8
Teologia da Evangelização (2) 1. CONSIDERAÇÕES GRAMATICAIS: A. Literatura Clássica: O verbo “Evangelizar” (Eu)aggeli/zw) (euangelizo) e o substantivo “Evangelho” (Eu)agge/lion) (euangélion) - com os seus cognatos, “Evangelismo”, “Evangélico”, ”Evangelista”, “Evangelização” -, são palavras provenientes do grego, que passando pelo latim, chegaram ao nosso idioma de forma transliterada. 1 O uso destas expres- sões é bem antigo na língua grega, antecedendo em muito ao Novo Testamento, remontando aos escritos de Homero (IX séc. a.C.). A palavra “evangelho” passou evolutivamente por três significados básicos, a sa- ber: 1) A recompensa dada ao mensageiro por sua mensagem (Homero 2 e Plutar- co). 2) As ofertas de ações de graça aos deuses por uma boa nova recebida. 3) O conteúdo da mensagem: as próprias boas novas (1Sm 31.9). 3 Após uma campanha vitoriosa, os arautos percorriam o país anunciando o evangelho, ou seja, as novas de vitória. 4 Como no Império Romano o imperador tipificava uma espécie de deus e salvador, tendo poder sobre todas as coisas, os acontecimentos de sua vida se constituíam num “evangelho”. Por isso ele era cultuado. Assim, desde o seu nascimento, maioridade, sua ascensão ao trono, discursos, decretos ou mesmo a sua visita à determinada cidade, era anunciado como uma boa nova de alegria, feli- cidade e paz: era o evangelho. 5 1 Veja-se: Evangelho: In: Antônio Geraldo da Cunha, Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, 2ª ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991, p. 338. 2 Homero, Odisséia, São Paulo: Abril Cultural, 1979, XIV.152. p. 130. 3 “Cortaram a cabeça a Saul e o despojaram das suas armas; enviaram mensageiros pela terra dos fi- listeus, em redor, a levar as boas-novas à casa dos seus ídolos e entre o povo” (1Sm 31.9). 4 Ver: H.J. Jager, Palabras Clave del Nuevo Testamento, 2ª ed. Madrid: Fundacion Editorial de Litera- tura Reformada, 1982, Vol. 1, p. 7. 5 Vejam-se: Justino de Roma, I Apologia, São Paulo: Paulus, 1995, 21, p. 38; Gerhard Friedrich, Eu)agge/lion: In: Gerhard Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Vol. II, p. 724-725; U. Becker, Evangelho: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Te- ologia do Novo Testamento, Vol. II, p. 167-168; Michael Green, Evangelização na Igreja Primitiva, São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 63-65; H.J. Jager, Palabras Clave del Nuevo Testamento, Vol. 1, p. 7.

Teologia da Evangelização

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Teologia

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  • Teologia da Evangelizao (2)

    1. CONSIDERAES GRAMATICAIS: A. Literatura Clssica:

    O verbo Evangelizar (Eu)aggeli/zw) (euangelizo) e o substantivo Evangelho (Eu)agge/lion) (euanglion) com os seus cognatos, Evangelismo, Evanglico, Evangelista, Evangelizao , so palavras provenientes do grego, que passando pelo latim, chegaram ao nosso idioma de forma transliterada.1 O uso destas expres-ses bem antigo na lngua grega, antecedendo em muito ao Novo Testamento, remontando aos escritos de Homero (IX sc. a.C.).

    A palavra evangelho passou evolutivamente por trs significados bsicos, a sa-ber:

    1) A recompensa dada ao mensageiro por sua mensagem (Homero2 e Plutar-co).

    2) As ofertas de aes de graa aos deuses por uma boa nova recebida.

