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PROF. DENISSON MOISÉS :: QUARENTENA 24/03/2020 :: MATERIAL ESPECIAL :: COPE :: PRIMEIRO COLEGIAL Etnocentrismo à Brasileira O que é ser Brasileiro? A busca da identidade nacional ::TEORIA:: 1. Uma pequena PROBLEMATIZAÇÃO: Em meio a um contexto caracterizado pelo enfraquecimento e final da escravidão, e pela realização de um novo projeto político para o país, as teorias raciais se apresentavam enquanto modelo teórico viável na justificação do complicado jogo de interesses que se montava. [senhores X libertos X pequena burguesia X coroa portuguesa X imperialismo europeu ...] Para além dos problemas mais prementes relativos à substituição da mão-de-obra ou mesmo à conservação de uma hierarquia social bastante rígida, parecia ser preciso estabelecer critérios diferenciados de cidadania. É nesse sentido que o tema racial, apesar de suas implicações negativas, se transforma em um novo argumento de sucesso para o estabelecimento das diferenças sociais. Mas a adoção dessas teorias não podia ser tão imediata neste contexto. 2. Questão racial e identidade nacional Entre a segunda metade do século XIX e a primeira do século XX, a temática racial ganhou força nas ciências sociais. Esse tema fora debatido intensamente por intelectuais norte-americanos e europeus. No Brasil, parte dos cientistas sociais da época dedicou-se à discussão, associando-a a questões como o darwinismo social, Entre eles, merecem destaque Manoel Bomfim (1868-1932), Sívio Romero (1851-1914), Joaquim Nabuco (1849-1910), Gilberto Freyre (1900-1987), Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), dentre outros. Em geral, suas obras buscavam definir os entraves que separavam o Brasil, e por vezes a América Latina, do progresso econômico, político e social. Procuravam, sobretudo, entender as origens do atraso, para que medidas efetivas pudessem ser tomadas contra ele. Obs.: Darwinismo social: No século XIX, Charles Darwin apresentou sua teoria acerca da origem da seleção natural das espécies. Rapidamente algumas ideias desenvolvidas para a interpretação e para a análise da natureza foram assimiladas por inúmeros expoentes das ciências humanas, que passaram a aplicar seus princípios na construção de análises sociais. As sociedades então descritas eram interpretadas com base em analogias com o mundo orgânico. Os grupos sociais divididos em raças ou etnias passaram a ser vistos como organismos em conflito, e a “seleção natural” nas sociedades humanas corresponderia à permanência dos mais aptos. Convém ressaltar, no entanto, que essas concepções correspondiam mais ao pensamento do filósofo inglês H. Spencer do que ao de Charles Darwin. No recente livro Darwin’s Sacred Cause (2009), Adrian Desmond e James Moore procuram ressaltar a convicção de Darwin em torno de uma ascendência comum dos homens, bem como seu ódio à escravidão e sua objeção a teorias racistas que classificassem africanos ou aborígines como seres inferiores. 3) A “grande nódoa”

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PROF. DENISSON MOISÉS :: QUARENTENA 24/03/2020 :: MATERIAL ESPECIAL :: COPE :: PRIMEIRO COLEGIAL

Etnocentrismo à Brasileira

O que é ser Brasileiro? A busca da identidade nacional

::TEORIA:: 1. Uma pequena PROBLEMATIZAÇÃO:

Em meio a um contexto caracterizado pelo enfraquecimento e final da escravidão, e pela realização de um novo projeto político para o país, as teorias raciais se apresentavam enquanto modelo teórico viável na justificação do complicado jogo de interesses que se montava. [senhores X libertos X pequena burguesia X coroa portuguesa X imperialismo europeu ...]

Para além dos problemas mais prementes relativos à substituição da mão-de-obra ou mesmo à conservação de uma hierarquia social bastante rígida, parecia ser preciso estabelecer critérios diferenciados de cidadania. É nesse sentido que o tema racial, apesar de suas implicações negativas, se transforma em um novo argumento de sucesso para o estabelecimento das diferenças sociais. Mas a adoção dessas teorias não podia ser tão imediata neste contexto.

2. Questão racial e identidade nacional

Entre a segunda metade do século XIX e a primeira do século XX, a temática racial ganhou força nas ciências sociais. Esse tema fora debatido intensamente por intelectuais norte-americanos e europeus. No Brasil, parte dos cientistas sociais da época dedicou-se à discussão, associando-a a questões como o darwinismo social, Entre eles, merecem destaque Manoel Bomfim (1868-1932), Sívio Romero (1851-1914), Joaquim Nabuco (1849-1910), Gilberto Freyre (1900-1987), Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), dentre outros.

Em geral, suas obras buscavam definir os entraves que separavam o Brasil, e por vezes a América Latina, do progresso econômico, político e social. Procuravam, sobretudo, entender as origens do atraso, para que medidas efetivas pudessem ser tomadas contra ele. Obs.: Darwinismo social: No século XIX, Charles Darwin apresentou sua teoria acerca da origem da seleção natural das espécies. Rapidamente algumas ideias desenvolvidas para a interpretação e para a análise da natureza foram assimiladas por inúmeros expoentes das ciências humanas, que passaram a aplicar seus princípios na construção de análises sociais. As sociedades então descritas eram interpretadas com base em analogias com o mundo orgânico. Os grupos sociais divididos em raças ou etnias passaram a ser vistos como organismos em conflito, e a “seleção natural” nas sociedades humanas corresponderia à permanência dos mais aptos. Convém ressaltar, no entanto, que essas concepções correspondiam mais ao pensamento do filósofo inglês H. Spencer do que ao de Charles Darwin. No recente livro Darwin’s Sacred Cause (2009), Adrian Desmond e James Moore procuram ressaltar a convicção de Darwin em torno de uma ascendência comum dos homens, bem como seu ódio à escravidão e sua objeção a teorias racistas que classificassem africanos ou aborígines como seres inferiores. 3) A “grande nódoa”

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Autores como Joaquim Nabuco associaram o atraso à escravidão e à miscigenação racial. Segundo as teorias expressas em seu livro O abolicionismo (1883), publicado inicialmente na Inglaterra, a escravidão seria a “grande nódoa” do país. Eliminar essa característica seria a condição essencial à construção de uma sociedade democrática e capitalista.

Para o autor, que escreveu num período em que a cultura era considerada um desdobramento da dimensão racial, portanto algo de ordem biológica mais do que histórica, a escravidão atrasava o progresso material da nação ao retardar o desenvolvimento da indústria, do comércio, da imigração européia e também ao desvalorizar qualquer tipo de trabalho manual. Além de arruinar o país economicamente, conduziria o espírito humano ao servilismo e incitaria o ódio entre as classes, apesar de produzir uma ilusória ordem social.

Os efeitos danosos da escravidão poderiam ser sentidos nas esferas econômica, política, social e cultural. Na visão de Nabuco, talvez o efeito mais funesto dessa instituição tenha sido a influência sobre nacionalidade. A escravidão não teria possibilitado o “aperfeiçoamento das raças” esperado por ele, com o predomínio do sangue europeu. A utilização do trabalho cativo africano conduziria à formação de uma nação composta, em sua maior parte, por descendentes de escravos.

“Foi essa a primeira vingança das vítimas. Cada ventre escravo dava ao seu senhor três ou quatro crias que ele reduzia a dinheiro; essas por sua vez multiplicavam-se, e, assim, os vícios do sangue africano acabavam por entrar na circulação geral do país. [...] Das três principais correntes de sangue que se confundiram nas nossas veias — o português, o africano e o indígena a escravidão viciou sobretudo os dois primeiros.”

Nabuco, Joaquim. O obolicionismo. Rio de Janeiro: Nova Frontreira; São Paulo: Publifolha, 2000. p. 98 3.1. A africanização do Brasil Para Joaquim Nabuco, a mistura entre negros, brancos e indígenas teria sido responsável pelo caos étnico que se instaurou após o encontro e as combinações possíveis entre as três principais “correntes sanguíneas”. A predominância de mestiços segundo o autor, expressaria a africanização da população brasileira, com o abastardamento da raça superior pela inferior. Os mestiços apresentariam todas as deficiências da raça negra, desde o “desenvolvimento mental atrasado” até a predominância de “instintos tidos como bárbaros”. Quanto às características presumidamente “superiores” dos europeus, elas iriam paulatinamente desaparecendo em conseqüência da mistura racial.

