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ANAIS DO III ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTÓRIA DAS RELIGIÕES E DAS RELIGIOSIDADES – ANPUH -Questões teórico-metodológicas no estudo das religiões e religiosidades. IN: Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá (PR) v. III, n.9, jan/2011. ISSN 1983-2859. Disponível em http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html
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O SILÊNCIO UNIFICADOR – A TENTATIVA DE UNIÃO PATROCINADA PELA
FEB
Pedro Paulo Amorim
UFSC
Através desta comunicação trago para este fórum algumas reflexões, as quais fazem
parte das minhas pesquisas de mestrado, sobre a atuação da Federação Espírita Brasileira
(FEB) ao longo de sua caminhada, principalmente no que se refere a sua tentativa de
capitanear o processo de unificação do movimento espírita brasileiro.
O Espiritismo, como de modo geral todas as demais religiões, desde a sua criação,
empenha-se pela coesão de sua doutrina e afiliados, com podemos observar nas palavras de
seu fundador, Allan Kardec:
Se é certo que, entre os adeptos do Espiritismo, se contam os que divergem de
opinião sobre alguns pontos da teoria, menos certo não é que todos estão de
acordo quanto aos pontos fundamentais. Há, portanto, unidade, excluídos apenas
os que, em número muito reduzido, ainda não admitem a intervenção dos
Espíritos nas manifestações; os que as atribuem a causas puramente físicas, o
que é contrário a este axioma: Todo efeito inteligente há de ter uma causa
inteligente1.
Porém, ao nos debruçarmos sobre a vida cotidiana do Espiritismo, percebemos que de
maneira oposta à pretendida por Kardec, aquele seguiu sua trajetória dividido em vários
grupos, longe de se caracterizar como uma doutrina monolítica. Evidenciando seu caráter
permeável, plural, aberto a toda sorte de influências mundanas, podemos aproximar o
Espiritismo da idéia do pensador católico Émile Poulat, “a Igreja é um mundo”2, a qual
equipara o Igreja Católica a sociedade em geral, com suas múltiplas facetas.
Em meio às diversas divisões que caracterizam o campo espírita brasileiro, destacamos
a que ficou conhecida como Roustainguista. Divisão esta, como o nome indica, derivada
dos princípios defendidos por Jean Baptiste Roustaing (1805 – 1879) em leu livro
denominado “Os Quatro Evangelhos”3 publicado a primeira vez em maio de 1866 em Paris.
ANAIS DO III ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTÓRIA DAS RELIGIÕES E DAS RELIGIOSIDADES – ANPUH -Questões teórico-metodológicas no estudo das religiões e religiosidades. IN: Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá (PR) v. III, n.9, jan/2011. ISSN 1983-2859.
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Desde os comentários de Allan Kardec na Revista Espírita de junho do mesmo ano4, a
respeito do lançamento da obra de Roustaing, podemos apontar o surgimento de uma
grande polêmica no interior do campo espírita, nesta época, praticamente, ainda restrito ao
território francês e posteriormente transferido para o Brasil. Dentre os vários pontos
polêmicos destacamos a tese central do livro de Roustaing, ou seja, o docetismo ou o corpo
fluídico5 de Cristo. Inicialmente, Kardec aponta o docetismo como uma possibilidade não
descartável, porém sujeita a confirmação posterior. Algum tempo depois no seu livro “A
Gênese”, Kardec nega de forma categórica esta possibilidade6. Outra divisão do campo
espírita importante para o escopo deste trabalho é o chamado Kardecista, composto por
aqueles que encaram o Espiritismo como a doutrina contida no Pentateuco Espírita ou
Kardequiano7 e algumas obras subsidiárias.
A disputa travada no interior do campo espírita brasileiro entre Kardecistas e
Roustainguistas desde a década de 1880, é responsável pela criação de um sem número de
impedimentos à união do Espiritismo. Nos primeiros anos do século XX travou-se grande
discussão teológica nas páginas do Reformador8, atingindo seu clímax em 1903, com a
publicação de uma série de artigos a respeito da personalidade de Jesus, nos quais a FEB
deixou claro seu apoio às teses roustainguistas. Em contra partida a este posicionamento da
FEB, muitos opositores as teses roustainguistas se manifestaram por meio outros periódicos
espíritas9.