    3) O contedo da mensagem: as prprias boas novas (1Sm 31.9).3 Aps uma campanha vitoriosa, os arautos percorriam o pas anunciando o evangelho, ou seja, as novas de vitria.4 Como no Imprio Romano o imperador tipificava uma espcie de deus e salvador, tendo poder sobre todas as coisas, os acontecimentos de sua vida se constituam num evangelho. Por isso ele era cultuado. Assim, desde o seu nascimento, maioridade, sua ascenso ao trono, discursos, decretos ou mesmo a sua visita determinada cidade, era anunciado como uma boa nova de alegria, feli-cidade e paz: era o evangelho.5

    1Veja-se: Evangelho: In: Antnio Geraldo da Cunha, Dicionrio Etimolgico Nova Fronteira da Lngua Portuguesa, 2 ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991, p. 338. 2 Homero, Odissia, So Paulo: Abril Cultural, 1979, XIV.152. p. 130.

    3Cortaram a cabea a Saul e o despojaram das suas armas; enviaram mensageiros pela terra dos fi-

    listeus, em redor, a levar as boas-novas casa dos seus dolos e entre o povo (1Sm 31.9). 4 Ver: H.J. Jager, Palabras Clave del Nuevo Testamento, 2 ed. Madrid: Fundacion Editorial de Litera-

    tura Reformada, 1982, Vol. 1, p. 7. 5Vejam-se: Justino de Roma, I Apologia, So Paulo: Paulus, 1995, 21, p. 38; Gerhard Friedrich, Eu)agge/lion: In: Gerhard Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Vol. II, p. 724-725; U. Becker, Evangelho: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionrio Internacional de Te-ologia do Novo Testamento, Vol. II, p. 167-168; Michael Green, Evangelizao na Igreja Primitiva, So Paulo: Vida Nova, 1984, p. 63-65; H.J. Jager, Palabras Clave del Nuevo Testamento, Vol. 1, p. 7.

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    B. No Antigo Testamento:

    A palavra hebraica correspondente (hfb&:B)(besorh) tem um emprego militar, estando a sua raiz associada ao trazer boas notcias, ainda que no necessariamen-te. Ou seja: A boa nova nem sempre entendida assim por quem a recebe (1Sm 4.16-17; 2Sm 18.19-20/Jr 20.15).6 Num contexto de expectativa, a sentinela aguarda com ansiedade o mensageiro para saber das novas (2Sm 18.24-27/Is 52.7). De for-ma teolgica a palavra indica uma mensagem que inicialmente somente Israel pos-sui a respeito do reinado de Deus com a consequente paz, justia e salvao (Sl 40.9; 96.1-13; Is 40.9; 41.27; 52.7; 95.1); contudo, no futuro, a mensagem se plenifi-car no Messias e todas as naes se regozijaro na plenitude dessas bnos (Is 61.1-3/Lc 4.16-21; 1Co 15.54-56; Cl 1.5-6; 2.13-15/Is 60.6).7

    Na Septuaginta o substantivo Eu)agge/lion (euanglion) no ocorre no sentido re-ligioso, sendo usado na forma secular de trazer boa notcia ou recompensa pelas boas novas (Cf. 2Sm 4.10; 18.22,25);8 j o verbo eu)aggeli/zomai (euangelzomai) usado teologicamente.

    O sentido bsico da palavra (Eu)agge/lion) (Evangelho) boas novas, sendo um termo tcnico para novas de vitria;9 consistindo o evangelizar [grego: Eu)aggeli/zw e Eu)aggeli/zomai], no ato de trazer ou anunciar boas novas, pro-clamar, pregar, ser o agente das notcias de vitria.

    Podemos tabular o uso de eu)aggeli/zomai de trs formas especiais, antecipan-do, de certo modo, o sentido dado no Novo Testamento:

    1) Proclamar a Glria de Deus manifesta em Sua justia, fidelidade, salvao, graa e verdade (Sl 40.9; Sl 96.2).10

    6 Cf. John N. Oswalt, Bsar: In: R. Laird Harris; Gleason L. Archer, Jr.; Bruce K. Waltke, orgs. Dicio-

    nrio Internacional de Teologia do Antigo Testamento, So Paulo: Vida Nova, 1998, p. 227. 7Ver: John N. Oswalt, Bsar: In: R. Laird Harris; Gleason L. Archer, Jr.; Bruce K. Waltke, orgs. Dicio-nrio Internacional de Teologia do Antigo Testamento, p. 227; U. Becker, Evangelho: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento, Vol. II, p. 168; Gerhard Friedrich, Eu)agge/lion: In: Gerhard Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testa-ment, Vol. II, p. 709-710. 8Porm Davi, respondendo a Recabe e a Baan, seu irmo, filhos de Rimom, o beerotita, disse-lhes:

