambientais e sociais podem ser “miti-gados” – quer dizer, não evitados, e representam ocusto a ser pago pelo desenvolvimento. Conformeexpressou Roberto d’Araújo: “Energia é gasto, estra-ga a natureza, tem sempre uma sujeirinha...; as energiasalternativas são caras, não estáveis e não reúnem condi-ções para resolver os problemas energéticos do país”.

O tamanho do consumo: entre o fantasmado “apagão” e a crise de sobra de energiaFica claro nas reflexões feitas até aqui que previ-sões de consumo de eletricidade estão relaciona-das a representações de diferentes tipos de “de-senvolvimento”. Essas projeções são portanto me-ras abstrações que não levam em consideração,

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conforme se procurou mostrar, uma série de fato-res de origem histórica, social, e de padrões decomportamento. Com relação a isso, o professorLa Rovere estabeleceu durante a entrevista umadiferença nítida entre o papel dos cientistas soci-ais e o dos especialistas do setor energético.

A seu ver, o papel das ciências sociais é o de le-vantar questões, “fazer críticas”39; planejamentoé um pouco uma interface: a engenharia só pen-sa no técnico, a economia só vê o lado econômi-co. O mais difícil é o compromisso de encontrarsoluções, comparando vantagens e desvantagensnas diferentes alternativas. “O grande problema éesse: você não consegue fazer omelete sem quebrar al-gum ovo”.

Com o fim do monopólio estatal, onde todos equalquer um podem intervir, contanto que seatenham a algumas regras, passaram a ocuparum espaço central os interesses dos agentes en-volvidos os quais competem entre si, e podematé inchar as avaliações técnicas de necessida-des futuras do país em termos de energia. Tra-balha-se hoje com um agravante, que é a impo-sição de se criar demanda para garantir os lu-cros das várias empresas atuantes no setor, e aomesmo tempo, engrossar o fluxo de caixa parao governo.

Invoca-se, então a possibilidade próxima de “novoapagão”, de forma a gerar focos de pressão e aobter a aprovação mais simples ou mais rápidade financiamentos e de licenças para projetos.Essa estratégia, de tentar manter a sociedade sobameaça, é bastante conhecida, e muito antiga, epode ser muito eficaz38, no nosso caso, avança ain-da mais, deslocando a responsabilidade do apagãosempre possível, sempre esperado para os ocu-pantes das instâncias que têm se preocupado comos problemas das populações e do meio ambien-te, como o Ministério Público e o Ministério doMeio Ambiente.

Enquanto isto, a realidade comporta outros fa-tos, bem distintos. Algumas preocupações recen-tes não são apenas relativas à escassez. Muitomenos divulgada, desponta desde 2002, discreta-mente, a crise de sobra de energia para a qualtambém é necessário encontrar soluções (SAUER,op. cit. p.150-154). Na realidade, não são apenasas visões a respeito do tipo de desenvolvimentoque compõem diferentes projeções de demandae consumo, mas intervém igualmente o interessedos grandes agentes econômicos, que por vezes,contribuem para modificar completamente oquadro de previsões.

As representações de “monopólio natural”na interseção entre o público e o privadoAlguns dos especialistas que ocupam hoje posiçõesimportantes no setor elétrico são pessoas que emanos recentes se opuseram à privatização do setor.Hoje nenhum dos entrevistados pensa na possibi-lidade de reverter o processo. No entanto, todossão muito críticos em relação à fragmentação dosetor elétrico, isto é, consideram o fracionamentodo sistema – a separação da geração da transmis-são licitando cada uma para grupos de empresas –um grave erro que implicará em sua desfiguração,dificuldades de operação, falta de segurança e ele-vação dos custos como conseqüência da separaçãodo “monopólio natural”. Para controlar e coorde-nar o sistema, torna-se necessário, então, promo-ver a criação de uma série de órgãos, com direto-res, superintendente, sede, que geram custos aserem embutidos na tarifa de energia elétrica.

SAUER et al. (2003, p. 140) advertem contra osproblemas e prejuízos que podem ser criados porum sistema de “estado mínimo” baseado nahegemonia do mercado e preconizam que apenasum sistema que se caracteriza por absoluta trans-parência, acesso e envolvimento dos usuários podecumprir os objetivos de “universalização do aces-so e controle de qualidade de preços e tarifas”.

CARVALHO (SAUER et al., op. cit, p. 255), nadiscussão a respeito de público e privado, subli-nha que “os reservatórios hidrelétricos requerem gran-des investimentos a fundo perdido, em programas de re-gularização de bacias hidrográficas, abastecimento deágua potável, controle de enchentes, construção dehidrovias, proteção da flora ribeirinha e da faunaictiológica, irrigação, etc. Embora indispensáveis para odesenvolvimento econômico equilibrado e para o bem-es-tar da sociedade, esses investimentos são incompatíveiscom os propósitos de empreendedores privados”. Acres-centa que a energia elétrica não é uma commodity,mas um serviço público, e nesse sentido consideraque as empresas privadas administram mal os ser-viços públicos de eletricidade. Em um país onde ahidreletricidade predomina, o planejamento inte-grado e operação centralizada são necessários,imprescindíveis.

Outras críticas voltadas para a forma como foi fei-ta a privatização do setor elétrico se referem ainexistência de cláusulas referentes a passivos am-bientais e sociais nos editais de privatização, comofoi o caso de outras vendas de empresas públicasou estatais. Cita-se, a título de exemplo, o editalde privatização da Companhia Siderúrgica Nacio-nal, localizada em Volta Redonda, RJ. As cláusulas

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ambientais obrigaram a empresa a propor umaagenda para minimizar os problemas de poluição,que resultaram em cobranças importantes porparte da Prefeitura, da agencia estadual ambien-tal a FEEMA e de setores organizados da cidade, eque levaram os novos proprietários a arcar com opassivo ambiental já bem grande, afetando inclu-sive o principal rio do estado, o Paraíba do Sul.

Nas entrevistas foi relembrado o caso da usina Ser-ra da Mesa, no rio Tocantins, Goiás, operada porum consórcio constituído entre a estatal FurnasCentrais Elétricas e um grande grupo privado(Votorantim, Bradesco e Camargo Correa). Quan-do eclodiram os chamados “problemas sociais” daobra, Furnas convocou seu sócio para tomaremem conjunto as providências e arcarem com oscustos. Sem qualquer dispositivo legal que o obri-gasse, o grupo privado recusou-se a desembolsarqualquer valor a título de compensação, deixan-do todo o ônus, inclusive do desgaste político,para a estatal.

Enfatizaram também a falta de um controle esta-tal único que organize e articule os projetos, quedecida a respeito da renovação dos subsídios paraos eletro-intensivos, que discuta a questão dasempresas industriais auto-produtoras. Neste caso,a autorização de construir e operar uma usinaimplica em uso de uma propriedade coletiva (orio) para fins particulares; enquanto que, para osgeradores de energia elétrica, o aumento depotencia nas mãos dos auto-produtores é sempreum risco de ver diminuir o seu mercado.

Além disso, no caso específico da Amazônia, se-gundo o professor Vainer, existem 86 projetos deusinas, mas não foi pensado um projeto conjuntopara a Amazônia, nem mesmo algum estudo quemostre como esses projetos se articulam. Outracrítica importante se refere ao estrangulamentofinanceiro das empresas públicas, que foramconstrangidas pelos acordos com o FMI a enqua-drar seus investimentos como “despesas” na con-tabilidade do superávit primário, e tiveram finan-ciamento de bancos estatais suspensos ou bastan-te cortados, e assim não tendo recursos para inves-tir, competem em desigualdade de condições como setor privado.

O “social” e o “meio ambiente”Os especialistas do setor elétrico enfatizam ter umavisão ampla de meio ambiente, que envolve “o so-cial”, o econômico e o ecológico. Na acepção deLa Rovere, o professor Ignacy Sachs (seuorientador e do secretário Tolmasquim, em Paris)

e o próprio governo falam sempre em harmoni-zar esses elementos. O entrevistado entretanto,considera inviável produzir essa “harmonização”de forma mais abrangente.

Nas demais entrevistas, com a exceção da do pro-fessor Carlos Vainer, “o social” aparece semprede forma bastante difusa e abstrata, sem que sepossa entender exatamente do que ou de quemse trata. É algo que ora se expressa vagamenteinserido no meio ambiente, outras vezes externoá natureza, externo às próprias atividades do se-tor elétrico.

Igualmente na bibliografia técnica consultada, “osocial” aparece como algo indefinido, excetuan-do-se notadamente o relatório assinado por LAROVERE e MENDES, a respeito dos impactos dahidrelétrica de Tucuruí, financiado pela ComissãoMundial de Barragens. O documento faz uma ava-liação do projeto da Eletronorte voltado para as-sistência aos índios Parakanã e comenta brevemen-te a situação dos povos Asurini e Gavião, todos“impactados” pela obra de Tucuruí. Sob a legendade “efeitos sociais e econômicos” desfilam temas erecortes tais como: “transformações sociais e espaci-ais”, “dinâmica demográfica e infra-estrutura urbana”,“relocamentos e assentamentos”; “transformações na es-trutura produtiva”, “impactos sociais sobre a saúde” e“movimentos sociais”. O relatório é construído a par-tir da lógica de catalogar e fazer tipologias de “im-pactos”. Além disso, as populações locais são trata-das de forma indiferenciada, exceto por três clas-sificações abrangentes: populações a montante, ajusante e das ilhas, sem menção de origem, cultu-ras, modos de vida.

Nas entrevistas, todos são unânimes quanto à ne-cessidade de ampliar o sistema elétrico brasileiroe as usinas hidrelétricas são vistas como soluçãopreferencial, embora Juhas e La Rovere conside-rem outras soluções igualmente viáveis, dependen-do do custo.

De modo geral, a longo prazo as hidrelétricas seri-am a opção mais barata, porque uma vez feito oinvestimento inicial, o custo de manutenção é“muito baixo”, diferentemente das térmicas queconsomem combustíveis. Além disso, as usinas tér-micas a carvão e óleo são extremamente poluentese as nucleares podem apresentar problemas desegurança e a tecnologia tem que ser adquiridado exterior. Dentre as grandes gerações, nessemeio intelectual e governamental, considera-se quesomente as usinas térmicas a gás se apresentariama médio prazo como interessantes, contanto queo país faça investimentos nessa direção.

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D’Araújo afirma que atualmente é possível cons-truir hidrelétricas causando o mínimo de danos,trabalhando com reservatórios menores. Além dis-so, considera que a experiência passada e os erroscometidos em usinas como Tucuruí e Itaparicaserviram de lição, e que hoje existem tecnologiasque permitam construir usinas evitando grandesproblemas locais. Há uma percepção, também, deque índios, caboclos, ribeirinhos e outros mora-dores do interior vivem muito mal e que certamen-te viverão melhor depois da implantação do pro-jeto, e, ainda mais, com a assistência a ser propici-ada pelos empreendedores.

Os grupos de pessoas que vivem em relação diretacom a natureza, e dela retiram seu sustento, nãosão vistas pelo pessoal das empresas do setor comosociedades particulares como alguma organização,nem como detentoras de culturas importantes.Conforme mostrado acima, os especialistas, mes-mo os de melhor estirpe são tomados por ímpetocivilizatório e acreditam honestamente estar levan-do “desenvolvimento” a comunidades atrasadas.Em momento algum refletem, embora sendo go-verno, que saúde, educação, estradas e outros di-reitos deveriam ser garantidos pelo estado emqualquer circunstância. Quando a construção dabarragem está em jogo, as obrigações não cum-pridas pelo estado se transformam em objeto debarganha, sendo que a contra-partida é a inter-venção sem limites delineados na vida dos mora-dores da região.

Esse raciocínio, no entanto parece encontrar limi-tações no tipo e na “quantidade” de “medidasmitigadoras” exigíveis, e ainda, nas dimensões dapopulação atingida37. Assim, diante de elevadasexigências sociais, a opção pela hidrelétrica podedeixar de ser a mais barata. Outro ponto qualifica-do como obstáculo pelos entrevistados é a atua-ção do Ministério Público, que segundo os especi-alistas, não seria muito sensível às necessidades dedesenvolvimento do país e das populações locais,e que estaria paralisando muitas obras.

À primeira vista, os grupos de pressão e o própriogoverno estão montando um tipo de estrangula-mento, um modo de driblar o crescimento dessesconflitos e a sua repercussão “nos negócios”. A novaempresa EPE parece que faria trabalhos do tipoque já é realizado em universidades, centros depesquisa e em empresas de consultoria. Pelo me-nos dois dos objetivos desta empresa EPE:* Obter a licença prévia ambiental e declaração de dispo-nibilidade hídrica necessárias às licitações, envolvendoempreendimentos de geração hidrelétrica e de transmis-são de energia elétrica, selecionados pela EPE e

* desenvolver estudos de impacto social, viabilidade téc-nico-econômica e sócio-ambiental para os empreendimen-tos de energia elétrica e de fontes renováveis merecematenção, uma vez que indicam o afrouxamento dasexigências legais de licenciamento ambiental emvigor, e além disto, uma facilitação inédita para osempreendedores.

A mão direita e a mão esquerda do governoPelo que vem sendo discutido até agora, na acepçãodos especialistas, a construção de UHEs no Xingue Madeira representaria a solução adequada paragarantir energia abundante e barata com o fecha-mento do elo do sistema interligado. Consideramque é possível trabalhar com áreas inundadas me-nores do que no passado; acham que em Belo Mon-te, com o sistema de canais adotados, poderão serevitadas as conseqüências a jusante da barragem.Essa seria a solução preferencial, no entanto, casoos custos “sociais” se tornem impeditivos por cau-sa da ação dos movimentos locais, aí então outraspossibilidades podem ser avaliadas.

Os especialistas confiam na possibilidade de nego-ciação com a população local e ressaltam que os mai-ores problemas têm sido criados por ecologistas ra-dicais. A implantação de usinas hidrelétricas é vistatambém como uma forma de “ocupação da Amazô-nia”, e até mesmo teria como resultado o de ajudara controlar a ação dos muitos estrangeiros que lá atuam.Esse raciocínio remete mais uma vez aos “grandesprojetos” que ocupavam os vazios amazônicos, comose as antigas populações não existissem.

Deve-se lembrar também que o projeto de BeloMonte é de interesse direto da Alcoa (Alumar) eda Vale do Rio Doce (Albrás), os dois grandes pro-dutores de eletro-intensivos da região, cujos con-tratos de fornecimento de energia a preços subsi-diados terminaram e foram renovados em 2004.Essas empresas pretendem continuar a ampliar suaprodução e por isto já se propuseram a investir naconstrução de usinas no rio Tocantins, no Xingu eem outros rios amazônicos

O MME parece favorável a esses investimentos. Ajulgar pelo que relatou Juhas em sua entrevista, osrepresentantes dessas grandes empresas falaramexplicitamente em reunião no Ministério a respei-to do seu interesse de construir a usina naquelelocal, e lançaram a ameaça conhecida: caso o pro-jeto não seja aprovado, construirão uma usina tér-mica, ou então, importarão energia da Venezuela.E os representantes de governo presentes pareci-am preferir que o investimento seja destinado aBelo Monte. Os senões colocados, chamados de

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“entraves”, referem-se sempre aos movimentos so-ciais locais, à atuação do Ministério Público, e àslicenças que o IBAMA demora em conceder.

Em conclusão, verifica-se que no interior do go-verno há disputas pela hegemonia de concepçõese de posições. O que se pode observar é que até omomento a “lógica do mercado” parece ser domi-nante. No entanto, constata-se, também, aefetivação de algumas práticas que até então sóhaviam ficado no discurso.

Apesar de todas as implicações aqui colocadas, pro-gramas como o PROINFA e LUZ PARA TODOSestão sendo postos em prática. Também devem sercitados os planos de desenvolvimento local quevem sendo implantados dentro do Programa deRecuperação e Desenvolvimento Econômico eSocial de Comunidades Atingidas pelas Barragens,no caso específico de Itá e Machadinho, na divisaRS/SC. Esse programa vem sendo conduzido coma participação dos interessados, que há mais devinte anos lutam politicamente primeiro contra asbarragens e depois pela defesa de seus direitoseconômicos e sociais.

É de se notar, também, que apesar da exonera-ção de Pinguelli da Eletrobrás, outros quadros im-portantes como Roberto d’Araújo e JoséDrummond permanecem, e esse programa soci-al assessorado por Carlos Vainer continua a seraplicado.

Não há dúvida de que os melhores quadros dogoverno são firmes defensores da hidroeletrici-dade, mesmo que contraponham algumas limita-ções, e parece que a maioria deles é favorável abarrar os rios da Amazônia e a construir a usinade Belo Monte, embora, conforme aqui analisa-do, as formas de fazê-lo podem ser substancial-mente diferentes.

Mas, como acontece com freqüência, a expectati-va deles e das próprias empresas sobre como aspopulações, suas organizações e o poder local vãoreagir pode delinear a resposta real no futuro. Vistade hoje, a resposta pode ser qualquer uma dentrode um continuum de possibilidades, sendo que suadefinição pode depender intensamente da reaçãodos atingidos em potencial e do apoio de organi-zações nacionais e internacionais.

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SIGLAS E ABREVIATURAS

AM – Amazonas

ANEEL – Agência Nacional de Ener-gia Elétrica

ANP - Agência Nacional do Petróleo

CEMAR – Companhia de Eletricidadedo Maranhão

CENPES – Centro de Pesquisas daPetrobrás

CEPEL – Centro de Pesquisas de Ener-gia Elétrica

CIRED – Centre International de Re-cherche sur l’Environnement et leDéveloppement

CONAB – Companhia Brasileira deAbastecimento

COPPE – Coordenação dos Programas dePós-Graduação em Engenharia (UFRJ)

CREA – Conselho Regional de Enge-nharia Arquitetura e Agronomia

EBCT – Empresa Brasileira de Correi-os Telégrafos

EHESS – École des Hautes Études emSciences Sociales

EPE – Empresa de PesquisasEnergéticas

FEEMA – Fundação Estadual de Enge-nharia do Meio Ambiente (RJ)

FINEP – Financiadora de Estudos eProjetos

IPPUR – Instituto de Pesquisa e Plane-jamento Urbano e Regional (UFRJ)

IDESP – Instituto de Desenvolvimentodo Pará

IEE - Instituto de Eletrotécnica e Energia

kw – quilowatt

LT – Linha de Transmissão

MAB – Movimento de Atingidos porBarragens

MME – Ministério de Minas e Energia

MP – Medida Provisória

MT – Mato Grosso

MW – Megawatt

MWh – Megawatt-hora

ONU – Organização das Nações Únicas

PIPGE – Programa Interunidades dePós-Graduação em Energia (USP)

PMDB – Partido do Movimento Demo-crático Brasileiro

PPE – Programa de PlanejamentoEnergético (UFRJ/COPPE)

PROINFA – Programa de Incentivo àsFontes Alternativas de Energia Elétrica

PT – Partido dos Trabalhadores

PUC – Pontifícia Unidade Católica

RJ – Rio de Janeiro

RO – Rondônia

RR – Roraima

SBPC – Sociedade Brasileira para oProgresso da Ciência

UFPA – Universidade Federal do Pará

UFRJ – Universidade Federal do Riode Janeiro

UHE – Usina Hidroelétrica

UNIFEI – Universidade Federal deEngenharia de Itajubá

USP – Universidade de São Paulo

Referências bibliográficas

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1 Com o intuito de realizar esta análiseforam colhidas informações impressase eletrônicas sobre algumas instituiçõescentrais na construção do pensamentoenergético, foram entrevistadas pesso-as que ocupavam cargos de direção naEletrobrás e na Petrobrás, mais um pro-fessor do programa de Pós–Graduaçãoem Planejamento Energético daCOPPE/UFRJ (instituição da qual saí-ram alguns quadros para o atual gover-no), e um professor do IPPUR – Insti-tuto de Pesquisa e Planejamento urba-no e Regional também da UFRJ, e quehá vários anos é assessor do MAB (Mo-vimento de Atingidos por Barragens),e vem prestando assessoria à presidên-cia da Eletrobrás em programas de com-pensação voltados para as “populaçõesatingidas” por barragens A autora agra-dece Roberto Pereira d’Araújo (Eletro-brás), José Luiz Juhas (Petrobrás) e osprofessores Emílio Lèbre La Rovere(COPPE/UFRJ) e Carlos Vainer(IPURR) pelas entrevistas concedidas eas preciosas informações fornecidas,que se constituíram em importante co-laboração. Apesar de mencioná-los, oteor do presente texto é de minha in-teira responsabilidade.2 Como a pesquisa foi realizada no Riode Janeiro, será dada maior ênfase àsinstituições sediadas nesta cidade, queabriga as maiores empresas públicas dopaís. A participação de técnicos de ou-tros estados será apenas indicada,quando necessário, o que não implicaa intenção de reduzir a importância desua participação na construção de um“pensamento energético”.3 No governo anterior, o Departamen-to Nacional de Política Energética doMinistério das Min as e Energia foi di-rigido pelo professor Sergio Bajay, quehavia sido o criador da área de Plane-jamento Energético na Unicamp –Universidade Estadual de Campinas.Na Agência Nacional ANP, havia tam-bém dois diretores vindos da área aca-dêmica, David Zylberztajn da USP e oprofessor Luiz Augusto Horta Noguei-ra, da Escola Federal de Engenharia deItajubá, hoje UNIFEI.4 O professor Pinguelli foi nomeadopresidente da Eletrobrás no início dogoverno Lula. Em meados de 2004,deixou o cargo, em virtude de aco-modações de interesses partidáriaos

conduzidos pela Casa Civil da Presi-dência da República. Também é daCOPPE o secretario executivo do Mi-nistério das Minas e Energia, o pro-fessor Maurício Tolmasquim.5 Este professor, polonês de origem,foi, nos anos setenta, um dospropositores da expressão “eco-desen-volvimento”, transformada em “desen-volvimento sustentável” no Relatórioda Comissão de Bruntland (1987). Foiadotada oficialmente na Conferênciada ONU de 1992, no Rio de Janeiro,sobre meio ambiente e desenvolvimen-to. Atualmente aposentado, presta ser-viços ao SEBRAE, no Brasil, como con-sultor de projetos de desenvolvimentosustentável.6 Ver a esse respeito a publicaçãoROSA, Luiz, P.; SIGAUD, Lygia;MIELNIK, O. (orgs.), 1988.7 Lygia Sigaud, Ana Luiza Martins Cos-ta, Ana Maria Daou, Lygia Dabul, Ma-ria José Silveira, Miriam Nutti, OdaciCoradini.8 ROSA, Luiz, P. RODRIGUES,Manoel, G. FREITAS, Marcos Aurélio,V. de F. (1990)9 A diferença de pensamento e de pro-postas políticas de pessoas centrais nosetor elétrico do governo federal, comoos professores Pinguelli e Tolmasquim,já havia sido constituída dentro da pró-pria COPPE e pode ser entendida den-tro da lógica do “campo intelectual”(BOURDIEU,P.1989) . Assim, clivagensresultam de fatores como filiação inte-lectual, pertencimento a diferentesgerações, além de disputas em tornoda posição dominante.10 Atua nas seguintes linhas de pesqui-sa: planejamento integrado de recur-sos energéticos; análise econômica einstitucional de sistemas energéticos;fontes renováveis e não convencionais;energia, sociedade e meio ambiente;redes elétricas, equipamento e quali-dade de energia.12 A finalidade da EPE, conforme pre-vista em lei, é a de “prestar serviços naárea de estudos e pesquisas destinadasa subsidiar o planejamento do setorenergético, tais como energia elétrica,petróleo e gás natural e seus derivados,carvão mineral, fontes energéticasrenováveis e eficiência energética den-tre outras”.

13 Ex-exilado, sociólogo, fundador doIBASE e incentivador de grande núme-ro de movimentos pela justiça social.14 Governador de Pernambuco no pe-ríodo 1948-51, era jornalista e escritor.Foi, durante sucessivos mandatos, pre-sidente da Associação Brasileira deImprensa e desempenhou importantepapel na promoção de campanhas na-cionalistas e no processo de democra-tização após a ditadura militar.15 Os engenheiros eletricistas, median-te comprovação de exercício da ativida-de perigosa, têm direito a aposentado-ria especial após 25 anos de trabalho.16 Como o Clube de Engenharia, o Sin-dicato dos Engenheiros e o CREA doRio de Janeiro.17 Dados constantes da página da Ele-trobrás www.eletrobras.gov.br em23.07.0418 O atual presidente da Eletronorte,Roberto Salmeron, ex-diretor de admi-nistração da Eletrobrás, é quadro polí-tico do Partido Trabalhista Brasileiro.Ocupou, na década de 90, a presidên-cia da Companhia Brasileira de Abas-tecimento (CONAB) e da EmpresaBrasileira de Correios e Telégrafos.19 A esse respeito, consultar a páginada Eletronorte na internet e a apresen-tação do projeto da hidrelétrica deBelo Monte.20 No mesmo ano foram inauguradas aItaipu Binacional, a Nuclebrás e o CEPEL.21 Cf. www.estadao.com.br/ext/belomonte22 Considera que o único país que pos-sui, com relação à rede hidrológica,alguma semelhança com o Brasil é oCanadá.23 (nota dos organizadores) No retra-to geográfico atual das LT – Linhas deTransmissão de eletricidade, o sistemanorte se liga com o sistema centro oes-te – sudeste e com o sistema nordesteatravés de poucas linhas de 500 mil voltscom capacidade de transportar até doismil Megawatts. E entre Mato Grosso eRondônia, a ligação poderia se concre-tizar a curto prazo, com uma linha de230 mil volts, de pequena capacidadede transporte, entre Cuiabá ou Sinop(MT) – e Vilhena (RO). Assim, as hipo-téticas interligações de novas usinas noXingu com Manaus – ou com o Sudeste

Notas

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- e no Madeira com o Centro Oeste,dependem de construir linhas inteira-mente novas com tensão de 500 mil voltsou mais, com capacidade de transportede vários milhares de Megawatts, e seestendendo por sobre a sela e o cerra-do por dois mil, três mil quilômetros,demandando investimentos da ordemde cinco a dez bilhões de dólares.24 Parece que a Empresa de PesquisaEnergética inspira-se, em alguns aspec-tos, na proposta de SAUER.25 TOLMASQUIM, M. e THOMAS, F.,Folha de São Paulo, 18 de julho de2001.26 www.canalenergia.com.br, RobertoGonzáles, Entrevistas MaurícioTolmasquim do MME: Pela integrida-de do modelo, 23.03.2004, capturadoem 25.07.2004. Em dezembro de 2004,a câmara realizou o seu primeiro lei-lão de grandes “blocos” de eletricida-de futura.27 Aqui refiro-me aos artigos publicadosem “O Estado de São Paulo” em04.06.2004: “Ministra Rousseff confirmaapoio a hidrelétricas e recebe duras crí-ticas de organizações ambientalistas”(capturado na página www.redeambiente.org.br em 23.07.2004) “OGlobo”em 19.07.2004 sob o título “Aopção pelas hidrelétricas” (capturado napágina www.abraceel.com.br em 23/07/2004) e28 Um exemplo citado é o brasileiroPROINFA, Programa de Incentivo àsFontes Alternativas de Energia Elétri-ca, incluídas as pequenas centrais hi-drelétricas, as usinas de co-geração abagaço e residuos de madeira, as tur-binas eólicas.

29 Jornal do Brasil, 11.07.2004, p. A 20,Economia e negócios. “Eletrobrás negarisco de apagão. Diretor de estatal di-verge de ministra, que apontou amea-ça de racionamento de energia”.30 “As licenças estão sendo estudadasem conjunto com o Ministério do MeioAmbiente e o Ibama e procuramos re-solve-las o mais rápido possível. Paraas ações que correm no Ministério Pú-blico, estamos tentando prestar escla-recimentos necessários para a libera-ção das obras”. (Convém considerarque Tolmasquim é especialista em Pla-nejamento Energético e Meio Ambien-te, o que confere legitimidade à suapalavra diante do Ministério Público).31 Na direção dessa preocupação, cf.Santos, L. & Andrade, L. (orgs.), 1988,em particular, além do capítulo de au-toria da própria Lygia Sigaud, os deSonia Magalhães (9), Antonio CarlosMagalhães (10), Reinaldo Costa (11)e Oswaldo Sevá (12), e também o in-forme de Patrick McCully ao final, en-tre outras produções da época.32 Segundo d’Araújo, a média de con-sumo dos domicílios é 130 kw/mês,sendo que o consumo de mais da me-tade dos domicílios está abaixo de100kw/mês.33 Os principais setores industriaiseletro-intensivos são: alumínio, ferro-ligas, siderurgia, celulose e papel.34 Fábricas de alumínio localizadas emBarcarena (Pará) e São Luiz ( Mara-nhão), que compraram energia deTucuruí durante vinte anos a preçossubsidiados. Ver o capitulo anteriordesse livro, de autoria de Lucio FlávioPinto.

35 cf., também TOLMASQUIM eSZKLO, 2000, no qual é feito um prog-nóstico de demanda futura de energiaelétrica, incluindo previsão de amplia-ção do parque de eletro-intensivos.36 A esse respeito consultar tambémSAUER et al.,2003, p. 123-136.37 MIELNIK e NEVES (1988) dãonome ao grande número de interessa-dos nas construções de barragens: em-presas voltadas para estudos e projetos;empresas de construção civil, fabrican-tes de equipamentos elétricos pesados,montagem de equipamentos. Esse qua-dro hoje, com a liberalização do setor,é bastante mais complexo.38 Sem querer polemizar, podemosdizer de forma simplificada, que o ob-jetivo dos antropólogos é o de darconta da realidade social concreta,considerando especialmente os agen-tes envolvidos.39 Cf. THOMPSON, E. (2002) mostrao processo de produção na Inglaterrado século XVIII dos “motins da fome”.Ele expõe como foi criado o hábito deconsumo do pão branco de trigo quepassou a substituir os pães integraishabitualmente consumidos pelos cam-poneses. Os motins ocorreram em fun-ção dos preços altos que alcançava opão branco e da especulação dos co-merciantes com o produto e da “escas-sez” criada artificialmente.40 Categoria inventada pelo MAB eque inclui todas as pessoas que serãoafetadas pela instalação da usina e nãoapenas aqueles que venham a serrelocados por ocasião do enchimentoda represa, o que pode incluir pessoasa muitos quilômetros de distância.

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(I inclui as que estavam em fase de estudode viabilidade e em fase de projeto básico)(E inclui as que estavam “em obras” em 2003)

Margem esquerda do rio AmazonasFolha B1 –02 dos Diagramas Topológicos

Bacia do rio Negro1- E - S Gabriel da Cachoeira, rio Miuá mar-gem esquerda rio Negro (PCH, Base mili-tar, NA montante 105 metros)

Bacia do rio Branco2 - I - Paredão rio Mucajai, margem direitario Branco (NA montante 123 metros) norio Cotingo, afluente esquerdo rio Branco/Surumu3 - I - Gavião (NA montante 767 metros)4 - I - Santo Antônio 1 (fases1e2)5 - I - Bacurau6 - I - Tiporem7 - I - Santo Antônio 2 (NA Jusante 150

metros)no baixo rio Branco entre os riosMucajaí e Anauá8 - I - Bem – Querer

Folha B1 05 bacias margem esquerda Amazonas(AM e PA)

Bacia do rio Uatumã, AM9 - E - Pitinga – autoprodutor (mineraçãoParanapanema, NA montante 117 metros)10 - I - Fumaça11 - E - Balbina Eletronorte Manaus Ener-gia (NA jusante 28 metros)

rio Jatapu, AM12 - E - Alto Jatapu (em Roraima, NA mon-tante 115 metros)13 - I - Katuema14 - I - Onça

Bacia do Trombetas, PAEm afluentes direitos do rio Trombetas:

15 - I - Turuna (rio Turuna, afluente direitodo Trombetas alto)16 - I - Ananaí (rio Cachorro, afluente di-reito do Trombetas baixo)17 - I - Carona (rio Mapuera, afluente direi-to do Trombetas baixo)

no rio Trombetas:18 - I - Ponta da Ilha (alto rio, NA montan-te 218 metros)19 - I - Treze Quedas (alto rio, acima rioTuruna)20 - I - Manuel José21 - I - Maniva22 - I - Cajá (acima da foz do rio Cachorro)23 - Cachoeira Porteira I/II, NA jusante 12metros, acima da foz do Erepecuru

no rio Erepecuru, afluente esquerdo do bai-xo Trombetas24 - I - Paciência alto rio, NA montante 370metros

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Elaborado por Oswaldo Sevá e Aline Rick

Fonte: Diagramas topológicos dos aproveitamentos hidrelétricos, [CCPE Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão dos sistemas elétricos eGTIB Grupo de trabalho de informações básicas para o desenvolvimento da oferta] DOMINGUES, CATHARINO (coordenadores), Eletronortee Eletrobrás, 2003 (considera todos os empreendimentos aprovados pela Agência Nacional de Energia Elétrica até junho de 2003; posições relativas de todosos locais de aproveitamento armazenados no SIPOT - Sistema de Informações do Potencial Hidrelétrico brasileiro).

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25 - I - Armazém26 - I - Mel27 - I - Carapanã, NA jusante 97 metros

rio Maecuru, afluente esquerdo do rio Ama-zonas próximo a Monte Alegre, PA (extraí-do da Folha B1-06, Xingu)28 - I - Aparai (NA montante 130 metros,médio Maecuru)

Bacia do rio Jari (PA – Amapá)29 - I - Senador Manuel Flexa (NA montan-te 152 metros, no rio Iratapuru, afluenteesquerdo baixo Jari)30 - I - Santo Antonio do Jari (baixo rio, NAjusante 0,5 metros)

Subtotal margem esquerda Amazonas04 usinas existentes e 26 inventariadas

Margem direita do AmazonasObs. importante: nas bacias dos rios Japurá(AM-Peru), Juruá e Purus (AM e AC) ne-nhum aproveitamento hidrelétrico foiinventariado (vários estão “individualiza-dos” na Folha B1 01)

Bacia do rio Madeirafolhas B1- 03 A , B e C

na bacia do Guaporéfolha B1- 03 A31 - E - Guaporé (alto rio Guaporé, MT, aci-ma do afluente rio Branco, NA montante480 metros) em afluentes direitos doGuaporé em MT e em Rondônia32 - I - Salto Gorgão (alto rio Galera afluen-te rio Novo, NA montante 529 metros)33 - E - Comodoro (rio Prata, afluente dorio Piolho) autoprodutor bacia do Cabixi34 - E - Cabixi I (rio Cabixi alto, ladoRondônia, NA montante 480 metros)autoprodutor35 - I - Cabixi II (rio Lambari, afluente es-querdo do Cabixi lado MT)36 - I - Vermelho (alto rio Vermelho, aflu-ente direito Cabixi, RO)37 - E - Castaman (no rio Enganado, aflu-ente esquerdo do Escondido, afluente di-reito do Guaporé, acima de Corumbiara,NA montante 470 metros )38 - E - Eletrossol (rio Colorado, afluentedireito Guaporé , abaixo do rio Verde) ba-cia do rio Brancorio Saldanha afluente esquerdo do Branco39 - I - Saldanha40 - E - Monte Belo

no rio Branco41 - E - Cassol (auto produtor) alto rio42 - E - Alta Floresta43 - I - Ponte da vicinal44 - I - Cachoeira Casemiro45 - I - Cachoeiras Cachimbo46 - I - Cachoeira Catolito

no rio Jaci Paranã47 - I - Cachoeira União (alto rio)

bacia do Jamari e Candeiasrio Jamari48 - I - Cachoeira Santa Cruz (médio rio,NA montante 117 metros)49 - I - Monte Cristo50 - E - Samuel (baixo Jamari, Eletronorte,NA jusante 55 metros)

rio Candeias51 - I - Candeias 1(NA montante 160 metros)52 - I - Candeias253 - I - Candeias 354 - I - Cachoeira Formosa55 - I - Candeias 5

56 - I - Candeias 657 - I - Candeias 758 - I - Candeias 859 - I - Candeias 960 - I - Candeias 10 (NA jusante 55 metros)61 - E - Madeireira Urupá (autoprodutor,rio Preto, afluente direito Candeias entreinventários 7 e 8)

no rio Madeira, entre Abunã e Porto Velho62 - I - Jirau (NA montante 90 metros)63 - I - Santo Antônio (NA montante 53metros)

na bacia do Ji-Paraná (RO)folha B1- 03 Cno rio Pimenta Bueno, abaixo do afluente rioSem Nome64 - I - Cascata (NA montante 265 metros)65 - I - Ipiranga66 - I - Mu367 - I - Mu268 - I - Urubu (acima da foz do Chupinguara)69 - I - São Paulo70 - I - Primavera (NA jusante 183 metros)71 - E - Rutmann (alto Chupinguara, aflu-ente direito do Ji Paraná)

na bacia do rio Comemoração, afluente di-reito do Ji-Paraná72 - E - Cachoeira Ávila (NA montante 400metros,no alto rio Ávila, afluente esquerdodo Comemoração)73 - I - Apertadinho (NA montante 445 metros)74 - I - Foz do Ávila75 - I - Corgão Baixo76 - I - Rondon II77 - I - Rondon I (NA jusante 191 metros)

no rio Machadinho, afluente esquerdo do Ji-Paranã (abaixo do Jaru)78 - E - Mineração Oriente Novo (auto pro-dutor, no rio Paciencia afluente esquerdoalto Machadinho)79 - I - Machadinho (médio rio)80 - I - Cachoeira São José

no rio Ji-Paraná81 - I - Ji-Paraná (abaixo da foz do Jaru)82 - I - Tabajara (abaixo do Machadinho, NAjusante 51 metros)

na bacia do rio Aripuanã (MT e AM)folha B1 03 B83 - E - Juína (alto rio, entre a foz do rioVinte e Um e o rio do Sul84 - I - Dardanelos (NA montante 210metros, abaixo da foz do rio Capitari, MT)85 - E - Aripuanã (acima da foz do rio Na-tal, MT)86 - I - Apuí (no rio Juma afluente direitodo Aripuanã, NA jusante 85 metros, pertoda foz no rio Madeira, AM)

Subtotal bacia do rio Madeira– 15 usinas existentes e 40 inventariadas.

Bacias do rio Tapajós (MT, AM, PA)

Bacia do rio Juruena alto e médio (MT)folha B1 04

no rio Juruena87 - I - Santa Lúcia I e II (NA montante 477metros, alto Juruena, cota NA montante 477metros)88 - I - Cristalina89 - I - Juruena90 - I - Cidezal91 - I - Jesuíta92 - I - Sapezal93 - I - Segredo94 - I - Ilha Comprida

95 - I - Travessão96 - I - Parecis97 - I - Cachoeirão98 - I - Rondon99 - I - Telegráfica (NA jusante 271 m, aci-ma da foz do rio Juína, afluente esquerdodo Juruena)

na bacia do rio Juína, afluente esquerdo doJuruenano rio Formiga, afluente direito do baixo Juína100 - I - Divisa (NA montante 446 metros)101 - I - Nordeste102 - I - Ilhotas103 - I - Campos de Júlio104 - I - Formiga (NA jusante 340 metros)

no rio Camararé, afluente esquerdo doJuruena, abaixo do Juína105 - I - Doze de Outubro (rio Doze de Ou-tubro, afluente esquerdo do alto Camararé)

na bacia do rio Papagaio, afluente direitodo Juruena106 - E - Fazenda Paraíso (NA montante 502metros, rio Buriti, afluente esquerdo mé-dio Papagaio)

no rio Sacre afluente direito médio doPapagaio107 - I - SCR5 (alto rio, NA montante 450metros)108 - I - SCR4109 - I - SCR3110 - I - Salto Belo SCR2111 - I - Sacre 1(NA jusante 314 metros)

rio Juruena médio(MT)folha B1 04 Ana bacia do rio do Sangue, afluente direitodo médio Juruena112 - I - Jararaca (NA montante 410 metros)113 - I - Inxú114 - I - Baruito115 - I - Paiaguá116 - I - Parecis117 - I - Roncador118 - I - Kabiora119 - I - Cinta larga (NA jusante 210 metros,próximo da foz no Juruena)

no rio Cravari, afluente esquerdo do baixorio do Sangue120 - I - Cedro (NA montante 365 metros)121 - I - Mogno122 - I - Bocaiúva123 - I - Faveiro (NA jusante 245 metros)

no rio Sucuruvina, afluente direito do rio doSangue124 - I - Diauarum (NA montante 480 metros)125 - I - Bacuri126 - I - Matrinchã127 - E - Ponte de Pedra (NA montante 377metros)128 - I - Andorinha129 - I - Garça (NA jusante 283 metros)

Bacia do rio Arinos, afluente direito doJuruenano rio Buritizal, afluente esquerdo do rioClaro, afluente esquerdo do alto Arinos130 - I - Buritizal I (NA montante 337 metros)131 - I - Buritizal II132 - I - Buritizal III133 - I - Lagoa Rasa (NA montante 420metros, no rio Lagoa Rasa, afluente esquer-do do Buritizal)

no rio dos Peixes, afluente direito do médioArinos134 - I - Salto Caiabis135 - I - Juara

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na bacia do Teles Pires (MT) e Tapajós(MT, PA)folha B1 04 B136 - I - Magessi (alto rio Teles Pires, abaixofoz Caiapó, próximo da cidade de Paranatinga)

no rio Verde, afluente esquerdo do TelesPires137 - I - Ilha Pequena (NA montante 371 metros)138 - I - Canoa Quebrada139 - I - Foz do Cedro

no rio Braço Norte do Teles Pires, afluentedireito, divisa MT e PA)140 - I - Braço Norte IV (NA montante 344metros, Serra do Cachimbo)141 - I - Braço Norte III142 - E - Braço norte II ( NA montante 226metros)143 - E - JKO

no rio Nhandu (afluente direito Teles Pires,junto do Braço norte)144 - Nhandu (NA montante 296 metros)

no ribeirão Rochedo, afluente direito do TelesPires, abaixo do Nhandu, divisa MT e PA145 - I - Rochedo (NA montante 260 metros)

no rio dos Apiacás, afluente esquerdo dobaixo Teles Pires, MT146 - E - Apiacás (NA montante 147 metros)

no rio Itapacurá, afluente direito baixoTapajós, PA147 - I - Itapacurá 2 (NA montante 44 metros)148 - I - Itapacurá 1 (NA jusante 7 metros)

subtotal bacia do rio Tapajós05 usinas existentes e 58 inventariadas

no rio Curuá - Una, margem direita do Ama-zonas, rio abaixo de Santarémfolha B1 – 06149 - I - Foz do Aru (alto rio, próximo daTransamazônica)150 - I - Moju (no rio Moju, afluente esquer-do do Curuá - Una, próximo BR 163)151 - E - Curuá Una 1 (NA jusante 45 metros,baixo rio, Celpa) (Inventariada Curuá Una 2)

Na Bacia do Xingu (MT e PA)folha B1 – 06No formador do Xingu rio Culuene, MT152 - E - Culuene (alto rio, próximoParanatinga)153 - I - Paranatinga I(NA montante 449metros, abaixo da foz do rio Couto Maga-lhães no Culuene)154 - I - Paranatinga II (NA jusante 334 metros,acima da foz do rio Sete de Setembro

Na bacia do afluente esquerdo rio Iriri, PA155 - I - Salto Buriti (NA montante 437, altorio Curuá, afluente esquerdo do Iriri)156 - I - Salto Curuá (NA jusante 254 metros,médio rio Curuá)157 - I - Três de Maio (NA montante 424metros, igarapé Três de Maio, afluente es-querdo do Curuá médio)158 - I - Iriri (NA montante 206 jusante 172metros, Cachoeira Seca)

No rio Xingu, Pará159 - I - Jarina (NA montante 281 jusante257 metros, abaixo da foz do rio da Paz)160 - I - Kokraimoro (NA montante 257 ju-sante 208 metros, acima de São Felix doXingu)161 - I - Ipixuna (NA montante 208 jusante165 metros, abaixo da foz o igarapé doPontal)162 - I - Babaquara (NA montante 165 ju-sante 96 metros)

163 - I - Belo Monte (NA montante 96metros jusante 5 metros)

Sub total da bacia do Xingu:01 usina existente e 11 inventariadas

Subtotal das bacias da margem direita doAmazonas, do Madeira ao Xingu:22 usinas existentes e111 onze inventariadas

Total nos rios da bacia amazônica brasileira:26 usinas existentes e137 usinas inventariadas

Bacias do Tocantins e AraguaiaAlto rio Tocantins, em Goiás e sul do TOFolhas B2 01no Rio Maranhão164 - I - Piquete (NA montante 685 metros)165 - I - Sal166 - I - Palma (abaixo da foz do Arraialvelho)167 - I - Maranhão168 - I - Porteiras 2 (NA jusante 475 metros,abaixo da foz do rio Angicos e acima da fozdo rio das Almas)

no rio Arraial velho, afluente direito do altoMaranhão169 - I - Cocal (NA montante 685 metros)170 - I - Mucungo no rio Angico, afluenteesquerdo do rio Maranhão171 - I - Fazenda Santa Maria (médio rio)

no rio das Almas172 - I - Jaraguá (NA montante 660 metros)173 - E - São Patrício (acima da foz do rioUru)174 - I - Ceres175 - I - Buriti Queimado (NA jusante 467metros)

no rio Uru alto, afluente esquerdo do riodas Almas176 - I - Volta do Deserto

no rio do Peixe alto, afluente direito do riodas Almas177 - I - Mutum (NA montante 640 metros)178 - I - Jenipapo

no rio Bagagem, afluente direito do Mara-nhão, acima do Tocantinzinho)179 - I - Moquém (NA montante 540 metros)

no rio Tocantinzinho180 - I - Buritiznho, alto Ribeirão Cachoei-rinha, afluente esquerdo doTocantinznho,NA montante 916 metros)181 - I - Vãozinho (Ribeirão Cachoeirinha,NA jusante 709 metros)182 - I - Mirador (médio Tocantinzinho,abaixo da foz do rio dos Couros)183 - I - Colinas (baixo Tocantinzinho, NAjusante 464 metros)

na calha do rio Tocantins184 - E - Serra da Mesa (NA montante 460,jusante 333 metros, VBC e Furnas)185 - E - Canabrava (NA jusante 287 metros,Tractebel, EDP?)186 - I - São Salvador (NA jusante 263metros)187 - I - Peixe Angical ( acima da foz do rioSanta Tereza, folha B2 02 )188 - I - Ipueiras189 - E - Lajeado nova (Luis E Magalhães,NA montante 212, jusante 177 metros,Rede, Investco)

190 - I - Tupiratins (acima da foz do M AlvesPequeno)191 - I - Estreito (abaixo da foz do rio Fari-nha)192 - I - Serra Quebrada193 - I - Marabá (abaixo da confluência doAraguaia, acima da foz do Itacaiúnas)194 - E - Tucuruí (NA montante 72 metrosetapa I 74 etapa II, jusante 8 metros, Ele-tronorte)

bacia do rio Paranã, principal afluente di-reito do Tocantins, Estados de Goiás e To-cantinsfolha B2 01 Ana bacia do rio Corrente, afluente direito doParanã alto, Goiás195 - E - Mambaí196 - I - Mambaí 2 (NA montante 711metros)197 - I - Vidal198 - I - Vermelho199 - I - Alvorada (NA jusante 490 metros)200 - I - Santa Edwiges II (rio Buriti, afluen-te direito do rio Corrente, NA 695 metros201 - I - Santa Edwiges III (rio Buriti, NA530 metros)202 - I - Santa Edwiges II (rio Piracanjuba,afluente direito do Buriti (NA 678 metros)

na bacia do rio São Domingos, afluente di-reito do Paranã, Goiás203 - E - São Domingos (NA Montante 661metros)204 - I - São Domingos II205 - I - São Domingos III (baixo rio, NAjusante 415 metros)206 - I - Galheiros I (rio Gaziteiros, afluen-te direito do São Domingos médio)207 - I - Manso IV (NA montante 650metros, alto rio Manso, afluente direito doSão Domingos baixo)208 - I - Manso III209 - I - Manso II210 - I - Manso I (NA jusante 460 metros)

no rio das Almas, afluente esquerdo do altoParanã211 - I - Araras (NA montante 960 metros)212 - I - Rio Azul213 - I - Santa Mônica (NA jusante 450metros)na calha do rio Paranã214 - I - Foz do Bezerra (abaixo da foz dorio das Almas, acima da foz do rio Bezerra,no Paranã médio NA 412 metros)215 - I - São Domingos (NA jusante 287metros)216 - I - Paranã (NA jusante 263 metros -*** comparar com o nível de jusante de SãoSalvador no Tocantins

na bacia do rio Palma, afluente direito doParanã, Estado do Tocantins e divisa comGoiás217 - E - Mosquito (rio Mosquito, afluenteesquerdo do Palma alto, divisa Goiás)218 - E - Taguatinga (rio Abreu, afluentedireito do Palma alto)219 - E - Ponte Alta de Bom Jesus (NA 673metros, rio São José, afluente direito do rioConceição, afluente direito do alto Palmano Ribeirão do Inferno, afluente esquerdodo Palmeiras, afluente direito do Palma, emTocantins220 - I - Silvania (NA montante 462 metros)221 - I - Cachoeira222 - I - Piacurum (NA jusante 369 metros)no rio Palmeiras, afluente direito do baixoPalma223 - I - Água Limpa (alto Palmeiras, NAmontante 538 metros)

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224 - I - Areia225 - I - Doido225 - E - Diacal227 - I - Porto Franco228 - I - Boa Sorte229 - I - Riacho Preto230 - I - Lagoa Grande (NA jusante 343metros)

Afluentes direitos do rio Tocantins, estadosdo Tocantins e do MaranhãoFolha B2 02Rio Lajeado, afluente, acima da foz do Sono231 - E - Lajeado velha (NA jusante 255metros)

Bacia do rio do SonoNos rios formadores232 - I - Jalapão (alto rio Novo, afluente es-querdo rio do Sono, NA montante 360metros)233 - I - Cachoeira da Velha (rio Novo, NAjusante 271)234 - I - Soninho (alto rio Soninho, NA mon-tante 350 metros)235 - I - Arara (alto rio Soninho, NA jusante217 metros)

no rio do Sono236 - I - Brejão237 - I - Novo acordo238 - I - Rio Sono (abaixo da foz do Balsas,NA jusante 179 metros)

no rio Balsas Mineiro, afluente esquerdo dorio do Sono médio239 - E - Isamu Ikeda (NA jusante 249metros, Celtins)240 - I - Perdida 1 (NA montante 230metros, rio Perdida, afluente direito baixorio do sono)241 - I - Perdida 2 (NA jusante 178 metros,perto da foz )242 - E - Itapecuruzinho (afluente direitodo rio Manuel Alves Grande, NA montante201 metros, Maranhão)

no rio Farinha, Maranhão243 - I - Cachoeira da Usina NA montante250 metros244 - I - Cachoeira da Ilha245 - I - Porão(perto da foz, NA jusante 156metros)

no rio Itacaiunas, afluente esquerdo Tocan-tins, após a confluência do Araguaia, noPará.246 - I - Itacaiúnas 1 – I – NA montante 230metros)247 - I - Itacaiúnas 2 (NA jusante 88 metros)

Bacia do rio Araguaia, Mato Grosso, Goiás,Tocantins e Pará)folha B2 03no alto rio Araguaia248 - E - Alto Araguaia 1 (divisa GO-MT)

249 - I - Couto Magalhães (NA montante647 metros)250 - I - Araguainha251 - E - Torixoréu, rio Diamantino, afluen-te esquerdo Araguaia252 - I - Diamantino (no Araguaia, NAjusante 410 metros)253 - I - Torixoréu (NA jusante 302 metros)

no rio das Garças, afluente esquerdo médioAraguaia, Mato Grosso254 - E - Alto Garças (no rio das Onças, aflu-ente esquerdo do rio das Garças)

no rio Batovi, afluente esquerdo do médiorio das Garças255 - I - Sucuri (NA montante 587 metros)256 - I - Batovi257 - I - Pratinha258 - I - Graças (NA jusante 336 metros)

Bacia do rio Caiapó (Goiás)259 - I - Caiapó 1 (NA montante 550 metros)260 - I - Caiapó 2261 - I - Caiapó 3262 - I - Caiapó 4 (NA jusante 450 metros),acima do rio Bonito263 - I - Caiapó 5264 - I - Caiapó 6265 - I - Mosquitão(NA jusante 355 metros)266 - I - Caiapó 8267 - I - Caiapó 9268 - I - Caiapó 10 (NA jusante 300 metros)

no rio Bonito, afluente esquerdo do Caiapó269 - I - Bonito 1 (NA montante 570 metros)270 - I - Bonito 2271 - I - Bonito 3 (NA jusante 450 metros)272 - I - Piranhas (no alto rio Piranhas, aflu-ente esquerdo do baixo Caiapó, NA mon-tante 532 metros)

na bacia do rio das Mortes, afluente esquer-do médio Araguaia271 - E - Primavera (alto rio das Mortes)272 - I - Água Limpa (NA montante 467metros)273 - I - Toricoejo274 - I - Foz do Noidore (NA jusante 257metros)275 - E - Salto Belo (NA 401 metros, afluen-te esquerdo do rio das Mortes, abaixo doSangradouro Grande e acima do Pindaíba)276 - E - Água Suja (rio Itaquerê afluenteesquerdo)277 - I - Nova Xavantina (NA 388 metros, rioPindaíba, afluente direito do rio das Mortes)

em afluentes do baixo rio Araguaia280 - I - Corujão (rio Lontra, afluente direi-to do Araguaia, TO)281 - I - Lajes (NA montante 215 metros, rioCorda, afluente direito do Araguaia, TO)

na calha do rio Araguaia282 - I - Araguanã (NA montante 150metros, próximo foz do Lontra)

283 - I - Santa Isabel (NA montante 125 ,jusante 98 metros)

Subtotal bacias dos rios Tocantins e Araguaia19 usinas existentes e101 inventariadas

Bacias litorâneas do Amapáno rio Oiapoque284 - I - Roque Pennafort (NA montante 98metros, rio Cricou afluente direito altoOiapoque)285 - I - Salto Cafesoca (baixo Oiapque)no rio Cassiporé286 - I - Sapucaia (NA montante 62 metros)287 - I - Tracuá288 - I - Cachoeira Grande289 - I - Varador (NA jusante 12 metros, per-to da foz)290 - I - Franconim (NA montante 62metros, afluente esquerdo Cassiporé baixo)

no rio Calçoene291 - I - Paredão (NA montante 37 metros)292 - I - Travessão(afluente esquerdo CarnotGrande)293 - I - Carnot294 - I - Trapiche (NA jusante 6 metros)

no rio Amapá Grande295 - I - Cel. Arlindo Correa (NA jusante 4metros)

no rio Tartarugal296 - I - Cachoeira Duas Irmãs( NA mon-tante 19 metros)297 - I - Cachoeira Grande298 - I - Champion (NA montante 11metros, Rio Tartarugalzinho)

na bacia do rio Araguari299 - I - Porto da Serra (NA montante 100metros)300 - I - Água Branca (rio Amapari, afluen-te direito)301 - I - Bambu I (NA jusante 58 metros)302 - I - Cachoeira Caldeirão I (NA jusante42 metros)303 - E - Coaracy Nunes (Paredão, NA ju-sante 21 metros)304 - I - Ferreira Gomes (NA jusante 3metros, próximo da foz)

Subtotal Amapá: 1 existente e 16 inventariadas

Total geral na Bacia Amazônica Brasileira+ Bacia Litorânea do Amapá + Bacia Tocan-tins e Araguaia: 46 usinas existentes e 258inventariadas

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PARTE IIINatureza: avaliação préviado prejuízo

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ResumoEste capítulo descreve a evolução histórica da ava-liação ambiental e social conforme aplicada nosprojetos hidrelétricos brasileiros, e sugere ummétodo moderno em três etapas a ser aplicado naAvaliação do Impacto Ambiental para o Comple-xo Hidrelétrico do Xingu. As três etapas são: apren-der com a experiência de projetos hidrelétricossimilares no Brasil e em qualquer outra parte. Emsegundo e terceiro lugares, aplicar duas ferramen-tas de avaliação moderna e relacionada: a Avalia-ção Ambiental Estratégica e o Consentimento Pré-vio Informado.

IntroduçãoA evolução histórica do movimento ambiental in-cluiu uma internalização gradual dos custos queanteriormente eram externalizados através de todaa sociedade. As Nações Unidas e outras agênciasprescrevem que o criador de quaisquer impactossociais e ambientais, de outra forma conhecidoscomo proponentes do projeto, devem ser respon-sáveis pela prevenção ou minimização de tais im-pactos. Para isto, dois princípios fundamentais de-vem ser seguidos – o princípio “Poluidor Paga” e o“Princípio Precaucionário”, que reserva a obriga-ção de prova ao proponente do projeto. Se umaempresa pretender fazer emissão de uma subs-tância no ambiente natural, ela suportará o ônusde executar antecipadamente a devida diligênciapara garantir a segurança de tal procedimento –

Capítulo 7

Evolução histórica da avaliação do impactoambiental e social no Brasil: sugestões para o

complexo hidrelétrico do XinguRobert Goodland

na prática, impedindo o proponente de usar o am-biente natural como cobaia. Muitos setores têm so-lucionado casos legais de pessoas ou grupos que po-dem ter sido afetados negativamente por impactossociais ou ambientais; uma área que ainda não foisolucionada é o caso do dano anterior às comuni-dades indígenas. Este é um problema contenciosoem muitos projetos hidrelétricos e encontra-se emobservação minuciosa, como no caso do ComplexoHidrelétrico do Xingu proposto.

Para que o Brasil possa adotar um método com-pleto e prudente para sua avaliação do impactoambiental para projetos de grandes barragens, éessencial aprender com projetos internacionaisanteriores similares. Uma série de diretrizes e re-comendações em pronta disponibilidade de usona construção de barragens para projetos hidrelé-tricos é o relatório da Comissão Mundial sobreBarragens (2000), que fornece uma base confiávelpara a avaliação moderna do impacto ambiental esocial dos projetos de grandes barragens, bem se-melhantes a Belo Monte.

Além dessas recomendações, há dois métodos mo-dernos e proativos de avaliação que devem ser usa-dos. O primeiro é a Avaliação Ambiental Estratégi-ca, que examina minuciosamente planos, normase programas mesmo antes de um projeto específi-co ser identificado. O segundo método de avalia-ção moderna é o uso do Consentimento Prévio In-formado, através do qual os que provavelmentedevem ser impactados por um projeto proposto são

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solicitados a consentir, uma vez que esses projetosnão mais podem contar com a coerção que era tãocomum na era militar. Essas pessoas que provavel-mente serão impactadas por um projeto propostotêm de ser convencidas de que seus benefícios ecompensação irão garantir que elas estarão de ime-diato em melhor situação com o projeto.

A Gênese do trabalho ambiental no BrasilComecei a trabalhar em problemas ambientais noBrasil em 1969 enquanto pesquisava os ecossiste-mas do cerrado/savana para minha tese de douto-rado na Universidade de São Paulo. Era uma épo-ca política interessante. A linha dura da Presidên-cia Médici de 1969 a 1974 estimulou a autocraciamilitar/tecnocrata e o “milagre econômico”. Mui-tos chefes de agências eram militares, e a socieda-de civil estava reprimida; as ONGs quase não exis-tiam; o ativismo era raro e em 1964, os sindicatosde classe foram banidos. O primeiro e especial-mente o segundo choque de petróleo na décadade 1970 duplicaram o custo das importações depetróleo no Brasil, desestabilizaram a economia eaceleraram a construção de projetos hidrelétricos.

Não foi antes de o Patrono da Fundação Brasileirade Conservação da Natureza (FBCN), almiranteJosé Belart, ficar profundamente preocupado coma poluição da baía de Guanabara, no Rio, que aspreocupações com o meio ambiente foram ga-nhando respeito. A Igreja Católica ajudou muito,estimulada fortemente pelo Segundo ConcílioEcumênico do Vaticano, de Sua Santidade o PapaJoão XXIII, a partir de 1962. A exemplo da Reu-nião de Cúpula de Estocolmo de 1972 sobre MeioAmbiente, o governo federal criou sua primeiraunidade ambiental dentro do Ministério do Inte-rior, habilmente conduzida pelo Dr. Paulo Noguei-ra Neto. Apesar da permanente carência recursosda unidade, Dr. Nogueira Neto, com a ajuda deleais patrocinadores, conseguiu explorar o movi-mento de conservação, e ao mesmo tempo reani-mou ações para controle da poluição.

Nos anos 80, os bispos locais ajudaram na criaçãode uma série de movimentos sociais, incluindo aComissão Regional de Pessoas Atingidas por Bar-ragens (CRAB). A força do “Movimento dos Atin-gidos por Barragens” (MAB) de hoje confirma atéque ponto as pessoas cruelmente expulsas por pro-jetos hidrelétricos foram penalizadas.

O primeiro projeto hidrelétrico em que trabalheifoi a barragem de São Simão de 1.710 MW daCEMIG, em 1971. Depois, comecei o trabalhoambiental para Itaipu e para Itumbiara, de FURNAS.

Pesquisei ambientalmente a área de Sobradinho, daCHESF (1973), Salto Santiago, da Eletrosul (1974),Foz do Areia, da COPEL (1975) e Tucuruí, da Ele-tronorte (1978) (V. Bibliografia).

Tucuruí foi uma das primeiras barragens constru-ídas na floresta tropical do Brasil; assim, havia pou-cos precedentes para ajudar a orientar o projeto.Depois que projetei e ministrei o primeiro cursode graduação do Brasil em ecologia tropical apli-cada no Instituto Nacional de Pesquisas da Ama-zônia (INPA) em Manaus em meados dos anos 70,a Eletronorte me contratou para fazer um relató-rio de cunho ambiental de 10 dias para lhes possi-bilitar iniciar uma avaliação total. Como a cons-trução de Tucuruí tinha começado pra valer em1976, era muito tarde para implementar medidasmais preventivas. Apesar de tudo, entreguei à Ele-tronorte uma análise detalhada de 168 páginas emjaneiro de 1978, que foi submetido ao exame mi-nucioso da Comissão Mundial de Barragens duasdécadas após ter sido escrito1. Além de entregarmeu relatório, conectei a Eletronorte com o INPA,um começo naquela época, e tentei persuadir orelutante diretor do INPA, Herbert Schubart, afazer uma avaliação ambiental em Tucuruí medi-ante contrato com a Eletronorte. Até 1978, diver-sos anos após o início da construção, a Eletronor-te ainda não tinha calculado quantas famílias seri-am desalojadas pelo reservatório de Tucuruí. Mi-nha primeira estimativa de 15.000 pessoas a seremdesalojadas tornou-se extremamente conservado-ra uma vez que mais de 40.000 pessoas foram real-mente afetadas. Compensações injustas intensifi-caram as tensões sociais já existentes, que conti-nuam até hoje.

O reservatório Brokopondo, do Suriname, com1.500 km2, enchido em 1964, era o exemplo maispróximo do que aprender. A despeito das liçõesaprendidas do projeto Suriname, seus problemasrepetiram-se décadas depois em Tucuruí e Balbina.Outra barragem tropical que merecia estudo eraa Petit Saut, na Guiana Francesa. A Electricité deFrance considera Petit Saut como “ambientalmen-te exemplar”. Ela abastece a estação de lançamen-tos de foguetes de Kourou. A área de florestaintacta inundada (370 km2) é importante para umaprodução modesta (116 MW). Como nenhumaárvore foi retirada deste reservatório arborizadoraso (um média de 15 m de profundidade), a águanão é de boa qualidade e a geração de gases deestufa deve ser volumosa. Como o reservatório, quepassou a gerar em 1994, estava localizado logo abai-xo das minas de ouro, há acúmulo de mercúrionos peixes.

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Quando eu era um dos professores do INPA emManaus, minha análise do impacto ambiental daRodovia Transamazônica foi publicada em SãoPaulo sob o título “A Selva Amazônica: Inferno Verdeou Deserto Vermelho?” (1975), embora todas as par-tes relativas aos impactos sobre os povos indígenastenham sido censuradas e todo o estudo tenharecebido críticas da Academia Brasileira.

Concluí a maior parte desses breves estudos ambi-entais como consultor “once-off”. Todo este traba-lho ambiental precedeu o estabelecimento de quais-quer regras e regulamentos relativos a precauçõesambientais dos hidroprojetos brasileiros. Emboraas análises ambientais dos hidroprojetos tenhamsido bem-sucedidas, na medida em que obtiveramfinanciamentos do Banco Mundial, Banco Inter-Americano de Desenvolvimento e de outras fontes,e alguns impactos tenham sido reduzidos, muitasdas medidas preventivas que recomendei não fo-ram totalmente implementadas. A ecologia aplica-da e a avaliação do impacto ambiental e social rara-mente eram reconhecidas no Brasil, e nenhumaempresa hidrelétrica individual tinha um quadrode profissionais da área ambiental na época.

Estimulado pelos problemas do Projeto Polonoro-este e da construção da rodovia BR 364, a primei-ra norma que escrevi – sobre os povos indígenas

(minorias étnicas vulneráveis) – foi adotada peloBanco Mundial em 1982 (Goodland, 1981). Essanorma foi aplicada pela primeira vez no projetode Minério de Ferro de Carajás da CVRD e no pro-jeto ferroviário no ano seguinte. Extraordinaria-mente, alguns anos depois o Banco Mundial esta-va financiando a metade de todas as demarcaçõesameríndias com a FUNAI segundo essa norma.Maritta Koch-Weser, Sandy Davis e eu, da DivisãoAmbiental Latino-Americana do Banco Mundialfomos encorajados por este progresso rápido aimplementar esta nova política de Direitos Huma-nos. Foi gratificante o CONAMA ter determinadoos EIA’s em 1986, o que foi confirmado na Consti-tuição de 1988. EIA foi determinada nos EstadosUnidos em 1970, e para os projetos do BancoMundial em 1989.

Em 1972, concluí um reconhecimento ambientalpara a Comissão Mista Técnica Paraguaia-Brasileirae a International Engineering Co., de San Francis-co. Poucas semanas depois, quando um local espe-cífico foi acordado, o mesmo foi denominado Itaipu.A 13.329 MW, Itaipu continua a ser a maior hidrelé-trica do mundo. A um custo original estimado de3,6 bilhões de dólares, o projeto inflou para um custode 21 bilhões de dólares desde que começou a ge-rar em 1991. O custo total é de 25 bilhões de dóla-res. Quando o Diretor Geral Paraguaio de Itaipu,

Desmatamento Projeto Polonoroeste,Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA

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engenheiro EnzoDebernardi viu mi-nha coleção de cara-cóis transmissores dedoenças, Biomphala-ria tenagophila, ele fi-cou preocupadocom o fato de jamaister ouvido falar de es-quistossomose antesno Paraguai (c.f., De-bernardi 1996). Em1992, fui convidadoa retornar ao proje-to pela ItaipuBinacional à medidaque eles se preparavam para uma visita de campopelos delegados das Nações Unidas que participa-vam da Rio Environmental Summit em junho de1992. Foi gratificante aprender durante minha visi-ta que a muitas de minhas recomendações de 1972com relação ao controle da malária e da esquistos-somose, “offsets” da biodiversidade florestal e a fun-dação de um museu de História Natural e Arqueo-logia foram implementadas. Embora as cachoeirasmais volumosas do Brasil, as Sete Quedas, tenhamsido perdidas, a Ciudad Real de Guayrá, dos Jesuí-tas, fundada no Brasil em 1556, foi parcialmente sal-va. A remoção da biomassa do reservatório pré-re-presamento foi bem sucedida, embora a maior par-te do perímetro do reservatório tenha sido destina-da para a agricultura. A passagem de peixes estavafuncionando bem para a valiosa espécie de peixesmigratórios Silurid Dourada (Brachyplatyostomaflavicans) (Borghetti e outros, 1993, 1994). Contu-do, o caso dos povos indígenas foi conduzido paraficar fora da então divisão ambiental substancial,habilmente chefiada por José Borghetti, e foi trata-do pela divisão jurídica de Itaipu. Como foi ressalta-do por Silvio Coelho dos Santos e Aneliese Näcke(2003), o caso dos povos indígenas continua o me-nos satisfatório dos casos ligados à hidrelétricas.

Primeira Prioridade: Aprender com aHistóriaOs cinco projetos hidrelétricos existentes na Ama-zônia oferecem uma valiosa oportunidade paraaprender e comparar com outros projetos inter-nacionais, sobretudo para garantir a prevenção decustos desnecessários.

Na ocasião do primeiro empréstimo do setor aoBanco Mundial em 1984, as duas únicas barragensna região amazônica eram a Curua-Una (42 MW;

1976) no Pará, eCoaracy Nunes (40MW; 1975) noAmapá, aumentadapara 67 MW em1999. Eram reserva-tórios pequenos,com 78 e 23 km2, res-pectivamente, e fo-ram projetados parafornecer eletricida-de às cidades isola-das da região. Embo-ra elas tenham cria-do impactos locais,não houve maiores

problemas; isto levou a um falso senso de seguran-ça. As águas corrosivas acidificadas pela vegetaçãonão removida destruíram a tubulação e as turbinasde aço.

Durante a “Década da Crise” dos anos 80, o Brasilsolicitou ao Banco Mundial um apoio financeiromaciço, que se transformou no “Power SectorLoan” de 1984. O primeiro empréstimo do setor(500 milhões de dólares) à Eletrobrás foi aprova-do sob a condição de que fosse elaborado um pla-no mestre ambiental e social a nível setorial queatendesse as exigências do Banco Mundial, e queseria totalmente orçamentado, provido de quadrode pessoal e implementado. Era o começo do “EASetorial” no Brasil (ver abaixo), mas ainda preci-sava ser totalmente internalizado.

As hidrelétricas de Tucuruí, Balbina e Samuel sãovaliosas experiências de aprendizado, como mos-traram a Fearnside, Tundisi e outras. O Fearnsidefaz o diagnóstico das hidrelétricas de Balbina, Tu-curuí, Cotingo e Jatapu (op. cit. & 1999, 2001).Fearnside (1989, 1990abc) também mostrou queo reservatório de Balbina era substancialmentemaior que a estimativa original da Eletronorte.Samuel, o reservatório de 560 km2 enchido em1988, inundou a floresta tropical e teve um tempode retenção de água superior a três meses. Os pro-blemas ambientais do Brasil com as hidrelétricassão bem descritos por Müller (1996).

Em fevereiro de 1988, dois chefes Kayapós,Paulinho Paiakan e Kuben-I, viajaram a Washing-ton com o antropólogo Darrell Posey (1947-2001)para compartilhar sua experiência da controvér-sia das barragens do Xingu com o Banco Mundiale com o Congresso dos Estados Unidos. Na épocaeu era chefe da Divisão Ambiental e Social Latino-Americana do Banco Mundial, e estava lutando

Tucunaré,Glenn Switkes, IRN

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para mostrar aosmeus colegas que ausina de energiaatômica Angra II(apoiando assim oMinistro do MeioAmbiente José Lut-zenberger), o proje-to da hidrelétricade Balbina e as duasbarragens planeja-das no Xingu eramimprudentes e devi-am ser excluídos doEmpréstimo do Se-tor de Energia. Amaioria dos funcionários que assistiu à apresen-tação dos Kayapós ficou horrorizada com os fatosapresentados.

Todos os três foram presos na volta ao Brasil emmarço de 1988. Os Kayapós foram obrigados a sub-meter-se a testes psicológicos e a não usar roupasKayapó no tribunal, mas, ao invés disso, respeitá-veis roupas do Faroeste. A Suprema Corte de Ape-lações negou provimento de casos contra os trêsem fevereiro de 1989.

Posey continuou a ajudar o chefe Kayapó, Paiakan,a organizar o Encontro de Altamira em fevereirode 1989. A fotografia da prima do Paiakan, Tuíra(Tu-Ira) quase fazendo a barba do engenheiro-chefe da Eletrobrás, José Antônio Muniz Lopes,em Altamira, em 21 de fevereiro de 1989 com umfacão afiado, dramatizou a controvérsia em tornodas barragens propostas do Xingu. Mais tarde,Muniz Lopes tornou-se presidente da Eletronor-te. A oposição às barragens do Xingu unificou efortaleceu a comunidade indígena.

O segundo empréstimo do setor de energia aoBanco Mundial de 350 milhões de dólares, pro-gramado para 1987, não foi aprovado por diversasrazões. Certamente a Eletrobrás não conseguiurebaixar as hidrelétricas inaceitáveis, nem conse-guiu promover projetos hidrelétricos mais social eambientalmente benignos, como prescrevia o pro-jeto de seu Plano Mestre. O setor hidrelétrico tevediversos problemas graves que não foram solucio-nados, conforme acordado no empréstimo de1984. Por exemplo:

• A Eletrobrás não conseguiu criar internamenteuma capacidade ambiental e social efetiva, comolegalmente prometera fazer no primeiro emprés-timo do setor pelo Banco Mundial (1984), ape-sar de abrir uma unidade ambiental em 1987-8.

• A controvérsia dahidrelétrica de Bal-bina (ver Box) suge-riu que as capacida-des ambientais daEletronorte eraminadequadas.

• As peças centraisdo Plano Mestre Ele-trobrás / Eletronorte— Babaquara eKararaô – teriam pro-vocado os mais gravesimpactos de quais-quer projetos de hi-drelétricas no Brasil.

• O então recém-proposto barragem Ji-Paraná te-ria inundado 100.000 hectares da Reserva Indí-gena de Lourdes e uma área de terras da união(Schwade 1990).

• A Eletrobrás não conseguiu persuadir suas sub-sidiárias a proteger as famílias deslocadas pelosreservatórios.

• Houve diversos protestos em 1984, um por 40 dias,antes de a Eletronorte concordar em melhoraros reassentamentos. O general João Baptista Fi-gueiredo, Presidente do Brasil (1979-1984), tam-bém prometeu ajudar quando inaugurou Tucu-ruí em 1984. Embora isso tenha ocorrido atravésda formação de uma Comissão Interministerial(1985), diversas reassentamentos foram construí-das em áreas que logo depois foram inundadaspelo reservatório. Depois de encher o reservató-rio, cerca de 1.500 famílias continuam sem habi-tação (Sonia Magalhães 1990, 1994, 1996).

Em outubro de 1987, persuadimos a Eletrosul aconcordar com a comissão regional de pessoas afe-tadas por barragens (CRAB) a não inundar as vi-las dos locais das hidrelétricas de Itá e Machadinho,no Rio Grande do Sul antes de concordar com umplano de reassentamento aceitável.

Em 1989, depois que o reservatório de Itaparica,da CHESF, desalojou mais de 7.000 famílias, os pro-blemas sociais se tornaram tão graves que o BancoMundial financiou o reassentamento das comuni-dades, embora anteriormente tivesse declinado definanciar o próprio projeto da hidrelétrica. Os re-assentamentos de Itaparica foram discutidos no Pa-inel de Inspeção do Banco Mundial em 1997, masainda continuam inadequados apesar dos 7 mi-lhões de dólares investidos nos reparos pela CHESFsomente em 2004.

Kayapó enfrentam Polícia em protesto contra as hidrelétricas,Gesellschaft für Ökologische Forschung, Pabst/Wilczek

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Balbina foi projetada para fornecer energia à cidade iso-

lada de Manaus, mas o local selecionado era

inapropriado, pois os impactos provaram ser intensos. O

vasto reservatório de 2.928 km2 para uma modesta pro-

dução de 150 a 180 MW, fizeram sua relação “florestas

perdidas a geração” uma das piores do mundo. A um

custo estimado de 383 milhões de dólares, o custo do

projeto agora excede 800 milhões de dólares. O reserva-

tório continua lento, com tempo de retenção de água de

aproximadamente um ano (Fearnside 1995, 1997). Além

disso, a demanda por eletricidade em Manaus cresceu

numa velocidade bem mais rápida do que foi previsto;

assim, Balbina tornou-se apenas um modesto fornecedor

de eletricidade quando a demanda superou a casa dos

600MW, levando ao racionamento e posteriormente a

graves apagões. A Eletronorte colocou o coronel Willy

Pereira como encarregado de minimizar os impactos am-

bientais e sociais, mas sem um quadro de pessoal profis-

sional para lhe prestar assistência. Portanto, pouca ou

nenhuma precaução foi integrada em Balbina. Interrom-

per o fluxo do rio durante o período prolongado de en-

ELETROBRÁS/ELETRONORTE: A CONTROVÉRSIA DE BALBINA

chimento provocou impactos irreversíveis, especialmen-

te nas comunidades ribeirinhas a jusante. Antes da inun-

dação, nenhuma floresta foi desmatada e a água corroeu

as máquinas de aço, que tiveram de ser substituídas a um

custo adicional. Anos após o início da construção na dé-

cada de 1970, quando financeiramente estimulada pelo

Banco Mundial, a Eletronorte contratou a FUNAI (1987

e 1990) para tentar limitar os danos provocados às co-

munidades indígenas. A Associação de Minas de Estanho

de Paranapanema danificou a Reserva Indígena e atirou

dejetos radiativos dentro da área. Balbina inundou boa

parte das terras Waimiri-Atroari. Desde então, e a um cus-

to adicional substancial, foram tratados alguns dos im-

pactos do projeto Balbina sobre o Waimiri-Atroari

(Marewa 1987, Baines, 1988, 1991, 1993, 1994a, b,

Schwade 1990b), bem como sobre os peixes, tartarugas

e os peixe-boi. O projeto Balbina prejudicou a reputa-

ção da indústria hidrelétrica, e ajudou a criar oposição

internacional contra os projetos de hidrelétricas (McCully

1996, Khagram 2004).

Desde então, o Banco Mundial não apoiou ne-nhum projeto hidrelétrico no Brasil. Em 1999, oMinistro da Energia rejeitou os 500 milhões de dó-lares propostos pelo Banco Mundial em apoio àtransmissão, eficiência e fortalecimento da capa-cidade (Gall 2002). De fato, a maioria dos proje-tos de grandes barragens criam danos tão gravesque hoje são menos promovidos como “desenvol-vimento” (Usher 1997, McCully 1996, Khagram2004, Switkes 2001, Scudder 2005). O Banco Mun-dial, contudo, investe no Banco Nacional de De-senvolvimento do Brasil (BNDES), que pode “on-lend” para Belo Monte. Este elo entre o BancoMundial e Belo Monte permite que o Banco Mun-dial intervenha em casos de orientação para aju-dar a impedir que o Brasil entre em colapso outravez. Os empréstimos através do Banco Inter-Ame-ricano de Desenvolvimento para grandes barra-gens exacerbou os problemas brasileiros e contri-buiu para sua crise de energia e o racionamentoque resultou (Switkes 2001).

Como maior devedor do mundo em desenvolvi-mento, o Brasil paga mais agora em serviço da dí-vida do que durante a crise da dívida dos anos 80.A Eletronorte intensificou sua dívida socialmentedanosa. A avaliação ambiental e social de BeloMonte (Eletronorte 2001? s/d) confirma que con-tinua externalização por Eletronorte dos custossociais e ambientais (cf: Forline e Assis, 2004). Istoé parte do motivo pelo qual a indústria de barra-gens tem resistência quanto à internalização doscustos sociais e ambientais, e em todas as probabi-lidades, a licitação vencedora de Belo Monte rece-berá a oferta proposta para vender eletricidade à

grade nacional ao preço mais baixo, externalizan-do estos custos.

Outra experiência de aprendizado, que é essenci-al antes de investir em nova capacidade de gera-ção, é acessar a rentabilidade da geração existen-te. Particularmente, até que ponto a energia deTucuruí beneficiou os cidadãos de Belém, a popu-lação do Pará e a Nação como um todo? A geraçãode empregos devia ser um dos critérios mais influ-entes dos projetos de desenvolvimento, mas Tucu-ruí criou apenas 2.000 empregos. O Brasil podequerer reavaliar sua política industrial (Mello,2002) com relação ao saldo entre o processamen-to primário para exportação (p.ex., dois milhõesde toneladas de lingotes de alumínio / ano) porum lado, ou captando agregação de valor pelo pro-cessamento doméstico e aumentando a geração deempregos por outro lado. A proporção de empre-gos criados por unidade de energia é mais impor-tante do que os lingotes produzidos por unidadede energia.