Os sintomas indesejáveis da escravidão poderiam ser observados não apenas na população, mas também no território. Onde vigorou a escravidão apareceram ruínas, esgotamento do solo e dos recursos minerais, devastação das florestas — em resumo, um ambiente de miséria e destruição. 3.2. Riqueza efêmera

Para o autor, os latifúndios impediram o desenvolvimento urbano. Os senhores estenderam seu domínio sobre os escravos e a população local com o intuito de garantir o maior lucro com o menor trabalho e tempo possíveis. A exploração, sem preocupação ou projeto para o futuro, teria disseminado a miséria e a sujeição entre os brasileiros.

No campo da política, os efeitos da adoção do trabalho escravo foram também bastante negativos, ainda segundo o autor. O escravismo dera origem a uma estrutura social que gerou privilégios, os quais eram desfrutados apenas por uma pequena parcela da população. A maioria vivia excluída da esfera pública.

As demais camadas sociais, como as dos comerciantes, operários e lavradores, não teriam encontrado ambiente favorável para se desenvolver. No entanto, ocorreu uma ampla expansão da classe dos empregados públicos, muito provavelmente como resultado do caráter transitório da riqueza produzida pela exploração escravista.

Segundo Nabuco, o “funcionalismo é [...] o asilo dos descendentes das antigas famílias ricas e fidalgas, que desbarataram as fortunas realizadas pela escravidão” (NABUCO, Joaquim. Obra criada p. 128). Por fim, a escravidão teria impedido a formação de uma opinião pública nacional capaz de conduzir transformações políticas mais amplas. Obs.: Paisagem do Rio de Janeiro imperial

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Mal o conde Gobineau colocou os pés no cais da Baía da Guanabara, declarou guerra aos da terra. Não hesitou muito em classificar o país como um império de malandros. O calor, as baratas, os insetos de todos os tamanhos, os ratos audazes que cruzavam as casas por todos os lados, as cobras que passeavam pelos jardins, sapos grandes como cachorros, e até vôos rasantes de morcegos fizeram com que ele imaginasse se encontrar num anexo do inferno. E, olhando aquilo tudo, indiferente, com um cigarro enfiado na orelha e um palito no canto da boca, eis o carioca, um contumaz vadio incapaz de qualquer iniciativa. 3.3. O branqueamento por meio da imigração européia

Ao apropriarem-se do pensamento evolucionista desenvolvido pelo inglês H. Spencer, Joaquim Nabuco, Manoel Bonfim, Sílvio Romero e outros propagaram a ideia de que miscigenação entre indígenas europeus e africanos teria contribuído para o desenvolvimento de uma sub-raça mestiça: a brasileira.

Para Sílvio Romero, apesar de indesejáveis, os resultados da miscigenação poderiam ser revertidos por meio da introdução da mão de obra branca européia. Os imigrantes conduziriam paulatinamente ao “branqueamento” das raças inferiores. Efeito semelhante poderia também ser obtido com a imposição da cultura, das normas e dos valores europeus, que auxiliariam o processo de “branqueamento” cultural.

Porém, para o autor, o encontro dos brancos com os negros teria sido parcialmente positivo, pois garantiu aos primeiros a conquista de resistência e de adaptabilidade ao clima tropical, necessária para os que deixavam a Europa a fim de viver na América. Romero teria, nessa fase, procurado atenuar os aspectos da hereditariedade, ressaltando os fatores ligados à adaptação.

Tal postura foi seguida por inúmeros pensadores brasileiros, não apenas das ciências sociais, mas também por cientistas da biologia, da medicina e de áreas afins, Ela teria atenuado parcialmente o grau dos argumentos e discursos racistas na esfera pública. Muito provavelmente, o foco na adaptabilidade e não na hereditariedade contribuiu para o desenvolvimento peculiar da tese da “democracia racial”, segundo a qual brancos, negros e mestiços conviveriam em relativa harmonia no Brasil, sem preconceitos ou discriminações. Obs.: Mestiçagem X Branqueamento: MESTIÇAGEM: * Explicação para o atraso [Inviabilidade da Nação] * Fundamento da nossa moral e política rasteira * Nula formação de Valores * Deterioramento, degradação das Raças [os defeitos generalizavam] * Distante de melhorar o negro e o indígena, contribuía para piorar o branco BRANQUEAMENTO: * Uma saída para a constituição da NAÇÃO. * Imigração Européia [final da Escravidão]. * Um novo projeto político para o país [assegurar uma hierarquia bastante rígida]. 3.4. Portas Abertas

A ideologia do branqueamento racial ganhou força sobretudo na última metade do século XIX, quando o tráfico de escravos africanos para o Brasil foi proibido com a promulgação da Lei Eusébio de Queirós. Desde sua supressão, cresceu o número de famílias européias que tinham como destino o país. A imigração foi favorecida ainda pelo processo de industrialização na Europa, que afetou diretamente a organização do trabalho e a disponibilidade de empregos nesse continente.

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Novos povos juntaram-se à população brasileira, até então predominantemente composta por portugueses, africanos e seus descendentes, indígenas e mestiços. Nessa fase chegaram espanhóis, russos, alemães, poloneses e outros, porém os que vieram em maior número foram os italianos.

Milhares deles estabeleceram-se no país entre o final do século XIX — período posterior à unificação italiana — e 1934, ano da publicação da lei de imigração brasileira. A maioria foi empregada nas lavouras cafeeiras do interior paulista. Todavia, as famílias com maiores posses tornaram-se proprietárias de terras ou comerciantes, atividades bastante promissoras para os que deixaram a Europa, então assolada pela depressão de 1873-1896. 4) A visão de Gilberto Freyre

Apesar das críticas à mestiçagem na formação do povo brasileiro, outros autores que

participaram desse debate teórico desenvolveram abordagens diferenciadas acerca da miscigenação. Foi o caso de Gilberto Freyre e das análises apresentadas por ele em Casa-Grande & Senzala, lançado em 1933.

Ao examinar a formação da sociedade patriarcal brasileira, Freyre realizou um minucioso estudo das relações que se estabeleceram entre portugueses, indígenas e negros. Ele demonstrou que, contrariamente às concepções de justaposição cultural predominantes na época, que apontavam para uma imposição e para uma assimilação dos traços culturais europeus pelos negros e indígenas, o que vigorou de fato foi um intenso processo de fusão cultural. A combinação íntima desses três grupos teria resultado, assim, na formação do povo brasileiro. 4.1. Os primeiros mestiços

No processo de miscigenação, nem portugueses nem negros nem indígenas permaneceram

“puros” ou tal qual eram antes do encontro. A fusão entre eles teria resultado do rumo que tomara o processo de colonização das terras portuguesas na América.

Na exploração da colônia, a experiência adquirida pelo português como produtor de cana e fabricante de açúcar no sul da Europa, em Cabo Verde e Madeira teve grande importância. Rapidamente, ele identificou no litoral nordestino as condições ideais para o desenvolvimento da empresa açucareira. Mas, para isso, era preciso ocupar efetivamente o território, e Portugal tinha uma população pequena demais para obter sucesso na empreitada.

Inicialmente, a Coroa portuguesa enviou poucos homens ao Brasil e um número ainda menor de mulheres, que acompanhavam suas famílias. No entanto, se faltavam européias, sobravam indígenas. Assim, os portugueses envolveram-se sexualmente com as nativas. Desses envolvimentos surgiram os primeiros mestiços. Muitas dessas indígenas tornaram-se esposas legitimas dos colonos, por incentivo dos padres jesuítas, que oficializavam a união como forma de cristianizá-las e doutriná-las. Poucas décadas depois do início da colonização, era bastante difícil afirmar com precisão quem era branco e quem era indígena na América portuguesa. Obs.: Um pequeno trecho de Casa-Grande & Senzala:

“Quanto à miscibilidade, nenhum povo colonizador, dos modernos, excedeu ou sequer igualou nesse ponto aos portugueses. Foi misturando-se gostosamente com mulheres de cor logo ao primeiro contato e multiplicando-se em filhos mestiços [...]. A miscibilidade, mais do que a mobilidade, foi o processo pelo qual os portugueses compensaram-se da deficiência em massa ou volume humano para a colonização em larga escala e sobre áreas extensíssimas. [...].