    To certo como vive o SENHOR, que remiu a minha alma de toda a angstia, se eu logo lancei mo daquele que me trouxe notcia, dizendo: Eis que Saul morto, parecendo-lhe porm aos seus olhos que era como quem trazia boas-novas, e como recompensa o matei em Ziclague (2Sm 4.9-10). Prosseguiu Aimas, filho de Zadoque, e disse a Joabe: Seja o que for, deixa-me tambm correr aps o etope. Disse Joabe: Para que, agora, correrias tu, meu filho, pois no ters recompensa das no-vas? (2Sm 18.22). Gritou, pois, a sentinela e o disse ao rei. O rei respondeu: Se vem s, traz boas notcias. E vinha andando e chegando (2Sm 18.25). 9Cf. Gerhard Friedrich, Eu)agge/lion: In: Gerhard Kittel: G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Vol. II, p. 722. 10

    Proclamei as boas-novas de justia na grande congregao; jamais cerrei os lbios, tu o sabes, SENHOR (Sl 40.9). Cantai ao SENHOR, bendizei o seu nome; proclamai a sua salvao, dia aps dia (Sl 96.2).

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    2) Proclamar as boas novas referentes ao Ungido de Deus (Is 40.9; 52.7).11

    3) As boas novas proclamadas pelo Ungido de Deus (Is 61.1).12

    C. A Unidade do Evangelho no Antigo e no Novo Testamento:

    1) SUA CONVERGNCIA:

    As razes do uso da palavra Evangelho no Novo Testamento, devem ser buscadas no no grego secular, mas sim no Antigo Testamento.13 Ou seja, mesmo a palavra tendo um emprego comum no grego clssico, o seu contedo encontra-se nas pginas do Antigo Testamento.

    Biblicamente, o Evangelho a boa mensagem de Deus, declarando que em Je-sus Cristo temos o cumprimento de Suas promessas a Israel, e que o caminho da salvao foi aberto a todos os povos. Deste modo, o Evangelho no deve ser colo-cado em contraposio ao Antigo Testamento, como se o Deus do Antigo Testamen-to fosse outro Deus14 ou que Deus mesmo tivesse alterado Sua maneira de tratar com o homem, mas antes, o cumprimento da Sua promessa (Mt 11.2-5)15.16 O ponto central para compreenso da unidade do Evangelho est na atitude de Jesus Cristo que, na Sinagoga, ao ler a profecia de Isaas, identificou-se como O que fora prometido: Ele o Messias. Registra Lucas: Indo para Nazar, onde fora criado, en-

    11 Tu, Sio, que anuncias boas-novas, sobe a um monte alto! Tu, que anuncias boas-novas a Je-

    rusalm, ergue a tua voz fortemente; levanta-a, no temas e dize s cidades de Jud: Eis a est o vosso Deus! (Is 40.9). Que formosos so sobre os montes os ps do que anuncia as boas-novas, que faz ouvir a paz, que anuncia coisas boas, que faz ouvir a salvao, que diz a Sio: O teu Deus reina! (Is 52.7). 12

    O Esprito do SENHOR Deus est sobre mim, porque o SENHOR me ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de corao, a proclamar libertao aos cativos e a pr em liberdade os algemados (Is 61.1). 13Vejam-se: Gerhard Friedrich, Eu)agge/lion: In: Gerhard Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dic-tionary of the New Testament, Vol. II, p. 725; P. Blaser, Evangelho: In: Heinrich Fries, dir., Dicionrio de Teologia, 2 ed. So Paulo: Loyola, 1983, Vol. II, p. 153; Donatien Mollat, Evangelho: In: Xavier Lon-Dufour, dir. Vocabulrio de Teologia Bblica, 3 ed. Petrpolis, RJ.: Vozes, 1984, p. 319; U. Bec-ker, Evangelho: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Tes-tamento, Vol. II, p. 169. 14

