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CAPA TEORIA CRITICA
tera-feira, 26 de maio de 2015 11:25:09
Jundia / 2014
TEORIA CRTICA ESOCIEDADE DO ESPETCULO
Cludio Novaes Pinto Coelho
LIVRO TEORIA CRITICA E SOCIEDADE DO ESPETCULO.pmd 18/05/2015, 09:331
Editor responsvel: Mrcio Martelli
Projeto Grfico: Lucas Pezzato
Edio e reviso de texto: Amanda Lemos e Karolina Bergamo
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
ndices para catlogo sistemtico:1. Comunicao: Meios de Comunicao 302.23
Teoria Crtica e Sociedade do Espetculo / Cludio Novaes PintoCoelho. -- Jundia, SP : Editora In House, 2014.
ISBN 978-85-7899-277-4
1. Mdia Social - Debates 2. Comunicao de Massa - Impactos3. Comunicao de Massa - Influncia 4. Poder (Cincias Sociais)I. Coelho, Cludio Novaes Pinto II. Ttulo
CDD 20.ed.-302.23
Este trabalho foi licenciado com uma Licena CreativeCommons 3.0 Brasil. Voc pode copiar, distribuir,
transmitir ou remixar este livro, ou parte dele, desde que cite a fonte edistribua seu remix sob esta mesma licena.
O texto aqui reproduzido uma obra de autoriae responsabilidade de seus autores e no representa,necessariamente, a opinio da Editora.
Jundia, SP, novembro de 2014.
www.editorainhouse.com.br | [email protected] nossa pgina no Facebook: Editora In HouseFones: (11) 4607-8747 / 99903-7599
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Editora In House
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SUMRIO
ApresentaoCludio Novaes Pinto Coelho ............................................... 5
Prefcio1968-2008: o Veja Way of LifeMaria Ribeiro do Valle ........................................................ 13
Captulo 1 .............................................................................. 35
Captulo 2 .............................................................................. 53
Captulo 3 .............................................................................. 71
Captulo 4 .............................................................................. 89
Captulo 5 ............................................................................ 107
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5Cludio Novaes Pinto Coelho
APRESENTAONeste livro, o leitor poder acompanhar uma reflexo a
respeito da capacidade de a Teoria Crtica compreender a co-municao na sociedade contempornea. Refletir sobre a Teo-ria Crtica pensar a respeito do seu vnculo com o mtododialtico. De acordo com a perspectiva dialtica, o conheci-mento da realidade social depende de uma investigao capazde entender quais so os principais elementos que definem ascaractersticas gerais da vida social.
O mtodo dialtico afirma a necessidade de se compre-ender as articulaes entre as diferentes dimenses em tornodas quais a sociedade se estrutura: economia, poltica, culturae ideologia. Como no existe vida social sem a presena dacomunicao, compreend-la compreender como, em mo-mentos histricos especficos, os processos comunicacionais semanifestam no interior das diferentes dimenses sociais, e quepapeis desempenham na articulao entre elas.
Para o mtodo dialtico no existe separao entre su-jeito e objeto, e o conhecimento sempre totalizante: o objetofaz parte de um contexto mais abrangente. Os objetos de in-vestigao no podem ser conhecidos sem que seja levada emconsiderao a atuao dos sujeitos; sendo que os sujeitos sexistem em situaes sociais e histricas concretas. O conheci-
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mento obtido atravs desse mtodo, a teoria construda pelainvestigao, uma teoria crtica, autorreflexiva, pois reconhecea sua dimenso histrica, nunca definitiva, semprequestionadora do objeto investigado (realidade social e hist-rica) e da relao do sujeito com esse objeto. Nenhum objeto considerado como uma coisa autnoma, fechada em si mesma,dotada de uma dinmica prpria e independente da atuaosocial e histrica do sujeito. Para a Teoria Crtica da Comuni-cao no existe separao entre processos comunicacionais,processos sociais e processos histricos.
Definir a sociedade contempornea como uma socieda-de do espetculo, seguindo o caminho desbravado por Debordna dcada de 1960, se colocar numa posio privilegiada parase compreender as relaes comunicao/sociedade, pois o es-petculo est presente em todas as dimenses da vida social nocapitalismo contemporneo e fundamental para a articula-o entre essas dimenses. Debord deixa isso bem claro, quan-do ele afirma que no existe separao entre o processo deacmulo de capital e o processo de acmulo de espetculos.
Na sociedade do espetculo, as relaes sociais se dosimultaneamente por meio da produo e do consumo de mer-cadorias e da produo e do consumo de imagens. O que dis-tingue o modo de produo capitalista de outras formas devida social a tendncia para a mercantilizao de todas asrelaes sociais, o que define o perodo histrico a partir doqual a sociedade capitalista transformou-se na sociedade doespetculo a mudana quantitativa e qualitativa no processode produo e consumo de imagens. Com o desenvolvimento,dentro do processo de mercantilizao da cultura, das tcnicasde reproduo de imagens em larga escala, as imagens passa-ram a ser essenciais para a existncia da sociedade capitalista,transformando-se, elas mesmas, em mercadorias, ou incenti-vando o consumo de outras mercadorias.
Evidenciando a ao articuladora do espetculo na vidasocial, Debord desenvolveu o conceito de poder espetacular
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difuso, para dar conta da existncia de relaes de dominaona vida cotidiana, que acontecem por intermdio das estrat-gias mercadolgicas das grandes corporaes empresariais.Com o prprio desenvolvimento da sociedade do espetculo,estas estratgias so disseminadas para as outras dimenses davida social, como a poltica, passando a estar presentes, porexemplo, nas campanhas eleitorais e nos processos comunica-cionais de divulgao das aes dos governantes.
Em contextos ditatoriais, quer seja em sociedades capi-talistas quer em sociedades ditas socialistas, a produo e oconsumo de imagens so controlados pelo Estado, que possuio controle sobre as tcnicas de reproduo em larga escala.Debord desenvolveu o conceito de poder espetacular concen-trado, para tentar dar conta da especificidade dos processoscomunicacionais nessa situao, onde as atividades econmi-cas tambm so controladas pelo Estado, e toda a vida socialgira em torno da figura do Lder da Nao, cujas imagensesto presentes em vrias situaes da vida cotidiana.
Apenas a anlise concreta, da situao histrica de pa-ses especficos, ser capaz de dar conta das diferentes formasde manifestao tanto do poder espetacular difuso quanto dopoder concentrado, bem como das possibilidades da presenasimultnea dessas formas de poder. Em texto escrito cerca devinte aps a publicao do livro Sociedade do espetculo, que de 1967, Debord desenvolveu o conceito de poder espetacularintegrado, procurando a compreenso do poder espetacularno contexto do capitalismo neoliberal, quando acontece umaaproximao entre as formas de poder democrticas e as for-mas de poder totalitrias. Para o mtodo dialtico da TeoriaCrtica, a compreenso de elementos essenciais que fazem partedas caractersticas gerais da vida social, como as formas depoder, s pode acontecer mediante uma investigao das situ-aes particulares onde essas caractersticas esto presentes.A reflexo sobre a capacidade de a Teoria Crtica compreen-
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der a comunicao na contemporaneidade ter como funda-mento, neste livro, uma investigao sobre a presena da soci-edade do espetculo no contexto histrico brasileiro.
Marx, o pensador que a base da Teoria Crtica, j ar-gumentava, na Introduo crtica da economia poltica, quea possibilidade de se mencionar processos sociais gerais s es-tar associada a uma verdadeira capacidade de produzir co-nhecimento, se os processos gerais, como os processos de pro-duo e de consumo de bens materiais, que existem em todasas sociedades humanas, forem investigados na particularidadedas formas especficas da vida social.
A busca pelo que particular orientar os captulos quecompem esta obra. O primeiro captulo est voltado para acompreenso do lugar particular ocupado por Debord dentrodo projeto da Teoria Crtica. Essa busca acontecer medianteuma comparao do posicionamento de Debord, sobre o mto-do dialtico, com as posies de autores vinculados Escola deFrankfurt, como Adorno e Horkheimer, e que so os formula-dores do projeto da Teoria Crtica; assim como haver um con-fronto com um dos inspiradores do projeto, o pensador hngaroLukcs. Alm disso, Marx, tambm estar presente, bem comoAlthusser, que se posiciona como marxista, mas questiona a con-cepo de dialtica presente nos autores da Teoria Crtica.
No segundo captulo, o confronto entre Althusser e aspropostas da Teoria Crtica ter uma importncia ainda maior,pois ali se pretende trabalhar a especificidade do conceito deIdeologia de Debord. Comparaes com o conceito dosformuladores do projeto da Teoria Crtica, e de Lukcs, tam-bm sero realizadas, assim como com o conceito de Gramsci,pensador marxista de grande importncia, e com o qualAlthusser dialoga. Ser inevitvel, ainda, a presena da visode Marx sobre a ideologia.
A comparao entre os conceitos de ideologia, de Deborde dos frankfurtianos, levar a uma comparao entre os con-ceitos de sociedade do espetculo e de indstria cultural.
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Os conceitos de indstria cultural e de sociedade do es-petculo so os principais conceitos da Teoria Crtica da Co-municao, e procuram compreender articulaes concretasentre processos comunicacionais, sociais e histricos. O con-ceito de indstria cultural diz respeito a um momento histri-co especfico da sociedade capitalista, quando a comunicaoest mercantilizada, sob o controle de grandes conglomeradosempresariais, e produzida em escala industrial, devido ao de-senvolvimento das tcnicas de reproduo dos produtos cultu-rais. O conceito de sociedade do espetculo procura a compre-enso do mesmo momento histrico, mas enfatiza o papel dasimagens como elemento articulador da produo e do consu-mo de mercadorias em larga escala e da produo e do consu-mo de espetculos.
Por outro lado, a comparao entre os conceitos de ide-ologia da Teoria Crtica e os conceitos de Althusser e Gramscisignificar uma reflexo sobre a dimenso poltica dos proces-sos comunicacionais, em especial sobre o conceito de hegemo-nia. Ou seja, o papel desempenhado pela produo ideolgicapara que uma classe se transforme (ou mantenha esta condi-o) em classe politicamente dominante, mediante o controledo poder de Estado.