À mulher gentia temos que considerá-la não só a base física da família brasileira, aquela em que se apoiou, robustecendo-se e multiplicando-se, a energia de reduzido número de povoadores europeus, mas valioso elemento de cultura, pelo menos material, na formação da sociedade brasileira. Por seu intermédio enriqueceu-se a vida no Brasil,[...J de uma série de alimentos ainda hoje em uso, de drogas e remédios caseiros,[...] de um conjunto de utensílios de cozinha, de processos de higiene tropical —

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inclusive o banho freqüente ou pelo menos diário, que tanto deve ter escandalizado o europeu porcalhão do século XVI.”

FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala Rio de Janeiro: José Olympio, 1980 p. 9. 4.2. A casa-grande como espaço das trocas culturais

A expansão da lavoura canavieira acentuou o problema referente à oferta de mão de obra, Para

resolvê-lo, os portugueses iniciaram a importação de escravos da África. O processo de miscigenação repetiu-se, envolvendo dessa vez negros, portugueses e indígenas. Para Gilberto Freyre, a compreensão da formação da cultura brasileira dependeria do estudo das complexas relações que se estabeleceram entre esses três grandes grupos étnicos.

Segundo ele, em nenhum momento a proximidade contribuiu para um comportamento menos violento do dominador em relação aos dominados. Seriam inúmeros os relatos de negras que foram castigadas por despertar a cobiça dos seus senhores.

“Quanto à maior crueldade das senhoras que dos senhores no tratamento dos escravos é fato geralmente observado nas sociedades escravocratas. Confirmam-no os nossos cronistas. [...] Não são dois nem três, porém muitos casos de crueldade de senhoras de engenho contra escravos inermes. Sinhás-moça que mandavam arrancar os olhos de mucamas bonitas e trazê-los à presença do marido, à hora da sobremesa, dentro da compoteira de doce e boiando em sangue ainda fresco. Baronesas [...] que espatifavam a salto de botinha dentaduras de escravas; ou mandavam-lhe cortar os peitos, arrancar as unhas, queimar cara ou orelhas.” FREYRE, Gilberto. Obra citada, p. 337.

Assim, o autor deixou claro que o convívio forçado entre senhores e cativos foi marcado por sofrimento e violência, tanto física como simbólica. 4.3. Cultura Mestiça

No espaço correspondente à casa-grande formou-se um circulo de indivíduos que eram

tratados com certos privilégios, conferidos, sobretudo, às negras de melhor aparência. Em geral, elas desempenhavam o papel de acompanhantes das senhoras.

As senhoras organizavam o cotidiano em torno das conversas com suas criadas. Esses diálogos foram responsáveis pelos intercâmbios de crenças, costumes, normas, valores e tradições entre as diferentes culturas. A fusão de modos de ser, pensar e agir foi responsável pelo desenvolvimento de uma cultura mestiça, diferente da africana e da portuguesa, que se tornou o ponto inicial do desenvolvimento original da cultura brasileira.

Quanto às indígenas, elas participavam menos das atividades cotidianas da casa- -grande, talvez porque fossem mais introvertidas se comparadas com as africanas, que apresentavam um caráter mais receptivo e eram mais expansivas. 4.4. O legado dos indígenas e dos negros à cultura Brasileira

O exame das relações entre portugueses, nativos e africanos evidencia o intenso processo de

trocas culturais entre os três grupos. O indígena, especialmente num primeiro momento, exerceu ampla influência nessas trocas.

Plantas medicinais, animais comestíveis, armas e utensílios domésticos — tudo isso foi legado ao colonizador juntamente com palavras que povoam o vocabulário nacional, com crenças, magias, modos de pensar e de agir. Com relação aos negros africanos, Gilberto Freyre salientou que eles foram peças importantes no processo de europeização dos caboclos do interior. Onde os negros se fixavam, como escravos fugidos ou libertos, disseminavam as tradições africanas, difundindo ao mesmo tempo os traços culturais herdados do contato com o português. Tornaram-se desse modo importantes veículos de propagação cultural. Segundo Freyre, os laços dos grupos africanos com o continente de origem jamais foram rompidos. Eles procuraram manter as tradições na manipulação e no preparo dos alimentos, em suas

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danças, crenças, músicas e línguas, em seus cultos e ritos religiosos, que sobreviveram na clandestinidade. 4.5. Fatores do êxito Português

Quanto aos portugueses — observa Freyre —, eles tiveram êxito na colonização americana por causa das suas qualidades peculiares. O longo contato que tiveram com os mouros e a indefinição entre a Europa e a África favoreceram a maior miscibilidade no contato que estabeleceram com negros e indígenas. A capacidade de fundir-se com ambos garantiu o triunfo lusitano nos trópicos.

Europeus do Norte acostumados às regiões frias jamais teriam resistido por muito, tempo às condições impostas pela natureza no início do processo de colonização.

Os portugueses adaptaram-se à natureza hostil, implementaram a lucrativa empresa açucareira, resolveram em parte o problema da mão de obra ao se fundirem com as indígenas e com as africanas. Foram os primeiros nos trópicos a transferir a base da colonização da simples exploração de recursos naturais para a geração de riqueza.

“A singular predisposição do português para a colonização híbrida e escravocrata dos trópicos, explica-a em grande parte o seu passado étnico, ou antes, cultural, de povo indefinido entre a Europa e a África. Nem intransigente de uma nem de outra, mas das duas. A influência africana fervendo sobre a européia e dando um acre requeime à vida sexual, à alimentação, à religião; o sangue mouro ou negro correndo por uma grande população brancarana quando não predominando ainda hoje em regiões de gente escura; o ar da África, um ar quente, oleoso. amolecendo nas instituições e nas formas de cultura as durezas germânicas; corrompendo a rigidez moral e doutrinária da Igreja medieval [...]. A Europa reinando mas sem governar; governando antes a África.” FREYRE, Gilberto. Obra citada, p. 5. 5) A cor do Brasil e o “fenômeno” que se diz branco

Qual é a cor da pele dos brasileiros? Muitos afirmam que somos morenos ou de todas as cores, e que a grande marca do brasileiro é a miscigenação, ou seja, a mistura das “raças”. Para muitos, isso comprova que não existe racismo no Brasil e sim uma profunda desigualdade social.

Mas vejamos uma estatística que, definitivamente, mostra que a base mais pobre da nação brasileira não atinge a todas as cores, mas essencialmente os afrodescendentes:

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Aqui se desmistifica aquela noção de que não existe um problema étnico-racial no Brasil, mas

sim um problema social, já que supostamente, a pobreza atingiria a todos, brancos e afrodescendentes. E mais, como se percebe, a pobreza e a indigência diminuíram em sete anos, porém diminuiu mais para os brancos do que para os afrodescendentes, além disso, os números demonstram que pobreza e indigência têm cor e etnia, pois, não são 10%, 1/3 ou 50%, mas 65% de afrodescendentes excluídos da riqueza nacional. Para um estudo demográfico, sociológico e científico, esse número é significativo.

Entretanto, uma discussão necessária se faz cada dia mais presente: se não há mais como admitir, de forma quase natural, a existência de uma democracia racial ou harmonia entre as etnias, ainda há questionamentos quanto à classificação que os indivíduos realizam para se identificarem enquanto membros ou não de uma etnia.

Um estudioso afro-brasileiro afirma que a situação do negro é aquela de “refém”, de um sonho de embranquecimento, de um desejo de fazer aquele passing em direção à cultura branca. E que também há um verdadeiro processo de dissimulação étnica quando se discute a questão do negro no Brasil.