    Conforme sustentava Mrcion ( c. 165). A respeito de seus ensinamentos, vejam-se, entre outros: Tertulian, The Five Books Against Marcion. In: Alexander Roberts; James Donaldson, eds. Ante-Nicene Fathers, 2 ed. Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1995, Vol. III, p. 269-475; I-rineu, Irineu de Lio, So Paulo: Paulus, 1995, I.27.2-4. p. 109-110; Justino de Roma, I Apologia, 58, p. 73-74. 15

    Quando Joo ouviu, no crcere, falar das obras de Cristo, mandou por seus discpulos perguntar-lhe: s tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar outro? E Jesus, respondendo, disse-lhes: Ide e anunciai a Joo o que estais ouvindo e vendo: os cegos vem, os coxos andam, os lepro-sos so purificados, os surdos ouvem, os mortos so ressuscitados, e aos pobres est sendo prega-do o evangelho (eu)aggeli/zw) (Mt 11.2-5). 16Cf. R.H. Mounce, Evangelho: In: J.D. Douglas, ed. org. O Novo Dicionrio da Bblia, So Paulo: Junta Editorial Crist, 1966, Vol. I, p. 566.

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    trou, num sbado, na sinagoga, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. En-to, lhe deram o livro do profeta Isaas, e, abrindo o livro, achou o lugar onde estava escrito: O Esprito do Senhor est sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar (Eu)aggeli/zw) os pobres; enviou-me para proclamar libertao aos cativos e restau-rao da vista aos cegos, para pr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano a-ceitvel do Senhor. Tendo fechado o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se; e todos na sinagoga tinham os olhos fitos nele. Ento, passou Jesus a dizer-lhes: Ho-je, se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir (Lc 4.16-21).

    Jesus Cristo o cumprimento de todas as profecias e promessas do Velho

    Testamento.17

    De passagem, devemos dizer que o fato mais importante concer-nente adorao no Novo Testamento a centralidade de Jesus Cristo,18 Aquele que o cumprimento das promessas e profecias do Antigo Testamento, sendo o Senhor e Mediador nico e definitivo da Aliana selada entre Deus e o Seu Povo. A viso desta Aliana a chave que abre as portas para a compreenso de toda teo-logia bblica. A Pessoa de Cristo o elo que une os dois Testamentos.19 Em suma, Jesus Cristo o fundamento da verdadeira adorao a Deus.

    2) A NOVIDADE DO EVANGELHO:

    A novidade da Boa Mensagem no est, como se tem pretendido, em al-guns dos seus conceitos, tais como: a Paternidade de Deus,20 o Deus de amor, per-do e misericrdia; pois nada disto falta ao Antigo Testamento. Ela tambm no consiste simplesmente, na nfase destes elementos que, no caso, estariam sombre-ados no Antigo Testamento (embora isto tambm ocorra); na realidade, a novidade est na palavra j mencionada, cumprimento. Aquilo que prometido no Antigo Tes-tamento atingiu o seu clmax: o prometido se cumpriu. O Novo Testamento no diz algo novo a respeito de Deus; ele apenas mostra que Deus cumpriu as Suas pro-messas (Vejam-se: Mt 1.21-23; 8.17; Mc 15.28; At 2.16-36; 13.32-35/211Co 15.3-4;

    17 D.M. Lloyd-Jones, Deus o Pai, Deus o Filho, So Paulo: Publicaes Evanglicas Selecionadas,

    1997 (Grandes Doutrinas Bblicas, Vol. 1), p. 317. 18

    Cf. John M. Frame, Worship in Spirit and Truth, Phillipsburg, NJ.: P & R. Publishing, 1996, p. 25ss. 19