O início do século XX viu nascer várias tentativas de unificação do movimento espírita
brasileiro, algumas capitaneadas pela FEB, a qual promoveu uma reforma de seus
estatutos, em 1901, visando, entre outros objetivos, implementar um sistema federativo
segundo o qual se faria em torno dela a filiação das agremiações espíritas espalhadas pelo
País10
. Em outubro de 1904, por ocasião do centenário de nascimento de Allan Kardec, sob
a direção da FEB, representantes de núcleos espíritas de vários Estados da União assinaram
um documento que mais tarde ficou conhecido como “Bases de Organização Espírita”, o
qual representava uma tentativa de orientar a marcha do Movimento Espírita no Brasil11
.
Atuando de forma paralela à liderança da FEB, dentre as mais importantes iniciativas,
podemos destacar a Liga Espírita do Brasil12
criada na cidade do Rio de Janeiro, então
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capital federal. Instituição de vertente Kardecista criada em moldes federais, apresentava-se
como alternativa a contestada liderança da FEB13
.
Passados estes primeiros anos de luta pela unificação do movimento a nível nacional
em torno da várias federativas localizadas no Rio de Janeiro, a década de 1940 ficou
caracterizada pelo grande empenho em favor da federalização e unificação do movimento
espírita por parte das várias federações existentes no Estado de São Paulo. Deste
movimento teve origem a União Social Espírita (USE), no ano de 1945, a qual seria
responsável pela unificação de todo o movimento espírita paulista.
Durante os anos de 1944 e 1945, a União Espírita Mineira e a Federação Espírita do
Rio Grande do Sul, respectivamente, realizaram seus primeiros congressos espíritas
estaduais, visando a união do movimento em suas respectivas áreas de atuação.
O movimento paulista liderado pela USE, foi responsável pela elaboração do Primeiro
Congresso Espírita do Estado de São Paulo e, posteriormente, o Congresso Espírita Centro-
Sulino, realizado na capital paulista em 1948, com representantes de quinze Estados. A
FEB manteve-se distante deste movimento, recusando o convite elaborado pela federação
paulista não só para participar como inclusive para presidi-lo. Devido às sistemáticas
negativas por parte da FEB, os congressistas deliberaram mudar o nome do evento para o
Primeiro Congresso Brasileiro de Unificação Espírita14
.
No ano seguinte, em outubro de 1949, após a realização de várias e infrutíferas reuniões
entre dirigentes espíritas de várias federações estaduais e nacionais, finalmente durante a
realização no Rio de Janeiro do “Segundo Congresso da Confederação Espírita Pan-
americana (CEPA)”15
, foi assinado um acordo para tentar por fim às históricas divergências
que ocorriam no Movimento Espírita, o qual posteriormente passou a ser conhecido como
Pacto Áureo, reunião denominada pela revista Reformador como: “o evento de mais alta
significação da história do espiritismo brasileiro”16
.
Dentre as várias deliberações acordadas com a assinatura do pacto destacamos:
a criação por parte da FEB do Conselho Federativo Nacional – CFN
composto por representantes das sociedades de âmbito estadual, inclusive do
Distrito Federal;
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o CFN será presidido pelo presidente da FEB, o qual nomeará três
secretários, tirados do próprio Conselho, que o auxiliarão e substituirão em
seus impedimentos;
a ação do CFN ocorrerá no caso de alguma sociedade passar a adotar
programa que colida com a doutrina exposta nas obras: “O Livro dos
Espíritos” e “O Livro dos Médiuns”, e isso por ser ele, o Conselho, a
entidade orientadora do Espiritismo no Brasil17
.
Em decorrência da assinatura e posterior ratificação do Pacto Áureo pelas federações e
uniões estaduais de todo o Brasil, podemos notar que ao longo dos anos a centralização do
movimento em torno da FEB foi aumentado, tendo em vista o poder a ela atribuído pelo
pacto. O item mais importante aprovado neste processo de tentativa de união em relação ao
tema deste trabalho, diz respeito à obrigatoriedade da adoção do “O Livro dos Espíritos” e
“O Livro dos Médiuns”, como obras de referência, atuando ambas como parâmetros, a
serem seguidos sob estrita observação do seu conteúdo doutrinário.