Nos captulos seguintes ser feita uma reflexo a respei-to das relaes entre o desenvolvimento do capitalismo no Bra-sil, o processo de transformao da burguesia na classe domi-nante (Revoluo Burguesa), a constituio de uma sociedadedo espetculo e a atuao da indstria cultural. Os conceitosda Teoria Crtica da Comunicao sero trabalhados dentrodo contexto particular da sociedade brasileira.
No terceiro captulo, acontecer uma reflexo a respeitodas relaes entre o processo histrico da Revoluo Burgue-sa no Brasil, em especial a partir do perodo da ditadura mili-tar, e o papel da ideologia, dentro do contexto de desenvolvi-mento da indstria cultural e da sociedade do espetculo (po-der espetacular concentrado e difuso).
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Teoria Crtica e Sociedade do Espetculo
Se levarmos em considerao a questo da hegemonia, s na dcada de 1990 que o processo histrico de implantaoe consolidao da Revoluo Burguesa no Brasil pode ser con-siderado como concludo. Foi neste perodo que, com a conso-lidao da indstria cultural, deu-se a consolidao de umacultura de consumo, que a base da ideologia capitalista e dopoder espetacular difuso. As relaes entre a indstria cultu-ral e a cultura de consumo de modo geral, e no Brasil em par-ticular, sero o tema do quarto captulo. A articulao entreindstria cultural e cultural de consumo se d, fundamentalmen-te, pela construo de identidades sociais a partir das situaesde consumo, com a interiorizao pelos sujeitos sociais da lin-guagem publicitria.
A consolidao da indstria cultural acontece simulta-neamente com a disseminao social da linguagem publicit-ria, inclusive nos processos polticos. O quinto captulo seruma reflexo sobre a espetacularizao da poltica, que ine-rente ao processo de transformao da publicidade em princi-pal elemento da vida poltica no capitalismo. Esta reflexo serfeita mediante a retomada da discusso dos vnculos entreDebord e a Teoria Crtica. Sero trabalhados os temas da crti-ca da sociedade do espetculo e da poltica, e da relevnciados conceitos de poder espetacular, em especial do conceitode poder espetacular integrado, para a compreenso das rela-es entre comunicao e poltica na contemporaneidade dasociedade brasileira. Concretamente, ser feita uma anlise dapresena da espetacularizao da poltica, mediante uma in-vestigao do papel desempenhado pela produo e consumode imagens, nos movimentos de protesto de junho de 2013 ena campanha eleitoral de 2014. O crescimento de posiespolticas conservadoras (de direita), na conjuntura brasileiracontempornea, indica a necessidade de se reconhecer a im-portncia do papel da produo ideolgica (hegemonia) e daatuao poltica da mdia (indstria cultural), dentro do con-
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Cludio Novaes Pinto Coelho
texto da sociedade do espetculo, em especial da existncia dopoder espetacular integrado.
Este livro fruto das atividades ligadas docncia e pesquisa, desenvolvidas pelo seu autor no Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Faculdade Csper Lbero.Dentre essas atividades, so especialmente relevantes as reu-nies e seminrios do Grupo de pesquisa Comunicao e so-ciedade do espetculo e o projeto de pesquisa Mdia, polti-ca e espetculo.
O prefcio do livro, escrito por Maria Ribeiro do Valle,docente do Departamento de Sociologia da Faculdade de Ci-ncias e Letras da Universidade Estadual Paulista (UNESP-Araraquara), e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Comuni-cao e Sociedade do Espetculo, debate os conceitos centraisda Teoria Crtica, Sociedade do Espetculo e Indstria Cultu-ral, dentro do contexto de uma reflexo sobre o papel ideol-gico da mdia tradicional, em especial da revista Veja. Nestetexto, a autora utiliza a expresso Veja Way Of Life, paraanalisar a postura da revista sobre os acontecimentos de 1968.Trata-se de uma verso, ligeiramente modificada, de artigopublicado na Revista Intercom (So Paulo. Impresso), v. 35, p.129-147, 2012.
O primeiro e o segundo captulos so inditos e foramescritos especialmente para este livro. O terceiro captulo uma verso modificada de artigo publicado na revistaCommunicare v. 4, n. 2, segundo semestre de 2004, p. 29-39,com o ttulo de A Indstria Cultural, a Publicidade e a Conso-lidao da Hegemonia Burguesa no Brasil. O quarto captulo indito, com exceo de alguns trechos sobre o conceito deindstria cultural e o papel da publicidade, que foram retira-dos de artigo publicado na revista Communicare v. 2, n. 2, se-gundo semestre de 2002, p. 35-46, com o ttulo de O Conceitode Indstria Cultural e a Comunicao na Sociedade Contem-pornea. O quinto captulo o resultado da apresentao
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Teoria Crtica e Sociedade do Espetculo
feita pelo autor deste livro no III Seminrio Comunicao ePoltica na Sociedade do Espetculo, organizado pelo Grupode Pesquisa Comunicao e Sociedade do Espetculo em ou-tubro de 2014, na Faculdade Csper Lbero. A apresentao jfoi elaborada tendo em vista a redao deste livro sobre a Teo-ria Crtica e a Sociedade do Espetculo.
Cludio Novaes Pinto Coelho
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Cludio Novaes Pinto Coelho
1968-2008: o Veja Way of Life
Maria Ribeiro do Valle
Trabalhar com a cobertura de Veja sobre os quarenta anosde 1968 significa manter a memria deste ano viva. Lanadaem setembro de 1968, Veja demorou muito para atingir o su-cesso editorial que a caracteriza hoje. No seu incio como eraproduzida por jornalistas engajados, oscilou entre oengajamento poltico e o jornalismo, de um lado e o entreteni-mento, de outro (cf. Coelho e Valle, 2008, p. 138). Paulatina-mente vai se tornando um sucesso de vendas e ao longo dasdcadas em que comemora 1968 agrega aos seus aconteci-mentos doses cada vez maiores de sensacionalismo e entrete-nimento, desconsiderando todo o significado poltico e oengajamento de uma juventude em nome de uma outra pro-missora, bem sucedida economicamente e consumidora. Umaanlise crtica do relato da revista Veja se justifica principal-mente pelo fato de ela escamotear o movimento estudantil principal movimento engajado na luta contra a ditadura , re-duzindo-o apenas ao deboche. E tambm porque so muitos
PREFCIO
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Teoria Crtica e Sociedade do Espetculo
os leitores que ficaro com esta imagem que Veja quer cons-truir para o seu significativo pblico. importante ressaltarque se ao longo das dcadas Veja se distancia de seu modeloinicial de revista de informao e de temas polticos migrandopara o jornalismo espetacular, com temas voltados para o en-tretenimento, parece que a defesa do status quo foi uma cons-tante em suas matrias.
Proponho aqui a anlise das edies de Veja comemora-tivas de 1968 que trazem tona com suas matrias o escamotea-mento de um movimento de protesto tendo em vista um mun-do inserido na lgica global do mercado. A causa desta oscila-o vai sendo revelada pela prpria revista que vai explicitandocada vez mais o mundo e a juventude que Veja quer criar e que,para tanto, 1968, j que ainda insiste em vir tona, deve ser aomenos distorcido. Assim, procuro uma comparao do relatode Veja no calor da hora quando h a preservao da narraodos acontecimentos polticos do movimento estudantil de 1968,embora Veja j criminalizasse os estudantes, com as demaisdcadas, onde a revista seleciona, cada vez mais, apenas os fa-tos que a permitem construir a imagem de um movimentodetrator dos costumes, da moral e da justia social.
Nossa hiptese a de que com o passar das dcadas h aopo de Veja por uma forma de jornalismo que privilegia o en-tretenimento em detrimento da verso poltica dos acontecimen-tos, passando a banalizar cada vez mais o ano de 1968. Contribui,assim, para a neutralizao de nosso passado recente, de movi-mentos polticos engajados e para a criao de modelos, disse-minados em grande medida pelos meios de comunicao de mas-sa, ou seja, em nosso caso, pelo Veja way of Life.
Veja, sociedade do espetculo e indstria culturalA revista Veja lanada em 11 de setembro de 1968 se-
guindo o modelo news magazine, importado dos Estados Uni-dos, particularmente da revista Time, no qual predominam os
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Cludio Novaes Pinto Coelho
temas de atualidade e de informao geral (cf. Villalta, 2002).No entanto, Carnevalli afirma que as revistas de informao,como no caso de Veja, tm se distanciado de seu modelo inicial(2003, p. 11), no sentido de uma migrao para temas voltadosa entretenimento e utilidades, desviando-se da temtica polti-ca (Dornelles, s/d, p. 6).
A nosso ver a revista se aproxima cada vez mais da lgi-ca da sociedade do espetculo que, segundo Guy Debord in-terfere na capacidade do homem de ver e interpretar critica-mente o mundo, alienando-o da sociedade (1997, p. 15), per-petuando a lgica de um sistema capitalista que se baseia noacmulo de bens. Essa lgica vai ser transmitida pelos meiosde comunicao e isso vai reger o comportamento das pessoas,que tendero a se comportar de acordo com os modelos apre-sentados pela mdia. A organizao moderna dos meios decomunicao caracterizada por estratgias que constroem umnovo mundo pautado no desejo de consumo. Na sociedadedo espetculo h a uniformizao exercida pela cultura demassa. Ela trabalha a imagem da sociedade da abundncia, dasociedade de consumo acessvel tambm classe trabalhado-ra, pois essa imagem d a falsa impresso de que a indstriacultural, to criticada por Adorno (2009), possui uma face de-mocrtica no que diz respeito ao direito de consumir (cf. Portoe Caixeta, 2009, p. 199). H a perverso da vida moderna queprefere a imagem e a representao ao realismo concreto enatural, a aparncia ao ser, a iluso realidade, a imobilidade atividade de pensar e agir com dinamismo.
Veja passa a ser, segundo a nossa leitura, um veculo deespetacularizao, uma vez que ela divulga modos de vida epadres de comportamento principalmente numa poca deuniformizao da cultura, ou seja, de valores, regras e deveresmoldados segundo uma minoria capitalista dominante. Portan-to, ela instrumentaliza as relaes sociais com o objetivo deestimular o comportamento de consumo e o cultivo da posturade passividade e de isolamento, o que dificulta um entendi-
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mento e uma atitude contestatria da sociedade vigente (cf.Debord, 1997, p. 20-21). A indstria cultural privilegiada porVeja com a generalizao de seu modo de vida e de seus valo-res enquanto a dimenso crtica e questionadora desta socie-dade, isto , o mundo da contestao, se enfraquece.