    Ver: Confisso de Westminster, VII.6. 20

    muito comum a afirmao de que o Deus do Antigo Testamento um Deus Vingador e, o do Novo Testamento, o Deus Pai, Deus de amor. Tal distino, alm de ser malfica pois, prejudica a compreenso da unicidade da Teologia Bblica dicotomizando Deus e a Sua Palavra , ilusria, amparada em uma viso superficial das Escrituras. Tanto no Antigo como no Novo Testamento, en-contramos a revelao de Deus como Pai de amor, bondade e justia. (Vejam-se: Hermisten M.P. Costa, O Pai Nosso: A Orao do Senhor, So Paulo: Editora Cultura Crist, 2001, 319p.; Hermisten M.P. Costa, Eu Creio, So Paulo: Edies Parakletos, 2002, 479p.). 21

    Ela dar luz um filho e lhe pors o nome de Jesus, porque ele salvar o seu povo dos pecados deles. Ora, tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermdio do profeta: Eis que a virgem conceber e dar luz um filho, e ele ser chamado pelo nome de Emanuel (que quer dizer: Deus conosco) (Mt 1.21-23). Chegada a tarde, trouxeram-lhe muitos endemoninha-dos; e ele meramente com a palavra expeliu os espritos e curou todos os que estavam doentes; para que se cumprisse o que fora dito por intermdio do profeta Isaas: Ele mesmo tomou as nossas en-fermidades e carregou com as nossas doenas (Mt 8.16-17). Com ele crucificaram dois ladres, um sua direita, e outro sua esquerda. E cumpriu-se a Escritura que diz: Com malfeitores foi contado (Mc 15.27-28). Ns vos anunciamos o evangelho (eu)aggeli/zomai) da promessa feita a nossos pais,

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    1Pe 1.10-12).22 Conforme interpreta Calvino (1509-1564): .... no que tange substncia da Escritura, nada se acrescentou. Os escritos dos apstolos nada contm alm de simples e natural explicao da lei e dos profetas junta-

    mente com uma clara descrio das coisas expressas neles.23

    Os apstolos atriburam ao Antigo Testamento a mesma relevncia que fora conferida por Jesus Cristo em Sua vida e ensinamentos (Vejam-se: Mc 8.31; Lc 4.21; 24.27,32,44; Jo 5.39; 10.35,36; 13.18; 17.12; 18.9; At 2.17-36; 3.11-26; 4.4; 5.42; 9.22; 13.22-42,44; 17.11; 18.28; 23.23-31).

    Abrindo um parntese, podemos usar a figura do eminente telogo de Princeton, B.B. Warfield (1851-1921), que, referindo-se doutrina da Trindade, disse:

    Podemos comparar o Velho Testamento com um salo ricamente mo-bilado, mas muito mal iluminado; a introduo de luz nada lhe traz que nele no estivesse antes; mas apresenta mais, pe em relevo com maior nitidez muito do que mal se via anteriormente, ou mesmo no tivesse sido apercebido. O mistrio da Trindade no revelado no Velho Testamento; mas o mistrio da Trindade est subentendido na revelao do Velho Tes-

    tamento, e aqui e acol quase possvel v-lo.24

    3) O EVANGELHO SINGULAR:

    A Boa Nova de Deus recebe, entre outras, as seguintes designaes no Novo Testamento: "Evangelho de Deus" (Rm 1.1; 1Ts 2.9); "Evangelho de Cristo" (Mc 1.1; Rm 15.19; 1Co 9.12; 2Co 2.12; Gl 1.7); "Evangelho da Promessa" (At 13.32); "Evangelho da graa de Deus" (At 20.24); "Evangelho da glria de Cristo" (2Co 4.4); "Evangelho da glria de Deus" (1Tm 1.11); "Evangelho da vossa salva-o" (Ef 1.13); "Evangelho da paz" (Ef 6.15); Evangelho eterno (Ap 14.6). Contudo, o Novo Testamento fala frequentemente no Evangelho, sem o definir (Cf. Mc 1.15; 8.35; 14.9; 16.15; At 15.7;25 Rm 11.28; 2Co 8.18): O Evangelho a Boa Nova pro-