Tendo em vista esta obrigação, é importante lembrar que nenhuma referência à
utilização da obra de Roustaing como subsidiária ou complementar às obras de Kardec foi
mencionada. Portanto, as questões básicas em relação as divergência entre Kardecistas e
Roustainguistas passaram ao largo na efetivação e consolidação do pacto18
. Da mesma
forma, também devemos destacar a assinatura do pacto por instituições que apoiavam ou
não o Roustainguismo e vinham a décadas lutando pela liderança do movimento19
.
Questões de ordem doutrinária, como as ligadas às teorias Roustainguistas, sempre
atuaram como catalisadores das divergências dentro do campo espírita, resultando em
grandes entraves a qualquer tentativa de unificação. Como vimos no contexto da
implementação do Pacto Áureo, o silêncio marcou a atuação da FEB em sua tentativa de
unir o movimento espírita sob a sua liderança, muito embora mantivesse em seus estatutos
a obrigatoriedade do estudo da obra de Roustaing desde o final do século XIX. A fim de
compreendermos melhor o uso e a importância do silêncio, a que denominamos aqui de
“silêncio unificador”, neste contexto de poder no interior do campo espírita, devemos
observar o comportamento da FEB ao longo do tempo.
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Para entendermos o silêncio buscamos os estudos de Eni Orlandi, que o define entre
outras coisas como: “silêncio fundador”, sendo este aquele que existe nas palavras, que
denota o não-dito, que possibilita toda significação possível; e em segundo como “política
do silêncio” onde o silêncio é constitutivo quando uma palavra apaga necessariamente as
outras palavras ou chamado silêncio local, quando temos aquilo que é proibido se dizer em
uma determinada situação, isto é, a censura 20
. O silêncio, como mencionamos acima, não
se caracteriza pela ausência de palavras, ele é o que se estabelece entre as palavras, as notas
de uma música, as linhas de um texto, entre os seres21
. Impor o silêncio não significa calar
o seu interlocutor, mas apenas impedi-lo de sustentar outro discurso22
.
Mais adiante Orlandi define de modo mais detalhado o silêncio fundante e afirma:
...o silêncio é fundante. Quer dizer, o silêncio é a matéria significante por
excelência, um continuum significante. O real da significação é o silêncio. E
como o nosso objeto de reflexão é o discurso, chegamos a uma outra afirmação
que sucede a essa: o silêncio é o real do discurso.23
Assim, para podermos compreender o silêncio devemos primeiramente explicitar o
nosso entendimento sobre o conceito de discurso. Mais uma vez nos apropriamos dos
estudos de Orlandi, onde a autora nos demonstra que a etimologia da palavra discurso traz
em si a idéia de curso, “de percurso, de correr por, de movimento”. Assim, o discurso é
entendido por Orlandi como a “palavra em movimento”. Para a autora o discurso faz a
mediação entre o homem e a realidade natural e social:
Essa mediação, que é o discurso, torna possível tanto a permanência e a
continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e da
realidade em que ele vive. O trabalho simbólico do discurso está na base da
produção da existência humana24
.
Ao formular uma tipologia dos discursos, Orlandi os classificam em: lúdico, polêmico e
autoritário25
. Deste modo, o discurso religioso enquadra-se no modelo autoritário, onde não
há de fato a reversibilidade, ocorrendo desta maneira, a sua ilusão, uma vez que a
reversibilidade é a condição básica do discurso26
.
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O discurso religioso caracteriza-se pela onipotência do silêncio divino, pois Deus é o
lugar da onipotência do silêncio, local este onde o homem necessita colocar sua fala
específica.
Podemos perceber a cultura como fundada no silêncio, no qual encontramos os
sentidos, os princípios morais, éticos e culturais de uma sociedade, portanto, o silêncio é a
significação última da cultura de um povo.