Para Marcuse (1982), a Modernidade constituiu-se nummomento histrico que inspirou um projeto de dominao danatureza, sustentado no desenvolvimento cientfico etecnolgico, portanto, de racionalidade tecnolgica. Esta eta-pa da histria humana prometeu ao homem autonomia e eman-cipao, porm, teve como consequncia o controle e o dom-nio sobre a humanidade. Esta racionalidade, que est presenteem todas as esferas da vida, amplia seus controles ao homem,molda seu comportamento, sua cultura e a sociedade comoum todo. Tal domnio comprova que esta racionalidadetecnolgica se transformou em racionalidade poltica, deter-minando necessidades individuais e coletivas e combatendo,de modo eficiente, qualquer tipo de manifestao de oposioaos sistemas poltico e econmico que ela inaugurou,desqualificando e isolando suas crticas com o controle gene-ralizado de coraes e mentes.
O fechamento do universo da locuo, tematizado assimpor Marcuse, que tambm o fechamento da possibilidade defazer a crtica sociedade regida pelos valores da mercadoria,tem suas caractersticas e efeitos ideolgicos agravados nacontemporaneidade devido emergncia do que Guy Debord(1997), como vimos, chamou de sociedade do espetculo e estpresente no jornalismo de Veja.
O primeiro ano de VejaOs dois episdios de maior repercusso nacional do ME
aps o lanamento de Veja foram o da Rua Maria Antnia e o30 Congresso da UNE. Em 1968, Veja, como vimos, ainda umarevista predominantemente de informao e textual, exerceu
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o papel de denegrir e, inclusive, delatar as lideranas polticasdo ME e de enfatizar a violncia de seus episdios, como na-quele que ficou conhecido como A guerra da Maria Antnia,que tem incio no dia dois de outubro. Embora em uma guerrano haja como diferenciar agressores e agredidos, a revistaaponta para o ataque dos estudantes da Faculdade de Filoso-fia da USP ressaltando sempre o comando de Jos Dirceu. Aodivulgar o laudo da autpsia de Jos Guimares, a revista Vejaquestiona a autoria do crime mostrando-a indeterminada,enfatizando as violncias praticadas pelos estudantes duranteo trajeto, dizendo que no houve paz e criticando a tentativade utilizao poltica do assassinato de Jos Guimares (Cf.Valle, 2010, p. 188).
A revista Veja, ao mostrar a composio dos dois gruposem choque, um deles formado por elementos da direita radical CCC (Comando de Caa aos Comunistas), FAC (FrenteAnticomunista) e MAC (Movimento Anticomunista) e ooutro por elementos esquerdistas pertencentes ex-UNE(Unio Nacional dos Estudantes) (cf. Veja, 09/10/68, p. 16) permite-nos inserir o episdio da Maria Antnia na conjuntu-ra poltica mais ampla caracterizada por grupos extremistas deesquerda e de direita. Veja tece, ento, fortes crticas sconsequncias atingidas pela briga dos estudantes. Tanto as-sim que questiona o tempo todo o protesto dos estudantes daFilosofia contra a morte de seu colega, pois segundo o seu re-gistro os prprios estudantes so culpados pela mesma, sob ocomando de Jos Dirceu. Mesmo assim, no deixa de registrara atuao da direita radical, e, pela indeterminao da autoriado assassinato, deixa no ar, talvez a despeito mesmo de suavontade, para leitores mais atentos, a possibilidade de o assas-sinato ter sido praticado pela direita como confirmado anosdepois de 1968. Veja, ao dar um espao maior descrio dosepisdios semanalmente, trazia grandes matrias sobre o mo-vimento estudantil que, alm de reforar seu projeto poltico,
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davam espao para os diferentes atores de 1968, dentre os quaisse destacam as autoridades militares e as lideranas estudan-tis, permitindo, apesar de sua tomada de posio, a leitura dediferentes verses sobre um mesmo fato.
J sobre o Congresso de Ibina, que tem seu desfechoem 12 de outubro, Veja destaca a ausncia de violncia da po-lcia no cerco ao Stio Murundu. Apesar da priso dos princi-pais lderes estudantis de todo o pas, e por isto mesmo, relataa extenso das manifestaes em diversos Estados: Salvador,Recife, Florianpolis, Belm, Macei, Natal, Fortaleza, Ribei-ro Preto, Campinas, Vitria, Belo Horizonte e Braslia vol-tam a ocorrer passeatas e comcios-relmpagos. Na maioria hchoques com a polcia que, utilizando-se de forte esquema re-pressivo, acaba efetuando novas prises. Em vrias capitais,destacando-se So Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte,diversas faculdades entram em greve como protesto contra arepresso ao 30o Congresso da UNE.
Em 1968, Veja descreve a priso de Vladimir Palmeira,Jos Dirceu e Travassos com tom aliviado: Os trs lderes es-tudantis estavam com priso decretada, finalmente executadadepois de muitas vezes terem enganado a polcia (Veja, 16/10/68, p. 12). Mas, mais uma vez admite a independncia do MEde suas lideranas uma vez que com a sua permanncia na ca-deia, as manifestaes estudantis continuam devido s trsmortes ocorridas em apenas dois dias no Rio de Janeiro du-rante manifestaes estudantis pela soltura de suas lideranas.
De qualquer forma para a revista Veja estes ltimos epi-sdios da Guanabara deveriam de forma exemplar levar osestudantes a uma trgua:
Os estudantes, repelidos das ruas sem que a violncia e a
intolerncia contra eles desencadeadas e que fizeram v-
timas inocentes mobilizassem, em seu favor, mais uma
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Cludio Novaes Pinto Coelho
vez, as grandes parcelas do apoio popular, do sinais de
trgua e parecem dispostos a se recolher s suas bases
(Veja, 30/10/68, p. 18).
A publicao da Editora Abril como um produto emsintonia com o projeto de modernizao do capitalismo trazna capa de seu primeiro nmero, os smbolos do comunismo, afoice e o martelo, com a chamada O Grande Duelo no Mun-do Comunista, abordando o tema da invaso da Tchecoslo-vquia pelo Pacto de Varsvia, o que desagradou Victor Civita,dono da Editora Abril, proprietria da publicao. Tanto as-sim que na edio comemorativa dos 20 anos da revista, aocomentar sobre a capa em questo, afirma que no gostou,porque poderia parecer que estvamos fazendo propagandados comunistas (Os 20 anos de Veja, OESP, 10/9/88). Pode-mos notar que a opo de Veja, em seu incio, era, de fato, seruma revista de informao, com temtica poltica, embora nopossamos deixar tambm de apontar sua tnica anticomunista.Pelo fato de os estudantes estarem contaminados, a seu ver,pela foice e o martelo, a revista posicionava-se claramentecontrria aos seus protestos. Durante as narraes no calor dahora pode haver um sensacionalismo com relao violnciaatribuda aos estudantes, mas a revista ainda no trata os epi-sdios apenas como entretenimento.
Os 30 anos de 1968 por Veja: a revoluo moral da juventudetransviada
Quando 1968 faz 30 anos, Veja apesar de continuartematizando aes polticas, j comea a trazer fortes traosde sensacionalismo em sua reportagens, voltando-se para ques-tes de entretenimento. Comea com uma matria especial nodia seis de maio fato que j denota sua viso eurocntrica devi-do ao Maio francs, uma vez que no Brasil os acontecimen-tos estudantis, inclusive o assassinato do primeiro estudantepela ditadura ocorre em maro de 1968. Sua nfase dada
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Teoria Crtica e Sociedade do Espetculo
conteno da rebeldia ocorrida no terreno dos costumes trintaanos atrs:
A juventude afronta seus pais, hierarcas de todos os tipos
e os cnones morais: os universitrios querem que garotas
tenham acesso irrestrito aos seus dormitrios, e vice-
versa. Numa poca pr-Aids, os corpos so liberados para
a diverso pelos anticoncepcionais. O sexo nunca mais
foi o mesmo (Veja, 06/05/1998, p. 74).
Critica assim a contaminao dos EUA que tambm setransforma no reduto da revoluo dos costumes: a comuni-dade dos hippies sinnimo do sexo e das drogas; a influnciada cantora americana Janis Joplin e do guitarrista Jimi Hendrix,talentos desperdiados pelas mortes provocadas pelaoverdose; a atuao poltica de intelectuais como Susan Sontag,Norman Mailer e James Baldwin que eram adeptos da deso-bedincia civil. Todos estes fatos estavam desvirtuando a ju-ventude americana:
Os jovens eram, como em todas as guerras, a infantaria
desse exrcito de revolucionrios. A diferena, a enorme
diferena que faria de 1968 uma poca peculiar, que
esses jovens no aceitavam os velhos comandantes (Veja,
06/05/1998, p. 80).
A liderana-alvo parisiense de Veja Daniel Cohn-Bendit, que tinha 23 anos em 1968 e em 1988 com 53, justificava:
Ns queramos uma democracia direta, melhor do que a
real, queramos mudar a linguagem e o estilo de vida,
queramos uma liberao dos costumes, o entusiasmo da
solidariedade, a alegria de superar o egosmo (Veja, 06/
05/1998, p. 80).
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Criticando tenazmente a falta de imaginao da juven-tude perdida, Veja aponta para o paradoxo de ser libertria aomesmo tempo em que enaltecia violentas ditaduras totalitri-as, sendo nostlgica tanto
dos mitos revolucionrios da Comuna de Paris de 1871 quan-
to dos brancalenicos brigadistas internacionais da Guerra
Civil Espanhola de 1936, e fascinados pelos mitos de ento
a China, com sua Revoluo Cultural, o Vietn e Cuba,
particularmente o heri morto um ano antes na selva boli-
viana. Ernesto Che Guevara (Veja, 06/05/1998, p. 83).
Com o subttulo revolta na periferia, aborda 1968 noBrasil reiterando sua condio de pas de terceiro mundo, sobuma ditadura militar, que por isso mesmo s poderia ter vividoeste ano a reboque da conjuntura internacional. Nossa juven-tude, a seu ver, s poderia ter ento vivido ecos subdesenvolvi-dos daquela conjuntura mpar onde a mulher de classe mdiacomea a trabalhar fora, h a liberao sexual pela plula e odeboche tropicalista e uma parte da gerao jovem dos anos60 mais politizada e urbana, vivencia o radicalismo poltico(Veja, 06/05/1998, p. 88).
