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Como referenciar este trabalho: BUNICK, Mario Sérgio, RIBEIRO, Cesar Leandro. O MAL, O SOFRIMENTO HUMANO. CADERNO TEOLÓGICO DA PUCPR, CURITIBA, V.2, N.1, P.21-37, 2014. O MAL, O SOFRIMENTO HUMANO BUNICK, Mario Sérgio 1 RIBEIRO, Cesar Leandro 2 Resumo: O artigo apresentado neste trabalho de pesquisa tenta explicar o tema do Mal, do Sofrimento humano. Qual a razão deste sofrimento? Por que sofremos? Por que existe o mal? Existe sentido para o sofrimento humano? O sofrimento do homem seria um castigo de Deus? O objetivo desta investigação bibliográfica é tentar obter respostas visando compreender o sofrimento que aflige todos os seres humanos. Procura dar um desfecho teológico baseado nos documentos da Igreja. Objetiva-se explicar o mal ontológico, o mal moral e o mal natural, numa perspectiva cristã católica baseada na doutrina da Igreja, especialmente o Catecismo da Igreja Católica. Temos consciência de que este artigo não dá um desenlace definitivo para o tema ora pesquisado, compreendendo que o assunto não se esgota. Palavras-chave: sofrimento humano; mal moral; mal natural. Mario Sérgio Bunik 1 Bacharel em Teologia pela PUCPR, [email protected] Cesar Leandro Ribeiro 2 Professor do Curso de Teologia da PUCPR, Licenciado sob uma Licença Creative Commons Caderno Teológico da PUCPR ISSN:2318-8065

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  • Como referenciar este trabalho: BUNICK, Mario Srgio, RIBEIRO, Cesar Leandro. O MAL, O SOFRIMENTO HUMANO. CADERNO TEOLGICO DA PUCPR, CURITIBA, V.2, N.1, P.21-37, 2014.

    O MAL, O SOFRIMENTO HUMANO

    BUNICK, Mario Srgio1

    RIBEIRO, Cesar Leandro2

    Resumo: O artigo apresentado neste trabalho de pesquisa tenta explicar o

    tema do Mal, do Sofrimento humano. Qual a razo deste sofrimento? Por

    que sofremos? Por que existe o mal? Existe sentido para o sofrimento

    humano? O sofrimento do homem seria um castigo de Deus? O objetivo

    desta investigao bibliogrfica tentar obter respostas visando

    compreender o sofrimento que aflige todos os seres humanos. Procura dar

    um desfecho teolgico baseado nos documentos da Igreja. Objetiva-se

    explicar o mal ontolgico, o mal moral e o mal natural, numa perspectiva

    crist catlica baseada na doutrina da Igreja, especialmente o Catecismo da

    Igreja Catlica. Temos conscincia de que este artigo no d um desenlace

    definitivo para o tema ora pesquisado, compreendendo que o assunto no

    se esgota.

    Palavras-chave: sofrimento humano; mal moral; mal natural.

    Mario Srgio Bunik

    1 Bacharel em Teologia pela PUCPR, [email protected]

    Cesar Leandro Ribeiro2 Professor do Curso de Teologia da PUCPR,

    Licenciado sob uma Licena Creative Commons

    Caderno Teolgico da PUCPR ISSN:2318-8065

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    1. Introduo

    O presente trabalho tem a finalidade de investigar atravs de pesquisas

    bibliogrficas, inmeras correntes de pensamentos que tratam do assunto relacionado

    ao mal e sofrimento humano, onde, por muitas vezes, autores com a mesma formao

    crist pensam de forma diferente sobre este assunto.

    O tema do Mal sempre foi questionado pela percepo humana, da seguinte

    forma: se Deus existe, qual seria a origem do mal, de onde viria a maldade que atinge

    toda a humanidade? De um modo ou de outro todos ns somos atingidos pelo mal,

    causando-nos a dor fsica, que tambm atinge todos os animais, bem como o mal

    moral que habita entre os homens.

    Embora a dor fsica esteja presente no mundo animal, somente o homem ao

    sofrer sabe que sofre e busca a razo desse sofrimento, se perguntando o porqu?

    Sofrendo tambm por no encontrar resposta plausvel para o sofrimento. Da mesma

    forma, o homem indaga-se sobre o porqu do mal no mundo? Ambas perguntas so de

    difceis respostas, cujas perguntas podem ser feitas, tanto para o prprio homem,

    quanto para Deus. O homem, ao no conseguir responder essas perguntas, fica

    frustrado e, por vezes, entra em conflito com Deus, chegando at mesmo a nega-lo.

    (SALVIFICI DOLORIS, 1984 pp.16, 17).

    A dor, como bvio, em especial a dor fsica, encontra-se amplamente difundida no

    mundo dos animais. Mas s o homem, ao sofrer, sabe que sofre e se pergunta o

    porqu; e sofre de um modo humanamente ainda mais profundo se no encontra uma

    resposta satisfatria. Trata-se de uma pergunta difcil, como tambm difcil uma outra

    muito afim, ou seja, a que diz respeito ao mal. Por que o mal? Por que o mal no mundo?

    (SALVIFICI DOLORIS, 1984 p.16).

    [...] bem sabido que, quando se percorre o terreno desta pergunta, chega-se no s a

    mltiplas frustraes e conflitos nas relaes do homem com Deus, mas sucede at

    chegar-se prpria negao de Deus. (SALVIFICI DOLORIS, 1984 p. 17). [...] O seu

    sofrimento o de um inocente: deve ser aceito como um mistrio que o homem no

    est em condies de entender totalmente com a sua inteligncia. (SALVIFICI

    DOLORIS, 1984 p. 19).

    As pessoas quando se deparam com o sofrimento sempre se queixam,

    perguntando a Deus o porqu de seu sofrimento, procurando respostas e sentido para

    o sofrimento pelo qual passam. O homem sempre indaga a Deus e a Jesus Cristo

    acerca do sofrimento que lhe assola, no encontrando respostas imediatas. (SALVIFICI

    DOLORIS, 1984 p. 57).

    O homem, por vezes, pergunta-se: como pode um Deus que deseja o bem

    da humanidade permitir que entre as espcies uma alimente-se de outra. (Ap. Orlando

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    FRANCESCHELLI. Dio e Darwin, Natureza e uomo tra evoluzione e creazione.