O Espiritismo, considerado a “religião do livro”, da palavra escrita por excelência,
fundado no Pentateuco Kardequiano, também é parte integrante da cultura, e como tal,
retira do imenso mar que compõe o silêncio as palavras, as quais, nada mais são que uma
tentativa de apropriação deste mesmo silêncio, uma tentativa de organizá-lo conforme os
seus interesses. Portanto, encontramos no interior do Espiritismo um interdiscurso, o qual
permeia todo o seu campo discursivo, composto por uma série de formulações originárias
de enunciações distintas e dispersas que no seu todo formam o domínio de sua memória, da
qual retira o sentido, independentemente de quem seja o sujeito do discurso, dos conceitos
que o constitui 27
.
Como o silêncio é o real do discurso e este é efeito de sentidos entre locutores, podemos
perceber assim o silêncio como produtor de sentidos, tendo o cuidado de perceber que da
mesma maneira que o discurso não é transparente, o silêncio também não o é. Portanto,
devemos procurar no próprio silêncio o seu significado e não buscá-lo através dele. Desta
forma, o silêncio da FEB nos diz muito a respeito do posicionamento dela em relação aos
conflitos por ela enfrentados ao longo de sua história.
O silêncio reflete a atuação da FEB ao longo de sua história, onde encontramos
períodos de apoio explícito às teses de Roustaing e outros momentos onde este apoio
encontra-se velado. O apoio explicito, por parte da FEB, às teorias roustainguistas
observamos, primeiramente, quando Bezerra de Menezes, em seu segundo mandato a frente
da presidência da FEB (1895), incluiu o estudo da obra nos seus estatutos28
. Este fato tem
conseqüências muito importantes, uma vez que deu a mesma importância as obras de
Kardec e de Roustaing no que diz respeito ao estudo e a difusão do Espiritismo, sendo os
únicos citados nominalmente no estatuto29
.
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Outro fato que demonstra a adesão inconteste da FEB foi a publicação, ainda sobre o
comando de Bezerra de Menezes, no Reformador da obra de Roustaing em janeiro de
189830
.
Uma nova demonstração deste apoio foi a inclusão de severas criticas a Kardec na
segunda edição brasileira da obra de Roustaing elaborada pela FEB (1918/1920), as quais
foram retiradas na quarta edição em 1954, a primeira após o Pacto Áureo. As sucessivas
edições de “Os Quatro Evangelhos” também confirmam a posição favorável da FEB.
Durante muitos anos a divisa “o corpo de Jesus não interessa, o que interessa é o seu
espírito” serviu para aplacar as diferenças em torno da questão envolvendo a natureza do
corpo de Jesus Cristo. O Pacto Áureo colocou no ostracismo a questão, quase a sepultando
definitivamente31
. A quarta edição da obra de Roustaing em português, editada pela FEB,
surgiu em 1954, cinco anos após a assinatura do pacto e a quinta edição somente em 1971,
praticamente duas décadas de intervalo entre estas duas. Este hiato corrobora a idéia do
“grande silêncio” e do esquecimento defendida por José Herculano Pires32
.
Porém, no início da década de 1970, mas precisamente final de 1971, a própria FEB
tratou de por fim a esta fase de silêncio, iniciando pelo Reformador uma campanha de
“renascimento” do Roustainguismo, lançando também uma nova edição do praticamente
esquecido do livro de Roustaing33
.
Através do livro “Para entender Roustaing” de Luciano dos Anjos34
, encontramos uma
relação de livros com suas as respectivas datas de lançamento, os quais, segundo o autor,
defendem inteiramente as teses de Roustaing. Notamos que, a relação inicia-se no ano de
1882, indo primeiramente até o ano de 1949, ano de assinatura do Pacto Áureo, voltando a
apresentar novos livros somente em 1981, chegando até o ano de 200235
. Assim, podemos
notar uma relação existente entre a assinatura do Pacto Áureo, o período de silêncio e o
retorno da FEB ao incentivo à leitura das teorias de Roustaing e a conseqüente edição de
livros contra e a favor destas teorias. Não devemos esquecer que a relação não inclui artigos
e livros que parcialmente apóiam as teses de Roustaing, somente aqueles que o fazem de
modo integral.