Segunda Prioridade: Classificação da SEAe Custo MínimoA classificação de custo mínimo começa com aanuência de objetivos e necessidades. Que quanti-dade de energia é necessária naquelas datas e quala seqüência de menor custo para atender aquelasnecessidades? A rega prudente é cuidar das op-ções de custo mínimo (incluindo em especial oscustos sociais e ambientais) antes das opções decustos mais altos. Esta “Análise de custo mínimo”é uma ferramenta padrão, amplamente aceita por

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181economistas e engenheiros, que deve ser aplicadano seqüenciamento de Belo Monte com as alter-nativas mais viáveis. A melhor forma significa in-vestir nas medidas (econômicas, sociais e ambien-tais) de custo mais baixo, antes de investir nos pro-jetos de custo mais alto. As diversas partes da res-posta precisam ser classificadas e seqüenciadas naordem de impactos e custos sociais e ambientais.O seqüenciamento de custos mínimos ambientaise sociais hoje é denominado Avaliação AmbientalEstratégica (SEA).

A SEA seqüência as alternativas a fim de rebaixaros planos menos viáveis e promover os melhoresplanos. Todas as alternativas de menor impactodevem ser esgotadas antes de absorver uma alter-nativa mais arriscada e de maior impacto. SEA éum critério efetivo para selecionar projetos demenor impacto e para interromper ou adiar pro-jetos de impactos inaceitavelmente altos.

Os principais elementos da definição internacio-nalmente aceita da SEA (Goodland 2004b, 2005)incluem:

1. SEA é definida como a avaliação ambiental esocial de planos, programas e políticas. SEA é umprocesso — proativo, ex ante, formal, sistemático ede rotina. É flexível e feito sob medida para a tare-fa. Todas as SEAs levam a um documento – embo-ra não seja uma formalidade “once-off”. EA é

reativa; SEA é proativa. Assim, SEA é “EA acima eantes do EA convencional a nível de projeto”.

2. SEA concentra-se em três principais classes detrabalho:

(a) Normas – legislação, e outras regras que re-gem as ações;

(b) Planos e estratégias, incluindo planos regionais,planos para bacias hidrográficos e planos setoriais(p. ex., códigos novos ou revisados sobre água, mi-neração ou hidrocarbonetos, uma nova estratégiade redução da pobreza, ou orçamentos anuais)

(c) Programas – ou conjuntos de projetos coor-denados, ao invés dos próprios projetos individu-ais específicos, em parte porque os projetos espe-cíficos são identificados na conclusão da Avalia-ção Ambiental Estratégica (SEA).

3. SEA é programada desde o início, “a montan-te”, assim que for decidido um esboço de norma,plano ou programa, e bem antes de os projetosindividuais terem sido identificados. A SEA come-ça assim que a obra começa em um setor.

4. SEA é projetada para identificar, prever, rela-tar, prevenir, compensar, intensificar ou de outraforma minimizar as implicações sociais, ambien-tais e de saúde da norma, plano ou programa. Emparticular, a SEA é eficiente na prevenção de er-ros dispendiosos e danosos.

Hidrelétrica Balbina, 1987Aguirre/Switkes, AMAZÔNIA

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5. SEA é uma ferramenta de tomada de decisãoprojetada para promover melhores projetos, adi-ar projetos questionáveis e ajudar a cancelar ospiores projetos em um programa. SEA selecionaentre as alternativas, e as melhores SEAs classifi-carão alternativas em uma ou mais ordens de qua-lidade (por exemplo, mais sustentável contra amenos sustentável (Veja Box “Sustentabilidade”),menos impactos sociais negativos contra a maio-res impactos sociais). SEA inclui “EA Regional”,bem como “EA Cumulativo”.2 Assim, SEA evita anecessidade de EAs a nível de projeto “Análisesde Alternativas”.

6. SEA é totalmente transparente e participativo,conforme determinado pela Convenção Århus dasNações Unidas, por exemplo. O consentimentoprévio totalmente informado (FPIC) é a meta (verabaixo).

7. SEA posteriormente muda de fase para EA con-vencional de projetos individuais. EA a nível deprojeto é reativo na medida em que toma um pro-jeto proposto e avalia as implicações ambientais.EAs que obedecem seguir a SEA serão mais rápi-das e custarão menos, uma vez que somente osmelhores projetos foram absorvidos, e a Análisede Alternativas será desnecessária.

8. Finalmente: SEA é estreitamente ligada ao LivreConsentimento Prévio Informado (Free PriorInformed Consent, ou FPIC: ver abaixo). Consenti-mento prévio significa que todos os interessados têmde tratar todas as alternativas para o projeto pro-posto, concordar com uma metodologia e depois

concordar com a classificação de todas as alternati-vas. O consentimento é ganho quando os depositá-rios concordam com as prioridades. A exclusão trans-parente de uma alternativa é uma parte importanteda SEA e do FPIC. A anuência com relação à classi-ficação desejável encoraja o consentimento.

Terceira Prioridade: Reassentamentos eLivre Consentimento Prévio Informado“O que deve ser combatido são as decisões autoritáriastomadas sem a participação pública”. Luiz PinguelliRosa, 1990, Presidente da Eletrobrás 2003-2004.

As duas maiores precauções necessárias aqui são, emprimeiro lugar, para com as comunidades indíge-nas, e em segundo lugar o desalojamento de pesso-as em geral, incluindo Reassentamento Involuntário.O reassentamento involuntário deve tornar-seconsensual (através do FPIC. Ver abaixo), e melho-rando os benefícios para as pessoas atingidas.

O reassentamento das pessoas desalojadas é umavaliosa oportunidade para desenvolvimento. Oreassentamento tem de ser consensual; coerçãonão tem mais lugar no processo de desenvolvi-mento econômico. A Política Nacional de Recur-sos Hídricos do Brasil de 1997 e a Constituiçãode 1988 determinam que as pessoas afetadas de-vem ter parte nos benefícios do projeto, como orecebimento de uma fração bem pequena (porexemplo, 1%) das vendas de eletricidade perpe-tuamente. O proponente do projeto deve retifi-car qualquer dano social anterior que possa ter

A avaliação ambiental e social (doravante denominada ‘EA’)

enfatiza um projeto específico uma vez definido (uma ro-

dovia específica, por exemplo). Uma das principais lutas

nos últimos trinta anos foi começar o processo EA assim

que o projeto foi identificado. Embora ainda existam mui-

tas EA’s post hoc acrescentadas no final de um projeto con-

cluído, mesmo após a construção, para justificar as deci-

sões já tomadas, a maioria das EAs hoje começa imediata-

mente depois que um projeto é identificado. Este é um caso

raro, mas ainda no Brasil. Sevá (2004) mostra que aos 18

anos desde a lei de Avaliação Nacional do Meio Ambiente

(CONAMA), de 1986, a avaliação do meio ambiente ainda

não é iniciada antes da tomada de importantes decisões.

Contudo, vemos agora que é difícil para a EA a nível de

projeto recomendar uma ferrovia ao invés da rodovia pro-

posta, por exemplo, ou recomendar uma usina a gás ao in-

vés da usina a carvão proposta. Principalmente com a fina-

lidade de submeter essas decisões mais importantes3, de

maior ordem ou estratégicas a exame ambiental e social

minucioso, a Avaliação Ambiental Estratégica (SEA) foi

criada para4 avaliar as opções antes de um projeto ser iden-

tificado. Integrada, a avaliação participativa é determina-

da no Brasil pela Lei Federal PNRH 9433/97, e promovi-

da pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA/SQA 2002).

O Plano Decenal de Expansão dos Sistemas Elétricos, da

Eletrobrás, inicialmente produzido em 1990 é um bom

começo para a SEA, porque visa seqüência, ou classifica as

facilidades da próxima geração e as linhas de transmissão

com base na demando do projeto, custo e impactos

ambientais. Após o Plano Decenal 2000/2009 da Eletro-

brás, ele foi assumido pelo Ministério das Minas e Ener-

gia. A avaliação estratégica foi projetada para a bacia

hidrográfica do Tocantins/Araguaia, mas ainda não foi em-

preendida (ANA, Março de 2003). Em junho de 2004, a

Eletrobrás (e a CEPEL) anunciaram uma “Metodologia

para Avaliação Ambiental Estratégica Setorial” a ser apli-

cada no setor elétrico, brevemente disponível. Chegou a

hora da SEA.

SEA x Avaliação Ambiental

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criado antes da permissão para iniciar um novoprojeto. Se o proponente não remediar o danoanterior, é improvável evitar a repetição do danono futuro. As multas são para estimular as em-presas a evitar tais danos e acelerar a retificaçãoimediata.

A restituição e as compensações por danos anteri-ores são cada vez mais mencionados (Baron,c.1989, WCD 2000). Empresas esclarecidas anun-ciam seguros-desempenho ou outro tipo de segu-ros para garantir qualidade aceitável.

A principal ferramenta ou metodologia para esti-mular o consentimento é o Livre ConsentimentoPrévio Informado (Free Prior Informed Consent -FPIC). FPIC é um processo para melhorar o de-senvolvimento.5 FPIC significa que as comunida-des atingidas têm de concordar com um projetoantes de executar o mesmo. Esta postura tem sidoreforçada gradativamente desde a década de 1980,com a primeira aceitação internacional de que odesalojamento de pessoas não deve ser executadose as comunidades potencialmente atingidas con-siderar inaceitável. Todo desalojamento deve sertão atraente a ponto de ser inteiramente voluntá-rio. “Aceitação geral” seria a regra. Os desalojadosse tornariam beneficiários do projeto.

Embora não seja perfeito, o FPIC é um grandeaprimoramento do uso da força no desenvolvimen-to ou imposição de condições involuntárias sobreas pessoas impactadas. FPIC fornece às comunida-des potencialmente impactadas informações sobreo projeto proposto e estimula seu consentimento.Começa com a provisão de detalhes sobre a natu-reza de uma ação proposta, e os riscos, benefíciose alternativas para a ação proposta. FPIC pode serum processo para proteger os consumidores for-necendo informações relevantes para que elespossam fazer escolhas conscientes.

FPIC é uma ferramenta para dar aos agentes dedesenvolvimento uma “licença social” para operar.O processo FPIC é um importante meio de asse-gurar que as comunidades potencialmente afeta-das tenham todas as informações necessárias à suadisposição para negociar em igualdade de condi-ções com os proponentes do projeto. A negocia-ção equilibrada demanda educação dos participan-tes (governos, proponentes, comunidades atingi-das) com relação a seus direitos e responsabilida-des. Governo e proponente devem ser legisladospara tentar o FPIC. A negociação entre as partesassimétricas usualmente exige advogados,facilitadores e assistência técnica.

Um projeto tende a falhar se houver oposição sig-nificativa de base ampla, e os projetos de desen-volvimento que dependem do deslocamentoinvoluntário de massa, tais como reservatórios emterras de população densa, devem ser reprojetados.Alternativamente, o FPIC pode ser obtido garan-tindo-se benefícios às comunidades impactadasatravés de seguros, seguros-desempenho ou fun-dos fiduciários caucionados.

FPIC ajuda mais os pobres do que os ricos, queusualmente não são coagidos a aceitar ações po-tencialmente danosas, uma vez que tendem a termais poder e voz. Os pobres tendem a aceitar tra-balhos mais arriscados e condições inseguras detrabalho, e podem fornecer o consentimento deforma mais imediata do que os ricos, estritamentedevido à necessidade. Portanto, o FPIC é uma con-dição necessária mas insuficiente para permitir umprojeto de desenvolvimento.

Ouvir as pessoas que usualmente eram prejudica-das pelo desenvolvimento é um processo relativa-mente novo. Nas décadas de 1950 e 1960, as pes-soas na iminência de serem prejudicadas por umprojeto poderiam ser informadas com antecedên-cia, mas raramente ajudadas. Freqüentemente eradito que “não se pode fazer um omelete sem que-brar os ovos”. Com a disseminação da democra-cia, e o Partido dos Trabalhadores de Lula na lide-rança do País, a opinião das pessoas tinha de serreconhecida. FPIC foi claramente operacionaliza-do por Mehta e Stankovitch (2000). Bass e outros(2004) fornecem estudos de casos detalhadosmostrando como o PIC foi abordado no caso demineração. A autorização legal para o PIC é des-crita por MacKay (2004).

Principais características principais do FPIC: (1) édado livremente, (2) é totalmente informado, (3)é obtido antes da permissão para um proponenteproceder com o projeto, e (4) é consensual.

1. “Dado livremente” significa que as pessoas po-tencialmente afetadas devem oferecer seu con-sentimento livremente. O consentimento deve sertotalmente voluntário. Em outras palavras, as pes-soas não devem ser forçadas ou induzidas a con-sentir .

2. “Totalmente informadas” significa que as pesso-as afetadas conhecem e entendem bem os seus pró-prios direitos, bem como a implicação do projetoproposto, como acontece com os proponentes, demodo que ambos os lados possam negociar comigualdade de informações. Isto significa duas cate-gorias de informações. Primeiro o lado vulnerável

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e mais fraco dos dois lados deve entender quais sãoos seus direitos, usualmente seus direitos territoriaishistóricos – seus direitos às terras onde vivem hádiversas gerações, e seus direitos de acesso aos re-cursos naturais dos quais elas dependem, comopesca nos rios próximos. Os indígenas têm o direi-to de determinar o curso e o ritmo de seu própriodesenvolvimento, direito de autodeterminação. Asações facilitadoras do processo do FPIC usualmen-te são promovidas de forma mais satisfatória poragentes neutros (Colchester e outros, 2003).

A segunda categoria de informação diz respeito ànatureza do projeto que está sendo contempladopelo proponente. As pessoas afetadas devem en-tender os danos e riscos potenciais que podem lhesacarretar se aceitarem o projeto. Cenas de “piorescasos” e possíveis desastres precisam ser entendi-das. Por exemplo, na experiência de muitos povosindígenas, pode estar além de sua imaginação queum rio possa morrer, evaporar. Contudo, a indús-tria pode facilmente matar um rio. Não é fácil paramuitos indígenas imaginarem a possível morte deum rio, a esterilização de uma área do oceano oua remoção irreversível de uma região de floresta.Até os danos de um incêndio florestal raro e de-vastador, dentro da memória viva ou na históriaverbal, não são irreversíveis. O renascimento res-taura muitas necessidades de recursos após algunscinco ou dez anos. Mostrar um desenho animadoou um vídeo de um projeto ou acidente similarem qualquer parte não pode ser presumido comosuficiente para levar as pessoas afetadas a passar

imediatamente para o critério de compreensão de“totalmente informado”.

Não é possível obter o FPIC se as pessoas envolvidasjamais tiverem visto um exemplo do projeto pro-posto. Não é bom pedir opinião das pessoas sobreuma mina de ouro se eles não sabem o que é umamina de ouro. Igualmente, mesmo se as pessoas ti-verem visto uma rodovia no país, não é legítimopedir que elas imaginem uma estrada algumas or-dens de grandeza maior que a estrada que elas co-nhecem, e fazer perguntas sobre aquela rodoviaimaginada. Formular perguntas sobre um projetode infra-estrutura que eles nunca viram significapedir que eles exercitem sua imaginação. Se umapessoa é questionada sobre a aceitabilidade de umreservatório – “como o reservatório da fazenda quevocê conhece bem, só que milhares de vezes mai-or” – a imaginação não dará uma base adequadapara uma resposta válida.

No caso de Ontário, Canadá, o governo achouimpossível obter o consentimento totalmente in-formado sobre sua proposta para localizar novasusinas de energia nuclear. O governo, portanto,financiou uma experiência de aprendizado quepermitiria que as pessoas potencialmente afetadaspudessem entender as perguntas que no futurolhes seriam formuladas. Este “Financiamento doInterventor” agora é lugar-comum. O financiamen-to do interventor aumenta a capacidade das co-munidades afetadas de projetar estudos, formularas perguntas certas e assimilar os resultados — tudoantes de decidir sobre o FPIC.

No caso das barragens, as pessoas vão até a próxi-ma barragem similar de modo que possam enten-der com é um reservatório e possam passar algunsdias conversando detalhadamente com pessoas queanteriormente foram impactadas por uma barra-gem relativamente antiga. Explicar com que umprojeto será parecido não é fácil. Embora os mo-delos de escala, vídeos, mapas, diagramas, fotosetc., possam ajudar, provavelmente não são sufici-entes. As pessoas afetadas, ou seus representantes,precisam visitar projetos similares e conversar compessoas que originalmente passaram por impac-tos similares. “Totalmente informado” é o signifi-cado de igualdade de negociação. Muitas empre-sas exigem a formação de relacionamentos recí-procos antes de iniciar legitimamente as negocia-ções. A falta de compreensão de todas as informa-ções significa que a falta de informação das pesso-as está sendo explorada pelo proponente.

3. “Prévio” significa que o consentimento deve serobtido antes da permissão ser concedida para que

Terminologia

1. Consulta: Os participantes têm as mesmas infor-

mações sobre o projeto proposto, bem como os pro-

ponentes. As opiniões dos participantes foram ativa-

mente solicitadas e consideradas pelos proponentes.

Os participantes totalmente informados tomaram

parte em todo o processo de tomada de decisão.

2. Participação: A participação é o processo através

do qual os participantes influenciam e compartilham

controle sobre a colocação de prioridades, elabora-

ção de normas, alocação de recursos e acesso aos bens

e serviços públicos. A participação não poderá ser

significativa se não incluir a possibilidade de rejeitar

a proposta, em outras palavras, dizer “não”.

3. Consentimento: Este termo abrange a participa-

ção significativa. Consentimento significa que as co-

munidades participantes totalmente informadas acei-

tam o projeto proposto, inclusive os impactos previs-

tos, com a condição de que, conforme antecipada-

mente acordado de forma ampla, os impactos sejam

minimizados, as pessoas afetadas sejam incluídas no

fluxo de benefício e outras formas de compensação

sejam garantidas.

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De acordo com: Goodland & Daly, 2004

1. Renováveis: Sustentabilidade de recursos renováveis sig-

nifica a manutenção do capital natural, ou fontes não

esgotáveis e capacidades das bacias. A meta da escala sus-

tentável da economia humana em relação a seu ecossiste-

ma circunvizinho, exigirá um limite social ou coletivo so-

bre a produção total (fluxo de matérias-primas e energia

das fontes do ecossistema - minas, poços, florestas, terras

férteis, áreas de pesca], através das economia, e de volta às

bacias do ecossistema [depressões, atmosfera, mar] para

manter-se dentro das capacidades de absorção e regene-

ração das fontes e bacias do meio ambiente.

2. Não renováveis: A quase sustentabilidade serafiana dos

recursos não renováveis implica o esgotamento dos mes-

mos numa proporção igual ao desenvolvimento dos subs-

titutos sustentáveis (El Serafy 2002).

3. Sustentabilidade Fraca x Forte: Manter intacta a soma do

capital natural e artificial é sustentabilidade fraca, dentro

da suposição de que são amplamente substitutos. Manter o

capital natural intacto, sustentabilidade forte, supõe que o

capital natural e o capital artificial, isto é, criado pelo ho-

mem, são amplamente complementos, e aquele capital na-

tural está se tornando cada vez mais o fator limitador.

4. Controle da Produção: A produção ou rendimento não

pode ser controlada sem que as restrições sejam colocadas

nos produtos (p. ex., poluição, emissões de GHG), bem

como sobre os insumos (p.ex., combustível fóssil). Freqüen-

temente, é possível uma maior eficiência no uso de matéri-

as-primas (por um fator de 4 ou mesmo 10). Como existem

poucas minas de carvão, poços de petróleo e reservas

hídricas na floresta em relação aos números de tubos de

aspiração, geradores de eletricidade e chaminés, seria efici-

ente para controlar o esgotamento de combustível fóssil

(p.ex., imposto de indústria extrativa na boca da mina ou

cabeça do poço, ao invés de controlar milhões de usuários.

A grande vantagem é que se o influxo de matérias-primas

do meio ambiente para a economia for limitado, os produ-

tos, poluição e GHG serão automaticamente limitados. Se

as fontes ambientais forem controladas (p.ex., reservatóri-

os “sujos”), as bacias ambientais serão conservadas.

Que é sustentabilidade?

proponente dê continuidade ao projeto propostoque afetará as comunidades. Isto quer dizer, bemantes de uma agência de financiamento conside-rar o pedido de financiamento do projeto. Oconsentimento é melhor obtido como parte doprocesso EA/SA. Os impactos são previstos emconjunto e sua minimização também é projetadaem conjunto. Como Sevá conclui em seu estudode EPIA (2003), o consentimento deve ser obtidoantes de o projeto poder ser feito em detalhes.

4. “Consentimento” significa a anuência voluntá-ria harmoniosa com as medidas projetadas paratornar o projeto proposto aceitável para as comu-nidades potencialmente afetadas. O FPIC não de-manda consenso absoluto; basta uma maioria sig-nificativa. Uma maioria de 51% é suficiente emeleições democráticas, o que pode ser usado comoguia para a definição de “maioria significativa”.Há diversos mecanismos para obter o FPIC, em-bora eles possam ser chamados por diferentes ter-mos. Plebiscitos (votos diretos por assunto indivi-dual), consultas populares (voto sobre uma pro-posta ou endosso posterior de um acordo obtidopor líderes ou por um corpo legislativo) por exem-plo, são usados quando necessário. Se houveroposição substancial ao projeto proposto, o FPICtorna-se menos possível de obter. Embora nãoexistam regras difíceis e rápidas sobre um acordode fracionamento, o ponto é usualmente menosimportante do que parece. A maioria das empre-sas relevantes discute problemas importantes emconjunto, como uma comunidade, com líderes e

representantes, e às vezes por sucessivos dias jun-tos, até obter um consenso.

O ponto essencial do PIC é que as comunidadesafetadas devem entender que serão beneficiadasdo projeto proposto, e que esses benefícios espe-cíficos excederam em muito qualquer simulaçãode “pior-caso” sobre impactos não previstos. As co-munidades afetadas devem estar convencidas deque existem mecanismos efetivos para garantir seusbenefícios, a compensação será justa e a reabilita-ção garantirá que as comunidades estarão clara-mente melhores com o projeto. Além disso, aspessoas afetadas devem entender que elas estarãototalmente envolvidas na monitoração legalmen-te executável a fim de garantir o cumprimento doque quer que elas estejam consentindo.

O FPIC essencialmente é transmitido na negocia-ção, que só pode funcionar quando as duas partesem negociação possuem as mesmas informações enão têm um desequilíbrio de forças. A negociaçãopode ser muito difícil para o parceiro mais fraco,em parte porque a “arena” muda a cada ano, opreço do produto exigido pelo proponente podeflutuar e as regras e leis que regem o desenvolvi-mento e os direitos humanos mudam com o pas-sar dos aos.

As pessoas potencialmente atingidas se organizampara compreender seus direitos e os riscos poten-ciais da proposta, e têm de ser capazes de negoci-ar um acordo de “Impactos e Benefícios”. Em ou-tras palavras, as comunidades afetadas precisam

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estar aptas a equilibrar os riscos e custos potenci-ais de um lado, com o que está sendo oferecidopelo proponente ou exigido pela comunidade dooutro lado. Os sindicatos trabalhistas às vezes temum papel na delegação de poderes aos pobres paramelhorar a relação benefício/impacto.

Há poucos precedentes para a “melhor prática”para fundamentar as negociações. Algumas comu-nidades locais impactadas não recebem royalties.Uma comunidade poderia receber 20% de royalties,mas isto poderia depois ser deduzido do que ogoverno central previamente alocou para aquelacomunidade, fazendo o benefício cair para zero.Algumas comunidades impactadas tentam 100%de royalties para recursos extraídos de suas terras.No caso do oleoduto de Chad-Cameroon, 5% deroyalties foram alocados para a região produtorade petróleo. Se os termos escritos e detalhados doprocesso de negociação forem amplamente acei-táveis para as pessoas potencialmente afetadas, oFPIC foi atingido. O consentimento é ganho quan-do há aceitação pública demonstrável do contratonegociado de forma transparente.

Se as comunidades bem informadas e potencial-mente afetadas rejeitarem um projeto proposto,mas o projeto continuar acima de suas objeções, ademocracia e as liberdades terão sido questiona-das. O uso do despejo e do desalojamento forçadodevido à falta de consentimento implica autocra-cia, e não democracia. Isto não pode ser interpre-tado como uma licença social para operar. O FPICequilibra o interesse nacional com os direitos co-munitários. Claramente, não deve ser do interessenacional se uma mina extraordinariamente lucra-tiva, por exemplo, for mantida como refém poruma família ausente com uma casa sobre o filão.O FPIC não delega poder de veto a uma famíliaindividual. Mas o FPIC protege os pobres de modoque eles não venham a sofrer muito com os im-pactos do desenvolvimento.

Conclusões· As estatísticas sugerem que a era dos grandes

hidroprojetos “de cima para baixo” e planejadoscentralmente pode ter chegado ao fim.

· A economia tipo “trickle down” ou fluxo descen-dente está perdendo rapidamente credibilidade

e está sendo substituída por investimentos dire-tos no setor social: educação, saúde, nutrição,geração de empregos e desenvolvimento condu-zido pela comunidade.

· A transição do paternalismo, autocracia eelitismo para democracia e política com origemno povo reduz o risco de corrupção, injustiça so-cial e má administração da economia bruta.

· A coerção ou uso da força contra pessoas relu-tantes, como na reassentamento involuntário, in-valida a teoria econômica e torna-se inaceitávelno desenvolvimento econômico.

· A tendência de internalizar os custos exter-nos (p.ex., impactos sobre as pessoas, especi-almente o vulnerável e sobre o meio ambien-te) é intensificado à medida que a democra-cia é restaurada.

· A internalização eleva os custos dos projetos comgraves impactos (como brandes barragens), e re-duz os custos dos projetos de baixo impacto,como energia renovável (conservação, eficiên-cia, eólica, solar, biomassa), às vezes com gásnatural como um combustível de ligação parauso mais completo dos renováveis.

· A avaliação ambiental estratégica garante que osprojetos com impactos aceitáveis são acelerados,enquanto os projetos com impactos não aceitá-veis são cancelados.

· O Prévio Consentimento Informado, conformeestimulado pelas Nações Unidas, CMB e EIR,deve ser tentado por quaisquer grandes projetosem todos os setores em nossos dias.

· O atendimento às recomendações da ComissãoMundial de Barragens melhora bastante aaceitabilidade dos projetos propostos.

AgradecimentosCalorosos agradecimentos pela iniciativa exem-plar de Marcus Colchester, Roberto Cavalcanti deAlbuquerque, Ted Scudder, Salah El Serafy,Patrick McCully, Glenn Switkes e Oswaldo Sevá.Cordiais agradecimentos a meus ex-parceiros doBanco Mundial nesta saga: Maritta Koch-Weser,Herman Daly, Sandy Davis, Mike Cernea e MarcDourojeanni.

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1 COPPE 2000, Fearnside 1999, 2001,Hebette 1996, Tundisi 2000.2 (a) A Rodovia Cuiabá-Santarém(BR 163), de 784 km, está programa-da para ser pavimentada em breve(por 175 milhões de dólares) e suaEIA está sendo preparada a partir de2004. Esta rodovia é destinada prin-cipalmente para soja do Mato Gros-so a Santarém. O terminal da Cargillsignifica que 500.000 ha de florestaentre Santarém e Belterra à margemdo FLONA Tapajós terão de serdestruídos. Melhorar uma rodovia

Notas

3 O FPIC foi adotado por diversas agên-cias das Nações Unidas (p.ex., UN ILO),e Tratados Internacionais das NaçõesUnidas (p.ex., Convenção de Rotterdam(após 10 anos de testes). O IFC do BancoMundial usa o FPIC e foi determinadopelo Banco Interamericano de Desenvol-vimento desde 1978 (MacKay 2004). AComissão Mundial de Barragens o deter-mina para as comunidades indígenas, e aAnálise da Indústria Extrativa indepen-dente do Grupo do Banco Mundial(2003) o transformou em prioridade su-perior (Goodland 2003)

para soja significa mais florestas paracortar ilegalmente. A estimativa deaumento da produção de soja em 25milhões de toneladas/ano de Guapo-ré (Complexo Hidrelétrica - Hidro-viário do rio Madeira significa quemais 80.000 km2 de florestas serãoperdidos; incompatível com o zone-amento oficial de Rondônia, mas fi-nanciado (duas vezes) pelo Grupo doBanco Mundial. (b) Claramente, aslinhas de transmissão necessáriaspara Belo Monte têm de ser uma par-te importante da SEA.

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O patamar máximo da tragédia no Xingu seria oresultado conjunto das seis obras previstas : quase20.000 km quadrados no perímetro das represas,e outro tanto ou mais do que isto, de terrenodesmatado e rasgado, aterrado, para passar linhasde transmissão, estradas de serviço, e para retirarmaterial de construção das obras.

Isoladamente cada projeto teria a sua destruição, ea mais extensa de todas seria a de Babaquara: umparedão de 60 metros poucos km rio acima de Alta-mira, e atrás dele um “lago” que quando estivercheio ocupará mais de 6.000 km2 de superfície, eque poderá o seu nível d’água oscilando em maisde 20 metros de altura, cobrindo e descobrindo maisde 3 mil km2 de antigas matas, igapós e ilhas.

O projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte defato poderia ter a menor “área alagada” dentre osseis projetos, mas vai colidir com a integridade deum monumento fluvial que tem o mesmo porteque da ilha e do pantanal do Bananal, no rio Ara-guaia ou que as corredeiras de São Gabriel, no rioNegro, e que talvez seja ainda mais monumentaldo que as corredeiras da Itaboca no Tocantins, jáperdidas sob a represa de Tucuruí.

A Volta Grande do Xingu, os arquipélagos fluviais,os pedrais, as Cachoeiras do Jericoá até a da Baleiaformam um dos maiores monumentos fluviais dopaís ainda não destruídos e pouco mexidos.

O que o projeto da Eletronorte pretende fazer coma Volta Grande? Ou, o quê resultaria para a Volta

Grande se fosse um dia construída tal obra? Con-forme já vimos no resumo executivo desse livro, aidéia dos engenheiros para aproveitar o desnível dequase 90 metros de altura do rio Xingu entre o iní-cio da Volta Grande (no trecho rio acima de Alta-mira) e o seu final ( no trecho da balsa da Transa-mazônica em Belo Monte do Pontal ) sempre foifazer uma derivação do fluxo de água pela margemesquerda do rio, para “ encurtar a Volta”, desde oprimeiro projeto Kararaô, no final dos anos 1980.

O trecho chamado de Volta Grande do rio Xingu,é algo tão peculiar, que talvez seja único na Amazô-nia, nestas dimensões. O formato do rio indica isto:o Xingu vem lá de MT, descendo sempre do Planal-to Central e seus patamares, num rumo geral parao Norte, para desembocar no rio Amazonas. Aochegar em Altamira seu rumo está um pouco incli-nado para a direita, no sentido Nordeste, e aí o riodobra quase 90 graus como se tivesse sido “obriga-do” pela geo - morfologia do planeta, pelo seu rele-vo neste trecho. Como se o rio tivesse que se desviardo escudo cristalino do Planalto Central Brasileiro,até encontrar passagens para atravessar esta beira-da rochosa, esse degrau mais baixo deste extensoPlanalto brasileiro, onde ele chega o mais pertopossível da margem direita do rio Amazonas.

Os últimos testemunhos, os mais baixos, desta bei-rada norte do Planalto Central estão ali nas serrotasperto de Altamira, em seus morros redondos e al-guns chanfrados, retos em cima. Principalmentenestas costas altas, como se fossem falésias sobre o

7. 1. A lógica da Volta Grandeadulterada: conseqüências prováveisafetando moradores urbanos, rurais eribeirinhos em Altamira emunicípios vizinhos; efeitos possíveispara os arquipélagos, pedrais,cachoeiras, e na “ria” do baixo Xingu.

Oswaldo Sevá

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Igarapé Altamira,Glenn Switkes/IRN

litoral...caindo so-bre a calha do rio,no trecho mais pró-ximo de Vitória doXingu.

Uma destas falésiaspanorâmicas foi ba-tizada pelo povo, deBelo Monte doPontal, na margemdireita, onde passa arodovia Transama-zônica, vindo deRepartimento eAnapu. Nome já in-corporado na cultu-ra popular e no imaginário brasileiro, e nordesti-no especialmente, pois Belo Monte foi também acidadela organizada pelo líder messiânico Anto-nio Conselheiro no Norte da Bahia, uma agro-vilaem pleno semi-árido, devastada pelas forças repu-blicanas na terceira tentativa.

Pois bem, vejamos os desníveis e as distâncias per-corridas pela vazão do rio: em Altamira a cotamédia é 93 metros de altitude ; ao virar para o Sudes-te e o Sul, o rio começa a descer; uns 40 km rioabaixo, na ilha Pimental, prevista para o barramen-to principal da represa da Eletronorte, a cota caiuuns dez metros, e fica perto dos 83 metros.

Conseqüências prováveis para a área urba-na de AltamiraComo a represa formada estaria, segundo a Ele-tronorte na cota 97 metros ( no primeiro projetoKararaô, a cota máxima era 96 metros ), conclui-se que uma parte da beirada do rio em Altamiraficaria quase sempre coberta de água.

São necessários para qualquer interessado, mo-rador ou estudioso, mapas corretos, e plantasbaixas de localização em escalas grandes , 1:25.000 ou 1: 10.000, com a indicação das altitu-des de metro em metro.

Isto para que se possa esclarecer, de uma vez portodas – como ficariam as áreas ribeirinhas e osbaixões, caso se formasse a represa e ela atingis-se durante uma parte dos meses, esta cota 97metros. A previsão mais lógica neste caso é queos três igarapés da cidade se tornariam braçosda represa:

Igarapé Ambé . Seriam alagados os terrenos e for-nos dos oleiros e a área do balneário São Francisco,

ao lado da ponte doacesso rodoviárioque liga a cidade àTransamazônica.Talvez várias residên-cias de um lado eoutro desta ligaçãoviária teriam que serretiradas; talvez aprópria pista teriaque ser elevada euma nova ponteconstruída. Na bocado igarapé no Xin-gu, também haveriaremanejamentos afazer, e talvez a serra-

ria e a cerâmica antigas sejam atingidas

Igarapé Altamira . Seriam alagadas as margens atu-ais, onde ficam as palafitas, na altura do cruzamentocom a rua Comandante Castilho, e todo o espraia-mento do igarapé no bairro Brasília, interrompen-do ruas, e em alguns casos, tendo que elevar as pis-tas, pontes de travessia e as pinguelas que o povo usatodo dia. A conferir casa por casa como ficaria o bair-ro chamado São Sebastião, onde residem os índiosxipaia e arara, além de moradores não índios.

Igarapé Panelas. Seriam alagados os terrenos efornos dos oleiros, e talvez a água atingisse trechosda estrada que liga com o Aeroporto, e a ponte. Averificar como ficariam as duas serrarias que ain-da funcionam por ali.

Calçadão da Beira – Rio. A água represada bateriano muro de arrimo da avenida João Pessoa, unsdois metros abaixo da calçada, a conferir. Rema-nejamento total de todas as moradias ribeirinhasdesde o BIS até a praia do pajé, e modificação ra-dical dos “portos” dos batelões e voadeiras, porexemplo, na rampa do “Seis” onde há varias casasque ficariam abaixo da cota 97 metros. A avaliarcomo ficariam alguns tubulões que despejam águaspluviais (e talvez esgotos clandestinos) no murode arrimo, com as bocas de saída uns três metrosabaixo da calçada.

Imediações da cidade. As atuais praias desapare-ceriam ou ficariam com a largura bem reduzida; amaior parte das ilhas ficaria bem reduzida, com aágua batendo quase sempre nas árvores. Tambémmudaria, claro, o modo de operação da balsa queliga a margem esquerda ( entre a cidade e o aero-porto ) com a margem direita ( rodovia “Trans -asurini” ). E os pontos atuais de retirada de areia ede seixos do fundo do rio seriam modificados.

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Conseqüências prováveis para o monu-mento fluvial dos arquipélagos, pedrais ecachoeiras, no trecho represado - e - notrecho “seco”.Continuemos a imaginar o futuro hipotético des-te trecho onde o rio viraria represa.

No trecho abaixo de Altamira até a ilha Pimental( onde ficaria o maior paredão de todas as obrasprevistas. abrigando o vertedouro principal e umacasa de força complementar, com potência previs-ta de 182 MW), há alguns trechos importantesdesmatados nas margens do rio, especialmente namargem direita e subindo pelos morros próximos;na beirada ficam as casas, as fruteiras, as roças, emais para dentro os pastos.

Existe, claro, o conjunto de sinais de degradaçãoambiental e de uso do solo, a região não é virgemnem desabitada; entretanto, a maioria das deze-nas de ilhas, as barrancas na terra firme e nas bo-cas dos igarapés, estão ainda hoje cobertas de matadensa, exceto os setores onde afloram muitas lajese rochedos, e as ilhotas e praias com alguma vege-tação de restinga, no verão.

Na hipótese de ser feita a represa “da calha do rio”,acima da Ilha Pimental, os arquipélagos sucessivos,desde rio acima de Altamira até aqui, uma faixa deuns 80 km de comprimento por 8, 10, 20 km de lar-gura, ficariam totalmente cobertos. Senão, quase isto,ficando para fora, até que morram de uma vez, ascopas de árvores mais altas, castanheiras e sumaúmas.

Algo grandioso, as numerosas ilhas florestadas eas grandes extensões de rocha são visíveis desdeos satélites (principalmente no trecho Sul-Norteda Volta Grande, entre a foz do Bacajá e o poçãoda travessia da balsa), aparecendo as lajes fratura-das em blocos retos, angulosos. Sabemos que, vis-tas de perto, nas fendas mais profundas, os canaissão rebojos de água verde escura.

O riozão ali tem alguns km de largura, e chega aperder seu formato de rio, vai se espalhando comoum grande alagadiço sobre os pedrais, entremea-dos com praias e bancos de areia dourados na luzdo dia. Difícil imaginarmos como ficaria esse mun-do equatorial exuberante sepultado sob a água darepresa e apodrecendo.

Isto talvez possa ser compreendido de forma apro-ximada por meio de uma imagem re– trabalhadaa partir das fotos destes lugares, que transmitisseuma ante-visão realista ou hiper– realista. Umaimagem totalmente distinta daquela visão ilusóriae mentirosa da represa, aquela maquete plástica que

ficou longos meses no quiosque da Eletronorte nocalçadão de Altamira. Por exemplo, na margem es-querda do Xingu rio abaixo de Altamira deságuamdois igarapés bem conhecidos, o de Gaioso e o deMaria, que percorrem a área dos travessões 18 e 27da Transamazônica, cada um com fazendonas degente importante e centenas de lotes de colonosdo Incra com 20, 30 anos no local.

No projeto original, a metade final de cada igarapése tornaria um braço de represa e a metade maisalta continuaria onde está hoje, com algum efeitode remanso nas proximidades da represa. Com amodificação, estes igarapés seriam rasgados pormáquinas até 500 metros de largura, teriam seufundo concretado, e suas barrancas acrescentadasde diques altos, para se tornarem canais de deriva-ção do fluxo d água represado em direção à repre-sa dos “cinco igarapés”.

Os pequenos afluentes dos igarapés de Gaioso ede Maria seriam contidos do “lado de fora” dosdiques, e formariam, alagadiços intermináveis noInverno e barreiros esquisitos no verão.

Toda a faixa dos dois igarapés e dos morrinhos quedividem suas bacias fluviais, seria atravessada pelamaior estrada de serviço da obra do paredãoPimental e de um grande alojamento, e tambémseria atravessada por linhas de transmissão de ele-tricidade em 69 kV para suprir o canteiro de obra;e quando começasse a operar, linhas de 230 kVvindo da Casa de Força complementar.

Na maquete da Eletronorte exposta aos visitantesem Altamira durante o ano de 2002, nada distoaparece de modo minimamente realista!

Abaixo do grande paredão da Ilha Pimental e daIlha da Serra, exatamente é onde o rio começariavirar um ex - rio, bem mais seco que o rio original.Logo adiante, no inicio do trecho fluvial a jusanteda barragem principal, ficam as comunidades daIlha da Fazenda e do garimpo da Ressaca, e o rioestá nos 80 metros. É um longo trecho de rio amea-çado, que os tecnocratas no EIA chamam de“estirão de jusante” (ou seja, a jusante, rio abaixoda barragem da Ilha Pimental).

Já que a maior parte da vazão que chega e passapela represa acima da Ilha Pimental, seria desviadapelos canais de derivação para a represa “dos cincoigarapés”, e só seria devolvida ao rio Tocantins de-pois de turbinada na casa de força chamada de BeloMonte – aquele malfadado “estirão” correria o ris-co de ficar totalmente seco, e para afastar este ris-co, os empreendedores prometem (no EIA) libe-rar a cada mês uma vazão de água mínima.

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O arbítrio e o crime dos tais “vazões ecológicas”estão resumidos nos seguintes fatos:

• a descida encachoeirada da Volta Grande tem uns150 km de comprimento; grosso modo, a primei-ra terça parte ficará sob a água da represa; nosdois terços finais, a calha do rio será a mesma,mas a vazão será sempre menor do que as meno-res vazões históricas observadas no rio a cada mês;

• de fato, nestes 2/3 da Volta Grande, da ilha Pi-mental até o canal de fuga da água turbinadaem Santo Antonio do Belo Monte, a principalvazão do rio será sempre aquela que o operadorda usina liberar para o tal “estirão de jusante”;

• o proponente do EIA, interessado no licencia-mento truncado junto à Sectam/PA, foi a Ele-tronorte mas, poderia não ser ela o operador fu-turo desta usina e portanto não seria ela a deci-dir os critérios de manobra destas comportas doprédio da Ilha Pimental;

• mesmo assim, a empresa promete no EIA libe-rar vazões de água da ordem de 200 até 2.000m3/ segundo em termos de médias mensais.

Vejamos: a simples comparação destes númeroscom as séries observadas de vazões mensais míni-mas – no período 1931- 2000 já mostra que as va-zões liberadas pelo operador da usina para jusan-te, em 2/3 da Volta Grande serão sempre meno-res que os “piores meses” em termos de vazão:

• em números tirados do EIA: no Inverno, as mí-nimas mensais mais baixas foram em Março, com9.561 metros cúbicos por segundo, e em Abril,9.817 m3/s, e conforme o EIA, seriam liberadospelo menos 15,7% e 20,4% destas vazões; respec-tivamente, 1.500 m3/s em Março e 2.000 m3/sem Abril

• pior ainda, em pleno Verão, as mínimas mensaisdo rio Xingu ali foram de 908 m3/s em Agosto -e a liberação seria de apenas 250 m3/s, uns 27%;e 477 m3/s em Setembro - quando a liberaçãoseria de apenas 225 m3/s. Em Outubro, a maisbaixa das mínimas mensais, com 444 m3/s e aliberação no vertedouro do Pimental seria deapenas 200 m3/s

• ou seja, nos dois meses do verão com o rio sem-pre mais seco, seriam liberadas a jusante do Pi-mental, vazões equivalentes a 45% - 47% das va-zões mínimas destes dois meses.

Nem mesmo equivalente à metade das vazões mí-nimas, a toda poderosa empresa concede aos 100km de rio e às centenas de familias ribeirinhas queali vivem.

Até aqui, já bastaria para caracterizar uma violen-ta adulteração e um crime: nunca naquele trechoo rio teve tais vazões, nem poderia ter, a não sernuma catástrofe climática... Conscientes destes fa-tos qualitativos e numéricos, os tecnocratas batizamtais vazões de “ecológicas” ! Acho que cometem umtipo particular de crime contra a inteligência, e tal-vez até algum crime previsto no Código Civil:usurpação de nome ou de marca (porque chamarde “ecológica” esta vazão d’água descarregada ajusante?)...divulgação pública de informação falsa(chamar de ecológico algo que esconde justamentea destruição dos habitats naturais).

Pois bem, navegamos neste trecho do rio Xingupor uns quarenta km, em outubro (2003) que emgeral é o mês de rio “mais baixo”, ou, “com menoságua”. Segundo o pessoal de lá, ainda não era o“final do verão”; a vazão estava talvez na média daprimeira semana do mês, entre 600 e 800 m3/ s.

Dos povoados da Ilha da Fazenda e Ressaca até a fozdo rio Bacajá, em quase 30 km, o nível do rio cai pou-cos metros. Neste trecho o desastre seria total, a nave-gação que é bem difícil no Verão, ficaria impossível, acalha do rio, larga com vários km de ilhas e pedrasficaria praticamente no seco com poças de água, queseriam quentes durante o dia, como em geral a águanos trechos mais rasos é quente no Verão, e poderiaficar morna durante boa parte da noite.

Com o rio sempre “no Verão”, quando vier o Ve-rão mesmo, seria muito pior, uma situação inéditapara todos os seres vivos: como ficarão os peixes,retidos nas poças, sem chance de circular, de na-dar contra a correnteza? E os carizinhos douradosque todos querem vender para o exportador, su-mirão? O mosquito da pedra todos temem queprolifere ainda mais, faz sentido, ele sempre au-menta no verão. Moluscos há muitos nos bancosde areia, podem dominar ou desaparecer?

E os pássaros que os comem? E as cobras equelônios que estão sempre por ali? E as abelhasque ficam na florada dos arbustinhos das restingas?

De tudo que pude observar “in loco”, talvez , sehouver o barramento , o ex- rio no seco, facilitariapara os garimpeiros, pois a lâmina d’água sempreseria menor do que hoje, os mergulhadores pode-riam ficar mais no raso, ou até, desnecessários, poisem muitos trechos, o fundo do rio estará quasesempre à mostra. Podem até procurar ouro commenos dificuldade e menos custo, só que tambémeles precisam de água para beber e lavar seu cas-calho, sua bateia; e, suas dragas precisam de rionavegável para se deslocar de um ponto a outrode garimpagem. As pilhas de seus rejeitos, que já

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afloram atualmente ficarão como pirâmides aolongo do leito antigo do rio.

Para os que moram nas barrancas e mesmo paradentro, mas próximos do rio, haveria um transtor-no grande, aumento de despesas com a captaçãode água, e talvez algum colapso em várias das ca-sas e comunidades que usam água de poço. Istoporque o lençol freático no verão fica em geral nonível de 6 a 8 metros abaixo do solo, contando-sea partir das barrancas altas do rio, onde ficam ascasas. Se o rio estiver barrado com a vazão bemmais baixa que o usual, estes lençóis podem bai-xar metros e metros, e alguns podem secar de vez.

Neste panorama, a chegada na calha do riozão,das vazões de descarga vindas de alguns igarapéscomo o Ituni, o Itata, o Pacajaí, não muda muitoeste tipo de estiagem inédita.

Na confluência do rio Bacajá com o Xingu, o en-contro das vazões dos dois rios produz atualmentealgo tipicamente amazônico: no verão, o rio Bacajávindo com pouca água pela margem direita, es-corre lentamente para dentro do Xingu tambémcom pouca água; no inverno, o Xingu pode vir comtanta força que ao invés do Bacajá despejar a suaágua ali naquele ponto, o Xingu é que invade oafluente e formará uma barreira hidrodinâmica,uma espécie de freio, que o povo e os engenhei-ros chamam de remanso.

No rio Bacajá, este fenômeno de remanso se pro-longa por dezenas de km rio adentro, passandopelos primeiros grandes meandros( Fazenda SãoJoão e Pedra do Indio ), mas talvez não altere ocomportamento do rio mais acima, na FazendaCipaúba e bem mais acima, na Aldeia Urubu.

De toda forma, este remanso poderia nunca maisexistir, se de fato forem liberadas no Xingu as taisvazões infimas, por exemplo, 15 a 20 % da vazãonormal no inverno.

O Bacajá chegariacom a sua vazão usu-al, e escorreria dire-to no Xingu, semqualquer resistênciaou amortecimento;no trecho final doBacajá, durante oInverno, haveria nolugar do remansoque atualmente seforma, uma corren-teza mais veloz e umaumento na erosãodas barrancas.

Bem perto desse ponto, outra curva apertada, uns45 graus, o rio volta para o rumo Norte, abre vári-os furos, cada um equivale a um rio de porte mé-dio. Mais 20 km rio abaixo, a água vai se espalhan-do pelos pedrais, e as corredeiras vão se concen-trando em poucos pontos, começa a preparaçãoda 1ª grande cachoeira, cuja parte represada rioacima está na cota 67 metros de altitude.

A Jericoá é definida por um morro de mais de 50metros de topo, em cada margem, e algumas ilhasmorrotes entre eles, estimo que tenha uns 5 a 6 kmde largura, com um desnível total de uns 13 metros.

Conforme os diagramas do perfil do rio (EIA) , apraia de baixo da Cachoeira Jericoá fica na cota54 metros.

Rio abaixo, há mais três ou quatro, a confirmar, ca-choeiras como esta. Todas secariam muito, ficari-am com quase uma quarta parte de água que deve-riam ter, p.ex. em Agosto, ou menos da metade doque deveriam ter, p.ex. em Outubro. Aumentariammuito as extensões de praias e ilhas de areia. A ve-getação de restinga e alguns manguezais na partebaixa tendem a morrer, pois podem ficar uma oumais estações sem ser afogadas pela água que as fer-tiliza. Ou, porque suas raízes ficariam distantes doslençóis subterrâneos da região da cachoeira, quetenderiam a baixar, em relação aos níveis de hoje.

A diminuição do volume e do ímpeto da corrente-za nos canais principais por onde a água verte, nasfendas do pedral, talvez facilite um pouco a nave-gação de barcos menores e voadeiras.

E, novamente, talvez facilite para os garimpeiros...que há milênios buscam como secar os poços querecebem e guardam os sedimentos do rio, no meiodos quais pode estar o ouro.

Rio Xingu abaixo da praia da Jericoá, começam adesaguar pela mar-gem esquerda, osquatro igarapés quenascem lá perto doslotes da Transamazô-nica e dos travessões45 e 55, e que vêmaté aqui na zona dascachoeiras: o Paqui-çamba, depois o Ti-caruca, o Cajueiro, eo igarapé Cobal.

Estes quatro igara-pés foram escolhidospara compor uma

Dragas nas margens do rio Xingu,O. Sevá, out 2003.

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parte do projeto Belo Monte: a “represa em terrafirme”, que serviria para encurtar o trajeto das águasaté o desnível final em Santo Antonio do Belo Mon-te, seria basicamente formada a partir de cinco ou-tras represas menores, cada uma num igarapé. Re-presas formadas exatamente nestes quatro igarapése depois da Volta, no igarapé Santo Antonio.

Como as barragens que formariam tais represas sãoverdadeiros diques, não teriam vertedouros nem com-portas. Conclusão, dali para baixo, cada igarapérepresado ficaria completamente seco no início dotrecho, talvez se torne intermitente no Verão, e,apenas na época mais chuvosa, poderia reconstituiruma pequena parte de sua vazão usual.

Assim, a vazão do Xingu nem pode aumentar al-guns m3/ s, que cada igarapé destes poderia acres-centar. Uma coisa puxa a outra, nas margens des-tes igarapés pode haver um rebaixamento dos len-çóis, ou – ao contrário, pode minar água acumula-da kms acima, na represa.

De toda forma, a contribuição de cada igarapéao rio Xingu, que usualmente pode ser de pou-cos m3/ segundo, dezenas talvez, no Inverno, serázero no Verão, ou uma proporção muito reduzi-da da contribuição atual no Verão, que tambémé muito baixa.

No trecho encachoeirado abaixo da Jericoá, (praiana cota 54 metros ), a calha pedregosa do rio vai seestreitando entre as “serras” e os “rochedos”; em 35km de percurso, ele despenca. As últimas quedassomam 50 metros; não as conheci mas dizem quesão gargantas cavadas nas fendas das lajes rochosas:a Baleia, a Assassina, a Itamaracá, talvez outras...esão tantas que cada segmento, cada trecho enca-choeirado, deve ter pelo menos um nome.

Antes das últimas gargantas rochosas, a vazão do riose concentra em dois grandes fluxos, que terminamsua queda encachoeirada no grande poço, que ficaalguns kms rio acima da vila de Belo Monte do Pontal.O nível d’ água do poção fica entre 4 e 10 metros dealtitude, e dizem ter 80 metros de profundidade!

Seria alterado o funcionamento do poção e de suasramificações que entram pela banda Leste do rio,do lado oposto à Volta Grande, até perto da Tran-samazônica, em terras do município de Anapu eperto da vila de Belo Monte do Pontal. O nível dopoção estaria sempre mais baixo do que o atual,em todas as estações, simplesmente porque a va-zão seria sempre menor do que a atual, em algunscasos, como já vimos, chegando a ser menos de20% da atual ( no trecho antes da foz do Bacajá).

Não conheço o trecho exato onde cruza a balsa da

Transmazônica, mas se as barrancas forem muitoinclinadas, as dificuldades de acesso e saída dosveículos nas margens, hoje comuns no Verão, se-rão ainda maiores nesta época, e poderão ocorrertambém no Inverno. Por causa da retenção de se-dimentos orgânicos e dos compostos mineraismais pesados no fundo da represa, lá no início daVolta Grande, o poço do final das cachoeiras rece-berá menos matéria orgânica, o quê influenciaránegativamente a vida aquática e a agricultura emtodo o trecho rio abaixo.

Efeitos possíveis na “ria” do baixo Xinguaté a foz no Amazonas.Nesta “esquina fluvial”, terminam os 150 km daVolta Grande desde Altamira. O rumo do rio nomapa da Amazônia brasileira vira para o Noroestequase Norte, e aí começa de fato, o baixo Xingu;simbolicamente, digamos que nesta esquina fica atravessia da balsa da Transamazônica.

Começa então um tipo fluvial muito especial, quecaracteriza justamente toda a calha central do Ama-zonas e Solimões, e a imensa planície sedimentarque acompanha esta calha, desde a ilha de Marajó,e até os confins do Peru, Equador e Colômbia.

É a ria do Xingu, similar às rias do Tapajós e do rioNegro, por exemplo: o afluente do Amazonas vemcom um grande volume de água, e declividade bembaixa, quase zero, após o ultimo degrau do escu-do cristalino (caso do Xingu e do Tapajós) ou doescudo guianense, caso do rio Negro.

Como o volume d’água do Amazonas sempre foimaior, o efeito de remanso segurou os sedimentose foi construindo quase uma restinga entre os rios;é como se o Xingu, caísse primeiro numa“banheirona”. E, desta banheirona a água fosselentamente escoando para o rio principal.

Neste trecho do baixo Xingu, a “ria” tem mais de200 km de comprimento, e poderia ser inteiramen-te afetada pelo funcionamento da usina de BeloMonte, mesmo dando-se um desconto pelo fato delaser uma represa “a fio d´água”, com pouca acumu-lação de água. O trecho seco do rio, com vazão bemdiminuída se prolongaria bem adiante da balsa.

Na margem esquerda ficam o Porto da Petrobrás,o vilarejo Santo Antonio do Belo Monte, a foz dosigarapés Sto Antonio e Gloria, que seriamdestruídas, e os igarapés represados caso a obra seconcretizasse.

E neste ponto, o canal de fuga da usina traria devolta ao Xingu a sua parte majoritária da vazão quehavia sido derivada, encurtando a Volta Grande

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198 CASTRO, Edna, RODRIGUEZ, Graciela “As Mulheres de

Altamira na defesa da água como Direito Humano Fundamental

Rio Xingu- Amazônia – Brasil”, Instituto Eqüit, Comitê de

Mulheres da Alianza Social Continental, RJ, 2004.

“Foram apontados 14 (povoados) que seriam os mais vul-

neráveis aos impactos das barragens, nos estudos prelimi-

nares realizados pela Universidade Federal do Pará (LIRIO

e SÁ:2001): Agrovila Leonardo da Vinci, Comunidades Sa-

grado coração, São José, Boa esperança, São Francisco de

Assis, Vila Rica (no mapa aparece como Vila Nova), Santa

Terezinha, São Raimundo Nonato, Bom Jardim e Bom jar-

dim II ou Goianos, Santo Antonio, Santa Luzia, São Fran-

cisco das Chagas-Deus é Amor e Terra Preta.”.

“Em Altamira e perto da foz do Itatá, encontram-se mais

três localidades e doze núcleos sujeitos a impactos:

Paritizinho, Palhal de cima e de baixo, Cana Verde, Ituna,

Ressaca (vila), (Ilha da )Fazenda, Paratizão, São Lázaro,

Ilha Itaboca, Santa Luzia e São Pedro além dos três povo-

ados originários do garimpo, conhecidos por Galo, Itatá e

Japão.”

“Porém são as cidades de Altamira, Vitória do Xingu e Sena-

dor José Porfírio as regiões consideradas pela empresa Ele-

tronorte como sujeitas aos maiores impactos. Em outras áre-

as, beirando o rio, perto da área urbana de Altamira, e em

seus igarapés Altamira, Ambé e Panelas , estão previstas várias

obras, entre os quais a vila residencial (dos engenheiros) do

empreendimento.

Na percepção da sociedade civil, que valoriza dimensões da

vida em geral não consideradas na visão técnica e burocrá-

tica das empresas, a abrangência dos impactos será muito

maior do que a admitida pela empresa Eletronorte.”

(esta vazão devolvida pelo canal de fuga seria sem-pre mais de 50 % da vazão do rio, exceto quandoa vazão natural ultrapasse os 28 mil m3/s, o quênão é muito freqüente).

Registremos as possibilidades lógicas: uma adulte-ração importante pode ocorrer mesmo nesta de-volução da vazão ao rio: como a vazão devolvida émaior do que a que chega pelo rio, vindo do tre-cho encachoeirado, poderia haver um efeito derebojo no encontro das águas, bem peculiar, comalgum tipo de contra- corrente rio acima, o queseria uma anormalidade completa! Mas, pode nãoacontecer nada disto e acontecer outra coisa...

A partir deste trecho então, a ria vai se alargarmuito. Depois da cidade de Vitória do Xingu, quefica na boca do igarapé Pucuruí, a largura do riopode passar dos 10 km de margem a outra, emSenador José Porfírio e lá no final da ria, em Por-to de Moz. Dali até Gurupá, já no rio Amazonas, a

água do Xingu se junta enfim ao rio principal, e aítambém poderá haver uma ação de remanso so-bre o Xingu, se este estiver com vazões mais redu-zidas do que o habitual.

Talvez as obras de Belo Monte, com pouca acu-mulação de água, não tenham a capacidade deprovocar repercussões lá embaixo, no final do rio,em sua foz, mas com a também hipotética repre-sa de Babaquara, a de maior área e volume dopaís - se chegar a ser cometida - aí sim haveriacertamente influencia sobre a dinâmica da foz,sobre o rio Jauruçu, sobre as correntes e alturasdos igarapés e furos que ligam a planície final doXingu com este trecho da ria, e sobre as ilhas,bancos de areia e praias.

E o quê fazer diante da ameaça de tantas adultera-ções em um único trecho de rio e suas terras fir-mes de um lado e de outro da barranca, e nos seusigarapés e rios afluentes?

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IntroduçãoO presente informe tem como objetivo apresen-tar uma opinião técnica sobre o hidrograma pro-posta no Estudo de Impacto Ambiental e outrasnotas técnicas do projeto como “vazão ecológica”,com objetivo mitigar o impacto ambiental na de-nominada Volta Grande do rio Xingu. O projeto ébaseado no desvio de grandes volumes de água daVolta Grande do Xingu, através de canais deadução, que encurtam a caída até a casa de forçaprincipal localizada no sitio Belo Monte onde se-ria turbinada para a geração de energia elétrica.

Este trabalho parte da definição do conceito de “Flu-xo ambiental”, elemento chave para a maior com-preensão das implicâncias sócio-ambientais da ma-nipulação dos recursos hídricos, e algumas dasmetodologias de cálculo vigentes. Posteriormentedescreve os aspectos fundamentais dos Estudos doprojeto Belo Monte, que deram como resultado ohidrograma da “vazão remanescente” para a VoltaGrande. Continua com as observações sobre ametodologia utilizada para a determinação, em fun-ção do conceito do fluxo ambiental, finalizando comcorrespondentes conclusões e recomendações.

Fluxo ambiental1. Definição:

Este conceito é relativamente novo para o sectorde aproveitamento de recursos hídricos. Vários dosmétodos utilizados para sua determinação têm sido

desenvolvidos nos últimos 20 anos em mais de 25paises com a construção de uma considerável ex-periência ao respeito.

Um fluxo ambiental, independente da metodologiautilizada na sua determinação constitui um regimedestinado a manter um fluxo mínimo para garantir ascondições ambientais originais com seus benefícios soci-ais e econômicos. Por isso é preciso considerar todosos aspectos que conformam um rio e sua bacia dedrenagem, não apenas hidráulicos, hidrológicos,econômicos, ambientais, e bióticos em forma iso-lada ou com relações parciais entre alguns dos as-pectos mencionados.

Se seja um conceito fácil de compreender, colocarna prática pode ser complexo, sendo que requerea integração de diversas disciplinas, como enge-nharia, ecologia, hidrologia, legislação, e os de-mais. Também precisa a participação e negocia-ção de todos os atores interessados. Alcançar umacordo significa garantir a sobrevivência do ecos-sistema, e lograr um equilíbrio ótimo entre os dis-tintos usos da água.

Os novos projetos, como aquele analisado no pre-sente informe, apresentam uma oportunidade deconsiderar os fluxos ambientais dentro do quadrodas estratégias de operação, permitindo chegar aestabelecê-los com a flexibilidade necessária paraadaptá-se a futuras modificações, variaçõesestacionais e/ou câmbios climáticos, tendo em con-ta a larga vida útil destas obras (50-100 anos). Tam-bém se nota a necessidade de manter um fluxo

7.2. Informe sobre a “Vazão ecológica”determinada para a

Volta Grande do rio Xingu

Ivan Fumeaux

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ambiental adequado durante o processo da cons-trução e na fase do enchimento do reservatório. Nãomenos importante é a necessidade de ter, duranteos primeiros anos de operação, um plano demonitoreo e manejo do regime fluvial previamentedeterminado por alguma das metodologias utiliza-das, para diminuir as incertezas na predição da res-posta do rio a este fluxo ambiental.

Dentro desta problemática, é interessante analisaro ciclo do projeto da obra, como um dos caminhos aconsiderar para quando e como introduzir um flu-xo ambiental na seleção, desenvolvimento, e admi-nistração do aproveitamento. A seguinte figuramostra uma representação genérica deste ciclo. Háa relação com o ciclo de vida do aproveitamento,sendo que sua vida útil inclui a possibilidade de atu-alizações, expansões, e até o desmantelamento nasua saída de serviço, dependendo em como os fato-res físicos, econômicos, e sociais afetam a bacia ri-beirinha ao largo do tempo.

Metodologías de quantificaçãoExistem diversos métodos para a determinaçãodestes fluxos ambientais, desde os métodos pura-mente estatísticos, até o uso de modelos detalha-dos do sistema determinado, cada um com as suasvantagens e desvantagens em função das informa-ções disponíveis, objetivos desejados, e prazos detempo. Sinteticamente, se dividem em duas cate-gorias principais: prescritivas e interativas.

Métodos prescritivos

Estes métodos usualmente se aplicam para deter-minar um valor único de fluxo, ou um regime defluxo, pelo qual se aplica especialmente quando osobjetivos são claros e pontuais e as chances de con-flito com outros usos da água são baixas, e/ou faltainformação suficiente. Dividem-se em 4 categorias:

• Índices hidrológicos: são métodos principalmentede gabinete baseados no recorde histórico do rio,volumes e alturas hidrométricas por exemplo,resultando como “output” um valor recomendá-vel. Pouca ou nenhuma atenção se põe na natu-reza do rio ou na sua biota.

• Características hidráulicas: Utiliza as relações en-tre os valores de descarga do rio e alguns dosparâmetros físicos do mesmo como a profundi-dade, declive e perímetro molhado para calcu-lar um valor de fluxo recomendado. É melhorque o anterior a pesar de considerar apenas osaspectos físicos do rio.

• Painel de especialistas: Consiste na utilização dumaequipe de especialistas nos diversos aspectos do

rio como hidrólogos, geólogos, biólogos, entreoutros, que devem levantar considerações sobreas necessidades de fluxo ambiental, na base deampla informação e visitas ao sítio em diversasépocas para conhecer as características dos dis-tintos estados de funcionamento do rio. As reco-mendações devem ser o resultado também dedebates e oficinas inclusive com a participaçãode representantes das comunidades atingidas.

• Métodos holísticos: Requere a disponibilidade deampla e detalhada informação e conhecimentosobre o rio para poder determinar o melhor pos-sível das entre as características do mesmo e asnecessidades de fluxo para os principais gruposbióticos (vegetação, peixes, invertebrados), como qual se “construa” o fluxo ambiental em acor-do com as necessidades ambientais, por exem-plo com uma variação mensal.

Métodos interativosEsta segunda categoria, mais complexa do que aanterior, se enfoque nas relações existentes entreo fluxo do rio e os seus distintos componentes, nãorestringindo o resultado a um único valor de regi-me, consistente com os outros usos da água. Estesmétodos se classificam em duas categorias, deno-minadas Simulação do Habitat e MétodosHolísticos. Os mais conhecidos são a IFIM(Instream Flow Incremental Methodology) e aDRIFT (Downstream Response to Imposed FlowTransformations). O interessante destes métodosé que o resultado consiste num conjunto de op-ções-alternativas ou cenários, dependo no méto-do utilizado, que são descritos e quantificados parapermitir a toma de decisões pertinentes para ad-ministrar e gerenciar o recurso:

• O regime do fluxo modificado.

• A condição resultante do rio ou as espécies, de-pendendo no requisito.

• Os impactos para os usuários ribeirinhos.

• Os custos diretos e os benefícios.

Cabe destacar em quanto a sua complexidade, queo método DRIFT inclusive considera os custos so-ciais dos ribeirinhos águas abaixo (consideradascomo população de baixo risco) como conseqü-ência dos câmbios provocados pela manipulaçãodo regime do rio.

Vazão Remanescente para a Volta GrandeDentro do espectro dos trabalhos elaborados nodesenvolvimento do projeto Belo Monte, foi feitoum “Estudo de Vazão Remanescente para a Volta

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Grande do rio Xingu”, determinando umhidrograma de fluxos destinados como defluentespara a Volta Grande, e qualificado de “ecológico”.Ele simula as variações anuais do ciclo hidrológi-co do rio Xingu, com o objetivo de minimizar oimpacto causado pelo desvio da maior parte dosseus fluxos naturais, destinados para a geração deenergia elétrica e “dando a oportunidade dosurgimento de um novo ecossistema” em acordocom o próprio estudo.

Os critérios básicos que foram considerados paraestabelecer esta “vazão remanescente” foram asseguintes:

• Minimizar o impacto ambiental.

• Possibilitar o “surgimento de um novo ecossiste-ma”, mantendo o comportamento das descargasdo rio em condições semelhantes ao ciclo hidro-lógico natural.

• Otimizar a relação entre geração de ener-gia e os impactos ambientais causados peloempreendimento.

Analisaram-se três alternativas

• Alternativa 350 m3/s: fundamentada na norma N°02 da antiga DNAEE de agosto de 1984 que esta-belece no seu item 3.7 um valor de “vazão rema-nescente” não inferior ao 80% da mínima me-dia mensal da série histórica com extensão depelo menos 10 anos. Para o rio Xingu se obser-vou em 08/1968 um fluxo de 444 m3/s, e apli-cando a metodologia citada chegou ao valor de350 m3/s. Esta norma foi revogada pela resolu-ção da ANEEL No/ 394 de 04/12/1998, em acor-do com o estudo.

• Alternativas “Ciclo 1” e “Ciclo 2”: as duas alternati-vas se estabeleceram em função da hipóteses doque as variações naturais do rio devem preserva-das para beneficiar o ecossistema porque são pre-cisas para sua subsistência e manutenção. A al-ternativa “Ciclo 1” resultou na otimização da sé-rie original de vazões, considerando a capacida-de variável de “engolimento” das turbinas. Emquanto à “Ciclo 2”, consiste numa melhoria dasérie anterior para melhor representar as varia-ções do ciclo hidrológico natural do rio.

Finalmente, depois de analisar os aspectos Legais,Hidrológicos-ambientais e de Geração de Energía,foi selecionado a denominada “Ciclo 2” com o cri-tério econômico-ecológico aparentementesatisfatório para os aspectos mencionados, respei-tando as variações naturais do ciclo hidrológico aolargo do ano, supostamente “possibilitando a ma-nutenção de um ecossistema local” e com menores

perdidas econômicas ocasionadas pela não utili-zação de estas vazões na geração de energia emrespeito da alternativa “Ciclo 1”.

Para este último se estudaram as perdas de ener-gia firme em função da aplicação de cada alterna-tiva mediante um modelo de simulação energéti-ca chamado MSUI. Considerou-se um valor deUSD$ 34/MWh, 50 anos de vida útil da usina, umaconfiguração de 20 turbinas de 550 MW cada umae uma energia firme de 4996 MW médios, chegan-do aos seguintes valores de perdas:

• “350 m3/s” = 5,6% -> USD$ 636.000.000,00

• “Ciclo 1” = 10,4% -> USD$ 1.190.000.000,00

• “Ciclo 2” = 6,7% -> USD$ 800.000.000,00

A primeira alternativa foi considerada a mais con-veniente do ponto de vista econômico, aliás foiselecionada a correspondente a “Ciclo 2” pelasvantagens descritas anteriormente.

Observações sobre o Estudo de Vazão re-manescenteUm objetivo é tratar de simular apenas o compor-tamento “natural” (a forma) de um ciclo hidroló-gico, neste caso do rio Xingu, e outro muito dis-tinto é atender as necessidades mínimas do ecos-sistema dependente no rio para conservá-lo nassuas condições originais, quer dizer considerar umfluxo ambiental.

Contando com a informação do projeto, concei-tos e definições anteriormente detalhadas, pode-mos fazer as seguintes observações sobre ohidrograma proposta como vazão remanescente:

• Comportamento da hidrograma anual proposta: seafirma que respeita a “forma” que apresentamoutros rios na região, quando que deve serprioritário é manter o próprio rio Xingu.

• Vazões médios mensais: se observa que os valores de-terminados estão muito inferiores aos que corres-pondem a um “ano seco” do rio (Out98/Set99).

• Aspectos ambientais: se mencionam como fatores nadeterminação da vazão, aliás não aparece claramen-te sua relação nem sua influência na definição dosvalores estabelecidos no hidrograma proposta.

• Fluxo defluente: Não há certeza de como vão adminis-trar os fluxos maiores aos do hidrograma proposto,como se encontram em épocas de crescidas.

• Metodologia utilizada: a priori, o desenho destedefluente foi feito através de métodos hidrológi-cos baseados no record histórico de vazões maisque aspectos ambientais, semelhante num pro-cesso prescritivo.

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ConclusõesPelo exposto nos pontos anteriores se conclui queé altamente arriscada a implementação destehidrograma defluente devido principalmente aosescassos valores assinados como mínimos e a in-certeza ao respeito da forma de administração devazões maiores que os mínimos estabelecidos.

Estes aspectos são longes de cumprir os requisitospara a determinação de fluxo ambiental, e a pró-pria sobrevivência do ecossistema original ficariaem perigo. Isso poderia trazer conseqüências hi-drológicas, tanto para as águas no superfície, tantonos aqüíferos na zona perto da beira do rio, sendoque diminuiria a vazão de recarga do aqüífero; aosambientes e a biota em geral; e sociais, sendo que

vai reduzir ou impedir o aproveitamento do tre-cho como recurso de pesca, navegação, e demaispara a população da zona afetada.

Por último deve-se considerar os aspectos legais vi-gentes hoje no Brasil, como a Lei Nacional N° 9433que institui a Política Nacional de Gerenciamentode Recursos Hídricos. Entre seus fundamentos, sedefine a água como um bem de Domínio Público,limitado e com valor econômico, de propósitos múl-tiplos, mas assinando prioridade ao uso humano eanimal em situações de escassez do recurso. Alémdisso, se expressa que a gestão dos recursos hídricosdeve ser descentralizada e contar com participaçãodo Poder Público, os usuários e as comunidades,que estabeleceria o contexto para a determinaçãode um fluxo ambiental.

Vazões características rio Xingu (m3/seg)

Mês Defluente Q pro Q seco Q med Q hum

Out 200 1121 715 1125 1325

Nov 250 1891 1378 1959 2209

Dez 325 3766 3643 3590 3915

Jan 500 7790 6867 7353 15641

Fev 1000 12876 7992 15047 16047

Mar 1500 18123 13361 15973 17473

Abr 2000 19942 12416 22744 24744

Mai 1300 15959 11274 16711 18011

Jun 550 7216 5594 6114 6664

Jul 300 2903 2225 2865 3165

Ago 250 1559 1100 1598 1848

Set 225 1068 778 1172 1397

Defluente: “vazão remanescente” para a Volta GrandeQ pro: Vazões promedios estatísticos série 1931-2000Q seco: Valores ano seco (Out 98/Set99)

Q med: Valores ano medio (Out 96/Set97)Q hum: Valores ano úmido (Out 77/Set78)

Rio Xingu: gráfico comparativo das vazões

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ELETRONORTE: “Dimensionamentodos parâmetros energéticos do Com-plexo Hidrelétrico Belo Monte” – 2001.

ELETRONORTE: “Estudo de vazão re-manescente para a Volta Grande doXingu” – Agosto/2001.

Referências

THE WORLD BANK: “Water Re-sources and Environment” - TechnicalNote C.1 – March/2003.

ELETRONORTE: COMPLEXO HI-DRELÉTRICO BELO MONTE: “EIA-Relatório Final “ – Tomos I e II - Feve-reiro/2002.

IUCN – THE WORLD CONSERVA-TION UNION: “Flow – The essentialsof environmental flows” – 2003.

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Capítulo 8Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases doefeito estufa: Belo Monte (Kararaô) e Altamira (Babaquara)Philip M. Fearnside

ResumoCalcular as emissões de gases de efeito estufa debarragens hidrelétricas é importante no processo detomada de decisão em investimentos públicos nasvárias opções para geração e conservação de ener-gia elétrica. A proposta da hidrelétrica de Belo Mon-te (antigamente Kararaô) e sua contrapartida rioacima, a hidrelétrica de Altamira (mais conhecidapor seu nome anterior: Babaquara), está no centrodas controvérsias sobre como deveriam ser calcula-das as emissões de gases de efeito estufa de represas.A hidrelétrica de Belo Monte por si só teria umaárea de reservatório pequena (440 km2) e capacida-de instalada grande (11.181,3 MW), mas a represade Babaquara que regularizaria a vazão do rio Xin-gu (aumentando assim a geração de energia de BeloMonte) inundaria uma vasta área (6.140 km2).

Está previsto que, em cada ano, o nível d’água emBabaquara vai variar em 23 m, expondo assim repe-tidamente uma área de 3.580 km2 (a zona de deple-cionamento) a uma vegetação herbácea, de fácildecomposição, que cresceria rapidamente. Esta ve-getação se decomporia a cada ano no fundo do re-servatório quando o nível d’água sobe, produzindometano. O metano oriundo da vegetação da zonade deplecionamento representa uma fonte perma-nente deste gás de efeito estufa, diferente do gran-de pulso de emissão oriunda da decomposição dosestoques iniciais de carbono no solo e nas folhas eliteira (serapilheira ou foliço) da floresta original.As turbinas e vertedouros puxam água de níveisabaixo do termoclino, isto é, da barreira de

estratificação por temperatura que isola a água dofundo do reservatório, rica em metano, da camadasuperficial que está em contato com o ar. Quando aágua do fundo emerge das turbinas e dos vertedou-ros, grande parte da sua carga de metano dissolvi-do é liberado para a atmosfera. O gás carbônicooriundo da decomposição da parte superior dasárvores da floresta inundada, que fica acima d’água,representa outra fonte significativa de emissão degás de efeito estufa nos primeiros anos depois daformação de um reservatório.

Belo Monte e Babaquara representam um desafioao ainda principiante sistema brasileiro de avalia-ção de impacto ambiental e licenciamento de obras.O procedimento atual considera cada projeto deinfra-estrutura isoladamente, em lugar de avaliar agama completa de impactos que o conjunto comoum todo provocaria. Neste caso, as característicasexcepcionalmente favoráveis da primeira barragem(Belo Monte) são altamente enganadoras comoindicações das conseqüências ambientais de umadecisão para construir aquela obra. Os impactosprincipais serão provocados pelos reservatóriosmuito maiores rio acima, começando pelo de Ba-baquara e, possivelmente, outras quatro represasplanejadas na bacia do Xingu, que inundariam gran-des áreas de floresta tropical e terra indígena, alémde emitir gases de efeito estufa.

A presente análise indica que o complexo BeloMonte/Babaquara não teria um saldo positivo,em termos de emissões de gases de efeito estufa,

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comparado ao gás natural, até 41 anos após o en-chimento da primeira represa. Isto, na forma decálculo mais favorável para hidrelétricas, com zerode desconto para os impactos no aquecimentoglobal, essencialmente como se o impacto pesa-do nos primeiros anos fosse um empréstimo semjuros. A aplicação de qualquer taxa de descontoacima de 1,5% ao ano resulta no complexo nãoter um saldo positivo, comparado ao gás natural,até o final do horizonte de tempo de 50 anos usa-do no Brasil em avaliações de projetos propostosde energia. O impacto sobre o aquecimento glo-bal de represas é uma indicação da necessidadede o País reavaliar as suas políticas atuais, quealocam grandes quantias de energia da rede na-cional para uma indústria subsidiada de exporta-ção de alumínio.

I. O Rio Xingu e as Barragens mais Con-troversas da AmazôniaA proposta da hidrelétrica de Belo Monte, no rioXingu (um afluente do rio Amazonas no Estado doPará), é o foco de intensa controvérsia devido àmagnitude e à natureza dos seus impactos. A hidre-létrica de Belo Monte ficou conhecida pela ameaçaque representa aos povos indígenas por facilitar umasérie de represas planejadas rio acima em áreas in-dígenas. O impacto de Belo Monte sobre o efeitoestufa provém das represas rio acima, projetadaspara aumentar substancialmente a produção elé-trica de Belo Monte e para regularizar a vazão dorio Xingu, altamente sazonal. O reservatório de BeloMonte é pequeno relativamente à capacidade desuas duas casas de força, mas os cinco reservatóriosrio acima seriam grandes, até mesmo pelos padrõesamazônicos. O maior desses reservatórios é a represade Babaquara, recentemente renomeada de “Alta-mira”, num esforço aparentemente com o propósi-to de escapar do ônus da crítica que os planos paraBabaquara atraíram ao longo das últimas duas dé-cadas (o inventário inicial para a obra começou emoutubro de 1975).

“Barrageiros” ou construtores de barragens repre-sentam uma subcultura distinta na sociedade brasi-leira (veja Fearnside, 1989, 1990). A barragem deBelo Monte tem um lugar especial na cultura dosbarrageiros. Um dos engenheiros envolvidos noplanejamento da barragem explicou a natureza es-pecial da obra assim: “Deus só faz um lugar comoBelo Monte de vez em quando. Este lugar foi feitopara uma barragem”. Com 87,5 m de queda e umavazão média de 7.851 m3/segundo (média no perí-odo de 1931 a 2000), outro local como Belo Monte

é difícil de se encontrar. Apesar da variação sazonalalta no fluxo d’água, que diminui o potencial deenergia que o local (por si só) pode oferece, a ques-tão principal levantada pela hidrelétrica de BeloMonte é mais profunda que os impactos diretos nolocal do reservatório: é o sistema pelo qual as deci-sões sobre construção de barragens acontecem. Emum Brasil ideal, Belo Monte poderia produzir, pelomenos em grande parte, os benefícios que seus pro-motores retratam. Mas no Brasil real de hoje, emlugar disso, a obra levaria a impactos sociais e ambi-entais desastrosos em troca do pouco benefício paraa população brasileira. A existência de Belo Monteforneceria a justificativa técnica para a construçãode represas rio acima que inundariam vastas áreasde terra indígena, praticamente todas sob florestatropical, em troca de subsidiar os lucros de compa-nhias de alumínio multinacionais que empregampouca mão-de-obra no Brasil (veja outros capítulosneste volume).

A hidrelétrica de Belo Monte propriamente dita éapenas a “ponta do iceberg” do impacto do proje-to. O impacto principal vem da cadeia de represasrio acima, presumindo que o embalo político co-meçado pela Belo Monte aniquilasse o sistema delicenciamento ambiental, ainda frágil, do Brasil.Este é o quadro provável da situação para a maio-ria dos observadores não ligados à indústria hidre-létrica. Das represas rio acima, o reservatório deBabaquara, com duas vezes a área inundada dabarragem de Balbina, seria o primeiro a ser cria-do. Autoridades do setor elétrico se esforçam paraseparar o projeto Belo Monte propriamente ditodo seu impacto principal, que é o de incentivar asmegabarragens planejadas a montante.