Os seus dolos so, segundo Veja, Leila Diniz e VladimirPalmeira e aposta que, sem sombra de dvidas, a atriz perma-necer na memria coletiva brasileira, deixando cair no esque-cimento o lder estudantil, indicado candidato do PT ao gover-no do Rio de Janeiro 30 anos depois. Diferente de VladimirPalmeira,
Leila Diniz morreu num acidente areo na ndia, em 1972,
com apenas 27 anos. (...) com seu linguajar desbocado, a
gravidez exposta num biquni e uma lista infindvel de
amores, personalizou uma revoluo nos costumes, trans-
formou-se num dos smbolos da emancipao da mulher e
deixou um sinal indelvel no pas (Veja, 06/05/1998, p. 88).
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pela deteriorao dos valores e comportamentos quecontagia tambm o mundo subdesenvolvido que Veja repugna aimploso da dcada vitoriana dos anos de 1950 pela juventudedos anos 60 tendo seu auge em 1968 com o comrcio da plula, odivrcio, a dessacralizao do matrimnio e a extino da rela-o autoritria entre pais e filhos no Brasil. Mais uma vez quemVeja traz para comentar esta mudana o lder estudantilVladimir Palmeira que ela tem como intuito atrel-lo aodesmantelamento dos bons costumes (cf. Veja, 06/05/1998, p. 88).
bastante sinttica, reducionista, a anlise do movimentoestudantil feita por Veja trinta anos depois:
No plano poltico, 68 comeou com passeatas contra o regi-
me e terminou com o pas amordaado pelo AI-5, o ato
institucional que calou os polticos e a imprensa e inaugu-
rou o terror de Estado. A tortura virou rotina e um punha-
do de jovens entregou-se aventura delirante de combater
o regime com a guerrilha, colhendo uma derrota definitiva.
Uma boa parte dos universitrios foi s ruas nas grandes
cidades, um nmero bem menor acabou no exlio e na ca-
deia, e um punhado, menos de uma centena, imolou-se na
insensatez da guerrilha. (...) Os jovens politizados de 1968
agiam sob o signo do voluntarismo. Democracia era um
conceito vago, tanto para os generais de Braslia sob o co-
mando do marechal Costa e Silva quanto para os jovens
amantes da revoluo. No fundo, o que os jovens queriam
era uma coisa mais radical, uma outra ditadura a do pro-
letariado (Veja, 06/05/1998, p. 88).
No h para Veja qualquer saldo positivo no ME, auto-ritrio e policialesco ao contrrio de grande parte da literatu-ra acadmica e mesmo jornalstica existente e publicada trinta
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anos depois que evidencia o protesto estudantil como o maioropositor da ditadura militar no Brasil. Veja conclui aliviada:
Em 1968, a ditadura venceu. Na eleio de 1974, o pasteve a primeira chance de se manifestar com alguma liberdadee golpeou o regime duramente. Em 1984, por fim, os fantas-mas de 68 foram enterrados (Veja, 06/05/1998, p. 88).
Veja j antecipava na comemorao dos 30 anos aconclamao feita por Sarcozy durante as comemoraes dos40 anos de 1968:
E, na Frana, bero dos protestos libertrios de Maio de
1968, o presidente eleito Nicolas Sarcozy leva adiante uma
cruzada para liquidar de uma vez com a herana
daquele perodo.1
Pois, na verso de Veja, os estudantes foram respons-veis, inclusive, pelo AI-5, omitindo o fato de ela mesma ter pe-dido o endurecimento do regime frente perigosa atuao doME. O tiro sai pela culatra e Veja se exime de qualquer respon-sabilidade uma vez que, devido censura, tambm passa a seralvo do endurecimento do regime to esperado por ela.
40 anos de Veja: a juventude vitoriana revigoradaA edio dos 40 anos de Veja aberta com um editorial
apresentando os motivos da comemorao, explicitandoclaramente que sua ideia de justia social s pode ser alcanadaatravs dos bons resultados no panorama econmico e polticomundial:
Esta edio Especial de Veja comemora os primeiros qua-
renta anos de histria da revista com uma retrospectiva
dos principais acontecimentos no Brasil e no mundo, com
1 Disponvel em: http://g1.globo.com/sites/Especiais/Noticias/0,,MUL464249-15530,00.html.
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destaque para 1968, o ano de criao da revista, e 2008,
quando os brasileiros finalmente comeam a desfrutar
de maturidade econmica, poltica e social conquistada
no decorrer das quatro ltimas dcadas (grifo meu).
fundamental, para isso, que a revista seja independente,
isenta, inteligente e responsvel. (...) Que busque objeti-
vidade. E que seja comprometida sempre com a li-
berdade e a verdade (Veja, 09/2008, p. 14).
Contudo, a despeito de sua pretensa neutralidade, a re-vista j inicia suas comemoraes dando o tom de toda a edio:a crtica esquerda e aos movimentos anti-capitalistas, onde seusinteresses passam a ser a preservao do status quo que paira noar sem cho social, naturalizando as relaes de classe, frutodas capacidades individuais, recriando o comportamento social-mente aceito. Os novos costumes, os novos padres de orga-nizao familiar e de consumo propagados por Veja tm comoalvo a classe mdia, especialmente em ascenso, e o grupo nu-mericamente pequeno, mas economicamente mais privilegiado(Silva, 1998). O admirvel mundo novo de Veja, conforme Sil-va, erguido em oposio ao paraso perdido da contracultura.Notamos, assim, que Veja atinge com a mudana dos costumesdos brasileiros o auge de sua atitude como veculo de espeta-cularizao, enaltecendo a uniformizao da cultura moldadapor uma minoria capitalista dominante que estimula o compor-tamento de consumo e o cultivo da postura de passividade econtrria atitude contestatria frente sociedade vigente.
Para Veja a maturidade poltica s alcanada pela po-pulao brasileira medida em que ela se afasta de 1968; noapenas de um regime obscuro implantado com o AI-5, masprincipalmente da agitao juvenil que buscou varrer os dom-nios do capitalismo e corromper os valores morais. Tanto as-sim que em maio de 2008 seus exemplares no fazem qualquerreferncia aos movimentos contestatrios de 1968. Um siln-
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cio que define uma fala. A pretensa neutralidade de Veja , aocontrrio um forte arrimo ao neoliberalismo que, no Brasil,teve na revista um precursor, agindo como seu ativo intelectu-al durante toda a dcada de 1990 uma vez que v no adventode 1989 o fim do comunismo e se sente vontade para falar,mais uma vez em mundo novo, moderno e melhor que daemerge, vestindo a camisa do fim da histria (cf. Silva, 2008).
A primeira celebridade a ser comentada na edio deVeja de setembro de 2008 o escritor e diretor italiano PerPaolo Pasolini que, segundo Veja em 1968, era um homemsem iluses (Veja, 09/2008, p. 98). Nas palavras de Veja
Para ele, a agitao, em que pese toda a gritaria
antissistema, reforou o capitalismo ao liber-lo das amar-
ras de valores arcaicos no terreno do comportamento
valores que o impediam de expandir-se em novas frentes
mercadolgicas. Ou seja, os que pretendiam derrub-lo
o ajudaram. Sem se darem conta, portanto, hippies, es-
tudantes e outros revoltosos participaram de uma trans-
formao do mundo, sim, mas na direo oposta pre-
tendida pelo iderio esquerdista e para melhor, embo-
ra Pasolini certamente discordasse dessa concluso (Veja,
09/2008, p. 98).
Na interpretao de Veja desvela-se seu discurso conser-vador, detrator dos contestadores e a sua opo pelo desenvol-vimento da sociedade capitalista expressa em duas das tesesdesenvolvidas por Hirschman para a anlise dos mais de du-zentos anos da retrica conservadora, ou seja, a tese da inutili-dade que afirma que todas as tentativas de transformaes so-ciais so nulas, e a tese da perversidade que parte do pressupos-to de que toda ao deliberada para romper com a ordem po-ltica, social e econmica abortiva, pois, na tentativa de im-por sociedade uma direo determinada, consegue faz-la
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movimentar, s que na direo oposta almejada, servindoapenas para exacerbar os fatores que ela deseja solucionar(Hirschman, 1995, p. 73).
Em seguida, Veja continua a desconsiderar totalmente ofato de 1968 ter sua forte existncia e especificidade no Brasil,ao afirmar que no Brasil, a nostalgia de 1968 s pode serimportada (Veja, 09/2008, p. 98) reforando mais uma vez atese de que em pas de terceiro mundo o que houve foi nomximo ecos de 1968, o que facilitaria a negao de seu passadoto almejada pela revista.
A revista Veja como instrumento de dominao tem tidouma atuao poltica que influencia a construo simblica/ideolgica da histria brasileira e embora sempre queira apa-recer como neutra, est o tempo todo buscando formular pol-ticas, programas e projetos para o Brasil bastante demarcadospoliticamente e comprometidos com a modernizao capita-lista, desconsiderando, para tanto, o seu passado. No, no preciso ter saudades do Brasil de 1968, como se ver nas prxi-mas pginas (Veja, 09/2008, p. 99).
Um dos episdios selecionados por Veja em seu aniver-srio a passeata dos Cem Mil em 26 de junho de 1968 nocentro do Rio. Veja, ao reconstruir este acontecimento, atribu-indo-o apenas ao repdio do assassinato de Edson Lus pelaPM em 28/03/1968, procura dar um tom de certo atraso doprotesto estudantil, uma vez que ela omite os episdios impor-tantes que envolvem os estudantes e sucedem a passeata, den-tre os quais podemos citar a Sexta-feira sangrenta em 21/06/1968, onde 18 populares e um PM so mortos durante umamanifestao estudantil no centro do Rio. Este sim o fatoque antecede a grande passeata e, aliado brutalidade doassassinato de Edson Lus, leva 100 mil pessoas s ruas no Riode Janeiro. O intuito de Veja claro: minimizar as causas quelevam o ME ao e tambm, talvez, reduzir a brutalidade daditadura desvinculando-a das atrocidades policiais. Veja tira
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todo o mrito do ME de organizar a passeata e de serem osestudantes as vtimas das atrocidades da ditadura porque aopo deles era pela ditadura do proletariado e no pela de-mocracia. Apenas a populao e Veja nutriam este propsito:a luta pela verdadeira democracia. Veja continua o seu rela-to atrelando o seu surgimento a este sentimento de esperanae distanciando-o da agitao totalitria e comunista estudan-til. Veja, ao afirmar que o ME acreditava que seria possvelderrubar os militares no grito, denigre explicitamente a suaimagem e a dos polticos de oposio que qualifica de um tan-to perdidos, mesmo dizendo-se contrria ditadura, dandoassim uma no cravo e uma na ferradura, pois, com seu relatodos acontecimentos do ano de 1968 apoiar os atos do regimeque servirem para punir o esquerdismo. Tanto assim queculpabiliza os estudantes e a esquerda pela reao dos milita-res que desembocar no AI-5.