    como Deus a cumpriu plenamente a ns, seus filhos, ressuscitando a Jesus, como tambm est es-crito no Salmo segundo: Tu s meu Filho, eu, hoje, te gerei. E, que Deus o ressuscitou dentre os mor-tos para que jamais voltasse corrupo, desta maneira o disse: E cumprirei a vosso favor as santas e fiis promessas feitas a Davi. Por isso, tambm diz em outro Salmo: No permitirs que o teu Santo veja corrupo (At 13.32-35). 22Vd. Chr. Senft, Evangelho: In: Jean-Jacques Von Allmen, dir., Vocabulrio Bblico, 2 ed., So Pau-lo: ASTE, 1972, p. 137 e Michael Green, Evangelizao na Igreja Primitiva, p. 95ss. J. Calvino escre-veu: Com efeito, recebo o Evangelho como a clara manifestao do mistrio de Cristo. E uma vez que o Evangelho chamado por Paulo a doutrina da f (1Tm 4.6), reconheo, na verdade, que se lhe contam como partes todas e quaisquer promessas que amide ocor-rem na Lei acerca da graciosa remisso dos pecados, mediante as quais Deus reconcilia os homens a Si (J. Calvino, As Institutas, II.9.2). 23

    Joo Calvino, As Pastorais, So Paulo: Edies Paracletos, 1998, (2Tm 3.17), p. 264. 24

    B.B. Warfield, A Doutrina Bblica da Trindade, Leiria: Edies Vida Nova, (s.d.), p. 130-131. 25

    .... arrependei-vos e crede no evangelho (eu)agge/lion) (Mc 1.15). Quem quiser, pois, salvar a sua vida perd-la-; e quem perder a vida por causa de mim e do evangelho (eu)agge/lion) salv-la- (Mc 8.35). E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o evangelho (eu)agge/lion) a toda criatura (Mc 16.15). Havendo grande debate, Pedro tomou a palavra e lhes disse: Irmos, vs sabeis que,

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    cedente de Deus, no fruto de uma conquista ou inveno humana; por isso, Ele no carece de maiores adjetivos; a Sua procedncia garante a sua qualidade e efe-tividade: Ele a Boa Nova por excelncia;26 o Poder de Deus (Rm 1.16) por meio do qual somos gerados em Cristo (1Co 4.15).27 Portanto, antes de ser uma mensagem a nosso respeito, o Evangelho a mensagem de Deus, procedente de Deus cujo contedo primeiro a respeito do prprio Deus. Deste modo, Jesus Cristo o prprio Evangelho; Ele a encarnao da Boa Nova de salvao concedida por Deus ao Seu povo. O Evangelho, antes de ser uma mensagem, uma Pessoa: Je-sus Cristo,28 o Deus encarnado: verdadeiro Deus e verdadeiro homem. O Evangelho envolve a Sua pessoa e o Seu ensino. No existe Evangelho sem Jesus Cristo; por-tanto, no h mensagem a ser anunciada sem a Sua encarnao, morte e ressurrei-o. Por isso, pregar o Evangelho significa pregar Jesus Cristo:29 Esforando-me, deste modo, por pregar o evangelho (eu)aggeli/zw), no onde Cristo j fora anuncia-do, para no edificar sobre fundamento alheio (Rm 15.20).30

    O Novo Testamento desconhece a forma plural Evangelhos ainda que ela seja usada na Septuaginta ta\ eu)agge/li/a (2Sm 4.10), recompensa pelas boas novas e h( eu)aggeli/a (2Sm 18.20,22,25,27; 2Rs 7.9) , isto porque o Evangelho um s. Se algum proclamar outro, seja considerado antema (= maldito) (Gl 1.8,9). Harri-son, comentando a respeito dos registros evanglicos, observou acertadamente que, Aos olhos da igreja primitiva estes documentos eram virtualmente um. Jun-

    desde h muito, Deus me escolheu dentre vs para que, por meu intermdio, ouvissem os gentios a palavra do evangelho (eu)agge/lion) e cressem (At 15.7). 26

    Vejam-se, por exemplo: Rm 10.16; 1Co 1.17; 9.14, 23; 15.1; 2Co 4.3; Gl 2.5,14; Fp 1.5,7,12,16; 2.22; 4.3,15; 1Ts 1.5; 2.4; 2Tm 1.8; Fm 13. 27