Embora estudos iniciais, completados em 1989,tenham analisado o projeto para Belo Monte cominclusão dos benefícios da regularização da vazãopor represas rio acima, a dificuldade em obter umaaprovação rápida logo ficou patente às autorida-des do setor elétrico. A exigência de um estudo deimpacto ambiental (EIA) no Brasil entrou em vi-gor em janeiro de 1986, e a constituição federalde outubro de 1988 estipulou a exigência de apro-vação pelo Congresso Nacional para projetos queinundam áreas indígenas. Um estudo novo foi ela-borado, então, para Belo Monte sem a presunçãoda regularização da vazão por represas a montan-te. O estudo revisado (atual) afirma:

“O estudo energético em questão considera apenas a exis-tência do Complexo Hidrelétrico Belo Monte no rio Xingu,o que acarreta que o mesmo não aufira qualquer benefíciode regularização a montante. Embora os estudos de inventá-rio hidrelétrico do rio Xingu realizados no final da década

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de 70 tivessem identificado 5 aproveitamentos hidrelétricosa montante de Belo Monte, optou-se por não considerá-losnas avaliações aqui desenvolvidas, em virtude da necessida-de de reavaliação deste inventário sob uma nova ótica eco-nômica e sócio-ambiental. Frisa-se, porém, que a implanta-ção de qualquer empreendimento hidrelétrico com reserva-tório de regularização a montante de Belo Monte aumenta-rá o conteúdo energético dessa usina”. (Brasil, ELETRONOR-TE. s/d [C. 2002]a, p. 6-82).

Em outras palavras, embora uma decisão políticatenha sido tomada para restringir a análise oficialsomente à Belo Monte como uma conveniêncianecessária para obter a aprovação do projeto, asvantagens técnicas de construir também as repre-sas rio acima (especialmente Babaquara) perma-necem as mesmas. Na realidade, nem a ELETRO-NORTE nem qualquer outra autoridade governa-mental prometeram deixar de construir essas bar-ragens, mas apenas adiar uma decisão sobre elas.Este é o ponto crucial do problema.

Todo mundo já ouviu o provérbio do “camelo-na-barraca”: um beduíno acampado no desertopode ser tentado a deixar o seu camelo pôr a ca-beça dentro da barraca, à noite, para se protegerde uma tempestade de areia. Mas ao acordar namanhã seguinte, com certeza o homem encon-trará o camelo de corpo inteiro dentro da barra-ca. Esta é exatamente a situação com Belo Mon-te: uma vez que a Belo Monte comece, nós, pro-vavelmente, vamos acordar e encontrar Babaqua-ra já instalada.

O enredo do “camelo-na-barraca” já aconteceu comprojetos da ELETRONORTE em pelo menos duasocasiões paralelas. A primeira ocorreu durante oenchimento do reservatório de Balbina. Em setem-bro de 1987, menos de um mês antes do começodo enchimento do reservatório, a ELETRONOR-TE emitiu um “esclarecimento público” declaran-do que o reservatório seria enchido somente até acota de 46 m sobre o nível médio do mar (abaixodo nível originalmente planejado de 50 m). Umasérie de estudos ambientais seria realizada duran-te vários anos para monitorar a qualidade da águaantes de tomar uma decisão separada sobre o en-chimento do reservatório até a cota de 50 m (Bra-sil, ELETRONORTE, 1987a). Porém, quando o ní-vel d’água alcançou a cota de 46 m, o processo deenchimento não parou durante um único segun-do para os estudos ambientais planejados, e o en-chimento continuou sem interrupção até a cotade 50 m e até mesmo além deste nível (vejaFearnside, 1989, 1990). Na realidade, o plano emvigor durante todo o processo de encher a represaindicava enchimento direto até o nível de 50 m(Brasil, ELETRONORTE, 1987b). Hoje a represa

é operada, sem nenhuma justificativa, com um ní-vel máximo operacional de 51 m.

O segundo exemplo é a expansão em 4.000 W dacapacidade instalada em Tucuruí (i.e., Tucuruí-II).Um estudo de impacto ambiental estava sendo ela-borado para o projeto de Tucuruí-II, já que a cons-tituição brasileira de 1988 exige um EIA para qual-quer hidrelétrica com 10 MW ou mais de capaci-dade instalada. Porém, o EIA foi truncado quan-do a ELETRONORTE começou a construir o pro-jeto sem um estudo ambiental em 1998 (vejaFearnside, 2001). O raciocínio era que a obra nãoteria nenhum impacto ambiental porque o nívelmáximo operacional normal da água no reserva-tório permaneceria inalterado em 72 m sobre onível médio do mar (Indriunas, 1998). No entan-to, enquanto a construção estava em andamento,a decisão foi mudada discretamente para elevar onível d’água até 74 m, como era o plano original.A represa está sendo operada neste nível desde2002, também sem justificativa.

Essa estratégia também é percebida para BeloMonte. O estudo de viabilidade admite que“...os serviços de infra-estrutura (acessos, canteiros, sistemade transmissão, vila residencial, alojamentos) terão início tãologo a sua licença de instalação seja aprovada, o que deveocorrer separadamente da aprovação da licença para as obrascivis principais, no decorrer do denominado ano “zero”deobra.” (Brasil, ELETRONORTE, 2002, Tomo II, p. 8-155).

Isto significa que o estudo ambiental e o processode licenciamento para a barragem de Belo Montesão vistos como uma mera formalidade burocráti-ca para legalizar uma decisão que já foi tomada.Se o licenciamento ambiental fosse visto como umacontribuição essencial à própria decisão sobre seo projeto deveria ou não ir adiante, então não ha-veria razão para começar o trabalho de infra-es-trutura complementar enquanto o projeto princi-pal (a barragem) continua sob consideração.

Estes exemplos são indicações pouco favoráveispara o futuro do Xingu. Eles sugerem que, embo-ra as autoridades possam dizer agora o que bemquiserem sobre planos para Belo Monte operarcom uma única barragem, quando, no decorrerdo tempo chegar a hora para começar o trabalhona segunda barragem (Babaquara), é provável quea obra vá adiante de qualquer maneira. Isto signi-fica que os impactos de represas a montante de-vem ser considerados, e, se estes impactos foremjulgados inaceitáveis, então qualquer decisão paraconstruir Belo Monte deve ser acompanhada deum mecanismo confiável para garantir que as bar-ragens rio acima não serão construídas.

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Se a Belo Monte é realmente economicamente viávelsem Babaquara, como afirma a ELETRONORTE, istonão diminuiria o perigo da história se desdobrarpara produzir os desastres ambientais e sociais im-plícitos no esquema de Babaquara. Isto porque,depois da conclusão de Belo Monte, o processode tomada de decisão sobre a construção de Baba-quara seria dominado por argumentos de que aBabaquara seria altamente lucrativa como meio deaumentar o potencial elétrico de Belo Monte.

Porém, a Belo Monte poderia conduzir a um re-sultado diferente. Antes de se decidir sobre a cons-trução de Belo Monte, o sistema de tomada dedecisão sobre barragens hidrelétricas deve sermudado radicalmente. Devem ser enfrentadas asperguntas básicas sobre o que é feito com a ener-gia, assim como também a questão de quanta ener-gia realmente é necessária. O governo brasileirodeveria deixar de encorajar a expansão de indús-trias intensivas de energia. Além disso, estas indús-trias, especialmente a de alumínio, deveriam serfortemente penalizadas, cobrando-as pelo danoambiental que o uso intensivo de energia implica.Ademais, o governo brasileiro precisa desenvolveruma base institucional confiável, por meio da qualum compromisso possa ser feito para não se cons-truir nenhuma das barragens planejadas a mon-tante de Belo Monte. Devido à série de preceden-tes na história recente de construção de barragensno Brasil, onde o resultado oposto aconteceu, umaestrutura institucional requereria alguns testes re-ais antes de ganhar credibilidade adequada paracontrolar um caso como Belo Monte, onde as ten-tações para voltar atrás em qualquer promessadesse tipo são extraordinariamente poderosas.Esperar a evolução das instituições ambientais parapoder lidar com a Belo Monte não implica a per-da do seu potencial futuro: se nenhuma barragemfor construída no local de Belo Monte nos próxi-mas anos, a opção de se construir uma barragemlá ainda permanecerá aberta.

Também são necessárias mudanças para conter opapel das empresas de construção em influenciaras prioridades de desenvolvimento no favorecimen-to de grandes obras de infra-estrutura. A grandeatratividade que a Belo Monte tem para a comuni-dade de barrageiros, poderia servir, potencialmen-te, como um bom motivo para induzir todas estasreformulações. Porém, os perigos são múltiplos, eo risco de dar impulso à construção da Babaquarapaira como uma espada pendurada em cima detodas as discussões de Belo Monte.

Entre os muitos impactos das represas a montanteque devem ser avaliados, um é o papel delas na

emissão de gases de efeito estufa. Na presente aná-lise, serão apresentadas estimativas preliminarespara as emissões de Belo Monte e de Babaquara.Se as outras quatro barragens planejadas foremconstruídas, elas teriam impactos adicionais a se-rem considerados.

II. Hidrelétricas e Emissões de Gases deEfeito EstufaA Belo Monte está no centro das controvérsias emcurso sobre a magnitude do impacto no aquecimen-to global das represas hidrelétricas e sobre a manei-ra apropriada deste impacto ser quantificado e con-siderado no processo de tomada de decisão. Quan-do os primeiros cálculos de emissão de gases de efei-to estufa das represas existentes na Amazônia brasi-leira indicaram impacto significativo (Fearnside,1995a), esta conclusão foi atacada, apresentandoum caso hipotético que correspondeu à Belo Mon-te, com uma densidade energética de mais de 10Watts de capacidade instalada por m2 de área desuperfície de reservatório (Rosa et al., 1996). Alémde a metodologia adotada provocar cálculos hipo-téticos que subestimem o impacto sobre emissãode gases de efeito estufa, o problema principal éomitir as emissões da hidrelétrica de Babaquara,com 6.140 km2 rio acima de Belo Monte (Fearnside,1996a). Este problema básico permanece hoje,mesmo depois de muitos avanços em estimativas deemissões de gases de efeito estufa.

A área relativamente pequena da hidrelétrica deBelo Monte, sozinha, indica que as emissões degases de efeito estufa da superfície do reservató-rio serão modestas, e quando estas emissões sãodivididas pelos 11,181 MW de capacidade instala-da da barragem, o impacto parece ser baixo emcomparação aos benefícios. Esta é a razão de seusar a “densidade energética” (Watts de capacida-de instalada por metro quadrado de área d’água)como a medida do impacto de uma represa sobreo aquecimento global. Apresentando a Belo Mon-te como uma represa ideal sob uma perspectivade aquecimento global, Luis Pinguelli Rosa e co-laboradores (1996) calcularam esta relação comoexcedendo ligeiramente 10 W/m2, baseado na áreado reservatório originalmente planejada de 1.225km2 (o índice seria de 25 W/m2 sob as mesmashipóteses, quando considerada a área atualmenteplanejada de 440 km2).

Os regulamentos do Mecanismo de Desenvolvi-mento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto atu-almente permitem crédito de carbono para gran-des represas sem restrições, más foi proposto pelo

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conselho executivodo MDL, reunindoem Buenos Airesem dezembro de2004, que estes cré-ditos sejam restritosa barragens comd e n s i d a d e senergéticas de pelomenos 10 W/m2 deárea de reservatório(UN-FCCC, 2004, p.4), coincidente-mente a marcaalcançada para BeloMonte segundo ocalculo de Rosa et al. (1996). A possibilidade dereivindicar crédito de carbono para Belo Montefoi levantada em várias ocasiões tanto por funcio-nários do governo brasileiro como do BancoMundial. Uma densidade energética tão altaquanto 10 W/m2 para Belo Monte requer que estabarragem seja considerada independente da re-presa de Babaquara que regularizaria a vazão emBelo Monte, armazenando água rio acima. A con-figuração atual para as duas barragens juntas, com11.000 + 181,3 + 6.274 = 17.455 MW de capacida-de instalada, e 440 + 6.140 = 6.580 milhões de m2

de área de reservatório é de 2,65 W/m2 de reser-vatório. Isto não é muito melhor que a densida-de energética de Tucuruí-I (1,86 W/m2), e muitoinferior ao número mágico de 10 W/m2.

No caso de Belo Monte, duas razões fazem com queeste índice seja altamente enganador como medi-da do impacto do projeto sobre o efeito estufa. Pri-meiro, as emissões de superfície (que são proporci-onais à área do reservatório) representam apenasuma parte do impacto de aquecimento global deprojetos hidrelétricos: as quantidades de metanoliberadas pela passagem da água pelas turbinas (evertedouros) dependem muito dos volumes de águaque atravessam estas estruturas. O volume deste flu-xo pode ser grande, até mesmo quando a área doreservatório é pequena, como em Belo Monte. Asegunda razão é que o maior impacto do projetoglobal é das represas rio acima. Para cumprir o pa-pel de armazenamento e liberação da água paraabastecer Belo Monte durante a estação seca, asrepresas a montante devem ser manejadas com amaior oscilação possível nos seus níveis d’água. Afi-nal de contas, se estas barragens fossem usadas “afio d’água” (i.e., sem oscilações do nível d’água noreservatório) o resultado não seria nada melhor queo rio sem a vazão regulada, do ponto de vista de

aumentar a produ-ção de Belo Monte.É esta flutuação nonível d’água que fazdas represas rio aci-ma fontes potencial-mente grandes degases de efeito estu-fa, especialmente ade Babaquara. É es-perada uma variaçãono nível d’água doreservatório de Ba-baquara de 23 m aolongo do curso decada ano (Brasil,

ELETRONORTE, s/d. [C. 1989]). Para fins de com-paração, o nível d’água no reservatório de Itaipuvaria em apenas 30-40 cm. Cada vez que o níveld’água em Babaquara atingisse seu nível mínimooperacional normal, seria exposto um vasto lama-çal de 3.580 km2 (aproximadamente o tamanho doreservatório de Balbina inteiro!). Vegetação herbá-cea, de fácil decomposição, cresceria rapidamentenesta zona, conhecida como a zona de “deplecio-namento”, ou de “drawdown”. Quando o níveld’água subisse subseqüentemente, conseqüente-mente a biomassa se decomporia no fundo do re-servatório, produzindo metano.

Reservatórios são estratificados de modo térmico,com uma faixa (termoclino) tipicamente localiza-da de 2 a 3 m de profundidade. A temperatura daágua diminui abruptamente abaixo do termocli-no, e a água presa debaixo desta camada não semistura com a água da superfície. Esta água funda(o hipolimnion) logo se torna anóxica, e a vegeta-ção herbácea da zona de deplecionamento que sedecompõe sob estas condições produz metano(CH4) em lugar de gás carbônico (CO2). Uma to-nelada de CH4 provoca 21 vezes mais impacto so-bre o efeito estufa que uma tonelada de CO2, seutilizamos o fator de conversão (potencial de aque-cimento global, ou GWP) adotado pelo Protocolode Kyoto (Schimel et al., 1996), ou 23 vezes maisse o valor mais recente calculado pelo Painel In-tergovernmental sobre Mudança do Clima (IPCC)for utilizado (Ramaswamy et al., 2001, pág. 388).Por tonelada (megagrama = Mg) de carbono libe-rado em cada forma, CH4 tem 7,6 vezes mais im-pacto, considerando o GWP de 21.

Não se acredita que a madeira nas árvores sub-mersas seja uma fonte significativa de carbonopara a produção de metano porque o tecido ve-getal lignificado (madeira) decompõe-se a uma

Árvores aprodrecendo no reservatório da hidrelétrica Tucuruí,Miguel Chikaoka

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taxa extraordinariamente lenta sob condiçõesanaeróbicas. Árvores ainda são utilizáveis comomadeira mesmo depois de permanecerem váriasdécadas submersas, como é mostrado pela expe-riência em Tucuruí onde, 20 anos depois do en-chimento em 1984, a represa ainda é cena de dis-putas entre vários pretendentes interessados naexploração do estoque de madeira subaquática.Em contrapartida, a vegetação herbácea verde de-compõe-se rapidamente, liberando assim seu es-toque de carbono na forma de gases, alguns dosquais são liberados para a atmosfera.

O recrescimento da vegetação na zona de deple-cionamento do reservatório, a cada ano, removegás carbônico da atmosfera pela fotossíntese, ereemite o carbono na forma de metano quandoa vegetação é inundada. O reservatório age, en-tão, como uma verdadeira fábrica de metano,convertendo continuamente o CO2 em CH4. Afonte de carbono da inundação anual da zonade deplecionamento é permanente, diferente docarbono da liteira fina, folhas e carbono instável(lábil) orgânico do solo da floresta original. Es-tes estoques de carbono se decompõem duranteos primeiros anos depois do enchimento do re-servatório. Tapetes de macrófitas (plantas aquá-ticas), outra fonte de biomassa facilmente decom-posta, diminu-em a níveis re-duzidos quan-do a fertilidadeda água alcan-çar um equilí-brio mais baixodepois de esgo-tar o pulso ini-cial de nutrien-tes que segue oenchimento doreser vatório.Emissões de re-presas hidrelé-tricas são mui-to mais altasdurante os pri-meiros anos,tanto de CH4

gerado peladecomposiçãosubaquática dabiomassa her-bácea do reser-vatório e doCO2 oriundo

da decomposição da parte acima d’água das ár-vores da floresta original deixada em pé no re-servatório. Porém, a provisão ininterrupta debiomassa herbácea da zona de deplecionamen-to, e de macrófitas, garante um certo nível deemissão permanente. A vasta zona de deplecio-namento de Babaquara assegura que esta fonteserá significativa.

III. Características das Barragens de BeloMonte e BabaquaraA) Belo MonteA configuração do reservatório de Belo Monte éaltamente incomum, e os cálculos de gases de efei-to estufa deveriam ser desenvolvidos especifica-mente para estas características. O reservatório édividido em duas partes independentes. O “Reser-vatório da Calha do Rio Xingu” ocupa o curso dorio Xingu acima da barragem principal, localiza-da em Sítio Pimental (Figura 1). O vertedouroprincipal tira água deste reservatório, assim comouma pequena “casa de força complementar” (181,3MW de capacidade instalada) que, em períodosde alta vazão, fará uso de parte da água que nãopode ser usada pela casa de força principal. Quan-tidade maior da água será desviada a partir da la-teral do Reservatório da Calha, por meio de ca-

nais de adução,até o Reservató-rio dos Canais,ao término doqual se encon-tram as toma-das d’água paraas turbinas nacasa de forçap r i n c i p a l(11.000 MW).O Reservatóriodos Canais tam-bém dispõe depequeno verte-douro para ca-sos de emer-gência. Sãoapresentadas ascaracterísticasdos reservatóri-os na Tabela 1.

Para abasteceras turbinas daprincipal casade força, comcapacidade de

Figura 1. Reservatório de Babaquara (Altamira) eReservatórios de Belo Monte (da Calha e dos Canais).

Fontes: Babaquara: Brasil, ELETRONORTE, s/d[C. 1988];Belo Monte: Brasil, ELETRONORTE, s/d[C. 2002]a.

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Tabela 1: Características Técnicas das Represas deBelo Monte (Kararaô) e Babaquara (Altamira)

Belo Monte (Kararaô) Total BabaquaraReservatório Reservatório Belo (Altamira)

Item Unidades da Calha dos canais Monte Nota

Área do reservatório no nível máximo km2 333 107 440 6.140operacional normal

Área do reservatório no nível mínimo km2 333 102 438 2.560operacional normal

Área de deplecionamento km2 0 5 5 3.580

Variação do nível d’água m 0 1 23

Volume no nível máximo operacional Bilhão de m3 2,07 1,89 3,96 143,5 normal

Volume no nível mínimo operacional Bilhão de m3 2,07 1,79 3,86 47,16 normal

Volume de armazenamento vivo Bilhão de m3 0 0,11 0,11 96,34

Profundidade média m 6.2 17,7 9.0 23,4

Tempo de residência média dias 3.1 2,8 5.8 211,6 (a)

Comprimento do reservatório km 60 87 147 564

Comprimento do perímetro da margem km 361 268 629 2.413 (b)

Número de turbinas Número 7 20 27 18

Produção de máximo por turbina MW 25,9 550 — 348,6

Capacidade instalada MW 181,3 11.000 11.181,3 6.274

Consumo de água por turbina m3/s 253 695 — 672

Consumo de água total m3/s 1.771 13.900 15.671 12.096

Vazão média m3/s 7.851 7.851 (c)

Elevações

Nível máximo operacional normal m sobre o mar 97 97 — 165

Nível mínimo operacional normal m sobre o mar 97 96 — 142 (d)

Nivel do vertedouro m sobre o mar 76 79,52 — 145 (e)

Nível do canal de adução m sobre o mar — 84 — —

Eixo da entrada das turbinas m sobre o mar 80 65 — 116,5

Outros parâmetros

Área de drenagem km2 447.719

Evaporação anual mm 1.575

Precipitação anual mm 1.891

Localização Latitude 03o 26’ S 3o 7’ 35” S 3o 18’ 0” SLongitude 51o 56’ O 51o 46’ 30” O 52o 12’ 30” O

Notas(a) Presume que toda a água é usada pela casa de força principal em Belo Monte.(b) Presume-se que Babaquara tem a mesma a relação entre o perímetro da margem e o comprimento que em Belo

Monte.(c) Vazão é a média para 1931-2000 calculada no EIA para Belo Monte. Um vazão “sintético” mais alto de 8.041 m3/s foi

calculado por Maceira & Damázio (s/d) para Babaquara.

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turbinar 13.900 m3/segundo, água entrando noscanais fluiria numa velocidade média de 7,5 km/hora num canal de 13 m de profundidade, levan-do aproximadamente 2,3 horas para percorrer os17 km do Reservatório da Calha até o Reservató-rio dos Canais. Isto será semelhante a um rio, aoinvés de um reservatório. O Reservatório dos Ca-nais, pelo qual a água levará, em média, 1,6 diaspara passar, é de uma forma talvez sem igual nahistória de construção de barragens. Em vez dohabitual vale inundado, onde a água flui pelo re-servatório que segue a topografia descendentenatural de um rio e seus afluentes, a água no Re-servatório dos Canais estará fluindo por uma sériede vales perpendiculares à direção normal de flu-xo d’água. A água passará entre cinco bacias dife-rentes, na medida em que atravessa os cursos dosigarapés que terão sido inundados, passando porgargalos rasos quando a água cruza cada um dosantigos interfluvios. Cada uma destas passagens,algumas das quais serão em canais escavados comoparte do projeto de construção, oferecerá a opor-tunidade para quebrar qualquer termoclino quepossa ter-se formado nos fundos de vale. É possí-vel que só água da superfície, relativamente bemoxigenada e de baixo teor de metano, fará a passa-gem por estes gargalos, deixando camadas relati-vamente permanentes de água rica em metano nofundo de cada vale. Portanto, o Reservatório dosCanais, de 60 km de comprimento, é uma cadeiade cinco reservatórios, cada um com um diferen-te tempo de reposição, sistema associado de “bra-ços mortos” e potencial para estratificação. Quan-do a água alcançar o trecho final antes das toma-das d’água das turbinas, permanecerá lá apenasdurante um tempo curto.

B.) BabaquaraEm contraste com o volume pequeno do reserva-tório e tempo curto de reposição dos dois reserva-tórios de Belo Monte, o reservatório de Babaqua-ra tem várias características que o fazem excepcio-nalmente nocivo como fonte de metano. Uma é asua área enorme, do tamanho de Tucuruí e Balbi-na juntos. Outra é a área de deplecionamento ex-traordinariamente grande que será alternadamen-te inundada e exposta: 3.580 km2 (Brasil, ELETRO-NORTE, s/d. [C. 1989]).

O reservatório de Babaquara é dividido em doisbraços, um dos quais terá um tempo de reposiçãomuito lento. O reservatório inundará os vales dosrios Xingu e Iriri. Medidas grosseiras das áreas doreservatório (a partir de um mapa no Brasil, ELE-TRONORTE, s/d. [C. 1988]) indicam que 27%

da área de reservatório, aproximadamente, se en-contra na bacia do rio Xingu abaixo da confluên-cia dos dois rios, outros 27% na bacia do Xinguacima do ponto de confluência e 26% na bacia dorio Iriri. A vazão média (1976-1995) do rio Iriri éde 2.667 m3/segundo (Brasil, ANEEL, 2001), en-quanto a vazão no local da barragem de Babaqua-ra (i.e., abaixo da confluência) é de 8.041 m3/se-gundo (Maceira & Damázio, s/d). Presumindo quea porção do reservatório abaixo da confluência (aporção mais próxima à represa) é três vezes maisfunda, então, em média, com os outros dois seg-mentos, o tempo de residência no reservatório deBabaquara da água que desce o rio Xingu é de164 dias e de 293 dias para a água que desce do rioIriri. Embora o tempo de residência seja muitolongo em ambos os casos, tempo bastante paraacumular uma grande carga de metano, o tempopara a parte no Iriri quase alcança o do tempo deresidência de 355 dias da notória represa de Bal-bina! A tremenda diferença entre Babaquara eBelo Monte, com oscilações verticais em níveisd’água que variam desde zero no Reservatório dosCanais de Belo Monte até 23 m em Babaquara,indica que um modelo explícito dos estoques decarbono e da sua decomposição é necessário, emlugar de uma extrapolação simples de medidas deconcentrações de CH4 e emissões em outras repre-sas. O modelo desenvolvido para este propósito édescrito nas seções seguintes.

IV. Fontes de Carbono e Caminhos de Li-beração de Gases de Efeito EstufaA.) Metano

O metano produzido por decomposição subaquá-tica pode ser liberado de vários modos. Uma é aebulição e a difusão pela superfície do reservató-rio. Ebulição permite que o CH4 atravesse a bar-reira do termoclino, e é altamente dependente daprofundidade da água em cada ponto no reserva-tório, com emissões de bolhas muito maiores a pro-fundidades mais rasas. A difusão é importante noprimeiro ano, mas não depois disso; isto porqueas populações bacterianas na água de superfície(epilimnion) aumentam, resultando que qualquermetano que se difunde por esta camada é oxida-do para CO2 antes de alcançar a superfície(Dumestre et al., 1999; Galy-Lacaux et al., 1997).As emissões de superfície também são mais altasnos primeiros anos depois do enchimento porqueo estoque de carbono nas folhas e liteira de foliçada floresta original e na fração instável do carbonode solo está sendo liberado do fundo do reservató-rio na forma de metano. Estes estoques de carbono

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iniciais diminuirão na medida em que eles são pro-gressivamente exauridos e, nos anos posteriores,o carbono somente estará disponível de fontesrenováveis, tais como as macrófitas e orecrescimento na zona de deplecionamento (as-sim como também o carbono do solo que entrano reservatório oriundo de erosão rio acima).

Estão faltando estudos para quantificar o papel re-lativo de diferentes fontes de carbono. No caso doreservatório de Petit Saut, na Guiana francesa, Galy-Lacaux et al. (1999) acreditam que o carbono dosolo é a fonte principal nos primeiros anos. O esto-que de carbono instável do solo é relativamentegrande, comparado aos outros estoques de carbo-no facilmente degradado. O presente cálculo usa oestoque de carbono instável (hidrossolúvel) do solode 54 Mg C/ha medido nos 60 cm superficiais deum Ultisolo amazônico típico (Trumbore et al., 1990,pág. 411). Suposições relativas à taxa de decompo-sição dos estoques produzem um total teórico parao carbono liberado na água na forma de CH4. Con-siderando o efeito de diluição pelos influxos de águapara o reservatório, a quantidade de carbono quese decompõe anaerobicamente por bilhão demetros cúbicos de água pode ser calculada. Estaquantidade foi calculada para dois reservatóriosexistentes em áreas de floresta tropical (Petit Saute Tucuruí) e relacionado à concentração de CH4

na água a uma profundidade padronizada (30 m)nos mesmos reservatórios.

A quantidade de carbono que se decompõe anae-robicamente é a soma das porções que se decom-põe de folhas originais e liteira de foliça, carbonoinstável do solo, macrófitas não encalhadas e ve-getação inundada na zona de deplecionamento.

A quantidade de água é o volume do reservatórioao final do mês, mais os influxos durante o mês eo mês anterior. A quantidade de carbono que sedecompõe anaerobicamente (calculada de acor-do com as suposições dadas acima) relacionada àconcentração de CH4 aos 30 m de profundidade émostrada na Figura 2. Os dados de concentraçãosão de Petit Saut (Galy-Lacaux et al., 1999), com aexceção do ponto extremo no lado esquerdo, com6 mg CH4/litro aos 30 m de profundidade, que éde Tucuruí (J.G. Tundisi, citado por Rosa et al.,1997, pág. 43). A faixa de valores para a quantida-de de carbono que se decompõe anaerobicamen-te é dividido em três segmentos para o cálculo daconcentração de CH4 aos 30 m de profundidade(equações 1-3).

Para decomposição anaeróbica = 684,4 Mg C/bi-lhão de m3 de água:

Y = 0,00877 X (eq. 1)

Para decomposição anaeróbica entre 684,5 e15.000 Mg C/bilhão de m3 de água:

Y = 0,000978 X + 6 (eq. 2)

Para decomposição anaeróbica > 15.000 Mg C/bilhão de m3 de água:

Y = 20 (eq. 3)

Onde: X = decomposição anaeróbica (Mg C/bi-lhão de m3 de água)

Y = concentração de CH4 aos 30 m de profundi-dade (mg/litro)

A razão entre a concentração de metano a dife-rentes profundidades e a concentração aos 30metros depende da idade do reservatório, já queesta razão muda com o passar do tempo à medida

Figura 2 - Concentração de Ch4 aos 30 m de profundidade versus Mg C/bilhão de m3 de água

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Tabela 2: Razão das concentrações de CH4 em diferentes profundidades para aconcentração aos 30 m de profundidade

Gama Idade Idade Idadede profundidade (m) = 12 meses(a) 12,1-36 meses(b) > 36 meses (c)

0 – 0,9 0,33 0 0

1 – 1,9 0,50 0 0

2 – 4,9 0,75 0 0

5 – 9,9 0,83 0 0,34

10 – 14,9 0,67 0 0,63

15 – 19,9 0,75 0,33 0,71

20 – 24,9 0,83 0,50 0,79

25 – 29,9 0,92 0,83 0,89

30 – 30,0 1,00 1,00 1,00

≥ 31 (d) (d) (d)

(a) Dados do reservatório de Samuel, 5 meses depois de encher (J.G. Tundisi, citado por Rosa et al., 1997, pág. 43).(b) Dados de Petit Saut (Galy-Lacaux et al., 1999).(c) Dados de Tucurui 44 meses depois de encher (J.G. Tundisi, citado por Rosa et al., 1997, pág. 43).(D) Y = 1 + (0,0165 (X - 30)) onde:

Y = Razão entre a concentração de CH4 e a concentração aos 30 m de profundidadeX = Profundidade debaixo da superfície (m)

Belo Monte podem ser calculadas. A calibração daliberação de carbono calculada por decomposiçãoanaerobica aos dados existentes sobre concentra-ção de CH4 em reservatórios semelhantes é impor-tante para reduzir qualquer possível viés oriundodas presunções relativas à magnitude das taxas dedecomposição dos vários estoques subaquáticos decarbono. A água que entra em um reservatório apartir de igarapés e do fluxo normal do rio, como aágua que entra em Babaquara, não contém pratica-mente nada de CH4, como foi mostrado pelas me-didas em Petit Saut (Galy-Lacaux et al., 1997). Nocaso de Belo Monte, no entanto, a água que entradiretamente de Babaquara conterá quantidadesapreciáveis de CH4.

Presume-se que o manejo d’água em Babaquarasiga uma lógica baseada em prover a quantidademáxima possível de água anualmente a Belo Mon-te, dentro das limitações colocadas pelo ciclo sa-zonal de vazões do rio, o máximo que pode serusado pelas turbinas em Babaquara, e o volumede armazenamento vivo do reservatório. Isto re-sulta na esperada subida e descida anual do níveld’água. Durante cada mês ao longo de um perío-do de 50 anos um cálculo é feito da área de zonade deplecionamento que permanece exposta du-rante um mês, dois meses, e assim sucessivamenteaté um ano, e uma categoria separada que émantida para área de deplecionamento expostadurante mais de um ano. A área que é submersa

que as populações bacterianas nas águas de super-fície fiquem mais capazes de degradar o metanopara gás carbônico. Dados do reservatório de Sa-muel quando isto tinha cinco meses de idade (J.G.Tundisi, citado por Rosa et al., 1997, pág. 43) sãousados para representar reservatórios até 12 me-ses depois do enchimento; dados de Petit Saut(Galy-Lacaux et al., 1999) são usados para repre-sentar reservatórios do 13º até o 36º mês, e dadosde Tucuruí coletados 44 meses depois do enchi-mento (J.G. Tundisi, citado por Rosa et al., 1997,pág. 43) são usados para representar reservatóriosdepois do 36º mês. As razões são calculadas usan-do as equações na Tabela 2.

As emissões de ebulição e de difusão podem ser re-lacionadas à concentração de CH4 a uma profundi-dade padronizada de 30 m. A Tabela 3 apresentaequações para estas emissões para água com pro-fundidades diferentes. Estas razões resultaram dasmedidas em Petit Saut (Galy-Lacaux et al., 1999). Aconcentração de CH4 prevista aos 30 m de profun-didade é estreitamente relacionada às emissões deebulição observadas em cada faixa de profundida-de nos dados de Petit Saut (0-3 m, 4-6 m e 7-8 m)(Figura 3a, b e c). As emissões de difusão em PetitSaut, independente da profundidade, também sãoestreitamente relacionadas à concentração de CH4

prognosticada aos 30 m (Figura 3d).

Usando os dados derivados acima, as concentraçõesde CH4 em Babaquara e nos dois reservatórios de

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Figura 3a. Emissões de ebuliação para 0-3 m de profundidade

Figura 3c. Emissões de ebuliação para 7-8 m de profundidade

Figura 3b. Emissões de ebuliação para 4-6 m de profundidade

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Tabela 3: Emissões ebulição e de difusão de concentração de CH4aos 30 m de profundidade(a)

Gama de concentraçãoCaminho Gama de de CH4 aos 30 m dede emissão profundidade (m) profundidade (mg/litro) Declive Intercepte

Ebulição 0-3 m 0-9,2 47,572 -54,2149,3-1,6 64,979 -216,344≥ 17,7 23,562 516,453

Ebulição 4-6 m 0-9,2 31,284 -77,4999,3-17,6 35,738 -118,989≥ 17,7 12,959 284,049

Ebulição 7-8 m 0-4.5 0 04,6-9,2 2,468 43,680

9,3-17,6 11,139 -37,087≥ 17,7 4,039 88,535

Difusão Todas as profundidades 0-9,2 11,909 -35,8609,3-17,6 17,917 -91,822≥ 17,7 1,895 191,656

(a) Y = m X + b ; onde: Y = Emissão de CH4 (mg/m2/dia) ; X = Concentração de CH4 aos 30 m de profundidade(mg/litro) e m = Declive b = Intercepte

Figura 3d. Emissões de difusão

em cada classe de idade é calculada durante cadamês. Isto permite um cálculo da quantia debiomassa herbácea que é inundada, baseado emsuposições relativas à taxa de crescimento da ve-getação na zona de deplecionamento. A categoriapara vegetação com mais de um ano de idade con-tém biomassa menos macia, já que o crescimentodepois do primeiro ano é, em grande parte,alocado à produção de madeira, em lugar de teci-dos mais macios (a biomassa de folhas da florestaé usada para esta categoria).

Macrófitas são uma fonte importante de biomassamacia, facilmente decomposta. As populações des-tas plantas aquáticas aumentam com exuberância

para cobrir uma parte significativa de um reserva-tório novo, como acontecido em Brokopondo, noSuriname (Paiva, 1977), Curuá-Una, no Pará (Junket al., 1981), Tucuruí, no Pará (de Lima, 2002),Balbina, no Amazonas (Walker et al., 1999), e Sa-muel, em Rondônia (Fearnside, s/d-a). Imagensdo satélite LANDSAT indicam que as macrófitasem Tucuruí cobriram 40% da superfície do reser-vatório dois anos depois do enchimento, diminu-indo subseqüentemente a 10% depois de umadécada (de Lima et al., 2002). Baseado em moni-toramento em Samuel e Tucuruí, Ivan Tavares deLima (2002) desenvolveu uma equação (eq. 4)para descrever a evolução da cobertura de macró-fitas, que é usada na presente análise:

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Y = 0,2 X - 0,5 (eq. 4)

onde:

X = anos desde o enchimento

Y = a fração do reservatório coberta por ma-crófitas.

As macrófitas morrem a uma determinada taxa noreservatório e a biomassa morta afunda. Em lagosde várzea, a mortalidade das macrófitas resulta emuma reposição da biomassa 2-3 vezes por ano(Melack & Forsberg, 2001, pág. 248). O ponto cen-tral desta faixa (4,8 meses) implica que 14,4% dabiomassa de macrófita morrem em cada mês. Estataxa foi adotada para mortalidade de macrófita nosreservatórios. Além desta mortalidade, é encalha-da uma parte da biomassa de macrófita quando onível da água desce. Porque os ventos prevalecen-tes (que sopram de leste para oeste) empurrem asmacrófitas flutuantes contra apenas uma margem,uma parte do tapete de plantas flutuantes necessa-riamente é posicionada onde será encalhada sem-pre que o nível d’água desce. As quantidades en-volvidas são impressionantes, como é evidente emTucuruí (veja Fearnside, 2001). Porque as macrófi-tas concentram-se ao longo de apenas uma margemdo reservatório, somente a metade da zona de de-plecionamento é considerada na computação dasáreas de macrófitas encalhadas. Quando encalha-das, as macrófitas morrem e decompõem-seaerobicamente. No entanto, se o nível d’água sobenovamente antes do processo de decomposição sercompletado, o estoque de carbono remanescenteem macrófitas encalhadas é acrescentada ao esto-que de carbono subaquático que pode produzirmetano. Aqui se presume que, se uma área estiverexposta durante apenas um mês, então a metadedas macrófitas encalhadas ainda estará presentequando estas áreas forem reinundadas.

A cobertura de macrófitas em reservatórios amazô-nicos sofre uma sucessão regular de espécies, come-çando com Eicchornia e terminando com Salvinia,como aconteceu em Curuá-Una (Vieira, 1982) eBalbina (Walker et al., 1999). Eicchornia e outras es-pécies que predominam nos primeiros anos têm sig-nificativamente mais biomassa por hectare queSalvinia. Em Balbina a substituição de macrófitas debiomassa alta por Salvina aconteceu entre o sétimoe o oitavo ano depois do enchimento (Walker et al.,1999, pág. 252). Nos presentes cálculos presume-seque a troca para Salvinia acontece sete anos depoisde enchimento do reservatório para as represas doXingu. Macrófitas flutuantes como Eicchornia eSalvinia são muito comuns em reservatórios, masalgumas espécies enraizadas também ocorrem.

Presume-se que a biomassa de macrófitas é de 11,1Mg/ha de peso seco durante os primeiros seis anos,baseado em um tapete de Eicchornia mensuradoem Lago Mirití, um lago de várzea perto deManacapuru, Amazonas (P.M. Fearnside, dadosnão publicados). Para comparação, em lagos devárzea, espécies de Oryza tiveram 9-10 Mg/ha depeso seco, enquanto Pasalum teve 10-20 Mg/ha(T.R. Fisher, D. Engle & R. Doyle, dados inéditoscitados por Melack & Forsberg, 2001, pág. 248).Em outra medida em lagos de várzea (onde a dis-ponibilidade nutrientes é maior como nas repre-sas no Xingu), nove medidas de macrófitasenraizadas na várzea depois de aproximadamentetrês meses de crescimento resultaram em umamédia de 5,7 Mg/ha de biomassa seca (DP=1,7,variação=3,2-8,7) (Junk & Piedade, 1997, pág. 170).O valor presumido de 11,1 Mg/ha nas represas doXingu está na faixa para biomassa de macrófitasflutuantes e submersas em outras partes do mun-do. Por exemplo, as macrófitas submersas em LagoBiwa, no Japão tem 7-10 Mg/ha de biomassa seca(Ikusima, 1980, pág. 856).

Depois que a transição para Salvina acontece, abiomassa por hectare de macrófitas é mais baixa. Ovalor de biomassa usado no cálculo é de 1,5 Mg/hade peso seco que é a biomassa de tapetes de Salviniaauriculata (Junk & Piedade, 1997, pág. 169).

O metano da água que é presa debaixo do termo-clino será exportado dos reservatórios na água pu-xada pelas turbinas e pelo vertedouro. Esta é umacaracterística de represas hidrelétricas, completa-mente diferente dos corpos d’água naturais, taiscomo lagos de várzea, que são fontes globalmentesignificativas de CH4 apenas com emissões de su-perfície. Abrir as entradas para as turbinas e para overtedouro é como tirar a tampa do ralo em umabanheira: a água é tirada do fundo, ou pelo menosda porção mais funda (hipolimnion) do reservató-rio. Debaixo do termoclino a concentração de CH4

aumenta à medida que se desce na coluna d’água.Uma observação importante de Petit Saut é que,dentro de um mesmo reservatório, a concentraçãode CH4, em qualquer determinado ponto é apro-ximadamente constante a qualquer dada profun-didade abaixo da superfície, independente da pro-fundidade até o fundo do local em questão (Galy-Lacaux et al., 1997). A presente análise calcula paracada mês a profundidade abaixo da superfície dovertedouro e das entradas da turbina, para entãocalcular a concentração de CH4 correspondente naágua liberada por estas estruturas.

À medida que se desce pela coluna d’água, a pres-são aumenta e a temperatura diminui. Ambos

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efeitos agem para aumentar a concentração deCH4 a profundidades maiores. Pela Lei de Henry,a solubilidade de um gás é diretamente propor-cional à pressão, enquanto o Princípio de LeChatelier reza que a solubilidade de um gás é in-versamente proporcional à temperatura. Embo-ra ambos os efeitos sejam importantes, o efeitoda pressão predomina (Fearnside, 2004). A pres-são é quase cinco atmosferas aos 48 m de profun-didade da entrada das turbinas no níveloperacional normal em Babaquara. Quando aágua emergir das turbinas, a pressão cai imedia-tamente para uma atmosfera. São liberados ga-ses dissolvidos quando a pressão cair, da mesmamaneira que bolhas de CO2 emergem imediata-mente quando se abre uma garrafa de Coca Cola.A queda de pressão quando uma garrafa de CocaCola é aberta é muito menor que a queda de pres-são quando a água emerge das turbinas de umahidrelétrica, a liberação de gases é ainda maisrápida na hidrelétrica. A facilidade com que cadagás sai da solução é determinada pelo constanteda Lei de Henry do gás. Essa constante é maisalta para CH4 do que para CO2, fazendo com que,também por esta razão, o metano seja liberadomais prontamente que as bolhas de gás carbônicode uma garrafa de Coca Cola. Em Petit Saut, porexemplo, a água que entrava nas turbinas em 1995apresentava uma razão de CO2 para CH4 de 9:1,mas no ar na nuvem imediatamente abaixo dabarragem, a relação era de 1:1, significando as-sim que, proporcionalmente, muito mais meta-no dissolvido é liberado (Galy-Lacaux et al., 1997).

A fração do CH4 dissolvido que é liberado no trans-curso da água pelo vertedouro e pelas turbinas de-penderá da configuração destas estruturas. No casodo vertedouro em Babaquara, a queda de 48 mdepois de emergir das comportas (Tabela 1) deve-ria garantir uma liberação praticamente comple-ta. No caso das turbinas, porém, alguma parte doconteúdo de CH4 provavelmente será repassadapara o reservatório de Belo Monte, imediatamentea jusante de Babaquara. O reservatório de BeloMonte é planejado para chegar até o pé da barra-gem de Babaquara, fazendo com que seja injetadaa água que emerge das turbinas de Babaquara di-retamente no reservatório de Belo Monte, em lu-gar de fluir em um trecho de rio normal antes deentrar no reservatório. Como a água puxada dofundo da coluna d’água do reservatório de Baba-quara estará a baixa temperatura, provavelmenteafundará imediatamente no hipolimnion uma vezque entra diretamente no reservatório de BeloMonte. Seu conteúdo de CH4 seria, então, parcial-mente preservado, e estaria sujeito a liberação

quando a água emergir posteriormente das turbi-nas de Belo Monte.

B) Gás carbônicoDiferente do metano, o gás carbônico é tirado daatmosfera pela fotossíntese quando as plantas cres-cem. Portanto, o CO2 liberado pela decomposiçãode biomassa herbácea que cresce no reservatórioe na sua zona de deplecionamento não pode sercontado como um impacto no aquecimento glo-bal, já que este CO2 está sendo apenas reciclado,repetidamente, entre a biomassa e a atmosfera. Abiomassa nas árvores da floresta que foram mor-tas quando o reservatório foi criado é uma ques-tão diferente, e o CO2 que elas liberam constituium impacto líquido sobre o efeito estufa. Somen-te a porção acima d’água desta biomassa se decom-põe a uma taxa apreciável.

A biomassa de madeira acima d’água é modeladaem algum detalhe, baseado no que é conhecido apartir da experiência em Balbina (que foi enchidoao longo do período 1987-1989). Os troncos dasárvores se partem no ponto atingido pelo nível altoda água, deixando tocos projetando fora da águaquando o nível decai. Até oito anos depois de serinundadas, aproximadamente 50% das árvores dee ≥ 25 cm de diâmetro e 90% das árvores de < 25 cmde diâmetro tinham-se partidos (Walker et al.,1999). Além disso, os galhos continuamente caemdas árvores em pé. Aproximadamente 40% dasárvores de terra firme flutuam em água (veja Fe-arnside, 1997a). As árvores que se afundam per-manecem onde elas estão, seja na zona permanen-temente inundada ou nas áreas mais rasas que es-tão periodicamente expostas na zona de deplecio-namento. Os troncos que flutuam são empurra-dos pelo vento e pelas ondas até a margem e serãoexpostas à decomposição aeróbia na zona de de-plecionamento quando o nível d’água descer. Sãocalculados os estoques e as taxas de decomposiçãopara cada categoria. A decomposição aeróbicacontribui para a emissão de CO2 da biomassa aci-ma da água. Parâmetros para a dinâmica e decom-posição aeróbica da biomassa acima d’água sãoapresentados na Tabela 4.

As emissões de biomassa acima d’água considera-das aqui são conservadoras por duas razões. Umaé que elas estão baseadas na vazão média do rioem cada mês e na suposição de que o manejo daágua respeite o limite do nível mínimo normalprevisto para o reservatório. Nenhuma considera-ção foi feita quanto à possibilidade de que o nívelda água poderia ser abaixado além deste nível

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Tabela 4: Parâmetros para a emissão gases da biomassaacima da água no reservatório de Babaquara

Parâmetro Valor Unidades Fonte

Fração acima do solo 0,759 Fearnside 1997b, pág. 337

Profundidade médio de zona de águade superfície 1 metro Suposição, baseado em deterioração de

madeira comercial,

Taxa de decomposição de folhas na zonasazonalmente inundada -0,5 Fração/ano Suposição.

Taxa de decomposição acima d’água (0-4 anos) -0,1680 Fração/ano Presumido mesmo como florestaderrubada (Fearnside, 1996b, pág, 611)

Taxa de decomposição acima d’água (5-7 anos) -0,1841 Fração/ano Presumido mesmo como florestaderrubada (Fearnside, 1996b, pág, 611)

Taxa de decomposição acima d’água (8-10 anos) -0,0848 Fração/ano Presumido mesmo como florestaderrubada (Fearnside, 1996b, pág. 611)

Taxa de decomposição acima d’água (>10 anos) -0,0987 Fração/ano Presumido mesmo como florestaderrubada (Fearnside, 1996b, pág, 611)

Conteúdo de carbono de madeira 0,50 Fearnside et al., 1993

Biomassa total médio de floresta a Babaquara 244 Mg/ha Revilla Cardenas (1988) para biomassaacima do solo; Fração acima do solocomo acima.

Profundidade de água médio ao nível mínimo 18,4 metros A 142 m sobre o maroperacional normal

Profundidade de água médio ao nível 23,4 metros A 165 m sobre o maroperacional normal

Biomassa inicial presente: folhas 4,1 Mg/ha Calculado de biomassa total e deFearnside (1995a, pág. 12), 13.77De Revilla-Cardenas, 1988, pp. 75 & 77

Biomassa inicial presente: madeira acima d’água 138,8 Mg/ha Calculado de biomassa total e deFearnside (1995a, pág. 12),

Biomassa inicial presente: debaixo do solo 58,8 Mg/ha Calculado de biomassa total e deFearnside (1995a, pág. 12),

Liberação de metano por térmitas em floresta 0,687 kg CH4/ha/ano Martius et al,, 1996, pág. 527

Liberação de metano por térmitas em biomassa 0,0023 Mg CH4 Martius et al., 1993acima d’água por Mg C se deteriorado por térmitas

Por cento de decomposição mediado por térmitas 4,23 % Martius et al. 1996, pág. 527 paraacima do nível d’água máximo operacional normal biomassa derrubada

Por cento de decomposição mediado por térmitas 0 % Baseado em Walker et al., 1999.abaixo da linha d’água do nível máximooperacional normal

Área total do reservatório ao nível 6.140 km2

operacional normal

Área do leito fluvial 136 km2 Revilla-Cardenas, 1988, pág. 87

Área desmatada antes de inundar 0 km2

(zona de inundação permanente)

Área total de floresta inundada 6.004 km2 Calculado por diferença

Área de floresta original na zona de 2.424 km2 Área da zona, menos o leito fluvialinundação permanente e a área previamente desmatada

Área de floresta original de zona 3.580 km2 Calculado por diferença de área dede deplecionamento floresta de total

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Tabela 4: Parâmetros para a emissão gases da biomassaacima da água no reservatório de Babaquara (cont.)

Parâmetro Valor Unidades Fonte

Taxa de quebra de troncos na altura da linha 0,063 Fração do Baseado em Walker et al., 1999,d’água para árvores > 25 cm DAP estoque pág. 245

original/ano

Taxa de troncos que quebram na linha 0,113 Fração do Baseado em Walker et al., 1999,de água para árvores < 25 cm DAP estoque pág. 245

original/ano

Taxa de queda de galhos (e presumida queda 0,094 Fração do Baseado em Walker et al., 1999,de troncos acima do primeiro galho) estoque pág. 245

original/ano

Por cento da biomassa acima do solo de madeira 30,2 % Fearnside, 1995a, pág. 12 baseado emviva em galhos e tronco acima do primeiro galho Klinge & Rodrigues, 1973

Por cento da biomassa de madeira 69,8 % Fearnside, 1995a, pág. 12 baseado emacima do solo em troncos Klinge & Rodrigues, 1973

Por cento de biomassa de tronco > 25 cm DAP 66,0 % Calculado abaixo

10-25 cm DAP como por cento de biomassa 22 % Brown & Lugo, 1992,de fuste total em árvores vivos > 10 cm DAP

0-10 cm DAP como por cento de biomassa 12 % Jordan & Uhl, 1978,vivo total acima do solo

Bole como por cento de Biomassa de sobre-chão 57,47 % Baseado em fator de expansão de biomassaao vivo total em árvores ao vivo > 10 cm DAP de 1,74 para bole biomassa > 190 Mg/ha

em árvores ao vivo > 10 cm DAP (Browne Lugo, 1992).

Biomassa viva acima do solo < 10 cm DAP 22,2 Mg/ha Calculado a partir de informações acima

Galhos como porcentagem de biomassa de fuste viva 51,4 % Baseado em Brown & Lugo, 1992

Biomassa de filial 55,9 Mg/ha Calculado a partir de informações acima

Biomassa acima do solo de floresta 185,3 Mg/ha Calculado de total e fração acima do solo

Sobre-chão Biomassa de madeira ao vivo 155,5 Mg/ha Total-folhas-morto

Sobre-chão Biomassa de madeira morto 25,6 Mg/ha Klinge, 1973, pág. 179

Biomassa de bole ao vivo 108,6 Mg/ha Aporcionamento baseado emBrown & Lugo, 1992

Biomassa de fuste vivo 10-25 cm DAP 23,9 Mg/ha Aporcionamento baseado emBrown & Lugo, 1992

Biomassa de fuste vivo < 10 cm DAP 13,0 Mg/ha Jordan & Uhl,1978

Biomassa de fuste vivo 0-25 cm DAP 36,9 Mg/ha Somado de acima

Biomassa de fuste vivo > 25 cm DAP 71,7 Mg/ha Partioning baseado em Brown & Lugo, 1992

Biomassa de fuste vivo: acima da linha d’água 96,4 Mg/ha Distribuição vertical interpolou deKlinge & Rodrigues, 1973,

Biomassa de fuste vivo: 0-25 cm DAP: 32,8 Mg/ha Distribuição vertical interpolou deacima da linha d’água Klinge & Rodrigues, 1973,

Biomassa de fuste vivo: > 25 cm DAP: 63,6 Mg/ha Distribuição vertical interpolou deacima da linha d’água Klinge & Rodrigues, 1973,

Fração das árvores que flutuam 0,4 Fração Richard Bruce, comunicação pessoal,1993; veja Fearnside, 1997a, pág., 61

Fração de filiais originais em árvores 0,094 Fração Calculado de Walker et al., 1999.restantes que caem por ano

Fração médio de área de drawdown de ano expôs 0,5 Fração Estimativa aproximada baseado no niveldo reservatório em 2000 em Balbina.

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Esta declaração de Karolyn Wolf (porta-voz daUSNHA) ilustra bem a veemência com que se re-sistiu a este assunto (veja IRN, 2002). A Hydro-Québec foi mais longe ao afirmar que as emissõesgrandes de ecossistemas de várzea nas áreas inun-dadas por represas hidrelétricas poderiam fazercom que o impacto líquido destes projetos fosseum “assunto de soma zero” (Gagnon, 2002). Infe-lizmente, um exame destes argumentos indica ocontrário, apontando para uma emissão líquidasubstancial das represas hidrelétricas. Babaquarailustra bem isto, e vale a pena examinar este casoem algum detalhe.

As áreas dos ecossistemas naturalmente inundadose não inundados são apresentadas na Tabela 5. Ostipos de floresta sazonalmente inundados são con-siderados como pertencendo à “área inundada”.No entanto, isto pode representar uma superesti-mativa da extensão verdadeira “área inundada”,sendo que imagens de radar do Satélite de Recur-sos da Terra Japonês (JERS) indicam que pratica-mente nada da área do reservatório planejado teminundação abaixo da cobertura da floresta (vejaMelack & Hess, 2004). No entanto, deveria ser lem-brado que lagos temporários ao longo dos riosXingu e Iriri existem: mapas analisados por deMiranda et al. (1988, pág. 88) indicam de 28 a 52lagos na área a ser inundada por Babaquara, de-pendendo do mapa usado na análise.

Os parâmetros para emissões de metano pela flo-resta não inundada (floresta de terra firme) sãoapresentados na Tabela 6. Estes indicam um efei-to mínimo sobre o metano, com a perda de umsumidouro pequeno no solo quando inundado.Emissões de óxido nitroso (N2O) em soloflorestado não inundado são pequenas: 0,0087 Mgde gás/ha/ano (Verchot et al., 1999, pág. 37), ou0,74 Mg/ha/ano de carbono CO2-equivalente,considerando o potencial de aquecimento globalde 310 (Schimel et al., 1996, pág. 121). Cálculosde óxido nitroso para floresta não inundada e paraáreas inundadas são apresentados na Tabela 7. Oscálculos incluem o efeito da formação de poçastemporárias em áreas de terra firme durante even-tos periódicos de chuva pesada (Tabela 7).

Para áreas inundadas, é feita a suposição de quecada ponto inundado é submerso durante doismeses, em média, por ano. Claro que algumas par-tes da área ficariam submersas mais tempo e algu-mas durante períodos mais curtos, dependendoda altitude de cada ponto. O valor usado para emis-sões por hectare (103,8 mg CH4/m2/dia, DP=74,1,variação=7-230) é a média de cinco estudos em flo-resta de várzea de água branca revisada por

mínimo em anos extremamente secos, como emeventos de El Niño. A outra suposição conservado-ra é que a biomassa na zona de deplecionamentonunca se queima. Queimar é um evento ocasional,mas afeta quantidades significativas de biomassaquando isso acontecer. Durante a seca do El Niñode 1997-1998, os reservatórios de Balbina e de Sa-muel atingiram cotas muito inferiores aos níveis deoperação oficialmente tidos como “mínimos”, e áre-as grandes das zonas de deplecionamento expandi-das se queimaram. Embora seja provável que taisemissões às vezes acontecerão em Babaquara, elasnão foram considerados nesta análise.

Outra fonte de emissões é de árvores perto da mar-gem do reservatório, mortas quando o lençold’água sobe e alcança as suas raízes. Em Balbina,uma faixa de árvores mortas é evidente ao redorda margem do reservatório (Walker et al., 1999).Porque o formato do contorno da margem é ex-tremamente tortuoso e inclui as margens das mui-tas ilhas criadas pelo reservatório, esta faixa demortalidade da floresta afeta uma área significati-va. As árvores mortas se decompõem, liberandoCO2, e, ao longo de um período de décadas, umafloresta secundária se desenvolve (com uma absor-ção de carbono). A presente análise presume quea mortalidade é de 90% na faixa até 50 m além damargem do reservatório e de 70% na faixa entre50 a 100 m dessa margem. A decomposição segueo mesmo curso que em áreas derrubadas para agri-cultura, e presume-se que a floresta secundáriacresça à mesma taxa que as capoeiras em pousiosde agricultura itinerante (Fearnside, 2000).

V. Emissões de Ecossistema de Pre-represaAs emissões dos ecossistemas presentes antes dasrepresas serem construídas devem ser deduzidasdas emissões das represas para se ter uma avalia-ção justa do impacto líquido do desenvolvimentohidrelétrico. A idéia de que as florestas inundadaspelos reservatórios têm emissões naturais grandesde gases de efeito estufa foi um dos principais com-ponentes do ataque que a indústria hidrelétricamontou contra estudos que indicam emissões al-tas das represas hidrelétricas. Quando os primei-ros estudos indicaram que a hidrelétrica de Balbi-na emitiu mais do que seria liberado produzindoa mesma quantidade de eletricidade a partir decombustíveis fósseis (Fearnside, 1995a), a Associa-ção Nacional de Hidrelétricas dos EUA (USNHA)reagiu com a declaração:“É uma asneira e é muito exagero ... O metano é produzidobastante substancialmente na floresta tropical e ninguémsugere cortar a floresta tropical.”

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Tabela 5: Área e Biomassa de vegetaçãoao Belo Monte e Babaquara(a)

BABAQUARA BELO MONTETipo de vegetação Área Por Biomassa Área Por Biomassa

(km2) cento acima do (km2) cento acima do solo(b) solo(b)

(Mg/ha (Mg/hapeso seco) peso seco)

Vegetação não inundadaFloresta aberta de terra firme 3.565,3 58,0 175,2[floresta aberta mista (FA) +floresta aberta submontana (FS)]

Floresta aberta de terra firme 205,7 46,7 125,27sobre revelo acidentado

Floresta aberta de terra firme 11,9 2,7 201,9sobre revelo ondulado

Floresta secundária latifoliada 10,9 0,2 20,0 (c) 11,0 2,5 20,0

Vegetação inundadaFloresta densa ciliar 2.421,9 39,3 201,2 191,5 43,6 121,2estacionalmente inundávelou Floresta Densa Ciliar (FC)

Floresta Aberta ciliar 5,6 0,1 60,0estacionalmente submersa(Formações pioneiras aluviais campestres)

Nenhuma vegetação (canal de rio)Áreas sem cobertura vegetal 136,3 2,4 0,0 20,0 4,5 0,0

TotaisTotal de vegetação não inundada 3.576,3 58,2 228,5 51,9Total de vegetação inundada 2.427,5 39,4 191,5 43,6Vegetação total 6.003,7 97,6 185,3 420,0 95,5 122,8Reservatório total 6.140,0 100,0 440,0 100,0

(a) Dados de Revilla Cardenas (1987, p.55; 1988, p.87), com áreas ajustadas em proporção à estimativa de áreade reservatório atual (6.140 km2 para Babaqura; 440 km2 para Belo Monte).

(b) Valores incluem Biomassa morto (liteira e madeira morta), cipós, e o tapete de raizes.(c) Valor para biomassa de floresta secundária acima do solo é aquele usado por Revilla Cardenas (1988) para

Babaquara, baseado em dados de Tucuruí.

Wassmann e Martius (1997). Um valor semelhan-te de 112 mg CH4/m2/dia (n=68, DP=261) foi en-contrado durante inundações em florestas de águapreta (igapós) ao longo do rio Jaú, um afluentedo rio Negro. Nas florestas de igapó na bacia dorio Jaú estudadas por Rosenqvest et al. (2002, pág.1323) a taxa de emissão de metano das áreas inun-dadas é muito mais alta durante o período curtoquando o nível d’água estiver caindo do que du-rante o resto do tempo que a área está debaixod’água. Isto tenderia a fazer a emissão anual umpouco independente do período de tempo que asáreas são inundadas, e torna o resultado relativa-mente robusto quando extrapolado para outrasbacias hidrográficas na Amazônia se expressadoem termos de emissão por ciclo de inundação (em

lugar de por dia inundado). Presumindo as mes-mas taxas de emissão como as medidas nos estu-dos de várzea de água branca (o Xingu é conside-rado um rio de água clara, mais semelhante à águabranca do que água preta), a emissão anual seriaequivalente a apenas 0,043 milhões de toneladasde carbono equivalente a carbono de CO2 em Ba-baquara em uma base diária, ou 0,248 milhões detoneladas de carbono CO2-equivalente se este re-sultado for multiplicado por três para aproximaro efeito da estação de enchente mais curta (2 me-ses contra 6 meses). Os ajustes resultantes para oefeito dos ecossistemas pré-represa são muito pe-quenos, como será mostrado mais adiante quan-do serão calculadas as emissões líquidas para asduas represas.

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Tabela 6: Fluxo evitado de metano da perdade floresta em Babaquara

Item Valor Unidades Fonte

ABSORÇÃO PELO SOLO EM FLORESTA NÃO INUNDADA

CH4 anual médio suprem com gás absorção -3,8 kg CH4/ha/ano Potter et al.. (1996) de 22 estudosde não inundada arborize terra

Área total de floresta inundada por reservatório 6.004 km2 Baseado em 6.140 área de reservatóriode km2 e stream bed de RevillaCardenas, 1988, p.87,

Área de floresta ribeirinha inundada 2.427 km2 Revilla Cardenas, 1988, pág. 87por reservatório

Área de floresta de firme de terra inundada 3.576 km2 Calculado por diferençapor reservatório

Fração de ano que floresta ribeirinha 0.17 Fração presumido ser 2 meses, em médiainundou naturalmente

Absorção por ha por ano em floresta ribeirinha -3,17 kg CH4/ha/ano Proporcional cronometrar não inundada

Absorção por ano em floresta ribeirinha -768,70 Mg CH4/ano Absorção por ha área de X de florestaribeirinha

Absorção por ano em floresta -1.358,98 Mg CH4/ano Absorção por ha área de X de floresta dede firme de terra firme de terra

Absorção total por ano -2.127,68 Mg CH4/ano Some através de tipo de floresta

Potencial de efeito estufa (GWP) de CH4 21 Mg CO2 Schimel et al., 1996 suprem com

gás equivalente/Mg gás de CH4

CO2 carbono equivalente/ano -0,012 Milhões de Calculado de emissão de CH4, GWP,Mg CO2 - peso atômico de C (12) e peso molecular

C/ano de CO2 (44)equivalente

EMISSÃO ATRAVÉS DE TÉRMITAS DE FLORESTA

Emissão/ha/ano 0,5 kg CH4/ha/ano Fearnside, 1996b,

Equivalentes de Ha-ano de floresta 0,6 Milhões de Calculado a partir de informações acimaequivalentsde ha-ano

Emissão/ano 317,0 Mg CH4/ano Calculado a partir de informações acima

CO2 carbono equivalente/ano 0,0018 Milhões de Calculado como acimaMg CO2 -

C/anoequivalente

EMISSÕES DE INUNDAÇÃO NATURAL DE FLORESTA INUNDADA PRE-REPRESA

Emissão de metano de floresta inundada 103,8mg CH4/m2/dia. Media de cinco estudos em floresta em

durante inundação natural várzea de água branca(Wassmann &Martius, 1997, pág. 140)

Dias inundados por ano 59,4 Suposição de dias, como acima.

Emissão anual por km2 6,2 Mg CH4/ Calculado a partir de informações acimaano/km2.

Emissão natural anual através de floresta inundada 14.961 Mg CH4/ano. Calculado a partir de informações acima

CO2 carbono equivalente/ano 0,086 Milhões de Calculado a partir de informações acima Mg CO2C/ano

equivalente

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Tabela 6: Fluxo evitado de metano da perdade floresta em Babaquara (cont.)

Item Valor Unidades Fonte

Emissão anual anual ajustou para 44.883 Mg CH4/ano Considerando emissão por ciclocomprimento de ciclo (2 vs de meses 6 meses)

CO2 carbono equivalente/ano 0,257 Milhões de Calculado de acimaMg CO2-C/ano

equivalente

EMISSÕES DE EVENTOS PERIÓDICOS DE FORMAÇÃO DE POÇAS EM FLORESTA DE TERRA FIRME

Formação de poças em florestas de terra firme 1.801 km2-dias/ano. Calculado de área, 5% que inundam porevento (baseado em Mori & Becker, 1991)e presumiu freqüência de 5-ano eduração de 30 dias

Emissão quando inundado ou com 103,8mg CH4/m2/dia. Presumido ser o mesmo que a floresta de

formação de poças várzea (como acima).

Emissão natural anual através de 187,0 Mg CH4/ano. Calculado a partir de informações acimaformação de poças

CO2 carbono equivalente/ano 0,001 Milhões de Calculado a partir de informações acima.Mg CO2 -

C/anoequivalente

TOTAIS

Emissão total de metano 43.259 Mg CH4/ano Calculado a partir de informações acima,incluindo ajuste de comprimento do ciclo.

CO2 carbono equivalente/ano 0,248 Milhões de Calculado a partir de informações acima.Mg CO2 -

C/anoequivalente.

Tabela 7: Emissão evitada de óxido nitroso deperda de floresta em Babaquara

Item Valor Unidades Fonte

EMISSÕES DE FLORESTA NÃO INUNDADAEmissão anual média de N2O do solo em 8,7 kg N2O/ha/ano Verchot et al., 1999, pág. 37florestas não inundadas

Área total de floresta inundada por reservatório 6.004 km2 Baseado em 6.140 área de reservatóriode km2 e leito fluvial de RevillaCardenas, 1988, p.87,

Área de floresta inundada submersa 2.427 km2 Revilla Cardenas, 1988, pág. 87pelo reservatório

Área de floresta de terra firme inundada 3.576 km2 Calculado por diferençapor reservatório

Fração do ano que floresta inundada é 0,17 Fração Assumido 2 meses média acesasubmersa naturalmente

Emissão por ha por ano em floresta inundada 7,23 kg N2O/ha/ano Proporcional ao tempo não inundado

Emissão por ano em floresta ribeirinha 1.755,6 Mg N2O/ano Emissão por ha X área de florestainundada

Emissão por ano em floresta de firme de terra 3.103,7 Mg N2O/ano Emissão por ha X área de floresta deterra firme

Emissão total por ano 4.859,3 Mg N2O/ano Some através de tipo de floresta

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Tabela 7: Emissão evitada de óxido nitroso deperda de floresta em Babaquara (cont.)

Item Valor Unidades Fonte

Potencial de efeito estufa (GWP) de N2O 310 Mg CO2 Schimel et al., 1996suprem com gásequivalente /

Mg gás de N2O

CO2 carbono equivalente/ano 0,411 Milhões Calculado de área e por-hectare emissão,de Mg CO2 - peso atômico de C (12) e peso

C/ano molecular de CO2 (44)equivalente

EMISSÕES DE INUNDAÇÃOInundação de floresta inundada 404,6 km2-dias/ano Calculado de área e assumiu 6 meses de

inundação em médio

Emissão de formação de poças em florestas 1.801,1 km2-dias/ano Calculado de área, 5% que inundam porde terra firme evento (baseado em Mori &Becker, 1991) e presumiu freqüênciade 5 anos e uma duração de 30 dias

Emissão quando inundada 7,6 kg de N2O/ 7.6 mg N2O/m2/dia( médias doskm2-dia reservatórios de Tucuruí e Samuel: de

Lima et al., 2002)

Emissão de inundação de floresta inundada 3,1 Mg N2O/ano Inundando (km2/dia) X emissão/km2/dia

Emissão de formação de poças em 13,7 Mg N2O/ano Formação de poças (km2-dias) Xflorestas de terra firme Emissão/km2/dia

Emissão total de inundação 16,8 Mg N2O/ano Soma de emissões de inundação.

CO2 carbono equivalente/ano 0,001 Milhões de Calculado de GWP como acima.Mg CO2 -

C/anoequivalente

EMISSÃO TOTALEmissão total de perda de floresta 4.876,0 Mg N2O/ano Soma de floresta de não inundada,

formação de poças e emissões inundando

CO2 carbono equivalente ano 0,412 Milhões de Calculado de GWP como acima.Mg CO2 -

C/anoequivalente

VI. Emissões de ConstruçãoRepresas, obviamente, requerem muito mais mate-riais, como aço e cimento, do que instalações equi-valentes movidas a combustível fóssil, como as usi-nas termoelétricas a gás que estão sendo construí-das atualmente em São Paulo e em outras cidadesno Centro-Sul brasileiro. São calculadas as quanti-dades de aço usadas na construção de Belo Montena Tabela 8. Para Babaquara, supõe-se que a quanti-dade de aço usada em equipamento eletromecânicoé proporcional à capacidade instalada, enquantopresume-se que a quantidade de aço em concretoarmado é proporcional ao volume de concreto. Asquantidades são calculadas em proporção às quan-tidades usadas em Belo Monte (Tabela 8).

A quantidade de cimento usada em cada barra-gem é determinada na Tabela 9. A Belo Monte é

excepcionalmente modesta no uso de cimento por-que o local permite que a barragem principal (Si-tio Pimentel) seja construída em um local que émais alto em elevação que a casa de força principal(o Sítio Belo Monte). A barragem principal tem umaaltura máxima de apenas 35 m (Brasil, ELETRO-NORTE, 2002, Tomo I, pág. 6-33), enquanto a casade força principal aproveita uma queda de referên-cia de 87,5 m (Brasil, ELETRONORTE, 2002, TomoI, pág. 3-52). A maioria dos projetos hidrelétricos,como Babaquara ou Tucuruí, tem a casa de forçalocalizada ao pé da própria barragem, e portantosó gera energia de uma queda que corresponde àaltura da barragem menos uma margem pequenapara borda livre ao topo. Tucuruí, que é até agora a“campeã” de todas obras públicas brasileiras em ter-mos de uso de cimento, usou três vezes mais cimen-to do que a quantidade prevista para Belo Monte

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(Pinto, 2002, pág. 39). A Babaquara usaria 2,6 ve-zes mais cimento por MW de capacidade instaladado que a Belo Monte (Tabela 9).

É esperado que a quantidade de diesel usada paraBelo Monte seja 400 X 103 Mg (Brasil, ELETRO-NORTE, 2002, Tomo II, pág. 8-145). Isto inclui umajuste das unidades (como informado no estudode viabilidade) para trazer os valores dentro dafaixa geral de uso de combustível em outras barra-gens (por exemplo, Dones & Gantner, 1996 calcu-laram um uso médio de 12 kg diesel/TJ para bar-ragens na Suíça). O estudo de viabilidade contémvárias inconsistências internas nas unidades, quepresumivelmente resultaram de erros tipográficos.

A Belo Monte exige uma quantidade bastante gran-de de escavação por causa da necessidade para ca-var o canal de adução que conecta o Reservatórioda Calha ao Reservatório dos Canais, e várias esca-vações menores são projetadas nos gargalos den-tro do Reservatório dos Canais. A quantidade es-perada de escavação para estes canais aumentousubstancialmente entre a versão do estudo da via-bilidade de 1989 e a de 2002 porque foram desco-bertos erros na cartografia topográfica da área(Brasil, ELETRONORTE, 2002, Tomo I, pág. 8-22).Para Babaquara presume-se que o uso de dieselserá proporcional à quantidade de escavação pla-nejada naquela represa, (da Cruz, 1996, pág. 18).

Tabela 8: Aço usado na construção deBelo Monte e Babaquara

Item Peso Número Massa Totais por(kN) total categoria

(Mg) (Mg)

Belo Monte(A)

Equipamento elétrico e mecânico

Turbinas-casa de força principal 20.000 20 40.816

Condutos forçados 14.150 20 28.878

Comportas da tomada d’água 1.400 20 2.857

Peças fixas das comportas 260 20 531

Comportas ensecadeiras da tomada d’água principal 1.080 20 2.204

Peças fixas das comportas ensecadeiras 157 20 320

Pórtico rolante da tomada d’água 1.700 1 173

Grades da tomada d’água 410 8 335

Viga pescador das grades 60 1 6

Máquinas limpa grades 260 2 53

Comportas ensecadeiras dos tubos de sucção 940 2 192

Peças fixas-comportas ensecadeiras 110 2 22

Pórtico dos tubos de sucção 550 1 56

Pontes rolantes da casa de força 4.800 2 980

Ponte rolante auxiliar (Galeria do SF6) 180 1 18

Comportas-vertedouro principal 2.300 17 3.990

Peças fixas - comportas do vertedouro principal 52 17 90

Comportas-ensecadeiras de montante 2.380 2 486

Peças fixas-comportas ensecadeiras de montante 159 7 114

Comportas ensecadeiras de jusante 1.228 2 251

Peças fixas de comportas ensecadeiras de jusante 191 2 39

Pórtico rolante de montante (& Tomada d’água complementar) 520 1 53

Pórtico rolante de jusante (& casa de força complementar) 800 1 82

Turbinas-casa de força complementar 3.000 7 2.143

Comportas emergência (jusante) 715 7 511

Comportas ensecadeiras tomada d’água complementar 952 4 389

Peças fixas-comportas ensecadeiras tomada d’água complementar 78 4 32

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Tabela 8: Aço usado na construção deBelo Monte e Babaquara (cont.)

Item Peso Número Massa Totais por(kN) total categoria

(Mg) (Mg)

Belo Monte(A)

Pórtico rolante -tomada d’água complementar 520 1 53

Grades da tomada d’água complementar 305 4 124

Peças fixas-grades da tomada d’água complementar 68 4 28

Máquinas limpa grades-tomada dágua complementar 260 1 27

Comportas ensecadeiras dos tubos de sucção-complementar 603 2 123

Peças fixas-comportas ensecadeiras dos tubos de sucção-complementar 42 2 9

Pórtico rolante dos tubos de sucção-complementar 800 1 82

Pontes rolantes da casa de força complementar 440 2 90

Comportas do vertedouro complementar 3.050 4 1.245

Peças fixas-comportas do vertedouro complementar 61 4 25

Comportas ensecadeiras de montante - complementar 2.976 1 304

Peças fixas-comportas ensecadeiras de montante - complementar 242 1 25

Pórtico rolante-vertedouro complementar 580 1 59

Peças fixas-pórtico rolante vertedouro complementar 120 1 12

Geradores-casa de força principal 27.200 20 55.510

Geradores-casa de força complementar 1.770 7 1.264

Sub-total 144.598

Vergulhão de concreto armado

Armadura de concreto - casa de força 80.715

Armadura de concreto - túnel de desvio 850

Armadura de concreto - transições e muros de concreto 7.348

Armadura de concreto -Vertedouros de superfície 9.836

Armadura de concreto -Tomada d’água e adutoras 63.442

Armadura de concreto -Canal de adução 16.472

Armadura de concreto -Canal e/ou túnel de fuga 72

Sub-total 178.735

Total de aço em Belo Monte 323.333

Babaquara

Cálculo de volume concreto como sendo proporcional ao de Belo Monte

Equipamento elétrico e mecânico (b)

Capacidade instalada em Belo Monte 11.181,3 MW

Capacidade instalada em Babaquara 6.274 MW

Aço elétrico e mecânico em Belo Monte 144.598 Mg

Aço elétrico e mecânico proporcional em Babaquara 81.136 Mg

Vergulhão de concreto armado

Volume concreto em Belo Monte 4.355.480 m3

Volume concreto em Babaquara 5.410.000 m3

Armadura de concreto em Belo Monte 178.735 Mg

Peso proporcional de armadura de concreto em Babaquara 222.009 Mg

Aço total em Babaquara 303.146 Mg

(a) Fonte de dados: Brasil, ELETRONORTE, 2002.(b) Além dos itens listados, faltam informações no estudo de viabilidade sobre o peso dos seguintes: elevadoras de

subestações: principal (1), complementar (1), elevadores de transformadores: principal (22), complementar (5)(c) Babaquara solidificam de da Cruz, 1996, pág., 18.

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Tabela 9: Cimento usado para construçãode Belo Monte e Babaquara

Cimento (Mg)(a) Nota

Belo Monte

Casa da força 215.664

Túnel de desvio 1.780

Transições e muros de concreto 42.882

Vertedouros de superfície 48.049

Tomada d’água e adutoras 183.951

Canal de adução 356.160

Canal e/ou túnel de fuga 180

Total 848.666

Babaquara

Cálculo de cimento de volume concreto

Volume concreto em Babaquara 5.410.000 m3 (b)

Conteúdo de cimento médio de concreto 225 kg/m3 (c)

Uso de cimento calculado em Babaquara 1.217.250 Mg

(a) Fonte de dados: Brasil, ELETRONORTE, 2002.(b) da Cruz, 1996, pág. 18(c) Conteúdo médio de cimento de 52 barragens suiças: 225 kg/m3 (Dones & Gantner, 1996)

As estimativas de materiais para construção de re-presas e linhas de transmissão são apresentadas naTabela 10. Os totais resultantes (0,98 milhões de MgC para a Belo Monte e 0,78 milhões de Mg C paraBabaquara) são muito pequenos comparado às emis-sões posteriores dos reservatórios. Não foramdeduzidas destes totais as emissões da construção dastermoelétricas a gás equivalentes. A emissão de cons-trução de instalações de gás natural é mínima: umaanálise de ciclo de vida de usinas a gás de ciclo com-binada em Manitoba, Canadá indica emissões de CO2

de construção de apenas 0,18 Mg equivalente/GWh(McCulloch & Vadgama, 2003, pág. 11).

VII. Emissões Calculadas da Belo Monte eBabaquaraO cálculo das emissões de gases de efeito estufarequer um cenário realista para o cronograma doenchimento e da instalação das turbinas em BeloMonte e Babaquara, e para as políticas de manejode água nas duas represas. Aqui se presume queBabaquara será enchida sete anos após Belo Mon-te (i.e., que Belo Monte opera usando a vazão nãoregularizada do rio antes deste tempo). Estecronograma corresponde ao cenário menos-otimis-ta no plano original (veja Sevá, 1990). As turbinasem ambas as represas serão instaladas a uma taxade uma a cada três meses, ritmo (talvez otimista)previsto no estudo de viabilidade (Brasil, ELETRO-NORTE, 2002, Tomo II, pág. 8-171).

O presente cálculo segue os planos para enchimentodo reservatório indicados no estudo de viabilidade.O Reservatório dos Canais será enchido primeiroaté um nível de 91 m sobre o nível médio do mar.Isto será feito depois que a primeira enchente pas-sar pelo vertedouro (Brasil, ELETRONORTE, 2002,pág. 8-171). Presume-se que isto aconteça no mêsde julho. A casa de força complementar será usada,então, a este nível reduzido do reservatório duran-te um ano antes da casa de força principal estarpronta para uso, como planejado no Plano Decenalde ELETROBRÁS (Brasil, MME-CCPESE, 2002). Ocenário de referência do Plano Decenal estima ocomeço de operação da casa de força complemen-tar para fevereiro de 2011 e da casa de força prin-cipal para março de 2012.