Observamos desta forma o uso político do silêncio pela FEB, usando-o em parte como
uma tentativa de traduzi-lo em palavras, apropriando-se dele, organizando-o segundo os
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seus interesses, relegando a outra parte convenientemente ao silêncio. Durante a fase de
consolidação do Espiritismo, após a assinatura do Pacto Áureo e o fim das perseguições
policiais e jurídicas a sua prática, encontramos um longo período de silêncio, já
mencionado, onde a FEB aproveitou para tentar consolidar sua liderança no interior do
campo espírita brasileiro e colocar-se como o principal órgão de divulgação e controle do
Espiritismo institucional no Brasil, para tanto, evitou qualquer tipo de polêmica a todo
custo. Assim, entendemos que após este período, ao qual denominamos de silêncio
unificador, a FEB sentiu-se segura como “Casa Mater do Espiritismo” e portanto
responsável tanto pelo Espiritismo no Brasil quanto pela união do movimento espírita
brasileiro, foi capaz de romper o silêncio, e explicitar o seu apoio ao Roustainguismo.
Apoio este incapaz de polemizar ou combater de forma ostensiva aqueles que não
concordavam com o seu apoio a Roustaing, mantendo-se distante dos debates no interior do
campo espírita, de forma “superior” aos outros componentes deste campo.
Notas
1 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro:FEB,1989.p.492.
2 POULAT, Émile. L’Église, c’est um munde. L’Wcclésiosphère. Paris : Le Cerf, 1986.
3 O nome completo da obra é: “Os Quatro Evangelhos – A Revelação da Revelação, seguidos dos
mandamentos explicados em espírito e verdade pelos evangelistas, assistidos pelos apóstolos e Moisés,
recebidos e coordenados por Jean-Baptiste Roustaing” 4 KARDEC, Allan. Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos – Nono Ano – 1866. Araras: IDE,
2001.p.129. 5 Segundo o Espiritismo, homem é formado por três partes: 1. o corpo, que é análogo ao dos animais; 2. a
alma, espírito encarnado, que tem no corpo sua habitação; 3. o princípio intermediário, ou perispírito, que
serve de primeiro envoltório ao Espírito e liga a alma ao corpo. Portanto, a alma é revestida por este
envoltório ou corpo fluídico, chamado perispírito. Este invólucro é retirado do fluido universal de cada globo
pelo espírito que lhe dá a forma que deseja. CARNEIRO, Victor Ribas. ABC do Espiritismo. Curitiba:
FEP,1996.p.71 – 75. 6 KARDEC, Allan. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB,1980.p 395.
7 As cinco obras formadoras do Pentateuco Espírita ou Kardequiano são: “O Livro dos Espíritos”, referente à
parte filosófica, de abril de 1857; “O Livro dos Médiuns”, relativo à parte científica de janeiro de 1861; “O
Evangelho segundo o Espiritismo”, relativo à parte moral de abril de 1864; “O Céu e o Inferno, ou A justiça
de Deus segundo o Espiritismo” de agosto de 1865; “A Gênese, Os Milagres e as Predições” de janeiro de
1868. 8 A revista Reformador fundada em 21 de janeiro de 1883, ainda em circulação, é o órgão oficial de
divulgação da FEB desde a sua fundação em 1 de janeiro de 1884. 9 GIUMBELLI, E. O cuidado dos mortos: Uma história da condenação e legitimação do Espiritismo, Rio de
Janeiro, Arquivo Nacional, 1997.p.123. 10
Cinqüentenário do Pacto Áureo. Reformador, Rio de Janeiro, n.2047, p.7, out. 1999. 11
Idem.
ANAIS DO III ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTÓRIA DAS RELIGIÕES E DAS RELIGIOSIDADES – ANPUH -Questões teórico-metodológicas no estudo das religiões e religiosidades. IN: Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá (PR) v. III, n.9, jan/2011. ISSN 1983-2859.