Veja, sem qualquer contextualizao, transcreve duas ci-taes suas datadas de 1968 sobre a morte de Edson Lus e apasseata dos Cem Mil. Mas ao consultarmos seus exemplaresde 1968, buscamos interpretar o posicionamento de Veja nocalor da hora dos acontecimentos, com o intuito de entenderquais as escolhas da revista daquilo que foi importante para asua consolidao durante esses 40 anos de histria, e quais assuas principais caractersticas discursivas na sua efetivao eainda que memria constri para si mesma e para seu pblicoleitor. Veja, ao noticiar o episdio da morte de Edson Lus,caracterizando-o como um conflito entre os estudantes e apolcia, est, em linhas gerais, centrada na discusso dos cul-pados pela utilizao da violncia, apontando para a utiliza-o da violncia pelos estudantes, a partir de ento, mas aomesmo tempo afirma que esta violncia ocorre neste momen-to tambm como resposta da violncia policial (cf. Valle, 2008),fato que Veja omite totalmente 40 anos depois, enfatizandoapenas o radicalismo estudantil.
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Ao tratar do movimento estudantil nesta edio especi-al, Veja continua a desconsider-lo totalmente enquanto umafora poltica organizada na contracorrente da literatura exis-tente sobre a poca onde se enfatiza a importncia do ME en-quanto ator fundamental no combate ditadura militar brasi-leira. Por exemplo, para Araujo:
1968 tornou-se uma data emblemtica e simblica nocampo da cultura e da poltica, no apenas para a gerao queparticipou dos eventos daquele ano, mas tambm para toda amdia impressa, virtual e eletrnica, assim como para a comu-nidade acadmica e universitria (2009, p. 17).
Nas palavras de Veja:
Em 1968, a oposio ditadura militar estava desarticu-
lada. Boa parte dos lderes polticos no-alinhados aos
generais havia sido cassada ou exilada e a oposio
consentida como partido, o Movimento Democrtico
Brasileiro (MDB), ainda engatinhava. Nesse vcuo, o
movimento estudantil transformou-se na vlvula de es-
cape pela qual a sociedade conseguia manifestar seu des-
contentamento com as arbitrariedades dos militares.
Muitos dos universitrios que protestavam contra os ge-
nerais eram movidos pela legtima aspirao de lutar pela
volta democracia ao pas. Mas tambm no era peque-
no o nmero daqueles que queriam apenas trocar um
regime de exceo por outro, e defendiam a instalao
de um regime comunista no Brasil. Nos campus foram
criadas praticamente todas as organizaes marxistas que
escolheram o caminho do terrorismo (Veja, 09/2008, p.
102, grifo meu).
Aqui Veja atrela o ME anacronicamente ao terrorismo,criminalizando seus membros, uma vez que ele ainda estavaatuante enquanto movimento de massas. E continua:
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Alm do esquerdismo, outro problema dos estudantes em
1968 era que eles deixavam se guiar por lderes como
Vladimir Palmeira, Lus Travassos e Jos Dirceu,
envolvidos em projetos personalistas. Para essa turma, o
essencial era consolidar e ampliar a prpria influncia. No
segundo semestre de 1968, Dirceu e Travassos disputavam
cada centmetro de poder dentro da Unio Nacional dos
Estudantes (chamada por Veja de ex-UNE, por estar
relegada clandestinidade) (Veja, 09/2008, p. 102).
Veja est desconsiderando propositadamente asdiferentes tendncias do ME e sua alta representatividade em1968, um dos anos em que a UNE talvez tenha atingido o seumaior poder de representatividade e ao poltica e utiliza-seda mesma arma policialesca da ditadura de caa s bruxas aotentar criminalizar as suas lideranas. Os dois arrastaram osestudantes para um malfadado congresso na cidade de Ibina,em So Paulo (Veja, 09/2008, p.102). Como se no bastasse, arevista trata os estudantes organizados em suas entidadesrepresentativas como massa de manobra:
O objetivo era decidir quem seria o novo presidente da
entidade. Sem nenhum esforo, a polcia descobriu o local
do encontro e prendeu 712 participantes. Morria ali o
movimento estudantil. O de hoje no passa de uma
pardia financiada com recursos liberados pelo governo
(Veja, 09/2008, p. 102-103).
Deste ltimo relato de Veja podemos depreender a suano fidedignidade aos fatos, uma vez que 40 anos antes elaenfatizou, como vimos, que as manifestaes estudantiseclodiram em vrios estados a despeito da priso de suas lide-ranas e em protesto contra elas e, agora, ela afirma que o ME
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termina com o Congresso de Ibina em 1968. O seu relato nocalor da hora, ao contrrio desse, invalida ao mesmo tempoessa sua nova forma de recuperar a histria dos estudantes ondeeles seriam, de fato, massa de manobra se o ME estivesse ter-minado no 30 Congresso de Ibina.
Mas, sem dvida, a caa s bruxas aos lderes foi umadas principais marcas que Veja em seu discurso durante os 40anos quis preservar e manter vivo para a memria coletiva eque j estava presente desde os seus primeiros exemplares.Novamente, Veja descontextualiza passagens sobre o ME vi-sando apenas a denegrir e enfatizar o seu carter fragmentadoe esquerdista. Em contrapartida, enaltece os valores moraiscalcados na justia social que leva a manuteno do status quoimprescindveis juventude se ela quiser atingir um mundomelhor. Emerge, assim, a possibilidade da juventude vitorianarevigorada.
Veja contribuiu, assim, para o fechamento da possibilida-de de fazer a crtica sociedade regida pelos valores da merca-doria, determinando as necessidades individuais e coletivas ecombatendo qualquer tipo de oposio ao sistema poltico e eco-nmico do mercado. Pois na sociedade do espetculo as pessoasse comportam de acordo com os modos apresentados pela mdia,levando ao desejo de consumo inscrito na uniformizao exercidapela cultura de massa. Para tanto, Veja buscou durante seus 40anos refutar a contestao dos valores sociais que ocorreu mun-dialmente em 1968 pondo em risco os padres de comporta-mento, pensamento e consumo. Por isso Veja traz como preocu-pao central de suas matrias sobre este ano mpar, o terrenodo comportamento juvenil luz do entretenimento. Veja ao fa-zer aluso juventude dos anos 60 se utiliza do subttulo AEscola de Dirceu seguido do texto:
Jos Dirceu um homem de mltiplos talentos. J foi
deputado federal, presidente do PT, ministro da Casa Civil
e chefe dos mensaleiros. Hoje um consultor empresari-
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al quentssimo, embora no diga quais clientes costuma
atender. Sua vida profissional por assim dizer co-
meou no movimento estudantil. Ele foi um dos perso-
nagens mais citados por Veja em 1968. Seu grande feito
foi liderar os esquerdistas na estpida batalha da Rua
Maria Antnia, em So Paulo, que ops estudantes do
Mackenzie aos da Filosofia da USP e terminou com um
rapaz morto. O lder, claro, no sofreu nenhum arra-
nho. Depois, acabaria preso no Congresso da UNE em
Ibina. Ele e outros lderes estudantis ficaram detidos
por um ms em uma priso no litoral paulista. L, os pri-
sioneiros dividiram-se em trs turmas. Enquanto uma
cuidava da roupa e a outra da limpeza, a terceira descan-
sava. Dirceu foi unanimemente apontado pelos colegas
como o mais preguioso, registrou Veja. Mesmo em cana,
fugia do trabalho. Liberado em troca do embaixador
americano Charles Burke Elbrick, sequestrado em 1969,
partiu para o exlio em Cuba, onde fez uma plstica para
mudar de rosto. Voltou ao Brasil escondido, em 1975, e
casou-se com uma mulher a quem no revelou a verda-
deira identidade. Com a abertura poltica, abandonou a
moa, desfez a plstica e voltou a agitar, agora no PT.
Chegou ao seu pice como ministro-chefe da Casa Civil,
quando, segundo o Ministrio Pblico, se tornou chefe
da sofisticada organizao criminosa que criou o
mensalo e pretendia eternizar-se no poder. O menino
mesmo pai do homem (Veja, 09/2008, p. 103).
De seu relato durante 1968, no mesmo encarte, Vejarecorta a seguinte descrio:
O presidente da ex-UEE, Jos Dirceu, dorme cada noite
numa casa diferente, passa o dia todo entre seus colegas,
na Faculdade de Filosofia de So Paulo, e quando sai est
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sempre armado e protegido por dois guarda-costas. (...)
Seu nome o primeiro da lista de estudantes que o Dops
quer prender (Veja, 09/2008, p. 103).
Destas duas citaes podemos, sem sombra de dvidas,extrair as principais caractersticas de uma juventude que estimplcita em uma de suas principais lideranas, condenada comveemncia por Veja: ser tutelada por uma liderana profissio-nal de esquerda, subversiva, agitadora, de falsa identidade,preguiosa, personalista, inconsequente, matriculada na esco-la do crime. Dessa forma Veja quer enterrar 1968 e com ele aparticipao poltica contestadora da juventude que deve al-mejar apenas um mundo melhor sinnimo de roupas de mar-ca, passeios nos shopping e ligados nos seus aparelhos eletr-nicos, em total consonncia com a indstria cultural, ou seja,com uma unanimidade de aspiraes e o desinteresse em ex-pressar rebeldia ou deflagrar movimentos de protesto. (Cf. Veja,O planeta teen, 19/04/1995, p. 108)
Consideraes finaisPara Veja, como vimos, em 2008 os brasileiros finalmente
comeam a desfrutar de maturidade econmica, poltica e so-cial conquistada no decorrer das quatro ltimas dcadas (grifomeu). E, sem sombra de dvidas, ela cumpriu seu papel paraque o Brasil possa estar usufruindo dos bons resultados nopanorama econmico e poltico mundial, particularmente como seu empenho na escola da juventude onde devem ser trans-mitidos contedos neoliberais e os da indstria cultural com ametodologia da sociedade do espetculo. Para tanto acompa-nhamos o seu relato durante quatro dcadas sobre o ME em1968 no Brasil, ento, na periferia do mundo, onde atravs deum discurso que busca distanciar cada vez mais da fidedigni-dade dos fatos, procura elaborar uma construo de um nicomodo possvel de vida desde que rechaada a subverso. Ao
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exercer cada vez mais um jornalismo espetacular, torna a ima-gem de 1968 cada vez mais debochada.