O sociólogo Florestan Fernandes afirmava na década de 1970 que o brasileiro tem “preconceito de ter preconceitos”, ou seja, fruto da ideologia do embranquecimento e da democracia racial, muitos indivíduos ainda não conseguem admitir historicamente a construção realizada pelo racismo à identidade nacional e étnica.

Um exemplo disso foi uma pesquisa do IBGE, realizada no censo de 1980, a respeito das cores do brasileiro. Com uma pergunta aberta, foram declaradas 135 cores, dentre elas:

Nesse caldeirão multicolorido, fica quase impossível construir análises mais precisas acerca da desigualdade étnica brasileira, ou qualquer outra análise mais precisa. Por conta disso, o IBGE, a partir da década de 90, institui somente cinco classificações no que diz respeito a cor/etnia do brasileiro: branca, preta, parda, amarela e indígena. Essa classificação é adotada até hoje em diversos estudos demográficos e sociológicos. 6) Lilia Schwarcz: Quase pretos, quase brancos

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6.1) De que forma a raça foi usada como forma de criar uma identidade nacional? Esse é um processo lento, porque sabemos que nações são construções, projetos feitos de memórias. Como dizia Walter Benjamin, “a memória é um passado feito de agora, repleto de agora”. A memória é feita de algumas lembranças e de muitos esquecimentos. Um processo de formação de uma memória nacional é um processo de esquecimento, de seleções e de reelaborações. Até de uma literatura, como a de 1922, que mostrou que criamos um Estado, mas não uma nação. A identidade, ela é uma construção contrastiva e o material, o fermento da identidade, era a ideia da diferença. Então era preciso fermentar essa noção da diferença. Esse bolo vai sendo cozinhado durante o século XIX e a gestão de Pedro II é fundamental para entender esse modelo de Brasil que vai se construindo. Pedro II não era grande adepto dos modelos racialistas, mas não se pode dizer que não fosse influenciado pela época, pois, lembrando Sílvio Romero, nesse momento, assumir as diferenças era não ter preconceito. Daí a seleção do indígena como o ícone da nacionalidade, embora o indígena romantizado. Essas teorias raciais entrariam em fins do século XIX na Faculdade de Direito, na Faculdade de Medicina, nos círculos militares. Mas foi no começo do século XX que esse debate em torno da raça fica mais evidenciado. O interessante é que, para a confirmação da identidade, a raça teve que ser positivada: assim como no Império você positiva o indígena, no século XX, positiva-se a mestiçagem. A mestiçagem de nosso profundo veneno se transforma na grande virtude: é o momento em que você tem a oficialização da capoeira, a descriminalização do candomblé, o futebol se transforma numa prática negra, Nossa Senhora Aparecida se transforma numa santa mestiça, ícone nacional. Nos anos 1930 a raça vira de fato um elemento da nacionalidade, mas como “a boa raça”, “a boa mistura”, e uma mistura racial se transforma cada vez mais numa mistura cultural. 6.2) Como se pode reunir preocupação com raça e racismo? Na verdade, não há uma solução de continuidade. Pode parecer, pela etimologia, raça e racismo, que há, mas não obrigatoriamente. Estávamos à beira de uma política de apartheid social, de políticas raciais evidentes. Estávamos para implementar uma política oficial de racialização, o que não aconteceu. Já o ideário modernista transformou o tema da raça num tema da humanidade. A primeira definição de Macunaíma é um homem sem raça; daí para o homem sem nenhum caráter é jogar a questão para o bojo da cultura. O ideário modernista transformou raça, cultura em etnia e desfalcou o tema para pensar de alguma forma em modelos de assimilação. A ideia modernista de Macunaíma, daquilo que você deglute, do que você devolve, é um pouco essa ideia de que você devolve o homem ao caldeirão de cultura. É claro que essa noção, de alguma maneira, via o conflito, mas fazia o oposto. A vantagem da literatura à Nina Rodrigues é que em nenhum momento ela camufla o conflito, antes expõe diferença. O problema de Rodrigues não era o diagnóstico, mas o remédio que ele implementava. 6.3) E sua ideia da “ilha de democracia racial, cercada de racismo”, o brasileiro que só vê o racista no outro? Arthur Ramos teria sido o primeiro a falar de democracia racial, mas Freyre levou a fama. Mas é preciosismo saber quem foi o primeiro, pois o tema estava na agenda nacional. Tanto que encontrou lastro na discussão nacional, via Estado Novo, e ganhou resultados fora do Brasil. Não se pode esquecer o impacto que essa ideia teve no exterior, como no caso da pesquisa da Unesco que chamou o Brasil de caso exemplar, uma grande democracia racial. A ideia do mito é forte e ganha diferentes conotações. Quando falamos em mito, não é no sentido da mentira. Hoje se pensa menos no que o mito esconde e mais no que o mito revela. Quando se pensa na análise estrutural do mito, eles trabalham em espiral, falam entre si e o tempo todo de elementos que estão aqui na nossa realidade social. Então, eu penso que é preciso levar a sério o mito, porque ele já foi desmontado muitas vezes e continua presente. O que significa levar a sério o mito? Não é dizer “temos democracia racial”. Não, não temos. Praticamos uma política perversa de exclusão e de discriminação. Então, não há a tal democracia social ou racial, mas também não acho que devemos apostar em modelos de fora, análises que dicotomizam a realidade entre negros e brancos. Talvez essa seja a afirmação mais infeliz da ministra, aparada em modelos que não são os praticados neste país. A mestiçagem é uma realidade, mas o problema não é a constatação da mestiçagem, mas a qualificação positiva sempre da mestiçagem. Mestiçagem não é sinônimo de igualdade. Mestiçagem não é obrigatoriamente sinônimo de ausência de discriminação. É esse vácuo que me incomoda.

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6.4) O que acontece quando se junta a questão racial à de gênero? Já é uma discriminação duplicada. Não é a dupla jornada de trabalho, mas é a dupla jornada de preconceito, porque se existe um leque de representações negativas com relação ao malandro, ao mestiço, quando se refere à mulher, isso aumenta. A mulata é palco para a ideia de que não é só a preguiça, mas os atos sexualmente condenáveis; há a influência da prostituição, a traição, a mulata que é matreira. 6.5) Enfim, como antropóloga, qual é a sua visão do futuro do conceito de raça e do “ser brasileiro”? Nós acionamos várias brasilidades dependendo do lugar, do momento e da situação, porque é um conceito baseado, sobretudo contrastivo. A identidade se constrói pela imposição que ela apresenta, pela posição que ela ilumina. Escrevi um artigo para um jornal de Portugal sobre um jogo de futebol, em Paraisópolis, que se chama “Preto contra Branco: é um jogo de futebol, no final do ano”. Nele as pessoas mudam de posição: num ano jogam pelo Preto, noutro pelo Branco. Daí, você nota como, primeiro, a identidade é uma questão circunstancial e raça, uma situação, no senso comum, “passageira”. As pessoas “embranquecem”, “empretecem”. O que é uma prova de como raça, não como um conceito biológico, mas raça como uma construção social, continua a ser acionada no nosso imaginário. O que eu posso dizer, sem medo de errar, é que as raças sempre deram o que pensar no Brasil, porque, enfim, elas sempre acionaram, em momentos estratégicos, que a identidade, também pensada como uma construção, é transformada num elemento conformador de políticas públicas e de políticas de Estado.