    Porque, ainda que tivsseis milhares de preceptores em Cristo, no tereis, contudo, muitos pais; pois eu, pelo evangelho (eu)agge/lion), vos gerei em Cristo Jesus (1Co 4.15). 28Stott resumiu: A boa nova Jesus (John R.W. Stott, A Misso Crist no Mundo Moderno, Vio-sa, MG.: Ultimato, 2010, p. 66). 29

    Veja-se: Alister E. McGrath, Paixo pela Verdade: a coerncia intelectual do Evangelicalismo, So Paulo: Shedd Publicaes, 2007, p. 41-43. 30Para um estudo mais detalhado do emprego da palavra Evangelho, Vejam-se: Gerhard Friedrich, Eu)aggeli/zomai: In: Gerhard Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Vol. II, p. 707-737; U. Becker, Evangelho: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento, Vol. II, p. 166-174; Rudolf Bultmann, Teologia Del Nuevo Testamento, Salamanca: Ediciones Sigueme, 1980, p. 134-135; William F. Arndt; F. Wilbur Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature, 2 ed. Chicago: University Press, 1979, in loc. p. 317-318; Euaggelion: W. Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, So Paulo: Vida Nova, 1988, p. 73; Isidro Pereira, Dicionrio Grego-Portugus e Portugus-Grego, 7 ed., Braga: Livraria Apostolado da Imprensa, (1990), in loc; Hermisten M.P. Costa, Evangelhos Sinticos: Belo Horizonte, MG. 1980, 34p.; W.G. Kummel, Introduo ao Novo Testamento, So Paulo: Pauli-nas, 1982, p. 33-34; E.F. Harrison, Introduccin al Nuevo Testamento, Grand Rapids, Michigan: Sub-comision Literatura Cristiana, 1980, p. 131ss.; R.H. Mounce, Evangelho: In: J.D. Douglas, ed. org., O Novo Dicionrio da Bblia, So Paulo: Junta Editorial Crist, 1966, Vol. I, p. 566-567; R.H. Mounce, Evangelho: In: Enciclopdia Histrico-Teolgica da Igreja Crist, So Paulo: Vida Nova, Vol. II, 1990, p. 109. H.J. Jager, Palabras Clave del Nuevo Testamento, 2 ed., Madrid: Fundacion Editorial de Lite-ratura Reformada, 1982, Vol. I, p. 7ss.; Evangelho: In: W.E. Vine; Merril F. Unger; William White Jr., Dicionrio Vine: O Significado Exegtico e Expositivo das Palavras do Antigo e do Novo Testamento, p. 629; John N. Oswalt, Bsar: In: R. Laird Harris; Gleason L. Archer, Jr.; Bruce K. Waltke, orgs. Di-cionrio Internacional de Teologia do Antigo Testamento, So Paulo: Vida Nova, 1998, p. 227.

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    tos, eles abarcavam o evangelho nico, que foi diversamente expressado por Mateus, Marcos, Lucas e Joo. O feito de Cristo foi a causa de um novo

    tipo de literatura.31

    As quatro narrativas so na realidade uma descrio inspirada do mesmo e nico Evangelho; biblicamente falando, evangelhos uma contradio de termos. No h outro Evangelho (Gl 1.6-9).32

    A forma plural referindo-se aos registros de Mateus, Marcos, Lucas e Joo, s documentada a partir de Justino, o Mrtir (100-167 AD), que por volta do ano 155 AD., na sua obra Primeira Apologia, descrevendo a Santa Ceia e o seu significado, escreveu: ....Os Apstolos nas Memrias por eles escritas, que se chamam Evangelhos, nos transmitiram.....

    33

    Assim, quando falamos de Evangelhos, no plural, estamos nos referindo no mensagem, que uma s, mas s narrativas inspiradas feitas pelos Evangelistas. H um s Evangelho com quatro registros redigidos por Mateus, Marcos, Lucas e Joo.