A imagem construda pela revista Veja do movimento es-tudantil e de todas as suas opes polticas, culturais, compor-tamentais, constituem as vrias facetas do inimigo externo quepassa a agir internamente e precisa ser extirpado para que ajustia social, a verdade, ou seja, a juventude de Veja possa vi-ver plenamente sua era vitoriana. Assim, com a ausncia demovimentos contestatrios, abre-se o espao para que a mdiahomogeneze os comportamentos, corpos e mentes.
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Guy Debord e a teoria crticaEm alguns momentos do livro Sociedade do espetculo,
em especial no Captulo VIII (A Negao e o consumo na cul-tura), Debord assume explicitamente os seus vnculos com ateoria crtica, chamando a ateno para a necessidade de umtrabalho de linguagem especfico, a fim de que o contedo cr-tico de uma elaborao terica no seja esvaziado. Se criticar asociedade do espetculo questionar a forma contemporneaassumida pelo processo de alienao inerente ao capitalismo,quando as representaes se descolam da realidade, passandoa ter autonomia, a linguagem da teoria crtica deve resistir sua apropriao pela lgica espetacular. Os conceitos da teo-ria crtica no podem ser reduzidos formulas, frases-chavo,que abstradas do corpo terico como um todo circulam descon-textualizadas, com o potencial de trair o contedo crtico dateoria, podendo ser incorporadas a correntes tericas tradicio-nais, legitimadoras da sociedade capitalista.
Dialtica e teoria crticaEsse trabalho de linguagem especfico pode ser percebi-
do, por exemplo, nas frases que, em vrios momentos do texto,funcionam como snteses dos argumentos de Debord, como o
CAPTULO 1
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espetculo no um conjunto de imagens, mas uma relaosocial entre pessoas, mediada por imagens (1997, p. 14) ou oespetculo o capital em tal grau de acumulao que se tornaimagem (1997, p. 25). Essas frases no podem ser compreen-didas por elas mesmas, pois so fruto da apropriao que elefaz do pensamento de Marx. Elas no podem ser abstradas docontexto da obra Sociedade do espetculo, pois sintetizam ar-gumentos desenvolvidos anteriormente e trazem em si as ca-ractersticas de uma linguagem dialtica, pois dialogam inter-namente com o pensamento de um autor que no Debord,mas que no referido explicitamente por ele. Cabe ao leitor,necessariamente um participante ativo da produo do senti-do do texto, reconstruir esse dilogo interno entre Debord eMarx, e compreender o movimento de atualizao do pensa-mento de Marx feito por Debord.
Em O Capital, que no por acaso possui como subttuloa expresso Crtica da Economia Poltica, Marx escreveu quea riqueza das sociedades onde rege a produo capitalistaconfigura-se em imensa acumulao de mercadorias, e a mer-cadoria, isoladamente considerada, a forma elementar dessariqueza (1975a, p. 41), e que no capitalismo, uma relaosocial definida, estabelecida entre os homens, assume a formafantasmagrica de uma relao entre coisas. (...) Chamo a istode fetichismo (1975a, p. 81). No texto de Sociedade do espet-culo, o sentido destas frases de Marx est dialeticamente con-servado e transformado.
O termo desvio (detournement) utilizado pelo pr-prio Debord para definir esse movimento de apropriao deoutros autores ou produtos culturais feitos por ele, e no podeser compreendido como um processo de apropriao arbitr-rio, marcado pelo esvaziamento do sentido original devido criao de um sentido que nada tem a ver com ele, mas comoum sentido que um desdobramento do sentido original. Oentendimento de que outro sentido surgiu a partir do original
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s pode se efetivar se este for transformado, se houver um des-vio do sentido original, que, como j foi mencionado antes, simultaneamente conservado, pois o ponto de partida, e trans-formado, pois outro sentido surgiu. O que impulsiona e tornalegtimo esse desvio a dinmica do processo histrico. O ca-pitalismo contemporneo e no o mesmo da poca de Marx,a sociedade conservou-se como uma sociedade capitalista, masfoi transformada pela mudana no processo de produo econsumo de imagens. O acmulo de capital desdobrou-se logicae historicamente no acmulo de imagens (espetculos).
Debord no um autor ps-moderno, que esvazia dossignos o seu significado, reduzindo-os a puros significantes (for-mas) a serem apropriados por um jogo meramente esttico deproduo de novas aparncias, que sejam atraentes do pontode vista mercantil. Ele no um produtor de espetculos, maso seu principal crtico. No poderia fazer com o pensamentoou a criao alheias o mesmo que a sociedade capitalista fazcom os objetos e as imagens (ambos transformados em merca-dorias ou atuando a servio delas), que so reificados (trans-formados em coisa), e apropriados pelo processo capitalistade acmulo de capital.
Debord defende que a teoria crtica possui um estiloespecfico, o estilo da negao (1997, p. 132). Sem dvida,esse estilo est presente nos textos dos membros da correnteterica, Escola de Frankfurt, que elaborou o projeto de umaTeoria Crtica, e passou, tambm, a ser identificada por essetermo. No entanto, a presena do estilo da negao nos auto-res da teoria crtica, no sentido abrangente do termo, no sig-nifica que o estilo dos textos seja o mesmo. Se isso aconteces-se, estaramos diante da armadilha da transformao da crticaem frmulas, que os adeptos dessa teoria justamente procu-ram evitar. Como ser visto em seguida, o estilo da negaono a negao do estilo promovida pela indstria cultural.
por isso que o estilo do livro Sociedade do espetculo
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no o mesmo, por exemplo, do livro Dialtica do esclareci-mento de Adorno e Horkheimer. Cada captulo do livro deDebord composto por pargrafos dotados de numerao pr-pria, e que vai do incio ao fim do livro, com tamanhos varia-dos, s vezes com uma nica frase que ocupa apenas algumaslinhas. Por sua vez, no livro de Adorno e Horkheimer os cap-tulos so compostos por pargrafos muito maiores do que opadro normal, s vezes ocupando mais de duas pginas daedio brasileira, e quase sempre mais de uma pgina. Um doscaptulos desse livro tem por objeto a indstria cultural e faz acrtica da padronizao dos estilos artsticos por ela promovi-da. A base para a crtica o argumento de que a indstria cul-tural suprime a diferena entre o particular e o universal. Coma transformao da arte em mercadoria produzida em largaescala visando o acmulo de capital, os artistas perdem a capa-cidade de criarem a sua prpria verso dos estilos artsticosdominantes (Cf. 1985, p. 122-123). Os adeptos da teoria crticapodem e devem produzir as suas prprias verses do estilo danegao.
Mas, a razo para a existncia do estilo da negao, abusca por uma linguagem adequada s caractersticas da teo-ria crtica, no se resume inteno de se combater o esvazia-mento da dimenso crtica, pela transformao dos textos emfrmulas, em clichs. A linguagem precisa ser capaz de darconta da dinmica interna do objeto que procura compreen-der, a linguagem precisa exprimir o movimento do real. Comoassinala o prprio Debord, a linguagem dialtica a consci-ncia terica do movimento, na qual o prprio vestgio domovimento deve estar presente (1997, p. 133). por isso que,ainda segundo ele, essa linguagem crtica da totalidade ecrtica histrica (1997, p. 132).
Em Adorno e Horkheimer, o vestgio do movimento estpresente pela tendncia para um texto quase contnuo, incor-porando a existncia de um real em movimento, que s na apa-
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rncia coisificado, fechado nele mesmo e dotado de limitesclaramente demarcados. Crticos da identificao entre o uni-versal e o particular, a linguagem utilizada por eles trabalha otempo todo nesses dois planos: mencionam-se as caractersti-cas universais da indstria cultural sempre de forma particula-rizada. Com isso o movimento da totalidade, que se procuracompreender e criticar, sempre concretizado historicamen-te. Apenas a ttulo de exemplo, e dentro da discusso sobre oestilo e a indstria cultural, podemos ler, aps um trecho ondeargumentam que o estilo da indstria cultural, que no temmais de se por prova em nenhum material refratrio, ao mes-mo tempo a negao do estilo (Adorno & Horkheimer, 1985, p.122) a abertura de um novo pargrafo onde se afirma que:
No entanto, essa caricatura do estilo descobre algo acer-
ca do estilo autntico do passado. O conceito do estilo
autntico torna-se transparente na indstria cultural como
um equivalente esttico da dominao. A ideia do estilo
como conformidade a leis meramente estticas uma
fantasia romntica retrospectiva. O que se exprime na
unidade do estilo no apenas da Idade Mdia crist, mas
tambm do Renascimento, a estrutura diversificado do
poder social, no a experincia obscura dos dominados
que encerrava o universal. Os grandes artistas jamais fo-
ram aqueles que encarnaram o estilo da maneira mais
ntegra e perfeita, mas aqueles que acolheram o estilo
em sua obra como uma atitude dura contra a expresso
catica do sofrimento, como verdade negativa (Adorno
& Horkheimer, 1985, p. 122).
A crtica do presente, a crtica da caricatura do estilopromovida pela indstria cultural , ao mesmo tempo, crticado passado (do estilo autntico), das relaes de dominaoali existentes, sendo, tambm, um reconhecimento da diferen-
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a entre passado (atuao dos grandes artistas) e presente: uma crtica histrica.
A combinao de crtica da totalidade e de crtica hist-rica, presente em Adorno/Horkheimer e em Debord, teve nofilsofo hngaro Lukcs um dos seus maiores defensores, emespecial no livro Histria e conscincia de classe, que reconhe-cidamente exerceu forte influncia entre os frankfurtianos, eno por acaso uma das poucas obras citadas textualmentepor Debord em Sociedade do espetculo, na abertura do Cap-tulo II.