Os resultados de um cálculo de 50 anos das fontesde carbono em formas facilmente degradadas paracada reservatório são apresentados na Figura 4. Éevidente que todas as fontes são muito mais altasnos primeiros anos do que nos anos posteriores.Os estoques de carbono instável do solo, biomassade madeira acima d’água e árvores mortas ao lon-go da margem diminuem, reduzindo assim as emis-sões destas fontes. As macrófitas diminuem, masnão desaparecem, provendo assim uma fonte emlongo prazo que, nos anos posteriores, é de maiorimportância relativa, embora de menor em termosabsolutos. O recrescimento da vegetação na zonade deplecionamento representa uma fonte estável

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Tabela 10: Emissões de gás de efeito estufa derepresa e construção de transmissão-linha

Item Unidades Emissão por unidade Referência Nota CO2 - equivalente C (kg)

Aço Mg 600,0 (a) (b)

Cimento kg 0,207 (a) (c)

Diesel milhões de kg 863.280 (d)

Eletricidade TWh 139.903.200 (g)

Substituto-total de represa

Construção de linhade transmissão km-MW instalado 1,9 (i)

Total de projeto

Item Número de Emissão (milhões Referência Notaunidades MG CO2 equivalente C)

Belo Monte

Aço 323.333 0,194 (c) (a)

Cimento 848.666,000 0,176 (e) (a)

Diesel 135,1 0,117 (f)

Eletricidade 3,15 0,441 (h)

Substituto-total de represa 0,928

Construção de linhade transmissão 29.596.901 0,055 (j) (a)

Total de projeto 0,983

Item Número de Emissão (milhões Referência Notaunidades MG CO2 equivalente C)

Babaquara

Aço 303.146 0,182 (c) (a)

Cimento 1.217.250.000 0,252 (e) (a)

Diesel 76.8 0,066 (f)

Eletricidade 1.79 0,251 (h)

Substituto-total de represa 0,751

Construção de linhade transmissão 17.046.458 0,032 (j)

Total de projeto 0,783

(a) Van Vate, 1995.(b) Usa GWPs de 100 anos de IPCC 1994: CO2=1, CH4=24.5, N2O=320 (Albritton et al., 1995).(c) Tabela 8.(d) Usa GWPs de 100 anos de IPCC 1995 [Kyoto Protocol valores]: CO2=1, CH4=21, N2O=310 (Schimel et al.,

1996).(e) Tabela 9.(f) Uso de diesel en Babaquara considerado proporcional à escavação planejada.(g) Baseado em substituição de gás de ciclo combinado em São Paulo (veja texto).(h) Uso de eletricidade na construção baseado em 280 kWh de electricidade por TJ (Dones & Gantner, 1996).

Emissões de eletricidade consideram o baseline de geração de gás natural no São Paulo (veja texto).(i) Média em Québec, Canadá (Peisajovich et al., 1996).(j) A linha de transmissão de Belo Monte até a rede do centro-sul brasileiro vai para três destinos com uma

distância má de 2647 km: Cachoeira Paulista-SP (2.662 km), Campinas-SP (2.599 km) e Ouro Preto-MG(2.680 km) (Brasil, MME-CCPESE, 2002). Babaquara tem 70 km adicionais de linha.

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Figura 4a. Babaquara: Carbono decomposto anaerobicamente

Figura. 4c. Belo Monte Reservatório dos canais: Carbono decomposto anaerobicamente

Figura 4b. Belo Monte Reservatório de calha: Carbono decomposto anaerobicamente

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Figura 5a. Babaquara: concentração calculada de Ch4 aos 30 m de profundidade

Figura 5b. Belo Monte Reservatório da calha: concentração calculada de Ch4 aos 30 m de profundidade

Figura 5c. Belo Monte Reservatório dos canais: concentração calculada de Ch4 aos 30 m de profundidade

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em longo prazo de carbono de fácil degradaçãoque aumenta em importância relativa a medida queas outras fontes declinem.

São mostradas as concentrações de metano calcu-ladas a uma profundidade padronizada de 30 mpara cada reservatório na Figura 5. Estas concen-trações calculadas seguem a tendência geral deoscilação sazonal e declínio assintótico observadaem valores medidos em Petit Saut (Galy-Lacaux etal., 1999, pág. 508). As oscilações são muito gran-des em Babaquara depois que as diferentes fontesde carbono da vegetação de deplecionamento di-minuíssem em importância (Figura 5a). São man-tidos os picos grandes em concentração de meta-no em Babaquara, seguido por uma diminuiçãodas concentrações durante o resto de cada ano.Os picos altos são mantidos porque o carbono vemda inundação de vegetação de deplecionamentoquando a água sobe. Os picos de concentração re-sultam em emissões significativas porque estes pe-ríodos correspondem a períodos de fluxo alto deturbina para maximizar produção de energia.

As emissões por diferentes caminhos para o com-plexo Belo Monte/Babaquara como um todo sãomostradas na Figura 6. Biomassa acima d’água emortalidade de árvores na margem diminuem aténíveis insignificantes ao longo do período de 50anos, mas a grande magnitude das emissões debiomassa acima d’água nos primeiros anos dá paraesta fonte um lugar significativo na média de 50anos. Cinqüenta anos geralmente são o períodode tempo adotado pela indústria hidrelétrica emdiscussões da “vida útil” de represas, e cálculos sãofeitos freqüentemente, financeiro e ambiental,neste horizonte de tempo, como nos regulamen-tos aplicáveis em estudos de viabilidade para re-presas no Brasil (Brasil, ELETROBRÁS & DNAEE,1997). As represas amazônicas existentes, particu-larmente Tucuruí, Balbina e Samuel, eram relati-vamente jovens em 1990, o ano padrão mundialde referência para os inventários dos gases de efeitoestufa, designados pela Convenção Quadro das Na-ções Unidas sobre Mudanças do Clima e o anousado para vários cálculos anteriores de emissõesde gases de efeito estufa (Fearnside, 1995a, 1997b,2002a, s/d-a,b). As emissões em 1990 eram entãobastante altas, e a indústria hidrelétrica freqüen-temente tem contestado que estas estimativas dãoum quadro negativo demais ao papel de hidrelé-tricas no efeito estufa (por exemplo, IHA, s/d [C.2002]). Os cálculos atuais mostram que, mesmoao longo de um horizonte de tempo de 50 anos, oimpacto sobre o aquecimento global de uma re-presa como Babaquara é significativo.

VIII. Incertezas FundamentaisUm cálculo como o do presente estudo para o com-plexo Belo Monte/Babaquara envolve muita incer-teza. Não obstante, o cálculo precisa ser feito, e asmelhores informações disponíveis devem ser usa-das para cada um dos parâmetros requeridos pelomodelo. Na medida em que pesquisas nesta áreaprocedem, estimativas melhores para estesparâmetros se tornarão disponíveis, e o modelo po-derá interpretar rapidamente estas informações emtermos do resultado delas sobre as emissões de ga-ses de efeito estufa.

Embora um conjunto completo de testes desensitividade não tenha sido administrado ainda, ocomportamento do modelo fornece várias indica-ções sobre quais parâmetros são os mais importan-tes. Nos primeiros anos depois de encher o reserva-tório, emissões são dominadas pelo CO2 liberadopela decomposição da biomassa situada acima daágua. Estas emissões, embora sujeitas à incerteza,são fundadas nos melhores dados disponíveis sobredecomposição em áreas desmatadas. Embora sejamvaliosas medidas específicas de árvores em reserva-tórios, uma mudança radical no resultado não é es-perada. As presunções sobre mortalidade da flores-ta a diferentes distâncias da margem são apenas su-posições, mas neste caso a quantidade de carbonoenvolvido é insuficiente para fazer qualquer dife-rença significativa no resultado global.

Os anos iniciais também incluem uma emissão sig-nificativa da liberação de metano pelo transcursoda água pelas turbinas. Para a porcentagem do me-tano dissolvido que é liberado no cenário de baixasemissões adota-se os valores derivados de medidasem Petit Saut (Galy-Lacaux et al., 1997, 1999). Porcausa de diferenças entre Petit Saut e as represasbrasileiras, a faixa usada é muito larga (21-89,9%)(Veja a discussão em Fearnside, 2002a). As estima-tivas de emissões aqui apresentadas são os pontosmédios entre os extremos dos resultados produzi-dos para a porcentagem emitida junto às turbinas.Acredita-se que este valor médio seja conservador.

Deve ser lembrado que, quando Belo Monte e Ba-baquara entrarem em operação, haverá uma certacompensação entre as duas represas que reduz o efei-to global da incerteza relativo à porcentagem demetano dissolvido que é liberado junto às turbinas.Quando for usada uma baixa estimativa para esteparâmetro, a emissão em Babaquara fica reduzida,mas o CH4 não liberado é repassado para a Belo Mon-te, onde por conseguinte aumentam as emissões poroutros caminhos (emissões de superfície e emissõesno canal de adução e nos gargalos).

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As fontes de carbono para emissões de CH4 nos pri-meiros anos são dominadas por liberação de carbo-no instável do solo (Figura 4). Embora faltem me-didas desta liberação para qualquer reservatório, aevolução dos valores para emissão aos valores paraconcentração de CH4 aos 30 m de profundidade,usando valores observados nesta faixa nos primei-ros anos, especialmente em Petit Saut, resulta emuma trajetória realística de concentrações de CH4 ede emissões desta fonte.

Mais importantes são as incertezas relativas à emis-são de CH4 depois que o pico inicial passe. Muitomenos dados de reservatórios amazônicos mais ve-lhos estão disponíveis para calibrar esta parte daanálise. O declínio em áreas de macrófita reduz aimportância da incerteza relativa a esta fonte paraas emissões em longo prazo. O que predomina parao complexo como um todo é a biomassa da zonade deplecionamento em Babaquara. Isto resultaem picos sazonais grandes na concentração de CH4

no reservatório de Babaquara (Figura 5a). Umaparte deste metano é repassada para os dois reser-vatórios de Belo Monte (Figura 5b e 5c). A taxa decrescimento da vegetação na zona de depleciona-mento é, então, crítica, e nenhuma medida atualdisto existe. A suposição feita é de que este cresci-mento acontece linearmente, acumulando 10 Mgde matéria seca em um ano. O valor usado para oconteúdo de carbono desta e das outras formas debiomassa macia é de 45%. A taxa de crescimentopresumida é extremamente conservadora, quan-do comparada às taxas de crescimento anuais me-didas de plantas herbáceas para o período de trêsmeses de exposição em áreas de várzea ao longodo rio Amazonas perto de Manaus: em 9 medidaspor Junk & Piedade (1997, pág. 170) estas plantas

acumularam, em média, 5,67 Mg/ha de peso seco(DP=1,74, variação=3,4-8,7). O valor proporcionalpara um ano de crescimento linear seria 22,7 Mg/ha, ou mais que o dobro do valor presumido paraa zona de deplecionamento de Babaquara. Umamedida da biomassa acima do solo de gramíneasaté 1,6 meses após a exposição de terras de várzeano Lago Mirití indica uma taxa de acúmulo dematéria seca equivalente a 15,2 Mg/ha/ano (P.M.Fearnside, dados não publicados). A fertilidade dosolo nas zonas de sedimentação de várzea é maiordo que em zona de deplecionamento de um reser-vatório, mas uma suposição da ordem de metadeda taxa de crescimento da várzea parece segura.Não obstante, este é um ponto importante de in-certeza no cálculo.

Taxas de decomposição também são importantes,e medidas sob condições anaeróbicas em reserva-tórios não são disponíveis. Acredita-se que a de-composição da vegetação herbácea na várzea ofe-rece um paralelo adequado. Em medidas sob con-dições inundadas em várzea de água branca, a de-composição de três espécies (Furch & Junk, 1997,pág. 192; Junk & Furch, 1991) e uma experiênciaem um tanque de 700 litros com uma quarta espé-cie (Furch & Junk, 1992, 1997, pág. 195) indica-ram a fração de peso seco perdida depois de ummês de submersão, em média, de 0,66 (DP = 0,19variação = 0,425-0,9). O valor mais baixo (0,425) éda espécie medida na experiência no tanque, ondea anoxiada água foi constatada depois de aproxi-madamente um dia. Se as medidas sob condiçõesnaturais incluíssem alguma decomposição aeróbia,a taxa média para condições totalmente anóxicaspoderia ser um pouco abaixo da média para as qua-tro espécies usadas aqui.

Figura 6. Belo Monte + Babaquara emissões de reservatório.

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As taxas de decomposição aeróbica para macrófitasencalhadas determinam o quanto dessa biomassaainda esteja presente se o nível d’água fosse subirnovamente antes da decomposição ser completa.Uma medida de morta em Lago Mirití até 1,6 mêsapós o encalhamento indica uma perda de 31,4%do peso seco por mês (P.M. Fearnside, dados nãopublicados). O número de observações é mínimo(três parcelas de 1 m2).

O manejo da água em Babaquara também é im-portante para determinar a quantidade de emis-são da zona de deplecionamento. Quanto maistempo o reservatório seja mantido a um nível bai-xo, mais vegetação cresce na zona de depleciona-mento. A liberação subseqüente de CH4 quando azona de deplecionamento for inundada mais quecompensa para o efeito na direção oposta que osbaixos níveis d’água têm na redução da profundi-dade até a entrada da turbina em Babaquara, e,portanto, na concentração de CH4 na água quepassa pelas turbinas. As presunções para uso d’águautilizadas no cálculo resultam em três meses deníveis baixos de água, quatro meses de níveis altose cinco meses de níveis intermediários.

A magnitude dos picos sazonais altos de CH4 depen-de da relação entre a quantidade de carbono quedegrada e o estoque (e concentração) de CH4 quan-do estas variáveis estavam em níveis altos nos primei-ros anos em Petit Saut (i.e., dados de Galy-Lacaux etal., 1997, 1999). A natureza da fonte de carbono emPetit Saut durante este tempo era diferente (acredi-ta-se ter sido principalmente carbono do solo). Averdadeira quantidade de carbono degradada anae-robicamente em Petit Saut durante este tempo é des-conhecida, e o escalamento que empresta confian-ça aos resultados durante os anos iniciais depois dereservatório encher, quando as fontes de carbonoeram do mesmo tipo, não dá tanta confiança a estesresultados para os anos posteriores. Quantificar a re-lação entre a produção de CH4 e a quantidade dedecomposição de biomassa macia (como as macró-fitas e especialmente a vegetação da zona de deple-cionamento) deveria ser uma prioridade para pes-quisa. No entanto, o resultado geral, isto é, que avegetação da zona de deplecionamento produz umpulso grande e renovável de CH4 dissolvido em re-servatórios, não há dúvida. Um caso relevante é aexperiência na hidrelétrica de Três Marias, no Esta-do de Minas Gerais, onde uma flutuação vertical de9 m no nível da água resultou na exposição e inun-dação periódica de uma zona de deplecionamentogrande, com um pico grande subseqüente de emis-sões de metano pela superfície do lago (BodhanMatvienko, comunicação pessoal, 2000). Até mesmo

na idade muito avançada de 36 anos, o reservatóriode Três Marias emite metano por ebulição em quan-tidades que excedem em muito as emissões de su-perfície de todos os outros reservatórios brasileirosque foram estudados, inclusive Tucuruí, Samuel eBalbina (Rosa et al., 2002, pág. 72).

Uma fonte adicional de incerteza é o destino dacarga dissolvida de CH4 quando a água atravessa os17 km do canal de adução de Belo Monte e pelosquatro conjuntos de gargalos que separam as pe-quenas bacias hidrográficas inundadas que com-põem o Reservatório dos Canais. Parte do metanoé emitida, parte é oxidada, e o resto é passado parao Reservatório dos Canais. Os parâmetros usadospara isto estão baseados na suposição de que o ca-nal (largura na superfície de aproximadamente 526m, com um fluxo em plena capacidade de 13.900m3/segundo) é semelhante ao trecho do rioSinnamary, na Guiana Francesa, abaixo da barra-gem de Petit Saut (onde a largura média do rio é200 m e a vazão média é apenas 267 m3/segundo).Galy-Lacaux et al. (1997) calcularam concentraçõesde metano e fluxos ao longo de 40 km de rio abai-xo da barragem de Petit Saut e calcularam as quan-tidades emitidas e oxidadas no rio. Os resultadosdeles indicam que, para o CH4 dissolvido que entrado rio oriundo da represa, são liberados 18,7% esão oxidados 81,3% (média de medidas em trêsdatas, com a porcentagem liberada variando de 14a 24%). Praticamente toda a liberação e oxidaçãoacontecem dentro nos primeiros 30 quilômetros.No rio Sinnamary, depois de uma extensão inicialde 4 km onde um processo de mistura acontece, aconcentração de CH4 na água e o fluxo da superfí-cie diminuem linearmente, chegando a zero a 30km abaixo da barragem (i.e., ao longo de uma ex-tensão de rio de 26 km). Considerando o estoque acada ponto ao longo do rio, pode-se calcular que,nos primeiros 17 km de rio, são liberados 15,3% doCH4 e são oxidados 66,5%. No cálculo para BeloMonte presume-se que estas porcentagens se apli-cam ao canal de adução, e que o metano restante érepassado para o Reservatório dos Canais.

Estimativas para emissão nos gargalos foram deriva-das a partir de informações sobre o comprimentodeles e as porcentagens de emissão e oxidação queaconteceram ao longo de uma extensão de rio demesmo comprimento abaixo da barragem de PetitSaut. Baseado em um mapa do reservatório (Brasil,ELETRONORTE, s/d [C. 2002]b), o primeiro com-partimento é conectado ao segundo por três passa-gens com comprimento médio de 1,6 km, o segun-do e terceiro compartimento estão conectados porduas passagens com comprimento médio de 1,7 km,

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o terço e quarto compartimentos estão conectadospor duas passagens com comprimento médio de 1,3km, e os quarto e quinto compartimentos estão co-nectados por uma passagem larga (emboraindubitavelmente rasa na divisa entre as bacias) quepode ser considerada como uma passagem de 0 kmde comprimento. Supõe-se que as porcentagens demetano dissolvido liberadas e oxidadas nestes gar-galos sejam proporcionais às porcentagens de libe-ração e oxidação que aconteceram ao longo destemesmo comprimento de rio abaixo da barragem dePetit Saut (baseado nos dados de Galy-Lacaux et al.,1997). A incerteza neste caso é muito maior do queno caso dos valores para estas porcentagens calcula-das para o canal de adução porque os gargalos cur-tos estão dentro da extensão inicial do rio onde umprocesso mistura estava acontecendo. As porcenta-gens usadas (que são todas muito baixas) tambémpresumem que o processo pára ao término do gar-galo, em lugar de continuar ao longo de alguma dis-tância no próximo compartimento do reservatório.O resultado líquido é que os gargalos, consideradosem conjunto, só emitem 2,1% do metano, enquan-to são oxidados 9,2% e 88,7% são transmitidos até ofinal do reservatório.

Assim como no caso das turbinas de Babaquara,há alguma compensação no sistema para incerte-za nas porcentagens liberadas no canal de aduçãoe nos gargalos. Se forem superestimadas as emis-sões do canal de adução e/ou dos gargalos, entãoa emissão nas turbinas da casa de força principalde Belo Monte serão subestimada. Observa-se queisto só se aplica aos valores para a porcentagememitida, não aos valores usados para a porcenta-gem de oxidação nestes canais: qualquer erro paracima ou para baixo na porcentagem oxidada nãoseria compensado por uma mudança na direçãooposta nas emissões das turbinas.

Em resumo, incertezas múltiplas existem no cál-culo atual. Pesquisa futura, especialmente se fordirecionada aos parâmetros para os quais o mode-lo indica que o sistema é mais sensível, ajudará areduzir estas incertezas. No entanto, o presentecálculo representa a melhor informação atualmen-te disponível. Estes resultados fornecem um com-ponente necessário para a atual discussão dos im-pactos potenciais destas represas.

IX. Comparação com Combustíveis FósseisA.) Comparações sem descontar

As emissões anuais de gases de efeito estufa diminu-em com tempo, mas ainda se estabilizam num nívelcom impacto significativo. A evolução temporal dos

impactos de gases de efeito estufa, com emissõesconcentradas nos primeiros anos da vida de umarepresa, é uma das diferenças principais entre re-presas hidrelétricas e geradoras a combustíveisfósseis em termos de efeito estufa (Fearnside,1997b). Dando maior peso aos impactos em curtoprazo aumenta o impacto das hidrelétricas em re-lação as de combustíveis fósseis.

O carbono deslocado de combustível fóssil podeser calculado baseado na suposição de que a alter-nativa é geração a partir de gás natural. Esta é umasuposição mais razoável do que o petróleo comoreferência, já que a expansão atual da capacidadegeradora em São Paulo e em outras partes da redeelétrica no Centro-Sul do Brasil está vindo de usi-nas termoelétricas movidas a gás e abastecidas pelonovo gasoduto Bolívia-Brasil. O gasoduto já existee não é considerado como parte das emissões deconstrução das usinas termoelétricas a gás.

Deslocamento de combustível fóssil é mostrado naFigura 7 em uma base anual. O complexo começaa ganhar terreno em compensar pelas suas emis-sões depois do ano 15. O equilíbrio com emissõesde gases de efeito estufa em uma base cumulativaé mostrado na Figura 8. O complexo somente teráum saldo positivo em termos de seu impacto noaquecimento global 41 anos depois do enchimen-to da primeira represa.

São apresentadas médias em longo prazo de emis-sões líquidas de gases de efeito estufa na Tabela 11para horizontes de tempo diferentes. Emissões es-tão separadas naquelas consideradas sob a rubricade represas hidrelétricas nos inventários nacionaisque estão sendo preparados pelos países sob a Con-venção de Clima (UN-FCCC), e os outros fluxos quetambém são parte do impacto e benefício líquidoda represa, incluindo emissões evitadas. Quantomais longo é o horizonte de tempo, mais baixo é oimpacto médio. Durante os primeiros dez anos oimpacto líquido é 4,0 vezes o da alternativa de com-bustível fóssil. Depois de vinte anos o impacto líqui-do ainda é 2,5 vezes maior que o do combustívelfóssil, enquanto para o horizonte de tempo com-pleto de 50 anos o projeto repaga a sua dívida deaquecimento global (presumindo que é sem juros,isto é, calculada com desconto zero), com a médiade impacto total em longo prazo sendo 70% a daalternativa de combustível fóssil.

B.) O efeito do tempo

O papel do tempo é uma parte essencial no debatesobre represas hidrelétricas e na questão do efeitoestufa em geral. A maioria das decisões, tais como

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Tabela 11: Médias a longo prazo de emissão líquida de gases de efeito estufapara o complexo Belo Monte/Babaquara

Emissões de todas as fontes(milhões de Mg C CO2-equivalente /ano)

Anos 1-10 Anos 1-20 Anos 1-50média de 10 anos média de 20 anos média de 50 anos

Emissões de inventárioEmissões de superfície 1,0 0,8 0,4Turbinas 2,6 3,8 2,8Vertedouro 1,6 1,0 0,6Canal de adução 0,2 0,4 0,3Gargalos 0,01 0,01 0,01Emissões de inventário totais 5,3 6,0 4,1

Outros fluxosSubstituição de fóssil-combustível -3,7 -3,9 -4,1Fluxos de ecossistema pre-represa -0,3 -0,5 -0,6Biomassa acima d’água 9,6 7,2 3,8Decomposição no perímetro da margem 0,07 0,04 0,01Outros fluxos totais 5,9 0,1 -5,5

Impacto total 11,2 6,1 -1,4Impacto total como múltiplo da emissãode referência de combustível fóssil 4,0 2,5 0,7

uma decisão para construir uma hidrelétrica, é ba-seada em cálculos financeiros de custo/benefícioque dão um valor explícito ao tempo, aplicandouma taxa de desconto a todos os custos e benefíci-os futuros. A taxa de desconto é essencialmente ooposto de uma taxa de juros, como por exemplo,o retorno que um investidor poderia ganhar emuma caderneta de poupança em um banco. Comuma poupança, quanto mais tempo se espera, mai-or a quantia monetária na conta, já que o saldo émultiplicado por uma porcentagem fixa ao térmi-no de cada período de tempo e os juros resultan-tes são acrescentados ao saldo para o próximo pe-ríodo. Com uma taxa de desconto, o valor atribu-ído a quantidades futuras diminui, em lugar deaumentar, por uma porcentagem fixa em cada pe-ríodo de tempo. Se um projeto como uma barra-gem hidrelétrica produz grandes impactos nos pri-meiros anos, como o tremendo pico de emissõesde gás de efeito estufa mostrado aqui, enquantoos benefícios pela substituição de combustível fós-sil somente se acumulam em longo prazo, entãoqualquer taxa de desconto positiva pesará contraa opção hidrelétrica (Fearnside, 1997b).

A evolução temporal das emissões de gases de efei-to estufa aumenta mais o impacto da represa quan-do são contadas as emissões do cimento, aço e com-bustível fóssil usados na construção da obra. Asemissões de construção da barragem vêm anosantes de qualquer geração de eletricidade. Umaanálise de “cadeia completa de energia”, ou

FENCH, incluiria todas estas emissões. Porém, asemissões de construção são uma parte relativamen-te pequena do impacto total. São mostradas asemissões líquidas anuais descontadas a taxas de até3% na Figura 9. Se apenas o equilíbrio instantâ-neo é considerado, o complexo substitui por maiscarbono equivalente do que emite começando noano 16, independente da taxa de desconto. De-pois disso o complexo começa a pagar a sua dívidaambiental referente às grandes emissões líquidasdos primeiros 15 anos.

As emissões cumulativas descontadas chegam a umpico no ano 15, mas não alcançam o ponto de terum saldo positivo até pelo menos 41 anos depoisque o primeiro reservatório esteja cheio (Figura 10).Aplicar uma taxa de desconto alonga substancial-mente o tempo necessário para alcançar este ponto.

O efeito de taxas de desconto anuais diferentes émostrado na Figura 11. Com desconto zero, o im-pacto líquido médio representa um ganho anualde 1,4 milhões de Mg C (a média de 50 anos naTabela 11), mas o impacto relativo atribuído àopção hidrelétrica aumenta muito quando o valortempo é considerado. No caso do complexo BeloMonte/Babaquara, qualquer taxa de descontoanual superior a 1,5% resulta ao projeto um im-pacto maior sobre o efeito estufa do que a alterna-tiva de combustível fóssil. São mostradas taxas dedesconto de até 12%. Embora este autor não de-fenda o uso de taxas de desconto tão altas como

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Figura 9. Emissões líquidas anuais descontadas. Em uma base anual, o complexo começa a reembolsar suas emissõesiniciais depois do ano 15, independente de taxa de desconto.

Figura 8. Impacto líquido cumulativo de Belo Monte + Babaquara

Figura 7. Emissões anuais e substituição de combustível fóssil.

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estas (Fearnside, 2002b,c), um contingente impor-tante nos debates sobre a contabilidade de carbo-no (por exemplo, o Instituto Florestal Europeu)defende o uso das mesmas taxas de desconto paracarbono como para dinheiro, e as análises finan-ceiras para Belo Monte usam uma taxa de descon-to de 12% para dinheiro (Brasil, ELETRONOR-TE, 2002, Tomo I, pág. 6-84).

Em termos de efeito estufa, uma série de argumen-tos fornece uma razão para dar um valor ao tem-po nos cálculos sobre emissões de gases de efeitoestufa (Fearnside, 1995b, 1997b, 2002b,c; Fearnsi-de et al., 2000). O efeito estufa não é um eventopontual, como uma erupção vulcânica, já que umamudança de temperatura seria essencialmente per-manente, aumentando as probabilidades de secase de outros impactos ambientais. Qualquer adia-mento nas emissões de gases de efeito estufa , e do

aumento conseqüente da temperatura, então re-presenta um ganho das vidas humanas e outrasperdas que teriam acontecido caso contrário aolongo do período do adiamento. Isto dá para otempo um valor que é independente de qualquerperspectiva “egoísta” da geração atual. Apesar dosbenefícios de dar valor ao tempo para favorecerdecisões que adiam o efeito estufa, chegar a umacordo político sobre os pesos apropriados para otempo é extremamente difícil. O curso de menorresistência nas primeiras rodadas de negociaçõessobre o Protocolo de Kyoto foi de usar um hori-zonte de tempo de 100 anos, sem descontar aolongo deste período, como o padrão para compa-rações entre os diferentes gases de efeito estufa(i.e., o potencial de aquecimento global de 21 ado-tado para metano). Se formulações alternativas sãousadas que dão um peso ao tempo, o impacto do

Figura 11. Efeito de taxa de desconto em emissões líquidas anuais médias ao longo de um horizonte detempo de 50 anos. Se for usado uma taxa de desconto anual de 1,5% ou mais, o complexo tem um impacto

maior sobre o efeito estufa do que a alternativa de combustível fóssil.

Figura 10. Emissões cumulativas descontadas. Descontando estende o tempo precisado para o complexopara conseguir um saldo positivo em termos de seu impacto acumulado.

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complexo Belo Monte/Babaquara aumentaria, e,mais importante ainda, aumentaria o impacto dehidrelétricas comparadas a outras possíveis opçõespara provisão de energia.

O debate sobre provisão de energia e substituiçãode combustível fóssil precisa ir além de cálculossimples de combustível queimado por kWh gera-do. No caso de grandes represas amazônicas, nãoé necessariamente verdade que, ao deixar de cons-truir uma barragem, uma quantidade equivalentede combustível fóssil seria queimada no seu lugar.Isto porque pouco da energia gerada é usada parapropósitos essenciais que seriam de difícil redu-ção, tais como no consumo residencial e indústri-as que atendem o mercado doméstico. Ao invésdisso, uma porcentagem significativa e crescenteda energia da rede nacional brasileira é destinadapara indústrias eletrointensivas, tais como as quefabricam o alumínio. O Brasil exporta grandesquantidades de alumínio barato, e altamente sub-sidiado (especialmente para o Japão).

O alumínio que o Brasil exporta é beneficiado usan-do eletricidade de hidrelétricas que são construídascom o dinheiro dos contribuintes e consumidoresresidenciais brasileiros. Se menos hidrelétricas fos-sem construídas, o resultado provável seria diminuiro subsídio financeiro e ambiental dado ao Mundocomo um todo, em lugar de continuar suprindoenergia a uma indústria de exportação de alumíniocom base no aumento de geração de energia a par-tir de combustíveis fósseis. Companhias de alumí-nio que atendem o mercado internacional (distintodo consumo doméstico brasileiro) teriam que se re-mover para outro país ou, no final das contas, teri-am que produzir menos alumínio e explorar outrosmateriais de menor impacto. O preço do alumíniosubiria para refletir o verdadeiro custo ambientaldesta indústria muito esbanjadora, e o consumo glo-bal diminuiria a um nível mais baixo. Acrescentarmais uma usina hidrelétrica à rede nacional apenasposterga ligeiramente o dia quando o Brasil e oMundo enfrentarão esta transformação fundamen-tal. Um dia a contabilidade destes custos ambientaisserá feita e considerada antes de tomar decisões, taiscomo transações para ampliar as indústrias eletro-intensivas no Brasil. A recente onda em transaçõesindustriais com a China, após uma visita presidenci-al àquele país em 2004, fornece um exemplo alta-mente pertinente. Quando são feitos acordos quedemandam grandes quantidades adicionais de ele-tricidade, então os estudos de impacto ambiental eo processo de licenciamento para as várias barragensplanejadas tendem a se tornar meros enfeites deco-rativos para uma série de obras predeterminadas.

X. ConclusõesO complexo hidrelétrica Belo Monte/Babaqua-ra teria um impacto significativo sobre o efeitoestufa, embora a quantidade grande de energiaproduzida compensaria eventualmente as emis-sões iniciais altas. As hipóteses usadas aqui indi-cam que 41 anos seriam necessários para o com-plexo chegar a ter um saldo positivo em termosde impacto sobre o aquecimento global no cál-culo mais favorável a hidrelétricas, sem aplicaçãode nenhuma taxa de desconto. Apesar de incer-teza alta sobre vários parâmetros fundamentais,a conclusão geral parece ser robusto. Isto é, queo complexo teria impacto significativo, e que onível de impacto a longo prazo, embora muitomais baixo do que nos primeiros anos, seria man-tido em níveis apreciáveis.

A presente análise inclui várias suposições conser-vadoras relativo às porcentagens de metano emiti-das por caminhos diferentes. Valores mais altospara estes parâmetros estenderiam ainda mais otempo necessário para o complexo ter um saldopositivo em termos de aquecimento global.

O impacto atribuído a represas é altamente de-pendente de qualquer valor dado à evolução tem-poral das emissões: qualquer taxa de desconto ououtro mecanismo de preferência temporal apli-cado aumentaria mais o impacto calculado parahidrelétricas em comparação com geração comcombustíveis fósseis. O valor de 41 anos para umaemissão de gases de efeito estufa desta magnitu-de é até mesmo significativo a zero desconto. Ocomplexo Belo Monte/Babaquara não terá umsaldo positivo até o final do horizonte de tempode 50 anos com taxas de desconto anuais superi-ores de 1,5%.

Os casos de Belo Monte e das outras barragens doXingu ilustram a necessidade absoluta de se con-siderar as interligações entre projetos diferentesde infra-estrutura e incluir estas consideraçõescomo uma condição prévia para construir ou au-torizar quaisquer dos projetos. Adiar a análise dosprojetos mais controversos não é uma solução.

AgradecimentosO Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí-fico e Tecnológico (CNPq AI 470765/01-1) e oInstituto Nacional de Pesquisas da Amazônia(INPA PPI 1-3620) contribuíram com apoio finan-ceiro. Agradeço a Neusa Hamada, Reinaldo Bar-bosa, Paulo M.L.A. Graça, Glenn Switkes e aJadihér Assis de Oliveira pelos comentários.

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Figura 10. Emissões cumulativas des-contadas. Descontando estende o tem-po precisado para o complexo paraconseguir um saldo positivo em termosde seu impacto acumulado.

Figura 11. Efeito de taxa de descontoem emissões líquidas anuais médias aolongo de um horizonte de tempo de50 anos. Se for usado uma taxa de des-conto anual de 1,5% ou mais, o com-plexo tem um impacto maior sobre oefeito estufa do que a alternativa decombustível fóssil.

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LEGENDAS DAS FIGURAS

Figura 3a. Ebuliação e emissões de di-fusão contra concentração de metano.Dados de emissões são de Petit Saut(Galy-Lacaux et al., 1999).

Figura 3b. Ebuliação e emissões de di-fusão contra concentração de metano.Dados de emissões são de Petit Saut(Galy-Lacaux et al., 1999).

Figura 3c. Ebuliação e emissões de di-fusão contra concentração de metano.Dados de emissões são de Petit Saut(Galy-Lacaux et al., 1999).

Figura 3d. Emissões de difusão paratodas as profundidades. Dados de emis-sões são de Petit Saut (Galy-Lacaux etal., 1999).

Figura 4a. Fontes de carbono decom-posto anaerobicamente: Babaquara(Altamira) reservatório;

Figura 4b. Fontes de carbono decom-posto anaerobicamente: Belo MonteReservatório da Calha;

Figura. 4c. Fontes de carbono decom-posto anaerobicamente: Belo MonteReservatório dos Canais.

Figura 5a. Metano calculado a 30 m deprofundidade: Reservatório de Baba-quara (Altamira);

Figura 5b. Metano calculado a 30 m deprofundidade: Belo Monte Reservató-rio da Calha;

Figura 5c. Metano calculado a 30 m deprofundidade: Belo Monte Reservató-rio dos canais.

Figura 6. Emissões por caminho para ocomplexo Belo Monte/Babaquara(Altamira). O complexo começa a re-embolsar sua dívida de emissões de gásde efeito estufa após o 15º ano depoisde encher o primeiro reservatório.

Figura 8. Impacto de aquecimentogloballíquido cumulativo do comple-xo Belo Monte/Babaquara (Altamira)(sem descontar). O complexo só con-segue um saldo positívo depois de 41anos.

Figura 9. Emissões líquidas anuais des-contadas. Em uma base anual, o com-plexo começa a reembolsar suas emis-sões iniciais depois do ano 15, indepen-dente de taxa de desconto.

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PARTE IVO anti-exemplo ali perto,o povo ameaçado e confundido

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No período compreendido entre 30 de outubro e01 de novembro de 1984, foi realizado o primeiroEncontro Tucuruí, que contou, oficialmente, coma promoção da Ordem dos Advogados do Brasil(OAB - Seção Pará), da Sociedade de Defesa dosDireitos Humanos (SDDH/Pará) e da Confedera-ção Nacional dos Trabalhadores da Agricultura(CONTAG). Foram convidados para participar dasmesas realizadas representantes de instituições depesquisa – Museu Paraense Emílio Goeldi e Uni-versidade Federal do Pará; representantes do gover-no federal em diversas instâncias afetas à questão –Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Grupo Exe-cutivo de Terras do Araguaia-Tocantins (GETAT) eSuperintendência de Combate à Malária (SUCAM);representantes de diversos órgãos do governo esta-dual – Instituto de Desenvolvimento Econômico eSocial do Estado do Pará (IDESP), Instituto de Ter-ras do Pará (ITERPA), Secretaria de Planejamento(SEPLAN), além de representantes municipais, comoo prefeito de Tucuruí e vereadores. E, representan-tes da ELETRONORTE – de Tucuruí e de Brasília.

Com a presença de cerca de mil pessoas deslocadascompulsoriamente com a construção da Barragem,sobretudo de camponeses (homens, mulheres ecrianças), o Encontro tinha como objetivo princi-pal publicizar a situação vivenciada, que se caracteri-zava pela insegurança advinda do próprio desloca-mento compulsório, particularmente agudizada na-quele momento de enchimento do lago; e pela au-sência de informações sobre o processo de transfe-rência que havia sido iniciado. Principal informação

reivindicada: qual a área inundada e quando seriarecebido o lote para trabalhar e a casa para morar.Naqueles dias, que se sucediam a um período quese iniciara com a desocupação da área para forma-ção do lago, em setembro de 1984, centenas defamílias encontravam-se acampadas na parte final da

Capítulo 9

Política e sociedade na construção deefeitos das grandes barragens:

o caso TucuruíSônia Barbosa Magalhães

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Rua Santo Antônio, à época, uma rua secundáriaque ligava a sede do município à vila operária doacampamento: em barraquinhas cobertas por lonase plásticos de cores diversas, um amontoado de pes-soas – homens, mulheres, crianças, jovens, idosos –permanecia há mais de trinta dias, em sua maioriaà espera de uma resposta da empresa sobre a situa-ção de sua transferência.

Passaram-se 20 anos1. Muitos encontros, acampa-mentos, reivindicações, negociações... Em 17 dejunho de 2004, o clima era de tensão. No acampa-mento montado, desta feita no interior da área daELETRONORTE, em diagonal ao escritório dadiretoria, dezenas de famílias impacientavam-secom mais uma reunião adiada, sem que houvesseuma resposta definitiva e conciliadora sobre asreivindicações que, agora, diziam respeito aos ex-propriados2 da primeira e da segunda etapa. Desdeabril de 2004, em um período por eles contabili-zado em exatos 56 dias3, dezenas de barracas abri-gavam centenas de pessoas, que têm se revezadocom a expectativa de resolver uma situação queconsideram pendente há 20 anos. Pendência é a pa-lavra que os expropriados utilizam para remarcar asituação que eles vivenciam, por sua vez, atribuídaà dívida social contraída – e não paga - pela ELE-TRONORTE. Para os expropriados da primeira eta-pa, as pendências vem se prolongando e, por vezes,se metamorfoseando, desde 1984. E, todas dizemrespeito, direta ou indiretamente, ao modo comoa ELETRONORTE tratou as populações a seremtransferidas e seus territórios4.

Ao longo destas duas décadas, muito se escreveu emuito se falou sobre Tucuruí, isto é, Tucuruí jamaisperdeu a atualidade e os parágrafos precedentes

tiveram o propósito de chamar atenção para a par-ticular situação que ali se verificou e que aindaperdura. Como se fora em cascata, os efeitos so-ciais da construção da barragem vão ganhandoamplitude e abrangência, seja porque novos fa-tos não cessam de surgir seja porque o movimen-to social repõe - como em Sísifo – esta atualida-de. De tal modo que, hoje não se pode falar emBarragens na Amazônia sem se recuperar estamemória – Tucuruí se interpõe como exemplo econtraponto, sobretudo no contexto atual de ge-ração de hidreletricidade no país. Com uma ma-triz que enfatiza a opção hidrelétrica, está previstopara a Amazônia o papel de província hidro-ener-gética, a partir da qual serão gerados mais de 80%do total de geração previsto para o país até 2020.Neste total, está claro, inclui-se o barramento dorio Xingu tratado neste livro. Mas, apenas para aBacia dos rios Araguaia e Tocantins estão previs-tas cerca de 14 grandes hidrelétricas, para asquais estima-se que serão “atingidas” cerca de 75mil pessoas.

Mas, por que Tucuruí continua a despertar inte-resse? Por que continua atual? – Pode-se afirmarque a atualidade de Tucuruí deriva da força domovimento social e do movimento sindical local enacional e a partir desta atualidade, podem serlevantados dois pontos fundamentais:

1- A dimensão dos efeitos sociais das grandes bar-ragens é também resultado do modo como osatores sociais os vivenciam e os representam.Logo, as dinâmicas social e política determinama abrangência dos efeitos;

2- Os efeitos sociais são também resultado das lei-turas e interpretações equivocadas (do ponto de

Fac-símile do folder do Encontro Tucuruí,outubro de 1984

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vista político e técnico) da realidade, que infor-mam o planejamento e as ações que daí derivam.

Vejamos estas assertivas, analisando, no segundoponto, especificamente, o procedimento da ELE-TRONORTE em relação à cota de inundação nachamada segunda etapa de Tucuruí.

A atualidade de Tucuruí e o movimentosocialA atualidade de Tucuruí deriva da força do movi-mento social, em níveis local, regional, nacional einternacional e do movimento sindical local e re-gional. São os movimentos social e sindical quetêm sustentado e reproduzido para a sociedade osproblemas ocasionados pela construção da barra-gem e, cada vez mais, chamando a atenção para aeventual replicabilidade destes efeitos em outrassituações similares. O maior exemplo destaassertiva é a inclusão do “Caso Tucuruí” no estudorealizado pela Comissão Internacional de Barra-gens5. E, especialmente, o esforço dos represen-tantes dos expropriados para fazer prevalecer a suaversão no relatório final desta Comissão. Esforçoque mais concretamente se manifestou na criaçãode um “comitê”, além do Grupo Consultivo res-ponsável pela elaboração do estudo, inicialmenteprevisto. Este comitê, formado por representan-tes do Movimento Nacional de Atingidos por Bar-ragens, do Movimento de Expropriados de Tucu-ruí, de um representante da ELETRONORTE ede um pesquisador, foi criado apenas em Tucuruí,por pressão do movimento social, com o objetivoespecífico de acompanhar/avaliar os relatóriosparciais elaborados pelo grupo consultivo e suge-rir modificações e encaminhamentos necessários,cf. CMB, 15 e 16/01/2000.

Para quem conhece a história de Tucuruí, são evi-dentemente perceptíveis as “lições” incorporadasao Relatório Final, cuja formulação tem origemnas reivindicações construídas no âmbito do mo-vimento social local. Por exemplo:

“Em diversas barragens existentes, é possível otimizar seusbenefícios, resolver questões sociais pendentes e intensificar asmedidas de mitigação e restauração ambiental (...) um es-forço especial deve ser empreendido para resolver as questõessociais pendentes (CMB, 2000:30, grifos meus).

“No passado, os aspectos sociais e ambientais, e também aque-les envolvendo governo e cumprimento de preceitos, foramdesvalorizados no processo decisório”, (CMB, 2000:38).

No relatório geral, que diz respeito ao estudo comoum todo, contemplando a análise de oito casos emtodo o mundo, foram identificadas sete situações ouações reconhecidas como desestruturadoras, que

guardam estreita correlação com o caso Tucuruí e,especialmente, com os efeitos que os representantesdo movimento social empenharam-se em destacar:

a) “os efeitos negativos não são adequadamente avaliados ousequer considerados. A gama desses impactos é conside-rável - sobre a vida, a subsistência e a saúde das comunida-des afetadas que dependem do ambiente ribeirinho;

b) milhões de pessoas que vivem a jusante de barragens -particularmente aquelas que dependem das funções na-turais das planícies aluviais e da pesca – também sofreramgraves prejuízos em seus meios de subsistência e a produ-tividade futura dos recursos foi colocada em risco;

c) Muitas pessoas deslocadas não foram reconhecidas (oucadastradas) como tal e, portanto, não foram reassenta-das nem indenizadas;

d) Nos casos em que houve indenização, esta quase sempremostrou-se inadequada; e nos casos em que as pessoas des-locadas foram devidamente cadastradas, muitas não fo-ram incluídas nos programas de reassentamento.

e) Aquelas que foram reassentadas raramente tiveram seusmeios de subsistência restaurados, pois os programas dereassentamento em geral concentram-se na mudança físi-ca, excluindo a recuperação econômica e social dos des-locados.

f) Quanto maior a magnitude do deslocamento, menor aprobabilidade de que os meios de subsistência das popu-lações afetadas possam ser restaurados.

g) Mesmo nos anos 90, em muitos casos os impactos sobre osmeios de subsistência a jusante não foram adequadamen-te avaliados ou considerados no planejamento e projetode grandes barragens” (cf. Comissão Mundial de Barra-gens, 2000:20).

Poderiam ser citados vários outros trechos. Noentanto, o que é importante reter é que as chama-das pendências de Tucuruí são repostas ano-a-ano,dia a dia pelos movimentos social e sindical. E es-tas pendências, na atualidade, dizem respeito a trêssituações diferenciadas: a primeira diz respeito aosexpropriados da primeira etapa, espacialmente locali-zados a montante; a segunda aos expropriados dasegunda etapa, localizados na área alagada em de-corrência do alteamento da cota, também a mon-tante da barragem; e, por fim, aos atingidos de ju-sante - desde a primeira etapa.

Na área de montante, as principais reivindicaçõesatuais referentes à primeira etapa e que estão naraiz dos mais recentes acampamentos realizadosem janeiro e em abril de 2004, são:

· complementação do lote rural, com base nomódulo agrário da região, em vigor na ocasiãodo deslocamento;

· pagamento de itens hoje reconhecidos comoindenizáveis e que não foram incluídos na

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planilha de 1980, como cobertura florística e áreade vazante;

· pagamento do “tempo parado”, isto é o interva-lo de tempo entre o anúncio da indenização e atransferência;

· e, revisão de processos de indenização e seus res-pectivos pagamentos, inclusive gastos com des-locamento não ressarcidos pela empresa.

Em carta dirigida ao “negociador”6 da empresa,em 31 de janeiro de 2004, no âmbito do acampa-mento de janeiro de 2004, a Comissão de repre-sentantes ressalta a continuidade que se verificaentre 1984 e 2004, isto é, ao longo dos vinte anos:

Hoje 31/01/2004, às 00:30 horas a comissão reuniu em As-sembléia os atingidos que estão no pátio da ELETRONOR-TE, com a finalidade de apresentar e relatar o que foi discu-tido na reunião de ontem (...) os expropriados não arreda-rão os pés do pátio da empresa enquanto não tiverem os seuspedidos atendidos e receberem os referidos pagamentos.

O fato da ELETRONORTE ter recusado fornecer-lhes oudoar-lhes alimentação não os farão recuar de seus propósi-tos, uma vez que é sabido pela empresa que este movimentodura mais de 20 anos, sempre superaram este tipo de barrei-ra, e passar fome virou rotina para todos, o que não é novi-dade (grifos meus).

Em relação aos municípios atingidos à jusante, étambém exemplar o redimensionamento dos efei-tos, a partir da atuação do movimento social.

Historicamente, a ELETRONORTE, e todo o cha-mado setor elétricobrasileiro, trabalhacom o conceito deárea atingida comoigual a área alagada.Uma variante desteconceito é a chama-da área de entorno,no caso, equivalenteà área de entorno dolago. Segue-se comomáxima que o ‘efei-to social’ é produzi-do sobre a áreaalagada e não sobreo novo território –ou sobre o novo con-texto social e ambi-ental - que surgecomo decorrênciada própria interven-ção. Com base na-quele conceito, porexemplo, todos os

municípios a jusante da barragem foram excluí-dos das chamadas ações de “mitigação de efeitos”,salvo ações pontuais referentes à qualidade daágua, por sua vez decorrentes de amplo processode mobilização social e política.

Até 2002, somente os municípios de Tucuruí, BreuBranco, Novo Repartimento, Jacundá, Itupirangae Rondon do Pará eram reconhecidos pela empre-sa como “área atingida” pela construção da barra-gem7. Isto é, os municípios que tiveram territórioalagado. Somente em 2003, a ELETRONORTE ad-mitiu oficialmente como “área atingida” da UsinaHidrelétrica de Tucuruí, os seguintes municípiossituados a jusante: Baião, Mocajuba, Igarapé-Miri,Limoeiro do Ajuru e Cametá. E, em diagnósticorealizado, constata para esta área, dentre outros, osseguintes processos, cf. ELETRONORTE, 2003:

• alto índice de emigração, com registro de decrés-cimo absoluto de população nos municípios deLimoeiro do Ajuru e de Baião(pg. 21/24);

• forte êxodo rural (pg.24);

• estagnação econômica, com redução das ativida-des agropecuárias (pg.25);

• declínio da produtividade média da agricultura(pg.32)

• diminuição do PIB em termos absolutos em to-dos os municípios, especialmente nos dois mu-nicípios mais importantes da microrregião –

Cametá e Igarapé-Miri (pg.25/27)

Estes processos, valedizer, são reconheci-dos como tal 20 anosapós o discurso li-bertador que cercoua implantação da hi-drelétrica no iníciodos anos 80 do sécu-lo passado, cf. MA-GALHÃES, 1992.

Mais recentemente,isto é, em 2004, comoresultado da novaconjuntura política eda situação desenca-deada com a implan-tação da segunda eta-pa, foram acrescidosà “área atingida” mais06 municípios, totali-zando 16 municípios,

Ilustração 1 – Área atingida pela UHE Tucuruí(segundo Eletronorte) - 1984 e 2004

2004

1984

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cf. assinalados no mapa acima: Abaetetuba; Baião;Barcarena; Breu Branco; Cametá; Goianésia doPará; Igarapé-Miri; Itupiranga; Jacundá; Limoeirodo Ajuru; Mocajuba; Moju; Nova Ipixuna; NovoRepartimento; Oeiras do Pará; e Tucuruí; ou 17municípios, se incluirmos Rondon do Pará. Estesmunicípios estão inseridos em micro emesorregiões diferentes – Sudeste e NordesteParaenses e Região Metropolitana de Belém - eapresentam características e dinâmicas sociais ehistóricas próprias.

Este novo recorte redefine e alarga a área atingidapela UHE de Tucuruí, de certo modo incorporan-do antigas reivindicações especialmente capitane-adas pela Colônia de Pescadores e pelo Sindicatodos Trabalhadores Rurais de Cametá. Por outrolado, incorpora demandas surgidas em um novocontexto e a partir de outras dinâmicas, especial-mente decorrentes da atuação/associação de umgrupo de prefeitos e vereadores daqueles municí-pios e de uma aparente inflexão na postura daempresa em direção a um contato e/ou negocia-ção mais estreita com os prefeitos locais, não fican-do claro ainda o lugar da interlocução do movi-mento social nesta nova dinâmica. De todo modo,tratam-se de gestões e negociações muito recentes,cujo processo ainda não pode ser analisado e cujasconseqüências ainda não podem ser previstas.

A segunda etapa de TucuruíÉ chamada segunda etapa de Tucuruí, a segundafase de instalação de turbinas para duplicação desua capacidade de geração de aproximadamente4 mil para 8.370 MW. Oficialmente, foi iniciadaem 1998; o projeto básico data de 1996 e o primei-ro Plano de Ações Ambientais data de 1999. Des-necessário dizer que os efeitos sociais são tratadosnos chamados planos ambientais. Já foram insta-ladas 03 novas turbinas e a conclusão total destaetapa está prevista para 2006/2007.

A segunda etapa de Tucuruí é marcada pelo au-mento da cota de inundação e pela ausência deestudos ambientais. Fazendo prevalecer o princí-pio da anterioridade da obra à Resolução doCONAMA 001-86 que tornou obrigatória a reali-zação do RIMA8, a ELETRONORTE está realizan-do a segunda etapa de Tucuruí sem os estudos deimpacto previstos em lei para obras iniciadas pós-1986. Inicialmente, parece ter corroborado para aprevalência daquele princípio a afirmação de quenão haveria aumento da cota.

A rigor, somente em abril de 1997 a ELETRO-NORTE demandou o Licenciamento de Tucuruí.

E, somente em 1998, foi concedida pela Secreta-ria de Ciência Tecnologia e Meio Ambiente do Es-tado do Pará (SECTAM) a Licença de Operação(LO) da primeira etapa. Nesta mesma data foi con-cedida também a Licença de Instalação da segun-da etapa. Estas licenças, de caráter provisório, fo-ram depois sendo provisoriamente renovadas, atése tornarem permanentes, em 2003, mediante oatendimento de algumas recomendações ou exi-gências feitas por aquela Secretaria.

Uma das principais conseqüências da não realiza-ção do RIMA foi a ausência de publicização e dediscussão dos efeitos da segunda etapa. Pode-sedepreender, inclusive, pelos estudos até agora apre-sentados, que prevalece uma visão compartimen-tada dos efeitos, não havendo um plano de açãocoordenado e concatenado para atender a estasegunda fase.

Até 1999, de fato, a documentação apresentadapela ELETRONORTE consistia basicamente noseguinte conjunto de textos: Projeto Básico – 1996;Licenciamento – Relatório Preliminar, abril de1997; Programa de Macrófitas Aquáticas – novem-bro de 1998; Programa de Limnologia – Qualida-de da Água – novembro de 1988; Programa deEstoque Pesqueiro – novembro de 1998; Plano deAções Ambientais – março de 1999.

De todo modo, cabe remarcar a decalagem de tem-po (três anos) e de enfoque entre o Projeto Bási-co, o Licenciamento e o chamado Plano de AçõesAmbientais. O projeto básico é marcado pela cha-mada “visão holística” do ambiente e nele afirma-se haver uma preocupação em “equacionar” asquestões ambientais em Tucuruí. Por uma espéciede surpresa positiva, vê-se ali referência às gran-des mudanças sofridas na região, à estruturafundiária – às migrações, às pressões sobre empre-go, às pressões sobre ocupação da terra; às migra-ções temporárias de agricultores e pescadores, etc.Não obstante, há um gap entre o projeto básico eo plano ambiental de 1999, fazendo até supor queforam realizados por equipes diferentes e/ou compropósitos diferentes. O Plano de 97, por sua vez,copia literalmente os trechos do Projeto Básico quedizem respeito ao meio-ambiente. A partir de 98 eno Plano de 99 encontra-se uma outra forma detratar a questão. A chamada “visão holística” queexiste como intenção no Projeto Básico desapare-ce e faz ressurgir a compartimentalização da reali-dade, a autonomização do ambiente, enfim, a vi-são estática da realidade. Re-editando a visão e aspráticas de 1979/1980, não há mais sociedade aser considerada. O sujeito das ações são as macró-fitas aquáticas, a madeira submersa, etc.

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As observações acima têm o propósito de ape-nas chamar a atenção para essa especial habili-dade do planejamento e dos planejadores daELETRONORTE em elipsar as sociedades e suasdemandas. Embora sob o fogo cruzado do movi-mento social, a ELETRONORTE não o reconhe-ce ou, no máximo, minimiza-o e passa à segun-da etapa ...

A Segunda Etapa – A cota 74Historicamente, a ELETRONORTE apresenta “di-ficuldades” em lidar com a cota de inundação. Naprimeira etapa de Tucuruí, o decreto de desapro-priação da área por utilidade pública contempla-va uma área bem superior, cujo perímetro era esti-mado em 5.200 km, atingindo ao que se presumiaser a cota 76. Em seguida, seja pela indefinição,seja pelas chamadas dificuldades de restituiçãoaerofotogramétrica, seja pelas características daárea marcada pela abundância de pequenos rios ecursos d´água, o lago previsto para 2.430 km2, aca-bou atingindo a 2.875 km2, significando um au-mento no espelho d’água de 18,3% e, conseqüen-temente, a inundação de áreas destinadas ao reas-sentamento, que se traduziu em uma segundatransferência - às pressas, não prevista.

No Projeto Básico da segunda etapa, lê-se:

“Para a 2ª. etapa não será necessária nenhuma inundaçãoincremental, ficando o reservatório com as mesmas caracte-rísticas físicas atuais, com exceção do deplecionamento máximoque passará a ser de 10,0 – entre a cota 72 e 62,00” (ProjetoBásico, pg.10-3, grifos meus).

Parêntesis. Antes de prosseguir com a mudançade cota, algumas indagações, ainda que breves,fazem-se necessárias, sobretudo porque permane-cerão atuais mesmo havendo o aumento da cota.Por exemplo, poder-se-ia perguntar oque pode significareste depleciona-mento, se conside-rarmos as ilhas, e asmargens do lago,ocupadas, inclusivecom loteamentoscriados pela própriaELETRONORTE?Como vai ficar o co-nhecimento dura-mente apreendidonestes 15/20 anos, apartir do qual seja osagricultores seja os

pescadores já conseguem aproveitar a vazante ar-tificial e o nível máximo das águas? E já conse-guem distinguir o comportamento da fauna aqu-ática, sobretudo dos peixes do lago? Como fica avida cotidiana, marcada pelo local onde as casasestão construídas, por uma distância conhecidapara o abastecimento d’água, etc? No limite, aquestão do deplecionamento diz respeito direta-mente ao conhecimento acumulado. Populaçõesque tiveram todo o seu conhecimento arquiva-do, em menos de duas décadas depois defrontam-se novamente com alterações importantes no am-biente em que vivem, resultando, por conseguin-te, em novas conseqüências econômicas e soci-ais, cuja abrangência e limites não parecem tersido suficientemente considerados.

Até 1999, pois, afirmava-se que não haveria “qual-quer acréscimo no corpo d´água do reservatórioa montante”. Previa-se, no máximo, uma inunda-ção de 50 hectares que correspondia a uma pe-quena ampliação circundante às margens do pró-prio lago.

Uma versão oficial apresentada pela ELETRO-NORTE para a decisão do aumento da cota, com-bina a crise energética de 2001 com as injunçõespolíticas. Diz textualmente, que:

“em decorrência da crise energética por que passa o Brasile da necessidade de implementação de soluções a curto,médio e longo prazo para equacionamento e solução doproblema, o Governo Federal editou a Medida Provisórianº 2.147, de 15 de maio de 2001, criando e instalando aCâmara de Gestão da Crise de Energia – GCE com o objeti-vo de propor e implementar medidas de naturezaemergencial para compatibilizar a demanda e a oferta deenergia elétrica, de forma a evitar interrupções intempesti-vas ou imprevistas do suprimento de energia elétrica (...)uma vez editada essa MP, e em sua decorrência, os prefeitosdo entorno do reservatório da UHE Tucuruí, apoiados porparlamentares federais do Pará, solicitaram ao Ministro das

Minas e Energia quemandasse estudar a ele-vação da cota normal deoperação da UHE Tucu-ruí de 72,00m para74,00m em troca de umPrograma de InserçãoRegional que trouxessebenefícios para os refe-ridos municípios”, cf.ELETRONORTE, 2003.

No mesmo ano de2001, o aumento dacota foi autorizadopela Agência Nacio-nal de Energia Elé-trica (Aneel), argu-mentado o aumento

Acampamento atingidos Tucuruí,Sônia Magalhães

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da capacidade geradora da usina em 110 megawatts(MW) firmes.

No entanto, desde 2000 a ELETRONORTE ha-via informado o aumento da cota à SECTAM. Emais: em dezembro de 2001, informou, no âm-bito das solicitações feitas por aquela SECRETA-RIA, que a área a ser inundada havia sido esti-mada em 370 km2.

Em 2002, a ELETRONORTE apresentou novosdados, informando que a área a ser inundada ha-via sido super –dimensionada e que de fato seriaminundados 164 km2, discriminadas conforme a ta-bela abaixo.

Nos documentos até agora apresentados, de fato,não há um tratamento minucioso do comporta-mento do lago, no que diz respeito às suas conse-qüências para as populações locais, tanto de ju-sante quanto de montante. A partir de alguns da-dos, entretanto, pode-se inferir a abrangência doalagamento previsto:

• aproximadamente 4.000 famílias terão suas ter-ras total ou parcialmente inundadas;

• cinco municípios terão novamente áreasalagadas: Tucuruí, Novo Repartimento, BreuBranco, Jacundá, Nova Ipixuna e Itupiranga

• em levantamento preliminar, haviam sidoidentificadas 3.548 propriedades parcial ou to-talmente alagadas, sendo a maioria dos municí-pios de Novo Repartimento e Tucuruí;

• metade da área a ser inundada apresenta vege-tação nativa, sendo caracterizada como florestaombrófila densa;

• desaparecimento de 337 ilhas e surgimento deoutras 283;

• proliferação de macrófitas aquáticas9.

No que diz respeito às ilhas, cabe lembrar que aformação do lago motivou o surgimento de maisde hum mil e quinhentas ilhas que, desde o finaldos anos 80, vêm sendo ocupadas, tanto em razãode processos migratórios decorrentes dos efeitosambientais sobre a base produtiva tradicional,

como é o caso dos pescadores artesanais do BaixoTocantins, quanto dos deslocamentos ocupacionaisensejados pelo surgimento mesmo destas novascondições de produção.

A ocupação destas ilhas, motivou, em abril de 2002,depois de um longo processo de mobilização ini-ciado em 1994, a criação, através da LEI nº 6.451,de três Unidades de Conservação da Natureza, as-sim intituladas: Área de Proteção Ambiental doLago de Tucuruí - APA LAGO DE TUCURUÍ; Re-serva de Desenvolvimento Sustentável deALCOBAÇA - RDS ALCOBAÇA e a Reserva deDesenvolvimento Sustentável do Pucuruí-Ararão -RDS PUCURUÍ-ARARÃO. A correlação entre es-tas unidades e o aumento da cota ainda não foicolocada em pauta.

Nesta segunda fase, algumas alterações no com-portamento da empresa, relativas ao processo deindenização, notadamente no que diz respeito àPlanilha de Cálculo, contou com a participaçãoefetiva de diversas organizações locais, de talmodo que os valores não têm sido objeto de ques-tionamentos. Não obstante, ainda restam em fre-qüente disputa: as áreas efetivamente alteradas,uma vez que permanece, por parte da empresa, aequivalência entre alagado e atingido; e, o lentoprocesso de pagamento. Em novembro de 2003,ficou consignado em “Ata da Reunião entre ELE-TRONORTE e Comissão do Alteamento da Cota72 para 74 metros do lago da UHE Tucuruí”, al-gumas destas questões:

(...) o Diretor informou que dinheiro não era problema, masnenhum processo foi pago e os atingidos têm cobrado daslideranças (...)

(...) Há falta de comunicação entre a ELETRONORTE e aliderança dos atingidos, tendo sido dois líderes impedidos deentrar no prédio do alteamento por motivo de segurança (...)

(...) representante pede esclarecimento se o pagamen-to será efetuado de uma única vez ou em parcelas, poisas pessoas já firmaram compromissos com base nessespagamentos

(...) pergunta acerca do pagamento do lucro cessante (...)

Tabela 1 – Áreas Inundadas - Cota 74 – Usina Hidrelétrica de Tucuruí – 2ª etapa

Áreas Inundadas (ha)

Intervalo de Cotas (m) Terra Firme Ilhas Total

72-73 5.312,46 2.583,11 7.895,57

73-74 6.203,68 2.320,37 8.524,05

TOTAL 11.516,14 4.903,48 16.419,62

Fonte: ELETRONORTE, 2002

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A guisa de conclusãoO que se pode observar é que os efeitos sociais da se-gunda etapa de Tucuruí ainda estão socialmente emconstrução. A interconexão entre primeira e segundaetapa, bem como o alagamento ainda não efetivadotalvez estejam contribuindo para um relativodistanciamento dos processos e dinâmicas que certa-mente serão desencadeados. Por seu turno, foi maisuma vez como fato consumado que a mudança de cotase impôs. Foi através de espaços abertos na legislaçãoque se subtraiu à sociedade e especialmente às popula-ções atingidas a oportunidade de acercar-se dos pro-cessos e das transformações que lhes serão impostas.

Ancorado em sua própria experiência, e no espaçoaberto na arena política, é que os representantes domovimento social local têm tentado reduzir os efei-tos que incidem sobre as suas vidas e o seu futuro.No atual momento, consideram vitória a planilha decálculo que baseia as indenizações e continuam atentar impor um novo conceito de atingido e ultra-passar o desgaste cotidiano dos atrasos, mudançasde prazos, redefinição de áreas e cronogramas, e etc.

No caso de Tucuruí, desde 1983/1984, as popula-ções locais vivenciaram e/ou compartilharam detrês situações de deslocamento compulsório:

1. a formação do lago em 1983/1984;

2. a inundação de determinados locais com o erroda área de inundação;

3. a transferência provocada pela praga de mos-quitos.

Evidentemente, estas situações não necessariamen-te foram vivenciadas por uma só pessoa. Mas a ex-periência social do tríplice deslocamento, esta sim,é uma experiência que se imortaliza na memóriasocial do grupo, através de um processo de recons-trução que é individual, mas que sofre as determi-nações da experiência vivida coletivamente.

Assim, pode-se pensar que as vicissitudes da histó-ria de Tucuruí colocam um ponto de interrogaçãosobre a possibilidade de lidar com situações simila-res, sem que se imponham as determinações soci-ais e políticas aportadas por esta mesma história.

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______________________.UHE Tucuruí.Etapa Final – unidades 13 a 23. Plano deAções Ambientais, março de 1999.

_____________________. Resposta àsCondicionantes da Licença de Operação,nº 234/2002 referente à elevação da cotado reservatório da UHE Tucuruí, 2002.

MAGALHAES, S.B. “Lições de Tucuruípara a construção de Grandes Barra-gens na Amazônia”,

Comunicação apresentada no Encon-tro “Os movimentos populares, as ins-tituições de ensino e pesquisa e o de-senvolvimento regional na área de Tu-curuí”, promovido pela Eletronorte,Museu Paraense Emílio Goeldi e Cen-tro Universitário do Pará – Cesupa, 10a 12 de abril de 2003, mimeo

Ibidem. Produzindo Interpretações:“O encontro Tucuruí como ritual”, paperapresentado ao Programa de Pós-Gra-duação em Ciências Sociais/UFPA,Doutorado, 2003, 16 p.

Ibidem. Tempo e trajetórias: reflexõessobre representações camponesas. In:HÉBETTE, J, MAGALHÃES, S. B.,

Referências Documentais

COMISSÃO MUNDIAL DE BARRA-GENS. Dams And Development. A NewFramework. The Report Of The WorldCommission On Dams. EarthscanPublications Ltd, London and Sterling,VA, November 2000.

COMISSÃO MUNDIAL DE BARRA-GENS. Barragens e Desenvolvimento:Um Novo Modelo para Tomada deDecisões. Um Sumário.O Relatório daComissão Mundial de Barragens, no-vembro de 2000.

_____________________. Relatório daReunião preparatória para a 2ª Reuniãode Trabalho do Grupo Consultivo, Tu-curuí, 15 e 16 de janeiro de 2000, mimeo.

ELETRONORTE. Plano de Desenvol-vimento Sustentável da Microrregião ajusante da UHE Tucuruí, março de2003.

______________________. Termo deSolução de Obrigação Indenizatória,2003.

______________________. Licencia-mento – Relatório preliminar. Unida-des 01 a 23, abril de 1997.

MANESCHY, M.C. (orgs.). No mar, nosrios e na fronteira. Faces do campesinatono Pará. Belém:Edufpa, 2002, p.235-274.

Ibidem. Expropriação e Mobilização:a dupla face da relação entre os Gran-des Projetos e a População Campone-sa. In: Jean Hébette (Org.). O cerco estáse fechando. 1ª. ed., Petrópolis/Belém:Vozes, 1991, p. 176-198.

Ibidem.Tucuruí, uma analise da visãodo Estado sobre o Campesinato. Bole-tim do Museu Paraense Emílio Goeldi/An-tropologia, vol.8 (1), julho de 1992.

MAGALHAES, S.B, BRITTO, R., CAS-TRO, E. Energia na Amazônia - avaliação eperspectivas sócio-ambientais, MPEG/UFPA/UNAMAZ Eds., Belém, 1996, 2 vol.

TADEI, W. P. “O Gênero Mansonia(díptera:culicidae) e a proliferação demosquitos na Usina Hidrelétrica deTucuruí. In: MAGALHAES, S.B,BRITTO, R., CASTRO, E. Energia naAmazônia - avaliação e perspectivas sócio-ambientais, MPEG/UFPA/UNAMAZEds., Belém, 1996, 2 vol.

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barragem. Esta designação, inicialmen-te atribuída pela ELETRONORTE, foimetamorfoseada em categoria identi-tária, cf. MAGALHÃES (1991).3 Este Acampamento tem sido marca-do por períodos de forte tensão, comopor exemplo no dia 10 de junho de2004, ocasião em que foi transferido einstalado dentro do pátio da prefeiturada vila residencial da ELETRONORTE.4 Ver a propósito da visão da ELETRO-NORTE sobre as populações desloca-das e seus territórios MAGALHÃES1992.5 A Comissão Mundial de Barragensfoi criada em 1998 para analisar os efei-tos e os conflitos dos projetos de repre-sas e propor uma nova solução. Em no-vembro de 2000, a CMB publicou o seurelatório final.6 Em outubro de 2003, a ELETRO-NORTE indicou um negociador ofici-al para tratar com os expropriados daprimeira e da segunda etapa.7 Cabe advertir que o caso deRondon do Pará jamais foi abordado

Notas

1 A Usina Hidrelétrica de Tucuruí foiconstruída pelas Centrais Elétricas doNorte do Brasil (ELETRONORTE), noperíodo compreendido entre 1975 e1984, com uma previsão de potênciainstalada de 4.000 MW nesta que é con-siderada a primeira etapa de constru-ção. O lago formado possui uma áreade aproximadamente 2.875 kms qua-drados, com 170 kms de extensão. Paraa formação deste lago foi inundadagrande parte dos territórios dos muni-cípios de Tucuruí, Jacundá e Itupiran-ga; e, uma pequena parcela do muni-cípio de Rondon do Pará. Foram inun-dados uma sede municipal - Jacundá -e dezenas de povoados, estimando-seem aproximadamente cinco mil o nú-mero de famílias camponesas transfe-ridas compulsoriamente pela ELE-TRONORTE. O represamento parcialdas águas teve início em 1979, realizan-do-se o enchimento total do lago cin-co anos depois, entre junho de 1984 emarço de 1985.2 Expropriado é a identificação assu-mida por todos os deslocados com-pulsoriamente com a construção da

pelo movimento social e não será tra-tado neste texto.8 Prevaleceu, no caso da segunda eta-pa de Tucuruí, a Resolução de 06 desetembro de 1987 (art.12§5º): “Para oempreendimento que entrou em ope-ração anteriormente a 01 de fevereirode 1986, sua regularização se dará pelaobtenção da LO sem a necessidade deapresentação de RIMA, mas com a con-cessionária encaminhando ao(s)órgão(s) estadual (ais) a descrição ge-ral do empreendimento; a descrição doimpacto ambiental provocado e asmedidas de proteção adotadas ou emvias de adoção”.9 As macrófitas aquáticas foram respon-sáveis, logo após o enchimento do lago,por uma intensa proliferação de mos-quitos em diversas áreas da borda dolago. Entre 1988 e 1990, período consi-derado mais crítico, as famílias que ha-viam sido assentadas nestas áreas tive-ram que ser novamente deslocadas. Em1986, a área ocupada pelas macrófitasno reservatório de Tucuruí foi estima-da em 860 km˝. Ver TADEI, 1996.

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A proposta de construção de barragens junto à Ba-cia Hidrográfica do Rio Xingu é bastante antiga e,se quisermos tomar algum período mais recentepara os seus levantamentos e estudos, já se poderiacontar cerca de 25 anos. Ou seja, em 1980 um gru-po de antropólogos fôra então contatado peloCNEC, com o aval da Associação Brasileira de An-tropologia/ABA, para analisar preliminarmentepossíveis conseqüências junto aos povos indígenascom a construção de barramentos nessa região. Pre-via-se, pois, conforme o contido no documento “Es-tudos de Inventário Hidrelétrico da BaciaHidrográfica do Rio Xingu” (CNEC, 1980), o apro-veitamento integral dessa Bacia Hidrográfica – eraestimada a construção da cinco hidrelétricas no RioXingu e uma no Rio Iriri o que alcançaria a aproxi-madamente 40 povos indígenas. Tal previsão desve-lava que tais barragens atingiriam desde os índiosJuruna da terra indígena Paquisamba, os mais pró-ximos a Altamira, a cidade de São Félix do Xingu, eo próprio Parque Indígena do Xingu, no estado doMato Grosso. No ano seguinte, Aspellin & Santos[1981] trazem a público “Indian Areas Threatenedby Hydroeletric Projects in Brazil”, no qual elabo-ram uma análise mais detalhada sobre hidrelétri-cas e povos indígenas, abordando todo o territórionacional, incluindo as variáveis concernentes aoComplexo Hidrelétrico do Xingu.

Em 1988, a Comissão Pró-Índio/SP publica – AsHidrelétricas do Xingu e os Povos Indígenas, leitura obri-gatória para a análise sobre a construção de barra-gens e suas implicações sociais. Retomava, pois, essa

discussão de forma muito mais ampla, alertandopara os perigos que tais barramentos poderiam cau-sar a esses povos e à população regional, apontan-do, inclusive, para alternativas outras que não ape-nas aquela proveniente da hidroenergia em gran-des barragens. Aqui, em tese, já não se tinha mais oaproveitamento integral do Rio Xingu, mas sim umconjunto de cinco barramentos – Babaquara,Cararaô, Juruá, Ipixuna e Iriri, e vários diques; dei-xava de ter lugar a barragem Kokraimoro junto àTerra Indígena Kayapó, mais ao sul. De todo modo,atingir-se-ia a nove povos indígenas - Juruna, Asurinido Xingu, Araweté, Parakanã-Apyterewa, Kararaô,Arara, Xipaya, Kuruaya e Xikrin do Bacajá, alémdaqueles que se mantêm até hoje sem contato coma sociedade mais ampla. Em 1996, Magalhães, S. etalii publicam em dois volumes Energia na Amazô-nia, produto de um seminário internacional, ocor-rido em 1994, em Belém, por iniciativa do MuseuParaense Emílio Goeldi e da Universidade Federaldo Pará. Esta é uma obra de referência para todosos que analisam a implantação de grandes proje-tos, principalmente aqueles voltados à produção deenergia, suas alternativas e as conseqüências soci-ais, ambientais e econômicas que acarretam.

Agora, e pouco mais de quinze anos depois, volta-se à discussão sobre a possível construção da bar-ragem Kararaô, sob a nova denominação de BeloMonte, cujo EIA-RIMA foi iniciado em 2000 e, aoque se tem notícia, seus resultados ainda não fo-ram tornados públicos. Ainda que reformuladaquanto às propostas iniciais, Belo Monte traz à cena

Capítulo 10

Índios e barragens: a complexidade étnica eterritorial na região do Médio Xingu

Antonio Carlos Magalhães

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Índios ArawetêEduardo V. de Castro/ISA

as mesmas preocupações anteriores, inclusive, emrazão dos mesmos erros já cometidos. Isto é, nãohouve e não tem havido até aqui qualquer discus-são ampla e transparente acerca da construção deempreendimento de tal envergadura quer com ospovos indígenas, quer com a população regional.A bem da verdade, no ano de 2001, por iniciativada FASE e da Prelazia do Xingu, foi realizado emAltamira, no Instituto Maria Mathias, um encon-tro com a Eletronorte, no qual se fez presente oseu então presidente. No entanto, tal encontro serevelou pouco produtivo visto que não se obtevemaiores informações sobre os encaminhamentosa respeito da construção da Barragem de BeloMonte e de suas implicações junto à sociedaderegional, índios incluídos.

No texto que se segue tem-se como ponto central acomplexidade étnica e territorial desta região e privi-legia a situação dos povos indígenas Juruna do Paqui-samba e Arara do Maia; e dos índios moradores emAltamira e seu entorno, incluindo a Volta Grande doXingu. Assim, o texto está estruturado do seguintemodo: na primeira parte, Povos Indígenas na Regiãodo Médio Xingu, é feita uma apresentação geral dasituação territorial dos índios cujas terras estão reco-nhecidas ou pleiteadas. Na segunda parte, intituladaPovos Indígenas na Região de Altamira, são tratados

os índios, famílias ou agrupamentos indígenas quese encontram em aldeias (Juruna do Paquisamba eArara do Maia); às margens do Rio Xingu (particu-larmente na Volta Grande); na cidade de Altamira ena rodovia Ernesto Acioly, que liga esta cidade a Vitó-ria do Xingu. Tal recorte está baseado na propostamais atual da Eletronorte para a construção da Hi-drelétrica de Belo Monte, cujas consequências maisimediatas incidem sobre a Volta Grande do Xingu ea própria sede do município de Altamira. No tocanteaos demais povos indígenas é necessária uma análisemais detalhada, que não será feita aqui.

Cabe advertir, todavia, que a relação entre a questãoindígena e as barragens nesta região não pode serpensada apenas a partir de Belo Monte, seja porquejá foram aventadas outras possibilidades de aprovei-tamento hidrelétrico no Rio Xingu, seja porque nãose pode pensar este empreendimento de forma isola-da, sem considerar o complexo de geração de ener-gia hidrelétrica, a construção de eclusas e demais obrasdaí derivadas.

1– Povos Indígenas na Região do MédioXinguO Estado do Pará possui um total aproximado de40 povos indígenas que somam cerca de 28.500

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pessoas, cf. dados de 2000, sendo que 8.450 índiosse encontram em terras indígenas localizadas na re-gião de Altamira. Nesta região, que engloba alémdo curso médio do Rio Xingu, os Rios Iriri, Curuá eBacajá e seus tributários, encontram-se 13 etnias dis-tribuídas em 17 terras indígenas – Arara (terras in-dígenas Arara e Cachoeira Seca), Arara do Maia(terra indígena Arara do Maia), Araweté (terra in-dígena Araweté), Asurini do Xingu (terra indígenaKoatinemo), Juruna do Paquisamba (terra indíge-na Paquisamba), Juruna (terra indígena Boa Vis-ta), Kararaô (terra indígena Kararaô), Kayapó (ter-ras indígenas: Kayapó, Mekrãgnoti, Badjonkore eBaú), Kuruaya (terra indígena Kuruaya), Panará(terra indígena Panará), Parakanã (terra indígenaApyterewa), Xikrin do Bacajá (terra indígena Trin-cheira-Bacajá), e Xipaya (terra indígena Xipaya).Os índios aldeados somam aproximadamente 1815pessoas, de acordo com levantamento do DistritoSanitário Indígena/DSEI/FUNASA de Altamira, àexceção dos Arara do Maia e dos Juruna de BoaVista, não reconhecidos, até o presente, como índi-os pela FUNAI e incluídos no bojo da populaçãoregional pela FUNASA1.

A região do médio Xingu notabiliza-se por se cons-tituir no que pode ser considerado uma grande pro-víncia multiétnica, reunindo povos pertencentes a

três dos quatro macro-troncos lingüísticos existen-tes no Brasil – Tupi, Jê e Karib; não existindo ape-nas falantes de língua Aruak. Tal fato torna essa re-gião, que se insere no que Galvão [1979 (1959)]denominou de “área cultural Tocantins-Xingu”, ex-cepcionalmente representativa da diversidade lin-güística e cultural dos indígenas na Amazônia bra-sileira e especialmente no estado do Pará. Assim,pertencentes ao tronco lingüístico tupi são encon-trados os povos indígenas - Asurini do Xingu,Araweté, Juruna, Kuruaya, Parakanã e Xipaya2. Delíngua jê, tem-se os Kayapó, os Xikrin do Bacajá eos Kararaô, os dois primeiros bastante populosos.De língua karib, os Arara que, por sua vez, estãodistribuídos em dois grupos distintos: aqueles con-tatados pela FUNAI em meados dos anos oitentado século passado, residentes nas Terras IndígenasArara e Cachoeira Seca, e aqueles que entraram emcontato com a população regional em fins do sécu-lo XIX e princípios do século XX, conhecidos hojecomo Arara do Maia.