    Donzelli, Roma 2005, p. 87 apud BOFF, 2009, p. 108). A exemplo do homem que se

    alimenta praticamente de todas as espcies de animais; plantas, sementes e frutos da

    natureza.

    (Frei Clodovis Boff doutor em teologia pela Universidade Catlica de Lovaina.

    Professor de Mariologia no Instituto Marianum Roma, professor de Teologia

    Sistemtica no Bacharelado em Teologia e no Programa de Ps-Graduao em

    Teologia da Puc/Pr).

    No Antigo Testamento, escrito em hebraico, no havia diferena entre as

    palavras Mal e Sofrimento. Somente a partir do Novo Testamento, escrito em grego,

    passou haver diferena entre estas palavras, passando as mesmas a terem um sentido

    diferente (SALVIFICI DOLORIS, 1984 p.12).

    A Sagrada Escritura um grande livro sobre o sofrimento. As palavras

    sofrimento e dor tem sentido semelhante, embora distintas. A dor propriamente dita tem

    sentido fsico, assemelha-se a dor do corpo, enquanto que o sofrimento pode ser

    interpretado como dor da alma; ou sofrimento espiritual. (SALVIFICI DOLORIS, 1984

    p.10, 11).

    2. A natureza humana

    Deus no pode ser culpado pelo sofrimento causado pelo uso indevido da

    liberdade humana, fruto de nossa irresponsabilidade. O pecado no castigo de

    Deus, pois um Deus Pai que ama seus filhos no quer o sofrimento, quer a alegria de

    seus filhos.

    A doena no deve ser compreendida como a mo de Deus, uma

    ocorrncia natural, que deve ser encarada com lucidez, pois a doena e morte fazem

    parte da natureza humana.

    4. O sofrimento humano o resultado normal da fragilidade fsica e moral da

    humanidade e do mundo. O sentido de tal ou tal sofrimento , dessa forma, puramente

    imanente ao acontecimento e s suas causas concretas, em princpio assinalveis.

    Um acidente de carro, por exemplo, no tem outro sentido seno de ser o resultado de

    um estouro em alta velocidade de um pneu gasto. Se o motorista morre, porque o

    homem relativamente frgil e no pode absorver todo e qualquer choque.

    5. A essa primeira causa, que a fragilidade, acrescentam-se infelizmente a maldade, a

    violncia e a injustia do homem.

    6. A condio humana de fragilidade (4) e de vulnerabilidade (5) representa uma

    provocao e um escndalo para o desejo ilimitado do homem: essa ausncia de

    segurana choca com o desejo do homem e o provoca a reaes, ativas ou passivas,

    que s fazem agravar ainda mais o sofrimento e sua falta de sentido.

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    8. Essa condio de fragilidade e de vulnerabilidade, Deus a quer para o homem a fim

    de que, pela escolha, pela f, pela esperana e pela resistncia, seja ela o caminho de

    seu devir, o caminho histrico e nico em que uma multido de desejos humanos

    possam aparecer e se estruturar, como capacidade da glria de Deus multido que

    Deus, no fim desse devir, acolhe e recria na participao em sua plenitude. (Varone,

    2001, pp. 266, 267, 268).

    (Varone, sacerdote catlico e formador de padres e leigos).

    3. A autonomia do homem

    Existem tambm correntes filosficas que acham que o mal no pode ser

    original, pois o homem nasce bom, pervertendo-se no transcorrer da vida; fruto de sua

    autonomia, surgindo o mal por conta de sua educao e cultura: Tudo est bem

    quando sai das mos do Autor das coisas, tudo degenera entre as mos dos homens.

    (Emlio, I. I, Martins Fontes, So Paulo 1995, p. 7, apud BOFF, 2009, p. 157). Contudo,

    sendo Deus autor e criador de tudo que existe ou possa existir, Deus que permite as

    falhas e desastres, visando um bem maior.

    Alguns telogos modernos tentam explicar o mal do mundo como sendo

    fruto de sua autonomia e seu livre arbtrio, sendo o mal fruto de suas atitudes e no

    responsabilidade de Deus. (Ap. Orlando FRANCESCHELLI, Dio e Darvin. Natura e

    uomo tra evoluzione e creaazione. Donzelli, Roma 2005, pp 92-96; apud BOFF, 2009,

    p. 117).

    A autonomia e dependncia da criatura, conforme Gaudium et Spes (n 36)

    expe a relao de sua liberdade e sujeio das criaturas perante o Criador; onde

    Deus diretamente autor de tudo que existe ou pode existir, ocorrendo defeitos e

    sinistros, sendo Deus autor das normas, Ele que permite estas falhas e desastres.

    (BOFF, 2009, p. 118).

    Que ningum, quando tentado, diga; minha tentao vem de Deus. Pois Deus no

    pode ser tentado a fazer o mal e no tenta ningum. Cada um tentado por sua prpria

    concupiscncia que o arrasta e seduz (Tg 1,13-14).

    Deus no pode ser culpado pelo sofrimento causado pelo uso indevido da

    liberdade humana; bem como a doena no pode ser compreendida como a mo de

    Deus, pois trata-se de uma ocorrncia natural, visto que a doena e morte fazem parte

    da natureza humana, que frgil, tanto fisicamente quanto moralmente. Um acidente

    de carro, por exemplo, fruto ou da inabilidade do motorista ou de um defeito

    mecnico do veculo. Somando-se ainda fragilidade humana e sua vulnerabilidade a

    maldade, violncia e injustia do homem.

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    4. Sofrimento e evoluo

    Na obra A Origem das Espcies, Darwin observa o sofrimento que ocorria

    para chegar-se a evoluo das espcies; onde ocorria a guerra da natureza, feita

    tambm de fome e morte, tem, como resultado direto, o fato mais notvel que se pode

    conceber: a produo de animais superiores. (DARWIN, Charles. A origem das

    espcies e a evoluo natural, trad. E. N. Fonseca, Hemus, Curitiba 2002, p. 457 apud

    BOFF, 2009, p. 109).

    Dores e destruies fazem parte da evoluo humana, a dor e a morte

    pertencem ao plano de Deus; para Santo Tomas, Deus permite o mal particular,

    visando o bem universal, pois se Deus quisesse impedir o mal no mundo poderia priv-

    lo de outros bens.

    Diante do exposto, o homem passa a articular algumas respostas para esta

    questo, no encontrando ainda respostas definitivas e satisfatrias para esta questo:

    O sofrimento, como a fome pode contribuir positivamente com o

    desenvolvimento da agricultura e a indstria da alimentao, o frio e o sol geram o

    desenvolvimento da produo de tecidos para nos proteger das intempries, a dor

    fsica ou o sofrimento psicolgico, ou mental, desenvolve o sistema mdico hospitalar

    para aliviar nossa dor e sofrimento. Nossa civilizao vive da esperana de felicidade e

    da busca incansvel contra a dor. (LEPARGNEUR, 1985, p.35, 36).

    (Lepargneur sacerdote e professor de seminrios e da Puc/Sp)

    5. A queda moral do homem

    5.1. O Compndio do Vaticano II; Na Constituio Pastoral Gaudium Et spes (n 13),

    ao se reportar sobre o Mal, ou pecado, apresenta as seguintes explicaes: Constitudo por Deus em estado de justia, o homem, contudo, instigado pelo maligno,

    desde o incio da histria abusou da prpria liberdade. Levantou-se contra Deus

    desejando atingir seu fim fora dele. Apesar de conhecerem a Deus, no o glorificaram

    como Deus. O seu corao insensato se obscureceu e eles serviram criatura ao invs

    do Criador. Por isso o homem est dividido em si mesmo. Por esta razo, toda a vida

    humana, individual e coletiva, apresenta-se como uma luta dramtica entre o bem e o

    mal, entre a luz e as trevas...

    O homem foi constitudo por Deus em estado de justia, porm instigado

    pelo maligno, abusou de sua liberdade, levantando-se contra Deus, desejando igualar-

    se a Deus, serviu criatura, o Diabo, ao invs do Criador, destruindo a harmonia

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    consigo mesmo, com os outros homens e com as outras coisas criadas. Por esta razo

    toda a vida humana passa a lutar entre o bem e o mal; entre a luz e as trevas. O

    homem tentado pelo Diabo, desobedecendo ao mandamento de Deus, cometeu o

    primeiro pecado, recalcitrando a Deus e a sua confiana e bondade.

    5.2. O Catecismo da Igreja Catlica, em diversos pargrafos, refere-se ao pecado ou o

    mal nos seguintes termos:

    397. O homem, tentado pelo Diabo, deixou morrer em seu corao a confiana em seu

    Criador e, abusando da sua liberdade, desobedeceu ao mandamento de Deus. Foi nisto

    que consistiu o primeiro pecado do homem. Todo pecado, da em diante, ser uma

    desobedincia a Deus e uma falta de confiana em sua bondade.

    398. Neste pecado, o homem preferiu-se a si mesmo a Deus, e com isto menosprezou a

    Deus: optou por si mesmo contra Deus, contrariando as exigncias do seu estado de

    criatura e consequentemente de seu prprio bem. Criado em um estado de santidade, o

    homem estava destinado a ser plenamente divinizado por Deus na glria. Pela

    seduo do Diabo, quis ser como Deus, mas sem Deus, e antes de Deus, e no

    segundo Deus.

    401. A partir do primeiro pecado, uma verdadeira invaso do pecado inunda o mundo:

    o fratricdio cometido por Caim contra Abel; a corrupo universal em decorrncia do

    pecado...

    A partir do pecado inicial ocorre uma propagao do pecado; o fratricdio de

    Caim cometido contra Abel, ocorrendo a corrupo universal em decorrncia deste

    pecado; ficando o homem radicalmente pervertido e sua liberdade anulada pelo pecado

    original; herdando cada homem a tendncia para o mal; a concupiscncia que ser

    insupervel. Atravs da inveja do Diabo a morte entrou no mundo, enfraquecendo a

    natureza humana, sendo o homem submetido ao sofrimento, dominao da morte e

    inclinando-se ao pecado, chamado de concupiscncia, passando a dor e a morte fazer

    parte da natureza humana.

    406. A doutrina da Igreja sobre a transmisso do pecado original adquiriu preciso

    sobretudo no sculo V, em especial sob o impulso da reflexo de S. Agostinho contra o

    pelagianismo, e no sculo XVI, em oposio Reforma protestante. Pelgio sustentava

    que o homem podia, pela fora natural da sua vontade livre, sem a ajuda necessria da

    graa de Deus, levar uma vida moralmente boa; limitava assim a influncia da falta de

    Ado a um mau exemplo. Os primeiros Reformadores protestantes, ao contrrio,

    ensinavam que o homem estava radicalmente pervertido e sua liberdade anulada pelo

    pecado original: identificava o pecado herdado por cada homem com a tendncia ao mal

    (concupiscncia), que seria insupervel. A igreja pronunciou-se especialmente sobre o

    sentido do dado revelado no tocante ao pecado original no segundo Conclio de

    Oranges em 529 e no Conclio de Trento em 1546.

    413. Deus no fez a morte, nem tem prazer em destruir os viventes... Foi pela inveja do

    Diabo que a morte entrou no mundo.

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    418. Em consequncia do pecado original, a natureza humana est enfraquecida nas

    suas foras, submetidas ignorncia, ao sofrimento e dominao da morte, e

    inclinada ao pecado (inclinao chamada de concupiscncia).

    O mal fsico, notadamente a dor e a morte, conforme explicaes no livro do

    Gnesis so atribudos a Ado e Eva, que so castigados pela sua desobedincia do

    pecado original. Causando a inimizade entre os animais e o homem, as dores do parto,

    os espinhos e os estrepes, o po que dever ser ganho com o suor do prprio rosto,

    bem como a volta ao p (Gn 3,15-19). (BOFF, 2009, p. 119).

    Estas contradies fazem parte das relaes do homem com Deus e com o

    mundo; dores e destruies fazem parte da evoluo e do desenvolvimento humano.

    No podemos imaginar que antes do pecado de Ado as feras fossem mansas. Santo

    Toms explica que o O pecado do homem no mudou a natureza dos animais, como

    se, antes do pecado original, os lees e os falces vivessem de ervas. (ST I, q. 96,

    a.1, ad 2 apud BOFF, 2009, p. 119), Para Santo Toms, realista que era, da

    natureza do leo nutrir-se de cervos. (ST I, q. 19. A.9, c apud BOFF, 2009, p. 119).

    A luta pela sobrevivncia funciona desde o big bang, e no somente aps o

    pecado de Ado, no sendo Ado culpado pela desarmonia do universo. (BOFF, 2009,

    p. 120).

    Se o mundo evolutivo e conflitual e se assim foi criado por Deus, ento, a

    dor e a morte pertencem ao plano do Criador. Ele as quis como parte de sua criao.

    Elas tm ai uma funo. (BOFF, 2009, p 121).

    Para Santo Toms, Deus permite o mal particular, visando o bem universal,

    pois se Deus quisesse impedir o mal no mundo, poderia priv-lo de outros bens. (ST I,

    q. 22, a. 2, ad 2, afirmando que a Providncia divina se ocupa com as coisas

    singulares, at mesmo as corruptveis apud BOFF, 2009, p. 121).

    O que Deus quer a ordem e no a desordem, a qual sobrevm apenas

    como efeito colateral indesejado, embora inevitvel. Assim acontece com o mdico:

    corta, fere e faz sofrer, mas tudo para salvar o doente. (BOFF, 2009, p. 122).

    6. A doutrina do pecado original

    O pecado original, dogmatizado como verdade de f por trs conclios,

    Cartago no ano de 418, Orange II em 529 e de Trento em 1546, ao tratar da remisso

    pelo batismo, conduz indulgncia para as crianas que nascem com esta mcula

    herdada de Ado. (BOFF, 2009, pp.150, 151).

  • 28 Caderno Teolgico da PUCPR, Curitiba, v.2, n.2, p. 21-37, 2014

    Embora o pecado original no se origine de uma ao e ou ato, mas sim de

    uma situao, priva o ser humano do amor salvfico de Deus. (CIC n 405). (BOFF,

    2009, p.155).

    A doutrina do pecado original to importante que a soteriologia crist perderia em

    grandeza dramtica se dela fosse amputada. Pois s na contraluz daquela doutrina se

    pode entender de modo adequado a relevncia da redeno realizada em Cristo e a

    magnitude do preo de nosso resgate: o sangue do Cordeiro sem mancha (cf. 1Co 6,20;

    7,23; 1Pd 1,18-19; At 20,28) No que Cristo, falando em absoluto, precisasse sofrer o

    que sofreu, mas o drama de sua paixo tem certa proporo - de convenincia, no de

    necessidade com o drama do pecado humano. Da asseverar o Catecismo da Igreja

    Catlica que no se pode atentar contra a revelao do pecado original sem atentar

    contra o ministrio de Cristo (N 389). Vejamos como a redeno ganha relevncia

    quando contrastada com o pecado original. (BOFF, 2009, p.160).

    Sem a percepo do pecado original no se poderia explicar a necessidade

    do perdo do homem, a urgncia da graa, e da redeno de Cristo. No reconhecer o

    pecado original como falta voluntria de Ado, marcada em cada homem seria abdicar

    da graa, negando a nossa salvao por Cristo. Reduzindo Jesus Cristo a um homem

    de grandes predicados, porm sem sua qualidade Redentora e Salvadora.

    Se a culpa de Ado e Eva atinge todo o ser humano que nasce, mais ainda o envolve a

    graa de Cristo e de sua Igreja. E se cada recm-nascido partilha do pecado dos

    primeiros pais, partilha mais ainda da graa salutar de Cristo pela f da sua Igreja.

    (BOFF, 2009, p. 166).

    Porquanto, se a culpa de Ado e Eva alcana toda a humanidade, a graa

    de Cristo supera e ultrapassa toda nossa percepo de pecado.

    Segundo Frei Clodovis, o Pecado herdado: pode ser assim refletido:

    No ensaio anteriormente referido, P. Ricoeur desanca o pecado original como conceito absurdo e com outros qualificativos igualmente pesados. Ao contrrio dele, Santo

    Toms nada v de inconveniens nem contra rationem na doutrina do pecado original.

    Partindo do princpio de que Deus age na histria de maneira sbia, nada fazendo de

    absurdo ou irracional, o Doutor Anglico funda a herana do pecado de Ado em um

    princpio metafisicamente grande: a solidariedade ontolgica e, portanto, tambm moral,

    existente entre todos os homens e que faz de todos como um s homem. Assim, na

    pessoa de Ado estava toda a humanidade, de modo que seu pecado era, alm de

    pessoal, um pecado da natureza. (BOPFF, 2009, pp. 153, 154).

    [...] Sem dvida, a explicao solidarstica do pecado se choca com a moderna

    concepo individualista de culpa. Representa, contudo, uma tentativa teolgica

    coerente e rigorosa para dar teoricamente conta do dogma da culpa original. Os

    modernos, por sua parte, eliminam simplesmente o problema, deixando-o impensado e

    irresolvido. E de pouco vale criticar a verso atual dessa doutrina dada pelo Catecismo

    da Igreja Catlica, acusando-a de historicizante e at de mitificante, e propondo que a

    Igreja se liberte uma vez por todas dessas cadeias. (HRING, Hermann. Da queda ao

  • 29 Caderno Teolgico da PUCPR, Curitiba, v.2, n.2, p. 21-37, 2014

    pecado hereditrio: apontamentos ao Catecismo da Igreja Catlica, in Conciliun, n 304

    (2004) 28-38, apud BOFF, 2009, p. 155) Pois se a igreja mantm ainda aquela

    representao porque a teologia atual no lhe forneceu uma representao

    alternativa, capaz de traduzir, de forma correta, as verdades irrenunciveis a contidas.

    Portanto, e a teologia que est aqui em questo e no a igreja e sua doutrina. (BOFF,

    2009, p. 155)

    Agora, se a teologia, com todos seus esforos, ainda no conseguiu mostrar a

    plausibilidade teolgica do pecado original para o homem de hoje, o que deve fazer

    manter-se na f e, a partir dela, continuar a buscar as razes da f, sempre sedulo, piet

    et sobrie, como recita o Vaticano I (DH 3016), mas no pretenda levantar os cornos de

    uma inteligncia petulante, segundo a advertncia de Santo Anselmo e dos demais

    doutores da Igreja. muita arrogncia querer que to altos mistrios possam caber em

    nossa estreita cachola cerebral. (BOFF, 2009, p. 156).

    7. O Deus Jav ameaador e castigador

    Para Sanford, analista junguiano e padre episcopaliano; o prprio IAHVEH

    o responsvel pelo mal, e os hebreus viam em IAHVEH a origem tanto do bem quanto

    do mal.

    A razo de encontrarmos poucas referncias a Sat no AT est no fato de que a o

    prprio Iahweh o responsvel pelo mal, de modo que a figura de um demnio no

    necessria. H muitos exemplos no AT mostrando que os antigos hebreus viam a

    Iahweh como a origem tanto do bem como do mal. Por exemplo, considere-se Am 3,6:

    Se acontece alguma desgraa na cidade, no foi Iahweh que agiu?" ou Is 45,5-7 Eu

    sou Iahweh e no h nenhum outro..." Eu formo a luz e crio as trevas, asseguro o bem-

    estar e crio a desgraa; sim, eu Iahweh, fao tudo isto; ou Is 54,16; Sabe que fui eu

    quem criou o ferreiro que sopra as brasas no fogo e tira delas o instrumento para seu

    uso; tambm fui eu quem criou o exterminador, com a sua funo de criar runas.

    (SANFORD, 1988, p 39).

    Sendo Iahweh uma totalidade de opostos, tudo provm dele, inclusive o bem e o mal.

    Assim para os antigos hebreus o mal no constitua um problema. Eles acreditavam

    num nico Deus e, se havia o bem e mal no mundo, se o homem sofresse uma tragdia

    ou fosse cumulado de bnos, se sucumbisse a humores destrutivos e paixes ms,

    tudo isso tinha sua origem em Iahweh. Isso at que a conscincia moral hebraica se

    desenvolvesse e eles sentissem um certo incmodo na ideia de um Deus que

    aparentemente enviava tanto o bem quanto o mal sobre a espcie humana...

    Podemos de fato ficar bastante incomodados com a ideia de que Iahweh o

    responsvel pelo bem e pelo mal, mas o que nos apresenta o monotesmo claro e

    persistente. (SANFORD, 1988, pp. 39, 40).

    Como podemos observar, muitos males so atribudos A IAHWEH, contudo

    tal pensamento contraria a Doutrina da Igreja Catlica; opondo-se aos prescritos no

    Catecismo da Igreja Catlica, que prega um Deus bom, misericordioso e cheio de amor

    pela humanidade.

  • 30 Caderno Teolgico da PUCPR, Curitiba, v.2, n.2, p. 21-37, 2014

    Deus, quando permite um mal, visa sempre o bem maior. O pensamento do

    autor um pensamento maniquesta, cuja heresia j foi discutida, e superada pela

    Igreja Catlica.

    Mesmo pensamento tem o sacerdote catlico Lepargneur. Como

    compreender o Jav bblico, ameaador e castigador, que pune os pecadores com a

    imagem do Deus bondoso, piedoso, cheio de misericrdia que hoje recebemos?

    Todos os povos na sua presena so como se no existissem, e ele os considera

    como nada, uma coisa que no existe (Is 40,17). Nossos dias se consomem sob

    vossa ira, nossos anos todos so um sopro (Sl 189). Descarregou sobre eles o fogo

    de sua ira, clera, indignao, calamidade, uma legio de anjos da desgraa; deu livre

    curso sua ira... No preservou suas almas da morte, suas vidas entregou peste...

    (Sl 77). Que Pai proporciona com tamanha insensibilidade tanto ventura quanto

    infortnio a seus filhos como se ambas as situaes tivessem o mesmo juzo? No livro

    de J 2,10 Aceitamos a felicidade da mo de Deus; no devemos tambm aceitar a

    infelicidade? (LEPARGNEUR, 1985, p. 125).

    Por que Deus Pai, no cristianismo, entregou o Verbo encarnado ao suplcio da

    cruz como condio do perdo para a humanidade? (LEPARGNEUR, 1985, p.126).

    Sobre a resposta a estas perguntas nosso conhecimento acerca da questo do

    mal esbarra em causas desconhecidas nossa razo, s cabendo a Deus o seu pleno

    conhecimento. Deus criou o mundo e tudo que nele existe, inclusive o mal; a

    Revelao, contudo, culpa Ado, Eva e a serpente pela origem do mal; mas, como

    Deus tudo criou consequentemente teria Deus criado tambm o mal? (LEPARGEUR,

    1985, pp. 126, 127).

    O pensamento do autor no condiz com a doutrina da Igreja Catlica;

    fazendo uma leitura fundamentalista e maniquesta.

    8. O sofrimento de um inocente

    A histria de J relata um homem justo e sem culpa nenhuma, que

    provado por Deus, com muitos sofrimentos. Perdendo seus bens, seus filhos e por fim

    sua prpria doena. Seus amigos tentam convence-lo de que tanto sofrimento s seria

    possvel em decorrncia de uma falta grave de sua parte. No Antigo Testamento o mal

    interpretado como castigo de Deus pelos pecados cometidos pelos homens. Sendo

    Deus um legislador e juiz; atingindo aqueles homens que semeiam a maldade e a

    iniquidade, colhendo o mesmo fruto que plantaram.

    Nos primeiros captulos do Livro de J observamos que Deus d permisso

    para Satans afligi-lo, porm sem atentar contra sua vida.

  • 31 Caderno Teolgico da PUCPR, Curitiba, v.2, n.2, p. 21-37, 2014

    Satans coloca prova a f e amor de J, alegando que J s fazia o bem

    para receber bem. J submetido provao atravs de terrveis sofrimentos;

    chegando J a blasfemar contra Deus exigindo explicaes para seu sofrimento. Deus

    revela a J as maravilhas de sua criao, J por fim compreende que seria muita

    pretenso de sua parte exigir explicaes; tampando sua boca com mo e calando-se,

    em sinal de humildade.

    J percebe que o problema do sofrimento do justo no deve ser

    compreendido, o sofrimento deve ser aceito sem questionamentos, aceitando que o

    justo tambm sofre, e atravs do sofrimento o inocente pode e deve fazer a experincia

    com Deus; pois, mesmo no sofrimento e morte, podemos descobrir a presena

    misteriosa do Deus da vida.

    9. O mal natural e mal moral

    Existe uma diferena entre o mal fsico, dor corporal ou sofrimento

    emocional, e o mal moral, que o sentimento de culpa. Para Santo Agostinho h dois

    tipos de males: um que o homem faz a outrem, que seria o pecado; e outro do qual o

    homem vitima, que seria a pena; pervertendo a vontade Deus e negando o seu amor,

    resultando na condenao irrevogvel. (BOFF, 2009, p.115).

    9.1. O mal Natural

    O mal fsico toda deformao fsica, principalmente a dor e a morte. As primeiras

    pginas do Genesis ensinam que os males fsicos entraram no mundo por causa do

    pecado de Ado e Eva: so os castigos da desobedincia original: a inimizade entre os

    animais e homem, as dores de parto, a dominao na relao homem-mulher, os

    espinhos e os abrolhos e o po ganho com o suor do rosto, enfim volta ao p. (BOFF

    2009, p. 119).

    9.2. O mal moral

    O mal moral praticado exclusivamente pela liberdade humana. Nele, a

    capacidade tica do ser humano anulada, e o homem acaba fazendo o mal que no

    quer; Com efeito, no fao o bem que quero, mas pratico o mal que no quero. (Rm

    7,19). Eis, pois, a concupiscncia.

    Frei Clodovis cita nosso drama existencial: a concupiscncia:

    [...] o cristianismo fala na tendncia para o mal como fruto do pecado original. Tal tambm chamada de fomes peccati ou de concupiscncia. Voltaire descreveu tal

    tendncia com clareza e simplicidade: bastante cair para fazer o mal; para fazer o

    bem, precisa subir. Tal a experincia humana de cada um e de todos sem exceo.

    So Paulo a exprimiu com dramatismo em Rm 7: Vejo o bem que quero e fao o mal

    que no quero. O poeta pago Ovdio concorda com isso quando recita: Vejo o que h

    de melhor e o aprovo, mas sigo o que h de pior. Eis, pois o que a concupiscncia: o

  • 32 Caderno Teolgico da PUCPR, Curitiba, v.2, n.2, p. 21-37, 2014

    dramtico non posse non peccare. nossa radical incapacidade de amar

    verdadeiramente: a Deus, sobretudo, e ao prximo como a ns mesmos. Com razo,

    pois, a Gaudium et Spes declara que a fraqueza moral diante do mal a experincia

    comum dos seres humanos (13). (Boff, 2009, p.137, 138).

    [...] Mas j os grandes pensadores antigos tinham descrito essa situao de

    precariedade moral do ser humano. Assim, Plato, depois de fazer o relato do anel de

    Giges, no qual se conta que esse personagem aproveitava da invisibilidade que lhe

    confere um anel mgico para cometer toda sorte de abusos, tira a seguinte concluso

    geral: Ningum, de vontade prpria, se comporta segundo a justia. Em seguida, explica

    o quanto fcil praticar a injustia e quantas vantagens humanas isso traz; e, ao

    contrrio, quanto difcil ser justo e quantas complicaes isso comporta. (Plato. A

    Republica, livro II, 360c e seg, apud BOFF, 2009, p. 138, 139).

    Frei clodovis cita ainda a Origem de nosso drama existencial: o pecado

    original: De onde vem, pois, a inclinao perversa que reina no corao do ser humano? De

    onde vem essa anomalia existencial com a qual cada um faz a experincia? Como

    explicar essa mal formao geral de nosso ser mortal? No provm certamente de

    Deus, que sumamente bom e no pode querer nem operar o mal. Non est ex Padre,

    diz So Joo (1 Jo 2,16) e o repete a Gaudium et Spes (n 13). Ser ento de quem, se

    no da criatura?

    Ora, aqui que se pe o dogma do pecado original, sem o qual o mal que habita no

    corao humano e no mundo se torna incompreensvel. Faz-se porm, imediatamente

    luz sobre esses problemas to logo se coloque a verdade de um acidente fatal,

    sucedido no incio de nossa existncia. (BOFF, 2009, p. 140, 141)

    10. O paradoxo do bem e do mal natural

    O mal, para uns, pode ser o bem para outros, depende o ponto de vista de

    quem olha, depende de que margem do rio se est olhando.

    Para mim, a praga que destruiu minhas abboras era um mal, tanto quanto o esquilo

    que foi neutralizado justamente por essa razo. No sei como a praga se sentiu. Mas

    no resta dvida de que, para o esquilo, a destruio dos meus ps-de-tomate era um

    gesto bom. Eu e minhas armadilhas ramos, para ele, o mal. Ou seja, o que para mim

    era ruim, era bom para ele e vice-versa.

    Em se tratando do mal, a primeira coisa com a qual nos defrontamos que, de um

    ponto de vista humano, sua conceituao depende sempre do ngulo onde est o

    observador. Portanto o que tido como bom para algum pode perfeitamente ser mau

    para outro. (SANFORFD, 1988, p. 14)

    A praga que destruiu meus ps-de abbora um exemplo de um mal natural tanto

    quanto os terremotos, as enchentes de propores catastrficas ou at as epidemias.

    Em contraposio, o mal moral advm de possveis motivaes negativas existentes no

    corao mesmo dos seres humanos.

  • 33 Caderno Teolgico da PUCPR, Curitiba, v.2, n.2, p. 21-37, 2014

    No nova a ideia de que o bem e o mal so conceitos relativos. Por exemplo, o antigo

    filsofo chins Chu Hsi cujas reflexes ocorreram h tanto tempo que ningum sabe

    ao certo quando ele viveu ensinava que o bem e o mal no existem em si mesmos; ao

    contrrio, eles so conceitos aplicados s coisas de acordo com os benefcios ou

    prejuzos que trazem para quem as manipula ou para o ser humano em geral. Dizia Chu

    Hsi que sem si mesma, a natureza est alm do bem e do mal, e ignora a nossa

    terminologia egosta (SANFORD, 1988, pp. 15, 16).

    Atravs da dor, do sofrimento, o crente v a mo de Deus ora para castigar, ora para

    provar (ora simplesmente para proporcionar oportunidade de acumular mritos): eis os

    dois grandes e bsicos significados que permitiram a bilhes de seres humanos padecer

    com valentia sofrimentos inadiveis, sofrer com jbilo ou resignao, morrer com doce

    esperana. A maioria dos brasileiros ainda se situa nesta categoria comportamental,

    ainda que as classes abastecidas j tenham passado em massa para o outro lado.

    (LEPARGNEUR, 1985, p. 10, 11)

    [...] mal no ser antes do mais um julgamento de valor para apontar aquilo que me

    contradiz? Que se ope a mim? O mal em si, se existe, algo indefinido, ambguo: pode

    servir para o bem ou para o prejuzo do sujeito humano. (LEPARGNEUR, 1985, p. 35).

    A civilizao humana um enorme sistema para combater males relativos; o

    homem produz bens e servios para vencer estes males relativos: a fome gera o

    sistema da agricultura e a indstria agro alimentcia; a nudez gera a indstria do

    vesturio; a dor gera o sistema mdico hospitalar. (Lepargneur, 1985, p.36).

    11. Um Deus a servio do homem

    As pessoas que encontram no divino uma espcie de troca de favores,

    enquanto est tudo bem com sua vida principalmente a vida material, dizem-se de bem

    com Deus, e at protegidos por Ele. Porm, nas dificuldades financeiras, e ou nas

    penrias de sade, sentem-se atacadas. Destarte, quando se encontram diante de

    doenas graves no conseguem entender o porqu deste sofrimento. Estas pessoas

    tem no divino um Deus a seu servio, acreditam em Deus enquanto lhe convm.

    Um dos maiores sofrimentos possveis para muitos, se relaciona com a

    morte de pessoas da famlia, ou de entes queridos.

    Quem enxerga o porqu da sua existncia terrestre apenas nos gozos, j est em

    vspera de frustrao. Quem confunde os objetos da vida fortuna, prazeres,

    divertimentos com a razo-de-ser da sua existncia autoconhecimento e auto

    realizao um profano, um exotrico, e no pode encontrar conforto na hora do

    sofrimento. (ROHDEN, 1988, p. 58)

  • 34 Caderno Teolgico da PUCPR, Curitiba, v.2, n.2, p. 21-37, 2014

    12. Vida terrena transitria

    Para ns cristos, a vida continua aps a morte fsica, a morte material;

    nossa vida aps a morte transformada em vida eterna.

    Para que a lagarta possa tornar-se borboleta, indispensvel que passe por uma

    espcie de morte, a crislida, ou o casulo. No fim do seu perodo de lagarta, deixa ela

    de comer, retira-se a um lugar solitrio e l se metamorfoseia. No sabemos se ela

    sofre com esta metamorfose. E, se sofresse, tambm aceitaria de boa vontade esse

    sofrimento, porque, indistintamente, a lagarta sabe que o seu verdadeiro estado o de

    borboleta alada... Em vez de rastejar pesadamente pela terra, a borboleta voa

    elegantemente pelos espaos ensolarados... (ROHDEN, 1988, p. 129, 130).

    E o prprio Cristo diz: Se o gro de trigo no cair em terra e morrer, ficar estril: mas

    se morrer, produzir muito fruto. (ROHDEN, 1988, p 130, 131).

    Para alcanarmos o Reino de Deus indispensvel que morramos; s

    alcana a vida eterna quem passa pela morte, esta vida aqui na terra transitria, vida

    em abundncia encontraremos no paraso.

    13. O sofrimento de Jesus

    Jesus homem real, frgil e vulnervel como qualquer outro homem. Vence a

    fobia dos perigos e das ameaas que o cercam. Jesus encara o sofrimento, em virtude

    de fragilidade natural de seu corpo humano, diante dos poderes poltico e econmico e

    vai em frente com a revelao do Reino de Deus; Jesus no procura o sofrimento, mas

    no se desvia de sua misso, mesmo se devesse sofrer em nosso lugar, investindo sua

    vida para nos libertar e nos salvar. (VARONE, 2001, p. 270, 271)

    Jesus sentiu sofrimento, como homem que foi: Meu Pai, se possvel

    passe de mim este clice! Contudo, no se faa como eu quero, mas como tu queres!

    (Mt 26,39); e ainda: Meu Pai, se este clice no pode passar sem que eu o beba, faa-

    se a tua vontade. Jesus se demonstra totalmente obediente ao Pai. (Mt 26,42). Estas

    palavras foram pronunciadas no Getsmani antes de sua crucifixo; e aps

    experimentar imenso sofrimento no Glgota, pronuncia as palavras de dor e sofrimento,

    Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes expressando seu sentimento de dor,

    abandono e sofrimento. (SALVIFICI DOLORIS, 1984, P. 33, 34)

    14. O sentido do sofrimento humano

    O sofrimento humano no reveste para Deus nenhum valor de

    compensao nem de reparao: ele no nem o prazer nem a exigncia jurdica de

    Deus (VARONE, 2001, p. 265). O sofrimento humano no atinge o homem pelo efeito de uma disposio nem de uma

    permisso precisa de Deus, sob forma de provao, de advertncia ou de punio de tal

    pessoa ou de tal grupo.

    Deus no intervm nos acontecimentos. (VARONE, 2001, p.265).

  • 35 Caderno Teolgico da PUCPR, Curitiba, v.2, n.2, p. 21-37, 2014

    A nosso ver, Deus intervm nos acontecimentos, caso contrrio no

    aconteceriam as interferncias providenciais em nossas vidas.

    O Livro de J pe, de modo perspicaz, a pergunta o porqu do sofrimento; e mostra

    tambm que ele atinge o inocente, mas ainda no d a soluo ao problema.

    [...] Mas, para poder perceber a verdadeira resposta ao porqu do sofrimento,

    devemos voltar a nossa ateno para a revelao do amor divino, fonte ltima do

    sentido de tudo aquilo que existe.

    [...] O amor ainda a fonte mais plena para a resposta pergunta acerca do sentido do

    sofrimento. Esta resposta foi dada por Deus ao homem, na cruz de Jesus Cristo.

    (SALVIFI DOLORIS, 1984, pp. 21, 22).

    O homem no deve passar imune ao sofrimento de outrem, pois quando

    fazemos o bem aos nossos irmos mais humildes a Cristo que estamos fazendo. (Mt

    25,40). O bom samaritano parou diante do sofrimento de um desconhecido, tendo

    compaixo por sua dor, demonstrando que o O sofrimento est presente no mundo

    para desencadear o amor, para fazer nascer obras de amor para com o prximo, para

    transformar toda a civilizao humana na civilizao do amor. (SALVIFICI DOLORIS,

    1984, p. 66).

    E todos que sofrem foram chamados, de uma vez para sempre, a tornarem-

    se participantes dos sofrimentos der Cristo. (1Pd 4,13). (SALVIFICI DOLORIS, 1984,

    p. 67)

    Cristo ensinou o homem a fazer o bem com o sofrimento e, ao mesmo

    tempo, fazer o bem a quem sofre. Sob este duplo aspecto, revelou cabalmente o

    sentido do sofrimento. (SALVIFICI DOLORIS, 1984, p. 67).

    15. Privatio Boni

    A Igreja sempre entendeu o mal como privatio boni, privao de um bem

    devido. O mal no existe propriamente como coisa, mas existe apenas como

    ocorrncia. O mal est em uma coisa, nunca uma coisa.

    A doutrina da igreja nunca admitiu que o mal fosse uma substncia ou uma entidade

    concreta, como acreditavam as religies de origem iraniana, a exemplo do mazdeismo,

    do gnosticicismo e do maniquesmo. Ela entendeu sempre o mal como privatio boni:

    Privao de um bem devido (cf. DH 286, 1333). Assim a dor: por certo, real, mas

    como o que no deve ser. uma falta ou deficincia, justamente como o vazio do

    estomago pela fome ou como a ausncia da pessoa amada na saudade. Portanto, o mal

    no existe propriamente como coisa, mas existe apenas como ocorrncia. O mal no

    (est), mas se d (datur). O mal est em uma coisa, nunca uma coisa. O mau existe,

    sim, mas no o mal, que s existe no mau. (BOFF, 2009, p.114, 115)

  • 36 Caderno Teolgico da PUCPR, Curitiba, v.2, n.2, p. 21-37, 2014

    [...] O Homem sofre por causa do mal, que uma certa falta, limitao ou distoro do

    bem. Poder-se-ia dizer que o homem sofre por causa de um bem do qual no participa,

    do qual , num certo sentido, excludo, ou do qual ele prprio se privou. Sofre em

    particular quando deveria ter participao num determinado bem segundo a ordem

    normal das coisas e no a tem. Por conseguinte, no conceito cristo, a realidade do

    sofrimento explica-se por meio do mal que, de certa maneira, est sempre em referncia

    a um bem. (SAVIVI DOLORIS, 1984 pp. 13,14).

    16. A Graa de Deus

    O apostolo Paulo tinha visto e confessado que a abundncia do pecado

    havia provocado a superabundncia da graa (cf. Rm 5,20). [...] homem, inclinado ao

    mal por nascena, encontra em seguida novos estmulos para o pecado, que no se

    vencem seno com esforos diligentes e o auxilio da graa. (Gaudium et Spes 25);

    [...] Inserido nesta batalha, o homem deve lutar sempre para aderir ao bem; no

    consegue alcanar a unidade interior seno com grandes labutas e o auxilio da graa

    de Deus. (Gaudium et Spes 37).

    17. Consideraes finais

    Conforme pesquisas bibliogrficas, constatamos a existncia de opinies

    divergentes acerca do tema. Autores, com a mesma formao, padres e sacerdotes,

    manifestaram opinies diferentes da doutrina da Igreja Catlica em suas obras

    expondo, por vezes, uma opinio maniquesta.

    Para concluir, apoiamo-nos nas ideias do Frei Clodovis Boff e do Catecismo

    da Igreja Catlica.

    Para ele a doutrina da Igreja no admite que o mal seja uma coisa concreta,

    mas sim uma ocorrncia. Deus quando permite um mal, visa sempre o bem maior.

    Opinio coerente e em consonncia com a doutrina da Igreja Catlica.

    Conforme o Catecismo da Igreja Catlica, paragrafo 309: no h uma

    resposta rpida para a questo do mal; cuja resposta encontrasse no conjunto da f

    crist.

    309. Se Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do mundo ordenado e bom, cuida de todas

    as suas criaturas, por que ento o mal existe? Para esta pergunta to premente quo

    inevitvel, to dolorosa quanto misteriosa, no h uma resposta rpida. o conjunto da

    f crist que constitui a resposta a esta pergunta.

    310. [...] Todavia, na sua sabedoria e bondade infinitas, Deus quis livremente criar um

    mundo em estado de caminhada para a sua perfeio ltima [...].

  • 37 Caderno Teolgico da PUCPR, Curitiba, v.2, n.2, p. 21-37, 2014

    311. Os anjos e os homens, criaturas inteligentes e livres, devem caminhar para o seu

    destino ltimo por opo livre e amor preferencial. Podem, no entanto, desviar-se. E, de

    fato, pecaram. Foi assim que o mal moral entrou no mundo, incomensuravelmente mais

    grave do que o mal fsico. Deus no de modo algum, nem direta nem indiretamente, a

    causa do mal moral. Todavia permite-o, respeitando a liberdade da sua criatura e,

    misteriosamente, sabe auferir dele o bem. Pois o Deus todo-poderoso..., por ser

    soberanamente bom, nunca deixaria qualquer mal existir nas suas obras se no fosse

    bastante poderoso e bom para fazer resultar o bem do prprio mal.

    324. A permisso divina do mal fsico e do mal moral um mistrio que Deus ilumina

    pelo seu Filho, Jesus Cristo, morto e ressuscitado para vencer o mal. A f nos d a

    certeza de que Deus no permitiria o mal se do prprio mal no tirasse o bem, por

    caminhos que s conheceremos plenamente na vida eterna.

    Enfim, o sofrimento deve ser aceito como um mistrio que o homem no

    est em condies de entender totalmente com sua inteligncia. As respostas das

    perguntas sobre o mal e o sofrimento humano esto alm do nosso conhecimento e

    so causas desconhecidas da nossa razo, s cabendo a Deus o seu pleno

    conhecimento.

    Referncias

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    Criao e Evoluo Dilogo entre Teologia e Biologia. So Paulo: Ave Maria, 2009.

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    Doloris; 2 edio, So Paulo: Edies Paulinas, 1984.

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    da Silva. Aparecida. Santurio, 2001.

    LEPARGNEUR, Hubert. Antropologia do Sofrimento. Aparecida: Santurio, 1985.

    SANFORD, John A. Mal, o lado sombrio da realidade. Traduo de Silvio Jos Pilon, Joo

    Silvrio Trevisan: reviso de Ivo Stornilolo. So Paulo: Paulus, 1988.

    ROHDEN, Huberto. Porque Sofremos: diretrizes para um sofrimento sereno e calmo. 8

    Ed. Alvorada, 1988.

    COMPNDIO DO VATICANO II, Constituies, decretos, e declaraes, 30 edio,

    Introduo e ndice de Frei Boaventura Kloppenburg, OFM. Coordenao Geral de Frei

    Frederico Vier, OFM. Vozes, 1968.

    CATECISMO DA IGREJA CATLICA, Editora Vozes, Edies Paulinas, Edies Loyola,

    Edies Ave-Maria, 1993.

    Submetido em 17 de setembro de 2014 Aprovado em 20 de outubro de 2014