Lukcs o precursor da valorizao da anlise da mer-cadoria feita por Marx no captulo 1 do Capital, como pontode partida para uma reflexo crtica da sociedade capitalista,em especial do conceito de fetichismo da mercadoria. Ele re-toma o conceito de Marx para questionar o processo decoisificao (reificao) inerente a essa forma de vida social. coisificao Lukcs contrape a necessidade do reconheci-mento da dimenso histrica da vida social, e de um pensa-mento que procure dar conta do social como uma totalidade.
No que diz respeito aos frankfurtianos, a crtica feita porele ao processo de racionalizao da vida social promovido pelocapitalismo foi particularmente influente, como se pode per-ceber nas anlises de Adorno e Horkheimer sobre o esvazia-mento do potencial emancipatrio da racionalidade devido sua reduo razo instrumental. Tanto entre os frankfurtianosquanto em Debord possvel, tambm, perceber a influnciada crtica feita por Lukcs s interpretaes positivistas do pen-samento de Marx, que negavam a influncia da filosofiahegeliana, em especial sua concepo da dialtica. Sem dvi-da, Lukcs no defende que a dialtica em Marx seja a mesmade Hegel, mas argumenta que impossvel tratar o problemada dialtica concreta e histrica sem se estudar mais de perto ofundador desse mtodo, Hegel, e suas relaes com Marx(1974, p. 9).
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Em O Capital, no posfcio segunda edio desta obra,Marx argumentava que a sua concepo do mtodo dialtico oposta a de Hegel, mas que a concepo hegeliana possui umasubstncia racional, j que ele foi capaz de apresentar as for-mas gerais do movimento:
Meu mtodo dialtico, por seu fundamento, difere do
mtodo hegeliano, sendo a ele inteiramente oposto. Para
Hegel, o processo do pensamento que ele transforma
em sujeito autnomo sob o nome de ideia o criador
do real, e o real apenas sua manifestao externa. Para
mim, ao contrrio, o ideal no mais do que o material
transposto para a cabea do ser humano e por ela inter-
pretado. (...)
A mistificao por que passa a dialtica nas mos de
Hegel no o impediu de ser o primeiro a apresentar suas
formas gerais de movimento, de maneira ampla e consci-
ente. Em Hegel, a dialtica est de cabea para baixo.
necessrio p-la de cabea para cima, a fim de descobrir
a substncia racional dentro do invlucro mstico (Marx,
1975a, p. 16-17).
A dialtica entre o universal e o particular, entre a tota-lidade e os seus momentos constitutivos, j aparecia em Lukcscomo fundamental para o mtodo dialtico:
Repita-se: a categoria da totalidade no vai, pois, aboliros seus momentos constitutivos numa unidade indiferenciada,numa identidade; a forma por que a sua independncia se ma-nifesta a forma da sua autonomia autonomia que possuemna ordem de produo capitalista s se revela como puraaparncia porquanto eles chegam a uma relao dialtica edinmica, e se deixam apreender como momentos dialticos edinmicos de um todo, que tambm dialtico e dinmico(1974, p. 28).
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Dialtica segundo AlthusserContemporneo de Debord, Althusser o autor que
desenvolveu da maneira mais sistemtica a noo de que adialtica de Marx nada tem a ver com a dialtica de Hegel.
A sua concepo de totalidade bastante distinta da con-cepo de totalidade de Lukcs, e dos autores da teoria crticade modo geral, embora Althusser se coloque como marxista,tanto quanto os autores da teoria crtica. (Na verdade, ele secoloca como um marxista que est desenvolvendo a verdadei-ra teoria de Marx, enquanto os marxistas da teoria crtica esta-riam presos s concepes do Jovem Marx, que estaria presos concepes de Hegel e Feuerbach).
Para ele, a ausncia de uma exposio sistemtica sobrea dialtica, no uma opo terica decorrente da concepode Marx sobre a necessidade de no transformar a teoria emfrmulas dogmticas, mas sim algo que ele no teve tempo paradesenvolver. A ausncia de textos terico-metodolgicos mui-to desenvolvidos permitiu que Althusser se propusesse a pre-encher essa lacuna, desenvolvendo a teoria e a metodologiaque existiriam em estado prtico, mas que ainda no teriamrecebido o devido tratamento conceitual (Cf. 1979, p. 142-143).
Para Althusser, a teoria uma prtica especfica, dentrodo conjunto das prticas sociais, e construda a partir dasprticas sociais ideolgicas:
Chamaremos de Teoria (com maiscula) a teoria geral,
isto , a teoria da prtica em geral (elaborada, ela prpria,
a partir da Teoria das prticas tericas existentes das
cincias), que transformam em conhecimentos (verdades
cientficas), o produto ideolgico das prticas empricas
(a atividade concreta dos homens existentes). Essa teoria
a dialtica materialista que no constitui mais do que
um todo com o materialismo dialtico (1979, p. 145).
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Althusser (Cf. 1979, p. 168-169) questiona o argumentodo prprio Marx, de que a concepo materialista da dialticaseja uma inverso da concepo idealista de Hegel. Para ele,este argumento ideolgico, pois est baseado no entendimen-to de que o objeto do conhecimento seja a atividade concretados homens existentes, que seria um exemplo da ideologiaempirista. No por acaso, Althusser rejeita como ainda nomarxista a obra A Ideologia alem, escrita por Marx e Engels,onde eles argumentam que a ideologia uma representaodeformada das condies reais de existncia. Ou seja, a crticada filosofia alem, por promover uma inverso entre o ideal eo material, j estava presente antes no pensamento de Marx,tendo em vista que A Ideologia alem foi escrita algumas dca-das antes de O Capital:
Totalmente ao contrrio do que ocorre na filosofia ale-
m, que desce do cu terra, aqui se ascende da terra ao
cu. Ou em outras palavras: no se parte daquilo que os
homens dizem, imaginam ou representam, e tampouco
dos homens pensados, imaginados e representados para,
a partir da, chegar aos homens em carne e osso; parte-se
dos homens realmente ativos e, a partir do seu processo
de vida real, expe-se tambm o desenvolvimento dos
reflexos ideolgicos e dos ecos desse processo de vida
(Marx & Engels, 1989, p. 37).
Althusser entende que a ideologia inerente a todas asformas de vida social, e de que apenas a prtica terica (cin-cia) capaz de romper com a ideologia; o que no aconteceriacom nenhuma outra prtica social.
O aspecto essencial da diferena entre as concepes dedialtica da teoria crtica e de Althusser reside na diferena deentendimento sobre as caractersticas da totalidade e da suahistoricidade. A teoria crtica entende a totalidade como dota-
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da de historicidade e articulada em torno de momentos queno podem ser considerados isoladamente; enquanto que paraAlthusser a totalidade se articula em torno de estruturas rela-tivamente autnomas no interior de uma estrutura maior. Paraele, a dialtica hegeliana despreza a complexidade das contra-dies, reduzindo-as a uma nica contradio. Para ele cabe dialtica marxista investigar quais seriam, tendo em vista umaanlise da totalidade, a contradio principal e as contradiessecundrias, e qual o aspecto principal das contradies (Cf.1979, p. 176).
A busca pela compreenso do carter das contradiesdepende de uma investigao de quais seriam as contradiesdominantes no interior de uma totalidade complexa. ParaAlthusser, que neste momento da sua argumentao, reivindi-ca explicitamente (Cf. 1979, p. 170-171) o pensamento de Mao,o todo complexo possui a unidade de uma estrutura articula-da com dominante (1979, p. 178).
Critica-se Hegel, e por tabela os marxistashegelianos devido ausncia de uma concepo de totali-dade como um todo dotado de uma estrutura. A totalidadehegeliana seria unvoca, enquanto a totalidade althusseriana desigual. Para Althusser, o econmico s determinanteem ltima instncia, acontecendo variaes entre os nveisque dominam a estrutura:
o economismo que identifica, de antemo e para sem-
pre, a contradio-determinante-em-ltima-instncia com
o papel de contradio-dominante, que assimila para sem-
pre tal ou qual aspecto (foras de produo, economia,
prtica...) com o papel principal, e tal outro aspecto (re-
laes de produo, poltica, ideologia, teoria...) com o
papel secundrio quando a determinao em ltima ins-
tncia pela economia se exerce, justamente, na histria real,
em permutaes do primeiro papel entre a economia, a
poltica e a teoria etc... (Althusser, 1979, p. 188).
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Alm de questionar a concepo de totalidadehegeliana, Althusser tambm questiona o historicismo, quemarcaria a concepo de dialtica dos marxistas hegelianos,como Gramsci, que alvo da crtica de Althusser no livro Paraler o capital. Sendo coerente com a defesa da especificidade daprtica social da cincia, ele postula que no existe uma nicadimenso histrica que englobaria toda a vida social. ParaAlthusser a prtica histrica e a prtica terica possuem estru-turas distintas (Cf. 1980, p. 79). Como para ele qualquer apeloao real est impregnado da ideologia empirista, ele tambmsepara a teoria da histria e a histria real:
Reduzir e identificar a histria prpria da cincia da ide-
ologia orgnica e histria econmico-poltica significa,
afinal, reduzir a cincia histria como sua essncia.
A queda da cincia na histria aqui apenas ndice de
uma queda terica: aquela que joga a teoria da histria na
histria real: reduz o objeto (terico) da cincia da hist-
ria histria real; confunde, pois, o objeto de conheci-
mento com o objeto real (Althusser, 1980, p. 78).
Da crtica ao historicismo faz parte um questionamento viso de Marx sobre o enraizamento histrico do conheci-mento. Althusser (Cf. 1980, p. 66-67) recusa os argumentos deMarx, em especial aqueles desenvolvidos no texto Introduo crtica da Economia poltica, de que o conhecimento do pas-sado depende de uma autocrtica do presente. Ele pretendenegar os vnculos entre conhecimento histrico e conscinciahistrica presentes no pensamento de Marx e de autores comoLukcs, Gramsci e os frankfurtianos.
Nada mais distante da linguagem dialtica defendida porAdorno/Horkheimer e Debord do que a linguagem dos textosalthusserianos. Trata-se de uma linguagem muito prxima daviso cartesiana de cincia, voltada para a produo de ideias
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claras e distintas. O prprio Althusser assim se refere ao seuprojeto de releitura do pensamento de Marx: o que est defato em causa uma inteligncia mais rigorosa e mais clara dopensamento de Marx (1979, p. 141). O tempo todo procuradiferenciar, com o mximo de clareza possvel, as suas concep-es das concepes hegelianas do marxismo.