É importante ressaltar que a situação territorial ébastante diferenciada. Do total das terras indíge-nas existentes nesta região, nove delas, cerca de53%, ainda não foram demarcadas, sendo que duassequer foram reconhecidas pela FUNAI e duasoutras ainda aguardam os trâmites do processo

Tabela 1: Povos e Terras Indígenas na região do Médio Xingu

Povo Indígena Aldeias Terra Indígena Situação Jurídica População

Juruna* 01 Paquisamba homologada 70

Juruna** 01 Boa Vista a identificar 58

Arara* 01 Laranjal homologada 18601 Cachoeira Seca a demarcar 72

Arara do Maia*** 01 Arara do Maia em identificação 84

Araweté* 01 Araweté homologada 312

Asurini do Xingu* 01 Koatinemo homologada 118

Kararaô* 01 Kararaô homologada 39

Kayapó**** ? Baú delimitada 6.300? Mekrãgnoti homologada? Kayapó homologada? Badjonkore delimitada

Kuruaya* 01 Kuruaya delimitada 113

Panará**** 01 Panará delimitada 202

Parakanã-Apyterewa* 02 Apyterewa delimitada 325

Xipaya* 01 Xipaya identificada 59

Xikrin* 02 Trincheira-Bacajá homologada 47101 Tukum Lote INCRA 41

População Total – 8.450*Fonte DSEI/Altamira (2004); **Fonte, (i.p. 2004); ***Fonte, CIMI/Altamira (2003); ****Fonte, ISA, (2000)

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demarcatório (v. tabela abaixo). Ou seja, tomadosos procedimentos necessários para o reconhecimen-to e a identificação das terras indígenas para a suademarcação, os trabalhos emperram sempre noprocesso demarcatório e na sua conseqüentehomologação. Não há novidade nisso! Ademais, hágrupos indígenas não reconhecidos pela FUNAIcomo os Juruna de Boa Vista (km 17) e os Arara doMaia; e terras indígenas que, embora demarcadas,jamais satisfizeram às necessidades de sua popula-ção – é o caso dos Juruna do Paquisamba, que soli-citaram à FUNAI a ampliação de seu território.

No presente, o processo de reordenamento naocupação do espaço tende a ser fortemente acen-tuado seja com a pavimentação da Transamazôni-ca, seja com a construção anunciada da Usina Hi-drelétrica de Belo Monte, seja com projetos gover-namentais voltados para o aproveitamento econô-mico do que ficou conhecido como Terra do Meio,isto é, a porção de terras situada entre os Rios Xin-gu, Iriri, Curuá, Riosinho do Anfrísio3, com cercade 8 milhões de ha. Esta porção territorial tem sidoalvo da extração ilegal de madeira (leia-se mogno,principalmente), além de ações de grilagem deterras, pecuária e garimpos de ouro. As estradasTransamazônica e Cuiabá-Santarém (Br-163),como também a estrada aberta pela MineraçãoCanópus, entre os Rios Iriri e Fresco, constituem-se em grandes eixos para ocupações diversas des-sas terras, configurando um contexto de ameaça àintegridade físico-cultural e ambiental das socie-dades indígenas e de seus territórios.

Além dos índios aldeados, encontram-se nas sedesmunicipais, como Altamira, Vitória do Xingu eSenador José Porfírio, grupos ou famílias consti-tuídos por alianças matrimoniais interétnicas ounão, acerca dos quais as informações existentes sãoainda preliminares e não sistemáticas. Há tambémgrupos indígenas isolados, que se encontram emtrês áreas: na Terra do Meio, entre os Rios Iriri eXingu e a Transamazônica; entre os Rios Iriri eCuruá e daí até a Br-163, e na Bacia do Rio Bacajá4.

Como se pode observar, além da diversidade lin-güística e cultural existente entre esses povos, ve-rificam-se também diferenças importantes no quediz respeito ao tempo de relacionamento com seg-mentos da sociedade regional – o tempo e a for-ma de contato sendo definitivos para a caracteri-zação e a construção das relações interétnicas. Ob-serva-se que se há índios contatados há mais deduzentos anos, caso dos Xipaya, Kuruaya, Juruna,por exemplo, há outros de contato mais recente,efetivado no âmbito dos processos de transforma-ção decorrentes da ocupação da região, realizada

de forma desordenada e à margem do controledo Estado. Este é o caso dos Araweté (1977), dosArara (entre 1981/83), dos Parakanã-Apyterewa(entre 1983/84), dos Asurini do Xingu (1970), dosKayapó (década de 60), etc.

Por outro lado, as relações interétnicas, além dediferenciadas estão, no mais das vezes, sendo pos-tas de forma desordenada, viabilizada pelas neces-sidades advindas do próprio contato, principal-mente pela imposição da exploração madeireira ede garimpos, que atende a interesses diversos da-queles dos povos indígenas. Está claro que tais ati-vidades se voltam para a geração de renda entreos indígenas, muitas vezes beneficiando apenasalgumas lideranças e suas famílias, alimentandoassim um longo processo de exploração dos índi-os e de seus territórios.

De certo modo, as atividades econômicas estabe-lecidas no âmbito das relações interétnicas estãoconjugadas às estações de chuva e seca da regiãoamazônica. Assim, no caso de Altamira, durante aestação chuvosa é comum que os índios se mante-nham mais imersos em suas terras, ocupados nacoleta da castanha do pará, a qual, em geral, é co-mercializada junto à agência inglesa de cosméti-cos Body Shop, que mantem um escritório nestacidade. No período do verão, porém, as atividadesse distribuem de acordo com outros interesses,especialmente de madeireiros e garimpeiros. A ex-ploração de madeira e de garimpo é realizada pelosinteressados, em acordos, muitas vezes, estabelecidos

Mapa 1 - Terras Indígenas na Região do Médio XinguFonte: Instituto Sócio-Ambiental

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diretamente com osíndios. Neste caso,mencione-se, a títu-lo meramente ilus-trativo, o Garimpodo Madalena, emterras Kuruaya, des-coberto em 1978por um grupo de ga-rimpeiros que paga-va um percentual aJoão Lima e Mariadas Chagas LopesKuruaya.

A partir de 1982, instala-se na região a empresa denome Espeng Minérios e Minerais que abre umcampo de pouso junto ao garimpo e vende a áreaà Brasinor. Esta passa a operar a extração de ourono local até 1985, ocasião em que, após sérias inti-midações e conflitos entre a Brasinor e os Kuruaya,morreu Noá Kuruaya, velha liderança desses índi-os, possivelmente em razão de uma pancada rece-bida no tórax de um funcionário da Brasinor, comoafirma a Sra. Maria Santarém, matriarca dosKuruaya. A partir de 1995/96, uma empresa decapital canadense denominada Anaconda passaatuar na região, retirando-se em julho de 1998,após desentendimentos com os Kuruaya, por atra-sos no pagamento de seus salários.

Deste modo, e após trabalharem anos a fio na ex-ploração do garimpo para essas empresas e sofre-rem processos os mais diversos de espoliação e agres-sões físicas, estes índios resolveram, recentemente,tomar conta da extração de ouro. No entanto, talfato tem provocado alterações nas relaçõesintraétnicas, que merecem ser melhor analisadas,e, nas relações interétnicas, visto a crescente pre-sença de não-índios quer enquanto exploradoresde garimpo, pagando um percentual aos Kuruaya,quer trabalhando para os índios. É o caso tambémde alguns Xipaya que, sem uma fonte de renda alémdaquela proveniente da comercialização da casta-nha-do-pará e de alguns poucos produtos do roça-do acabam, em determinadas situações, por se ve-rem forçados a trabalhar no garimpo do Madalena,em relação subordinada aos Kuruaya. Assim, a ex-ploração do garimpo pelos próprios índios nãopode ser considerada auspiciosa – teoricamente in-verte-se o processo de domínio, mas permanece oprocesso invasivo da terra indígena, colocando emrisco os próprios índios.

Uma outra fonte de renda é proveniente da pes-ca, estando esta restrita praticamente aos Jurunado Paquisamba, face a uma maior proximidade de

Altamira. Uma dasatividades mais emuso no momento é apesca de peixe orna-mental, principal-mente a do cari, umteleósteo da família dosloricarídeos, no RioXingu, mas tambémno Iriri e no Curuá,onde ribeirinhos demodo geral, índiosincluídos, nela to-mam parte. O traba-lho em sítios ou fa-

zendas próximas, ou, passar uns tempos em Altami-ra trabalhando numa atividade qualquer se consti-tui também numa alternativa para a obtenção de me-lhor sustento. Em outras palavras, a questão da gera-ção de renda entre esses índios é particularmenteimportante se tomarmos em conta a vulnerabilidadeem que eles se colocam frente à sociedade regionale à dependência que daí deriva. Isto significa reco-nhecer que as alterações territoriais incidem sobreuma gama de relações inter e intraétnicas no âmbitode um espaço social extremamente frágil. Portanto,é preciso estar claro que as mudanças sócio-ambien-tais que venham a existir sejam no sentido de viabili-zar contextos sociais, econômicos e ambientais posi-tivos que possibilitem uma melhor adequação querno controle do território, quer na geração de rendaentre os índios.

2 – Povos Indígenas na Região de AltamiraPor Região de Altamira, denomino todo o espaçoterritorial hoje ocupado por índios, que englobaa sede do próprio município, o Rio Xingu entreesta cidade e a Volta Grande; e a rodovia ErnestoAcioly. Cabe observar que, embora se saiba da exis-tência de famílias indígenas no trecho do Rio Xin-gu abaixo de Altamira, ainda não se tem dados su-ficientes para análise.

2.1. Juruna do Paquisamba

Os Juruna residem à margem esquerda do Rio Xin-gu, junto à Volta Grande, na Terra Indígena Paqui-samba, entre os Igarapés Mangueira e Paraíso, mu-nicípio de Vitória do Xingu. A situação fundiáriadessa terra indígena ainda gera inquietações juntoaos Juruna. Com os trabalhos de demarcaçãoefetuados em meados da década de oitenta do sé-culo XX, a área prevista inicialmente em 6.000ha.,acabou por ser demarcada e homologada em apro-ximadamente 4.350 ha. No ano de 2000, os Juruna

Porto de chegada aos Juruna do Paquisamba Antonio Carlos Magalhães, janeiro 2004

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solicitaram à FUNAIa revisão demarcató-ria e a conseqüenteampliação do territó-rio, visto que pontosimportantes no pro-cesso de ocupaçãohistórica foram dei-xados além dos limi-tes territoriais. Umdos pontos reclama-dos com maior ênfa-se pelos Juruna situa-se na área do entor-no da Cachoeira doPaquisamba, localeste contido no simbólico religioso desses índios.O sítio do Senhor Miguel, marido de Dona MiriamXipaya, próximo da referida Cachoeira é bastanterico quanto aos informes materiais a que se refe-rem os Juruna – trata–se de um sítio arqueológico acéu aberto se assim se pode dizer. Praticamente todaa extensão do terreno que margeia o Xingu estácoberto com fragmentos cerâmicos, muito pro-vavelmente de origem juruna. As gravuras rupes-tres contidas nas rochas que formam a Cachoeirado Paquisamba também informam da presença

secular dos Jurunanaquela região.

Distante cerca detrês horas de Alta-mira, em voadeiracom motor de40Hp, os Juruna doPaquisamba têm napesca um dos pon-tos altos de sua so-brevivência já quecomercializam opescado em Altami-ra ou junto aosbeiradeiros do Xin-

gu, além da pesca do cari já referida. De resto,retiram da agricultura com a plantação de man-dioca, macaxeira, milho, arroz, feijão, batata, etc.a maior parte de sua dieta alimentar. A caça é bas-tante reduzida e se resume a paca, cutia, tatu; ra-ramente se obtém caças de grande porte comoanta, veado mateiro ou porco-do-mato. Tal comoa caça, a coleta também é tida como fonte suple-mentar na alimentação. Muitos deles ora traba-lham temporariamente em fazendas próximas,ora se empregam em Altamira. Com uma popu-lação flutuante que pode alcançar a 100 indiví-duos, os Juruna somam um total de 70 pessoasque residem efetivamente no Paquisamba, dasquais 39 pertencem ao sexo masculino. ManoelJuruna é a liderança para as relações interétnicase as moradias estão localizadas às margens doXingu e de seu tributário, o Igarapé Seco.

Deve-se salientar que, embora o CIMI/Altamiramantivesse até há pouco tempo uma escola na ter-ra Paquisamba, a sua atuação estava limitada às pri-meiras séries do ensino fundamental. Alguns jo-vens, no entanto, deslocam-se para Altamira, resi-dindo em casa de parentes, para completar estafase escolar, e, às vezes, realizar o curso médio.

O contato desses índios com a população regionaldata desde o século XVIII. Anteriormente, por vol-ta da primeira metade de 1600, já tinham sido lo-calizados por regionais junto à foz do Xingu. EstesJuruna são descendentes dos que residiam ao finaldo século XIX, na Ilha Muratá, na Volta Grandedo Xingu, entre as cachoeiras do Juruquá e Paqui-samba. Fortunato, a única liderança Juruna falan-te na própria língua, informa que a ilha de Muratáfoi habitada por sua família até os anos vinte doséculo passado, cuja liderança estava a cargo deMuratú, quando se deslocaram para as proximida-des do Igarapé Dibandá, local onde os contatos com

Santa e Vanda, mulheres líderes da aldeia PaquisambaAntonio Carlos Magalhães, janeiro 2004

Seu Miguel em seu sítioAntonio Carlos Magalhães, janeiro 2004

Cerâmica com pinturas encontrada no sítio de Seu MiguelAntonio Carlos Magalhães, janeiro 2004

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os regionais forammais constantes. To-davia, desde o finaldo século XIX, como ciclo da borrachae também com acaça ao gato do matopara o comércio docouro, atividade estaem muito realizadana região amazônicaaté meados dos anossessenta quando foiproibida por lei fe-deral, esse grupoteve uma maior dis-persão ao longo dasmargens do Xingu eos Juruna passarama ter um convíviomais acentuado comos regionais.

É importante frisar que a terra indígena Paquisambaserá atingida em qualquer das opções que se adotepara a construção de barragens no Rio Xingu. Emoutras palavras, o povo Juruna poderá ter grande par-te de seu território inundado com a formação do re-servatório, ou, poderá vê-lo secar a tal ponto que difi-cultará suas locomoções quer nas proximidades, querem seus deslocamentos a Altamira.

Como se pode observar no mapa acima, as locali-dades situadas próximas à Terra Indígena Paqui-samba são todas elas constituídas por indígenas emcasamentos inter e intra-étnicos entre Juruna, Ara-ra, Kuruaya e Xipaya, ou, com regionais.

2.2. Arara do Maia

Os dados sobre os Arara do Maia ainda são por de-mais incipientes. O único levantamento existentefoi realizado pelo CIMI/Altamira e está afeto quaseexclusivamente à sua população. É provável que se-jam eles descendentes dos Arara-Pariri, sub-grupoArara, com quem os Parakanã, de acordo com Ni-muendajú [1963], entraram em conflito e expulsa-ram da margem esquerda do Rio Iruaná, tributáriodo Rio Pacajá, às proximidades de Portel, em 1910.Nimuendajú, em seu conhecido mapa Etno-Histó-rico assinala a presença Arara entre a margem es-querda do Pacajá e a margem direita do Rio Anapú,no período de 1910 a 1932. Teixeira Pinto [1997],referindo-se aos Arara contatados em meados dadécada de oitenta do século XX, menciona umaárea de ocupação espacial Arara bastante extensa,

em meados do sécu-lo XIX, cobrindo odivisor de águas en-tre as bacias do Xin-gu e do Amazonas,mais especificamen-te desde as margensdireita dos cursosmédio dos RiosTapajós e Amazonasaté o curso médiodo Xingu e especial-mente junto à suaconfluência com oIriri.

Na viagem deCoudreau, ao finaldo século XIX, já setinha informações degrupos Arara mais re-ceptivos ao contato e

de outros que se mantinham isolados. Este viajanteinforma também que esses índios, ou melhor, partedeles mantinha convívios amistosos com os Pena, em-bora estes falassem a língua tupi. De outro modo,Coudreau assinala a suposição encontrada junto aseus informantes de que parte dos Arara habitarianos cursos médio e alto do Rio Curuá, possivelmen-te mantendo contatos amigáveis ou não com negrosali localizados em mocambos.

O nome Maia, hoje incorporado a esses Arara,deve-se ao seringalista que residia numa ilha pró-xima à área que habitam e com quem mantinhamrelações amistosas. A área por eles pleiteada estásituada à margem direita do Rio Xingu, defronteàs terras Juruna do Paquisamba, no município deSenador José Porfírio. Atendendo à solicitação fei-ta por eles, a FUNAI está em processo uma coletade dados que, por suposto, deve reconhecer esteterritório enquanto terra indígena Arara do Maia.

Mulheres da aldeia Arara do MaiaAntonio Carlos Magalhães, janeiro 2004

Mapa 2 - Terra Indígena Paquisamba e Volta Grande do XinguFonte: Dados coletados em campo por Antonio Carlos Magalhães e

Tarcisio Feitosa, com shape file elaborado pelo IPAM.

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Estes Arara estão distribuídos em quatro núcleosresidenciais – Maia propriamente dito, PedroFerraz, Bacajá, e Vista Alegre que abrigam dezesseisfamílias, perfazendo um total de 84 pessoas, deacordo com CIMI/Altamira, e lideradas por Le-ôncio Arara que nasceu na Praia do Dunga e seusavós residiam na ilha Sucuriju, junto ao Rio Bacajá,sendo a avó Juruna e o avô Arara.

Em razão de relações interétnicas freqüentes des-de o século XIX, inclusive mantendo casamentoscom regionais e outros índios, como os Juruna, osXipaya e também com os Xikrin do Trincheira,grande parte da cultura desse Arara se perdeu, oupermanece imersa no esquecimento temporáriode alguns. Hoje, Ananun é o único falante da lín-gua Arara no grupo do Maia e atualmente estácasado com uma índia Asurini do Xingu, residin-do na terra indígena Koatinemo.

2. 3. Índios na Cidade de Altamira e em seu entorno

Neste tópico estão incluídos os índios moradoresem Altamira e aqueles localizados às margens doXingu, notadamente junto à Volta Grande. Tenha-se claro, porém, que a população indígena nãoaldeada não se limita exclusivamente a este espaço– cidade e Volta Grande. Ao contrário, toda a Baciado Xingu, incluindo-se aí, como já mencionado, osRios Bacajá, Iriri e Curuá é historicamente espaçoindígena. Portanto, os dados quantitativos aqui apre-sentados ainda são inconclusivos, até mesmo por-quê há índios que têm dificuldade em assumir asua identidade indígena, em razão do próprio pro-cesso histórico, que, desde os “descimentos” temprovocado a negação da vida aldeã, como tambémem razão do preconceito de que são alvos aindahoje. Deste modo, estimar a população indígenaexistente na região de Altamira ou na região do Mé-dio do Xingu e de seus principais tributários exigemais do que a tradicional estatística aplicada às ter-ras e às populações indígenas aldeadas.

Historicamente, este município, criado a 6 de No-vembro de 1911, através da Lei Estadual nº 1.234,tem suas origens vinculadas às missões jesuítas queobjetivavam a catequese dos povos indígenas, na pri-meira metade do século XVIII. Os primeiros regis-tros históricos foram feitos pelo jesuíta alemão Ro-que de Hunderfund, incumbido pela Companhiade Jesus de trabalhar nos “descimentos” dos índiosde suas aldeias – inaugurando um longo processode relações interétnicas que persiste até hoje. Índi-os das etnias Pena, Takonhyapé, Juruna, Xipaya,Kuruaya, Arara foram sendo atraídos pela atividademissioneira, a partir de 1752, com a fundação da

Missão Tavaquara. Em razão do período pombalino,a partir de 1755, os jesuítas foram expulsos do Brasile com isso interrompida a atividade da missão. Pou-co menos de um século depois, o Pe. Torquato deSouza retoma, por pouco tempo, os trabalhos missi-onários, refundando a missão agora sob o nome deImperatriz. Todavia, os índios “descidos” que se en-contravam em Altamira ou em suas proximidadespassam a prestar serviços à população regional comomateiros, seringueiros, castanheiros, pilotos de bar-co, serviços domésticos, etc.

Coudreau [o.c.], por sua vez, informa que duran-te a sua viagem à região do Xingu, encontrou Al-tamira então um vilarejo em formação, constituí-do de apenas três casas na margem esquerda doXingu, servindo de posto de coleta da seringa e dacastanha. A própria missão jesuíta, instalada na fozdo Igarapé Itaquari já se encontrava extinta, pelasegunda vez, e dela sobravam apenas alguns vestí-gios como a exploração de salsaparrilha junto aoIgarapé Panelas. Por esse período, embora as no-tícias sobre povos indígenas não contatados sem-pre estivessem presentes, é fato também que umcontingente significativo de índios apresentavacontato bastante próximo com os regionais, comoé o caso dos Pena que já estavam dispersos, con-centrando-se uma parte na ilha denominada Ilhados Pena e o restante em perambulação pelovilarejo que se formava, ou, se unindo a outrasetnias. Como visto, parte dos Arara do Pará, cujosdescendentes estão hoje no Maia, também já seencontravam em contato com os regionais, ou,faziam alianças matrimoniais com os Juruna, Pena,e os próprios Xipaya, ao passo que outrosperambulavam entre o Xingu, o Iriri e o Amazo-nas. Depreende-se, deste modo, que desde mea-dos do século XVIII a população regional do mé-dio Xingu esteve sempre envolvida quer com osíndios que já residiam ou visitavam com certa cons-tância o pequeno entreposto de Altamira que seformava com o ciclo da borracha, ou, também comnegros escravos estabelecidos em mocambos5.

Na própria cidade de Altamira, às proximidades doantigo aeroporto, do campus da UFPa., e da pró-pria FUNAI, está localizado o que se convencionoudenominar de “aldeinha”, ou seja, um conjunto decasas habitadas por índios Xipaya e Kuruaya, emsua maioria, sendo que alguns deles ainda falam alíngua materna. Algumas dessas pessoas, não neces-sariamente residindo na “aldeinha”, mas tambémem outros bairros de Altamira, são mencionadascomo aquelas que melhor falam a própria língua ese recordam de certos costumes tradicionais, casode Quirinapani, hoje possivelmente com cerca de

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100 anos, de Paiá, de Maria Xipaya ou Maria do Nãi(referência ao marido), ambas com mais de 70 anose falantes Xipaya e Kuruaya, respectivamente, dePaulinho Kuruaya, dentre outros.

Tal como em épocas passadas, os índios que residemem Altamira e em seu entorno não tem, em sua mai-oria, uma ocupação definida. Mantêm seus roçadosde subsistência às margens de rio e igarapés em lotespróprios ou de familiares, ou nas aldeias Tukamâ(Xipaya), Cajueiro (Kuruaya), Paquisamba (Juruna),e comercializam o pouco que conseguem como ex-cedente. Muitos deles trabalham como piloto de bar-cos, empregam-se em trabalhos domésticos em Alta-mira, outros trabalham na Cooperativa da Body Shop,outros são funcionários ou aposentados da FUNAI edo Funrural, etc. Alguns, porém, conseguiram se for-mar e cursar faculdade e são professores em escolasmunicipais ou estaduais. Há ainda jovens que estãoem Altamira para estudar e ali permanecem, em ge-ral em casa de parentes.

Na verdade, e como acima referido, há necessida-de de que seja realizado um levantamento maisdetalhado acerca da situação indígena específica deAltamira e seu entorno. Os dados aqui apresenta-dos carecem de análise mais acurada e tem o pro-pósito de apenas pontuar a diversidade de situações,podendo-se remarcar que dezenas de famílias cons-tituídas exclusivamente por indígenas, ou, estabe-lecidas em alianças matrimoniais interétnicas, regi-onais incluídos, residem às margens do Xingu, doBacajá, do Iriri, do Curuá. Assim, podem ser deli-mitados, em princípio, três espaços específicos: sedemunicipal de Altamira e arredores, Volta Grandedo Xingu, e terra indígena Tavaquara.

O CIMI/Altamira realizou um levantamento tam-bém preliminar junto à população ribeirinha,mais propriamente na região da Volta Grande do

Xingu, onde constatou a permanência de 82 fa-mílias, totalizando 408 pessoas, conforme tabelaabaixo. Neste levantamento, não há registro es-pecífico sobre a localidade Vila do Galo, ou, comoé mais conhecido Garimpo do Galo. Na verdade,trata-se de um garimpo em transição para ativi-dades agrícolas, constituído pelas famílias que seformaram na região, em seus casamentosinterétnicos com regionais6. Conforme informa-ções obtidas no local, há neste garimpo, cerca de60 pessoas, e uma população flutuante ainda bas-tante alta, que tem na Vila da Fazenda um de seuspontos de articulação sócio-econômica.

Do ponto de vista sócio-antropológico é importan-te remarcar que a partir de 2000, esses índios ini-ciaram um movimento no sentido de resgatar a(s)própria(s) cultura(s), reafirmar a identidade in-dígena e obter formas alternativas de geração derenda que possibilitem melhorias em sua qualida-de de vida. No âmbito deste movimento, foi inici-almente criada a Associação dos Índios Morado-res em Altamira/AIMA, a qual, num levantamen-to preliminar ainda em processo, afirma residir emAltamira entre 1500 e 2000 índios. Além da AIMA,entre os anos de 2000 e 2002, foram também cria-das associações específicas para os povos indíge-nas aldeados, tais como – a Associação IndígenaArikafú, para os índios Xipaya, a Associação doPovo Indígena Juruna do Xingu/APIJUX, referen-te aos Juruna de Boa Vista, a Associação da Comu-nidade Juruna do Paquisamba/ACOJUPA, a Asso-ciação de Resistência Indígena Arara do Maia/ARIAM, e, está em formação a Associação Indíge-na Kuraê, referente aos índios Kuruaya.

Na tabela abaixo7, apresenta-se o resultado preli-minar da população indígena na Volta Grande doXingu, a partir de dados levantados pelo CIMI8.

Tabela 2: População Indígena –Volta Grande do Xingu

Local Famílias Moradores

Beira do Xingu 14 75

Comunidade Oca 03 13

Comunidade Ig. Itatá 03 13

Comunidade São Pedro, Ig. Arroz Cru, Km. 27 da Transamazônica 09 51

Povo Indígena Arara do Maia 16 84

Ilha da Fazenda 34 159

Ressaca e Arredores 03 13

Garimpo do Galo 10(?) 60

População Total – 468Obs.: extraindo-se a população referente ao Povo Indígena Arara do Maia, já computada na tabela 1,tem-se um total de 384 pessoas.

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2.3.1. Terra Indígena Tavaquara

É este o nome pelo qual os índios nomeiam umaárea de aproximadamente 800 ha (2km X 4km),onde se inclui a praia do Pajé, um balneário du-rante o verão amazônico, situada junto aos atuaisbairros São Sebastião e Independente I, à margemesquerda da rodovia que interliga Altamira ao ae-roporto. Na verdade, estes dois bairros somadosao Independente II, situado à margem direita dessarodovia, têm grande parte da sua população for-mada por indígenas de diversas etnias - além dosXipaya, Kuruaya, Juruna, há famílias Kayapó,Munduruku, Canela, etc.; pode-se dizer, sem qual-quer dúvida, que se trata de uma aldeia urbana.

Adalberto da Prússia [1977], que esteve no Brasilem 1842, também assinala a presença indígena,principalmente da etnia Juruna, neste local deTavaquara, onde, como referido, foi erguida a sededa missão jesuíta Tavaquara. Não raro, ao se esca-var o local, são encontrados panelas e cacos decerâmica – uma serraria ali existente o fez há pou-co tempo, encontrando fragmentos de uma pane-la que se encontra na loja da FUNAI em Altamira.Tal fato desvela a necessidade premente da reali-zação de estudos arquelógicos no local.

Desde 2000, a Associação dos Índios Moradoresde Altamira/AIMA tem como um de seus objeti-vos o resgate desta área. Reconhecida como terraindígena (a exemplo das Praia do Indio e Praia doMangue, em Jacareacanga; Terra IndígenaGuarani, em Guarulhos/SP), a proposição é criaro Centro de Vivência Cultural Indígena/CVCI quepossibilitará além da criação de oficinas diversas(confecção de artesanato, resgate da memória cul-tural, sede das associações indígenas, etc.) tambéma criação de um centro educacional, reconhecidopela Secretaria Municipal de Educação, evitando-se assim o constrangimento e o desconforto dopreconceito de que são alvos os alunos do ensinomédio, nas escolas regulares.

2.4.Juruna da Terra Indígena Boa Vista

Além dos Juruna do Paquisamba, um outro peque-no grupo dessa etnia, constituído por 58 pessoas,se formou ao longo dos anos através de casamen-tos com regionais. Residem num lote de 50 ha.,no município de Vitória do Xingu, às margens deRodovia Ernesto Acioly que liga este município aAltamira, na terra indígena denominada Boa Vis-ta, ainda não reconhecida pela FUNAI. Praticama agricultura com o plantio de mandioca,macaxeira, arroz, milho, melancia, mamão,jerimun, etc., e criam algumas cabeças de gado; a

caça é bastante reduzida e a praticam em pontasde mata às proximidades da estrada, resumindo-se àquelas de pequeno porte – paca, cutia, tatu –as de grande porte são raras. Hoje, esses Jurunademonstram grande interesse na piscicultura, pro-curando aproveitar um remanso que naturalmen-te se forma nas águas xinguanas junto ao lote. Sãoliderados por Maria Cândida Juruna que presidea Associação do Povo Indígena Juruna do Xingu/APIJUX. A sua mãe, Francisca Lemos Juruna, eraa matriarca do grupo até seu falecimento em 2002.A mãe de Francisca Juruna, Clotilde Juruna, per-tencia ao grupo liderado por Aramacu Juruna, paide Arikati Juruna, mãe de Clotilde. Aramacu e seugrupo residiam próximo a ilha de Muratá. Expul-sos daquela região pelos Xikrin do Bacajá, o gru-po de Aramacu começou a vagar entre os Rios Xin-gu e Iriri, tendo início a saga desses Juruna. Clotil-de acabou casando com Tiago de Souza, pai deFrancisca, que nasceu no alto curso do Rio Cateté,tributário do Iriri, no início do século XX. Em fugaconstante dos Xikrin e de seringueiros, uma partesubiu o Xingu e, de acordo com Maria Cândida,hoje se encontra no Parque Indígena do Xingu.

Anos mais tarde, Francisca casou-se com PlácidoMachado, seringueiro vindo do Maranhão, comosoldado da borracha. Estabeleceu o seu própriobarracão próximo ao Iriri, por volta de 1932 e comele trabalharam vários índios. Com a crise da bor-racha, abandonou o local e se deslocou para Alta-mira, no início dos anos cinqüenta. Neste períodoadquiriu um lote de 1.500 ha., local em que hojevivem. No entanto, com a morte de Plácido gran-de parte das terras foi vendida e hoje vivem nolote de 50ha.

ConclusõesA história da implantação de grandes projetos naAmazônia, qualquer seja ele, hidrelétricas, estra-das, hidrovias, etc. tem mostrado que a transfor-mação espacial não se limita apenas ao espaço físi-co, mas incidem diretamente sobre as relações so-ciais historicamente construídas. Vale dizer, queapenas a notícia do empreendimento já ésinalizador de tais transformações.

No caso dos Povos Indígenas, impõe-se conside-rar que está-se tratando do espaço herdado, histo-ricamente produzido no conjunto das relaçõessociais, ambientais e econômicas, sendo o enten-dimento destas relações fundamentais para se pen-sar a sustentabilidade destas sociedades. Qualquerque seja o espaço a ser “projetado”, conforme sali-entam Soja [1980] e Sacks [1986], não há

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Riosinho do Anfrísio, o que poderábeneficiar a população regional aliexistente; para maiores detalhes, v. ar-tigo de Tarcisio Feitosa, neste volume.4 Ao que se supõe são pequenos gru-pos de índios Kayapó; no entanto, al-guns índios Kuruaya informaram, em1998, terem visto vestígios de índiosoutros, não contatados, às proximida-des da aldeia Cajueiro, (i.p. 1998).5 Em Vitória do Xingu e Gurupá, exis-tem grupos de negros reunidos em ter-ras quilombolas.6 Caso de Jair Alves Filho e de sua irmãJeane, filhos de Judith Xipaya que foi ca-sada com “Nêgo Né”, proprietário de um

Notas

1 Note-se que não estão computadosos índios Kayapó residentes nas TerrasIndígenas Kayapó, Mekrãgnoti,Badjonkore e Baú, como também osPanará – estimados em cerca de 6.300pessoas, para os Kayapó e em 202 paraos Panará, cf. ISA (2000:12); estes ín-dios são atendidos por outro DistritoSanitário Indígena.2 Se se quiser ser mais rigoroso, ter-se-ia para os povos de língua tupi: Kuruaya,família munduruku; Xipaya e Juruna,família juruna; Parakanã, Araweté,Asurini do Xingu, família tupi-guarani,cf. Rodrigues, A. (1964:99ss.).3 Recentemente, foi criada a RESEX

açougue em Altamira. Jane Xipaya, outrafilha de Judith reside na Ilha da Fazenda.7 Assinale-se aqui que somados estesíndios à população indígena aldeadater-se-á cerca de 4.332 índios na regiãode Altamira.8 As informações sobre a população daVila do Galo estão apenas estimadas eminformações coletadas no local, quan-do, em janeiro de 2004, realizamos, emcompanhia de Tarcisio Feitosa, umabreve viagem à Volta Grande do Xin-gu, aos Juruna do Paquisamba e aosArara do Maia; pode-se, então, confir-mar a necessidade de se prosseguir olevantamento até aqui realizado

preterição possível das relações interétnicas e intra-étnicas assim como dos diversos processos sociaisdesencadeados a partir delas. A região do médioXingu destaca-se pela sua importante diversidadecultural e pela potencialidade de resgate culturale identitária que a sua história enseja.

Qualquer análise sobre as conseqüências de umempreendimento da envergadura de Belo Montenão pode se restringir a uma perspectiva estática

que radiografe o momento atual. É necessárioconsiderar a virtualidade dos processos que a his-tória e o atual momento político vivido pelos pró-prios povos indígenas podem desencadear. Istosignifica dizer que o simbólico ato de Tuíra, noevento de 1989, pode ser re-editado não comometáfora, mas como uma ocasião de constituiçãoe reconhecimento de sujeitos políticos, cultural-mente distintos.

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Capítulo 11Dias de incertezas: O povo de Altamira diante do engododo projeto hidrelétrico Belo MonteReinaldo Corrêa Costa

“Lembramos ainda, Senhor Presidente, que nosso povo etodo este patrimônio arqueológico está sob freqüente amea-ça de ter estas terras inundadas pelos reservatórios da UHEde Belo Monte, que faz parte do projeto das hidrelétricas norio Xingu”.

Carta de Manuel Juruna (líder da aldeia Paquiçamba) aopresidente da Funai. (setembro de 2000).

Está na agenda propagandística a falácia dos ditosprojetos desenvolvimentistas para o Brasil. A mai-oria envolta em discussões acaloradas e controver-sas, sendo que muitos atiçam os interesses dinhei-ristas de empreiteiras (nacionais e estrangeiras), epolíticos apedeutas. Ao defenderem seus interes-ses particulares e eleitoreiros aparecem os mais fan-tásticos argumentos desintegrados e obtusos da re-alidade do espaço total da obra vitimado pelos pro-jetos, tais argumentos são uma panóplia publicitá-ria que tem como objetivo confundir o entendi-mento da mídia responsável e impelir os governan-tes sérios e responsáveis ao equívoco, levando-seem consideração que raramente os governantestêm inteligência, intelecto e competência técnico-científica para arbitrar/decidir em uma avaliaçãodecente dos impactos (negativos e positivos) dasobras em questão. Neste ponto vale citar as pala-vras de Ab’Sáber (2004: 24).

“Nos últimos 20 anos, os governos que se sucederam têm sidopressionados a iniciar a implantação de velhas ou novas idéiase projetos não respaldados por corretos e honestos estudos deprevisão de impactos, elaborados por equipes independentes.

Nesse sentido é muito bom lembrar que, em diversos casos,empresas interessadas, depois de produzirem seus projetostécnicos, encomendaram o estudo de previsão de impactostotalmente a favor de sua aprovação. Em alguns casos, de modoantiético e criminoso, selecionaram os eventuais argumentosde uma equipe formada por pesquisadores de diferentes áre-as do conhecimento, compondo o ‘relatório final’ ao seu modoe favorecimento. Fato que esvaziou a seriedade dos EIA-Ri-mas, legalmente exigidos para respaldar projetos de grandeporte”.

Um autoritarismo latente da ELETROBRÁS, quepor meio de sua filial regional, vem tentando hádécadas fazer um outro enclave territorial de im-pactos negativos na Amazônia, em especial na ba-cia do Xingu, com base no poder do terror de Es-tado, pois a ELETRONORTE é uma estatal, e usarecursos públicos para propagandear o empreen-dimento com antigas e aliciadoras promessas deprogresso e desenvolvimento com base apenas naprodução de energia elétrica, os alvos são os pre-feitos e vereadores dos municípios atingidos, comas já tradicionais promessas de apoiar em infra-estrutura, e isso usando recursos públicos inclusi-ve ao buscar apoio de madeireiras, latifundiários,ávidos por lucros rápidos.

O susto do racionamento de energia em 2001 e otemor do “apagão” fazem da propaganda da esta-tal uma tática de terror, pois se criou um clima decrise energética que só será resolvida com a cons-trução das hidroelétricas no Xingu e, quem for

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contra esse empreendimento é taxado de atrasa-do, anti-progresso entre outras coisas. Ante a idéiade “apagão” grupos que lucrarão de diversas for-mas com a obra, que dizem que é para o desen-volvimento nacional, sendo que eles se sentem ese julgam o nacional e constroem uma falsadicotomia entre os pró e anti-progresso nacional,dizem que recurso sem uso é prejuízo para a so-ciedade nacional, principalmente na geopolíticade mercados. Ideologizam um forte apelo emo-cional para as classes médias dos centros urba-nos despreparados de capacidade de questiona-mento. Alguns pagarão a conta do “apagão” soci-al e ético que não provocaram.

A novidade é que agora se tem um “Plano de In-serção Regional” da obra de Belo Monte (http://www.belomonte.gov.br/menu.html, em 10-10-04), quenada mais é do capacitar empreendedores paraatividades de mercado após o fim da obra, portan-to a lógica é de mercado e não social. As hidroelé-tricas na Amazônia brasileira não são empreendi-mentos modelo de desenvolvimento na Amazônia,veja o exemplo de Tucuruí (PA).

As hidroelétricas na Amazônia são enclavesterritoriais do capitalismo que geram caos social edanos ao meio ambiente e que só aumentam a de-sigualdade entre ricos e pobres e alimentam a con-centração de terras nas mãos de poucos e expul-sam índios e camponeses de suas terras ancestraise tradicionais e geram favelas com aqueles ex-ope-rários que ficaram desempregados após a conclu-são da obra.

No quadro da geopolítica mundial a água docetem um papel crescente como recurso hídrico,principalmente na lógica dos mercados, quando éencarada como commodities, o que é um pontologístico daquele que detêm grandes bacias hidro-gráficas, como o Brasil, portanto, barramentosdevem ser pensados com muito cuidado, princi-palmente se forem de interesses privados.

Faz-se necessário salientar que, infelizmente, ashidroelétricas afetam uma área de grande impor-tância, a beira dos rios, o vale dos rios, isso podeparecer uma tautologia, mas ao aprofundarmoso assunto com a devida seriedade, veremos quesão nessas linhas (as margens dos rios) que é ondevivem as pessoas, onde se estabelecem vilas e ci-dades como Altamira (rio Xingu), Belém (baíado Guajará), São Paulo (entre rios Pinheiros eTietê), Paris (rio Sena), Londres (rio Tamisa),Nova York (rio Hudson), entre outras aglomera-ções humanas dos tamanhos mais variados, queestão e nasceram às margens de seus respectivos

cursos fluviais.No caso em questão acrescenta-seainda que “o maior problema é o das terras indí-genas, que ultrapassa o aspecto social e envolve ocultural e ético” (ROSA: 1989: 2). Tratando-se debarragens de hidroelétricas, “a regra geral é oefeito desastroso e destruidor”.(ROSA: 1989: 8).E não é um plano de marketing que acabará oureduzirá as dores e os sofrimentos causados pe-los atingidos.

Protagonistas Sociais: um conflitoPara entendermos o que significa para os grupossocais a ação de um enclave territorial, temos quecruzar as informações disponíveis com a realida-de da situação social da região central do Estadodo Pará, polarizada pela cidade de Altamira.

As informações fazem-se necessárias ainda que ofoco central das análises seja uma expressão dehumanidade sofrida do interior brasileiro. Para aárea em questão estou denominando de eixoXingu-Transamazônica. Nas margens do rio Xingué que os primeiros contingentes humanos chega-ram e se estabeleceram, os paleo-índios, depois osíndios e posteriormente os ribeirinhos.

O momento em que houve a situação de contato,prejudicial aos índios, e de subordinação dos ribeiri-nhos aos donos de terras em uma estrutura agráriaexploradora baseada nas drogas do sertão (andiroba,copaíba, castanha-do-pará, entre outras) e posterior-mente na borracha/látex. Na década de 70 do sécu-lo XX, com as políticas públicas territoriais do gover-no ditatorial, foi construída a rodovia BR-230, a Tran-samazônica, que trouxe em seu projeto a coloniza-ção oficial, para evitar uma reforma agrária, e na si-tuação de fronteira traz consigo também os latifun-diários. A cada cinco quilômetros, mais ou menos,uma estrada (ramal) de penetração, conhecida lo-calmente devido ao caráter ortogonal por Travessão,onde houve os assentamentos de colonos, de gru-pos, geralmente de camponeses sem terras de quasetodos os pontos do País.

O projeto de colonização foi melhor estruturadoao oeste de Altamira, onde se encontram terrasmais propicias para os cultivos de mercado, do ladoleste dessa cidade, e com solos não tão férteis parao mercado, houve uma ocupação nos mesmosmoldes do projeto oficial e que depois foigerenciado pelo governo, do outro lado do Xinguna área conhecida como assentamento Assuriní,houve ocupação, porém sem o posterior gerencia-mento dos órgãos do governo, pois não estavamna faixa da Transamazônica.

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Dos moradores mais antigos do rio Xingu e dosnovos moradores que chegaram com a Transama-zônica, configurou-se o que denomino de eixoXingu-Transamazônica. Um exemplo de duas for-mas de territorialidade, uma ribeirinha e outrainterfluvial. Nesse processo, a cidade de Altamiraconsolida-se como o centro urbano referência paraqualquer grupo social. A polaridade de Altamiraaprofunda-se com os incrementos de serviços ur-banos instalados.

Uma diletante pseudoquestão, em que alguns téc-nicos, políticos, acadêmicos caíram, e a respeito doprojeto CHX (Complexo Hidrelétrico do Xingu),se este complexo não afetava todo o Xingu, esque-cem qual é a escala da bacia hidrográfica, esque-cem dos afluentes como o Bacajá, o Bacajaí, o Itatá,o Ituna e o Paquiçamba, entre outros, tão impor-tantes quanto o próprio rio principal. Isto significaque em cada afluente, independentemente de suaordem de grandeza (1º, 2º, 3º...) existem gruposindígenas, ribeirinhos, vilas e povoados, sendo queo adensamento populacional é maior no eixoXingu-Transamazônica, donde estão incluídas as ci-dades de Altamira e de Vitória do Xingu, onde está

Belo Monte, é uma questão trans-municipal, poisainda envolve o município de Senador José Porfírio,que é descontínuo territorialmente. Pettená (1980)menciona sete hidroelétricas para o Xingu(Gorotire, Kaiapó, Carajás, Babaquara IA, Babaqua-ra III, Juruá e Kararaô) e duas para o Iriri (Iriri eCarajari).

Há que se diferenciar entre Política Pública e Po-lítica Governamental, sendo que está pode conteràquela ou ser apenas direcionada para vantagense privilégios para determinados grupos sociais e/ou setores da força produtiva instalados no País. Apolítica governamental não pode ser analisada sim-plesmente pelo vetor temporal do antes e do de-pois, no máximo até o início das obras. O durantee o depois são questões que não podem ser anteci-padas, pois poderão ocorrer embargos judiciais,greves, falta de financiamentos, desvios de verbase outros motivos de paralisação, muito comuns noBrasil, principalmente os dois últimos e isso não éfactível de adivinhação. A previsão de impactos sim,essa é de caráter metodológico, é uma arte/ciên-cia que poderá ser usada para a compreensão/pre-visão de processos e nisso inclui o estudos de casos

Protesto Altamira 2002, MDTX

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históricos em semelhantes condições, esse cotejocom situações do passado é necessário e obrigató-rio para a profundidade do caso em sua peculiari-dade local, linear, areolar governamental, ideoló-gica entre outras, e ainda que os planos sejam paraa bacia do Xingu é na Volta Grande que dever-se-ão fincar os direcionamentos básicos das análises,pois é nela que estão os planos mais avançados eonde se concentra a maior parte do conjunto soci-al da bacia do Xingu.

O momento é marcado fundamentalmente peladesinformação, sejam verídicas ou como “corti-na de fumaça” para camuflar uma situação as maisdiversas. No escala da Eletronorte, Eletromortepara os atingidos por barragens, há um laconismotácito de ampla ideologia do desenvolvimento,com base no poder da propaganda via rádio,outdoors, apoio às festas carnavalescas, entre ou-tras. Nos bastidores sabe-se que há umenvolvimento de advogados, políticos, empresá-rios, mas, claramente não se tem informações con-cretas a respeito dessas reuniões que não são edeveriam ser tornadas públicas, pois envolve avida de diversas pessoas, o que comprova o cará-ter de política governamental para um enclaveterritorial do capitalismo.

A propaganda enfatizando o tão desejado desen-volvimento social como o CHX, tem boa aceitaçãoem alguns grupos, o histórico da área contribuipara isso, pois no período da Fronteira, com a che-gada da Transamazônica e dos projetos oficiais, odiscurso era o mesmo e o progresso não veio, alia-se isso ao fato do boato e asfaltar a BR-230. Emregião carente e com a sensação de isolamento eatraso o apelo oficial é bem recebido nos setoresmais variados, porém desprovidos de massa críti-ca, que acreditam que com os royalties (uma espé-cie de compensação por danos ambientais, comose isso fosse possível) e o aumento na populaçãolocal haverá um incremento significativo no comér-cio com aumento de fluxo de capital, isso ocorre-rá, mas não na escala de economicidade dos co-merciantes altamirenses. Esquecem que com asempreiteiras virão de fora, com o apoio do Estadoe com força muito maior, os grandes grupos co-merciais que poderão levar à falência o comérciolocal, causando um dano à estrutura social.

No “Cenários Sócio-Econômicos da Região Pola-rizada pela Futura UHE Belo Monte e Sistema deTransmissão Tramo-Oeste”, são apresentados os“principais atores sociais identificados na região,distinguindo três grupos: os atores internos à re-gião, os atores externos à região, e os atores de

interface, por situarem-se entre os dois.” (Eletro-norte, p.36). Como atores internos o “Cenários...” diz: 1- Comunidades Indígenas, 2- GrandesProprietários Rurais, 3- Pequenos e Médios Pro-prietários, 4- MDTX (Movimento pelo Desenvol-vimento da Transamazônica Xingu), 5- Empresá-rios urbanos e 6- Trabalhadores Rurais. Comoatores de interface: 1- Movimentos Religiosos, 2-Madeireiros, 3- Militares e 4- Organizações ambi-entalistas e indigenistas. Como atores externos:1- Comunidade científica, 2- Organismosfinanciadores internacionais, 3- Empreiteiras, sen-do que neste último temos: “Contraventores, vá-rios grupos de interesse atuam na chamada eco-nomia da contravenção, compreendendo o tráfi-co de drogas e o contrabando, incluindo a bio-pirataria.” (p.37). O curioso - ou ato falho destedocumento - é que a própria Eletronorte não éidentificada em nenhum grupo de atores, muitoembora esteja próxima dos grandes proprietári-os rurais, dos empresários urbanos, dos madei-reiros, dos organismos financiadores internacio-nais, das empreiteiras.

Esse movimento pró-hidroelétrica é polarizadopela ACIAPA (Associação Comercial IndustrialAgrícola e Pecuária de Altamira). A Eletronortetrabalha com empenho para divulgar um fantásti-co Plano de Inserção Regional programado parao período de construção da obra e após o términoda obra com o intuito de inserir o entorno aoenclave do CHBM, e não o contrário, como seriao mais sensato, incluir o projeto à realidade dosgrupos sociais envolvidos.

Para aqueles que serão, esperemos que não, viti-mados pela política governamental formadora doenclave do CHX (e a palavra na ‘complexo’ cabepara várias dimensões) existe um vetor deaglutinação, de re-existência social à referida po-lítica que é o MDTX (Movimento de Defesa daTransamazônica e Xingu), que polariza diversasorganizações sociais como sindicatos de trabalha-dores rurais, associações de pequenos produto-res, entre outros.

Um dos focos de resistência é a descrença no CHX,isso é enfatizado pelo histórico da Eletronorte, peloseu passado de desconsiderar nos seus projetos aspopulações regionais, vide os exemplos de Balbi-na (AM), Samuel (RO) e principalmente de Tu-curuí (PA) de onde veio à energia elétrica, via tra-mo-oeste, não para as populações da Transamazô-nica e oeste do Pará e sim para possibilitar a for-mação do canteiro de obras do Complexo Hidre-létrico Belo Monte.

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Durante o período de estudos de viabilidade aEletronorte fez incursões em lotes, sem pedir au-torização dos proprietários, em lotes de campo-neses dos travessões, abrindo picadas no meio damata, marcando árvores, colocando placas comnúmeros, causando um temor nos moradores quenão sabem como proceder ante essa invasão depropriedade. Essa arrogância da Eletronorte ematuar sem democracia e transparência em seusatos faz com que alguns com um pouco dos seussofridos proventos comprem terras no municí-pio vizinho de Anapu, como garantia de que seperderam suas terras terão onde se refugiar e con-tinuar a vida, acontece que está ocorrendo umaumento no preço das terras que era baixo e coma procura está subindo. Isto pelo temor de fica-rem sem uma justa indenização e perderem suaslavouras, o espaço pelos mais variados caminhostorna-se mercadoria.

Outra questão é uma falsa problemática da ideo-logia da Eletronorte, é que aqueles que estão naVolta Grande do Xingu, do ponto da barragematé o ponto onde está a casa de máquinas (turbi-nas) em Belo Monte, como ribeirinhos e índios,não serão afetados pelo CHX. A questão dos im-pactos não deve ser pensada em termos diretosou indiretos, pois esse raciocínio leva ao equívo-co de pensar em o que significa cada um, porexemplo, a área Paquiçamba é de impacto diretoou indireto conforme o atual projeto? Aquelesque terão que deixar suas casas são de impactosdiretos ou indiretos, se no próprio projeto existeum remanejamento? É preferível por questõesmetodológicas de análise pensar em escalas deimpactos, sempre fazendo um cruzamento entreos impactos sociais e naturais, pois estes gruposnão são dissociados da natureza em seus modosde vida.

Dessa forma quantomais pessoas e gru-pos sociais diferenci-ados existem emuma área, mais com-plicadores sociais enaturais aparecem.Assim o eixo Xingu-Transamazônica(EXT) por ser a áreade maior concentra-ção humana em di-ferentes escalas soci-ais e terrestres deveser o principal focodas pré-ocupações,

ainda que a bacia do rio Xingu seja o alvo de pla-nos e projetos de barragens, pois se na área commaior concentração humana passar a hidrelétri-ca, que dirá de áreas com menor concentração? Oconjunto da Geração Xingu (Xingu, Iriri e Bacajá),assim como os setores oeste e leste do EXT, tam-bém serão afetados pelo CHX.

Nesse conjunto de situações, acrescenta-se que umgrupo de Altamira recebeu verbas para financia-mento de projetos ditos agropecuários, pelaSUDAM, e desviou o dinheiro para fins pessoais ealheios ao plano oficial, tal desvio foi amplamentenoticiado pela imprensa e este grupo, segundo al-guns, tem em seu corpo alguns dos que são a favordo CHX para “esquentar” transações comerciais efacilitar a lavagem de dinheiro.

Na atual situação um dos elementos que alimen-ta a tensão é o boato, categoria social e políticaque só encontra campo fértil onde não infor-mação suficiente e/ou não existe consciênciasocial crítica.

Entre os diferentes grupos sociais temos que ana-lisar em que nível o diálogo acontece. Como fala-mos de relações de poder, não podemos aceitarque a conversa seja como se fossem em igual forçaíndios e camponeses com a Eletronorte, esta é deuma força hercúlea (política, financeira, jurídica,entre outros atributos) se comparada com os doisprimeiros, pois é uma estatal barrageira.

Os outros dois são grupos que historicamente sãodes-assistidos, abandonados e atacados pelos im-pulsos de desigualdade social no Brasil, são frágeisante um poder secularmente consolidado. Portan-to, tem-se que ter outros mediadores no processodo diálogo, não só com instituições do Estadocomo a FUNAI, deve-se acrescentar outros, inclu-

sive não-estataiscomo o MDTX, queé uma importantefração da sociedadecivil organizada. Aprópria aceitação detrabalhos indepen-dentes deve ser colo-cada na pauta de dis-cussão do processodecisório e a Eletro-norte não deve enão pode ser a úni-ca organizadora dosfóruns de discussão,este espaço deve seraberto também para

Morador da Volta Grande,Monti Aguirre/IRN

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as universidades, o ministério público, o MDTXentre outros.

Deve-se lembrar que na realidade brasileira nãosão somente índios e camponeses e os espaços her-dados da natureza que serão afetados, haverá mas-sas de imigrantes que não conseguirão emprego,haverá grilagem de terras para especulação o quejá está acontecendo nos arredores de Altamira ede alguns travessões próximos desta cidade.

O EXT é territorializado por diferentes grupossociais, notadamente em quatro grandes compo-sições: os camponeses da Transamazônica, campo-neses ribeirinhos, os índios e o conjunto peri-ur-bano da Ilha da Fazenda, onde se tem umacorrutela dos garimpos, conhecida como Ressaca,pela sua posição à margem direita do Xingu emum ponto em que o rio fez uma espécie de baía/angra, que localmente é denominada de ressaca.

AtingidosNo conjunto dos atingidos pelo CHX como os cam-poneses (dos travessões da Transamazônica e ri-beirinhos), índios (Juruna , Arara, Xipaia ...), oshabitantes do vilarejo Ilha da Fazenda/Ressaca egarimpeiros, além dos habitantes da cidade de Al-tamira, a relação existente entre esses diferentesgrupos, opósitos um ao outro ou não, a luta porterritorialidade é continua e, com o boato/inse-gurança provocado pela Eletronorte, poderá agra-var as condições desses grupos principalmente como contato com os funcionários/operários doCHBM, aproximadamente 20 mil, em vários pon-tos do eixo Xingu-Transamazônica . O contato épermeado com a chegada de contingentes de pes-soas que não conseguirão emprego nas obras eaumentarão os problemas sociais como prostitui-ção, crescimento da violência (roubos, assassina-tos ...) e crescimento de mendicância nas prová-veis corrutelas que se formarão.

No processo de construção da rodovia Trans-Assurini, da Ilha da Fazenda/Ressaca atravessan-do o assentamento homônimo, até as margens doXingu, onde se tem a balsa que leva a Altamira,terá a tendência para aumentar o desmatamentolinear, acompanhando a estrada e posteriormentecom travessões, fazendo as “espinhas de peixe”,como na Transamazônica, e uma especulaçãofundiária, luta pela terra, transtornos sociais, issoem uma área onde a Questão Agrária não está re-solvida. Tanto na Assurini quanto nos trechos queserão alagados, qual será o processo de desmata-mento? No machado/moto-serra? Na queimada?Tordon ? Esse é um exemplo de que não é só a

economia que está mundializada, os impactos ge-rados nas hidroelétricas aumentarão o máximo deáreas desmatadas e com as hidroelétricas cresce aemissão de gases de efeito estufa com impactomundial, e quem sabe alguma retaliação por da-nos ambientais por alguma grande potência eco-nômico-militar, “a maioria da liberação de CO2

acontece na primeira década depois de completara barragem” (FEARNSIDE: 57: 2003).

A situação não pode ser adivinhada, porém, comuso da previsão de impactos algo pode ser feito; otristemente clássico exemplo de Tucuruí ainda éválido, e com base nele sabemos o que não deveser feito, exemplo disso, em uma cidade que nãotem tratamento do lixo urbano, como será o pro-cedimento com um acréscimo populacional de nomínimo 20 mil pessoas produtoras de lixo e deáguas servidas? Qual o destino desse lixo e domaterial de descarte da construção? Será o Xingue seus igarapés?

No Relatório de Impacto Ambiental do complexohidrelétrico de Belo Monte em suas Conclusões(p.65) está um pouco da insegurança e incertezado projeto.

“Ainda há questionamentos sobre os benefícios econômicose sociais que sua construção trará para a região dos municí-pios da Volta Grande do Xingu, sabendo-se que impactosambientais negativos certamente ocorrerão. Dependendo dasmedidas corretivas e complementares a serem tomadas, o em-preendimento poderá criar ou não oportunidades ao desen-volvimento local. O Complexo poderá ser uma excelenteoportunidade para ativar a economia local e ao mesmo tem-po promover a melhoria de qualidade de vida, ou poderátrazer apenas crescimento econômico para alguns setores,mas aumentando os conflitos sociais e ambientais”.

Prevalecem as incertezas sobre o badalado proje-to para a área mais povoada do vale, o que seráentão para áreas menos povoadas o enclave abso-luto e a concentração dos proventos econômicose políticos por uma minoria?

No livreto da Eletronorte intitulado ComplexoHidrelétrico Belo Monte e sua Inserção Regional(sem informações bibliográficas) no tópico “Osimpactos diretos”, diz o seguinte:

“O levantamento preliminar da população diretamente atin-gida pelo reservatório, que precisará ser remanejada, indicaaproximadamente duas mil famílias na área urbana deAltamira, 813 na área rural de Vitória do Xingu e 400 famíli-as ribeirinhas”.

Isso significaria que mais de 16.000 pessoas den-tro da área de inundação estarão atingidas. Estacifra parece ser uma revisão de dados no EIA daFADESP:

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Quadro 1- População rural e ribeirinha estimada para remanejamento

Condição em relação ao CHE Localidade/núcleo Domicílios PopulaçãoBelo Monte (1) estimada

Área rural 356 1547

São Raimundo Nonato 58 241

Santo Antônio 25 116

Santa Luzia 54 237

São Francisco de Chagas 31 161

Sagrado Coração de Jesus 13 67

Total ou parcialmente inundadas São José 15 66

Boa Esperança 20 88

São Francisco de Assis 63 259

Vila Rica 21 68

Bom Jardim 20 87

Terra Preta 36 158

Área ribeirinha 61 307

Paratizinho 9 32

Paratizão 14 66

São Lázaro 7 43

Palhal de Cima 8 58

Palhal de Baixo 5 26

Ilha Taboca 7 31

Santa Luzia 11 51

total (1) 417 1854

Isoladas Área rural 417 246

Santa Terezinha 39 167

Bom Jardim II ( Goianos) 17 79

total (2) 56 246

TOTAL GERAL (1 +2) 473 2100

(1) Estimativa UFPA, para 2001Fonte: EIA, versão preliminar, Eletronorte

Quadro 2 – Estimativa da população residenteno entorno dos alagadiços de Altamira.

Área Urbana de Altamira Unidades Habitacionais População Estimativa

Igarapé Ambê 905 4 735

Igarapé Altamira 648 3 389

Igarapé Panelas 8 38

Sub-Total 1 561 8 162

Fonte: EIA, versão preliminar, Eletronorte

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CamponesesPara os camponeses dos travessões da BR-230, noEXT, todos serão afetados em diferentes escalasde impactos. Desde aqueles que terão, quiçá issonão aconteça, que terão de sair de seus lotes, atéaqueles que ficarão cerceados, enclausurados pelabarragem e pelos canais que desviarão a água atéBelo Monte.

Algumas a serem pensadas em diferentes escalas deprofundidades de tempo futuro e de atualidade;

1) Os que terão de sair, irão para qual lugar? Estenovo lugar será conseguido como? Será discu-tido com os expulsos o novo lugar de cada um?Como será a documentação oficial do no lote?Terão apoio para as novas roças ou começarãodo zero? Terãocondições natu-rais próximas aodo atual lote?Qual será o crité-rio de indeniza-ção? Será consi-derado o traba-lho territorializa-do no lote em for-ma de plantações,as mais diversas,cercas, casa, cur-ral, poços, etc.? Oque será feito da-quilo que foi plan-tado? E se forma-rem ilhas nos pon-tos mais altos do relevo, como aconteceu em Tu-curuí, quem será o proprietário delas?

2) Para aqueles que ficarão, cercados pelo enclave,como será continuidade de seus modos de vida?Como escoarão a produção, pois com a obratransporte/circulação será intermodal, do loteao rio (terrestre), atravessar o rio (fluvial), pelaTrans-Assurini até o rio (terrestre), depois atra-vessar o Xingu até Altamira (fluvial), mais otransporte do porto até o comprador; isso en-carecerá o valor dos produtos fragilizando-osna relação mercadoria-dinheiro-mercadoria (M-D-M), existente no circuito econômico comer-cial a que fazem parte. Terão apoio governa-mental ou não para a continuidade da repro-dução social da vida? Como ficará a questão dospequenos cursos d’água e das águas subterrâ-neas? Vale lembrar que nessa área existe umaconsiderável cultura de cacau como divisa eco-nômica para o Estado do Pará.

O campesinato tem toda a sua produção escoada,via travessões até a Transamazônica e segue rumopreferencial para Altamira. Nos lotes, onde já exis-tem vínculos, inclusive de parentesco e compadrio,e de conhecimento com os espaços herdados danatureza territorializados em cada unidadeterritorial familiar. Vale ressaltar que há um assen-tamento do INCRA no travessão 27, próximo aoigarapé Paquiçamba que foi oficializado há apro-ximadamente 2 anos, e tem-se uma questão, nemchegaram e terão de sair ? Poderá haver uma frag-mentação social, enfraquecimento político do gru-po, pois desarticular-se-ão as escolas, os postos desaúde, o centro comunitário, as relações sociaisentre outras.

A ideologia do CHX provavelmente criará, nomínimo, duas pseu-docategorias, umados que não serãoafetados pela obra,aqueles que ficarãocerceados/cercadose os que serão afeta-dos pela mesma, osque serão remaneja-dos e (re)assentadosem outro lugar, pro-vavelmente impostopelo responsável ofi-cial, sem uma devi-da discussão préviacom os expulsos.

Tanto os que sairãoquanto os que ficarão são faces da mesma moeda,ou melhor, da mesma situação de receptáculo deimpactos do enclave CHX, pela alteração das ba-ses física e social da reprodução do modo de vida.

RibeirinhosOutro tipo de campesinato é o dos ribeirinhos, queconstituíram suas vidas historicamente ao longoda Volta Grande do Xingu, em contatosinterétnicos com os índios e tornaram-sebeiradeiros, aqueles que se formaram ao longo doperíodo colonial até hoje.

A maior parte dos ribeirinhos da Volta Grande doXingu mora no trecho em que segundo os planosoficias ficará com as “águas baixas”. Para aquelesque têm como base do modo de vida a sazonalida-de fluvial, entre outras, isso é um golpe duríssimo,pois a dinâmica do rio (enchente-vazante) é que-brada, o que desestruturaria toda a relação de tra-balho relacionada ao rio, principalmente a pesca.

Morador da Volta Grande,Monti Aguirre/IRN

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Como ficará a repro-dução social dessegrupo sem a pescaque é a base das re-lações comerciais demercado, que emsua circulação ficaráalterado. Se atual-mente o peixe é le-vado via fluvial paraAltamira, após aconclusão da obraserá modificadopara fluvial, terres-tre, fluvial, encare-cendo o produtorribeirinho que tam-bém vende, farinha, frutas mandioca e necessitade gelo para armazenar o peixe. Nesse caso, a re-produção social deste é afetada pelo estrangula-mento da circulação, pois entre os produtos e omercado existem os caminhos de função além domero escoamento de produção, que não é só eco-nômico, é social e político.

Com o nível das águas baixo por longo tempo, umadas tendências é haver uma superexploração doacari (hypancistrus zebra, peixe ornamental de gran-de procura), que em um primeiro momento po-derá ocorrer um aumento de captura, e posterior-mente um esgotamento da reprodução, cada vezem menor número ante a quantidade capturadaanteriormente sem qualquer preocupação com osestoques para reprodução. Pode haver um empo-brecimento/endividamento dos chamados“carizeiros”, e uma diminuição progressiva do re-ferido peixe, principalmente se na cadeia alimen-tar dois rios ocorrer alterações significativas entrepresas e predadores, isto agravará a situação socialde rendimentos, com uma progressiva formaçãode um grupo de miseráveis de beira rio, ou mu-danças para as favelas de Altamira busca de em-prego, inclusive no próprio canteiro de obras. Asituação de miséria pode agravar o problema dealcoolismo entre os carizeiros. Muitos esses pesca-dores são índios ou ribeirinhos.

Para aqueles que terão de sair da beira, estes vãopara qual lugar? Para longe dos rios?, terão e seadaptar, à força, aos pequenos e estreitos córregos,grotas ou cursos d’água, causando um estranha-mento e cerceamento do modo de vida de ribeiri-nho para agricultor, como aconteceu em Tucuruí?Quais serão as bases para o (re) assentamento?

Para os que ficarem, vale lembrar que o leito doXingu é repleto de rochas que nos espaços entre

elas e nas diáclasesformam-se poçasd’água parada devárias dimensõesque são propíciasoriginalmente a re-produção do local-mente denomina-do carapanã-da-pe-dra, o que irá acon-tecer sem o perío-do de cheia do rio?Uma explosão re-produtiva de inse-tos inviabilizando aocupação humana,como aconteceu no

rio Tocantins ?

Na área a montante da barragem a questão é in-versa, como ficará a vida de ribeirinhos com o riosempre com águas altas?, e gerando um aumentoem cadeia do nível d’água nos igarapés afluentes,e com as cheias vindouras, alguns desses igarapéspoderão estragar roças, e algumas de suas margenssão ocupadas por populações carentes que já so-frem transtornos com as enchentes. O que irá acon-tecer com o nível d’água alto para esses grupos defavelados? Em pequenos vales afogados com pou-ca ou nenhuma circulação de água poderá ocor-rer a proliferação de mosquitos e um odor desa-gradável oriundo do processo de decomposiçãode vegetais, e isso poderá tornar a ocupaçãoinviável nessas favelas/baixadas de Altamira, prin-cipalmente com o lixo acumulado nos córregos,aumentando o já alto nível de doenças nas áreascarentes e sem saneamento básico.

Povos IndígenasOutro grande grupo social são os índios da VoltaGrande, agrupados em uma área oficialmente re-conhecida, a Área Indígena Paquiçamba. São ín-dios Juruna, que estão na margem esquerda doXingu e do outro lado, na comunidade Maia, exis-te um grupo de índios Arara, em terras não reco-nhecidas oficialmente e estes não aparecem noscomentários da Eletronorte, mais a jusante há umafamília inter-étnica de um não-índio e uma Xipaia,predomina nos filhos a identidade cultural da mãe.

Estes grupos, cada um com sua especificidade (in-terna e externa ao grupo), estão na área que fi-cará de águas baixas. O modo de vida tem emsua base, assim como os ribeirinhos, na policul-tura associada à pesca. Sendo que fazem coleta

Morador da Volta Grande,Monti Aguirre/IRN

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de castanha-do-pará e andiroba, e vendem em Al-tamira. São considerados como não afetados peloCHBM, nos planos oficiais. Mas sem sazonalidadedos rios, como ficarão, a mercê da sorte? Comonavegarão em trechos sempre secos e encachoei-rados? A questão do transporte é fundamental, eisto ficará alterado, assim como para os ribeirinhos,encarecendo os produtos no mercado altamirense,que dificilmente pagarão mais alto, podendo cau-sar um empobrecimento maior por aqueles queficarão cerceados pelo complexo.

Com o projeto consolidado esses ficarão prejudi-cialmente isolados em suas terras que não poderáser capaz de garantir a reprodução do modo devida devido ao quase isolamento pela dificuldadede circulação de qualquer natureza. Isto inclui as-sistência médica e escolar principalmente, e de fis-calização contra ataques de especuladores de ter-ras. Poderá, ainda ocorrer uma vigilância em suasáreas pelos órgãos do CHX para fiscalizar se estãoconcentrados em suas áreas para evitar o contatocom os “muros” do canal. Haverá uma zona tam-pão, para evitar contatos diretos com o “muro”?

O modo de vida desses grupos tem a prática decirculação na mata, para coleta de sementes, fo-lhas e de caça. Os excessos de fiscalização no lagode Tucuruí causa transtornos aos moradores quesão vigiados em suas práticas agrícolas e inquiri-dos a não consumir domesticamente carne de caça,enquanto algum proprietário paga uma taxa aoIBAMA para poder desmatar em nome de um “pro-jeto” agropecuário!

Vilas e Povoados: o peri-urbanoO grupo peri-urbano conhecido localizado na Ilhada Fazenda, onde se tem alguns pontos de servi-ços públicos como escolas, postos de saúde, postotelefônico, botecos e, do outro lado uma corrutelaconhecida como Ressaca. Esses dois pontos vizi-nhos estão sob efeitos da des-informação, pois navila Ressaca, a maior parte das atividades sócio-eco-nômicas ligadas ao garimpo. Este dois pontos es-tão localizados a jusante do barramento, ficandonaquilo que a propaganda chama de área de águasbaixas. O baixar das águas por longo tempo, emtrechos com rochas no leito do rio, aliado a umconjunto humano sem condições sanitárias dignas,poderá ocasionar uma epidemia de doenças trans-mitidas por insetos, e aumento de doençasprovocadas por falta de sazonalidade do rio, queinfelizmente, recebe algum lixo desse conjunto.

Para a escala de economicidade, os preços dos pro-dutos poderão ser alterados para venda e deverá

ficar mais caro, dificultando as relações de com-pra e venda tanto na Ilha da Fazenda quanto naRessaca, sem que aumente a capacidade de com-pra dos moradores.

Para aqueles que tem balsas garimpeiras o proces-so poderá se tornar mais fácil para a cata do ouro,porém, com um aumento significativo da polui-ção do rio com o leito menor e com baixa veloci-dade das corredeiras, as dragas provocarão ummaior estrago erosivo no leito do rio e as condi-ções para o assoreamento de trechos fluviais tra-rão conseqüências funestas para aqueles que tra-balham na atividade garimpeira. Com rio em seuleito normal (tanto inverno quanto no verão) apoluição hídrica oriunda da garimpagem, comorevolver o fundo do rio e do descarte do mercú-rio, se dilui, se espalha mais, com o nível interrom-pido a poluição se concentrará ocasionando do-enças e, após algum aumento do nível das águas,por chuvas ou por liberação da barragem, aquelematerial poluente em grande concentração se es-palhará agravando a situação.

O Enclave TerritorialAinda que o CHX seja fábrica de energia, com re-torno social duvidoso, o básico é a distribuiçãodessa energia e não a produção de contingentessociais inteiros na escuridão ou o aumento do con-sumo de querosene para as lamparinas. Em umparalelismo com a situação da fome, não é o au-mento da produção de alimentos que tem que serfeito, e sim uma maior distribuição da condiçãopara adquirir alimentos, para os grupos menosaquinhoados econômica e politicamente.

Cria-se no processo de exclusão social dos meiosde sobrevivência o empobrecimento e a miserabi-lidade, típico da lógica de mercado, forma-se umexército de dependentes das esmolas sociais, doassistencialismo de políticos interesseiros, entreoutras coisas, a base da mais-valia da produçãoenergética no País, exclui-se do consumo de ener-gia elétrica grupos sociais brasileiros em prol daprodução de mercadorias consumidas pelo mer-cado (nacional e internacional), onde na lógicaeconômica do capital o que interessa na produ-ção de espaços, é a territorialização dos enclavescomo meio de produção.

De acordo com o projeto para Belo Monte o ter-ceiro ano do empreendimento é o que concentra-rá o maior número de trabalhadores nos dez anosde obra, concentrando aproximadamente 18.000mil trabalhadores (o EIA prevê a migração de

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90.000 pessoas à região em busca de trabalho – apopulação atual de Altamira e Vitória de Xingufoi 66.194 no ano 2000).

QuestõesDuas questões sociais, entre tantas outras, serãoagravadas com o processo de construção do CHX,uma é a Questão Agrária para todos os envolvidosna área do EXT, como a aquisição/formação deáreas para (re)assentamentos, como por exemplo,o perímetro de construção da Trans-Assurini, comojá foi mencionado. A outra é a Questão Urbanaque só com os boatos da construção do CHX, jáfez aumentar o número de favelados em Altamira,quem sabe o que irá acontecer quando o processoconstrutivo iniciar, pois atualidade a cidade nãotem um plano diretor efetivo para o inchaço urba-no, o que será durante o processo em curso? Omesmo vale para Vitória do Xingu. Os exemplosdo passado mostram que ao instalar um canteirode obras desse porte o poder dos prefeitos se en-fraquece aumentando a força política dos admi-nistradores do empreendimento conforme os in-teresses da empreiteira e do órgão estatal,fragilizando os grupos populares.

Uma intrigante questão relacionada ao etnoconhe-cimento surge, nos estudos de identificação deplantas, animais e de solos, para um país como oBrasil que pouco conhece o potencial de sua na-tureza, como serão esses trabalhos?, Só os técni-cos/acadêmicos irão fazer as coletas e identifica-ções? Será só coletar, identificar e pronto? E se al-guma planta ou animal for apenas catalogado/identificado sem saber qual o seu uso seja comoalimento ou como princípio ativo fitoterápico?Portanto o conhecimento científico não pode abrirmão do etnoconhecimento de índios e campone-ses para combater não só a bio-pirataria como aetno-pirataria (pirataria do etnoconhecimento),pois determinado vegetal ou animal pode ficarextinto com os impactos da hidroelétrica, e nessecaso o País perde um bem incomensurável, social,econômico e eticamente importante.

Acrescenta-se a isso os estudos de poluição, comoo assoreamento dos rios (controle das margens flu-

viais) aliado à eutrofização (poluição por excessode nutrientes que causa o crescimento excessivode algas, grande consumo de oxigênio e diminu-indo a intensidade de luz nos estratos fluviais pre-judicando os peixes, e isso afeta diretamente osribeirinhos sejam índios ou não, e ainda existe apoluição atmosférica com as emissões de CO2 queextrapolam os limites do Brasil pela circulaçãogeral dos ventos, e outro problema surge, a Ama-zônia é um sumidouro ou emissor de gasescarbônicos com as hidroelétricas?

O rio Xingu, em especial a Volta Grande, está sen-do visado desde a década de 70 do século passadoe, infelizmente, continuará sendo enquanto a Ele-tronorte tiver uma mentalidade barrageira, estaestatal tem em seus planos para o grande nortebrasileiro de produzir energia elétrica a repetiçãode sua história de construção de barragens, ummonolitismo obtuso que comprovadamente agra-va problemas sociais, econômicos e ecológicos.

Trata-se de um desafio moral e ético para o Brasil,criar/produzir gerar energia elétrica com projetose tecnologias que agridem menos as pessoas e quesejam direcionadas, principalmente para a melhoriados modos de vida dos grupos sociais atingidos.

O projeto de hidroelétricas no Xingu da Eletro-norte, no mínimo - pela peculiaridade da histó-ria social da região – precisa de uma reforma agrá-ria regional, com bases sólidas para prevenir dostrágicos exemplos do passado da estatal e tentarsaldar a dívida social de obras, que aumentarama pobreza e facilitaram a concentração de terrasao longo do entorno da obra, acrescido ao aban-dono dos ex-funcionários e dos imigrantes quenão conseguiram empregos propagandeados pelaestatal. A impressão que fica é que existe uma es-tratégia de marketing direcionado para os órgãosde fiscalização como Comitê Mundial de Barra-gens a incorporação da Eletronorte em fazer umadivulgação parcial do projeto e dizer que se pre-ocupa com as populações atingidas, vale lembrarque a população não é homogênea, é diferencia-da em classes.

Se a esperança existe, infelizmente o medo tam-bém se faz presente.

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ELETRONORTE Cenários Socioeconômi-cos da região polarizada pela Futura UHEde Belo Monte e sistemas de TransmissãoTramo-Oeste. s/d.

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PARTE VOutro Futuro:não barrar rios nem gente,que valem e valerão por si

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Preliminares:O viés aqui assumido é empregar um glossário maisamplo e mais preciso do que o jargão oficial e em-presarial do meio “barrageiro”; chegamos a evitarexpressões muito utilizadas nas etapas de licencia-mento ambiental dos projetos. Com isto, a inten-ção é fortalecer a acuidade, a lógica, e a própria es-tratégia das argumentações questionadoras sobre osmega - projetos de engenharia. Pensando no mote“da hora”, nas lutas que estão hoje na pauta do au-tor e de tanta gente mais, o texto ajuda a repudiar aimplantação de obras nos rios ainda não barrados,dentre eles os mais ameaçados, o Araguaia e o Xingu,casos que são mencionados ao final do artigo.

Do quê estamos falando afinal? De mega-hidrelé-tricas, destas ou quaisquer outras que, se foremlicenciadas pelas agencias ambientais, se foremviabilizada em termos políticos e financeiros, tra-rão alterações de grande porte e transformações radicais.Falamos de um conhecimento acumulado e valio-so de tantos participantes e estudiosos destes pro-blemas típicos das mega – usinas hidrelétricas, desua realidade objetiva, e de seus enredos históri-co, humano e político. Conhecimento que vemsendo pouco utilizado, posto de lado, deliberada-mente omitido, durante os procedimentos atual-mente adotados no Brasil, nas etapas de inventá-rio, de licitação, de projeto, de viabilidade técnico- econômica e de licenciamento ambiental.

É claramente um conhecimento crítico, que faz acrítica das concepções adotadas por empresas e go-vernos, e das disposições dos agentes envolvidos, e

que destaca as situações críticas, de crises que sem-pre eclodem em tais processos de decisão e deimplementação de mega-obras. Por isto, vem sen-do um conhecimento falsamente assimilado a opi-niões, e apto a ser desqualificado e fustigado namídia, nos eventos públicos onde se debate tais pro-jetos, e também no meio acadêmico. Os quais, mídiae academia, infelizmente quase sempre valorizamo pior conhecimento sobre as hidrelétricas: aqueleque as toma como fontes do orgulho da razão hu-mana, e que considera suas conseqüências quasesempre como benignas.

Nos estudos de hidrelétricas: problemassérios, bem mais que “impactos”Além dos problemas específicos de Geologia e deHidrologia, de Engenharia civil, Mecânica e Elétri-ca destas grandes obras, (que costumam ser obje-tos de numerosos relatórios, estatísticas, pareceres,notas técnicas, memoriais, laudos, alguns deles apre-sentados em seminários, workshops, congressos,exposições, etc), fazem-se também pesquisas sobreos problemas ambientais e sociais nas áreas das usi-nas hidrelétricas. Durante os últimos vinte anosnessa atividade de pesquisa, encontramos váriosdesses estudos que merecem ser comentados2

Comecemos pelos antecedentes: os próprios coman-dantes “barrageiros”, o pessoal técnico e os dirigen-tes das grandes empreiteiras e dos grandes fabri-cantes de equipamentos para usinas hidrelétricas,demonstram preocupações e patrocinam e estimu-lam o intercâmbio de uma parte das informações.3

Capítulo 12

Conhecimento crítico das mega – hidrelétricas: para avaliarde outro modo alterações naturais, transformações

sociais e a destruição dos monumentos fluviais1

Oswaldo Sevá

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QUADRO SINÓTICO 1

Algumas das hidrelétricas consideradas como

antiexemplos por causa de problemas ambientais

graves ou de acidentes catastróficos

* a obra de Assuan, no rio Nilo, no Norte da África,

atingindo partes milenares do Egito e do Sudão, de-

sestruturando o povo Nimba, nativo, quase isolado, e

provocando até mudanças negativas na agricultura de

vazante e na fertilidade pesqueira do delta do Nilo;

* a de Kariba, entre as atuais Zâmbia e o Zimbabwe,

(Cone Sul da África) no rio Zambèze, feita na época

em que as duas Rodésias eram possessões britânicas,

para abastecer instalações de mineração e de metalur-

gia do cobre e do cromo, registrou grandes prejuízos

para os agricultores e criadores das margens, um sur-

to rápido de pesca e depois um declínio longo;

* a de Akosombo, no rio Volta, feita para fornecer ele-

tricidade quase exclusivamente para uma fundição de

alumínio no litoral atlântico do Ghana, na África Oci-

dental, dividiu o país e vários tribos em duas metades,

levando à desorganização agrícola e colapso do abas-

tecimento alimentar durante muito anos depois do en-

chimento da represa;

* a obra fracassada de Teton Dam, nos EUA, que fez o

chão tremer durante as etapas de construção, e mes-

mo assim, se insistiu em terminar a obra; a barragem

colapsou e se destruiu durante o enchimento, com

uma enxurrada de detritos e rochas arrasando fazen-

das e moradias rio abaixo;

* a tragédia da represa de Vajont, nas montanhas da

Itália, atingida por avalanche provocada por terremo-

to, e extravasando sobre a crista, destruindo tudo rio

abaixo, incluindo vilarejos e matando seus habitantes;

* a tragédia da represa de Yungay, igualmente atingi-

da por ondas formadas por avalanches despregadas

da neve eterna da Cordillera Blanca, Andes Peruanos,

e que destruíram essa barragem, e junto, uma cidade

próxima com 50 mil moradores, muitas pontes, e uma

outra barragem, tudo pelo caminho até na planície

costeira do Oceano Pacífico, de cujo subsolo um ma-

remoto iniciara todo o mecanismo de destruição.