Disponível em http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html __________________________________________________________________
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12
Fundada em 31 de março de 1926, durante o Primeiro Congresso Constituinte Espírita Nacional, realizado
na cidade do Rio de Janeiro. Posteriormente, com o advento do Pacto Áureo, teve a sua denominação
modificada para Liga Espírita do Distrito Federal, passando a integrar a organização federativa coordenada
pela FEB, como membro do Conselho Federativo Nacional (CFN). Com o passar dos anos sua denominação
foi alterando-se até chegar a atual: Federação Espírita do Estado do Rio de Janeiro. Conforme:
Cinqüentenário do Pacto Áureo. Reformador, Rio de Janeiro, n.2047, p.7, out. 1999 e sítio do CEERJ
<Disponível em: <http://www.ceerj.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=20&Itemid=34>.
Acessado em 01/11/2007. 13
SANTOS, José Luiz dos. Espiritismo: uma religião brasileira. Campinas: Editora Átomo, 2004. p.68-69. 14
Ibidem. p.75-77. 15
A CEPA – Confederação Espírita Pan-americana é uma instituição de caráter federativo e associativo,
integrada por entidades espíritas de diversos países. Sua fundação ocorreu no dia 5/10/ 1946, durante o
primeiro Congresso Espírita Pan-Americano, realizado na cidade de Buenos Aires. Define o Espiritismo como
“ciência que trata da natureza, origem e destino dos espíritos, bem como de suas relações com o mundo
corporal” e como filosofia espiritualista de conseqüências morais. Possui uma visão laica, livre-pensadora,
humanista, dinâmica, progressista e pluralista do Espiritismo, não endossa a visão do Espiritismo como
religião. Conforme CEPA. Disponível em: <http://www.cepanet.org/cepa.php>. Acessado em 30/03/2008. 16
Cinqüentenário do Pacto Áureo. Reformador. Rio de Janeiro, n.2047,p. 7,out. 1999.p.3 – 12. 17
Ibidem. p. 13 – 14. 18
Idem. 19
SANTOS. Op. Cit. p.80. 20
ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas: Editora da
UNICAMP, 1995. p.24 e p. 102. 21
Ibidem. p.68 – 69. 22
Ibidem. p.102. 23
ORLANDI (1995). Op. Cit. p.29. 24
ORLANDI, Eni P. Análise de discurso. Princípios & Procedimentos. Campinas: Pontes, 2007, p. 15. 25
ORLANDI, Eni P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Pontes,
1987, p. 15 – 16. 26
A autora argumenta que ao discurso é necessário a presença de dois agentes, o locutor e o ouvinte. A
reversibilidade existe quando ocorre a interação destes agentes. No discurso autoritário a reversibilidade tente
a zero, mas quando isto se dá o discurso se rompe, daí a necessidade de torná-lo sempre reversível, surgindo
assim a “ilusão”. 27
Ibidem. p.89-90. 28
GIUMBELLI. Op. Cit., p.299 e MARTINS. Op. Cit. p.49. 29
Estatuto da Federação Espírita Brasileira e MARTINS. Op. Cit. p.49. 30
GIUMBELLI. Op. Cit., p.300 e MARTINS. Op. Cit. p.49. 31
PIRES, J. Herculano; ABREU FILHO, Julio. O verbo e a carne: 2 análises do roustainguismo. São Paulo:
Edições Caibar, 1973.p. 5. 32
Nasceu em 25/09/1915, em Avaré (SP) e morreu em 09/03/1979. Graduado em Filosofia pela USP,
publicou uma tese existencial: O Ser e a Serenidade. Autor de oitenta livros de Filosofia, Ensaios, Histórias,
Psicologia, Parapsicologia e Espiritismo. Disponível em
<http://www.espiritismogi.com.br/biografias/jose%20herculano.htm> . Acessado em: 20/11/2007. 33
Livro ou texto escrito por médium ditado por espíritos desencarnados (mortos). 34
Luciano dos Anjos, estudioso renomado da doutrina espírita, já publicou mais de dez livros, em gêneros tão
diversos como poesia, romance, filosofia, pesquisa científica e sobre o Espiritismo. Disponível em <
http://www.lachatre.com.br/autores.php?autid=90>. Acessado em 20/11/2007. 35
ANJOS, Luciano dos. Para entender Roustaing. Bragança Paulista:Lachâtre, 2005.p213 – 217.