Estudo Complementar: ** O POVO BRASIEIRO (12 capítulos) – DARCY RIBEIRO https://www.youtube.com/watch?v=3wNOuXwvSvk&list=PLDgdV_wdIiGoq6YgDNEjnisqBhHcoBAFh&ab_channel=Mar%C3%ADaLauraLongo ** Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Starling conversam sobre os conceitos que fundamentam o livro "Brasil: uma biografia" e desenvolvem os termos que são populares para todos os brasileiros. Entendendo "Brasil: uma biografia" - Capítulo 01: República https://www.youtube.com/watch?v=OZiukk3Z9c0&list=PLZfXeVfyL9eV6Ac5yRdKDgAShh-I5Zlh-&ab_channel=CompanhiadasLetras ** Racismo Estrutural – Silvio de Almeida https://www.youtube.com/watch?v=0TpS2PJLprM&ab_channel=LiliSchwarcz PALESTRA DEMÉTRIO MAGNOLI – MITO DA “RAÇA” no programa Café Filosófico CPFL gravada no dia 25 de novembro, em São Paulo. http://www.cpflcultura.com.br/2011/05/10/o-mito-da-raca-em-busca-da-pureza-demetrio-magnoli-2/

No começo, raça era apenas nação: um grupo humano que percorre a sua própria trajetória no firmamento do tempo. O mito contemporâneo da raça configurou-se há apenas dois séculos, com o “racismo científico”. O seu paradigma é a busca da pureza, sob pretexto de estar buscando a célula primeira: ele opera pela separação dos corpos e das descendências. Incorporado ao mundo da política, serviu para a perpetuação de privilégios e hoje, fantasiado de multiculturalismo, é ferramenta para a delimitação de clientelas eleitorais.

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::RESUMO:: A) A FÁBULA NEGATIVA Final do século XIX (1870 – 1930) Pensamento racial preconceituoso A hibridação das raças significava neste contexto “um tumulto” * Explicar as razões do atraso brasileiro * A inviabilidade do Brasil se constituir enquanto NAÇÃO. * BRANQUEAMENTO. A.1 Principais Representantes: Silvio Romero

* Crítico Literário Batista Lacerda

* Diretor do museu nacional do Rio de Janeiro * I Congresso Internacional das Raças (julho 1911) - Tese Apresentada era clara e direta: “o Brasil mestiço de ontem tem no branqueamento em um século sua perspectiva, saída e solução” Conde de Arthur de Gobineau

* Cônsul da França (amigo e intelectual do nosso imperador, D. Pedro II) * “Trata-se de uma população totalmente mulata, viciada, no sangue e no espírito e assustadoramente feia”. Obs.: As elites intelectuais [misto de cientistas e políticos, pesquisadores e literatos, acadêmicos e missionários] locais não só consumiram esse tipo de literatura, como a adotaram de forma original. B) A FÁBULA POSITIVA

Ao examinar a formação da sociedade patriarcal brasileira, Freyre realizou um minucioso estudo das relações que se estabeleceram entre portugueses, indígenas e negros. Ele demonstrou que, contrariamente às concepções de justaposição cultural predominantes na época, que apontavam para uma imposição e para uma assimilação dos traços culturais europeus pelos negros e indígenas, o que vigorou de fato foi um intenso processo de fusão cultural. A combinação íntima desses três grupos teria resultado, assim, na formação do povo brasileiro. B) O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL

O sociólogo Florestan Fernandes afirmava na década de 1970 que o brasileiro tem “preconceito de ter preconceitos”, ou seja, fruto da ideologia do embranquecimento e da democracia racial, muitos indivíduos ainda não conseguem admitir historicamente a construção realizada pelo racismo à identidade nacional e étnica.

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::EXERCÍCIOS::

1. Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592) compara, nos trechos, as guerras das sociedades Tupinambá com as chamadas guerras de religião. dos franceses que, na segunda metade do século XVI, opunham católicos e protestantes. “(...) não vejo nada de bárbaro ou selvagem no que dizem daqueles povos; e, na verdade, cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra. (....) Não me parece excessivo julgar bárbaros tais atos de crueldade [o canibalismo] , mas que o fato de condenar tais defeitos não nos leve à cegueira acerca dos nossos. Estimo que é mais bárbaro comer um homem vivo do que o comer depois de morto; e é pior esquartejar um homem entre suplícios e tormentos e o queimar aos poucos, ou entregá-lo a cães e porcos, a pretexto de devoção e fé, como não somente o lemos mas vimos ocorrer entre vizinhos nossos conterrâneos; e isso em verdade é bem mais grave do que assar e comer um homem previamente executado. (....) Podemos portanto qualificar esses povos como bárbaros em dando apenas ouvidos à inteligência, mas nunca se compararmos a nós mesmos, que os excedemos em toda sorte de barbaridades..” MONTAIGNE, Michel Eyquem de, Ensaios, São Paulo: Nova Cultural, 1984. De acordo com o texto, pode-se afirmar que, para Montaigne, a) a idéia de relativismo cultural baseia-se na hipótese da origem única do gênero humano e da sua religião. b) a diferença de costumes não constitui um critério válido para julgar as diferentes sociedades. c) os indígenas são mais bárbaros do que os europeus, pois não conhecem a virtude cristã da piedade. d) a barbárie é um comportamento social que pressupõe a ausência de uma cultura civilizada e racional. e) a ingenuidade dos indígenas equivale à racionalidade dos europeus, o que explica que os seus costumes são similares.

2. A formação cultural do Brasil tem como eixo central a miscigenação. Autores, como por exemplo Gilberto Freire, destacaram que a mistura de raças/etnias européias, africanas e indígenas configuraram nossos hábitos, valores, hierarquias, estilos de vida, manifestações artísticas, enfim, a maioria das dimensões da nossa vida social, política, econômica e cultural. Entretanto, outros pensadores consideravam-na um aspecto negativo em nossa formação e tentaram ressaltar as origens européias de algumas regiões, como o intelectual paranaense Wilson Martins afirmou: Assim é o Paraná. Território que, do ponto de vista sociológico, acrescentou ao Brasil uma nova dimensão, a de uma civilização original construída com pedaços de todas as outras. Sem escravidão, sem negro, sem português e sem índio, dir-se-ia que a sua definição não é brasileira. Inimigo dos gestos espetaculares e das expansões temperamentais, despojado de adornos, sua história é a de uma construção modesta e sólida e tão profundamente brasileira que pôde, sem alardes, impor o predomínio de uma idéia nacional a tantas culturas antagônicas. E que pôde, sobretudo, numa experiência magnífica, harmonizá-las entre si, num exemplo de fraternidade humana a que não ascendeu a própria Europa, de onde elas provieram. Assim é o Paraná. (MARTINS, W. Um Brasil diferente: ensaio sobre fenômenos de aculturação no Paraná. 2. ed. São Paulo: T. A Queiroz, 1989. p. 446.)

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O preconceito em relação às origens africanas e indígenas criou uma ambigüidade no processo de auto afirmação dos indivíduos em relação às suas origens. Assinale a alternativa em que a árvore genealógica relatada por um indivíduo evidencia esse sentimento de ambigüidade em relação à formação social brasileira.

a) Meu avô paterno, filho de italianos, casou-se com uma filha de índios do interior de Minas Gerais; meu avô materno, filho de português casado com uma negra, casou-se com uma filha de portugueses. Apesar de saber que sou fruto de uma mistura, dependendo do lugar em que estou, destaco uma dessas descendências: na maioria das vezes, digo que descendo de portugueses e/ou de italianos; raramente digo que descendo de negros e índios, quando o faço é porque terei alguma vantagem. b) Meu avô paterno, filho de negros, casou-se com uma filha de índios do Paraná; meu avô materno, filho de português casado com uma espanhola, casou-se com uma filha de italianos. Sempre destaco que sou brasileiro acima de tudo, pois descendo de negros, índios e europeus. Essa afirmação ajuda-me a obter vantagens em diferentes lugares, pois a identidade brasileira tem sido assumida com clareza pelo estado e pelo povo ao longo da história. c) Meus avós maternos são filhos de italianos e os avós paternos são filhos de imigrantes alemães. Eu casei com uma negra, mas meus filhos serão, predominantemente, brancos. Tenho orgulho dessa descendência que é predominante nas diferentes regiões do Brasil. Costumo destacar que o Brasil é diferente, é branco e negro e eu descendo de famílias italianas e alemãs, assim como meu filho. Esse traço cultural revela a grandeza do país e a firmeza de nossa identidade cultural. d) Meu avô paterno, filho de índios do Paraná, casou-se com uma filha de índios do Rio Grande Sul; meu avô materno, filho de negros, casou-se com uma filha de negros. Gosto de afirmar que sou brasileiro, pois índios, portugueses e negros formam nossa identidade nacional. e) Meu avô paterno, filho de poloneses, casou-se com uma filha de índios do Paraná; meu avô materno, filho de ucranianos, casou-se com uma filha de poloneses. Como sou paranaense, costumo destacar que o Paraná tem miscigenação semelhante as das outras regiões do Brasil: aqui temos índios, europeus e negros.