Na mesma época, meados do século XX, criou-seuma espécie de sindicato patronal de empresas“barrageiras”, a ICOLD, International Commission onLarge Dams. Começaram a se multiplicar as confe-rências internacionais técnicas e científicas, dasquais participavam vários grupos de pesquisa atu-ando em obras, ou usinas já prontas, consideradas“problemáticas”, tanto em países da Europa e daAmérica do Norte, como também na América doSul, na África e na Ásia.

Não só os gerentes do setor elétrico e os acadêmi-cos, mas também jornalistas, escritores e cineastaspunham as hidrelétricas na berlinda, elogiando oucriticando. As epopéias e os dramas das obras tor-naram-se matéria prima de documentários de épo-ca e de filmes nos EUA4 e também no Brasil.5

Pelo mundo afora, nos grandes e pequenos rios,muitas hidrelétricas passaram para a condição deantiexemplos, ou mesmo, de obras malditas :

O Brasil se tornou um dos expoentes da hidrele-tricidade mundial nos anos 1980, quando foraminauguradas algumas mega - obras cujas conse-qüências logo atraíram uma romaria de estudiosos, ecujas belezas são admiradas por grupos de turistasem geral desavisados.6 Dentre as complicações maisfreqüentes estão as conseqüências desastrosas porocasião de manobras de fechamento de compor-tas, no enchimento da represa, e nas paradas epartidas de turbo - geradores; por exemplo, umrio enorme seco por dezenas de km, o Tocantinsem 1998, quando fecharam as comportas da usinade Serra da Mesa, GO; no Lajeado, TO três anosdepois, uma mortandade de peixes jamais vista ajusante da barragem, e a principal praia da repre-sa interditada por motivos sanitários. Pouco conhe-cida, pois na época, 1988, foi abafada pela empre-sa CHESF, houve uma verdadeira mortandadehumana: 88 pessoas faleceram com diarréias agu-das, dentre as 2.392 pessoas intoxicadas, residen-tes na beira da represa recém-formada de Itaparica,que alagou municípios da Bahia e de Pernambuco,ali sepultando a cidade de Petrolândia.7

No Brasil, nos anos 1980, os primeiros agrupamen-tos de moradores rurais duramente atingidos porobras de hidrelétricas foram incentivados por pa-dres católicos, às vezes os bispos, mais os pastoresluteranos, e agentes de entidades ligadas às religi-ões, como a CPT; tiveram a presença ativa de sin-dicalistas militantes das entidades filiadas à confe-deração nacional CONTAG e ao DNTR Departa-mento Nacional de Trabalhadores Rurais da en-tão recente CUT. Desde 1989, começou a ser for-mada uma federação nacional de “atingidos” [aícompreendidos os moradores, sitiantes, posseirose trabalhadores rurais e volantes das áreas já atin-gidas e dos locais ameaçados pelas conseqüências deprojetos anunciados de hidrelétricas], hoje conhe-cido como MAB – Movimento dos Atingidos porBarragens.

Nos anos 1990, formou-se uma Comissão Mundialsobre as Barragens, a WCD - World Comission on Dams,que começou a aglutinar as muitas informações acu-muladas em vários países, sobre os problemas detais obras. 8Temos aqui uma amostra de um razoá-vel acervo histórico e científico, onde se registra umacúmulo de eventos marcantes; é a análise desteacervo e destes eventos que permite qualificarmosas maiores probabilidades de ocorrência de proble-mas, mesmo em obras que ainda não existem, queainda são projetos. Portanto o interesse deste co-nhecimento histórico e desta memória social não émeramente acadêmico, nem serve somente para finsde militância; e sim, contém muito de advertência

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quanto aos erros eaos acertos. Poisbem, apesar disto,este conhecimento eesta memória são emgeral ignorados pe-los projetistas e pro-ponentes de taisobras, pela agênciaANEEL (que deveriaregular o melhorpossível não só os ne-gócios da eletricida-de, mas os recursosfluviais e as relaçõesenvolvidos por estaforma tão particularde energia); conhe-cimento e memóriadesprezados ou, atémesmo combatidosdoutrinariamentepelos elaboradoresdos tais EIAs e pelosaprovadores das li-cenças, nos órgãosde governo federal eestadual.

Os cidadãos prejudi-cados e os patrimô-nios naturais e construídos que serão destruídospelas obras, são vistos nos estudos e pareceres des-ta gente guiada pela razão hidrelétrica cega, como“interferências” em suas obras; o fato de existirempessoas a serem respeitadas e patrimônios a seremdefendidos é para eles um “entrave”. Quase todoseles, dentro e fora das empresas e dos governos, seespecializam em emitir pseudo contra - argumen-tos, respostinhas fáceis9. Creio ser mais salutar que,diante de um mega – projeto, que é logicamentedestrutivo, não fiquemos inutilmente fazendo erelendo check - lists dos impactos, que às vezes separecem mais com um necrológio do quê vai mor-rer e desaparecer daquele trecho do mundo. En-caremos de frente, isto sim, o fato de que umamega- obra provoca uma alteração de grande porte naNatureza e uma transformação radical na sociedade. Éo que veremos a seguir.

Alteração. Quando a natureza se torna ou-tra coisaPara iniciar o estudo sério de algo tão complicadocomo uma grande obra de engenharia que, ao serconstruída, e depois ao longo de sua fase

operacional, tem es-treitas correlaçõescom o ambiente lo-cal e regional, ébom registrarmos eenfatizarmos queestamos retomandoalgo que é um dosprincipais focos doconhecimento hu-mano, desde sem-pre e em todos oslugares: a Natureza,suas variações, e o quepodemos ou não fazercom ela.

Por isto, propomosrecuar um poucona flecha do tempoda História, ampliare depois concentraro foco geográficoda análise, e relem-brar conceitos mar-cantes na constru-ção das ciências. Aoacompanhar de for-ma minuciosa osmovimentos domundo físico, as

matérias e a sua movimentação no tempo e noespaço, e as várias fases de um corpo ou de siste-ma que evolui, e ao tentar nomear as variáveis ecolocar em equações as variações observadas –os cientistas definiram duas possibilidades deobservação sistemática de algo que passa e de algoque se desloca: 1) ou se está parado num pontoe vai se registrando as variações de tudo que passanaquela seção ou naquele volume observado,como se fosse um olho mecânico de um hipó-dromo, ou, como fazem os olhos de um juiz devoleibol sobre a rede – ou então 2 ) monta-se so-bre um corpo que se desloca e vai se medindotudo o que acontece ao longo do trajeto, como é o pon-to de vista do cavaleiro na pista; ou, como seriafilmado por uma câmara acoplada à bola de vô-lei.10 Posteriormente, outro grande físico,Heisenberg, demonstrou a existência lógica dasincertezas, pois o fato de mensurar altera o quêestá sendo mensurado, e estabeleceu um raciocí-nio fundamental: haverá sempre, para cada de-grau que se avance no rigor de uma medida, umnovo acréscimo de incerteza quanto ao compor-tamento real do sistema que está sendo medido.

O “paliteiro” das árvores morrendo na represa de Samuel, (aprox. 650 km2)no rio Jamari, afluente direito do rio Madeira, em Rondônia.

Usina da Eletronorte, com 215 Megawatts instalados.Oswaldo Sevá

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Radicalismo. Quando a sociedade se trans-forma radicalmenteNas mega-obras, não somente se obriga a Nature-za, uma sua parte, um subconjunto que seja, a serde outro modo, a ser outra coisa, mas a sociedadeque ali vive...Tornar-se-á outra!

Poderíamos usar aqui a expressão Dinâmica So-cial, incluindo em nosso estudo os deslocamen-tos e as permanências, numa dada região, de de-terminados grupos sociais, e os processos históri-cos que se desenrolaram em um determinadoterritório. Para se ter uma noção de conjunto edas tendências, devíamos pensar na DinâmicaSocial no âmbito dos países e dos Estados nacio-nais, e, já que estamos no Brasil, pensar nesta di-nâmica dentro dos Estados de uma federação eentre eles.

No caso das grandes obras de engenharia que seconcretizam, estamos tratando de transformaçõesradicais desta dinâmica social. Enquanto os chama-dos recursos [o solo, as terras, as águas, os minéri-os, a vegetação, o patrimônio genético e biológicodas plantas e dos animais] se encontram numadada situação, existem n rotas de possibilidades deevolução futura. Quando chegam os mega – pro-jetos, são reduzidas as possibilidades a uma só, ou,a um uso tão dominante que os demais usos ficamcomo “sobras”, magras compensações diante daprepotência da atividade.

São faces da mesma atitude radical: o rio, entida-de física, biológica, vital, de muitas serventias, évisto pelos fanáticos da eletricidade apenas comouma jazida de Megawatts; a sociedade local nãopassa de uma “interferência”, quando não empe-cilho, diante do projeto onipotente.

Claro que as sociedades sofrem transformaçõesmesmo que não se implantem mega - projetos, poistransformações sociais têm n causas distintas. Sehouver um ou mais mega-projetos em jogo, o radi-calismo de novo se mostra, pois as transformaçõesdecorrentes dos projetos e das obras se concatenam e seimpõem como razão principal ou até única, sobreas demais transformações da mesma sociedade.Quais causas e quais processos de transformaçãoradical poderíamos identificar no desenrolar dosinvestimentos de grande porte, por exemplo, nosprojetos de mega - hidrelétricas?

• São engrenagens formidáveis de acumulação decapital e de mobilização de força de trabalho,de dimensões relevantes em comparação com aprópria economia nacional; algumas se tornamrapidamente e permanecem durante alguns anos

Pois bem, adotamos aqui a expressão DinâmicaNatural para designar: uma série de ciclos dos ele-mentos químicos, dos compostos que se deslo-cam de um meio a outro, como o ciclo das águase o ciclos biogeoquímicos – trajetórias de cadaelemento, composto, de suas moléculas e mate-riais que passam do meio físico para os seres vi-vos e que se re-combinam ou se decompõem, eque podem ser chamados genericamente de Ci-clos Vitais; e – ao mesmo tempo – as sucessões dosestados geofísicos, dentro ou fora da crosta terres-tre, dentro ou fora das massas de água, nasinterfaces, nesta ou naquela camada da atmosfe-ra, em estado sólido, líquido, gasoso, etc; e assucessões dos estados termodinâmicos, aumentandoou diminuindo os fluxos de massa e de energia,de forma mais ou menos organizada, com maiorou menor capacidade de ainda realizar trabalho,esquentando ou esfriando.11 . E justamente estaDinâmica (se não ela toda, certamente muitas desuas partes, trechos do planeta, regiões e locais,alguns ciclos determinados), que está sendo sim-plesmente alterada, no sentido estrito da pala-vra, está se tornando uma outra coisa, “alter”.Como vivemos sob a implacável incerteza, estaalteração ocorre mesmo que não esteja sendomedida, e que não possa ser medida em todos osseus aspectos.

QUADRO SINÓTICO 2

Fatos, mecanismos

e ações que desencadeiam ou induzem alterações

da Dinâmica Natural

Os episódios telúricos agudos, como os terremotos e

erupções vulcânicas, os ciclones e tufões, os grandes

incêndios de origem natural, as longas secas e as chu-

vas excepcionais, mais:

* a coleta, caça e pesca excessivas, o extermínio de

espécies, dos seus nichos, e/ou

* a introdução e a disseminação de vetores patológi-

cos e de espécies exóticas ao local, e/ou

* retirada da cobertura vegetal e sua substituição por

terra nua, áreas construídas, monoculturas, e/ou

* feridas, cirurgias e destruições no território e nas

interfaces terra – água, e/ou

* retiradas e bombeamentos excessivos de água, e/

ou

* canalizações, dragagens e aterros de áreas

inundáveis, desvios de rios, e/ou

* transposições de água entre bacias, barramento de

rios, criação de represas e de “lagos”...mais:

* introdução de compostos químicos em concentra-

ções muito superiores às naturais e/ou com teores

bem acima dos teores suportáveis pelas formas vivas

expostas à contaminação,

* introdução de compostos fabricados não encontra-

dos na natureza, inclusive os de alta radiatividade.

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os principais focos concentrados de comércio ede emprego no país.

• Criam -ou sobrepõem aos núcleos urbanos pre-cedentes - suas próprias cidadelas operárias, comsua segmentação visivelmente autoritária, deli-beradamente injusta, desde os alojamentos desolteiros dentro dos canteiros, e os cortiços e pen-sões improvisadas nos “beiradões”, cidades livresdo outro lado do rio ou do alambrado, até osconfortáveis hotéis de trânsito, e os clubes e sa-lões exclusivos para os executivos e os engenhei-ros; lá dentro, tudo carregado de regras de com-portamento, bem policiado, com numerosos in-formantes circulando; lá fora, a selva sem lei, osagenciadores e oportunistas fazendo o que que-rem com os milhares de desempregados, expul-sos da terra, peões itinerantes tentando obteralguma migalha.

Portanto, as mega - obras são campos de ação dos inte-resses de classes e de grupos sociais, cenário de disputasde oportunidades de lucros e de exercício de po-der em âmbito extra-local e extra-nacional, por cau-sa da cadeia financeira e produtiva da obra e nassuas duas pontas – a de fornecimento durante aconstrução e a de despacho de eletricidade depoisde pronta e operacional, ou seja, na etapa de reali-zação da mercadoria a ser produzida. Dentre taiscompetições e coligações entre interesses distintos,chama especialmente a atenção uma série de dis-putas sobre o próprio projeto, onde será feito, sepode ser alhures ou não? Quem contratará servi-ços? Quem será empregado? Quais as cotas (altitu-des) e locais atingidos? E sobre as indenizações epreços de aquisição de glebas de terra e debenfeitorias, sobre o licenciamento, sobre as com-pensações. Uma transformação radical, já vivida emoutros locais e em outros tempos da história, é ex-pressa por uma seqüência que podemos chamar deum surto de acumulação capitalista, um tipo de espas-mo, rápido e intenso – vários anos nas obras meno-res, uma ou duas décadas nas maiores.

Os surtos econômicos e as várias “famílias” de obrassimilares, primeiro ferrovias, estaleiros e portos,canais, pontes, túneis, depois as barragens, os gran-des eixos de transporte e de comunicação, as mega– fábricas, refinarias, montadoras de veículos vãodemarcando os ciclos de acumulação ao longo dosquase três séculos que está durando este sistemapolítico e econômico.

Uma boa parte destes surtos e ciclos é baseada eminformação privilegiada: p.ex. alguns sabem antesdos demais qual a posição do eixo do barramentonaquele ponto preciso do rio, quais os terrenos

serão afogados até qual cota de altitude. A acumu-lação de capital em poucas mãos se instrumentapor meio de negociações entre partes desiguais;os que acabam sendo prejudicados são muitos.Massão individualmente fracos, envolvidos a contra -gosto em transações forçadas; pessoas, famílias eaté cidades inteiras sendo objetos de logro, de trai-ção, de ameaças.

Informação privilegiada, desigualdade notável nas ne-gociações, poder de fogo, estas são marcas de um pro-cesso conhecido como acumulação primitiva, comos métodos típicos da expropriação de bens materi-ais e simbólicos das pessoas e das comunidades.12

A cada canteiro de obras, a cada usina pronta, in-troduz-se para “sempre” novas noções e novos va-lores da mercantilização total das terras,benfeitorias, patrimônios, e por fim, a mercantili-zação da própria força de trabalho e de muitasrelações sociais; sempre bem diferenciada, de ummodo promissor e lucrativo para alguns e de ou-tro modo, corrosivo e desestabilizador para os de-mais. O investimento em si, o avanço de capitalnas contratações e nas compras cria novas oportu-nidades de negócios assanhando as contas feitasnos gabinetes das direções financeiras e industri-ais. Descontadas as partes polpudas de pagamen-tos feitos para grandes fornecedores de equipa-mentos pesados e materiais especiais, ainda have-rá um bom fluxo de dinheiro novo para os negóci-os locais. A circulação local de uma grande partedesta massa salarial alimenta quase tudo no entor-no, de farmácias e botecos a prostíbulos e lotéricas,e ainda vai sobrar uma parte para as remessas quefazem os dali para suas famílias de origem, lá lon-ge, e outra parte para os pequenos investimentosque peões ou engenheiros do canteiro ou comer-ciantes da cidade próxima possam fazer alhures,numa fazendola, ou numa casa na capital. Dentrodo alambrado, para dentro das guaritas, a novalógica é o assalariamento de grandes contingentes. Empoucos anos, temos já os ingredientes básicos deuma sociedade organizada a partir das empresas capi-talistas e entorno delas.

Qualquer que fosse a sociedade que ali vivia antesdisto virou o quê virou. Visto depois de pronto, pare-ce um fatalismo: assim foi porque tinha que ser. Quan-do analisamos um conjunto de obras, num certoperíodo da história do país, feitas ao mesmo tempoem diversas regiões, fica a certeza de que elas vêmjunto com métodos de conquista política e de colonizaçãocultural por parte de grupos e de valores externos,“de fora”, visando à ampliação de sua hegemoniasobre as sociedades existentes na região.13

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Entenda-se: vieram para mandar e viver do jeito queestão acostumados e gostam! Só não podem é ad-miti - lo abertamente. Em cada grande obra destas,joga-se uma partida decisiva na rodada dos emba-tes políticos fundamentais: a missão que os empre-endedores fantasiam como fonte de emprego eúnica via de progresso, não veio para libertar nempara consertar dramas antigos, veio para constran-ger, intimidar, e sempre que possível disciplinar. Emgeral resultará um rebaixamento dos direitos daspessoas ali na região da obra, em comparação comos direitos efetivos, embora sempre fustigados, daspessoas que estão em lugares mais antigos, com ummaior histórico de lutas anteriores, mais conectadosao mundo moderno. Os mega - projetos são feitosde eventos politizados, pois se misturam com a políti-ca convencional partidária, dos cargos da máquinaestatal e com a política interna das empresas; sãotambém eventos “mediatizados”, com grande ênfa-se na assessoria de comunicação, e nas réplicas àscríticas mais comuns. Pode ser até que tenham objeti-vos políticos elaborados previamente em grupos fecha-dos, e obviamente não declarados nem assumidos.Mesmo que empreendedores e governos não tenhamtais objetivos políticos antes de ser lançado o projeto,eles vão sendo construídos durante, no redemoinhodos grandes canteiros de obra no calor da lutaem várias frentes, nas brechas da lei. O resultado

prático, social, que define a vida de tanta gente, vaiseguindo o sentido das correlações de força, que,de qualquer modo, vão sendo violentamente modi-ficadas, dado o poderio dos quê “vem de fora”. Osobjetivos desses novos patrões vão também sendoadaptados para a fase posterior, o “day after”, quan-do a obra acabar e a mega – usina funcionar. Se oobjetivo é de longo prazo; quem vem para mandar,vem por um longo tempo.

Outro olhar, outra linguagem.É disto que se trata quando avaliamos e debatemoscom seriedade um mega - projeto de engenharia:se for feita a obra prevista, a Natureza será outra; pro-por a obra, apoiá - la, é um ato político; se implantadaa obra, a sociedade sofrerá transformações radicais.

É disto que não tratam os tais estudos de “inserçãoregional” e de “avaliação de impactos”, porque nãopodem tratar. Pois criam seu próprio linguajar deaparência neutra e ponderada, cuja função justa-mente é a de negar o ato político, a de ocultar aalteração da Natureza e a transformação radicalda sociedade.

Por isto, o conhecimento crítico exige que se reajus-te o enquadramento, a nitidez e a luz dos estudosprévios e posteriores a cada obra: o quê é novo?

O “buracão” principal do canteiro de obras da Casa de Máquinas e paredão de concreto da barragem de Itaparica,no rio São Francisco, PE/BA(foto de 1985). Usina inaugurada em 1988, capacidade máxima 2.500 Megawatts.

Oswaldo Sevá

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De tudo que decorre e que pode decorrer, o quê éconhecido? Precisamos isto sim, saber com bastan-te minúcia e com a devida aderência à realidade:o quê se passa e o quê pode se passar com um sis-tema hídrico inédito? quais as conseqüências, asrupturas, os riscos e a degradação? o quê forma,em cada local, este conjunto de processos que cha-mamos de alteração? como algo que existe e fun-ciona de uma certa maneira, vira outra coisa?

Nossa proposta começa por agrupar os eventos eproblemas das mega – hidrelétricas, separandobem as conseqüências intrínsecas de cada obra (umabarragem obviamente é feita para barrar o rio eformar uma represa; quem a faz tentará acumularo fluxo que chega, e tentará regular o fluxo do riodaí para baixo) - dos riscos de eventos hidrológicose geológicos que podem acontecer em muitasobras, e que já aconteceram em várias delas.

E também procurando - se qualificar as váriasdescontinuidades, inclusive as rupturas marcantes naorganização territorial e sócio econômica anteri-or, identificando-se as inflexões e mudanças até naestruturação demográfica e étnica de uma região.14

E ainda, buscando-se avaliar ao longo dos anos, asrepercussões da operação das turbinas e das compor-tas, na dinâmica do reservatório e na dinâmica dorio abaixo da barragem. Retomemos aqueles mé-todos essenciais de observação da dinâmica natu-ral, busquemos identificar a mudança do que sevê passando diante dos olhos, - onde era um vale,agora uma represa...e identificar a mudança do quese vê acompanhando os fluxos, que antes se deslo-cavam por causa de fatores naturais e agora sãoem parte gerenciados.

A cada caso, temos algo novo, único: a dinâmicade um sistema hídrico inédito naquele local, pois arepresa fica sobreposto ao eco-sistema fluvialanterior; habitats foram destruídos e outros fo-ram reconstruídos; a nova entidade geográficafica sob algum grau de controle humano, em-presarial, que tenta gerenciar os acúmulos deágua e as vazões liberadas por meio das turbinase dos vertedouros.

Neste mesmo sistema surgem e evoluem proces-sos de degradação que são claramente importadosde outras áreas, ou seja, que decorrem de ativida-des e de eventos acontecidos na chamada “baciade montante ou de captação” daquela represa, emtodo o terreno drenado pelas águas que vão darnaquela represa, - a qual resulta ser uma “vítima”de problemas ambientais passados e em curso queafetaram os terrenos e rios que ficam na regiãoacima do barramento. 15 Por enquanto, apenas

destacamos os fatos, os eventos, as situações, osdramas, a história do mundo real e de seus simbo-lismos, o quê aconteceu, acontece e pode acontecer...e osagrupamos de maneira não convencional, mas queconsideramos mais apropriada para uma análisecientifica, técnica e política dos problemas dasmega – hidrelétricas16

Lembranças da destruição monumental nosmaiores rios brasileirosSão belas palavras que sempre acompanham asobras de engenharia, p.ex. o setor empresarial seautodenomina “construção civil”. Sabe-se bem queo canteiro de obras é uma sociedade militarizadae que muitas atividades são uma verdadeira opera-ção de guerra. Alguns se enquadram como “cons-trução pesada;” pelo menos, admitem o peso.

O quê resulta destas obras é mais do que uma novaconstrução, na realidade é um novo relevo naqueletrecho do planeta: um ou mais paredões, prédiosde concreto, uma represa. O quê existia antes,nestes milhares de km quadrados de terrenosubmerso pela represa foi destruído; a empresadeveria se chamar empresa de destruição civil? ouseria militar?

Foram destruídos diretamente pela escavação edetonação de rochas, ou ficaram sepultados sobaterros e muros, ou sob a água da represa nume-rosos e valiosos trechos dos rios, barrancas, mar-gens, corredeiras e saltos, praias, várzeas e até ver-tentes dos morros e serras próximas.

Patrimônios, casas, vilas, cidades foram destruídas,junto com várias paisagens monumentais dos mai-ores rios deste país. Mas, diriam os otimistas: ain-da há muita coisa ainda não destruída! Vejamos:alguns locais atraentes nos rios de menor porte,mas acessíveis, mobilizam levas e levas de turistasque se deslumbram e fazem suas fotos no Salto deItiquira, em Formosa, GO, num formador doParanã e Tocantins, no Véu da Noiva do rioCoxipozinho, MT, afluente do Cuiabá, formadordo Pantanal, e também no Caracol da Serra Gaú-cha, na alta bacia do rio Caí, afluente do Guaíba, enos lindos canyons da Serra Geral no extremo Sulde Santa Catarina, os Aparados da Serra. Mas, olhan-do bem, os poções lá embaixo vão se enchendo deareia e a água pode não estar limpa, por causa decidades, da agricultura e do próprio turismo rioacima. Vejamos então os grandes rios brasileiros,sublinhando alguns pontos de maior beleza e deusufruto pela população, os que sobraram e os queficaram sob a água das represas:

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Bacia do Paraná (MG, SP, GO, MS, MT, PR, SC,RS; Uruguai, Argentina, Paraguai e Bolívia).A segunda maior bacia fluvial do continente é a quetem mais rios barrados, a maioria na parte monta-nhosa brasileira (Mantiqueira e os degraus do Pla-nalto Central), uma pequena parte nas vertentesandinas, na Bolívia e na Argentina, e as duas maioresobras já no último degrau antes da planície platense(Itaipu e Yaciretá-Apipe). O rio Grande e seus forma-dores estavam na cobiça dos capitalistas da eletricida-de desde o começo da era da eletricidade: além devazões tropicais de bom calibre para turbinar, a baciado alto rio Grande dispunha de desníveis de bomtamanho para os projetistas. As nascentes dos seusformadores acima de 2.000 metros na parte mineirado maciço de Itatiaia/Agulhas Negras, formam valessuspensos amplos, em patamares entre as cotas 1.500e 600 metros, e que se fecham em boqueirões rocho-sos, por onde o rio se aperta e cai em degraus e saltos.Daí se explicam as razões técnicas das grandes obrasfeitas no rio Grande em meados do século, as usinasde Camargos, na região das cidades históricas São Joãodel Rey e Tiradentes, que hospeda também um pólominero – metalúrgico, e de Furnas, perto das cidadesde Passos e Formiga. Dali até que o rio Paraná se for-me, na altitude de 250 metros, na pontinha doTriangulo Mineiro, são algumas centenas de metrosde desnível do segundo maior rio da América do Sul,e de seus principais afluentes - o quê certamente in-fluenciou muito o seu destino de ser hoje o maior riobarrado do mesmo continente.17

Lembremos dos casos mais conhecidos: a usina deFurnas é um símbolo do espírito progressista dosgovernos JK (em MG e depois na Presidência, nosanos 1950) e abriu o caminho para as mega - obrasrio abaixo. Nos anos 70 e 80, desapareceram as ma-ravilhas da “dupla volta grande” do rio Grande, in-cluindo o arquipélago e a Cachoeira do Marimbondo (SP-MG). Na mesma época, ali por perto, foi sepultadopela represa o canal de São Simão onde o rioParanaíba já formado caía dentro dele mesmo, emuma longa fenda longitudinal (fronteira GO-MG).Mais acima se acabou a Cachoeira Dourada.

Mais abaixo, com o Paranazão já formado, muitostiveram, até o verão 1982 - 83, a chance de ver, ou-vir e sentir a grandeza do maior monumento desterio – as Sete Quedas de Guaíra, PR-MS, por onde des-pencavam na cheia mais de vinte mil m3 de água /segundo. As Sete Quedas foram riscadas do mundopelo efeito da insanidade da aliança entre ditado-res militares, financistas e empreiteiros, que engen-drou a Usina de Itaipu. As Sete Quedas estão sub-mersas dentro da represa formada, que pode termais de 3.500 km2 de área, ou 350 mil hectares, onde

moravam umas cinqüenta mil pessoas, brasileiros eparaguaios, mais as aldeias de sobreviventes da na-ção Guarani, os Mbyá e os Nandeva, que foram des-locados compulsoriamente em 1982, para um localdifícil, com água ruim, erosões e pragas, e só tive-ram sua reivindicação atendida de uma nova terraboa para a aldeia, em 1997.18

Bacia do rio Iguaçu, PR, SC; Argentina.Este rio não está intacto e suas variações de vazão nãose comportam mais como as variações naturais de al-guns séculos atrás, quando obedeciam estritamenteàs mudanças sazonais de clima e de chuvas caindosobre uma bacia quase toda florestada. Ainda prosse-guem os surtos de intenso desmatamento e de ocu-pação agrícola; as águas do Iguaçu recebem a cargada poluição metropolitana de Curitiba e da intensamineração de areia, argila e rocha calcária em suascabeceiras; a cem km dali, na região de São Mateusdo Sul, o rio sofre os efeitos da exploração mineralem larga escala, e do processamento do xistobetuminoso nas instalações da Petrosix. Rio abaixoforam construídas cinco grandes hidrelétricas –batizadas, exceto uma, com os nomes dos saltos e umagarganta que foram sepultados: Salto Grande do Iguaçu(Usina Foz do Areia), Segredo, Salto Santiago, Salto Osório,Salto Caxias). Suas potências somadas chegam a seismil Megawatts; suas comportas e reservatórios são ope-rados pela estatal paranaense Copel e pelo grupo eu-ropeu Suez / Tractebel, que adquiriu o segmento gera-ção da estatal Eletrosul. A água turbinada cinco vezes,com a vazão engrossada diluindo a poluição e o bar-ro da erosão, chega enfim nas famosas Cataratas dorio Iguaçu, um pólo turístico fortíssimo, cenário dosmais filmados e fotografados em todo o mundo.

Rio São Francisco ( MG, BA, PE, AL, SE ).Dentre as paisagens fluviais monumentais que jáforam um dia mexidas, mas hoje estão protegidasde alguma forma, ainda se pode admirar rarida-des como a Casca d ‘Anta, uma fenda de 200 metrosna muralha rochosa da Serra da Canastra, MG, poronde despenca o rio São Francisco.

Nesse mesmo rio, dali para baixo, até a sua foz,está quase tudo mexido e sob intervenção técnica:no Salto de Pirapora, alguns pequenos diques fo-ram feitos para os banhistas, mas a vazão fica total-mente dependente da grande represa da usina deTrês Marias, MG.

Mais perto do final do Velho Chico, os antigossaltos do Sobradinho (BA) e de Itaparica (BA – PE)estão submersos por represas (a de Sobradinho é amais extensa do país, com 420.000 hectares); asfantásticas cataratas e gargantas de Paulo Afonso estãobastante modificadas pela moderna engenharia.

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Salto casca d’Anta rio São Francisco,Fernando Farias Sevá

A usininha pioneira da Pedra (Delmiro Gouveia (AL,por volta de 1905) tirava uma pequena derivaçãodo rio antes das quedas e turbinava a água numacasas de força incrustada no penhasco. Quarentaanos depois, fizeram um longo dique na margempernambucana, e cavaram túneis e grutas com gran-des salões dentro das rochas da outra margem, paraas máquinas de Paulo Afonso I, II e III; mesmo assim,uma parte da vazão do rio ainda despencava livre-mente nas beiradas de uma garganta de quase 100metros de altura. No final dos anos 1970, barraramacima das cataratas para fazer a usina de Moxotó (BAe PE), que poucos anos após, apresentou proble-mas sérios de infiltrações e deformações nas estru-turas de concreto e nos prédios da casa de máqui-nas. Sua represa foi acrescida de um canal que con-torna a cidade baiana de Paulo Afonso, transfor-mando-a em uma ilha artificial; na bacia final docanal, outros túneis e tubos no paredão, para a salade máquinas da usina PA IV (BA). Nos anos 1990,foi barrado, pela obra de Xingó (SE/ AL) o próprio“canyon” do baixo São Francisco, o maior brasileiro, es-cavado no planalto rochoso por dezenas de km, comvazões de mais de dez mil m3/ segundo no pico dascheias. A agricultura de arroz alagado que haviaantes, nos dois lados da foz, em Alagoas e Sergipe,ficou prejudicada com a regulação elétrica da va-zão do rio no último trecho, pois a planície fica tam-bém sujeita a influencias de marés e de banhados

extensos; no “pico” das cheias de março de 2004, ascidades ribeirinhas até Propriá, Porto Real e Pene-do ficaram sob a ameaça de grande enchente, porcausa da abertura das comportas dos vertedourosda barragem de Xingó.

Nas bacias do Tocantins e Araguaia (GO, MT, TO,PA, MA).No rio Araguaia, além do maior “point” de pescafluvial do país, na linha de cidades ribeirinhas deTorixoréu até Aruanã (GO), ainda pode se des-frutar o quê restou dos imensos banhados ondefica a Ilha do Bananal, entre os Estados do Tocan-tins e do Mato Grosso. O rio Tocantins, já foi bar-rado em seu começo, na base da Chapada dosVeadeiros e da Serra de Santana, pelas obras deSerra da Mesa e Cana Brava; na obra do Lajeado, foisepultada a principal corredeira do médio rio e oponto de veraneio mais freqüentado do Estado, apraia da Graciosa, perto de Palmas e de Miracema.

No Pará, com a formação da represa da hidrelétri-ca da Eletronorte, já não se vê nem se ouve mais orio Tocantins roncando ao longo de cem km dearquipélagos, boqueirões, lajes rochosas e cavernasescondendo diamantes e metais preciosos,corredeiras e cachoeiras, entre Itupiranga e Tucuruí.Foi justamente ao longo da margem direita destetrecho não navegável que os franceses fizeram no

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início do século XX,uma ferrovia conec-tando o transportefluvial desde Belématé Tucuruí com otransporte fluvial deMarabá rio acima,pelo médio Araguaiae pelo médio Tocan-tins. Perderam-se omonumento fluvial,a ferrovia, lotes doIncra, estradasvicinais, pomares,benfeitorias, terrasboas... e o país aindaleva um grande pre-juízo econômico vin-te anos depois.19

Rios amazônicos. São centenas de locais deslum-brantes e monumentais, além das milhares de prai-as, saltinhos e pocinhos que o povo freqüenta, nãotemos como conhecer o quê se passa, nem comorepertoriar. A julgar pelas reportagens da mídia epelos próprios estudos de “inventario hidrelétrico”que se fazem, sabemos que alguns monumentos flu-viais dentre os mais intactos, menos mexidos e fre-qüentados, incluem a confluência do Teles Pires e doJuruena formando o Tapajós, no triângulo das divi-sas MT-PA-AM, e mais ao Norte, incluem no rio Ne-gro, o trecho encachoeirado de São Gabriel e o arquipéla-go das Anavilhanas, no Estado do Amazonas. Maispara o Oeste, o “book” dos monumentos incluiria aseqüência de trechos rochosos e encachoeirados norio Madeira, em Rondônia, acima de Porto Velho eabaixo de Guajará – Mirim, a Cachoeira Santo Anto-nio e o boqueirão do Jirau, justamente ali onde os in-gleses trouxeram peões do mundo todo para fazera ferrovia que transpunha o trecho não navegável,de modo a assegurar o transporte entre a Bolívia,os Territórios do Guaporé e do Acre, e, pelo rioMadeira, até Manaus e Belém.

O vale do rio Xingu. Apesar de sua grande dis-tância dos maiores centros, e do acesso terrestreaté hoje bastante difícil, este vale está na mira dasinvestidas barrageiras desde os anos 1980, quan-do o escritório CNEC, ligado à mega-empreiteiraCamargo Corrêa, elaborou sob encomenda daEletronorte, o seu “Inventário hidrelétrico”, queadota o critério exclusivista de “aproveitamentohidrelétrico integral” de um rio.20

Isoladamente cada projeto teria a sua cota de des-truição; a mais extensa de todas seria a do projetochamado Babaquara ou Altamira: um paredão de

60 metros, poucoskm rio acima da ci-dade de Altamira, eatrás dele um“lago” que, quandoestiver cheio, ocu-pará mais de 6.000km2 de superfície.

O projeto da usinahidrelétrica de BeloMonte, antes Kararaôpoderia ter a menorárea alagada dentreos seis (os númerosvariam de 430 a 1100-km2), mas iria colidircom a integridade deum monumento flu-

vial de porte similar às corredeiras e degraus do RioNegro em São Gabriel da Cachoeira, e que talvezseja tão monumental quanto as corredeiras da Itabocano Tocantins, já perdidas. A Volta Grande do Xingu,os arquipélagos fluviais, os pedrais, as cinco Cacho-eiras, do Jericoá até a da Baleia, formam um dosmaiores monumentos fluviais do país ainda nãodestruídos e pouco mexidos.

A análise mais pormenorizada dos problemas pro-váveis destes projetos daria razões de sobra parapropor o cancelamento de Belo Monte e demaisprojetos no rio Xingu. Seu resultado é certeiro:mais uma vez, na história dos nossos rios, seria aadulteração de mais um notável monumento flu-vial; na história do povo ribeirinho, seria a trans-formação radical de tudo o quê havia em uma so-ciedade mercantil centrada num canteiro de obrastipo militarizado, tocado por consórcio de mega-empreiteiras, e depois restará apenas uma mega-empresa de eletricidade (a hipotética operadorada usina, da qual a Eletronorte seria apenas umasócia menor) com um patrimônio fundiário e umpoder político jamais vistos. Uma sociedade coman-dada com mais força e, de mais longe ainda doque os velhos oligarcas de Belém.

Existe a lei, tudo bem, e por isto devemos nos ba-sear nos preceitos da Constituição e das leis: o rioé um bem público, usar as águas depende de ou-torga; se houver Terra Indígena afetada, dependede autorização expressa dos índios e do Congres-so Nacional; fazer usina depende de licença ambi-ental; desapropriar terras e benfeitorias dependede competências legais e deve seguir padrões eco-nômicos aceitáveis e rituais jurídicos...e assim pordiante. Mas, ao lado do discurso legal, e às vezes,

Praia da Graciosa rio Tocantins,cedido pela empresa Investco

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com maior peso, existe também a formação dosvalores e das opiniões. Para termos algum juízode valor sobre tal projeto, não é preciso nem adi-anta seguir a lei; tampouco adiantaria esperar algode fato esclarecedor e participativo, em um pro-cesso de licenciamento ambiental como são hojetais processos.

Neste assunto dos monumentos fluviais, não se tra-ta de estudar impactos, nem haveria qualquer efei-to positivo do fato físico - territorial em si. Seria

uma mega - adulteração, algo muito grande queviraria outra coisa, também muito grande, com-parável a uma destruição final, que não tem re-torno nem medida mitigatória, nem compensa-ção. Qual a compensação pelas Sete Quedas deGuairá, o maior desnível de todo o rio Paraná,submersas pela represa de Itaipu? E, pelo desa-parecimento do Canal de São Simão no rioParanaíba, MG - GO)? E da Cachoeira do Marim-bondo no rio Grande?

QUADRO SINÓTICO 3.

Conseqüências, riscos, rupturas sócio-econômicas, e repercussões da operação de hidrelétricas

A . As conseqüências intrínsecas das obras de hidrelétricas.

Glebas e faixas abertas, arrasadas e refeitas para os can-

teiros de obras, estradas de acesso e vias remanejadas

por causa das obras ou da represa, ancoradouros e por-

tos especiais, pistas de pouso, linhas de transmissão e

sub-estações; a alteração radical do relevo e da cober-

tura: onde era terra, mato, pasto, variado, com desní-

veis, agora é um plano d’água.

A interrupção do rio é quase sempre a interrupção dos

cardumes na migração usual e na piracema; o manejo

das vazões para o trecho abaixo da barragem, pode

resultar nos episódios extremos de enxurradas ou de

ressecamento completo da calha; acima da barragem,

a submersão de todas barrancas e terras ribeirinhas in-

cluindo as bocas dos rios e córregos e os trechos bai-

xos de seus afluentes que deságuam na represa.

Menos evidente, mas certeira é a substituição dos volu-

mes: onde era sólido, e depois gasoso, agora é líquido

sobre sólido; na capa das terras do vale foi erigida uma

pirâmide, um paredão, o restante virou fundo de re-

presa; uma casquinha de sua antiga atmosfera virou

um volume de água e agora a atmosfera começa mais

acima; haverá novas trocas térmicas entre atmosfera,

solo, rochas e água; com a insolação, a água evapora, e

com o vapor, vai junto o calor latente do vapor; com a

putrefação de matéria vegetal, emanam gases e ácidos

orgânicos voláteis, eventualmente sulfetos.

Alteração total da paisagem: obviamente serão outras

a luminosidade, a maior ou menor turbidez do ar, as

cores, as áreas de luz e de sombras, além do próprio

perfil e dos horizontes que se consiga enxergar.

B. Os riscos geofísicos e hidrológicos observados em

muitas obrasRiscos geofísicos e hidrológicos inéditos em cada região

onde foi feito um reservatório; a sismicidade induzida

está comprovada em numerosos casos, mesmo onde não

havia registros históricos de sismos.( no Brasil, p.ex., nas

regiões no entorno das obras de Carmo do Cajuru, rio

Pará, perto de Divinópolis, MG; de Paraibuna, na Serra

do Mar, SP, de Capivara, rio Paranapanema, SP-PR ).

Alteração cumulativa de circulação subterrânea de

águas, aumento de pressões hidrostáticas nas

porosidades e falhas rochosas; surgimento de nascentes

e lagoas, desaparecimento de outras, risco de infiltra-

ção d’água e desmoronamento de diques.

C. As rupturas sócio – econômicas das grandes obras

Rupturas na ocupação do solo: Concentração de pes-

soal de empresas e trabalhadores volantes em áreas já

habitadas por moradores tradicionais, ou em novos alo-

jamentos ou vilas operárias.

Nas áreas arrasadas por obras e nas áreas inundadas, a

destruição de bens agrícolas de proprietários e de co-

munidades: matas, bosques, pomares, culturas e de

todos os patrimônios construídos e naturais num de-

terminado perímetro, destruição parcial e glebas de

terras remanescentes no entorno.

Re-ordenamento fundiário e territorial, somando

glebas dentro do perímetro alagado, nas áreas de can-

teiros e de extração de materiais, nas faixas de estra-

das de serviço, remanejamentos de vicinais, e nas obras

de construção de torres e lançamento de linhas de

transmissão.

Desestruturação dos núcleos sociais, pro causa da re-

moção de famílias, ocupação de novos terrenos em

outros lugares, às vezes distantes da região da obra; re-

organização produtiva; novas moradias e vizinhanças

D. Repercussões da operação de comportas no reser-

vatório e abaixo dele.

Operação das adufas e dos canais de desvio na época

das obras. Cronograma de formação do lago x cheias e

secas sazonais x vazão liberada a jusante.

Decisões operacionais de turbinar, acumular e verter -

e – a oscilação da lâmina d’água; os riscos de rio seco,

ou de enxurrada violenta ou vazão extraordinária a

jusante; as interferências com outras captações de água,

com os acessos (trapiches, pontões, escadas) e com as

construções nas margens da represa e rio abaixo; in-

terferências com a navegação rio abaixo.

Por isto, represas são também sistemas hídricos sujei-

tos a algum grau de controle, por parte dos homens da

empresa operadora e de seus mecanismos técnicos

poderosos. Controlam em parte as vazões d’água e o

acúmulo ou diminuição de volume de água no reser-

vatório; controlam em parte a dinâmica do rio abaixo

da barragem e da usina; para isto, entretanto, seguem

critérios comerciais e de risco operacional, que fre-

qüentemente agravarão os desequilíbrios ambientais.

(Quadro sinótico 4)

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QUADRO SINÓTICO 4

Represa de hidrelétrica como um sistema inédito sobreposto ao precedente,

e sujeito às degradações provenientes da bacia de montante

O sistema hídrico represa de hidrelétrica é, em cada local,

inédito, algo que nunca houve antes; a represa se so-

brepõe ao eco-sistema fluvial anterior; os habitats exis-

tentes são destruídos, inteiramente ou em parte, e ou-

tros habitats serão criados na represa e nos novos rele-

vos e interfaces por ela definidos

Mecanismos certeiros e com diferentes resultados em

cada represa:

• estratificações de temperaturas e luz por camadas,

conforme se aprofunda na massa d’água, quanto mais

fundo mais frio e mais escuro;

• afogamento e putrefação da vegetação, do húmus e

dos resíduos orgânicos do solo anterior - no fundo da

represa, com a emissão conseqüente de ácidos orgâni-

cos voláteis ou gasosos, de hidrocarbonetos, de gases

carbônicos, e às vezes de sulfetos voláteis ou gasosos;

• formação e decadência lenta dos paliteiros nas áreas

onde antes havia árvores, mais a formação e putrefa-

ção lenta dos falsos brejos nas margens mais rasas e

remansos da represa;

• acúmulo de sedimentos trazidos pelo rio e afluentes

da represa e retenção de uma parte desses sedimen-

tos pelas plantas aquáticas;

• evaporação da lâmina d’ água, evaporação nos verte-

douros e no turbilhão dos canais de fuga da usina;

evapotranspiração das plantas aquáticas;

• seleção forçada das espécies da microfauna, dos bi-

chinhos que vivem nos sedimentos e dos peixes, crus-

táceos, moluscos e batráquios que sobrevivem no lago;

bloqueio ou dificuldades nas rotas migratórias de es-

pécies aquáticas; novos pontos de parada em rotas

migratórias de aves e de animais peri - aquáticos; pro-

liferação de insetos dos tipos de águas paradas (nos

remansos) e dos tipos de águas revoltas (nos verte-

douros da barragem).

No novo ecossistema, as populações destas espécies po-

derão se reproduzir enquanto as condições biogéoquí-

micas não se alterarem muito, enquanto não houver

descontinuidades grandes na cadeia alimentar, na

oxigenação da água do rio, enquanto estiverem den-

tro de um rio e de uma represa com condições

hidrodinâmicas e bioquímicas suportáveis, dentro de

extremos delimitados (p.ex. de renovação e velocida-

de ou estagnação da água, de sua acidez e temperatu-

ra, da concentração de íons metálicos e ou de compos-

tos orgânicos tóxicos) por parte das espécies que ali

vivem, e das que por ali passam.

Represas sempre ficam sujeitas às possibilidades de

degradação provocadas por eventos e atividades na

bacia de montante

Aumento da sedimentação por causa de erosão e do

acúmulo de esgotos e de efluentes industriais não –

tratados; contaminação decorrente do uso de agro-

químicos; fermentação do material orgânico exceden-

te com consumo de uma parte do oxigênio dissolvido

na água. Aumentará a emissão de gases CO2, CH4

e

ácidos orgânicos, com acidificação progressiva da água;

poderá haver a solubilização de íons de metais pesa-

dos por causa do aumento da acidez, e por decorrên-

cia, o aumento da bio-metilação desses metais pesados

e de sua bio-acumulação ao longo da cadeia alimentar

aquática e peri-aquática (síndrome de Minamata). O

excesso de nutrientes (nitratos, fosfatos) e de amônia

dissolvidos na água e nos sedimentos, provenientes dos

esgotos e da agricultura, leva à proliferação de algas e

de plânctons de determinadas espécies, incluindo

cianobactérias e outras que provocam intoxicações nos

peixes e nos humanos. O processo todo é conhecido

como eutrofização do corpo d’água, e potencializa vá-

rios dos efeitos já descritos.

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SEVA Fo., A . Oswaldo “Sur les derniersespaces où le capitalisme avance - étudesgéographiques et politiques des investisse-ments en hydroélectricité et en métallurgie,exemples pris en Afrique du Sud et del’Ouest, en Europe du Sud, aux Antilles,aux Guyanes et en Amazonie” – Thèsede Doctorat en “Géographie Humaineet Organisation de l’espace”. Univer-sité de Paris-I - Panthéon-Sorbonne,Paris, 1982.

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no texto e nas notas

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_________”Desfiguração do licenciamentoambiental de grandes investimentos (comcomentário sobre as hidrelétricas projetadasno rio Xingu) Comunicação GT Histó-ria, Sociedade e Meio Ambiente no Bra-sil, 2O Encontro nacional da ANPPAS -Associação Nacional de Pós graduaçãoe Pesquisa em Ambiente e Sociedade,Indaiatuba, SP, maio de 2004.

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destinadas a submergir na represa dafutura usina, está no filme “A terceiramorte de Joaquim Bolívar”, Flávio Cândi-do, 1999).6 São as usinas de Itaipu, no rio Paraná,(divisa Paraná – Paraguai), perto dacidade de Foz do Iguaçu, e que assegu-ra quase metade do consumo elétricodo Sudeste e uma parte da região Sul;de Balbina, no rio Uatumã, (AM), per-to da cidade de Presidente Figueiredo,e que assegura menos da metade daeletricidade de Manaus, Samuel, no rioJamari, (RO), que fornece metade oumais da eletricidade da capital PortoVelho, Tucuruí, no rio Tocantins, Pará,ao lado da cidade de mesmo nome, eque abastece as indústrias de alumínioe de ferro-ligas, além da mineração eexportação de ferro, e as capitaisBelém(PA) e São Luiz, (MA).7 Essas pessoas contraíram hepatoto-xicoses relacionada com a ingestão econtato com a água da represa, em lo-cais próximos à antiga cidade dePetrolândia, que havia sido submersapoucos dias antes, sem as devidas me-didas de limpeza e descontaminaçãode esgotos, fossas e cemitério; as análi-ses da água provaram a concentraçãode algas pigmentadas e decianobactérias Anabaena e Mycrocistis(cf CONFALONIERI, e outros, 2002).8 Ver as recomendações da Comissãoem anexo.9 Os clichês mais ouvidos: não vamosvoltar à idade da lamparina”, “não se podeser contra o progresso”, “temos que evitar oblack – out, o apagão”. As promessas nãoassinadas, e no entanto a toda horarepetidas: “haverá o aproveitamento múl-tiplo da represa, vai ter turismo e indústriapesqueira”,“será deixada sempre uma va-zão ecológica rio abaixo”; “todos serão in-denizados e recompensados”; “todos os no-vos lotes terão irrigação”,“o município vaienriquecer com a arrecadação e o comércio,milhares de empregos”.As repetições insistentes, que atraves-sam vários meios culturais e partidári-os como verdades inquestionáveis:“opotencial hidrelétrico dos nossos rios tem queser aproveitado”, “a energia hidrelétrica élimpa, renovável, uma maravilha”.Isto provavelmente se explica porque

1 Comunicação apresentada ao GTEnergia e Meio Ambiente, do 2O En-contro Nacional da ANPPAS - Associa-ção Nacional de Pós-graduação e Pes-quisa em Ambiente e Sociedade,Indaiatuba, SP, maio de 2004.2 São relatórios, reportagens e tesesacadêmicas feitos há poucas décadasno Brasil e em muitos países onde fo-ram construídas tais obras; ver na bi-bliografia: BERMANN, 1991;HILDYARD, GOLDSMITH, 1984;SANTOS, ANDRADE, 1988, MCCULLY, 2001, SEVA, 1982, 1986, 1988a,b, 1990a, b; SEVA e BERMANN, 1996,3 Exemplo disto é uma das primeirasrevistas técnicas periódicas sobre hidre-letricidade, lançada em Grenoble, nopré- Alpes da França, nos anos 1930,chamada “La Houille Blanche”, algocomo o “carvão branco”, ou “carvãolimpo”, uma logomarca coerente coma mudança sofrida na estrutura de ge-ração elétrica naquele país onde, na-quela época, se construíam muito maiscentrais hidrelétricas do que as tradi-cionais usinas térmicas a carvão.4 Nos anos 1930 a 1940, a obra deHoover Dam no rio Colorado, próxi-mo do Grand Canyon e de Las Vegas;e as obras da Tennessee ValleyAuthority, retratadas no filme de EliaKazan “Wild River”, cujo “happyending” é o casamento entre uma mo-radora atingida pelas obras e um en-genheiro da empresa! Nos anos 1970,na mesma bacia do Tennessee, em suaparte alta, nos Montes Appalachean,no percurso de um trecho de rio queseria represado passa-se o enredo deoutro filme: “Deliverance”.5 Por aqui, poucos exemplos: o vali-oso “Repórter Especial: Kararaô, um gri-to de Guerra”, de Delfino Araújo, TVCultura, 1989, sobre o primeiro “pa-cote” de mega - projetos no Xingu;uma telenovela global (“Fogo sobre ter-ra”) usava o canteiro de obras comocenário e no centro da trama estavamas terras, fazendas e a cidade deDivinéia, que iam ser “alagadas”. Umaficção baseada na história do interi-or do RJ e da política brasileira des-de os anos 1950, tendo no pivô dosconflitos uma cidadezinha e fazendas

as hidrelétricas e também a energia emgeral, se prestam bastante às campa-nhas ideológicas em torno de um con-ceito valorizado como o de desenvolvi-mento, e ainda, acrescentando o adje-tivo sustentável. Ver a respeito SEVA,2002, ANPPAS

10 No caso das hidrelétricas e suas re-presas, os métodos equivalem a: 1)marcar pontos de observação acima,abaixo e no trecho em que o rio barra-do e comparar tudo o que se via antescom tudo o que se vê depois da repre-sa existir e da usina funcionar- e – 2)descer o rio junto com a água da cor-renteza, antes dele ser barrado e de-pois, e comparar as duas trajetórias, eas medições feitas em cada uma delas.Na Física são conhecidos como os mé-todos de Euler e de Lagrange, cientis-tas dos mais notáveis, criadores de “fa-mílias de equações” que vêm sendoamplamente utilizadas no estudo docomportamento dos gases, dos líqui-dos, dos materiais particulados e desuas misturas, e no estudo das ondasmecânicas e magnéticas...

11 Daí vem a noção conhecida dos ci-entistas há décadas, e modernamentedifundida por TRONCONI e seus cole-gas, 1991, de que: o próprio planeta étambém uma máquina termodinâmicaprocessando e dissipando permanente-mente a energia recebida com a luz so-lar e a sua própria energia interna, atra-vés das correntes marinhas, das ondas,da formação e deslocamento das nu-vens, da força e barulho dos ventos, tem-pestades e chuvas, e das energias absor-vidas e devolvidas pelos seres vivos.

12 Do lado dos empreendedores, as-sim chamados de forma tão neutra eaparentemente benévola, são podero-sos os meios de execução das ações: -como impedir que uma carga de ex-plosivos detone uma laje rochosa seisto já está programado e decidido ?-quem resistirá a uma moto-niveladoraque está arrasando um pomar e umacasa, cujos donos não tiveram comofazer valer sua recusa? - quem modifi-cará o fechamento ou a abertura deuma comporta cuja operação está se-cando o rio a jusante, - ou ao contrá-rio, está baixando o nível da represa

Notas

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(e nos dois casos provocando prejuí-zos sérios para os agricultores e outrasatividades beira – rio e beira- repre-sa...) - quando estas manobras técni-cas operacionais vêm determinadaspor um “board” de despachantes - ven-dedores de eletricidade funcionandolá no RJ ou em Brasília?13 Nos últimos anos, todas as inaugu-rações de hidrelétricas, mesmo peque-nas, e às vezes, uma simples partida demais um Turbo-Gerador, sempre con-tam com a presença do Presidente edos governadores, reafirmando a im-portância da eletricidade para o pro-gresso, advertindo dos riscos de outroracionamento de energia, se os inves-timentos não prosseguirem.... E lou-vando os empregos dados pelas em-preiteiras. Eventos eleitoreiros emarqueteiros, têm sido cobertos pelosjornais, revistas, os boletins das empre-sas e dos sindicatos, rádios e TVs. Pormeio dos satélites e do cabo ótico, pu-demos ver há três, quatro anos, algodas obras da maior usina de todas, TrêsGargantas, na China, no seu maior rio,o Yang-tze. Inaugurada em 2003 a 1ªfase, prevista no total para instalar 18mil Megawatts (Itaipu tem hoje maisde 13.000 MW ); foram removidos qua-se dois milhões de chineses.

14 Dramas típicos destas rupturas secomprovam lá onde foram diretamen-te atingidos, ou estão sob ameaça deperda de terras e de deslocamento for-çado, os moradores de aldeias e terrasindígenas e dos quilombos antigos e asterras de santo, vivendo há muito tem-po nos locais agora escolhidos para asobras. Mesmo que seus patrimônios,roças e casas não sejam diretamentesubmersos pela represa, nem arrasadospor canteiros de obras e “áreas de em-préstimo” de areia, brita e madeira,eles acabam tendo os seus riosbarrados, acessos alterados, seu peixeameaçado...O quê relembra a antigaquestão racial no país, e as antigas dis-putas pelos locais com mais riquezas:passados cento e poucos anos da abo-lição da escravatura, e parece repetirem várias áreas de hidrelétricas, a vio-lenta relação que já tiveram os bran-cos poderosos com os nativos que res-taram e com os negros que consegui-ram fugir. Em outros casos, moradoresdesalojados se tornaram sem – terrasem alguma região próxima ou distan-te, uns poucos viraram colonos; outros

foram re-assentados de vários modos:às vezes, em glebas e agro - vilas na bei-ra da represa, mais comumente na fai-xa que contorna o “lago”, porém emterras altas, que podem ser imprópriaspara as culturas agrícolas e as criaçõestradicionais, que estavam mais perto dorio e dos aluviões sedimentares; às ve-zes transferidos por dezenas ou cente-nas de km longe de onde viviam.

15 Por exemplo, nos estudos de polui-ção, o jargão técnico denomina tal re-presa de um “corpo receptor”; na prá-tica brasileira, já temos várias represasque funcionam como uma bacia de de-cantação de esgotos urbanos e indus-triais; é o caso da represa de America-na cujo rio formador, o Atibaia traz umfluxo ponderável de esgoto urbano edescargas industriais de Campinas e dePaulínia, SP; é o caso mais antigo e bemmaior, da conhecida represa Billings naRegião Metropolitana de SP; outras vãose tornando bacias de rejeitos sólidosde mineração ou garimpo e de obrasde engenharia que provocam erosõese perda de solo.

16 Cada grupo de problemas foi deta-lhado nos quadros sinóticos 3 e 4, aofinal do artigo. As melhores avaliaçõesdas hidrelétricas sem dúvida são aque-las que exercitam uma concepção in-tegrada entre Energia, Ambiente eCondições de Vida. Por exemploCONTI, 1977, HILDYARD &GOLDSMITH, 1984, TRONCONI etalli, 1991, BERMANN, 1991, SEVA eBERMANN, 1996; o famoso relatórioda Comissão Mundial de Barragens,WCD, 2000; McCULLY, 2001 eBERMANN, 2002.

17 Rio abaixo destas duas represas nosul de Minas, o rio Grande tem outrasoito represas, e mais cinco no trechoem que se chama Paraná. O historia-dor americano-brasileiro WarrenDEAN em sua obra póstuma (1996)registrou com detalhes os diversosmodos de degradação, ao longo da his-tória brasileira, da vasta região cober-ta pela Mata Atlântica, desde o RGNaté o RS, e adentrando por MG, GO eMS. Um dos destaques nesta perda dagrande Mata foi justamente a constru-ção de dezenas de hidrelétricas degrande porte nos formadores doParaná: Grande, Verde e Sapucaí, emMG; Paranaíba(MG e GO), Tietê ,SP,Paranapanema, SP e PR, Iguaçu, PR e

rio Uruguai(RS-SC). Na dissertação deMestrado de Luciana KALINOWSKI,2002, FEM/Unicamp, PlanejamentoEnergético, é feita uma análise maisdetalhada dos problemas das hidrelé-tricas nos rios Iguaçu, Paranapanemae no seu afluente Tibagi.18 A superfície da represa de Itaipu éoficialmente, no Brasil, de 1.500km2; ohistoriador DEAN cita uma fonte nãooficial com mais de 3.700 km2 certamen-te somando o alagamento da margemdireita, no Paraguai (DEAN, 1996, p.310). Uma valiosa análise histórica e an-tropológica dos problemas sofridos pe-los indígenas por causa das obras deItaipu e de Yaciretá-Apipe(ARG-PAR),e na região dos projetos hidrelétricosno rio Tibagi, encontra-se na obra cole-tiva organizada por Silvio COELHODOS SANTOS e Aneliese NACKE, 2003.19 No livro-coletânea sobre os projetosno Xingu, (SANTOS e ANDRADE,1988) o artigo da profa Sonia Maga-lhães detalha o quê foi a implantaçãodesta mega-usina na região ribeirinhado baixo Tocantins. O livro do jorna-lista paraense Lucio Flávio PINTO,2002, pode bem chocar os leitores porcausa das dimensões e da identificaçãode alguns personagens do rombo e daroubalheira que se montou por trás doscontratos de construção e montagemda usina de Tucuruí e dos contratos deenergia das indústrias e minerações daregião, às quais se destina a eletricida-de vendida pela Eletronorte; e comen-ta nesse mesmo contexto, o significa-do de continuidade desta jogadaenergética internacional que poderiamter, caso fossem construídos, os proje-tos no rio Xingu, principalmente o fa-moso Belo Monte.20 Foram seis obras previstas: a maisalta, Jarina, alagaria trechos do sul doPará e do norte de Mato Grosso, atéperto do parque Indígena do Xingu;rio abaixo,as obras de Kokraimoro,Ipixuna( que alagaria a cidade de SãoFelix do Xingu), de Babaquara e deBelo Monte; além de um projeto no rioIriri, o maior afluente do Xingu. Seacaso fossem realmente construídas,alagariam quase 20.000 km quadradosde floresta no perímetro das represas,e devastariam outro tanto de terreno,desmatado, rasgado, aterrado, parapassar linhas de transmissão, estradasde serviço, e para retirar material deconstrução das obras

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Capítulo 13

Contra-ataque! Choque da Comissão Mundial de Barragensestimula a indústria de grandes barragens a açãoPatrick McCully

A publicação do relatório final da Comissão Mun-dial de Barragens (CMB) em novembro de 2000foi um forte golpe para o orgulho pessoal e profis-sional de muitos na indústria de grandes barra-gens.* A CMB criticou duramente não apenas omau desempenho dos projetos de grandes barra-gens, mas também a corrupção, os interessescorporativos e a incompetência institucional queimpulsionaram a construção de barragens.

Sem surpresas, uma grande parte da indústria debarragens e em particular governos construtoresde grandes barragens como Índia, Brasil, Turquiae China, rejeitaram o relatório da CMB. As princi-pais associações profissionais de grandes barragens,especialmente a Comissão Internacional de Gran-des Barragens (ICOLD) e a Comissão Internacio-nal sobre Irrigação e Drenagem (ICID), que tra-balham intimamente com esses governos, tambémforam duras em suas críticas com relação à CMB.

O choque que a CMB proporcionou à indústriainternacional de barragens estimulou uma indús-tria tipicamente desligada, desorganizada e com-placente (ver quadro no site da ICOLD) a passarpara a ofensiva. Partes da indústria agora estãodesenvolvendo estratégias coerentes para influen-ciar a opinião pública e as políticas globais de águae energia.

Este contra-ataque em relação às recomendaçõesprogressistas no relatório da CMB foi auxiliado portendências políticas mais amplas, e especialmente agrande guinada para a direita nos Estados Unidos,

Índia e partes da Europa. A pretensa “guerra aoterrorismo” conduzida pelo regime Bush ajudoua promover uma cobertura para que governos au-tocráticos como na Tailândia, Índia e Paquistão asejam mais severos com dissidentes de todos os ti-pos, incluindo movimentos populares e ONGs quese opõem às barragens. Os ataques de 11 de se-tembro e a resposta dos Estados Unidos tambémmexeram com os direitos humanos e os interessesambientais na lista de prioridade dos governos epúblico em geral.

Essa tendência reacionária também influenciou apolítica do conselho do Banco Mundial, mais per-ceptível pelo desprezo do Diretor Executivo dosEstados Unidos pelos interesses dos grupos deintermediação progressista. Isto incentivou o Ban-co a declarar recentemente seu apoio a uma novageração do que ele chama de “infra-estrutura hi-dráulica de ampla escala” (o banco fica mais tími-do quando chama uma barragem de barragem).

Ainda que a indústria esteja certamente protelan-do através de muita retórica e relações públicassobre a necessidade e a inevitabilidade de promo-ver a construção de grandes barragens, há muitasrazões para crer que o declínio consistente na cons-trução de barragens continuará.

Barragens são uma boa opção para você.Os principais governos construtores de grandes bar-ragens, as associações industriais e o Banco Mundial

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trabalharam juntos para elaborar um novo discur-so para as grandes barragens renováveis, favoráveisao meio ambiente e importantes para reduzir apobreza. Esta estratégia já produziu algumas recom-pensas para eles. O sucesso mais importante para aindústria estava em obter energia hidráulica emgrande escala implicitamente definida como “ener-gia renovável” na Reunião Mundial sobre Desen-volvimento Sustentável (WSSD) realizada emJohannesburgo em setembro de 2002. Na reunião,os governos com importantes planos de desenvolvi-mento de energia hidráulica liderados pelo Irã, in-troduziram a expressão “tecnologias de energiarenovável, incluindo hidráulica” numa frase a res-peito da diversificação da energia no plano deimplementação da Reunião.

O Consultor Sênior de Águas do Banco Mundial,John Briscoe, introduziu diversas referências à lin-guagem pró-hidroeletrica da WSSD na nova Estra-tégia do Setor de Recursos Hídricos do Banco. Aversão final da estratégia, publicada em fevereirode 2003, reivindica que “a declaração oficial dareunião enfatiza o papel que a energia hidrelétri-ca pode ter na redução da pobreza em países dedesenvolvimento.” De fato, em nenhum lugar osdocumentos da reunião relacionam energia hidre-létrica com redução da pobreza (a linguagem aci-ma mencionada é o único local em que os docu-mentos oficiais da WSSD mencionam energia hi-drelétrica ou barragens). Embora este “erro” te-nha sido destacado nos comentários sobre um es-boço de estratégia, a declaração falsa continua notexto final do Banco. O documento estratégicotambém enfatiza que as conclusões da WSSD sig-nificam que os grandes projetos hidrelétricos de-vem beneficiar-se dos esquemas comerciais de tro-ca do carbono destinado a ajudar a reduzir asemissões de gás de estufa.

A indústria hidrelétrica ignorou amplamente oSegundo Fórum Mundial sobre Água em Haia, noano 2000. Mas a Associação Internacional de Ener-gia Hidrelétrica (IHA) fez bom uso do valor dasrelações públicas do Terceiro Fórum Mundial so-bre Água deste ano, realizado em Kyoto. “Águapara Energia” foi um dos temas principais dofórum, e as discussões organizadas da IHA sobreeste tema (com a ajuda do financiamento do Ban-co Mundial) sob o título “Primeira Reunião Inter-nacional sobre o Uso Sustentável da Água paraEnergia.” Os esforços do IHA no Fórum Mundialde Água terminaram com a seguinte frase na de-claração ministerial final da reunião:“Reconhecemos o papel da energia hidrelétrica como umadas fontes de energia renováveis e limpas, e que seu potencial

deve ser realizado de forma ambientalmente sustentável e so-cialmente justa.”

A IHA desde então afirmou que a Declaração deKyoto e o Plano de Implementação de Johannesburgsão “determinações essenciais para o futuro papelda energia hidrelétrica.”

Que o Fórum Mundial de Águas transmitiu umaforte disposição de apoio para energia hidrelé-trica e grandes barragens em geral não é surpre-sa. O organizador desses fóruns no ConselhoMundial de Águas (WWC) é um grupo deintermediação composto de empresas de enge-nharia, construção e abastecimento de água, gran-des associações construtoras de barragens inclu-indo ICOLD e IHA, e financiadores internacio-nais, incluindo o Banco Mundial.

O WWC foi co-patrocinador do “Congresso Mun-dial sobre Financiamento de Infra-estruturaHídrica” presidido pelo ex-Diretor Administrati-vo do Fundo Monetário Internacional, MichelCamdessus. O “Relatório Camdessus” foi apresen-tado – no em meio a muita controvérsia – emKyoto. Embora enfatizando a forma de aumentaros investimentos privados em abastecimento deágua, o relatório também convoca doadores paraangariar recursos para grandes barragens. Ele rei-vindica que a WSSD deu o “reconhecimento danecessidade de armazenamento de água e desen-volvimento de energia hidrelétrica, incluindo bar-ragens de todos os tamanhos, que significaram umaimportante mudança de humor.”

O trabalho da Comissão Mundial de Barragens sófoi mencionado numa nota de rodapé no Relató-rio Camdessus – que contém a implicação de queo relatório CMB foi de um certo modo substituídopela WSSD. É impressionante, e claramente absur-do reivindicar que o trabalho de dois anos da CMB,esforços sem precedentes de consultoria públicae milhares de páginas de pesquisa e análise de vas-ta gama de problemas relativos a barragens foramneutralizados por umas poucas palavras sobre hi-drelétricas colocadas na última hora no Plano deImplementação da WSSD.

O Relatório Camdessus obedece à estratégia deágua do Banco Mundial ao indicar uma ligaçãobastante clara entre a construção de grandes pro-jetos hidrelétricos e a redução da pobreza. Estaligação retórica agora está ajudando a justificar ainclusão de mega-projetos de hidrelétricas comocomponentes-chave de importantes esquemas re-gionais de desenvolvimento sustentável, como aIniciativa da Bacia do Nilo e a Nova Parceria para

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o Desenvolvimento da África (NEPAD), pesada-mente promovido em qualquer reunião interna-cional com a África na ordem do dia.

A nova legitimidade retórica dos mega-projetos hi-drelétricos e a possibilidade de que o Banco Mun-dial pudesse colocar algum dinheiro para construirtais projetos, também encorajaram os governos aapoiar projetos de infra-estrutura que há muitopovoam os sonhos dos planejadores. O mais notá-vel desses projetos é o esquema de “ligação de rios”da Índia, uma fantasia stalinista que envolve o redi-mensionamento da geografia da Índia a custos eco-nômicos, sociais e ambientais mutilantes.

Retórica x RealidadeEmbora a nível retórico as coisas pareçam ser ver-dadeiras para a indústria de barragens, na realida-de será muito difícil colocar de lado os oponentese captar recursos maciços exigidos para a novageração esperançosa de mega-esquemas. Fazendo-se de bravo para o mundo exterior, em suas pró-prias reuniões os “experts” da indústria admitemque os tempos são difíceis. Alison Bartle, editordo jornal Hydropower & Dams (e presidente do co-mitê de relações públicas da Associação Internaci-onal de Energia Hidrelétrica) declarou numa reu-nião da ICOLD no ano passado que a comissãoestava “enfrentando o período mais desafiador emseus 74 anos de história.”

Fora do Banco Mundial, muitos financiadores dosetor público e privado estão cada vez mais preo-cupados com os altos riscos – financeiros e em ter-mos de reputação – envolvidos nos investimentosde grandes barragens. E mesmo dentro do Bancohá pessoas que não percebem melhorias para suascarreiras profissionais (ou auto-estima) através doenvolvimento em outra polêmica barragem degrande porte.

Embora muitos na indústria de grandes barragenscontinuem firmes em sua oposição aos achados dacomissão CMB, outros – incluindo muitos na IHA –acham que não podem querer a CMB fora e devemno mínimo ser vistas como aberta para os amplosprincípios que afirmou no discurso público sobregrandes barragens e desenvolvimento. Alguns naindústria estão preparados para seguir boa parte dasrecomendações da CMB, compreendendo que issosignificará menos barragens de grande porte, masesperando que esses projetos, no futuro, possam serimplementados sem os atrasos e dores de cabeçaresultantes da oposição pública. O falecido GeoffSims, então vice-presidente da ICOLD, desafioumuitos de seus colegas declarando, em 2000, que

“Nenhuma pessoa sensata argumentaria contra aprincipal investida do relatório da CMB …para evi-tar o desperdício envolvido com discussões difíceisdo passado, temos o dever de adaptar nossos méto-dos de trabalho para adequar-se às diretrizes reve-ladas pela CMB.”

Muitas empresas, financiadores e agências interna-cionais estão levando a sério o relatório da CMB eexigindo o cumprimento de suas recomendações.A estatal norteamericana Overseas PrivateInvestment Corporation incluiu os princípios rele-vantes das políticas da CMB para uma agência degarantia de investimento ao seu esboço do manualdo meio ambiente. Recentemente a Swiss Re, umadas maiores resseguradoras do mundo, adotou umanorma exigindo que “os grandes projetos sejam tra-tados de acordo com os princípios e prioridades[da CMB].” Em diversos países, incluindo África doSul, Vietnã e Alemanha, os processos estão avan-çando com o envolvimento do governo, da socie-dade civil e do setor privado para discutir como asrecomendações da CMB podem ser implementadasna prática e na legislação nacional.

Nenhum dinheiro, nenhuma barragemMais preocupante para a indústria de grandes bar-ragens, pelo menos a curto prazo, é a escassez definanciamentos para grandes projetos. A brigaentre o colapso do Enron e a implosão dos fluxosde investimentos privados para os países em de-senvolvimento (especialmente para o setor de ener-gia) interrompeu quase completamente o fluxo,que já era bem menor do que o esperado para osrecursos do setor privado para barragens. Os pro-blemas econômicos e fiscais em muitas partes domundo significam que os investimentos públicostambém estão escassos. A retirada, em meados de2003 dos principais agentes de desenvolvimentodas barragens de Bujagali (Uganda) e Nam Theun2 (Laos) é uma ilustração perfeita da profundida-de dos problemas atualmente enfrentados pelaindústria de barragens de grande porte.

As tendências políticas mais amplas talvez agoranão sejam também tão favoráveis quanto os entu-siastas de barragens podem esperar. Os limites doImpério Americano agora estão sendo testadospela queda do Iraque, abrindo mais uma vez o es-paço político para que os progressistas possampromover os direitos humanos e respeitar as nor-mas internacionais.

O governo do Partido dos Trabalhadores no Bra-sil trouxe uma importante influência para o movi-mento nacional dinâmico deste país com relação

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às pessoas afetadas pelas barragens, bem comooutros movimentos sociais e ONGs. Foi fortalecidatambém a influência política das autoridades dosetor ambiental do País. Os desenvolvimentos noBrasil tendem a aumentar a influência da socieda-de civil em outras partes na América Latina e além.

As tendências tecnológicas também estão operan-do contra os interesses da indústria de grandesbarragens. Importantes aprimoramentos na efici-ência energética da tecnologia da dessalinização esubseqüentes reduções em seus custos significamque a dessalinização está cada vez mais barata doque a transferência de água de longas distâncias(mais da metade das pessoas no mundo vive pertoos mares e oceanos). Tecnologias de energia lim-pa, em particular energia eólica e solar, estão avan-çando rapidamente e poderão competir cada vezmais com as grandes hidrelétricas. A energia eólicajá é mais barata (e mais publicamente aceitável)do que a energia hidrelétrica em muitos locais, ehá poucas dúvidas de que a energia solar não este-ja muito atrás.

A multinacional japonesa Sharp, a maior produ-tora de sistemas fotovoltaicos do mundo, prevê aqueda dos custos de para US$ 2.500 por quilowattinstalado na próxima década. Os custos atuais deinstalação de grandes projetos hidrelétricos tipi-camente estão mais ou menos neste nível. E em-bora os custos de energia solar e eólica estejamcaindo rapidamente, o custo da energia hidrelé-trica está aumentando. Um estudo do Banco Mun-dial de 1990 concluiu que os custos constantes dodólar das instalações hidrelétricas estão aumentan-do em 3,5 a 4% ao ano. As razões para os custoscrescentes incluem esgotamento do local (os lo-cais mais baratos já foram usados), pressão paragastar mais dinheiro para minimizar os custos so-ciais e ambientais, e que a energia hidrelétrica éuma tecnologia desenvolvida com pouco espaçopara aumentar a eficiência ou baixar os custos. (Ne-nhum estudo sobre a inflação da energia hidrelé-trica foi publicado depois de 1990, mas não hánenhuma razão para acreditar que a tendênciatenha sofrido qualquer mudança drástica).

Os perigos da Mudança ClimáticaAs usinas hidrelétricas são construídas na suposi-ção de que os padrões de precipitação e fluxo plu-vial podem ser usados para prever com precisão aprodução futura de energia e a dimensão das inun-dações que poderiam ameaçar a segurança das bar-ragens. Mas a mudança climática trará extremos deseca e inundações fora do registro histórico. Se os

agentes de desenvolvimento fossem levar em contaas mudanças climáticas, as barragens deveriam termaiores capacidades para dar passagem com segu-rança a altas inundações, e as projeções da geraçãode força teriam de permitir novos extremos de se-cas. Esses fatores aumentariam os custos e reduziri-am os benefícios esperados da energia hidrelétrica,tornando ainda mais difícil obter financiamento dosagentes de desenvolvimento.

A indústria freqüentemente afirma que as emis-sões de gás de estufa da energia hidrelétrica sãozero, ou no mínimo insignificantes comparadascom as usinas de combustível fóssil. Porém, as evi-dências disponíveis sugerem que as emissões degrandes reservatórios tropicais podem ser compa-ráveis ou até maiores do que as dos combustíveisfósseis. A ciência de medir emissões da energiahidráulica e compará-las a partir de outrastecnologias de geração é complexa, altamente con-testada e ainda sujeita a muitas incógnitas. Até quese possa esclarecer totalmente que os novos proje-tos hidrelétricos terão menos impacto climático doque as alternativas, será difícil para a indústria debarragens justificar a captação de subsídios de car-bono para projetos importantes.

O principal esquema de comércio internacionalde carbono é o Mecanismo de DesenvolvimentoLimpo do Protocolo de Kyoto. Até agora pareceque grandes projetos hidrelétricos podem ter umperíodo difícil atendendo os requisitos de elegibi-lidade da CDM e diversos projetos hidrelétricos jáforam rejeitados pelo CDM. As preocupações deque o tratamento de mudanças climáticas não devefomentar outros problemas sociais e ambientais jáestão fazendo com que os compradores de crédi-tos no mercado emergente de carbono acautelem-se em relação aos grandes projetos hidrelétricos.Os governos da Alemanha e da Holanda anuncia-ram que só originarão créditos de grandes proje-tos hidrelétricos que esteiam dentro das recomen-dações da CMB.

Mas a razão mais importante para acreditar que anova aurora da indústria de grandes barragens nãosurgirá é que a oposição pública às suas propostascontinua forte e só tende a crescer. O contra-ata-que descrito acima foi uma reação não somente àCMB, mas também aos movimentos populares eONGs, que se opuseram a muitos projetos de gran-des barragens, e cujas críticas e protestos levaramo Banco Mundial a ajudar a estabelecer a CMB noprimeiro lugar.

Apesar da clara rejeição do relatório CMB pormuitos dentro da comissão ICOLD e das tentativas

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dissimuladas do Conselho Mundial de Águas eBanco Mundial para desabonar o relatório, osachados e recomendações continuarão a ser opadrão internacional contra o qual as propostasde barragens serão julgadas. A oposição às gran-des barragens continuará enquanto barragensdestrutivas forem propostas e seus defensores ten-tarem angariar fundos e obter apoio público combase em estudos incompetentes e incompletos,promessas mentirosas e repressão de dissidentes.

Com a queda da aceitação pública e com muitasopções melhores para fornecer água e eletricida-de, cada vez mais apenas as grandes barragensmais benignas e essenciais irão adiante. E isto sig-nifica bem poucas barragens construídas do quenos dias de hoje.

* A expressão “indústria de grandes barragens” que useirepresenta o complexo de pessoas e instituições que pro-movem, planejam, financiam, constroem e operam gran-des barragens.

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13.1. Barragens e desenvolvimento:um novo modelo para

tomada de decisões

Comissão Mundial de Barragens

O Relatório da Comissão Mundial deBarragensEm abril de 1997, com apoio do Banco Mundial eda IUCN - União Para Conservação Mundial - gru-pos representando diversos interesses reuniram-se em Gland, Suíça, por ocasião da publicação deum recente relatório do Banco Mundial, para dis-cutirem questões altamente controversas envolven-do as grandes barragens. O workshop reuniu 39participantes de governos, do setor privado, deinstituições financeiras internacionais, de organi-zações da sociedade civil e de populações afeta-das. Uma das propostas resultantes do encontrofoi que todas as partes trabalhassem juntas paraestabelecer a Comissão Mundial de Barragens(CMB) com mandato para:

• Examinar a eficácia da construção de grandesbarragens e estudar alternativas para o desenvol-vimento de recursos hídricos e energéticos; e

• Elaborar critérios, diretrizes e padrões interna-cionalmente aceitáveis para o planejamento, pro-jeto, avaliação, construção, operação, monitora-mento e desativação de barragens.