    4) EVANGELHO: HISTRIA E TEOLOGIA:

    Paulo emprega a palavra Evangelho de duas formas que, na realidade, se completam: a) Ele se refere ao Evangelho como os fatos que envolveram a morte substitutiva e ressurreio de Cristo conforme as Escrituras: perspectiva histrica (1Co 15.1-4); b) A interpretao dos acontecimentos narrados: perspectiva teolgica (Rm 2.16; Gl 1.7,11; 2.2).34 Contudo, no devemos levar esta distino to longe. A perspectiva teolgica s adquire relevncia enquanto fundamentada na veracidade destes fatos: a historicidade da encarnao, vida, morte e ressurreio de Cristo, ou seja: no Evangelho. No captulo 15 de 1 Corntios Paulo revela este ponto de forma contundente ao dizer que se Cristo no ressuscitou, v a nossa pregao e v a vossa f; e somos tidos por falsas testemunhas de Deus, porque temos asseverado

    31E.F. Harrison, Introduccin al Nuevo Testamento, p. 132. 32

    Admira-me que estejais passando to depressa daquele que vos chamou na graa de Cristo para outro evangelho (eu)agge/lion), o qual no outro, seno que h alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho (eu)agge/lion) de Cristo. Mas, ainda que ns ou mesmo um anjo vindo do cu vos pregue evangelho (eu)aggeli/zw) que v alm do que vos temos pregado, seja antema. Assim, como j dissemos, e agora repito, se algum vos prega evangelho (eu)aggeli/zw) que v alm daque-le que recebestes, seja antema (Gl 1.6-9). 33Justino, Primeira Apologia, 66, p. 82. (Ver: Eusebio de Cesarea, Historia Eclesistica, Madrid: La Editorial Catolica, S.A., (Biblioteca de Autores Cristianos), 1973, III.37.2. p. 187; V.8.2ss. p. 296ss). Devemos observar, que, mesmo fora dos escritos do Novo Testamento, a palavra evangelho continu-ou sendo usada no sentido singular. Por exemplo: No Didaqu, obra annima publicada por volta do ano 100 d.C., lemos: E no oreis como os hipcritas, mas como o Senhor os mandou em Seu Evangelho.... (Didaqu, VIII.2) (Vejam-se tambm, Incio de Antioquia (c. 30-110), Epstola aos Fi-ladlficos, V.1-2; VIII.2; IX.2; Epstola aos Esmirnenses, V.1; VII.2. In: Cartas de Santo Incio de Anti-oquia, 3 ed. So Paulo: Vozes, 1984; Irineu, Irineu de Lio, So Paulo: Paulus, 1995, IV.20.6; Euse-bio de Cesarea, Historia Eclesistica, V.24.6. 34

    Cf. Evangelho: In: W.E. Vine; Merril F. Unger; William White Jr., Dicionrio Vine: O Significado E-xegtico e Expositivo das Palavras do Antigo e do Novo Testamento, Rio de Janeiro: Casa Publicado-ra das Assemblias de Deus, 2002, p. 629.

  • Teologia da Evangelizao (2) Rev. Hermisten 31/01/2011 8

    contra Deus que Ele ressuscitou a Cristo..... (1Co 15.14-15). E mesmo quando nar-ra o Evangelho histrico, Paulo j apresenta a sua perspectiva teolgica: Cristo morreu pelos nossos pecados (1Co 15.3). A morte vicria entra necessariamente na narrativa. A histria de Cristo tambm a histria de nossos pecados e do amor e da justia de Deus. Resumindo, a teologia a conexo entre os acontecimentos his-tricos e o seu significado teolgico. Sem histria no h genuna teologia bblica; pode haver lendas, mas, no teologia. Sem esta, os acontecimentos permanecem num vcuo interpretativo, tudo e nada dizendo, conforme o seu intrprete. H Evan-gelho com todas as suas implicaes, porque Deus Se revelou; falou, viveu e atua na histria. A teologia comea quando acontecimentos histricos simples so conectados com os significados teolgicos desses mesmos aconteci-

    mentos.35

    Maring, 03 de janeiro de 2011. Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

    35Gordon H. Clark, Em Defesa da Teologia, Braslia, DF.: Monergismo, 2010, p. 19.