O projeto da Teoria CrticaO artigo Teoria Tradicional e Teoria Crtica, de Max
Horkheimer, publicado pela primeira vez em 1937, pode serconsiderado como a exposio mais abrangente das concep-es da teoria crtica. Horkheimer (Cf. 1975, p. 131) reafirmaa importncia da totalidade como princpio explicativo, e anecessidade de se levar em considerao a historicidade. Elequestiona a teoria tradicional pelo seu direcionamento paraespecializaes, que surgiram como fruto da diviso do traba-lho e colocam a cincia como um campo autnomo e indepen-dente. A concepo althusseriana de cincia pode ser enqua-drada nesta caracterizao da teoria tradicional, assim como asua prpria concepo de totalidade, que uma afirmaoapenas formal do papel da totalidade, j que tende para umreconhecimento da autonomia das estruturas que comporiama totalidade. Os malabarismos tericos de Althusser, como adiferena entre dominncia e determinao, so exemplos dessatendncia para a fragmentao.
Horkheimer articula o tema da totalidade e da histori-cidade, ao afirmar que a totalidade fruto da prxis social, ouseja, do trabalho humano (Cf. 1975, p. 134). Questiona-se aexterioridade entre sujeito e objeto do conhecimento. Para ateoria crtica:
Os fatos concretos que esto dados na percepo devem
despojar-se do carter de mera facticidade na medida em
que forem compreendidos como produtos que, como tais,
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deveriam estar sob o controle humano e que, em todo
caso, passaro futuramente a esse controle (Horkheimer,
1975, p. 140).
O reconhecimento de que a totalidade social fruto deuma praxis social, do trabalho humano, indica a possibilidadedesta totalidade ser transformada e colocada sob controle cons-ciente e racional pelos seres humanos. A historicidade da rea-lidade social inerente capacidade humana do trabalho. Aexistncia da teoria crtica inseparvel da valorizao da di-menso consciente na vida social:
Os pontos de vista que a teoria crtica retira da anlise
histrica como metas da atividade humana, principalmen-
te a ideia de uma organizao social racional correspon-
dente aos interesses de todos so imanentes ao trabalho
humano, sem que os indivduos ou o esprito pblico os
tenham presentes de forma concreta (Horkheimer, 1975,
p. 142).
A linguagem do texto de Horkheimer incorpora a articu-lao entre a prxis social e sua dimenso politico-transformadora, ao trabalhar na mesma frase as caractersticasexistentes na vida social e as possibilidades de sua transforma-o. Movimento do texto e movimento do real esto em sintonia,como j visto nos textos da teoria crtica aqui comentados. En-quanto que no texto de Althusser, marcado pelo racionalismo/positivismo, a linguagem est voltada para a separao e a dife-renciao, o texto de Horkheimer investe na articulao e nomovimento de transformao de algo no seu contrrio.
Como a concepo de dialtica da teoria crtica no amesma da de Althusser, na prtica uma concepo influenciadapelo racionalismo/positivismo, no h para a teoria crtica umadiferenciao absoluta entre o trabalho na sociedade capitalista
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e o trabalho no alienado. A possibilidade de um trabalho noalienado, ou seja, o controle consciente pelos trabalhadores detodo o processo de trabalho, decorre do fato de que, mesmo notrabalho alienado persiste um grau de controle consciente, deracionalidade, por mnimo que seja. Esta uma concepo jpresente no prprio Marx, quando, em O Capital, ele diferenciao trabalho de uma abelha do trabalho de um arquiteto:
Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha
que ele figura na mente sua construo antes de
transform-la em realidade. No fim do processo do tra-
balho aparece um resultado que j existia antes
idealmente na imaginao do trabalhador. Ele no trans-
forma apenas o material sobre o qual opera, ele imprime
ao material o projeto que tinha conscientemente em mira,
o qual constitui a lei determinante do seu modo de ope-
rar e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa su-
bordinao no um ato fortuito (1975, p. 202).
Para a teoria crtica, o processo de construo do conhe-cimento no autnomo, como para Althusser, para quem oresultado de uma prtica especfica, a prtica terica, nem subordinado aos trabalhadores. De forma alguma, o conheci-mento seria uma simples traduo da viso de mundo, do esta-do de conscincia j existente entre os trabalhadores. Como oprprio Horkheimer argumenta (Cf. 1975, p. 143), em momen-tos de crise das perspectivas de transformao social, e aquiele estava pensando na polarizao nazismo/stalinismo quemarcou a poltica alem na dcada de 1930 (crise que se fazpresente hoje com outra configurao ideolgica, que o tri-unfo do neoliberalismo) pode acontecer inclusive um isolamen-to, uma separao, entre o conhecimento produzido pela teo-ria crtica e a viso de mundo dos trabalhadores e dos movi-mentos sociais e polticos a eles vinculados. Mas, a existncia
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desta separao tambm no significa que para a teoria crticao conhecimento produzido sem qualquer vinculao com osinteresses sociais, sendo os intelectuais uma camada socialmen-te autnoma. Como afirma explicitamente Horkheimer, osconceitos da teoria crtica so conceitos crticos voltados paraa transformao social:
Os conceitos que surgem sob sua influncia (do pensa-
mento crtico) so crticos frente ao presente. Classe,
explorao, mais-valia, lucro, pauperizao, runa so
momentos da totalidade conceitual. O sentido no deve
ser buscado na reproduo da sociedade atual, mas na
sua transformao (Horkheimer, 1975, p. 146).
Mais adiante, no mesmo texto, Horkheimer deixa evidentea dimenso poltica de qualquer teoria, e sua insero histrica:
No existe teoria da sociedade, nem mesmo a teoria do
socilogo generalizador, que no inclua interesses polti-
cos, e por cuja verdade, ao invs de manter-se numa re-
flexo aparentemente neutra, no tenha que se decidir
ao agir e pensar, ou seja, na atividade histrica concreta
(1975, p. 149).
O objetivo do texto de Horkheimer mostrar a diferen-a entre a teoria tradicional e a teoria crtica; no entanto, nose trata de uma diferena absoluta, no h uma separao to-tal entre elas. Horkheimer trabalha com a identidade e a dife-rena que existe entre elas. Ambas, por exemplo, trabalhamcom a necessidade de uma coerncia entre os conceitos quefazem parte de uma construo terica. A diferena pode serpercebida no fato de que para a teoria crtica a relao de de-duo entre os conceitos corresponde a uma articulao queexiste na realidade, sendo que a teoria crtica busca compreen-
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der como os elementos da realidade social levam necessaria-mente sua transformao; o que no pode ser feito pela teo-ria tradicional, comprometida com a manuteno da realidadesocial.
O vnculo da teoria crtica com as noes de totalidade ehistoricidade sintetizado por Horkheimer, quando ele afirmaque a teoria crtica um nico juzo existencial desenvolvido:
A teoria crtica da sociedade em seu todo um nico juzo
existencial desenvolvido. Formulado em linhas gerais, este
juzo existencial afirma que a forma bsica da economia
de mercadorias, historicamente dada e sobre a qual repousa
a histria mais recente, encerra em si as oposies internas
e externas dessa poca, e se renova continuamente de uma
forma mais aguda e, depois de um perodo de crescimento,
de desenvolvimento das foras humanas, de emancipao
do indivduo, depois de uma enorme expanso do poder
humano sobre a natureza, acaba emperrando a
continuidade do desenvolvimento e leva a humanidade a
uma nova barbrie (1975, p. 152).
Horkheimer mostra como a teoria crtica busca dar con-ta da dinmica histrica da sociedade capitalista como totali-dade, mostrando, na dcada de 1930, como o desenvolvimentodo capitalismo produziu a barbrie nazista e a necessidade deretomada do processo de emancipao do indivduo.
Voltando, para encerrar este captulo, reflexo sobre arelao entre Debord e a teoria crtica, pode ser dito que nolivro Sociedade do espetculo h o desenvolvimento de um juzoexistencial que vai da afirmao da existncia da sociedade doespetculo, que aparece na primeira frase da obra, toda a vidadas sociedades nas quais reinam as modernas condies deproduo se apresenta como uma imensa acumulao de espe-tculos, (1997, p. 13) at a afirmao, no ltimo pargrafo do
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Cludio Novaes Pinto Coelho
livro, de que os conselhos operrios so a forma desalienanteda democracia realizada, (1997, p. 141) e criam as condiespara o triunfo do dilogo, que colocar um fim sociedade doespetculo. O livro de Debord comea com uma abordagemda nova fase histrica da economia de mercadorias e terminacom uma afirmao de como esta economia poderia chegar aofim. Os vnculos do texto de Debord com o movimento de maiode 1968 so bvios e bastante conhecidos, e o livro pode serconsiderado como uma atualizao do juzo existencial da so-ciedade capitalista feito na dcada de 1930 pela teoria crticade Horkheimer. Horkheimer, juntamente com Adorno, atua-lizou este juzo na dcada de 1940 com o livro Dialtica do es-clarecimento, em especial com o desenvolvimento do conceitode indstria cultural.
Ao final da dcada de 1980, o prprio Debord atualizouo seu juzo existencial sobre o capitalismo, publicando os Co-mentrios sobre a sociedade do espetculo. O texto inicia comele argumentando a respeito do que permaneceu e do que semodificou na sociedade capitalista aps o maio de 1968. O quepermanece o espetculo enquanto o reino autocrtico daeconomia mercantil (1997, p. 156), e a modificao foi o forta-lecimento do espetculo onde ele j existia e a sua existnciaonde ela ainda estava ausente. Debord se volta para a compre-enso do capitalismo consolidado em escala mundial, j que forosamente em tais condies que se desenrolar o con-flito na sociedade (1997, p. 169). Nos Comentrios, procuradar conta do movimento de expanso da sociedade do espet-culo, buscando compreender as mudanas na forma de exerc-cio do poder espetacular, com a formao do poder espetacu-lar integrado, que a fuso das formas de poder anteriormen-te existentes: o espetacular difuso e o concentrado. Com o con-ceito de poder espetacular integrado, Debord chama a aten-o para a presena em sociedades formalmente democrticasde elementos de regimes ditatoriais. Segundo