A CMB iniciou o seu trabalho em maio de 1998,sob a presidência do prof. Kader Asmal, ministrode Assuntos Hídricos e Florestais da África do Sulna época. Os membros foram escolhidos de talmodo que refletissem a diversidade regional, umavariada gama de conhecimentos e as diferentesexpectativas das partes envolvidas.

• A CMB foi independente, com cada membro par-ticipando com sua capacidade individual, não re-presentando nenhuma instituição ou país.

• A Comissão empreendeu o primeiro estudoabrangente de natureza global e independentedo desempenho e impacto das grandes barragense das opções disponíveis para o desenvolvimen-to de recursos hídricos e energéticos.

• Consultas públicas e o livre acesso à Comissãoforam componentes fundamentais do processo.O Fórum da CMB, constituído por 68 membros- formando uma amostra representativa fiel dosvários interesses envolvidos, pontos de vista e ins-tituições - foi consultado ao longo de todo o tra-balho da Comissão.

• A CMB foi pioneira num novo modelo de ob-tenção de verbas envolvendo todos os grupos in-teressados no debate: 53 organizações públicas,privadas e da sociedade civil ofereceram fundospara o processo da CMB.

O relatório final da Comissão Mundial de Barra-gens, Barragens e Desenvolvimento: Um Novo Mode-lo para Tomada de Decisões, foi publicado emnovembro de 2000.

Os Comissários da Comissão Mundial deBarragensUma ampla consulta a todos os grupos interessa-dos na questão das grandes barragens resultou em

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um convite a váriaspersonalidades emi-nentes para torna-rem-se membros daComissão Mundialde Barragens (CMB).Essas pessoas foramselecionadas por suaampla e variada ex-periência, pontos devista e conhecimen-tos que poderiamtrazer para o debate.Os membros foram:Prof. Kader Asmal(Presidente), Ministroda Educação, Áfricado Sul; Lakshmi Chand Jain (Vice-Presidente), Mem-bro do Conselho da Industrial DevelopmentServices, Índia; Don Blackmore, Diretor da Comis-são da Bacia Murray-Darling, Austrália; Joji Cariño,Fundação Tebtebba, Filipinas; Prof. JoséGoldenberg, Instituto de Eletrônica e Energia daUniversidade de São Paulo, Brasil; Judy Henderson,Ex-presidente da Oxfam International, Austrália;Göran Lindahl, Presidente e CEO da ABB Ltd.,Suécia; Deborah Moore, Consultora Sênior,Environmental Defense, Estados Unidos; MedhaPatkar, Narmada Bachao Andolan, (Luta para Sal-var o Rio Narmada), Índia; Thayer Scudder, Pro-fessor de Antropologia, Instituto de Tecnologia daCalifórnia, Estados Unidos; Jan Veltrop, Presidentehonorário da Comissão Internacional sobre Gran-des Barragens (ICOLD), Estados Unidos; AchimSteiner, Secretário-Geral da CMB, (membro ex-officio da Comissão), Alemanha.

O Relatório da CMB - Um ResumoO modelo para tomada de decisões apresentadopela Comissão baseia-se em cinco valores essenci-ais: equidade, sustentabilidade, eficiência, proces-so decisório participativo e responsabilidade. Omodelo propõe:

• Uma abordagem de direitos e riscos que sirva debase prática e justa para identificar todos os legí-timos grupos de interesse envolvidos na negoci-ação de opções de desenvolvimento e acordos.

• Sete prioridades estratégicas e os princípios po-líticos correspondentes para o desenvolvimen-to de recursos hídricos e energéticos - conquis-ta da aceitação pública, avaliação abrangente dasopções, aproveitamento das barragens existen-tes, preservação de rios e meios de subsistência,

reconhecimentode direitos adquiri-dos e compartilha-mento de benefíci-os, garantia decumprimento, ecompartilhamentodos rios para a paz,desenvolvimento esegurança;

• Critérios e diretri-zes para boas práticasrelacionadas às prio-ridades estratégicas -abrang endo desde aanálise do ciclo devida e de fluxos am-

bientais até análises de risco de empobrecimentoe o estabelecimento de pactos de integridade; e

A posição filosófica e as recomendações da Comis-são oferecem espaços para avanços que nenhumaperspectiva isolada é capaz, assegurando que a to-mada de decisões sobre o desenvolvimento de re-cursos hídricos e energéticos:

• Reflita uma abordagem abrangente capaz de in-tegrar as dimensões sociais, ambientais e econô-micas do desenvolvimento;

• Crie um maior grau de transparência e certezapara todos os envolvidos; e

• Aumente o nível de confiança na capacidade dasnações e das comunidades de ter atendidas suasnecessidades futuras de água e energia.

Barragens e Desenvolvimento - UmaIntroduçãoBarragens têm sido construídas há milhares deanos - barragens para controlar inundações, pararepresar águas como fonte de energia hidrelétri-ca, para fornecer água para consumo humano di-reto, uso industrial ou para irrigar plantações. Emtorno de 1950 os governos - ou, em alguns países,o setor privado - estavam construindo um númerocada vez maior de barragens à medida que as po-pulações aumentavam e as economias nacionaiscresciam. Pelo menos 45.000 grandes barragensforam construídas para atender demandas de águaou energia. Hoje quase metade dos rios do mun-do tem ao menos uma grande barragem.

Na entrada do novo século, um terço dos paísesdo mundo depende de usinas hidrelétricas paraproduzir mais da metade da sua eletricidade. As

Kader Asmal e Nelson Mandela no lançamento doRelatório da Comissão Mundial de Barragens,

Birgit Zimmerle

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grandes barragens geram 19% de toda a eletrici-dade do mundo. Metade dessas grandes barragensfoi construída exclusiva ou primordialmente parafins de irrigação, e cerca de 30% a 40% dos 271milhões de hectares irrigados no planeta depen-dem de barragens. As represas têm sido promovi-das como um importante meio de atender a ne-cessidades percebidas de água e energia e comoinvestimentos estratégicos de longo prazo capazesde oferecer múltiplos benefícios. Alguns dessesbenefícios adicionais são típicos de todos os gran-des projetos de infra-estrutura, enquanto outrossão exclusivos das barragens e específicos de de-terminados projetos. Desenvolvimento regional,geração de empregos e fomento para uma baseindustrial com potencial exportador costumam sercitados como motivos adicionais para a constru-ção de grandes barragens. Outras metas incluema geração de renda advinda de exportações, sejaatravés da venda direta de eletricidade, de produ-tos agrícolas ou de produtos processados por in-dústrias eletro-intensivas, como a indústria do alu-mínio. Claramente, as barragens podem desem-penhar um papel importante em atender as ne-cessidades das pessoas.

Mas os últimos 50 anos também deixaram claro odesempenho e os impactos sociais e ambientais dasgrandes barragens. Essas fragmentaram e transfor-maram os rios do mundo, enquanto que estimati-vas globais sugerem que entre 40 e 80 milhões depessoas foram deslocadas pelas barragens. À me-dida que as bases dos processos de tomada de de-cisão foram tornando-se mais abertas, participativase transparentes em muitos países, a opção de cons-truir grandes barragens foi sendo cada vez maiscontestada, chegando ao ponto de colocar-se emquestão a construção de novas grandes barragensem muitos países.

Os enormes investimentos envolvidos e os impac-tos gerados pelas grandes barragens provocaramconflitos acerca da localização e impactos dessasconstruções - tanto das já existentes como das queainda estão em fase de projeto, tornando-se atu-almente uma das questões mais controvertidasna área do desenvolvimento sustentável. Os par-tidários das barragens apontam para as necessi-dades de desenvolvimento social e econômicoque as barragens visam satisfazer, como a irriga-ção, a geração de eletricidade, o controle deinundações e o fornecimento de água potável.Os oponentes ressaltam os impactos adversos dasrepresas, como o aumento do endividamento, oestouro dos orçamentos, o deslocamento e oempobrecimento de populações, a destruição de

ecossistemas e recursos pesqueiros importantese a divisão desigual dos custos e dos benefícios.

Após mais de dois anos de intensos estudos, refle-xão e diálogos com partidários e oponentes degrandes barragens, a Comissão acredita não sermais justificável questionar os cinco pontos-chaveabaixo:

• As barragens prestaram uma importante e signi-ficativa contribuição ao desenvolvimento huma-no, e os benefícios derivados delas foram consi-deráveis.

• Em um número excessivo de casos foi pago umpreço inaceitável e muitas vezes desnecessáriopara assegurar esses benefícios, especialmenteem termos sociais e ambientais, pelas pessoas des-locadas, pelas comunidades a jusante, pelos con-tribuintes e pelo meio ambiente natural.

• A falta de equidade na distribuição dos benefíci-os colocou em questão a capacidade de diversasbarragens de atender de maneira ótima as ne-cessidades de desenvolvimento dos recursoshídricos e energéticos quando confrontados comoutras alternativas.

• Ao se incluir no debate todos aqueles cujos di-reitos estão envolvidos e que arcam com os ris-cos associados às diferentes opções de desenvol-vimento de recursos hídricos e energéticos, sãocriadas as condições para uma resolução positi-va de interesses concorrentes e de conflitos.

• Soluções negociadas aumentarão sensivelmentea eficiência do desenvolvimento de projetos deaproveitamento de recursos hídricos eenergéticos ao eliminarem projetos desfavoráveisnos estágios iniciais do processo, oferecendocomo opções apenas aqueles que as principaispartes envolvidas concordam serem os melhorespara atender as necessidades em questão.

O Que Constatou o Estudo Global Da CMBSobre Grandes Barragens?Para cumprir seu mandato de examinar a eficáciadas grandes represas no desenvolvimento e de ava-liar alternativas para a geração de recursos hídricose energéticos, a Comissão preparou oito estudosde caso detalhados de grandes barragens, elabo-rou resenhas especiais sobre a Índia e a China epreparou um relatório sobre a Rússia e os NovosEstados Independentes. (Veja no Quadro 1 umalista das barragens estudadas).

Foi realizado ainda um levantamento de 125 gran-des barragens, acompanhado por 17 estudos

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temáticos sobre questões sociais, ambientais e eco-nômicas, sobre alternativas às barragens e sobreos processos institucionais e de governo. Além dis-so, 947 trabalhos e apresentações foram submeti-dos a quatro consultas regionais. Todo esse mate-rial foi reunido para formar a Base de Conheci-mentos da CMB, que forneceu informações à Co-missão sobre as principais questões envolvendo asbarragens e suas alternativas.

substanciais benefícios advindos das barragens, mastenta responder por que algumas barragens atin-gem suas metas e outras não.

Desempenho Técnico, Financeiro eEconômicoO grau em que as grandes barragens inclusas naBase de Conhecimentos da CMB prestaram os ser-viços e benefícios pretendidos variou considera-velmente de projeto para projeto, sendo que umagrande parcela deles ficou aquém dos alvos físicose econômicos. A despeito disso, os serviços produ-zidos pelas barragens são imensos, como observa-mos acima. Independente de cotejar desempenhoe metas, a Base de Conhecimentos também con-firmou a longevidade das grandes barragens, poismuitas delas continuam a gerar benefícios após 30-40 anos de operação.

Um exame setorial do desempenho técnico, finan-ceiro e econômico das barragens constantes naBase de Conhecimentos, comparando os resulta-dos planejados e os resultados efetivos, sugere oseguinte:

• As grandes barragens construídas para oferecerserviços de irrigação, no geral, não alcançaramas suas metas físicas, não recuperaram seus cus-tos e são menos lucrativas em termos econômi-cos do que o esperado.

• As grandes barragens construídas para gerar ele-tricidade tendem a operar num nível próximo,mas ainda aquém, das metas estabelecidas. Elasgeralmente atingem suas metas financeiras, em-bora apresentem um desempenho econômico va-riável em relação a essas metas, e há diversos ca-sos de desempenho muito superior e muito in-ferior à média.

• As grandes barragens construídas como fonte deágua potável e industrial não atingiram, de ummodo geral, as metas em termos de prazos equantidade de água, além de apresentarem umfraco desempenho financeiro e econômico narecuperação dos custos.

• As grandes barragens construídas com o objeti-vo mesmo acessório de controle de inundaçõesofereceram importantes benefícios nesse aspec-to. Ao mesmo tempo, porém, provocaram umamaior vulnerabilidade às inundações, pois veri-ficou-se concomitantemente um aumento no nú-mero de povoados em áreas que continuaramsob o risco de inundação. Em alguns casos, asbarragens agravaram os danos causados pelas

Quadro 1. Barragens estudadaspela CMB

Barragem Aslantas, bacia do rio Ceyhan, Turquia

Bacia do Glomma-Lågen, Noruega

Barragem Grand Coulee, rio Columbia, EstadosUnidos/Canadá

Barragem Kariba, rio Zambezi, Zâmbia/Zimbábue

Barragem Pak Mun, bacia dos rios Mun-Mekong,Tailândia

Barragem Tarbela, bacia do rio Indus, Paquistão

Barragem Tucuruí, rio Tocantins, Brasil

Barragens Gariep e Vanderkloof, rio Orange, Áfricado Sul (estudo piloto)

O Estudo Global teve três componentes:

• Um exame independente do desempenho e im-pacto de grandes barragens (que considerou odesempenho técnico, financeiro e econômico,os impactos sobre os ecossistemas e o clima, osimpactos sociais, e a distribuição dos benefíciose danos do projeto);

• Uma avaliação das alternativas às barragens, dasoportunidades que oferecem e dos obstáculosque enfrentam; e

• Uma análise de questões subjacentes à escolha,ao projeto, à construção, à operação e aodescomissionamento de barragens envolvendoo planejamento, a tomada de decisões e o cum-primento dos preceitos.

A avaliação do desempenho das grandes barragensfeita pela CMB baseou-se nas metas estabelecidaspelos seus próprios defensores - os critérios que ser-viram para obter aprovação e financiamento gover-namentais. A análise da Comissão dedicou-se emespecial à tentativa de compreender por que, comoe onde as barragens não apresentaram os resulta-dos pretendidos ou produziram resultados inespe-rados. Uma parte integrante dessa pesquisa envol-veu a documentação de práticas positivas que sur-giram para corrigir deficiências e dificuldades dopassado. A apresentação desta análise não relega os

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inundações, por diversos motivos, inclusive máoperação.

• As grandes barragens construídas com finalida-des múltiplas também ficaram aquém de suasmetas. Em alguns casos, as insuficiências forammais agudas do que as verificadas em projetoscom uma só finalidade, demonstrando que asmetas estabelecidas muitas vezes são exagerada-mente otimistas.

O estudo do desempenho das barragens sugereainda duas outras constatações:

• As grandes barragens inclusas na Base de Conhe-cimentos apresentam uma nítida tendência deexceder os prazos e orçamentos previstos.

• A crescente preocupação com o custo e eficáciadas grandes barragens e das medidas estruturaiscorrelatas levou à adoção de um controle integra-do de inundações que enfatiza uma mistura dediretrizes e medidas não-estruturais para reduzira vulnerabilidade das comunidades a inundações.

O estudo também examinou fatores relacionadosà sustentabilidade física das grandes barragens eseus benefícios, confirmando o seguinte:

• A segurança das barragens irá exigir cada vezmais atenção e investimentos, pois as barragensestão envelhecendo e os custos de manutençãoaumentando. Mudanças climáticas também po-dem possivelmente alterar os regimes hidrológi-cos que basearam os projetos dos vertedouros dasbarragens.

• A sedimentação e a consequente redução no lon-go prazo da capacidade de armazenamento éuma grave preocupação em todo o mundo, cujosefeitos serão sentidos particularmente nas baci-as com taxas elevadas de erosão de origem geo-lógica ou humana, em barragens construídas nasextensões a jusante dos rios e em barragens comreservatórios de menor capacidade.

• Alagamento e salinização afetam um quinto dasterras irrigadas do mundo - incluindo terrasirrigadas por grandes barragens - e apresentamgraves impactos de longo prazo, muitas vezes per-manentes, sobre a terra, a agricultura e a subsis-tência da população se não forem empreendi-dos esforços de reabilitação ambiental.

Partindo das informações sobre o desempenho dasgrandes barragens inclusas na Base de Conheci-mentos da CMB, o relatório da Comissão mostraque existe uma considerável margem de aperfei-çoamento na seleção de projetos de barragens e

na operação das grandes barragens existentes e desua infra-estrutura. Considerando os enormes in-vestimentos feitos em grandes barragens, é surpre-endente que haja tão poucas avaliações indepen-dentes do seu desempenho - e mesmo essas têmum alcance restrito e não integram devidamenteas categorias e escalas dos impactos.

Os Ecossistemas e as Grandes BarragensA natureza genérica dos impactos das grandes bar-ragens sobre os ecossistemas, a biodiversidade e asubsistência das populações a jusante vai tornan-do-se cada vez mais conhecida. A Base de Conhe-cimentos da CMB deixa claro que as grandes bar-ragens provocaram:

• A destruição de florestas e habitats selvagens, odesaparecimento de espécies e a degradação dasáreas de captação a montante devido à inunda-ção da área do reservatório;

• A redução da biodiversidade aquática, a diminui-ção das áreas de desova a montante e a jusante,e o declínio dos serviços ambientais prestadospelas planícies aluviais a jusante, brejos, ecossis-temas de rios e estuários, e ecossistemas mari-nhos adjacentes; e

• Impactos cumulativos sobre a qualidade da água,inundações naturais e a composição de espéciesquando várias barragens são implantadas em ummesmo rio.

No saldo final, os impactos sobre o ecossistemassão mais negativos do que positivos e, em muitoscasos, provocaram danos significativos eirreversíveis a espécies e ecossistemas. Em certoscasos, porém, houve um aumento do valor do ecos-sistema, graças à criação de novos habitats em áre-as alagadas e às oportunidades de pesca e recrea-ção geradas pelos novos reservatórios.

A Comissão constatou que, das represas estuda-das por cientistas até o momento, todas emitemgases que contribuem para o efeito estufa, comoocorre com os lagos naturais, devido à decompo-sição de vegetação e ao influxo de carbono nacaptação. A intensidade dessas emissões variamuito. Dados preliminares do Estudo de Casosobre uma usina hidrelétrica no Brasil mostramque o nível bruto dessas emissões é significativoquando comparado com as emissões de usinastermelétricas equivalentes.

Entretanto, em outras represas estudadas (par-ticularmente em zonas boreais), a emissão bru-ta de gases do efeito estufa é significativamente

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menor do que a da alternativa termelétrica. Umacomparação plena exigiria que fossem medidasas emissões de habitats naturais anteriores ao re-presamento. Novas pesquisas e estudos caso-a-caso são necessários para demonstrar a possibi-lidade das usinas hidrelétricas provocarem mu-danças climáticas.

Até o momento, os esforços para amenizar os im-pactos das grandes barragens sobre ecossistemas ti-veram sucesso limitado devido ao descaso em seprever e evitar tais impactos, à má qualidade e pou-ca confiabilidade dos prognósticos, à dificuldade deenfrentar todos os impactos e à implementação esucesso apenas parciais das medidas de mitigaçãoambiental. Mais especificamente:

• Não é possível mitigar muitos dos impactos deuma represa sobre os ecossistemas e a biodiver-sidade terrestres, e esforços para o resgate deanimais silvestres tiveram pouco êxito a longoprazo.

• O uso de escadas de peixes para mitigar os im-pactos sobre as espécies migratórias não teve su-cesso, pois muitas vezes a tecnologia não era ade-quada para os locais e as espécies em questão.

• A mitigação eficiente dos impactos deletériosresulta de uma boa base de informações, da coo-peração antecipada entre ecologistas, projetistasda barragem e pessoas afetadas, e do monitora-mento e acompanhamento regulares da eficáciadas medidas de mitigação.

• Cada vez mais, os requerimentos ambientais parao controle de vazões vêm sendo usados para re-duzir os impactos das alterações nos regimes hi-drológicos sobre os ecossistemas aquáticos,aluviais e costeiros a jusante.

Dado o sucesso limitado das medidas tradicionaisde mitigação, leis para evitar ou minimizar os im-pactos ecológicos têm recebido cada vez mais aten-ção, preservando em seu estado natural segmen-tos ou bacias fluviais específicas e selecionandoprojetos, locais ou concepções alternativas. Alémdisso, os governos têm experimentado uma abor-dagem “compensatória”, contrabalançando a per-da de ecossistemas e biodiversidade provocada poruma grande barragem com investimentos em me-didas de conservação e regeneração, e através daproteção de outros sítios ameaçados com valorecológico equivalente. Por fim, em diversos paísesindustrializados, e particularmente nos EstadosUnidos, a restauração de ecossistemas vem sendoimplementada através da desativação de grandese pequenas barragens.

As Pessoas e as Grandes BarragensQuanto aos impactos sociais das barragens, a Co-missão constatou que muitas vezes os efeitos nega-tivos não são adequadamente avaliados ou sequerconsiderados. A gama desses impactos é conside-rável - sobre a vida, a subsistência e a saúde dascomunidades afetadas que dependem do ambien-te ribeirinho:

• Entre 40 e 80 milhões de pessoas foram fisicamen-te deslocadas por barragens em todo o mundo.

• Milhões de pessoas que vivem a jusante de bar-ragens - particularmente aquelas que dependemdas funções naturais das planícies aluviais e dapesca - também sofreram graves prejuízos emseus meios de subsistência e a produtividade fu-tura dos recursos foi colocada em risco.

• Muitas das pessoas deslocadas não foram reco-nhecidas (ou cadastradas) como tal e, portanto,não foram reassentadas nem indenizadas.

• Nos casos em que houve indenização, esta quasesempre mostrou-se inadequada; e nos casos emque as pessoas deslocadas foram devidamentecadastradas, muitas não foram incluídas nos pro-gramas de reassentamento.

• Aquelas que foram reassentadas raramente tive-ram seus meios de subsistência restaurados, poisos programas de reassentamento em geral con-centram-se na mudança física, excluindo a recu-peração econômica e social dos deslocados.

• Quanto maior a magnitude do deslocamento,menor a probabilidade de que os meios de sub-sistência das populações afetadas possam serrestaurados.

• Mesmo nos anos 90, em muitos casos os impactossobre os meios de subsistência a jusante não fo-ram adequadamente avaliados ou consideradosno planejamento e projeto de grandes barragens.

Em suma, a Base de Conhecimentos demonstrouhaver uma falta generalizada de compromisso oude capacidade ao se lidar com o deslocamento depessoas. Além disso, as grandes barragens incluí-das na Base de Conhecimentos também tiveramgrandes efeitos adversos sobre o patrimônio cul-tural, devido ao desaparecimento de recursos cul-turais das comunidades locais e à submersão edegradação de restos vegetais e animais, sepulcrose monumentos arqueológicos.

A Base de Conhecimentos indica que é provável queos pobres, outros grupos vulneráveis e as geraçõesfuturas arquem com uma parcela desproporcional

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dos custos sociais e ambientais dos projetos de gran-des barragens sem que obtenham uma parcela cor-respondente dos benefícios econômicos:

• Povos indígenas e tribais e minorias étnicas vulne-ráveis sofreram um nível desproporcional de des-locamentos e impactos negativos sobre os meiosde subsistência, a cultura e a existência espiritual.

• Populações afetadas que moram perto de repre-sas, bem como pessoas deslocadas e comunida-des a jusante, sofreram freqüentemente efeitosadversos sobre sua saúde e meios de subsistên-cia, decorrentes das mudanças no meio ambien-te e da ruptura social.

• Dentre as comunidades afetadas, a desigualda-de entre os sexos muitas vezes aumentou, comas mulheres sofrendo uma parcela desproporci-onal dos custos sociais e, via de regra, sendo dis-criminadas na partilha dos benefícios.

Onde existem tais iniqüidades na distribuição doscustos e benefícios, o Estudo Global ressalta queuma abordagem do tipo “balanço geral” paracontabilizar os custos e benefícios torna-se cadavez mais inaceitável em termos de equidade e comomeio de escolher os “melhores” projetos. Sejacomo for, a verdadeira lucratividade econômicados projetos de grandes barragens permaneceimponderável, pois os custos ambientais e sociaisforam mal contabilizados em termos econômicos.Em particular, a não contabilização desses impac-tos e o não cumprimento dos compromissos assu-midos levaram ao empobrecimento e sofrimentode milhões de pessoas. Isso tem gerado em todo omundo uma oposição crescente às barragens porparte das comunidades afetadas. Mas têm surgidoalguns exemplos inovadores de processos de in-denização e compartilhamento de benefícios, dan-do a esperança de que as injustiças do passado tal-vez possam ser remediadas e as do futuro evitadas.

Opções para o Desenvolvimento de Recur-sos Hídricos e EnergéticosO Estudo Global examinou as opções para se aten-der as necessidades de energia, água e alimentosnas circunstâncias atuais, e também as barreiras eas condições propícias que determinam a escolhaou adoção de uma opção em particular. Hoje exis-tem muitas opções - incluindo o gerenciamento dademanda, o aumento da eficiência da oferta e a ofer-ta de novas opções de fornecimento. Todas podemmelhorar ou ampliar os serviços de água e ener-gia, atendendo a crescente necessidade de desen-volvimento em todos os segmentos da sociedade.

Se essas opções forem vistas de maneira integrada,e não destinadas a setores específicos, poderemostirar algumas lições de âmbito geral:

• No que diz respeito à administração da deman-da, as opções incluem redução do consumo,reciclagem e alternativas tecnológicas e políti-cas capazes de promover um uso mais eficienteda água e da eletricidade pelo usuário final. Opotencial da administração da demanda aindapermanece em grande parte inexplorado, masseus benefícios são universais e constituem umagrande oportunidade para reduzir a pressão so-bre os recursos hídricos e energéticos, e tam-bém para obter outros benefícios - como a re-dução das emissões de gases que contribuempara o efeito estufa.

• Melhorar a administração de sistemas - aumen-tando-se a eficiência do fornecimento, do trans-porte e da transmissão - poderá adiar a necessi-dade de novas fontes de oferta. Perdas desneces-sárias podem ser evitadas consertando-se vaza-mentos de água no sistema, implementando-seum programa adequado de manutenção e atua-lizando-se a tecnologia de controle, transmissãoe distribuição de eletricidade.

• Em todos os setores, a administração das baciase das áreas de captação por meio de medidasvegetativas e estruturais representa uma oportu-nidade para se reduzir a sedimentação nas re-presas e canais, e para se gerenciar o ritmo equantidade dos fluxos sazonais, anuais e de pico,e também a recomposição dos lençóis freáticos.

• Diversas opções de fornecimento apropriadas acada local e ambiente específico têm surgido, sen-do economicamente viáveis e aceitáveis para opúblico. Essas incluem a reciclagem, o aproveita-mento de águas pluviais e o uso de energia eólia.

A capacidade das várias opções atenderem as ne-cessidades existentes e futuras, ou de substituí-rem as ofertas convencionais, depende de cadacontexto específico. No geral, porém, elas possu-em um grande potencial - tanto individual comocoletivamente.

Tomada de Decisões, Planejamento e Ga-rantia de CumprimentoComo opção de desenvolvimento, as grandes bar-ragens sempre tenderam a tornar-se o ponto fo-cal dos interesses de políticos, de órgãos gover-namentais dominantes e centralizados, de agên-cias internacionais de financiamento e do setor

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de construção civil. O envolvimento da socieda-de varia conforme o grau de debate e de abertu-ra política de cada país. Porém, as barragens in-clusas na Base de Conhecimentos da CMB reve-lam que houve um fracasso generalizado em sereconhecer as pessoas afetadas como parceiras,com direitos, no processo de planejamento e emdar-lhes poder para participarem do processo.

A ajuda estrangeira representa menos de 15% dototal das verbas destinadas à construção de bar-ragens nos países em desenvolvimento. Nãoobstante, esses fundos - mais de US$ 4 bilhõespor ano durante o pico de empréstimos entre1975 e 1984 - desempenharam um papel impor-tante para promover e financiar grandes proje-tos em países que construíam somente algumaspoucas barragens. Esses países costumam ser vul-neráveis a conflitos de interesses entre governos,doadores e setores da economia envolvidos emprogramas de auxílio ao exterior, de um lado, e amelhoria dos resultados do desenvolvimento parapopulações rurais, particularmente as mais po-bres, de outro. Em menor grau, esse auxílio favo-receu os países maiores que desejavam construirmuitas barragens (incluindo China, Índia e Bra-sil), primordialmente através da provisão de fi-nanciamento para programas de construção. Embacias fluviais compartilhadas por mais de umpaís, a falta de acordos sobre o uso da água é umapreocupação crescente e constitui motivo de ten-são. Isso é tanto mais verdade à medida que asexigências vão aumentando e as decisões unilate-rais de construir grandes barragens tomadas porum país alteram os fluxos de água de uma bacia,com conseqüências graves para os demais paísesque compartilham a mesma bacia.

Um exame do ciclo de planejamento e projeto degrandes barragens revela uma série de limitações,riscos e falhas no modo como essas construçõessão planejadas, operadas e avaliadas:

• A participação nos processos de planejamentode grandes barragens e a transparência dessesprocessos não costuma ser nem abrangente nemaberta.

• A avaliação de opções, via de regra, tem âmbitolimitado e é confinada primordialmente aparâmetros técnicos e à aplicação restrita de aná-lises econômicas de custo/benefício.

• A participação das populações afetadas e a avali-ação dos impactos ambientais e sociais só costu-ma ocorrer tardiamente no processo, e tem al-cance limitado.

• Atividades insuficientes de monitoramento e ava-liação de barragens já construídas têm impedi-do que se aprenda por experiência.

• Muitos países ainda não estabeleceram períodosde licenciamento que estabeleçam as responsa-bilidades do proprietário ao fim da vida útil deuma barragem.

O efeito líquido dessas dificuldades é que, depoisque um projeto de barragem é aprovado em testespreliminares de viabilidade técnica e econômica eatraiu o interesse do governo, de órgãos externosde financiamento ou de políticos, a própria inérciado projeto em andamento costuma prevalecer so-bre outras avaliações. Como resultado, inúmerasbarragens foram construídas sem qualquer avalia-ção abrangente ou apreciação dos critérios técni-cos, financeiros e econômicos aplicáveis na época -sem sequer um exame dos critérios sociais e ambi-entais que se aplicam no contexto atual. O fato deque muitos desses projetos não atendem os padrõesdesses contextos não é, portanto, surpreendente -mas nem por isso é menos preocupante.

Os conflitos em torno das barragens também deri-vam da incapacidade dos seus defensores e dosórgãos de financiamento cumprirem os compro-missos assumidos, respeitarem os regulamentosestabelecidos e se aterem às diretrizes e normasinternas de suas instituições. Em alguns casos, asoportunidades de corrupção propiciadas pelasbarragens, como projetos infra-estruturais de gran-de porte, contribuíram para distorcer ainda maiso processo decisório, o planejamento e aimplementação. Embora tenha havido umamelhoria significativa nas diretrizes públicas, nosrequisitos legais e nas normas de avaliação, parti-cularmente nos anos 90, as coisas ainda parecemcontinuar como antes no que diz respeito ao pla-nejamento e às decisões efetivas.

Além do mais, quando há divergências substanci-ais entre os defensores de um projeto e aquelesque serão afetados por ele, qualquer modificaçãonos planos e decisões exige que se recorra a medi-das jurídicas fora do processo normal de planeja-mento. Consultas regionais realizadas pela Comis-são mostraram que, em sua maioria, os conflitosdo passado continuam sem solução por diversosmotivos - incluindo falta de experiência jurídicaao recorrer de sentenças, resolver disputas e ado-tar outros mecanismos de apelação.

O Estudo Global também apresenta exemplos eilustrações recentes de boas práticas, que servemde base para o otimismo da Comissão de que as

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barreiras são superáveis e as dificuldades não sãoinevitáveis. Como meios de reduzir impactos ne-gativos e conflitos, essas experiências mostram queexistem oportunidades - e, na realidade, uma res-ponsabilidade - de:

• Aumentar a eficiência dos ativos existentes;

• Evitar e minimizar os impactos sobre ecossiste-mas;

• Adotar a análise participativa das opções e ne-cessidades de desenvolvimento, valendo-se decritérios diversos;

• Assegurar a melhoria dos meios de subsistênciadas pessoas desalojadas e afetadas pelo projeto; e

• Resolver injustiças e desigualdades passadas,transformando as pessoas afetadas pelo projetoem seus beneficiários;

• Realizar monitoramentos constantes e revisõesperiódicas; e

• Elaborar, aplicar e reforçar incentivos, sanções emecanismos de apelação - especialmente na áreade desempenho ambiental e social.

As recomendações da Comissão indicam um ca-minho capaz de melhorar o planejamento, o pro-cesso decisório e o cumprimento dos preceitosenvolvendo grandes barragens, ampliando assimas opções disponíveis - sejam elas tecnológicas,políticas ou institucionais - e oferecendo soluçõeseconomicamente eficientes, socialmente eqüitati-vas e ambientalmente sustentáveis para atender asnecessidades futuras de água e energia.

Como Podemos Obter Resultados Melhores?O debate sobre barragens é um debate sobre opróprio significado, propósito e caminhos do de-senvolvimento. Como toda e qualquer opção dedesenvolvimento, as decisões sobre barragens esuas alternativas precisam atender uma amplagama de necessidades, expectativas, objetivos erestrições. São uma função da escolha pública ede políticas públicas. Para resolver os conflitossubjacentes à eficácia das barragens e suas alter-nativas, é preciso haver um amplo consenso acer-ca das normas que regem as escolhas de desenvol-vimento e os critérios que devem definir o proces-so de negociação e a tomada de decisões.

Para melhorar os frutos do desenvolvimento nofuturo, precisamos considerar os projetos propos-tos para desenvolver recursos hídricos eenergéticos num cenário muito mais amplo - umcenário que reflita um conhecimento e compre-ensão plenas dos benefícios e impactos do projeto

de uma grande barragem e das opções alternati-vas para todas as partes envolvidas. Significa que énecessária a incorporação de novas vozes, perspec-tivas e critérios ao processo decisório. Significa tam-bém que temos de adotar uma abordagem capazde obter consenso em torno das decisões toma-das. Isso resultará em mudanças fundamentais nomodo como as decisões são tomadas.

Esses processo deve começar com um entendimen-to claro dos valores, objetivos e metas compartilha-das de desenvolvimento. A Comissão agrupou osvalores essenciais que mostram o seu entendimen-to dessas questões sob cinco tópicos fundamentais:

• Eqüidade;

• Eficiência;

• Processo decisório participativo;

• Sustentabilidade;

• Responsabilidade.

Esses cinco valores estão presentes no relatóriointeiro e são o foco das preocupações que surgi-ram com as evidências apresentadas no EstudoGlobal. Estão também alinhados com o modelointernacional de normas elaborado na Declaraçãodos Direitos Humanos das Nações Unidas, que aComissão considera um modelo importante depadrões internacionalmente aceitos. Há hoje umapoio considerável para que os direitos, e em par-ticular os direitos humanos básicos, sejam consi-derados um ponto de referência fundamental emqualquer debate sobre barragens - desde a Decla-ração Universal dos Direitos Humanos adotada em1948 e outros acordos similares adotados desdeentão até a Declaração sobre o Direito ao Desen-volvimento adotada pela Assembléia Geral em 1986e os Princípios do Rio de Janeiro, estabelecidos naConferência das Nações Unidas sobre o MeioAmbiente e Desenvolvimento em 1992.

Dada a importância das questões envolvendo taisdireitos e a natureza e magnitude dos possíveis ris-cos a todas as partes envolvidas, a Comissão propõeque seja desenvolvida uma abordagem baseada no“reconhecimento dos direitos” e “avaliação dos ris-cos” (particularmente dos direitos que correm ris-co) e que esta se torne o instrumento quer nortearáo planejamento e a tomada de decisões no futuro.Tal abordagem também permitirá que se crie ummodelo mais eficaz para integrar as dimensões eco-nômica, social e ambiental na avaliação de opçõese nos ciclos de planejamento e projeto.

Contextualizar os direitos em um projeto pro-posto é um passo essencial para identificar as

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reivindicações e as prerrogativas (ou direitos ad-quiridos) que possam vir a ser afetadas pelo pro-jeto - ou por suas alternativas. É também a basepara identificar claramente quais as partes en-volvidas que devem ter um papel formal no pro-cesso consultivo e, mais adiante, nas negociaçõesde acordos específicos do projeto - envolvendo,por exemplo, distribuição dos benefícios, reas-sentamento ou indenizações.

A noção de risco acrescenta uma dimensão impor-tante à compreensão de como, e em que grau, umprojeto poderá afetar esses direitos. Na prática tra-dicional, a definição de risco restringe-se ao riscodos construtores ou investidores institucionais emtermos do capital aplicado e dos retornos espera-dos. Esses indivíduos, que assumem tais riscos porvontade própria, têm o poder de definir qual ograu e tipo de risco que desejam assumir, e podemdefinir explicitamente quais são os limites aceitá-veis desse risco. Em contraste, como o Estudo Glo-bal mostrou, há um grupo muito maior de pesso-as que é obrigado contra a sua vontade a correrriscos que são administrados por outros. Via deregra, aqueles que correm risco involuntariamentetêm pouca ou nenhuma voz ativa na políticahídrica e energética em geral, na escolha de pro-jetos específicos ou mesmo na concepção eimplementação de um projeto. Os riscos que en-frentam afetam diretamente seu bem-estar indivi-dual, seus meios de subsistência, a qualidade devida e até a sua visão espiritual de mundo e a suaprópria sobrevivência.

Lidar com riscos não é algo que possa ser reduzi-do à consulta de tabelas atuariais ou à aplicaçãode uma fórmula matemática. No final, como nocaso dos direitos, os riscos têm de ser identifica-dos, nomeados e enfrentados explicitamente. Issoexige que o reconhecimento de risco seja estendi-do a um grupo maior, que abranja não apenasgovernos e construtores mas também as pessoasafetadas pelo projeto e o próprio meio ambienteenquanto patrimônio público.

A avaliação das opções e os ciclos de planejamen-to e projeto exigem uma abordagem que conside-re tanto os direitos como os riscos e que possa cons-tituir-se num modelo eficaz para determinar quemdetém um lugar legítimo na mesa de negociaçõese quais as questões que precisam ser colocadas emdiscussão. Tal abordagem habilita processosdecisórios voltados para a busca de resultados ne-gociados, conduzidos de maneira aberta e trans-parente, que incluam todos que estão efetivamen-te envolvidos na questão - ajudando assim a resol-ver as inúmeras e complexas questões envolvendo

água, barragens e desenvolvimento. Ainda quecom tal abordagem os desafios sejam maiores nosprimeiros estágios da avaliação de opções e con-cepção do projeto, ela conduz a uma maior clare-za e legitimidade nas etapas subsequentes do pro-cesso decisório e da implementação das decisões.

Depois de estabelecer como fundamento os cincovalores essenciais e uma abordagem que consideraos direitos e os riscos, a Comissão formulou umamaneira construtiva e inovadora de promover a to-mada de decisões, abrangendo sete prioridades es-tratégicas e os princípios normativos corresponden-tes. Esses foram redigidos com base nos resultadosa serem alcançados e têm como suporte um con-junto de diretrizes e princípios práticos que devemser adotados, adaptados e usados por todos os en-volvidos no debate sobre barragens. Esses princípi-os deixam de lado a abordagem tradicionalhierarquizada com foco na tecnologia e defendeminovações significativas para avaliar opções,gerenciar barragens existentes, conquistar a aceita-ção pública e negociar e compartilhar benefícios.

Prioridades Estratégicas para a Tomada deDecisões:Conquista da Aceitação PúblicaA aceitação pública de decisões fundamentais éessencial para o desenvolvimento equitativo e sus-tentável de recursos hídricos e energéticos. A acei-tação surge quando os direitos são reconhecidos,os riscos são admitidos e estipulados, e as prerro-gativas de todas as populações afetadas são salva-guardadas - particularmente as dos povos indíge-nas e tribais, das mulheres e de outros grupos vul-neráveis. Processos e mecanismos decisórios espe-cíficos que permitam a participação esclarecida detodos os grupos de pessoas devem ser adotados,resultando na aceitação demonstrável das princi-pais decisões. Quando os projetos afetarem povosindígenas e tribais, tais processos deverão ser gui-ados pelo consentimento livre, prévio e esclareci-do dessas populações.

• Reconhecer os direitos e avaliar os riscos constitu-em a base para se identificar e incluir todas as par-tes envolvidas na tomada de decisões sobre o de-senvolvimento de recursos hídricos e energéticos.

• Todas as partes envolvidas - particularmente po-vos indígenas e tribais, mulheres e outros gru-pos vulneráveis - dever ter livre acesso a informa-ções e contar com apoio jurídico para que pos-sam ter uma participação esclarecida nos pro-cessos decisórios.

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• A aceitação pública demonstrável de todas asprincipais decisões é obtida através de acordosnegociados em processos abertos e transparentes,conduzido em boa-fé e com a participaçãoesclarecida de todas as partes envolvidas.

• As decisões sobre projetos que afetam povos in-dígenas e tribais devem ser orientadas pelo con-sentimento livre, prévio e esclarecido desses po-vos através de corpos representativos formais e in-formais.

Avaliação Abrangente das Opções

Muitas vezes existem alternativas a uma barragem.Para explorar essas alternativas, as necessidades deágua, alimento e energia devem ser avaliadas e osobjetivos definidos com clareza. O tipo de desen-volvimento apropriado será identificado dentreuma série de opções possíveis, com base numa ava-liação abrangente e participativa da gama completade opções políticas, institucionais e técnicas. Nes-se processo de avaliação, os aspectos sociais e am-bientais devem ter a mesma importância que osfatores econômicos e financeiros. O processo deavaliação de opções continuará durante todos osestágios de planejamento, desenvolvimento e fun-cionamento do projeto.

• As necessidades e objetivos de desenvolvimentodevem ser formulados com clareza através de umprocesso aberto e participativo antes de seremidentificadas e avaliadas as opções de desenvol-vimento de recursos hídricos e energéticos.

• Abordagens de planejamento que levam emconsideração a gama completa de objetivos dedesenvolvimento devem ser usadas para avaliartodas as opções políticas, institucionais, admi-nistrativas e técnicas antes de se tomar a deci-são de proceder com um determinado progra-ma ou projeto.

• Os aspectos sociais e ambientais têm a mesmaimportância que os fatores técnicos, econômicose financeiros na avaliação das opções.

• Aumentar a eficácia e a sustentabilidade dos atu-ais sistemas de água, irrigação e energia deveser uma prioridade no processo de avaliação deopções.

• Se uma avaliação abrangente das opções resol-ver que uma barragem é a escolha preferencial,princípios sociais e ambientais deverão ser apli-cados na revisão e seleção das opções durantetodas as fases de planejamento detalhado, proje-to, construção e operação.

Aproveitamento das Barragens Existentes

Em diversas barragens existentes, é possível otimizarseus benefícios, resolver questões sociais penden-tes e intensificar as medidas de mitigação e restau-ração ambiental. As barragens e o contexto em queoperam não devem ser vistos como algo estático aolongo do tempo. Os benefícios e impactos podemvariar se houver alteração nas prioridades de usoda água, mudanças físicas e de terreno nas baciasfluviais, avanços tecnológicos e se forem modifica-das as diretrizes públicas expressas na legislaçãoambiental, econômica, técnica e de segurança. Aspráticas administrativas e operacionais devem seadaptar continuamente a circunstâncias novas du-rante toda a vida útil de um projeto e um esforçoespecial deve ser empreendido para resolver as ques-tões sociais pendentes.

• Após a fase de projeto, deve ser introduzido umprocesso abrangente de monitoramento e avali-ação da barragem. Deve-se igualmente criar umsistema a longo prazo para rever periodicamen-te o desempenho, os benefícios e os impactos detodas as grandes barragens existentes.

• Programas para restaurar, melhorar e otimizaros benefícios das grandes barragens existentesdevem ser identificados e implementados. Asopções a serem consideradas incluem: refor-mar, modernizar e atualizar equipamentos e ins-talações; otimizar o funcionamento das repre-sas; e introduzir medidas não-estruturais queaumentem a eficiência da prestação e utiliza-ção dos serviços.

• As questões sociais pendentes relativas às gran-des barragens existentes devem ser identificadase avaliadas. E processos e mecanismos devem serdesenvolvidos junto com as comunidades afeta-das para saná-las.

• A eficácia das medidas existentes de mitigaçãoambiental devem ser avaliadas e os impactos im-previstos identificados. As oportunidades paramitigar, restaurar e melhorar o meio ambientedevem ser reconhecidas, identificadas e postasem prática.

• Em todas as grandes barragens existem acordosoperacionais formais com prazos estipulados delicenciamento; nos casos em que os processos dere-planejamento e re-licenciamento indicaremque mudanças profundas nas instalações ou atéo descomissionamento da barragem podem servantajosas, deve ser empreendido um examecompleto da viabilidade da barragem e uma ava-liação dos seus impactos sociais e ambientais.

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Preservação de rios e meios de subsistência

Os rios, bacias hidrográficas e ecossistemas aquá-ticos são os motores biológicos do planeta e a baseda vida e do sustento de comunidades locais. Asbarragens transformam a paisagem e criam o ris-co de impactos irreversíveis. Compreender, pro-teger e restaurar os ecossistemas no nível das ba-cias fluviais é essencial para promover o desen-volvimento humano eqüitativo e o bem-estar detodas as espécies. Avaliar opções e tomar decisõeslevando em consideração o desenvolvimento dosrios contribui para priorizar a minimização dosimpactos e para minimizar e mitigar os danos àsaúde e à integridade do sistema fluvial. Evitarimpactos mediante a seleção de locais apropria-dos e a escolha de um bom projeto deve serprioritário. Além disso, a liberação controlada defluxos ambientais pode contribuir para a preser-vação dos ecossistemas a jusante e das comunida-des que deles dependem.

• Antes de serem tomadas decisões acerca das op-ções de desenvolvimento, é necessário compre-ender não só as funções, valores e requisitos doecossistema considerando a bacia como um todo,mas também como o sustento da comunidadedepende desse ecossistema e o influencia.

• As decisões devem valorizar as questões sociaise as questões ligadas à saúde e ao ecossistemacomo parte integrante do projeto e do desen-volvimento da bacia fluvial. Evitar impactos éprioritário, em conformidade com o princípioda precaução.

• Uma política nacional para a preservação de riosselecionados cujos ecossistemas possuem funçõese valores elevados em estado natural deve ser ela-borada. Ao examinar-se sítios alternativos parabarragens em rios intocados, deve-se dar priori-dade a locais nos seus afluentes.

• As opções de projetos que evitam impactos sig-nificativos sobre espécies comprometidas ouameaçadas devem ser preferidas. Quando nãofor possível evitar impactos, medidas viáveis decompensação devem ser postas em prática, re-sultando num ganho líquido para a espécie den-tro daquela região.

• Uma grande barragem deve ser capaz de libe-rar fluxos ambientais que contribuam para aintegridade do ecossistema e para o sustentodas comunidades a jusante, e deve ser projeta-da, modificada e operada de acordo com estepreceito.

Reconhecimento de direitos adquiridos e compar-tilhamento de benefícios

Negociações em conjunto com as populações ad-versamente afetadas por uma barragem resultamem preceitos de desenvolvimento e mitigação am-biental estabelecidos de mútuo acordo e com fun-damento jurídico. Esses preceitos reconhecem odireito adquirido das populações afetadas aosmeios de subsistência e à qualidade de vida, e re-conhecem que essas populações devem serbeneficiárias do projeto. Iniciativas bem-sucedidasde mitigação ambiental, reassentamento e desen-volvimento são compromissos e responsabilidadesfundamentais do Estado e da construtora. Cabe aeles o ônus de demonstrar a todas as pessoas afeta-das que seus meios de subsistência irão melhorarse deixarem o contexto e os recursos atuais. O com-promisso das partes responsáveis em cumprir ospreceitos mutuamente aceitos de mitigação ambi-ental, reassentamento e desenvolvimento deve sergarantido por meios legais, como contratos, emediante acesso ao recursos jurídicos cabíveis emnível nacional e internacional.

• O reconhecimento dos direitos e a avaliação dosriscos constituem a base para identificar as partesafetadas adversamente e incluí-las nas negociaçõessobre mitigação ambiental e reassentamento e nasdecisões relativas ao desenvolvimento.

• A avaliação dos impactos deve incluir todas aspessoas - nas áreas da represa, a montante, a ju-sante e de captação - cujas propriedades, meiosde subsistência e recursos não-materiais foremafetados. Deve incluir também todos aqueles queforem afetados por obras de infra-estrutura liga-das à barragem, tais como canais, linhas de trans-missão e povoados de reassentamento.

• Todas as pessoas afetadas adversamente devemnegociar formalmente, de mútuo acordo e comfundamentação jurídica o seu direito à mitigaçãoambiental, reassentamento e desenvolvimento.

• As pessoas afetadas adversamente devem ser re-conhecidas como as primeiras beneficiárias dosprojeto. Os mecanismos que irão assegurar adevida implementação desses benefícios devemser negociados de mútuo acordo e com funda-mentação jurídica.

Garantia de Cumprimento

Para assegurar a confiança do público, é precisoque governos, construtoras, legisladores e opera-dores cumpram todos os compromissos assumidosno planejamento, implementação e operação das

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barragens. A obediência às leis pertinentes, medi-ante critérios, diretrizes e acordos negociados paracada projeto, deve ser assegurada em todos os es-tágios críticos do planejamento e implementaçãode uma barragem.

Um conjunto de incentivos e mecanismos que sefortaleçam reciprocamente é necessário para apli-car as medidas sociais, ambientais e técnicas. Essasmedidas devem envolver uma mistura adequadade normas regulamentares e não-regulamentares,e incluir incentivos e sanções. Para uma maior efi-cácia, a estrutura de regulamentos e de mecanis-mos que garantam o cumprimento dos compro-missos assumidos deve fazer de uso incentivos esanções nos casos em que for necessário flexibili-dade para adaptar-se a novas circunstâncias.

• Um conjunto de critérios e diretrizes claras, con-sistentes e comuns que assegurem o cumprimen-to dos compromissos assumidos deve ser adota-do pelas instituições patrocinadores, contratan-tes e financiadoras, sendo que o cumprimentodeve estar sujeito a revisões independentes etransparentes.

• Antes do início de cada projeto, deve ser prepara-do um plano que garanta o cumprimento dos com-promissos assumidos, especificando como isso seráalcançado e incluindo critérios e diretrizes relevan-tes. Devem também ser especificadas as disposiçõesque regerão os compromissos técnicos, sociais eambientais de cada projeto específico.

• Instituições financeiras públicas e privadas de-vem formular os incentivos que irão recompen-sar os defensores do projeto que respeitarem oscritérios e diretrizes.

• Os custos para instituir e aplicar os mecanismosinstitucionais ou não que garantirão o cumpri-mento do que foi estabelecido devem ser incor-porados ao orçamento do projeto.

• As práticas corruptas devem ser evitadas medi-ante a aplicação rigorosa da legislação em vigor,pactos voluntários de integridade, cláusulas deexclusão e outros instrumentos.

Compartilhamento de rios para a paz, desenvolvi-mento e segurança

O armazenamento e desvio da água de rios frontei-riços têm sido uma fonte de considerável tensãoentre países limítrofes e dentro de um mesmo país.Uma barragem, sendo uma intervenção específicapara desviar água, requer cooperação construtiva.Consequentemente, cada vez mais a utilização e ogerenciamento dos recursos estarão sujeitos a acor-dos entre Estados que promovam o seu interesse

mútuo na cooperação regional e na colaboraçãopacífica. Isso leva a uma mudança de enfoque - deuma abordagem estreita (a alocação de um recursofinito) ao compartilhamento de rios e seus benefí-cios correlatos - em que os Estados se mostram ino-vadores ao definirem o âmbito das questões queserão discutidas. Os órgãos externos de financia-mento devem dar o seu apoio aos princípios denegociações de boa-fé entre Estados ribeirinhos.

• As políticas de recursos hídricos de uma naçãodevem estabelecer provisões específicas para acor-dos sobre o uso de bacias fluviais compartilhadas.Esses acordos devem ser negociados de boa-féentre os Estados ripícolas e baseados em princípi-os de utilização equitativa e razoável, na ausênciade intenção dolosa, em informações prévias e nasprioridades estratégicas da Comissão.

• Os Estados ripícolas devem ir além de conside-rar a água como um mero bem finito a ser divi-dido e adotar uma abordagem que distribuaequitativamente não só a água mas também to-dos os benefícios que podem advir dela. Nos ca-sos apropriados, as negociações devem incluir be-nefícios externos à bacia fluvial e outros aspec-tos de interesse mútuo.

• Não devem ser construídas barragens em rios queatravessam mais de um país se um dos Estadosripícolas levantar uma objeção que for confirma-da por um tribunal independente. Disputas in-conciliáveis entre países devem ser resolvidasatravés dos diversos meios de resolução de dis-putas, inclusive, em última instância, o TribunalInternacional de Justiça.

• No caso de projetos em rios que atravessam maisde uma unidade política de um país, as provisõeslegislativas cabíveis devem ocorrer nos níveis na-cional e subnacional, incorporando as priorida-des estratégicas da Comissão para “conquistar acei-tação pública”, “reconhecer direitos adquiridos”e “preservar rios e meios de subsistência”.

• Se um órgão governamental planejar ou promo-ver a construção de uma barragem num rio com-partilhado, transgredindo o princípio da nego-ciação de boa-fé entre unidades ripícolas, as agên-cias externas de financiamento devem retirar seuapoio aos projetos e programas patrocinados poresse órgão.

Um Novo Enfoque para o Planejamento ea Tomada de DecisõesAs prioridades estratégicas recomendadas pelaComissão fazem parte de um amplo arcabouço dediretrizes e normas existentes e emergentes em

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nível local, nacional e internacional. Para que es-sas prioridades e os princípios subjacentes tornem-se realidade é preciso haver um novo enfoque parao planejamento e o gerenciamento dos setores derecursos hídricos e energéticos.

A melhor maneira de realizar isso é concentran-do-se naquelas etapas-chave do processo decisórioque influenciam os resultados finais e nas quais ocumprimento dos preceitos regulamentares possaser verificado. A Comissão identificou cinco pon-tos críticos do processo decisório envolvendo op-ções de água e energia. Os dois primeiros dizemrespeito ao planejamento e levam a decisões so-bre o plano de desenvolvimento preferido:

1. Avaliação das necessidades - validando as neces-sidades de serviços de água e energia;

2. Seleção de alternativas - identificando qual é oplano de desenvolvimento preferido dentreuma ampla gama de opções.

Se esse processo determinar que uma barragem éa alternativa de desenvolvimento preferida, trêsoutros pontos críticos de decisão ocorrem:

3. Preparação do projeto - verificando que os de-vidos acordos estejam assinados antes da pro-posta formal de construção;

4. Implementação do projeto - confirmando queos preceitos estabelecidos estão sendo cumpri-dos antes do comissionamento do projeto; e

5. Operação do projeto - adaptando-o a novoscontextos.

Cada um dos cinco pontos de decisão representaum compromisso com as ações que devem reger aconduta futura e a alocação de recursos. São ospontos em que ministérios e órgãos governamen-tais têm de testar a legitimidade dos processos an-teriores antes de darem o sinal verde para avançarao estágio seguinte. Os pontos não são exaustivose, em cada estágio, muitas outras decisões têm deser tomadas e muitos outros acordos firmados. Oscinco estágios e os pontos de decisões correlatosdevem ser interpretados no contexto geral de pla-nejamento de cada país. A Comissão observou ain-da que, mesmo quando esses pontos de decisãosão transpostos, certas medidas adicionais têm deser tomadas para melhorar os resultados.

No passado, os aspectos sociais e ambientais, etambém aqueles envolvendo governo e cumpri-mento de preceitos, foram desvalorizados no pro-cesso decisório. Em vista disso, a Comissão formuloucritérios e 26 diretrizes que complementam nossos

conhecimentos sobre boas práticas e agregam va-lor às diretrizes nacionais e internacionais em vi-gor, incluindo aquelas envolvendo aspectos técni-cos, econômicos e financeiros. Tomados em con-junto com os instrumentos que já existem para darsuporte à tomada de decisões, os critérios e dire-trizes da Comissão oferecem uma nova direçãopara o desenvolvimento oportuno e sustentável.

Para que tal mudança se concretize é necessário que:

• Planejadores identifiquem as partes envolvidasmediante um processo que reconheça os direi-tos e avalie os riscos;

• Estados invistam mais em estágios preliminaresde planejamento de modo a eliminar projetosinadequados e facilitar a integração entre seto-res cujo contexto é a bacia hidrográfica;

• Consultores e agências garantam que os resulta-dos dos estudos de viabilidade sejam social eambientalmente aceitáveis;

• A participação seja aberta e significativa em to-das as fases de planejamento e implementação,promovendo resultados negociados;

• Construtores aceitem, através de compromissoscontratuais, responsabilidade para efetivamentemitigar os impactos sociais e ambientais;

• O cumprimento dos preceitos seja reforçado atra-vés de um processo de revisão independente; e

• Donos de barragens apliquem as lições de expe-riências passadas com monitoramento constan-te e a devida adaptação a novas necessidades econtextos.

A Comissão apresenta esses critérios e diretrizes nointuito de ajudar governos, construtores e proprie-tários - e também as comunidades afetadas e a soci-edade civil em geral - a fazer face às novas expecta-tivas da nossa estrutura social diante das questõescomplexas envolvendo projetos de barragens. Issocontribuirá para decisões embasadas e apropriadas,aumentando assim o nível de aceitação pública emelhorando os resultados do desenvolvimento.

Barragens e Desenvolvimento: Um Novo Modelo para To-mada de Decisões

O Relatório da Comissão Mundial de BarragensISBN 1-85383-798-9Disponível através daEarthscan Publications Ltd120 Pentonville Road, London, N1 9JN, UKTel: +44 (0)20 7278 0433 • Fax: +44 (0)20 7278 1142Email: [email protected]://www.earthscan.co.ukNa internet: http://www.dams.org

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Altamira, (Pará)Quarta-feira, 25 de Julho de 2001

Saudações Amazônicas,

O MDTX (Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu), que sempre lutou e propôs ummodelo de desenvolvimento sustentável, baseado no uso racional das riquezas naturais e na preservação dos riose florestas e na distribuição da renda da todos e todas, vem através desta carta abaixo pedir apoio e convocartodas as entidades ambientalistas e sociais do Brasil e do Mundo para junto nos opormos ao modelo de desenvol-vimento que vem sendo implantado na Amazônia pelo Governo Brasileiro baseado na construção de Hidrelétri-cas, Hidrovias, fomento à agricultura intensiva com elevada carga de insumos químicos (soja e outros grãos),pecuária extensiva e a exploração mineral sobre nossa floresta.

Precisamos de ajuda para enfrentar essa nova luta contra a insensatez dos políticos de velha mentalidade.

Atenciosamente,

Membros da Coordenação do Mdtx

Ademir Alfeu FedericciMembro da Federação dos Trabalhadores em Agricultura Reverendo

Lucio Mendonça da FonsecaPastor da Igreja Metodista

Tarcísio Feitosa da SilvaMembro do Conselho Indigenista Missionário

Bruno KempnerMembro da Federação dos Trabalhadores na Agricultura

Antonia Melo da SilvaMembro do Grupo de Trabalho Amazônico

Adão Araújo de JesusMembro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vitória do Xingu

Cartas

Carta - SOS Xingu - Um chamamento ao bom sensosobre o represamento de rios na Amazônia

Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu

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Um chamamento ao bom senso sobre o represamento de rios na Amazônia

Esta carta chama a atenção para o autoritarismo como o governo brasileiro, por meio da Eletronorte, vemtentando empurrar mais um projeto de grande impacto na Amazônia.

1. Governo Brasileiro está prestes a cometer mais um crime contra a Amazônia. Favorecido pela crise geradapelos planejadores do setor elétrico, o governo investe na construção de novas hidrelétricas. O alvo prioritáriodos novos mega-projetos são os rios da Amazônia, pois os rios das outras regiões estão entrando em colapso.

2. A Usina Hidrelétrica da vez é Belo Monte, em Vitória do Xingu, no Pará. Essa hidrelétrica está planejadadesde os anos oitenta, tendo sido suspensa, principalmente pela pressão dos movimentos ambientalistas locais,nacionais e internacionais, quando era chamada de Kararaô.

3. Em 2000, a Centrais Elétrica do Norte do Brasil S/A - Eletronorte retomou os trabalhos na região, sendo que, aomesmo tempo em que assenta construções de apoio já em funcionamento, dando a usina como fato consumado,desenvolve um intenso trabalho de convencimento da opinião pública regional e estadual com recursos públicos.

4. A opinião pública é aliciada pelas velhas e conhecidas promessas de progresso para todos, pelo discursosimplista de que as soluções técnicas da nova barragem não ocasionarão danos ambientais e ancorado na legiti-midade criada pela crise energética que atinge o país, criando-se uma situação de fato consumado e de terrorpara qualquer pessoa /ou grupos que se oponham ao empreendimento anunciado.

5. A novidade que ancora o discurso de novos métodos na construção da UHE de Belo Monte é um “Plano deInserção Regional” da obra e a promessa da criação de um Fundo de Compensação e de Mitigação de Impac-tos, medidas que, segundo a Eletronorte, minimizariam os efeitos negativos da obra. O Plano de Inserçãoseria a forma de evitar a prática de enclave de triste história na região. Mas, igualmente frágil e enganador,pois pelo que a Eletronorte anuncia, o forte de seu “Plano de Inserção Regional” é a capacitação de empreen-dedores para a população se viabilizar em outras atividades depois do fim da obra.

6. A capacitação nunca foi uma solução em si, é apenas um meio que deve estar voltado para uma política dedesenvolvimento estruturada em atividades sustentáveis, diversificadas e apropriadas às condições especiais daregião da Amazônia. A construção de hidrelétricas e grandes barramentos nunca foram atividades sustentáveisao meio amazônico. Ao contrário, têm sido as intervenções do capital com maior poder de desordem e destrui-ção ecológica, econômica e social.

7. Paralelamente, a Eletronorte faz um trabalho de aliciamento dos prefeitos e vereadores da região, com basena promessa de financiamento de planos diretores para zonas urbanas dos municípios, prometendo construirinfra-estrutura local. Essa prática política, de questionável legalidade, usando dinheiro público como moeda emtroca ao apoio público e acrítico desses grupos políticos, repete a história da empresa em outros lugares. Ouseja, a busca de apoio nos aliados das empresas madeireiras, mineradoras e grandes agropecuárias animadaspela perspectiva de ganhos extraordinários com a vinda da Usina.

8. A mentalidade imediatista dos governantes locais e do Estado combina com os interesses políticos da Eletro-norte. Os prefeitos vêem na Eletronorte uma financiadora direta de suas reeleições através das obras prometidase se tornam um filtro ao questionamento e ao verdadeiro processo democrático que deveria envolver a discussãode um projeto de barramento de um rio Amazônico.

9. Do lado do governo do Estado, a sociedade também está prejudicada em seu direito de receber informaçõessérias e críticas, contestar e criticar o projeto. O governo Almir Gabriel, também interessado nos dividendospolíticos e financeiros da obra, tem simplesmente fechado os olhos para os efeitos negativos deste projeto,limitando-se a propor apenas barganhas, fragmentadas e imediatistas, interessado no horizonte eleitoral dospróximos anos. Essas propostas são precárias tecnicamente e insignificantes para responder aos efeitos encade-ados do ponto de vista ecológico, social e econômico e cultural na região.

10. Ou seja, antes da conclusão dos estudos de impacto ambiental e do licenciamento da obra, a Eletronorte jávem negociando com prefeitos e o governador do Pará, o aporte de recursos para várias obras, o tal “Plano deInserção Regional” e várias ações locais para aliciar as organizações populares.

11. Essas obras e ações mitigatórias deveriam ser indicadas e debatidas exaustivamente no EIA-RIMA com funda-mentação científica, buscando a articulação entre as diversas ações de minimização dos impactos caso a Usinafosse construída.

12. Ora, o modo de contratação dos estudos junto à FADESP foi contestado na Justiça (Ministério Público Fede-ral) paralisando os trabalhos por dois meses. Isso indica irregularidades. Ou seja, os resultados desses estudosmerecem um exame cuidadoso por parte de todos os interessados, pois são eles que vão dizer quais serão asobrigações das empresas que vão construir a Usina. Se já é difícil negociar com o governo que trabalha comnosso dinheiro, imaginem como será com as empresas que querem custos reduzidos e lucros aumentados!

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13. Quem está financiando essas obras-meio, de objetivos persuasivos e com base em que estudos?

14. As evidências indicam que a Eletronorte está utilizando dinheiro público na barganha de apoios e adesão,construindo uma imagem negativa de excluindo quem deseja discutir em outros termos com processos maisamplos de análises e estudos.

15. O que se observa com extrema preocupação, é que a história autoritária da construção de grandes projetosna Amazônia se repete. Os mecanismos de diálogo social criados são voltados para a pressão e persuasão e nãopara o debate aberto, honesto e transparente.

16. Presidente da Eletronorte, em palestras na região e na imprensa do Estado, demonstra que já esgotou apaciência em apenas seis meses de discussão pública da obra. Da parte da empresa, são seis meses de açãopropagandística junto aos segmentos empresariais e poder público. E a população continua sem saber o quepode acontecer se for construída tal hidrelétrica.

17. Os movimentos sociais começaram o debate público, com todas as suas dificuldades de mobilização, emabril, em Altamira, quando reuniu cerca de mil pessoas no primeiro embate público de idéias. A partir de então,a Eletronorte intensificou a pressão via os meios de comunicação locais e estaduais dizendo ser a Hidrelétrica deBelo Monte mais uma dádiva de Deus. Na busca do convencimento de lideranças locais, oferece meios paraatender demandas sociais e dividir, no velho estilo maquiavélico, para governar.

18. Algumas atitudes da empresa lembram os tempos da ditadura militar no Brasil, como o registro audiovisualde todos os momentos dos eventos promovidos pelos movimentos sociais, a filmagem das lideranças, o estudo dodiscurso de quem a empresa considera seus opositores e o mapeamento das forças contrárias e favoráveis parauma estratégia de comunicação social mais eficaz.

19. Uma questão merece atenção sobre esses métodos: a empresa tem competência para lidar com essa aborda-gem de controle e uso das informações de inteligência ou estaria sendo assessorada pelos remanescentes do SNIe da ABIN?

20. Que rumo e que usos são dados a essas imagens e análises do discurso das lideranças locais?

21. Essa prática é denunciadora de um Estado autoritário, repelido pelas forças democratizantes no mundo inteiro apartir dos anos oitenta do século passado. É uma prática inaceitável no debate em relação a grandes projetos naAmazônia, bioma cujas fragilidades ecológicas ainda são pouco estudadas e conhecidas. Ninguém da Eletronortenem dos técnicos do governo estadual e nem das equipes de estudo do EIA-RIMA pode afirmar com segurança comoserá a reação da natureza com o fechamento do rio, principalmente para três hidrelétricas como está anunciado.

22. A ação propangandística da Eletronorte usa a UHE Tucuruí, onde a empresa corre atrás do atendimento dedemandas das prefeituras, sem ter resolvido o problema central da regularização fundiária das populações dasilhas formadas pelo Lago. Não existe um programa de desenvolvimento eficaz e includente para a região doentorno do Lago. Tucuruí está sendo arrumada para venda (privatização) e seus conflitos / sociais com a popu-lação local estão sendo colocados embaixo do tapete para não espantar os possíveis compradores.

23. O debate sobre a construção de novas hidrelétricas na Amazônia é mais complexo do que a agenda governa-mental atual pode comportar. Por isso chamamos a atenção para tornarmos esse debate de interesse nacionalcom o máximo engajamento crítico para não referendarmos mais um desastre em nome do desenvolvimento.

24. Entre os pontos a serem discutidos com compromisso ético e conhecimento científico apropriado, peloconjunto da sociedade, estão os seguintes:

25. Apesar da energia hidrelétrica ser a opção mais limpa que a nuclear - como exemplo extremo, colocado pelogoverno Federal - e outras fontes com capacidade de armazenamento em grande escala, é a Amazônia o biomamais apropriado para a extração desse recurso?

26. Num quadro de escassez e de commoditização da água doce do planeta e de iminência da crise dos recursoshídricos, é inaceitável que os rios da Amazônia, nossa principal reserva hídrica, sejam alvos prioritários de barra-mento. As barragens sempre trazem efeitos de desordem ecológica, econômica e social que comprometerão aqualidade dessas águas num futuro próximo.

27. Mesmo que valesse a pena provocar os distúrbios nesses rios para atender a demanda imediata de forneci-mento de energia, o país dificilmente terá dinheiro para arcar com os custos de despoluição para o aproveita-mento dessas águas no futuro.

28. Não nos parece conseqüente, um planejamento governamental que enfoca a obra hidrelétrica em si, enquantointensifica-se o desmatamento das matas ciliares e das cabeceiras dos rios represados, provocando a alteração doregime hídrico, o assoreamento e a morte desses mananciais a médio e longo prazos, ao alcance das geraçõespresentes. O rio Tocantins, o Araguaia, o São Francisco estão morrendo e agora querem matar o Xingu.

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29. Por que sacrificar o Rio Xingu com o uso hidrelétrico se sua Bacia representa um capital ecológico dos maisimportantes do país em seu estado natural, podendo converter-se em instrumentos de desenvolvimento econô-mico sustentável e harmonioso com outras opções de investimento como turismo verde, a pesca, o lazer e tantosoutros usos de importância estratégica como a própria fonte de água?

30. Não parece insensato que os países do G-7 invistam cerca de 300 milhões de dólares para minimizar odesmatamento da Amazônia, enquanto seus mesmos bancos públicos (Banco Mundial e outros) financiam bi-lhões em obras que comprometem ecossistemas gigantescos na região para um único fim, com os recursos dasociedade desses países?

31. O governo brasileiro irá repassar as usinas hidrelétricas construídas e, as em processo de construção, para asempresas privadas. Se aceitarmos estaremos autorizando a privatização dos rios da Amazônia e pagaremos caropor isso no futuro.

32. No caso do Xingu, com três usinas programadas para os próximos anos, o que restará do rio para uso de igualimportância para os seres humanos como os povos indígenas (Kayapó, Parakanã-Apiterewa, Araweté do IgarapéIpixuna, Asurini do Xingu, Arara do Pará, Juruna, Xipaia e Curuaia)? E para as populações ribeirinhas quedependem desses ecossistemas ? E o que restará das florestas que devem ser protegidas por Florestas Nacionais,Terras Indígenas e Reservas Comunitárias desde a cabeceira do rio até sua foz no Rio Amazonas?

33. Num país ainda marcado pela lógica do planejamento autoritário, onde quem decide o destino dos investi-mentos públicos são as empresas privadas (no caso do setor elétrico, as barrageiras, ávidas por novas obras!),será impossível proteger os mais pobres que serão atraídos pelas promessas de emprego. Assim como serãobarrados milhares de trabalhadores que virão de fora. Outros que já estão estabelecidos na região, terão quemdeixar suas propriedades para dar lugar à barragem em troca de indenizações que nunca compensam os inves-timentos deixados para trás. Considerando que a Usina vai atrair trabalhadores do Pará inteiro e de outrosestados, nas diversas etapas e após a conclusão do empreendimento, quem garante que a empresa que vai com-prar a Usina vai cuidar do futuro desse povo?

34. Será impossível evitar o aumento da pressão sobre a floresta, milhões de hectares de mata serão colocadosabaixo com a chegada de mais madeireiras, especuladores de terra, pecuaristas e famílias de agricultores queocuparão as terras distantes para produzir comida.

35. Quem irá financiar os efeitos da multiplicação da pobreza estrutural gerada pela Usina? Certamente nãoserão as empresas premiadas pelo governo na venda da Usina. Elas querem apenas os lucros bilionárias daconstrução da obra. O Fundo de Compensação e Mitigação que a Eletronorte está prometendo? Esse fundo serácontrolado pelos empresários políticos da região. A arrecadação dos Estados e municípios? Isso depende dorumo que a economia da região tomar.

36. Que setores da economia irão gerar essa arrecadação? Em Tucuruí, a economia continua estagnada, gerandopoucas oportunidades no comércio e nenhuma novidade na indústria, pois os principais fornecedores da Ele-tronorte são de fora. Quem cresceu lá foi a Camargo Corrêa que montou uma indústria de silício metálico nabeira do Lago, após ter descoberto o minério durante a construção da obra.

37. As imperfeições da atual lei dos royalties não permitem controle social e a segurança da aplicação corretados recursos pelos governos. Os fundos de compensação criados para corrigir danos ambientais não são admi-nistrados com transparência nos outros grandes projetos. Esses recursos são remetidos para um fundo ambien-tal estadual, sem controle social.

38. A regulamentação ambiental no Brasil é muito recente e sua operacionalização ainda carece de capacidadeinstitucional, recursos humanos qualificados e independência política para os licenciamentos nos estados. Issocompromete o conteúdo dos licenciamentos e a real possibilidade de implementação de suas recomendações.

39. Mesmo que as ações mitigatórias estejam inscritas no Edital que será lançado para a venda da Usina de BeloMonte, não temos segurança de sua aplicação pela empresa que comprar a obra. A experiência reguladora dopaís após as privatizações demonstram fragilidade dos instrumentos como Agência Nacional de Energia Elétrica(ANEEL), Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e outras.

40. Não concordamos com a construção de hidrelétricas do porte de Belo Monte na Amazônia. Esse tipo de obranão combina com os padrões de desenvolvimento apropriados para a região. A modernidade na Amazôniasignifica ganhar dinheiro e gerar oportunidades de negócios lucrativos com o uso racional das florestas, dos rios,dos solos e dos sub-solos. A Construção de projetos que destroem essas riquezas e esses estoques de capital sãopouco inteligentes e estão na contra-mão da modernidade na região e no país.

41. Isso nos remete para a necessidade dos estudos da Bacia do Xingu, com um macrozoneamento participativoque defina seus múltiplos usos. Desta forma, qualquer projeto para essa região deverá ser embasado cientificamen-te e com ampla aceitação social. Já sofremos e aprendemos o suficiente com os grandes projetos na Amazônia para

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cair na armadilha da realização de estudos isolados por hidrelétricas, sem considerar as interdependências detodos esses macro-ecossistemas e dinâmicas mais amplas.

42. Nossa avaliação é que a agenda governamental implementada pela Eletronorte sobre a construção da usina deBelo Monte é incompatível com a necessidade de uma discussão responsável e profunda sobre todos os aspectos queenvolvem uma intervenção de grande porte num dos ecossistemas amazônicos mais protegidos, a Bacia do Xingu.

43. Consideramos também, que o EIA-RIMA, apenas atualizando os estudos anteriores e, limitando-se a seismunicípios, não refletirá os efeitos prováveis em toda a sua extensão no espaço, nas dinâmicas econômicas esociais. Nesse sentido, o estudo não terá a eficácia necessária para orientar as decisões sobre deslocamentospopulacionais e pressão sobre os recursos naturais da região, como os remanescentes florestais, redes hídricassecundárias, pressão sobre as espécies-alvo de caça e demais interações de reprodução biológica que se esten-dem por um espaço superior ao foco do estudo.

44. A desordem que já vem sendo provocada por Belo Monte, ameaça a reprodução social da agricultura famili-ar na região pela intensificação dos problemas fundiários, o aliciamento dos especuladores de terra sobre asfamílias empobrecidas e as expectativas de emprego temporário oferecido pela empresa sem sustentabilidadeno tempo e no espaço, as invasões de Terras Indígenas e a exploração ilegal de madeira na região.

45. Essa Hidrelétrica é inaceitável, pois está vinculada à privatização de rios na Amazônia.

46. Pedimos a suspensão de todas as negociações que estão sendo feitas entre a Eletronorte e as prefeituras e ogoverno do Estado, visando troca de apoio;

47. Exigimos que nosso projeto de desenvolvimento sustentável para a região da Transamazônica, que tem porbase a agricultura familiar, criação e uso de reservas florestais, verticalização da produção, fomento à educaçãoe eletrificação rural, trafegabilidade dos travessões e a rodovia transamazônica, demarcação e proteção das ter-ras indígenas e a viabilização de alternativas economicamente sustentáveis para as comunidades ribeirinhas eindígenas seja discutido e viabilizado imediatamente pelos ministérios do Meio Ambiente, Ministério da JustiçaPlanejamento Orçamento e Gestão e Integração nacional, assim como Ministério Público e Agência Nacional deÁguas, Governo do estado e IBAMA.

48. O Projeto dos movimentos sociais da região, denominado “Fortalecimento da Produção Familiar e Conten-ção dos Desmatamentos da Transamazônica e Xingu”, elaborado em vinte anos de resistência nessa região, é umponto de partida para a discussão de um macrozoneamento responsável para uma área que envolve 13 municí-pios, definindo rumos para um desenvolvimento em bases democráticas. Inclusive, corrigindo vários erros doprojeto de colonização como a estrutura fundiária.

49. Não aceitamos que a Eletronorte seja a única interlocutora do governo Federal para liderar as discussõessobre a Usina de Belo Monte e nem para discutir ações de desenvolvimento.

50. Convocamos todas as entidades ambientais no Brasil e os parceiros no mundo para nos dedicarmos aodebate do uso sustentável do rio Xingu junto com sua população, famílias de agricultores, ribeirinhos, comuni-dades tradicionais e povos indígenas. Precisamos unir nossas forças para impedir que a Amazônia sofra mais umgolpe trágico em seus ecossistemas com efeitos desastrosos para suas populações e para o país.

51. A Amazônia é um patrimônio natural fundamental para todos os brasileiros e cidadãos do mundo. Merececuidado e responsabilidade no uso de seus recursos naturais e evitar o represamento de seus rios que mudam adisposição dos elementos que a natureza construiu para outros fins.

52. Conclamamos os movimentos ambientalistas que vieram em nosso socorro e em socorro dos povos indígenasem 1987, a se unirem a nós mais uma vez para convencerem o governo brasileiro a mudar seus procedimentosem relação a Grandes Projetos na Amazônia. Precisamos desacelerar a agenda de construção de barragens,inclusive a de UHE Belo Monte prevista para ser licitada ainda este ano, ou seja, vendida a empresas particularese iniciada a construção para 2002.

53. Precisamos de tempo para assimilar o que está acontecendo, informar a sociedade local, nacional e ONGsinternacionais sobre o que representam os impactos e a relação custos-benefícios da obra.

54. Nesse sentido, propomos uma conferência sobre Belo Monte para setembro próximo, reunindo entidadesambientais do Brasil e do mundo para refletirmos e tirarmos uma posição que interesse não apenas aos setoresque estão fazendo lobby sobre o governo para viabilizar a obra, mas aos interesses do país a longo prazo.

Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e XinguRua Anchieta, 2092 - 68.371.190 Altamira - Pará[email protected]

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Altamira - Pará, Quinta-feira,

18 de Fevereiro de 2002

Senhor Presidente,

A história do Movimento Pela Sobrevivência da Transamazônica, hoje batizado por causa da nova dinâmicahistórica e econômica da região de Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX), nosleva com compromisso moral, social ético nos dirigirmos a Vossa Excelência para enumerar várias considera-ções quando aos modelos propostos de desenvolvimento para Bacia do Xingu e a Região da Transamazônica.

Muitos fatos marcaram a história do hoje MDTX, como por exemplo os grandes debates acerca do desen-volvimento, realizados em todos os municípios da região durante o ano de 1990 e que culminou com ogrande acampamento dos povos da Transamazônica e Xingu em Altamira, no período de 31 de julho a 07de agosto de 1991.

Durante o acampamento foi discutido um Projeto Geral de Desenvolvimento e traçou-se um plano de lutas paramostrar ao restante do país que aqui havia mais de 500 mil habitantes que tinham direito a uma fatia do desen-volvimento desse país.

Nesta época conseguimos desburocratizar o crédito, através do FNO, que tem financiado até o presente momen-to mais de 17 mil famílias na agricultura familiar, num montante de recursos de mais de R$ 150 milhões.