3.

Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) foi implantado, no exame vestibular, o sistema de cotas raciais, que desencadeou uma série de discussões sobre a validade de tal medida, bem como sobre a existência ou não do racismo no Brasil, tema que permanece como uma das grandes questões das Ciências Sociais no país. Roger Bastide e Florestan Fernandes, escrevendo sobre a escravidão, revelam traços essenciais do racismo à brasileira, observando que: “Negro equivalia a indivíduo privado de autonomia e liberdade; escravo correspondia (em particular do século XVIII em diante) a indivíduo de cor. Daí a dupla proibição, que pesava sobre o negro e o mulato: o acesso a papéis sociais que pressupunham regalias e direitos lhes era simultaneamente vedado pela ‘condição social’ e pela ‘cor’.”

(BASTIDE, R.; FERNANDES, F. Brancos e negros em São Paulo. 2.ed. São Paulo: Nacional, 1959. p. 113- 114.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a questão racial no Brasil, é correto afirmar: a) O racismo é produto de ações sociais isoladas desconectadas dos conflitos ocorridos entre os grupos étnicos. b) A escravatura amena e a democracia nas relações étnicas levaram à elaboração de um ‘racismo brando’. c) As oportunidades sociais estão abertas a todos que se esforçam e independem da ‘cor’ do indivíduo. d) Nas relações sociais a ‘cor’ da pessoa é tomada como símbolo da posição social. e) O comportamento racista vai deixando de existir, paulatinamente, a partir da abolição dos escravos.

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4. Durante o século XX, os estudos de antropologia sobre diferentes sociedades contribuíram significativamente para desvendar algumas questões que há muito são enfrentadas pelas ciências. Dentre esses estudos, destacam-se as explicações sobre a articulação entre universalidade humana e a diversidade cultural. Esses estudos contribuíram para

a) comprovar que fatores de ordem biológica, bem como cronológica, determinam os

comportamentos sociais, por exemplo, as variações de sexo e idade. b) legitimar abordagens evolucionistas, bem como explicações que naturalizam a vida social, de modo

a sustentar o caráter universal do ser humano. c) refutar abordagens evolucionistas, bem como explicações que naturalizam a vida social, de modo a

explicitar a lógica interna de cada cultura e suas variações. d) legitimar os métodos de observação que aplicam o mesmo modelo conceitual de uma sociedade

para outra, pois a lógica da organização humana é universal.

5. Muitos estudos contemporâneos das Ciências Sociais estão se dedicando à reflexão acerca da questão identitária. Esse interesse, especialmente quando articulado ao construtivismo social e ao pós-estruturalismo, revela a introdução de novos elementos teóricos para a análise do sujeito. Com base nas afirmações acima, assinale a alternativa correta.

a) Entende-se o sujeito a partir de múltiplas identificações, sendo estas sociais e culturais, instáveis, fragmentadas, descentradas, contingentes e contraditórias. Esses fatores contribuem para o aprofundamento da autonomia individual.

b) Entende-se o sujeito com base em uma identidade estável, centrada, unificada e coerente. Esses fatores contribuem para o melhor funcionamento da sociedade e produzem uma organização social saudável.

c) Entende-se o sujeito como destituído de individualidade, uma vez que este se encontra em um sistema social no qual a adaptação às normas tradicionais é a regra, associada a formas totalitárias de engenharia social.

d) Entende-se o sujeito com base em uma identidade livre e autônoma, destituído das formas de controle exercido pelas estruturas sociais, e que age racionalmente sem encontrar limites impostos pelos constrangimentos sociais.

6.. Leia o texto a seguir: “Não é a religião enquanto conservação e permanência que deve interessar à sociologia, mas sim a religião em mudança, a religião como possibilidade de ruptura e inovação, a mudança religiosa e, portanto, a mudança cultural.”

(PIERUCCI, Antonio F.; PRANDI, Reginaldo. A realidade social das religiões no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1996, p. 9).

Com base no texto, podemos afirmar que I. A religião é um fenômeno social muito mais abrangente do que as pessoas supõem. II. A religião contém elementos de conservação e transformação. III. O fenômeno religioso é dinâmico e complexo. IV. A religião, em sentido sociológico, não importando qual seja ela e nem quantas sejam elas, está estreitamente relacionada à própria experiência da sociedade.

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Assinale a alternativa que contém todas as afirmativas corretas. a) I e II. b) I, II e III. c) III e IV. d) I, II, III e IV. e) I e IV. 7. Comer com as mãos era um hábito comum na Europa, no século XVI. A técnica empregada pelo índio no Brasil e por um português de Portugal era, aliás, a mesma: apanhavam o alimento com três dedos da mão direita (polegar, indicador e médio) e atiravam-no para dentro da boca. Um viajante europeu de nome Freireyss, de passagem pelo Rio de Janeiro, já no século XIX, conta como .nas casas das roças despejam-se simplesmente alguns pratos de farinha sobre a mesa ou num balainho, donde cada um se serve com os dedos, arremessando, com um movimento rápido, a farinha na boca, sem que a mínima parcela caia para fora.. Outros viajantes oitocentistas, como John Luccock, Carl Seidler, Tollenare e Maria Graham descrevem esse hábito em todo o Brasil e entre todas as classes sociais. Mas para Saint-Hilaire, os brasileiros.lançam a [farinha de mandioca] à boca com uma destreza adquirida, na origem, dos indígenas, e que ao europeu muito custa imitar.. Aluísio de Azevedo, em seu romance Girândola de amores (1882), descreve com realismo os hábitos de uma senhora abastada que só saboreava a moqueca de peixe. sem talher, à mão.. Dentre as palavras listadas abaixo, assinale a que traduz o elemento comum às descrições das práticas alimentares dos brasileiros feitas pelos diferentes autores do século XIX citados no texto. A) Regionalismo (caráter da literatura que se baseia em costumes e tradições regionais). B) Intolerância (não-admissão de opiniões diversas das suas em questões sociais, políticas ou religiosas). C) Exotismo (caráter ou qualidade daquilo que não é indígena; estrangeiro; excêntrico, extravagante). D) Racismo (doutrina que sustenta a superioridade de certas raças sobre outras). E) Sincretismo (fusão de elementos culturais diversos, ou de culturas distintas ou de diferentes sistemas sociais). 8. “A escassez de mulheres brancas criou zonas de confraternização entre vencedores e vencidos, entre senhores e escravos. Sem deixarem de ser relações - as dos brancos com as mulheres de cor - de “superiores” com “inferiores” e, no maior número de casos, de senhores desabusados e sádicos com escravas passivas, adoçaram-se, entretanto, com a necessidade experimentada por muitos colonos de constituírem família dentro dessas circunstâncias e sobre essa base. A miscigenação que largamente se praticou aqui corrigiu a distancia social que doutro modo se teria conservado ‘ enorme entre a casa-grande e a mata tropical; entre a casa grande e a senzala.”

(Casa Grande & senzala. p11) Em Casa Grande & Senzala, primeira obra da trilogia em que Gilberto Freyre analisa a formação da família patriarcal brasileira é possível afirmar:

I. o elogio da colonização portuguesa no Brasil. II. a defesa da idéia de que a interação entre os grupos étnicos teria ocorrido em permanente

tensão, a despeito das relações de poder. III. a presença da influência culturalista de uma perspectiva que valoriza traços e práticas culturais

dos diferentes grupos que constituem o povo brasileiro. IV. a noção de que a origem do “atraso” da sociedade brasileira seria a mestiçagem.

Estão corretas apenas as afirmativas:

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a) I e II. b) I e III. c) I e IV. d) I, III e IV. e) Todas estão corretas 9. A questão étnica no Brasil tem provocado diferentes atitudes:

I. Instituiu-se o “Dia Nacional da Consciência Negra” em 20 de novembro, ao invés da tradicional celebração do 13 de maio. Essa nova data é o aniversário da morte de Zumbi, que hoje simboliza a crítica à segregação e à exclusão social. II. Um turista estrangeiro que veio ao Brasil, no carnaval, afirmou que nunca viu tanta convivência harmoniosa entre as diversas etnias. Também sobre essa questão, estudiosos fazem diferentes reflexões: Entre nós [brasileiros], (...) a separação imposta pelo sistema de produção foi a mais fluida possível. Permitiu constante mobilidade de classe para classe e até de uma raça para outra. Esse amor, acima de preconceitos de raça e de convenções de classe, do branco pela cabocla, pela cunhã, pela índia (...) agiu poderosamente na formação do Brasil, adoçando-o.

(Gilberto Freyre. O mundo que o português criou.) [Porém] o fato é que ainda hoje a miscigenação não faz parte de um processo de integração das “raças” em condições de igualdade social. O resultado foi que (...) ainda são pouco numerosos os segmentos da “população de cor” que conseguiram se integrar, efetivamente, na sociedade competitiva.

(Florestan Fernandes. O negro no mundo dos brancos.) Considerando as atitudes expostas acima e os pontos de vista dos estudiosos, é correto aproximar

A) a posição de Gilberto Freyre e a de Florestan Fernandes igualmente às duas atitudes. B) a posição de Gilberto Freyre à atitude I e a de Florestan Fernandes à atitude II. C) a posição de Florestan Fernandes à atitude I e a de Gilberto Freyre à atitude II. D) somente a posição de Gilberto Freyre a ambas as atitudes. E) somente a posição de Florestan Fernandes a ambas as atitudes.

10. "A idéia de que os brasileiros são preguiçosos, não é, de modo algum, estranha à cultura do país. O herói nacional sem caráter, Macunaíma, retratado pelo modernista Mário de Andrade, vivia a falar de sua própria preguiça. São também parte desse patrimônio simbólico a idéia de indolência indígena e a crença na inferioridade da mestiçagem e nos efeitos negativos do clima tropical sobre o trabalho. Nada disso, no entanto, supera a imagem positiva que os portugueses guardam dos brasileiros, associada à alegria, à cordialidade, à espontaneidade, à amizade, à sociabilidade..."

FOLHA DE SÃO PAULO, Caderno Especial Brasil 500, Quinta-feira 22 de abril de 1999, p. 4 Considerando o texto acima e assinale (V) para as afirmativas verdadeiras e (F) para as falsas. 1 ( ) as maneiras de ser, pensar e sentir não são as mesmas para todas as pessoas. 2 ( ) existe uma única maneira de construir a imagem do povo brasileiro. 3 ( ) podemos pensar hoje em uma cultura brasileira composta de elementos de todas as origens (indígena, africana e européia). 4 ( ) a imagem do brasileiro cordial reflete sua incapacidade para explorar as potencialidades do país.

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Leia o texto, observe a charge a seguir e responda as questões 11 a 15. “Fins do século XVI, inícios do século XVII: tempo em que a escravidão africana crescia expressivamente na agromanufatura do açúcar, substituindo o cativeiro indígena. As insurreições de escravos não tardariam a se alastrar pelo litoral da América portuguesa, sobretudo no Nordeste. O medo que colonos, jesuítas e autoridades régias havia muito sentiam dos índios seria, então, cada vez mais acrescido pelo pavor das rebeliões negras, pânico de longuíssima duração que, longe de se restringir ao período colonial, atingiria seu auge no século XIX.”

(VAINFAS, Ronaldo. Deus contra palmares: representações senhoriais e idéias jesuíticas. In: REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos (orgs.). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil.São Paulo:

Companhia das Letras, 1996. p. 63.)

Fonte: HENFIL. Hiroshima meu humor. São Paulo: Geração Editorial, 2002. p. 87. 11.

Com base na leitura do texto de Vainfas e na abordagem temática das diferenças étnicas pela charge de Henfil, é correto afirmar: a) As recentes mudanças na estrutura econômica contribuíram para a rápida ascensão social da população negra na sociedade brasileira. b) A fala da charge evidencia a diferença existente entre o início da colonização e os dias atuais, nos quais o temor da violência social foi superado com o fim da exclusão racial no Brasil. c) O receio da resistência das etnias subjugadas apresentado no texto é atualizado na charge, sobretudo quando o personagem afirma a posição social reservada ao negro brasileiro.

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d) Há uma nítida contradição entre a abordagem do problema racial no Brasil pelo texto e a fala do personagem criado pelo cartunista. e) A substituição da agromanufatura do açúcar na economia e a presença do Estado na República conferiram mobilidade social ao indígena brasileiro. 12. Com base na charge e nos conhecimentos sobre racismo, é correto afirmar: a) A ausência de conflitos raciais no Brasil se deve à democracia racial, existente no país desde o período colonial. b) O racismo é um fenômeno circunscrito aos países desenvolvidos com população majoritariamente branca. c) Em geral, preconceito racial e pobreza estão associados e se manifestam ao longo da história. d) O Brasil é um país que se caracteriza pela igualdade social e econômica entre diferentes raças. e) A sociedade norte-americana se caracteriza pela convivência racial harmoniosa. 13.

Ainda sobre as diferenças no meio social, analise a letra da canção a seguir. Eu não sou cristão, eu não sou ateu / Não sou japa, não sou chicano, não sou europeu / Eu não sou negão, eu não sou judeu / Não sou do samba nem sou do rock / Minha tribo sou eu / Eu não sou playboy, eu não sou plebeu / Não sou hippie hype skinhead nazi fariseu / A terra se move, falou Galileu / Não sou maluco, nem sou careta / Minha tribo sou eu / Ai ai ai ai, ié ié ié ié / Pobre de quem não é cacique, nem nunca vai ser pajé.

(Canção “Minha tribo sou eu”, de Zeca Baleiro, do álbum PetShopMundoCão.) A letra estabelece associações que apresentam uma leitura do mundo contemporâneo. Sobre o tema, é correto afirmar: a) A diversidade religiosa, mencionada rapidamente pelo compositor, reforça a irrelevância da opção religiosa para a compreensão das diferenças no mundo atual. b) A opção relacionada ao comportamento da contracultura hippie é a base para o surgimento da xenofobia skinhead na atualidade. c) A associação entre playboys e plebeus remete à diferenciação social que discrimina metaforicamente quem “não é cacique, nem nunca vai ser pajé”. d) A origem e a nacionalidade determinam a visão de mundo concebida por “japas”, “chicanos” ou “europeus”. e) A escolha de um gênero musical, como o rock ou o samba, é determinada pela classe social ocupada pelo ouvinte contemporâneo. 14.

A diversidade tematizada pela letra da canção evidencia: a) Uma ilusão, pois as manifestações culturais são invariáveis no tempo e no espaço. b) Determinações genéticas, pois a manifestação cultural de um povo está diretamente ligada à hereditariedade. c) Uma abstração, pois todos os povos compartilham de uma concepção de mundo universal. d) A legitimidade da existência de uma hierarquia cultural, expressa na divisão entre culturas superiores e inferiores. e) O caráter controverso da vinculação entre identidade cultural e condições sociais em que vive uma população.

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15.

A tensão entre a busca obstinada da unidade e o assombro diante do espetáculo da diversidade não escapou à implantação de colônias no além-mar quatrocentista. Sobre o tema da alteridade, no contexto da conquista da América, é correto afirmar: a) Os conquistadores forneceram uma imagem plena e coerente do índio, o que possibilitou a aceitação das diferenças. b) Para os observadores, a exemplo de Pero Vaz de Caminha, o Outro existia enquanto tal, com singularidades a serem respeitadas. c) A epopéia da Conquista favoreceu o conhecimento e a aceitação do Outro, em detrimento do ser europeu. d) A máxima de Montaigne “Os outros não me incomodam, porque não os levo em conta” evidencia o respeito que os europeus tinham pelo Outro. e) O pensamento europeu admitia o Outro, na medida em que o reduzisse à imagem de si mesmo, mediante uma relação de assimilação. 16. “A ‘genialidade’ do racismo brasileiro reside exatamente nisso. Aqui se produziu a forma mais sofisticada de racismo que existe no mundo. Porque nosso ordenamento jurídico assegurou uma igualdade formal que dá a todos uma suposta igualdade de direitos e oportunidades, e liberou a sociedade para discriminar impunemente”. (Marina Amaral em entrevista à Revista Caros Amigos, nº.35 pg.25) A partir do fragmento analise:

I. O racismo brasileiro se diferencia dos demais por ser envergonhado, dissimulado e escondido. Por um lado isso torna o racismo uma manifestação mais discreta, por outro impede que o reconheça e o combata.

II. Ao tipo específico de racismo no Brasil se dá o nome de Mito da democracia racial. Justamente porque se assenta na falsa idéia de um paraíso étnico imune aos conflitos raciais e incapaz de segregar quem quer que seja.

III. A igualdade jurídica brasileira somada a uma Constituição que reconhece o crime de racismo como inafiançável, garante a ausência de racismo em território nacional.

Estão corretas apenas as afirmativas: a) I. b) II. c) III. d) IV. e) I e II. 17. Leia o texto a seguir: “O coronel, antes de ser um líder político, é um líder econômico, não necessariamente, como se diz sempre, o fazendeiro que manda nos seus agregados, empregados ou dependentes. O vínculo não obedece a linhas tão simples, que se traduziriam no mero prolongamento do poder privado na ordem pública. Segundo esse esquema, o homem rico – o rico por excelência, na sociedade agrária, o fazendeiro, dono da terra – exerce poder político, num mecanismo em que o governo será o reflexo do patrimônio pessoal.”

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(FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. Vol. 2, SP: Globo, 2000, p. 242). Com base no texto de Faoro analise as alternativas: I. Relaciona-se ao coronelismo, fenômeno típico da República Velha, que se manifesta na troca de proveitos entre o chefe político local e o governo estadual. II. Relaciona-se ao patrimonialismo, que se amplia nos municípios com o uso indevido do poder público para fins particulares. Nesse caso, não há distinção entre o que é público e o que é privado. III. Relaciona-se ao mandonismo, característica da política tradicional, que se refere à existência de estruturas oligárquicas e personalizadas de poder. IV. Relaciona-se ao clientelismo, fenômeno que perpassa toda a história política do Brasil, que indica um tipo de relação entre atores políticos e sociais envolvendo a concessão de benefícios públicos em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto. Estão corretas apenas as afirmativas: a) I e II. b) I e III. c) I e IV. d) I, III e IV. e) Todas estão corretas 18. “A falta de coesão em nossa vida social não representa, assim, um fenômeno moderno. E é por isso que erram profundamente aqueles que imaginam na volta à tradição, a certa tradição, a única defesa possível contra nossa desordem. Os mandamentos e as ordenações que elaboraram esses eruditos são, em verdade, criações engenhosas de espírito, destacadas do mundo e contrárias a ele. Nossa anarquia, nossa incapacidade de organização sólida não representam, a seu ver, mais do que uma ausência da única ordem que lhes parece necessária e eficaz. Se a considerarmos bem, a hierarquia que exaltam é que precisa de tal anarquia para se justificar e ganhar prestígio”. (HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 33.) Caio Prado Junior, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda são intelectuais da chamada “Geração de 30”, primeiro momento da sociologia no Brasil como atividade autônoma, voltada para o conhecimento sistemático e metódico da sociedade. Sobre as preocupações características dessa geração, considere as afirmativas a seguir. I. Critica o processo de modernização e defende a preservação das raízes rurais como o caminho mais desejável para a ordem e o progresso da sociedade brasileira. II. Promove a desmistificação da retórica liberal vigente e a denúncia da visão hierárquica e autoritária das elites brasileiras. III. Exalta a produção intelectual erudita e escolástica dos bacharéis como instrumento de transformação social. IV. Faz a defesa do cientificismo como instrumento de compreensão e explicação da sociedade brasileira. Estão corretas apenas as afirmativas: a) I e III. b) I e IV. c) II e IV. d) I, II e III. e) II, III e IV. 19.

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Roger Bastide e Florestan Fernandes, escrevendo sobre a escravidão, revelam traços essenciais do racismo à brasileira, observando que: “Negro equivalia a indivíduo privado de autonomia e liberdade; escravo correspondia (em particular do século XVIII em diante) a indivíduo de cor. Daí a dupla proibição, que pesava sobre o negro e o mulato: o acesso a papéis sociais que pressupunham regalias e direitos lhes era simultaneamente vedado pela ‘condição social’ e pela ‘cor’.”

(BASTIDE, R.; FERNANDES, F. Brancos e negros em São Paulo. 2.ed. São Paulo: Nacional, 1959. p. 113- 114.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a questão racial no Brasil, explique porque nas relações sociais a ‘cor’ da pessoa é tomada como símbolo da posição social. 20. Leia o trecho: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. 1- O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”. (Constituição Federal de 1988 na Seção II – Da Cultura, Art. 215.) Explique como a concepção relativista de cultura se aplica no artigo 215 da Constituição Federal. 21. Sobre a diversidade étnica na cultura brasileira tanto no futebol quanto no carnaval poderia ser pensado como símbolos de nacionalidade que ultrapassa as barreiras existentes entre diferentes grupos sociais, tornando possível a um indivíduo como Pelé, ou mesmo, Neguinho da Beija-Flor, condensar o que seria o estilo brasileiro? Justifique sua resposta com base nas teorias de Gilberto Freyre. 22. Explique o significado da expressão "identidade nacional". 23. Em Casa Grande & Senzala, primeira obra da trilogia em que Gilberto Freyre analisa a formação da família patriarcal brasileira segundo a ideia de que a noção de que a origem do “atraso” da sociedade brasileira seria a mestiçagem?

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GABARITO:

1. B 2. A 3. D 4. C 5. A 6. D 7. E 8. B 9. C 10. V,F,V,F 11. C 12. C 13. C 14. E 15. E 16. E 17. E 18. C 19. A raça pode ser entendida como um conjunto de relações sociais que permitem classificar os indivíduos e os grupos de acordo com algumas características físicas, biológicas ou psicológicas socialmente relevantes. Assim, as distinções raciais representam mais do que formas de descrever as diferenças humanas — são também fatores importantes na reprodução de padrões de poder e de desigualdade dentro da sociedade tomada até como símbolo da posição social. 20. O relativismo cultural é o princípio que afirma que todos os sistemas culturais são intrinsecamente iguais em valor, e que os aspectos característicos de cada um têm de ser avaliados e explicados dentro do contexto do sistema em que aparecem, como aparece explícito no artigo 215 da Constituição Federal, o Estado garantirá a manifestação cultural de todos os grupos participantes do processo civilzatório nacional. 21. Segundo o autor G.Feyre o Brasil é reconhecidamente uma nação multi-étnica, que consolidou em sua formação a curiosa mistura de elementos europeus, índios e africanos. Nesse sentido, o Brasil não se esquiva de festejar datas comemorativas de santos católicos, com uma pitada de estética afro-religiosa, assim como não deixa de festejar o carnaval na forma de competição cabocla, celebrando a cultura indígena, sendo o futebol um desses símbolos.

22. A identidade cultural é um conjunto vivo de relações sociais e patrimônios simbólicos historicamente compartilhados que estabelece a comunhão de determinados valores entre os membros de uma sociedade. Sendo um conceito de trânsito intenso e tamanha complexidade, podemos compreender a constituição de uma identidade em manifestações que podem envolver

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um amplo número de situações que vão desde a fala até a participação em certos eventos, entretanto, a canção evidencia que há uma ausência de identificação entre os problemas e as condições sociais de um indivíduo perante um determinado grupo.

23. De acordo com G. Feyre, esta grande diversidade étnica que constituiu o País, longe de ser um problema, resultou em uma riqueza cultural que se expressa por intermédio das artes - da música principalmente -, da culinária, das crenças, do próprio modo de ser dos brasileiros etc..