Além do mais foi recuperado um trecho da Rodovia Transamazônica e já temos a promessa de asfaltamento damesma, a recuperação também das nossas vicinais e outros tantos recursos que vieram para as prefeituras daregião.

Com isso foram criados neste período 28 projetos de assentamento, sendo assentadas 3.584 famílias de agricultores.

Temos, através de lutas do MDTX, o Campus Universitário de Altamira, o Curso de Ciências Agrárias e Agrono-mia, a Escola Agrícola de Altamira. Buscamos formas alternativas de Educação Rural, através das Casas Familia-res Rurais a forma exportada de experiência que mantém os filhos/as do homem e da mulher do campo em suaspropriedades, produzindo de forma sustentável e tantas outras lutas que têm trazido ganhos para a Região.

São tantos os recursos que já vieram para esta região através de nossas lutas, que estamos citando apenas algunsexemplos, mais o que é mais importante é que nosso projeto de desenvolvimento está proposto para a grandemaioria da população da região, principalmente para a agricultura familiar, que é a base econômica de todos osmunicípios desta região e não somente para um reduzido número empresários (privilegiados), como era o casodos financiamentos da SUDAM.

Carta ao Presidente do BrasilMovimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu

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Estamos também consolidando a proposta da maior reserva do Mundo de preservação e de uso sustentável viáveleconomicamente. O que colocará o Brasil em pódio de ser respeitado por sua política ambiental.

Dessa forma, os recursos que conquistamos foram e continuam sendo movimentados dentro da região, benefici-ando o comércio local e toda a população, gerando empregos numa quantidade muito maior do que os grandesprojetos.

Nestes últimos anos as Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A - Eletronorte, anuncia O Complexo Hidroelé-trico de Belo Monte (CHE Belo Monte) vem no bojo desses grandes projetos pensados para a Amazônia.

O CHE Belo Monte é um conjunto de Cinco Barragens, que vão alagar mais de 15.000 Km2.

A Eletronorte anda dizendo que o CHE Belo Monte vai trazer desenvolvimento, que a obra vai melhorar a vidadas pessoas, mas o que vemos e podemos constatar e que a população de Tucuruí, onde existe uma grandebarragem há vinte anos, é muito mais pobre que a da nossa região. E aqui não temos barragem.

Se for construída estas barragens perderemos nossas terras e nossas águas que são patrimônio público, pois aEletronorte anuncia a privatização desse empreendimo. Perderemos nossas casas e a maioria das riquezas que aAmazônia Brasileira nos proporciona.

O povo da Amazônia já foi sacrificado demais, e continua cada vez mais pobre, como resultado desses grandesprojetos e mais ainda pela privatização dos rios e igarapés e da Bacia do Xingu.

Isso não é desenvolvimento, pois a história da construção das Hidrelétricas na Amazônia tem provado que elassão um desastre ecológico, social e econômico, como podemos ver claramente bem próximo de nós em Tucuruí,além de tantas outras, como Balbina, Samuel, Serra da Mesa, Rio Cuiabá etc. elas têm nos mostrado que o tãopropagandeado desenvolvimento, gera riquezas somente para um reduzido grupo de privilegiados, e que isso sódura durante o processo de construção da obra. Ao final o povo fica somente com os grandes impactos negativose prejuízos da obra, aumento da pauperização.

Além dos mais, a obra está orçada em US$ 4,8 bilhões, mas Tucuruí estava orçada em menos de US$ 4 bilhões ecustou o dobro aos cofres públicos. E que estamos pagando através da eterna dívida externa.

Na realidade com 10% do valor proposto para a obra, nós temos condições, dentro de um Projeto de Consolida-ção da Agricultura Familiar e de Geração de Emprego e Renda Urbana e Rural realmente discutido com oconjunto da sociedade, trazer condições reais de desenvolvimento, para todos da população da região, dentrode uma proposta de desenvolvimento sustentável, sem grande agressão ao meio ambiente, pois entendemos istocomo um patrimônio que pertence também às gerações futuras, que devem ter garantidos os direitos de umavida digna num ambiente saudável.

O nosso projeto de desenvolvimento não agride o meio ambiente, é inteligente e aproveita o potencial daregião, incluindo as áreas de preservação, terras e populações indígenas, agricultores familiares, ribeirinhos etodos que habitam nessa região. Garantindo assim qualidade de vida, conservação da floresta e o uso sustentávelda Bacia do Xingu.

Esse é o desenvolvimento que queremos, sem barragem, mas com vida digna aos cidadãos e cidadãs de cadacanto de nossa esquecida região.

Senhor Presidente ao invés de todo esse investimento para barrar e matar nosso patrimônio, o bem mais preci-oso o Rio Xingu, que Vossa Excelência. determine que seja investido em recuperação das barragens já em funci-onamento, em conclusão das já iniciadas, em aproveitamento das linhas de transmissão, em outras fonte deenergia, tais como, energia solar, energia eólia, biomassa, e em investimentos na agricultura familiar, crédito,indústrias para gerar empregos etc. para poder desenvolver a região da Transamazônica.

O Vosso Governo com certeza não vai querer ser lembrado como o presidente que matou os Rios da Amazônia,e acabou com o sonho, a esperança e a vida de milhões de trabalhadores e trabalhadoras rurais, ribeirinhos (as),pescadores (as), povos indígenas e de muitas espécies da fauna e flora, e, acima de tudo, acabar com o direitodas crianças e jovens brasileiros (as) de ter futuro e conhecer as belezas de seu país.

Tudo isso prova que não precisamos de barragens, pois em 1989, quando se falava que esta região dependia deenergia para alavancar o seu desenvolvimento, propusemos uma forma alternativa para esta energia chegar aténós, levando-se em conta que havia uma grande hidrelétrica bem próxima de nós, que é Tucuruí, e que estaenergia deveria vir até nós através do “Linhão de Tucuruí”. Hoje esse Linhão está aí propagandeado como obrasque têm “pai, mãe, tios e avós”. E ainda não chegou as unidades de produção familiar rural. Estes que sustentamas duras penas o pão na mesa dos brasileiros e brasileiras.

Repudiamos a forma que a Eletronorte, vem persuadindo a população para se tornarem a favor do empreendi-mento, pagando jantares aos empresários locais, fornecendo passagens aéreas e rodoviárias para pessoas humil-

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des realizarem tratamento de saúde em outras cidades e bancando eventos festivos como por exemplo festas naspraias do Xingu, carnaval entre outros.

Senhor Presidente, o povo da Transamazônica e Xingu, as populações indígenas, em torno da Bacia do RioXingu, dizem com firmeza: “NÃO QUEREMOS BARRAGEM, É O GRITO DAS MILHARES DE TUÍRAS”.

Respeitosamente,

Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu

MDTX é um Movimento composto por 113 Entidades entre elas Sindicatos Rurais e Urbanos, Associações de Produtores,Cooperativas de Agricultores, Movimentos de Mulheres da Cidade e Campo, Fetagri Regional, Grupo de Trabalho AmazônicoGTA-Altamira, Grupos de jovens, Pastorais Sociais e Religiosas, que lutam pelo Desenvolvimento Sustentável na Região.

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Complexo Hidrelétrico do XinguCarta do MDTX, GTA, FETAGRI e FVPP

Altamira, 10 de março de 2002.

Exmo. Sr. Dr. Fernando Henrique CardosoPresidente da República do Brasil

Senhor Presidente,

Há um ano e meio, trava-se um debate tenso em torno da retomada do Complexo Hidrelétrico do Xingu, tendoa Eletronorte, subsidiária da Eletrobrás, representado o Governo Brasileiro nas discussões.

Talvez a empresa não tenha informado aos escalões superiores do Governo sobre as questões que os movimentossociais da Transamazônica e Xingu e os setores críticos do Estado do Pará vêm apresentando em oposição àconstrução de Hidrelétricas na Amazônia.

Somos um movimento que reúne 113 organizações sociais, criadas no curso de trinta anos de colonização nesta região.

Nesses trinta anos, abandonados a nossa própria sorte, conseguimos, com o apoio das pastorais religiosas, dasolidariedade internacional e de organizações de apoio e sindicais, construir um referencial de desenvolvimen-to apropriado para uma região de florestas tropicais.

A região em que se situa a Bacia Hidrográfica do Xingu é a fronteira da Amazônia Oriental, onde se trava umadas disputas mais acirradas e violentas pelo território e entre diferentes concepções de uso dos recursos naturais.Nesta região, estão situadas as últimas reservas maciças de mogno da Amazônia, uma das bacias hidrográficasmais preservadas do planeta e uma biodiversidade ainda desconhecida da comunidade científica.

Cerca de 800 mil habitantes povoam esta região, combinando várias atividades baseadas na exploração, dosarecursos da floresta, aquáticos, minerais e agropecuários.

Na década de 80, a Eletronorte tentou iniciar a construção do Complexo Hidrlétrico do Xingu, iniciandopor duas barragens: Babaquara e Kararaô. As duas usinas inundariam mais de 7 mil km2. A sociedade repu-diou e os planos foram adiados.

Em 2000, a Eletronorte apresentou um plano reformulado, permeado de meias verdades e de uma práticaautoritária e imediatista para justificar a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Com a crise energéti-ca, os tecnocratas da empresa encontraram o ambiente ideal para convencer a opinião pública da necessidadede novas obras a qualquer custo.

No decorrer do debate, os movimentos sociais da região, manifestaram sua preocupação com a Barragem. Prin-cipalmente, como veio a se confirmar por declarações do próprio presidente da Eletronorte, porque não se tratade uma UHE e sim do retorno do Complexo de cinco barragens na Bacia do rio Xingu: Belo Monte, Altamira,

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Jarina, Ipixuna e Kokraimoro. As cinco barragens comprometem toda a Bacia, alagando cerca de 20 mil km2 doterritório. É um projeto insano, na contramão da história e um atentado com a Amazônia.

Sr. Presidente, chamamos sua atenção para a importância da decisão e os métodos com os quais seu Governoestá decidindo sobre o futuro ecológico dessa região e suas conseqüências para a Amazônia e para os estoquesde água doce do planeta. Nós queremos discutir, com o tempo e os cuidados necessários, o que representa orepresamento dos rios da Amazônia, diante do valor estratégico das águas no milênio que se inicia.

Soluções energéticas a partir do recurso renovável - água - devem ser buscadas e aproveitadas, evitando os impac-tos dos alagamentos gigantescos e a desestruturação territorial, ecológica e social que acompanha esses empre-endimentos. Tratando-se de Amazônia, esses efeitos são multiplicados. Certamente, setores da indústria no mundoestão empenhados em soluções tecnológicas que minimizem os impactos desses empreendimentos. Certamentetambém, os setores industriais que detém as atuais tecnologias fazem lobbies junto aos governos dos países maispobres para vender suas máquinas e equipamentos que, talvez, em dez anos, estarão sucateados.

Muito cuidado, Sr. Presidente, com a decisão de investir 7 bilhões do dinheiro da sociedade brasileira, sobresponsabilidade do BNDES, na construção de uma obra que, quando for concluída, estará defasada, acarretan-do um custo ambiental e social impagáveis.

O mesmo cuidado, Sr. Presidente, deve ser dado às pressões que as firmas de engenharia exercem sobre asdecisões de governo, para a construção dessas obras gigantescas de concreto, vistas unicamente do ponto devista do mercado. Nenhum desses setores industriais se responsabiliza pelas conseqüências de seus investimen-tos. Mas, nós, que sabemos de onde vêm os recursos que financiam essas obras, sentimos o quanto eles faltam naeducação, na saúde, na infra-estrutura local e nos investimentos para que as economias regionais encontremseus caminhos e oportunidades de inserção nacional e internacional.

Chamamos a atenção também, Sr. Presidente, para que seu Governo, não ignore o significado da nossaopinião. A Eletronorte, com sua postura autoritária, repete na região, o que sofremos no período da dita-dura. É proibido falar contra as barragens. A verdade das cinco hidrelétricas foi arrancada a duras penas.

Nosso principal líder, Ademir Federicci, foi assassinado no dia 25 de agosto do ano passado, quando denunciava asirregularidades da extinta Sudam, hoje ADA, na região e levantava um vigoroso movimento contra as barragens noXingu. Estamos há quatro meses solicitando que a Polícia Federal esclareça o crime e não obtivemos respostas.

A Eletronorte utiliza-se do poder de uma estatal para aliciar prefeitos, fazer propaganda na grande mídia e nos meioslocais. Essa prática, Sr. Presidente, nos lembra os tempos do General Médici, o executor dessa colonização. Só que omundo mudou e a sociedade deve ser ouvida e, com atenção especial, aqueles que não estão nos escalões do poder.

O que será feito com as 32 tribos indígenas que existem nessa área? Recentemente, em um seminário promovi-do pela Universidade Federal do Pará, em Altamira, um Índio da área de abrangência do projeto, declarou quese a Eletronorte vier “empurrar” à força uma barragem, eles estão dispostos a invadir a cidade de Altamira paramostrar, pela força também, que existem visões diferentes sobre o rio e o desenvolvimento da região.

Diante desses pontos de vistas, Sr. Presidente, é preciso ouvir outras vozes que não apenas a tecnocracia daEletrobrás. Saber mais da história das hidrelétricas na Amazônia. Não convêm colocar em jogo o futuro daAmazônia, para responder eleitoralmente para as regiões industrializadas, deixando aqui o caos social causadopor um empreendimento dessa envergadura.

Ousamos fazer nosso próprio projeto de desenvolvimento. Isso é modernidade, Sr. Presidente: a sociedade localpensar políticas públicas e dialogar com seu governo sobre o futuro de uma região.

Nosso projeto visa aproveitar os recursos da floresta e do Rio Xingu compatibilizando desenvolvimento, cresci-mento econômico e conservação da base de recursos naturais.

Sobre esse projeto queremos discutir com o Governo. Porém, a construção de consensos de tal nível não épossível com a pressa, o autoritarismo e o receituário obreirista da Eletronorte.

Nesse sentido, reafirmamos o que solicitamos na carta do GTA, enviada a Vossa Excelência, no ano passado:suspensão de todas as obras de grande impacto ambiental na região, até que haja uma discussão exemplar e aconstrução de consensos com a sociedade local.

Respeitosamente,

Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu - MDTX

Grupo de Trabalho Amazônico - GTA

Federação dos Trabalhadores na Agricultura - FETAGRI/Regional

Fundação Viver, Produzir e Preservar - FVPP

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Altamira, 29 de abril de 2002.

Ao Presidente da Assembléia Legislativa do Pará.

Na última quinta-feira (25 de abril), os deputados estaduais do Pará reuniram-se em Assembléia Extraordinária,na cidade de Altamira, para debater o Complexo Hidrelétrico de Belo Monte.

Uma política de velha mentalidade.

Mais uma vez, os deputados governistas só respeitaram uma visão do projeto.

Apenas o Presidente da Eletronorte teve o direito de falar. A nenhuma liderança popular de Altamira foi conce-dida a palavra, nem sequer a Dom Erwin, Bispo da Prelazia do Xingu. Não questionamos reuniões itinerantes daAssembléia Legislativa. Se, porém, essa reunião não era de caráter deliberativo, então o que os deputados/asvieram fazer aqui? Por que o povo não teve a oportunidade de se expressar, já que foi convidado? Era uma sessãooficial ou mais uma atividade de campanha Pró-Belo Monte, utilizando a referência institucional da AssembléiaLegislativa e o dinheiro público para empurrar goela abaixo o seu falso projeto de desenvolvimento?

Qual é o resultado?Os deputados que ignoram os argumentos críticos e tentam vender seu peixe de forma irresponsável e eleitoreira,foram “vaiados”, pois essa foi a única forma de os movimentos sociais e os cidadãos comuns se expressaremnaquele momento.

Mais uma vez, os deputados governistas não vieram discutir com o povo que tipo de projeto é importante para nós,que tipo de desenvolvimento queremos. Vieram tentar empurrar um projeto elaborado nos gabinetes de Brasília,pensado apenas pelas empresas interessadas em explorar os recursos naturais da Amazônia. É lamentável que se gastetanto dinheiro público para trazer a Assembléia Legislativa para nossa região, somente para os parlamentares a utili-zarem como palanque eleitoral. Nenhuma proposição foi tirada em relação à segurança pública, ao sistema de saúdeque continua sacrificando vidas, ao caos da educação, ao desenvolvimento regional. Tentam convencer-nos de quetudo que não foi feito até agora só acontecerá se for construída a Barragem.

Uma chantagem inaceitável!A Eletronorte se utiliza do poder de uma estatal para aliciar prefeitos, fazer propaganda enganosa na grandemídia e nos meios locais. Com sua postura autoritária ela repete na região o que sofremos no período da ditadu-ra e o que fez em todos os lugares onde construiu outros monstros de concreto. É proibido questionar qualquerprojeto da empresa. Os verdadeiros planos são revelados e discutidos apenas com as empresas e políticos que sebeneficiam deles. Para a população as informações chegam filtradas, a conta-gotas, maquiadas. A duras penas foiarrancada a verdade de que no Xingu não se trata apenas de uma, mas de um complexo de cinco barragens.

O desenvolvimento que queremosManifesto de Indignação e Repúdio das Organizações

Populares, Sindicais de Altamira e Região.

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Graças ao trabalho de pesquisa do MDTX e de seus colaboradores, descobrimos que, desde o início, Belo Monteé apenas a primeira de um grupo de cinco barragens interdependentes que vai afetar toda a bacia do Xingu. Porque a Eletronorte esconde da população os dados da totalidade da área que será alagada pelas cinco barragens?

Grandes Projetos e grande pobrezaO Estado do Pará é detentor de vários grandes projetos, concebidos com a falsa propaganda de solução para osproblemas sociais pelos quais a população passa. Tucuruí, por exemplo, está em situação precária. O relatório“Estudo de Caso de Tucuruí”, do qual tanto a Eletronorte quanto o Movimento dos Atingidos por Barragem(MAB) participaram, mostra que a diversidade de espécies de peixes diminuiu, principalmente após a barra-gem, junto com a fertilidade dos solos da várzea.

Significativo é o fato de que os pescadores e agricultores que moram nessa área não receberam um tostão deindenização da Eletronorte. Isso mostra que é mera ficção afirmar que os únicos impactos ocorrem somente naárea de inundação. O reservatório concentrou mercúrio dos garimpos. Os pescadores e suas famílias apresen-tam hoje uma elevada concentração de mercúrio em seus organismos, o que causa problemas neurológicos eoutras doenças para várias gerações.

Hoje há 800 famílias em Tucuruí, muitas delas refugiadas da área à jusante, a maioria morando precariamenteem ilhas no reservatório. A Eletronorte está subindo o nível desse reservatório em 2 metros. De acordo com orelato de moradores nas Ilhas, as famílias que aí se refugiaram e fizeram suas plantações, agora terão que sair denovo. A maioria, sem emprego e sem terra, está indo para as periferias de Breu Branco e Tucuruí.

Essa história de que barragem traz desenvolvimento pode ser desmentida com uma simples visita a Tucuruí. Amaioria dos comerciantes locais foi substituída por empresas de fora. Serviços de hotelaria, táxi e restaurantesestão em crise, pois os turistas não procuram regiões com ambiente impactado por doenças e pela pobreza. Omelhor hotel da cidade ainda é o da Eletronorte. Tucuruí só tem uma linha aérea diária. Altamira, com suaeconomia baseada na agricultura e na pecuária, dispõe de quatro empresas aéreas fazendo linha.

Importante é ressaltar que os estudos de viabilidade econômica e de engenharia do “novo” modelo de BeloMonte ficam escondidos dentro dos arquivos da ANEEL, Eletrobrás e da própria Eletronorte, e por isso ficaimpossibilitada qualquer análise independente. Certamente as empresas construtoras e as que estão esperandoa privatização da Barragem têm acesso.

A Eletronorte afirma que 16.000 pessoas só da zona rural de Altamira serão removidas num processo que échamado de “desenvolvimento”. Mas segundo os levantamentos feitos pelo MAB, a grande parte dos 1 milhão debrasileiros já atingidos por barragens não receberam indenização adequada em compensação da perda de suasterras e casas. Famílias atingidas pela usina Manso, no Mato Grosso, uma obra começada pela Eletronorte edepois transferida para Furnas, estão, neste momento, acampadas há mais de 40 dias em frente ao Palácio doGoverno em Cuiabá, esperando algum apoio. Estas famílias dizem que as terras para as quais foram remanejadassão 90% de areia e não permitem cultivar nada. Dezoito anos após a barragem de Tucuruí, milhares das famíliasatingidas pela obra ainda reivindicam compensação justa para as suas perdas.

Meias verdades revelam más intençõesEm relação ao CHE Belo Monte, tem muitas questões que a Eletronorte ainda não conseguiu responder. O que seráfeito com as comunidades indígenas que vivem no Xingu? Recentemente em um seminário promovido pela Univer-sidade Federal do Pará para discutir os caminhos do desenvolvimento regional, uma das lideranças indígenas presen-tes declarou que “se a Eletronorte vier ‘empurrar’ uma barragem à força, nós estamos dispostos a invadir a cidade deAltamira para mostrar, pela força também, que existem visões diferentes sobre o rio e o desenvolvimento da região”.

No caso da aldeia Paquiçamba, a questão não é se será inundada ou não, mas sim como os indígenas sobreviverãodepois do fechamento da barragem, com perdas na sua pesca e o empobrecimento dos solos para agricultura, poisnão receberão mais os sedimentos do rio Xingu. A rodovia Transamazônica está mantendo igarapés represados,matando a rede hídrica da região. As outras estradas que serão construídas na Volta Grande vão agravar essasituação com desmatamentos e morte dos igarapés que alimentam o Xingu e irrigam as terras. Impactos comoestes os EIA-RIMA (Estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto Ambiental) nem registram. O exemplode Balbina nos demonstra como as estradas acabaram com os pequenos rios, inclusive a rodovia que liga Manaus aBoa Vista, que afetou a terra dos Waimiri-Atroari. São perdas na natureza que não tem dinheiro que pague.

Recentemente o professor Célio Bermann, que é doutor em políticas energéticas da Universidade de São Paulo erespeitado conhecedor da questão, divulgou um texto intitulado: “O Brasil não precisa de Belo Monte”, onde eledá quatro alternativas para o país sair da crise energética causada pela falta de investimento no setor. Também odeputado José Geraldo Torres, falou durante seu pronunciamento que tem 17 hidrelétricas em construção. Entãopor que essa pressa que a Eletronorte tem em vender a obra?

Diante desses pontos de vista, é preciso ouvir outras vozes e não apenas as da tecnocracia da Eletrobrás. É precisoconhecer mais os efeitos das hidrelétricas na Amazônia. Não convém colocar em jogo o futuro da região para

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responder eleitoralmente para as regiões industrializadas, deixando aqui o caos social causado por um empre-endimento dessa envergadura.

Driblando a legalidadeO Ministério Público Federal do Estado do Pará em nota oficial, divulgada em 18 de abril, fala que uma dascausas da obra estar embargada na justiça é que o Art. 231, parágrafo 30 da Constituição Federal, determina queo aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas só pode ser efetivado com autorização do CongressoNacional, ouvida as comunidades afetadas. A Eletronorte não consultou o Congresso Nacional e nem ouviu ascomunidades indígenas. O que conseguiram foi a decisão de uma Comissão da Câmara Federal, manipuladapelos políticos do Pará comprometidos com os interesses da Eletronorte e os cofres de suas campanhas.

Como povo da Transamazônica e do Xingu queremos fazer nosso próprio projeto de desenvolvimento. Isso édemocracia. A sociedade local tem o direito de pensar políticas públicas e dialogar com seu governo sobre o futurode uma região. Nosso projeto visa aproveitar de modo inteligente os recursos da floresta e dos rios, compatibilizandodesenvolvimento, crescimento econômico e conservação da base dos recursos naturais. Porém, a construção deconsensos de tal nível não é possível com a pressa, o autoritarismo e o receituário obreirista da Eletronorte.

Nesse sentido, manifestamos nosso repúdio e nossa indignação em relação ao que aconteceu na vergonhosaReunião Extraordinária da Assembléia Legislativa do Pará, na qual tentaram calar a voz do povo.

O BRASIL NÃO PRECISA DE BELO MONTE! HÁ OUTRAS ALTERNATIVAS!

Respeitosamente,

Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu

Bispo da Prelazia do Xingu

Fundação Viver, Produzir e Preservar

Laboratório Agroecológico da Transamazônica

Sindicato dos Trabalhadores em Educação Subsede Altamira

Movimento das Mulheres Trabalhadoras de Altamira Campo/Cidade

Grupo de Trabalho Amazônico FETAGRI Regional Transamazônica e Xingu

Mutirão pela Cidadania - Comitê em Defesa da Vida das Crianças Altamirenses

Associação das Famílias Indígenas de Altamira

Presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDICI)

STR Altamira

Sindicato dos Funcionários Públicos de Altamira

CPT Igreja Católica

Conselho Indigenista Missionário - Equipe Altamira

Juventude Petista da Região

Pastoral da Juventude do Bairro de Brasília

Associação do CIBB

Associação do Bairro Açaizal

Diretório Acadêmico da UFPA

Sindicato dos Funcionários Públicos Federais

Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Urbanas do Pará

Associação Rádio Comunitária de Altamira

Partido dos Trabalhadores

Partido Comunista do Brasil

SOS VIDA

International Rivers Network

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Volta Grande do Rio Xingu, 10 de maio de 2002.

Nós, moradores da Volta Grande do Xingu (povos indígenas, ribeirinhos e agricultores) manifestamos ao povobrasileiro, nossas preocupações com o projeto de construção de barragens no rio Xingu.

Seremos as pessoas mais afetadas com esse complexo, pois teremos que deixar nossas casas e nossa terra, onde foraminvestidas as energias de nossos ancestrais, para aventurar uma nova vida em outro lugar que não sabemos onde será.

Teremos que começar tudo de novo. Coisas que levamos anos, e até gerações para construir, sendo obrigados amudar nossa cultura e o nosso jeito de viver.

Sabemos que, em todos os lugares onde foram construídas, as barragens aumentaram a pobreza dos que já tempouco e tornaram-se negócios de altíssima lucratividade para as empreiteiras, indústrias de cimento e maquináriose para os mais ricos.

No caso de Belo Monte, a usina será vendida antes mesmo de ser construída, lançando nossa sorte nas mãos dasempresas estrangeiras que vão explorar a usina.

Em Lageado (TO) e Manso (MT), barragens que foram vendidas para empresas privadas, as populações atingi-das vêm enfrentando muita luta e humilhação para negociar as suas indenizações.

Em Tucuruí, bem perto de nós, 17 anos depois de inaugurada, muitas famílias lutam na justiça para conseguir inde-nização, e as que já foram indenizadas ainda não conseguiram se estabelecer em paz em suas novas propriedades.

Não queremos essa desgraça para nós. Por isso, exigimos das autoridades que estudam e decidem sobre o setorelétrico brasileiro que:

1. Realizem novos estudos sobre o aproveitamento energético dos rios, sem precisar de barragens e nem dedeslocamento dos moradores de suas áreas;

2. Que revelem seus planos completos para tomarmos conhecimento de todos os impactos a serem produzidospelas cinco barragens;

3. Que os estudos sejam avaliados por cientistas independentes que possam avaliar criticamente as conclusões daEletronorte;

4. Que a empresa financie visitas as outras barragens, levando os moradores da Volta Grande para ver o queaconteceu com os atingidos.

Esta carta é o resultado do Encontro das Comunidades da Volta Grande do Rio Xingu, com a Presença doMinistério Público Federal do Pará, de ONG’s nacionais e internacionais, do MDTX, com mais de 500 morado-res da Volta Grande, entre eles, ribeirinhos, agricultores e povos indígenas.

Carta da Volta Grande do Rio Xingusobre o projeto de Belo Monte

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Altamira – Pará, 31 de maio de 2002.

Ao Sr. Marco Aurélio Mendes de Farias MeloMinistro do Supremo Tribunal Federal (STF)

Sr. Ministro,

O Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX) é um Movimento composto por 113Entidades, entre elas: Sindicatos Rurais e Urbanos, Associações de Produtores, Cooperativas de Agricultores,Movimento de Mulheres / Cidade e Campo, FETAGRI Regional, GTA Altamira, Grupos de Jovens, PastoraisSociais e Religiosas, criados no curso de 30 anos de colonização, com o intuito de lutar pelo DesenvolvimentoSustentável da Região.

Desde sua criação, O MDTX, vem travando várias lutas para beneficiar os 800 mil habitantes que vieram paraesta região do Brasil, trazidos pelo sonho de viver, produzir e preservar.

Há um ano e meio travamos um intenso debate sobre o Projeto de construção do Complexo Hidrelétrico deBelo Monte (CHE Belo Monte).

O Governo Federal, através da Eletronorte, utilizando-se da crise energética brasileira, tenta empurrar o Com-plexo como sendo a única saída para essa crise pela qual passamos. Porém, há estudos que apontam para outrassaídas, como explica o Professor Célio Bermann em seu artigo; “O Brasil não precisa de Belo Monte” (cópia emanexo), no qual ele dá quatro alternativas para o Brasil sair da crise sem gastar grandes somas do erário públicoe sem causar desastres ambientais e sociais.

A Eletronorte, porém, com uma postura autoritária, quer calar nossa voz, e tenta a todo custo impor sua visãototalmente deturpada sobre o desenvolvimento da nossa região.

Há, atualmente, um instrumento da Comissão Mundial de Barragens amplamente discutido no mundo inteiroque determina regras para serem seguidas no caso de construção de uma barragem, mas a Eletronorte teima emnão cumprir as determinações desse documento queimando etapas na construção do CHE Belo Monte.

Uma das principais regras discutida no mundo todo é ouvir primeiro todos os setores que serão atingidos peloprojeto. Isso não vem ocorrendo em nossa região, pois, até o momento, nem o movimento social organizado,nem os Povos Indígenas foram consultados, no caso do CHE Belo Monte.

Recentemente, em um seminário promovido pela Universidade Federal do Pará (UFPA), para discutir o Desen-volvimento Regional, uma das lideranças indígenas presentes afirmou: “se a Eletronorte vier empurrar pelaforça o CHE Belo Monte, nós invadiremos a cidade de Altamira para mostrar, pela força também, que não

Carta do Movimento pelo Desenvolvimento daTransamazônica e Xingu ao Supremo Tribunal Federal

sobre o projeto do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte

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queremos sair de nossas terras, heranças de nossos ancestrais, para dar lugar às barragens”. Isso não deveria serlevado em consideração?

Ao escrevermos para V. Exc., estamos tentando evitar esse tipo de confronto. Não queremos voltar aos noticiári-os nacionais como sendo incapazes de resolver nossos impasses, como foi o triste caso de Eldorado dos Carajás.

Sr. Ministro, Queremos também dar total apoio ao Ministério Público Federal do Pará, visto que essa instânciado Poder Judiciário tem ainda grande credibilidade em nosso Estado, devido à sua incansável luta por justiça.

Outro item que não pode deixar de ser levado em consideração por V. Exc., é o fato da Eletronorte contratar aFADESP sem licitação para realizar os Estudos de Impacto Ambiental / Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), usando para isso a desculpa de que a “renomada instituição” é “competente” para o serviço, gastando afortuna de quatro milhões de reais dos cofres públicos. Isso é um crime que tem que ser apurado, senão abreprecedentes para que outros setores da administração pública façam o mesmo com o nosso dinheiro. O Parecerdo Procurador Geral da União, Geraldo Brindeiro, coloca em xeque o princípio da boa administração dosrecursos públicos.

Informamos a V. Exc. que FADESP não passa de um ninho de luxo dentro de uma combalida UFPA, e que essafundação já teve outros EIA/RIMA embargados por inconsistência, o que demonstra claramente a sua incompe-tência para realizar os estudos de um empreendimento dessa envergadura, a Maior Hidrelétrica do Brasil e a 3aMaior do Mundo, segundo a própria Eletronorte.

Sr. Ministro, Reforçamos a importância de se ouvir todos os setores envolvidos no processo, através de umaaudiência pública – coisa que já devia ter acontecido, não fosse a pressa e o autoritarismo com os quais a Eletro-norte e seus seguidores tenta implantar o Complexo.

Sabemos também, Sr, Ministro, da intenção do presidente Fernando Henrique Cardoso, em construir o CHEBelo Monte, porém, talvez nem ele e nem V. Exc. estejam a par de todos problemas decorridos da vinda de umaobra desse porte para nossa região. Essa questão vai muito além de uma “birra ambientalista” como afirmourecentemente o Presidente FHC.

Esperamos que essa intenção do presidente não interfira em vossa decisão, pois em nosso país, a exacerbação doPoder Executivo sobre os Poderes Judiciários e Legislativo gerou um autoritarismo que minou todas as institui-ções democráticas. E transmite, agora, a toda sociedade, concretamente, a falência desses dois Poderes quedeveriam funcionar como fiscais controladores da administração em geral e do exercício dos direitos e deveresda justiça.

Essa hipertrofia do Poder Executivo sobre o Judiciário e o Legislativo, essa falta de aplicação do direito, de execuçãodos deveres e do exercício da justiça, gera na sociedade uma imensa frustração, que assiste impotente a violência, acorrupção, e impunidade e o sucesso de bajuladores, dos inescrupulosos, dos maliciosos, dos autoritários e todosaqueles que conseguem burlar as leis, desrespeitar os direitos e se subtrair da justiça.

Presidentes, governadores, ministros, senadores, deputados, prefeitos, juizes, administradores e empresáriosque furtam, enriquecendo ilicitamente, que se locupletam com os bens públicos, são acatados na sociedade,elogiados pelos órgãos de comunicação de massa, e passam a conviver livre e abertamente, como se fossemcidadãos acima de qualquer suspeita.

Sr. Ministro, são essas forças que estão tentado influenciar em sua decisão. Acreditamos, entretanto que V. Exc.não se deixará levar por especuladores dessa estirpe, e que sua decisão será uma amostra de que em nossostemos atuais não há lugar para aqueles que ainda usam a propaganda enganosa e o autoritarismo para tentarburlar a justiça.

Ousamos planejar nosso desenvolvimento. Isso é modernidade, Sr. Ministro, a sociedade pensar políticas públi-cas que beneficiem a todos e discutir com o governo formas de implementá-las. Porém, a busca de consensosdessa natureza é impossível, devido a pressa e o autoritarismo da direção da Eletronorte.

Respeitosamente,

Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu

Fundação Viver, Produzir e Preservar

FETAGRI / Regional Transamazônica e Xingu

GTA / Altamira

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Fernando Henrique Cardoso, Presidente da República

José Jorge de Vasconcelos Lima, Presidente do CNPE – Ministro de Estado de Minas e Energia

Ronaldo Mota Sardenberg – Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia

Martus Antônio Rodrigues Tavares – Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão

José Carlos de Carvalho – Ministro de Estado do Meio Ambiente

Pedro Sampaio Malan – Ministro de Estado da Fazenda

Pedro Pullen Parente – Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República

Alcides Lopes Tápias – Ministro de Estado de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

Altamira, PA, 02 de setembro de 2002

Prezados Senhores;

Somos um movimento que reúne 113 organizações sociais, criadas no curso de trinta anos de colonização daTransamazônica e Xingu. Nesses trinta anos, abandonados à nossa própria sorte, conseguimos com o apoio depastorais de Igrejas, da solidariedade internacional e de organizações de apoio e sindicais, construir um referencialde desenvolvimento apropriado para uma região de florestas tropicais.

A região em que vivemos é a Bacia Hidrográfica do Xingu, uma floresta da Amazônia Oriental, onde se travauma das disputas mais acirradas e violentas pelo território e entre diferentes concepções de uso dos recursosnaturais. Nesta região, estão situadas as últimas reservas maciças de mogno da Amazônia, uma das bacias hidro-gráficas mais preservadas do planeta e uma biodiversidade ainda desconhecida da comunidade científica. Cercade 800 mil habitantes povoam esta região, combinando várias atividades baseadas na exploração dos recursos dafloresta, aquáticos, minerais e agropecuários.

Há dois anos estamos travando uma verdadeira batalha com a Eletronorte, subsidiária da Eletrobrás, acerca doComplexo Hidrelétrico de Belo Monte (CHE Belo Monte). O projeto ressurge após 10 anos, trazendo em seuconjunto as preocupações e fragilidades anteriores, aliadas ao saque dos recursos naturais, práticas correntes naAmazônia que sempre deixaram um rastro de miséria e destruição para os povos da floresta.

Entramos nessa batalha porque vimos o nosso sonho de viver, produzir e preservar ameaçado por mais esseprojeto na Amazônia que representa o modelo de “desenvolvimento destruidor” tão conhecido por essas ban-das.

Carta aos Membros do Conselho Nacionalde Política Energética

Movimento Pelo Desenvolvimento daTransamazônica e Xingu - MDTX

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Isso não é desenvolvimento, pois a história da construção das Hidrelétricas nos rios da Amazônia tem provadoque elas são um desastre ecológico, social e econômico, como podemos ver claramente bem próximo de nós emTucuruí, além de tantas outras, como Balbina, Samuel, Serra da Mesa, Rio Cuiabá. Elas têm nos mostrado que otão propagandeado modelo de desenvolvimento gera riquezas somente para um reduzido grupo de privilegia-dos. No final, o povo fica com grandes impactos negativos e prejuízos da obra, além do aumento da pauperização.

Manifestamos nosso apoio irrestrito aos encaminhamentos tomados pelo Ministério Público Federal do Paráque resultaram no embargo da obra, atitude sensata que só reforça nossa posição contrária à construção dessemega-empreendimento que pretende, de um lado, utilizar milhões de reais dos cofres públicos e privatizar riose florestas, e de outro, envergonhar o país ao investir no aliciamento da população e não na sua participaçãoefetiva no processo, escondendo do povo qualquer informação relevante sobre a obra. É isso que nos assusta.

Diante da evidente constatação de que mais um projeto caro e inútil está em curso na Amazônia, exigimos queo Conselho Nacional de Política Energética, convocado para tão importante tarefa, tome as providências cabí-veis, começando por escutar todas as partes envolvidas nesse projeto, em especial, os povos indígenas os quaisnunca tiveram sequer suas proposições consideradas pelo governo. Estaremos sempre vigilantes para que a vidae o destino do povo da Amazônia bem como suas riquezas, mais uma vez não caiam nas mãos daqueles que, porse considerarem acima das leis do Estado brasileiro e agirem deste modo, massacram o povo, depredam osrecursos naturais e legitimam o caos social com o uso do dinheiro público e a conivência governamental.

Atenciosamente.

Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu

Fundação Viver, Produzir e Preservar

Prelazia do Xingu

Comissão Pastoral da Terra

Arikafú – Associação dos Povos Xipaya da Aldeia Tukamã

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Glossário

Glossário de Termos Técnicos de Engenhariae de Energia Elétrica

Afluência – Volumes de água que passam numadada secção transversal (de um rio, de um canal,de uma tubulação) durante um período de tempodeterminado. Afluente - em relação ao rio princi-pal, afluente é um rio menor, ribeirão, igarapé queé tributário do maior, que desemboca no maior,cuja vazão d’água alimenta o rio principal.

Ano Úmido - Ano baseado em critérios estatísti-cos, em que o curso de água tem afluências supe-riores à média.

Ano Seco – Ano baseado em critérios estatísticos,em que o curso de água tem afluências inferioresà média.

“Apagão” ou “Blecaute” (da palavra inglesablack-out, escurecimento, desligamento) – Inter-rupção total, por um período de minutos e atéde horas, que pode acontecer numa rede local,regional ou nacional de eletricidade. Geralmen-te provocado por falhas em sistemas de trans-missão e por incidentes operacionais na rede enas usinas; o risco de acontecer é maior quandoa demanda de energia supera a produção deenergia numa dada rede.

Aproveitamento de Fins Múltiplos - Aproveitamen-to hidráulico com diversos objetivos associados,entre os quais se contam a produção de energiaelétrica, a regularização das cheias, a proteção con-tra as inundações, o abastecimento de água paraas populações e para a irrigação, a navegação flu-vial, os fins recreativos.

Armazenamento Inativo (Volume Morto) – Volumed’água retido na represa abaixo da cota da tomadad’água da usina, que é o nível mínimo de exploração.

Atingidos por Obras (moradores atingidos, traba-lhadores atingidos, populações atingidas) - popu-lações humanas que sofrem prejuízos, que perdemsuas colheitas, seus empregos ou meios de vida, seuspatrimônios e benfeitorias, são forçados a sair desuas terras e de suas casas, como conseqüência daconstrução de uma barragem, cujas obras,com seuscanteiros, suas áreas de extração mineral, seus aces-sos, alojamentos e vilas, tomam muitos terrenos,além das terras alagadas pela formação da represae pela construção das linhas de transmissão.

Bacia Hidrográfica (Bacia Fluvial) - Superfície doterreno, medida em projeção horizontal, da qualprovém efetivamente a água que alimenta um cursode água até ao ponto considerado; formada por umrio principal e seus afluentes ou tributários e peloscorpos d’água subterrâneos (aqüíferos ou lençóis)

Barragem – o quê barra um curso d’água, a estru-tura construída em geral na forma de um paredão,um muro, e que tem a função de represar a água,fazendo subir permanentemente o nível d’água dorio naquele ponto. Se for uma barragem de umausina hidrelétrica, e já existir uma queda natural,a barragem tem a função de criar na parte altapontos de tomada d’água para alimentar, na partebaixa, as máquinas; se não existir a queda ou sefor considerada pequena, a barragem tem tambéma função de criar uma queda artificial.

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Canal de Restituição (Descarga ou de Saída ouCanal de Fuga) – Canal construído na saída daságuas turbinadas na usina para restituir a água uti-lizada ao leito natural do rio.

Capacidade de Transporte – Carga máximaadmissível em permanência de um circuito elétri-co ou uma linha de transmissão tendo em conta oaquecimento, a estabilidade e a queda de tensão.

Capacidade Elétrica Instalada (medida em unida-des de potência , Kilowatts, Megawatts, ver adian-te) – é a soma, prevista pelos projetistas e fabri-cantes de máquinas, das potências dos grupos tur-bo-geradores de uma usina hidrelétrica outermelétrica. É equivalente à potência máxima quea usina pode produzir.

Capacidade Útil do Reservatório - Volume de águadisponível numa represa entre o nível médio depleno armazenamento e o nível mínimo de ope-ração (que fica na mesma cota que a tomadad’água das máquinas).

Carga Elétrica de Base – é uma quantidade deenergia que é sempre consumida/demandadapelos usuários conectados a uma rede elétrica. Essacarga é medida/avaliada durante um período de-terminado (por exemplo : dia, mês, ano).

Carga de Ponta - é a máxima quantidade de ener-gia demandada/consumida pelos usuários de umarede elétrica em determinado período (por exem-plo: dia, mês, ano, hora, minuto). É superior aCarga elétrica de Base.

Carga Própria de Energia (MWmed) – Demanda/Consumo médio de energia requerida de uma ins-talação ou conjunto de instalações durante umperíodo de referência - (relação entre a eletrici-dade gerada em MWh e o tempo de funciona-mento das instalações). Entenda instalação ou ins-talações como sinônimo de usinas hidrelétrica outermelétricas.

Carga Própria de Demanda (MWh/h) – A maiormédia de demanda/consumo de energia elétricamedido num intervalo de 60 segundos, verificadanum período de referência. Esse período de refe-rência pode ser, por exemplo, de 15 minutos, 1hora ou 1 dia.

Casa de Força (Casa de Máquinas) – prédioconstruído sobre o rio, ou numa das margens , ouno interior das rochas, abaixo da barragem, ondesão instaladas as turbinas e os respectivos gerado-res, e mais equipamentos e instalações auxiliarescomo comportas, motores elétricos, elevadores,pontes rolantes, bombas d água e de óleo, armários

de controle local e de proteção elétrica, e o barra-mento elétrico que leva a eletricidade gerada paraos transformadores de saída.

Central Hidrelétrica a Fio Água – Central hidrelé-trica alimentada por um curso de água, sem re-presa reguladora de volume significativo.

Complexo Hidrelétrico (CHE) – Nome atribuídopelas empresas a um conjunto de obras de barra-gens e usinas, vizinhos entre si e que funcionam demodo combinado, p.ex. complexo formado pelasusinas Jupiá e Ilha Solteira do rio Paraná (SP, MS) epelo canal de Pereira Barreto e a usina de Três Ir-mãos, no Tietê (SP). Numa das alterações dos pro-jetos no rio Xingu, a Eletronorte passou a chamarde Complexo Belo Monte um conjunto de umabarragem sobre o rio Xingu com uma pequena casade força, cinco barragens em igarapés da margemesquerda, mais de vinte diques, três canais e umprédio de Casa de Força na margem esquerda.

Comportas – portões metálicos colocados no pré-dio da barragem e da casa de força, que podemser abertos ou fechados deixando ou bloqueandoa tomada d’água (para dentro do prédio) ou, ex-ternamente, comportas de vertedor ou vertedouro,que podem ser abertas quando uma parte da va-zão afluente na represa tiver que ser vertida, poiso seu nível já estaria no máximo admissível em ter-mos de segurança.

Conselho Nacional de Política Energética – CNPE- Órgão do Ministério das Minas e Energia encar-regado de assessorar o Presidente de República naformulação de políticas e diretrizes de energia demodo a promover o melhor aproveitamento naci-onal dos recursos energéticos do País, em confor-midade com o disposto na legislação aplicável. Foicriado pela Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997 eregulamentado pelo DECRETO Nº 2.457, de 14de janeiro de 1998 que dispõe sobre a estrutura efuncionamento do Conselho.

Consumidor – Pessoa física ou jurídica com víncu-lo à empresa fornecedora de energia elétrica, de-finido em condições contratuais específicas quedizem respeito à entrega e utilização (tarifas equalidade do serviço) e que se mantêm constan-tes durante o período fixado no contrato.

Consumo de Energia – Utilização de energia como objetivo da sua conversão em energia secundá-ria ou da produção de energia útil. Os níveis dereferência respectivos (energia primária, energiasecundária, energia final, energia útil) devem serindicados.

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Consumo em Horas de Ponta – Consumo máximodurante um curto período determinado de tempo.

Consumo Próprio - Consumo de energia que foigerada pelo próprio utilizador da energia, em suafábrica, usina, destilaria, etc, na modalidade cha-mada de autoprodução de eletricidade.

Consumo Próprio do Setor Energético – Quanti-dades de Energia de todas as naturezas utilizadaspelos produtores (geradores) e transformadoresde energia para o funcionamento das suas instala-ções (por exemplo, aquecimento, iluminação etc.).

Consumo Próprio de uma Rede - Consumo deenergia elétrica nas instalações elétricas auxiliaresou anexas, necessárias ao bom funcionamento daprópria rede, ou seja: energia gasta para transmi-tir, modular e distribuir energia. Também deno-minado de perdas técnicas.

Consumo Real – Consumo final acrescido das per-das de conversão, de transporte e dedistribuição.Representa a energia primáriarequerida para cobrir o consumo final.

Conversora - Instalação elétrica que serve paratransformar um tipo de corrente noutro ou umafreqüência noutra. Por exemplo, corrente contí-nua em corrente alternada e, converter a freqüên-cia de 50 Hz para 60Hz.

Cota – nome técnico genérico da altura ou altitu-de de um terreno ou de uma construção, usual-mente medida em m, metros acima do nível domar, e em geral vem indicada numa planta técni-ca, numa cartografia, num mapa. No caso de umrio ou de uma represa, as várias cotas são as altu-ras em que chega a água nas várias situações: cotamínima, média, máxima.

Curva de Carga- É a representação gráfica da vari-ação da carga demandada/consumida, observadaou esperada, em função do tempo. Essa represen-tação pode ser de apenas uma residência, um pré-dio, bairro, cidade, estado ou país.

Demanda – Pode se referir à média da potênciaelétrica ativa (medida em MW), a média da potên-cia elétrica reativa (Mvar), ou então, de ambas, amédia da potência elétrica ativa e reativa – potên-cia aparente (medida em MVA). Indica a quanti-dade de potência solicitada ao sistema elétrico poruma determinada carga durante um intervalo detempo especificado.

Demanda contratada - Demanda de potência ativaa ser obrigatória e continuamente disponibilizadapela concessionária, no ponto de entrega, conforme

valor e período de vigência fixados no contrato defornecimento e que deverá ser integralmente paga,seja ou não utilizada durante o período defaturamento, expressa em kilowatts (kW) ouMegawatts (MW).

Desflorestação-(ou desmatamento) É o processo deabate de árvores cujo número não é reposto. Adesflorestação, em grandes extensões, tem um im-pacto profundo em problemas ambientais globais,como poluição atmosférica e aquecimento global.

Eletro-Intensivo – Processo industrial ou serviçoque utiliza de forma intensiva a energia; é caracte-rística de um processo de fabricação ou de ummodo de funcionamento, que exige proporcional-mente bastante energia elétrica; aplica-se princi-palmente à obtenção do aço e de suas ligas (side-rurgia) e às indústrias metalúrgicas cuja fundiçãoé por meio de corrente elétrica ou da descarga deum arco voltaico (alumínio, cobre, zinco, níquel,chumbo, silício) além das fábricas de celulose epapel e das fábricas de cloro e soda cáustica

Energia Firme- a máxima capacidade de produçãoou de geração de energia elétrica em uma usinahidrelétrica ou termelétrica, que pode atendercontinuamente uma determinada demanda – verDemanda.

Energia Útil Produzida – a energia elétrica real-mente disponibilizada para o sistema elétrico poruma usina hidrelétrica ou termelétrica já descon-tando as perdas com a geração/produção.

EIA - Estudo de Impacto Ambiental – Estudo téc-nico exigido por lei, a ser apresentado pelos pro-jetistas ou pelos sócios de um investimento, des-crevendo e avaliando os impactos ou conseqüên-cias de uma obra ou de um processo técnico, deuma indústria, numa dada localização, sobre omeio ambiente local e no seu entorno, chamadode área de influência da obra. Todos os estudosdesse tipo são chamados de estudos ambientais esão apresentados quando se requer as licençasambientais para ao projeto. Em geral contêm: Di-agnóstico Ambiental prévio da área, Estimativas dedegradação e de poluição que seriam provocadas,Plano ou Projeto de Controle Ambiental, Planode Manejo ou de Mitigação dos efeitos, Plano deRecuperação de Área Degradada, Análise de Ris-co de acidentes.

Fator de Capacidade - Relação entre a carga pró-pria de energia e a capacidade elétrica instaladade uma instalação ou conjunto de instalações – verCarga Própria de Energia e Capacidade ElétricaInstalada.

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Fio de Água (usina hidrelétrica a fio d’água) –Aproveitamento da queda d’água para gerar ener-gia sem um reservatório regulador de vazão, oucom reservatório de pequeno volume.

Fundição – processo industrial de obtenção de me-tais em estado puro ou quase puro por meio depassagem de corrente elétrica de grande intensi-dade e ou do aquecimento a altas temperaturas,acima de 1.000 graus em geral, no recipiente ondefica o minério que contem o metal a ser fundido.O nome se aplica para a obtenção de alumínio,cobre, zinco, níquel, chumbo, silício, ferro e ligasde aço.

Gerador (elétrico) – Tipo de conversor de ener-gia especializado em produzir corrente elétrica emum enrolamento de fios de cobre que é “ativado”magneticamente a partir da rotação de um rotor(esta rotação, por sua vez foi obtida por meio deoutra transformação de energia, ver motor, turbi-na e turbo - gerador)

Hidrelétrica (Usina Hidrelétrica) - usina em quese obtém energia elétrica por meio do aproveita-mento da força da água após uma diferença dealtura, após a queda.

Instalação de Alta-Tensão - Instalação elétrica cujatensão nominal é superior a 1.000V, em correntealternada ou a 1.500V, em corrente contínua.

Instalação de Baixa Tensão - Instalação elétrica cujatensão nominal é inferior a 1.000V, em correntealternada ou a 1.500V, em corrente contínua.

(a) Jusante – a jusante de um ponto do rio, a jusantede uma ponte, de uma barragem, quer dizer sem-pre rio abaixo daquele ponto, a favor da corrente-za. É o contrário de “a montante”, que quer dizerrio acima.

Kilovolts (kV) – igual a mil volts. Volt é unidade detensão elétrica, de diferença de potencial entredois pólos elétricos. Para os consumidores, as ten-sões mais comuns são de 110, 220 e 380 volts. Aslinhas urbanas rurais de distribuição de eletricida-de têm tensão de 11 kV e de 13, 8 kV, e as Linhasde Transmissão à longa distância têm tensões es-pecificadas em 69, 138, 230, 345, 440 e 500 kV

Kilowatts (kW) – igual a mil watts; Watt (W) – Uni-dade física de Potência mecânica ou elétrica , equi-valente ao trabalho de um Joule (equivale a umaforça de um kg vezes a distância de um metro) feitodurante o tempo de um segundo. um HP que medea potência dos motores de veículos, equivale a 0,746 kW;; Megawatts (MW) – igual à um milhão dewatts; Gigawatts (GW) – igual a 1 bilhão de watts

Licença Ambiental – O licenciamento é um proce-dimento administrativo pelo qual o órgão ambientalcompetente, estadual ou federal, outorga a um re-querente, investidor ou empreendedor, as licençasnecessárias ao início do empreendimento preten-dido (Licença Prévia), ao início da construção (Li-cença de Instalação) e ao início ou a renovação doseu funcionamento (Licença de Operação).

Linha de Transmissão - Conjunto formado porcabos condutores suspensos entre seqüências detorres metálicas, por meio de isoladores e outrosacessórios, usado para o transporte a distância oupara distribuição local de eletricidade.

Motor, Máquina – Nomes genéricos dos equipa-mentos que permitem obter energia de rotaçãonum eixo; no interior do país, “motor” pode signi-ficar o grupo formado por um motor tipo dieselou um motor tipo gasolina ao qual é acoplado umgerador elétrico ; diz-se também que uma usinaelétrica foi “motorizada” com x ou y “motores” ,ou com x ou y “máquinas”, para indicar o númerode moto-geradores ou de turbo-geradores.

Nível de Água a Montante – Nível do plano de águana represa , ou rio acima, indicando o ponto ondese mede.

Nível de Água a Jusante- Nível do plano de águario abaixo, após a barragem, indicando o pontoonde se mede.

Nível Máximo de Exploração (ou Cota máxima) -É o nível mais alto permitido normalmente numarepresa (sem ter em conta as sobre-elevações devi-das a cheias). Corresponde ao nível de plenoarmazenamento da represa, máximo admissível emcaso de cheias.

Perdas - Diferença entre a potência de entrada e apotência de saída.

Perdas no (de) Transporte – Perdas de transportee de distribuição nas redes (até ao ponto de entre-ga) principalmente da eletricidade, do gás e docalor. Por exemplo: As perdas nos transformado-res elétricos são contabilizadas nas perdas de trans-porte e de distribuição de eletricidade.

Pico de Demanda - MW - Máxima demanda ins-tantânea requerida num intervalo de tempo (dia,mês, ano, etc.).

Potência - Quantidade de energia elétrica solicita-da por unidade de tempo. No sistema internacio-nal é expressa em watts (W). É comum se utilizarpotência como sinônimo de potência elétrica ati-va ou potência aparente.

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Potência Aparente – O conjunto das potências ati-va e reativa fornecidas (ou recebidas) por um equi-pamento ou dispositivo. É esta potência que faz oequipamento ou dispositivo funcionar. É represen-tada por S, e exprime-se na unidade Volt Ampère(VA) e seus múltiplos.

Potência Ativa – Representa a quantidade de po-tência que realmente foi convertida em trabalho,isto é, que a quantidade de potência que é útil aohomem. Exprime-se pela unidade Watt (W) e seusmúltiplos.

Potência Nominal - Potência máxima que pode serfornecida ou consumida em regime contínuo. Emgeral é a potência para a qual a instalação foi pro-jetada. Normalmente vem indicada nasespecificações fornecidas pelo fabricante e na cha-pa afixada nas máquinas.

Rede Elétrica – a união de várias de linhas,subestações, transformadores e disjuntores, todosinterligados, com o objetivo de abastecer/atender aum conjunto de consumidores de energia elétrica.

Rede de Transmissão - Rede ou sistema utilizadopara transmissão de energia elétrica entre regiõesou entre países, para alimentação de redes subsi-diárias; o conjunto de equipamentos necessáriospara a transmissão de energia da geração ou doponto de conexão até a carga.

Retificador - Instalação elétrica destinada a trans-formar corrente alternada (monofásica oupolifásica) em corrente contínua.

RIMA - abreviatura de Relatório de Impacto sobreo meio ambiente, é um resumo parcial do EIA,feito para ser divulgado para a opinião pública,para a imprensa e os interessados.

Royalties (Expressão em inglês) – pagamentosanuais e por longo período de tempo, feitos aopoder público local ou a particulares em troca dosdireitos de uso de recursos naturais existentes na-quele território, ou em troca do uso de processose marcas industriais. Os municípios de cujo subsolose extrai petróleo e gás recebem royalties da em-presa petrolífera; os municípios que perderam ter-ras para uma represa de usina hidrelétrica rece-bem royalties da empresa que opera a usina.

Setor Consumidor – Categorias de utilizadoresfinais de energia, desagregados geralmente daseguinte forma: indústria (fora da indústriaenergética) e muitas vezes desagregada em in-dústrias grandes consumidoras, nomeadamentemetalurgia (siderurgia e metais não ferrosos),química, petroquímica e outras indústrias. Setor

comercial ou terciário (comércio e serviços), se-tor público ou administração pública, agricultu-ra (incluindo a pesca, caça e florestas), setor do-méstico ou residencial e transportes.

Sistema de Distribuição (de Energia Elétrica) -Parte de um sistema elétrico destinado à distribui-ção de energia elétrica, numa determinada locali-dade ou numa parte determinada desta.

Sistema de Transmissão (de Energia Elétrica) -Parte de um sistema elétrico que compreende aslinhas de transmissão e os equipamentos a elas as-sociados.

Sistema Elétrico (Sistema de Potência) - Em senti-do amplo, é o conjunto de todas as instalações eequipamentos destinados à geração, transmissãoe distribuição de energia elétrica. Em sentido res-trito, é um conjunto definido de linhas esubestações que assegura a transmissão e/ou a dis-tribuição de energia elétrica, cujos limites são de-finidos por meio de critérios apropriados, taiscomo localização geográfica, concessionário, ten-são, etc.

Sistema Interligado - Sistema de geração, transmis-são e distribuição de energia elétrica á partir deuma fonte geradora. Comumente de origem hi-drelétrica (UHE), mas pode ser originado de ou-tras fontes, como: Gerador diesel-elétrico(GGDE)e usina termelétrica (UTE). No Brasil temos umsistema interligado com as regiões Sul, Sudeste eCentro oeste (até o Mato Grosso), Nordeste, eNorte até uma parte do Pará.

Sistema isolado - Sistema de geração e distribui-ção de energia não interligado ao sistema nacio-nal. Grande parte da Amazônia é atendida atravésde sistemas isolados. No Pará, diz respeito aos 35(trinta e cinco) municípios localizados na margemesquerda do Rio Amazonas, à região do arquipéla-go do Marajó e municípios ou vilas do Sul e Oestedo Pará.

Subestação (SE) - Parte de um sistema de potên-cia, concentrada em um dado local, compreenden-do primordialmente as extremidades de linhas detransmissão e/ou de distribuição, com os respecti-vos dispositivos de manobra, controle e proteção,incluindo as obras civis e estruturas de montagem,podendo incluir também transformadores, equi-pamentos, conversões e/ou outros equipamentos.

Subestação de Transformação - Instalação elétri-ca na qual, por meio de transformadores, se reali-za a transferência de energia elétrica entre redes atensões diferentes.

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Tarifa - Preço da unidade de energia elétrica e/ou da demanda de potência ativa.

Tensão Nominal - Tensão elétrica, medida emVolts, que figura nas especificações de uma má-quina ou de um aparelho, a partir da qual se de-terminam as condições de ensaio e os limites datensão de utilização.

Tomada da Água- Estruturas especiais do prédiode uma usina hidrelétrica destinadas a captar aágua da represa para conduzí-la aos pontos em queserá turbinada.

Transformador - 1) Transdutor de energia elétri-ca, estático, que transfere energia elétrica semmudança da freqüência. 2) Equipamento elétricoestático que, por indução eletromagnética, trans-forma tensão e corrente alternadas entre dois oumais enrolamentos, sem mudança de freqüência.

Transmissão - De energia elétrica: transporte deenergia elétrica caracterizado pelo valor nominalde tensão. A) Entre a subestação elevadora de umausina elétrica e a sua subestação abaixadora emque se inicia a subtransmissão, que alimenta umsistema de distribuição ou que fornece energia elé-trica a um grande consumidor. B) Entre assubestações que fazem a interligação dos sistemaselétricos de dois concessionários ou áreas diferen-tes do sistema de um mesmo concessionário.

Turbina – tipo de conversor de energia compostode um corpo cônico com aletas fixas em seu interi-or, e de um rotor com pás, num arranjo que permi-te transformar em energia de rotação, a energia domovimento de um fluxo de água descendente (tur-bina hidráulica); ou, a energia da expansão de ga-ses quentes (turbina a gases quentes, obtidos pelaqueima de um combustível com ar comprimido)ou, a energia da expansão de vapor sob pressão (tur-bina a vapor, que é obtido pela queima de um com-bustível em uma caldeira à parte)

Turbo – Gerador, TG – nome dado na engenha-ria para um “grupo” ou um par formado por umgerador elétrico cujo eixo é acoplado a uma turbi-na de tipo hidráulico (os TGs de uma usinahiderlétrica) ou de tipo térmico (os TGs de umausina térmica)

Usina (elétrica). Instalação eletro-mecânica des-tinada a gerar eletricidade em escala industrial,compreendendo o conjunto dos grupos turbo-ge-radores ou moto-geradores, e demais equipamen-tos associados, as instalações hidráulicas ou - parao manuseio do combustível (conforme o caso),as construções, as oficinas e demais instalações

auxiliares, as instalações de apoio (administrativase para pessoal), e também a subestação elevatória– que eleva a tensão da energia produzida para atensão de transmissão para outros locais.

Usina Hidrelétrica (UHE) - Usina composta porum ou mais grupos turbo - geradores do tipo hi-dráulicos. Idem, compreende também várias ins-talações vizinhas e anexas.

Vazão – unidade de medida de fluxo de materialpor tempo, medida em m3/s, metros cúbicos (millitros) por segundo ou então, em l/s, litros porsegundo; vazão d’água de um rio é uma medidada correnteza, da quantidade de água passandodurante um tempo x em uma secção transversalda calha do rio, em um ponto determinado do rio.

Vazão “Ecológica” – Vazão d’água que, numa to-mada ou derivação de água, deve deixar-se escoarobrigatoriamente (por força de uma prescrição dopoder público ou de alguma lei) no leito primiti-vo do rio, logo abaixo ou a jusante da tomadad’água e até que toda a vazão turbinada seja resti-tuída também ao leito do rio.

Vazão Turbinada – parte da vazão de um rio, acu-mulada numa represa e que foi engolida por umaturbina hidráulica, fazendo girar o seu eixo; se esti-ver acoplada num gerador, será gerada eletricidade.

Vertedouro (ou também vertedor) - uma parte docorpo da barragem , em geral numa das laterais,construída com comportas e estruturas especiaispara poder, se necessário escoar uma parte da va-zão d’água afluente num reservatório. O mais co-mum é o vertedouro de crista, e quando aberto, aágua vertida desce pelos “tobogãs” até a bacia dedissipação rio abaixo. Há barragens com vertedou-ros de fundo, que quando abertos escoam tambémo lodo acumulado e podem esvaziar totalmente arepresa.

Zona lnundável - Zona de uma represa compreen-dida entre o mais alto nível de operação normal eo nível de água máximo possível do ponto de vistada segurança (nível de máxima cheia).

Glossário adaptado pelos organizadores do livro e pelo en-genheiro André Saraiva de Paula a partir de:

• Coordenação Geral de Informações Energéticas, Secreta-ria de Energia, Ministério de Minas e Energia http://www.ecen.com/eee13/gloss.htm#EH1%20-Termos%20Gerais

• Grupo Rede http://www.gruporede.com.br/objeto_exibir.php?oid=10225, ambos acessados em 15/10/2004

• Dicionário de Terminologia Energética - 4ª edição. Ano2004. Editado por Furnas Centrais Elétricas S.A.

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Comissão Pró-Índio de São PauloRua Padre Carvalho, 175, Bairro Pi-nheirosSão Paulo, SP - CEP 05427-100Fone: (11) 3814.7228Fax: (11) [email protected]

Conselho Indigenista Missionário –CIMI Regional Norte IISão Braz - Caixa Postal 12097Belém, PA - CEP 66090-970Fone: (91) 226.5408Fax: (91) [email protected]

Conselho Nacional de [email protected]

Coordenação das Organizações Indíge-nas da Amazônia Brasileira – COIABAv. Ayrão, 235, Bairro PresidenteVargasManaus, AM - CEP 69025-290Fone: (92) 233.0749Fax: (92) [email protected]

Environmental Defense1875 Connecticut Ave., NWWashington, DC 20009Fone: +1 (202) 387.3500Fax: +1 (202) 234.6049www.environmentaldefense.org

Federação de Órgãos para AssistênciaSocial e Educacional (FASE)Rua das Palmeiras, 90, BotafogoRio de Janeiro, RJ - CEP 22270-070Fone: (21) [email protected]

Federação de Trabalhadores em Agri-cultura do estado do ParáTravessa D. Pedro I, 1012, UmarizalBelém, PA - CEP 66050-100Fones: (91) 241.2419 / 241.7613Fax: (91) [email protected]

Amazon Alliance1367 Connecticut Ave., NW, Suite 400Washington, DC 20036EUAFone: +1 (202) 785.3334Fax: +1 (202) [email protected]

Amazon Watch1 Haight St., Suite BSan Francisco, CA 94102EUAFone: +1 (415) 487.9600Fax: +1 (415) [email protected]

Amigos da Terra - Amazônia BrasileiraRua Bento de Andrade, 85São Paulo, SP - CEP 04503-010Fone.: (11) 3887.9369Fax: (11) [email protected]

Associação dos Povos Indígenas Xipayada Aldeia Tukamã – ARIKAFÚRua Cel José Porfírio 1919,Bairro CatedralAltamira, PA - CEP 69371-090Fone: (93) 515.4862

Associação Ipren-reAv. Ipiranga, 284Colider, MT - CEP 78500-000Fone: (65) 541.2285Fax: (65) 541.2011

Central Único de Trabalhadores(CUT) – Comissão da AmazôniaRua Caetano Pinto, 575, BrásSão Paulo, SP - CEP 03041-000Fone: (11) 2108.9200Fax: (11) [email protected]

Comissão Pastoral da TerraPrelazia do XinguRua Sete de Setembro, 1587 (Altos)Altamira, PA - CEP 68371-000Fone: (93) 515.4742Fax: (93) [email protected]

Forum da Amazônia Orientala/c FASE ParáRua Bernal do Couto, 1329, UmarizalBelém, PAFone (91) [email protected]

GreenpeaceRua Alvarenga, 2331, ButantãSão Paulo, SP - CEP 05509-006Fone: (11) 3035.1155Fax: (11) [email protected]

Grupo de Trabalho AmazônicoSAIS - Canteiro Central do Metrô, Lote8, Galpão 1Brasília, DF - CEP 70610-000Telefax (61) 346.7048www.gta.org.br

Instituto Centro de VidaAv. José Estevam Torquato, 999, Jd. Vi-tóriaCuiabá, MT - CEP 78055-731Fone: (65) 641.1550 / [email protected]

Instituto de Pesquisa Ambiental daAmazôniaAvda. Nazaré 669Belém, PA - CEP 66035-170Telefax: (91) 283.4343www.ipam.org.br

Instituto SocioambientalAv. Higienópolis, 901Bairro HigienópolisSão Paulo, S.P. - CEP 01238-001Fone: (11) 3660.7949Fax: (11) [email protected]

International Rivers Network1847 Berkeley WayBerkeley, CA 94703Estados UnidosFone: +1 (510) 848.1155Fax +1 (510) [email protected]

Endereços de contato de grupostrabalhando em defesa do Xingu

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KoBra - Kooperation Brasilien e.V.União Nacional de Grupos de Solida-riedade ao BrasilHabsburgerstr. 979104 Freiburg i. Br.AlemanhaFone: +49 (761)600.6926Fax: +49 (761) [email protected]

Movimento dos Atingidos porBarragensHIGS, Q. 705 Asa Sul, Bloco K, casa 11Brasília, D.F. - CEP 70350-711Fones: (61) 242.8535 / [email protected]

Movimento pelo Desenvolvimento daTransamazônica e XinguFundação Viver Produzir e PreservarRua Anchieta, 2092Altamira, PA - CEP 68371-190Fone: (93) [email protected]

Movimento dos Trabalhadores RuraisSem [email protected]

Operação Amazônia NativaAv. Ipiranga, 97, Bairro GoiabeiraCuiabá, MT - CEP 78020-550Fone: (65) 322.2980Fax: (65) [email protected]

Projeto Brasil Sustentável e DemocráticoRua das Palmeiras, 90, BotafogoRio de Janeiro, RJ - CEP 22270-070Fone: (21) [email protected]

Pro-RegenwaldFrohschammerstr. 14D-80807 MünchenAlemanhaFone: +49 (89) 359.8650Fax: +49 (89) [email protected]

Rainforest Action Network221 Pine St., Suite 500San Francisco, CA 94104EUAFone: +1 (415) 398.4404Fax: +1 (415) [email protected]

Rainforest Foundation US32 Broadway, Suite 1614New York, NY 10004EUAFone: +1 (212) [email protected]

Urgewald e.V.Von-Galen-Strasse 448336 SassenbergAlemanhaFone: +49 2583.1031Fax: +49 [email protected]

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Resumos Biográficos dos Autores

Arsenio Oswaldo Sevá Filho, 56 anos, professor doDepto de Energia da Faculdade de EngenhariaMecânica da Unicamp, pesquisador na área deEnergia e Meio Ambiente, com trabalhos de cam-po nas usinas hidrelétricas Tucurui, PA,em 1979,Itaparica, PE e BA, 1985, Foz do Areia, PR, 1988,Samuel, RO,1998, e na Volta Grande do Xingu,PA, 2003. Colaborador de entidades não governa-mentais e sindicais, autor de capítulo no livro “Ashidrelétricas do Xingu e os povos Indígenas”, daCPI- SP, 1988. página www.fem.unicamp.br/~sevaemail: [email protected]

Raul Silva Telles do Valle, 28 anos, advogado ambi-entalista, mestre em Direito Econômico pela Uni-versidade de São Paulo, é assessor jurídico do Insti-tuto Socioambiental. (www.socioambiental.org)email: [email protected]

Felício Pontes Júnior, Procurador da Repúblicajunto ao Ministério Público Federal em Belém comatuação na área indígena, ambiental e ribeirinha.Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucio-nal pela Pontifícia Universidade Católica do Riode Janeiro (PUC/RJ).email: [email protected]

Jane Felipe Beltrão, antropóloga e historiadora,professora junto ao Departamento de Antropolo-gia da Universidade Federal do Pará atuando noPrograma de Pós-graduação em Ciências Sociais.Líder do Grupo de Pesquisa (CNPq) Cidade, Al-deia e Patrimônio no qual vem atuando, sobretudo,na área de perícias antropológicasemail: [email protected]

Lúcio Flávio Pinto, 55 anos, jornalista e sociólogo,formado pela Escola de Sociologia e Política de SãoPaulo. Editor do Jornal Pessoal, quinzenário que cir-cula há 17 anos em Belém do Pará. Tem 10 livrosindividuais publicados. Participou de numerosasobras coletivas, sobre a Amazônia e o jornalismo du-rante quase 40 anos. Foi professor visitante no Cen-tro de Estudos Latino-Americanos da Universidadeda Flórida, em Gainesville (EUA), e no Núcleo deAltos Estudos Amazônicos e Departamento de Co-municação Social da Universidade Federal do Pará.email: [email protected]

Andre Saraiva de Paula,. Engenheiro eletricista.Professor Substituto da Faculdade Nacional deDireito da UFRJ. Pós-graduando em Direito. Pes-quisador do Centro de Pesquisas de Energia Elé-trica (CEPEL). Especialização em Engenharia deSegurança do Trabalho. Trabalhos publicados emCongressos tanto na área de Direito quanto deEngenharia Elétrica.email: [email protected]

Diana Antonaz, professora do Departamento deAntropologia do Programa de Pós-graduação emciências sociais da UFPA (Universidade Federal doPará).É co-autora dos livros “A ambientalização dosconflitos sociais. Participação e controle público dapoluição industrial” (NUAP/Relume Dumará,2004) e “Política no Brasil. Visões de antropólogos”(NUAP/Relume Dumará, 2004). Tem trabalhadoem pesquisas sobre cultura das classes trabalhado-ras, meio ambiente e movimentos sociais.email: [email protected]

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Robert Goodland, 65 anos, canadense (via Guianaex-inglesa), aposentado desde 2001 pelo BancoMundial, como funcionário público durante 25anos, onde ele escreveu a maioria das políticas socio-ambientais do Banco. Foi estagiário de ecologia naUniversidade de São Paulo, professor na Universi-dade de Brasília e no Instituto Nacional de Pesqui-sas da Amazônia, Manaus. Lutou por 35 anos paraminimizar os impactos dos grandes projetos de de-senvolvimento, em especial das hidrelétricas, inclu-sive Itaipu, Tucuruí e Três Gargantas.email: [email protected]

Ivan Fumeaux, 40 anos, engenheiro em recursoshídricos, Facultad de Ingeniería y CienciasHídricas, Universidad Nacional del Litoral. Traba-lhos em saneamento e água potável, Santa Fé, Ar-gentina. Participação em conferências internacio-nais sobre impactos de grandes hidrelétricas.email: [email protected]

Philip Fearnside, pesquisador da Coordenação dePesquisas em Ecologia do Instituto Nacional dePesquisas da Amazônia (INPA), Manaus desde1978. Tem estudado problemas ambientais naAmazônia brasileira durante 28 anos. Realiza pes-quisas na área de ecologia, especialmente sobre aestimativa de capacidade de suporte de agro-ecos-sistemas tropicais para populações humanas, e so-bre impactos e perspectivas de diferentes modosde desenvolvimento na Amazônia, e sobre as mu-danças ambientais decorrentes do desmatamen-to da região. É autor de 345 publicações sobremeio ambiente e desenvolvimento. Seu livro Ca-pacidade de Suporte Humano da Floresta Amazônicalhe rendeu o Prêmio Nacional de Ecologia (2o

lugar) em 1988, e ele compartilhou o 1o lugar em1989 pelo livro A Ocupação Humana de Rondônia.Em 1991 ganhou o Prêmio Global 500, do Pro-grama Ambiental da ONU (UNEP). Ele foi eleitoà Academia Brasileira de Ciências em 1993. Ou-tras obras premiadas incluem as sobre emissõesde gases de efeito estufa das hidrelétricas(publicada em 1995 em EnvironmentalConservation), sobre serviços ambientais(publicada em 1997 em Ecological Economics), e olivro Mudanças Globais na Amazônia (publicado em

2003 pelo INPA). Em 2004 ganhou o PrêmioConrad Wessel (categoria ciência aplicada ao meioambiente), o Prêmio Super ecologia (categoria:Ár, governo), e a Homenagem INPA 50 Anos.email: [email protected]

Sônia Barbosa Magalhães, antropóloga, pesquisa-dora, com trabalhos publicados sobre os efeitossociais de grandes barragens, notadamenteSobradinho (Vale do São Francisco, Bahia) e Tu-curuí (Médio Rio Tocantins, Pará). Colaboradorae consultora de instituições governamentais, nãogovernamentais e sindicais, organizadora e co-au-tora do livro Energia na Amazônia: avaliação e pers-pectivas sócio-ambientais, Belém, 1996 - uma publi-cação conjunta do Museu Paraense Emílio Goeldi,da Universidade Federal do Pará e da Associaçãode Universidades Amazônicas, em 2 volumes,966pgs.; e autora de capítulo no livro As hidrelétri-cas do Xingu e os Povos Indígenas, publicado pelaCPI-SP em 1988. Curriculum Vitae disponível naPlataforma Lattes/CNPq.email: [email protected]

Antonio Carlos Magalhães, antropólogo eindigenista, realiza pesquisas com sociedades in-dígenas desde 1975. Escreveu um capítulo no li-vro As hidrelétricas do Xingu e os Povos Indígenas e foiorganizador do livro Sociedades indígenas e transfor-mações ambientais. (1993).email: [email protected]

Reinaldo Corrêa Costa, geógrafo (UFPA/1995),Mestre em Geografia (1999) e Doutor em Geogra-fia (2004) pela Universidade de São Paulo. Traba-lha com comunidades camponesas e grupos indí-genas, estudando a relação de ambos com os espa-ços herdados da natureza. Atualmente trabalha noINPA em Manaus.email: [email protected]

Patrick McCully é Diretor Executivo da organiza-ção não-governamental International RiversNetwork, e autor do livro Silenced Rivers: The Ecologyand Politics of Large Dams (Zed Press, 2001), e co-au-tor do Imperiled Planet (1990) e The Road to Rio: NaNGO action Guide to the Earth Summit (1992).email: [email protected]

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Esperamos que esse livro seja uma ferramenta novae importante para ampliar os debates públicos so-bre as hidrelétricas em geral e sobre a Amazônia,seus povos e seus recursos. Ajudará certamente amelhor fundamentar as razões, direitos e propos-tas daqueles que seriam prejudicados, caso fossemconcretizados os projetos hidrelétricos planejadospelo governo federal e por grandes empresas.A publicação se originou em um Painel de especialis-tas e de entidades sobre os projetos hidrelétricos no rio Xin-gu, formado desde 2002 por iniciativa conjunta daentidade International Rivers Network, e contan-do com a participação das entidades populares esindicais da região de Altamira, Pará, agrupadas noMDTX – Movimento pelo Desenvolvimento daTransamazônica e do Xingu.

A fase de pesquisas, de elaboração de textos e decartografias, contando com mais de vintepessoas, brasileiros e de outras nacionalidades, foicoordenada pelo professor Oswaldo Sevá, e nelacolaboraram outras quatro entidades: o ISA -Insti-tuto Socioambiental, a FASE - Federação de Órgãospara Assistência Social e Educacional, o ProjetoBrasil Sustentável e Democrático, e a Comissão Pró-Índio de São Paulo - que havia editado em 1988 oprimeiro livro sobre os projetos hidrelétricos doXingu e os povos indígenas moradores da beiradeste rio amazônico e da região. A foto acima é amesma da capa daquele livro, de autoria do antro-pólogo Eduardo Viveiros de Castro, e mostraum grupo de índios Araweté na Terra Indígena doIgarapé Ipixuna, durante uma caçada.

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Bacia Fluvial do XinguHidrelétricas Projetadas e Terras Indígenas

Este mapa é parte integrante do livro "Tenotã-Mõ - Alertas sobre as conseqüências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu”

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Vista de muito alto, pelas câmeras dos satélites artificiais, a região da Volta Grande do rio Xingu, no centrodo Pará, é um grande cruzamento entre a geometria da rodovia Transamazônica rasgando a mata de Lestea Oeste e de suas estradas vicinais ou “travessões” por onde vão abrindo suas terras os assentados e colonosdo Incra, os fazendeiros e seus empregados, os grileiros e os madeireiros – e – a sinuosidade indomável dorio Xingu escorrendo do Sul pelas lajes de rochas, por entre os arquipélagos, na direção do rio Amazonas,mas fazendo essa grande “barriga” para o Leste, voltando para o Sul e enfim retornando rumo Norte.Compare com a imagem do lado direito que agrupa sobre o mesmo chão da imagem anterior, asconseqüências certeiras que a região sofreria, na hipótese de serem feitas as duas grandes obras dehidrelétricas planejadas Belo Monte e Babaquara.

Localização e formatos aproximados dasprincipais conseqüências das obras projetadas

bairros de alojamento e vilas residenciais(Aproximadamente 30 mil pessoas)

canteiro de obras

área sujeita a catástrofe ecológicapela diminuição do volume de água

área a ser alagada (formato aproximado)

linhas de transmissão projetadaspara os canteiros de obras

linhas de transmissão em 500 kV, projetadas paraAmapá, Marabá e sistema CO-N-NE

aumento do tráfego terrestre

aumento do tráfego fluvial até oporto da obra (máquinas, materiais e peças)

aumento do tráfego aéreo

barragens planejadas

Imagens recentes e hipotéticas da Volta Grandedo rio Xingu, Pará

Este mapa é parte integrante do livro "Tenotã-Mõ - Alertas sobre as conseqüências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu”