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Licenciatura em Espanhol O que é literatura Aula 01 Teoria da Literatura I Ana Santana Souza Ilane Ferreira Cavalcante

TEORIA DA LITERATURA I

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Aula 01O que é literatura

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  • Licenciatura em Espanhol

    O que literatura

    Aula 01

    Teoria da Literatura IAna Santana Souza Ilane Ferreira Cavalcante

  • TEORIA DA LITERATURA IAula 01O que literatura

    Professor Pesquisador/conteudistaANA SANTANA SOUZA ILANE FERREIRA CAVALCANTE

    Diretor da Produo de Material DidticoARTEMILSON LIMA

    Coordenadora da Produo de Material DidticoSIMONE COSTA ANDRADE DOS SANTOS

    Reviso LingusticaELIZETH HERLEIN

    Coordenao de Design GrficoROSEMARY PESSOA BORGES

    DiagramaoHERBART MUNIZ DE AZEVEDO JUNIOR

    IlustraoMATEUS PINHEIRO DE LIMA

    EDUCAO, CINCIA E TECNOLOGIA

    Campus EaDRIO GRANDE DO NORTE

    INSTITUTO FEDERAL DE

    C837i Souza, Ana Santana. Teoria da literatura I / Ana Santana Souza, Ilane Ferreira Cavalcante. Natal : IFRN, 2012. Vrias paginaes : il. color.

    ISBN

    1. Teoria da literatura. 2. Literatura Estudo e ensino. 3. Literatura Conceito. I. Cavalcante, Ilane Ferreira. II. Ttulo.

    CDU 82.0

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Joel de Albuquerque Melo Neto CRB 15/320

    GOVERNO DO BRASIL

    Presidente da RepblicaDILMA VANA ROUSSEFF

    Ministro da EducaoFERNANDO HADDAD

    Diretor de Ensino a Distncia da CAPESJOO CARLOS TEATINI

    Reitor do IFRNBELCHIOR DE OLIVEIRA ROCHA

    Diretor do Cmpus EaD/IFRNERIVALDO CABRAL

    Diretora Acadmica do Cmpus EaD/IFRNANA LCIA SARMENTO HENRIQUE

    Coordenadora Geral da UAB /IFRNILANE FERREIRA CAVALCANTE

    Coordenador Adjunto da UAB/IFRNJSSIO PEREIRA

    Coordenador do Curso a Distnciade Licenciatura em Letras-Espanhol

    CARLA AGUIAR FALCO

    charlesbamamTypewritten Text

    charlesbamamTypewritten Text978-85-8333-032-5

  • O que literatura

    p03 Aula 01

    Caro aluno, estamos iniciando os estudos sobre literatura. Nesta primeira unidade, discutiremos alguns conceitos bsicos da teoria da literatura. Comearemos pelo conceito de literatura e seguiremos discutindo a formao do cnone. Em outras palavras, estudaremos o que literatura e como se forma o conjunto das principais obras de um pas ou da humanidade. Por que elas, e no outras, so consideradas literatura e merecedoras da indicao de leituras nas escolas?

    Ao final desta aula, esperamos que voc possa:

    reconhecer a relatividade do conceito de literatura;

    compreender a relao entre poder e formao do cnone literrio;

    refletir sobre a seleo e indicao de textos literrios no ensino de literatura.

    Aula 01O que literatura

    Apresentao e Objetivos

  • Teoria da literatura I p04

    Aula 01

    Para Comear

    Neste papel

    pode teu sal

    virar cinza;

    pode o limo

    virar pedra;

    o sol da pele,

    o trigo do corpo

    virar cinza

    (Teme, por isso,

    a jovem manh

    sobre as flores

    da vspera).

    Neste papel

    logo fenecem

    as roxas, mornas

    flores morais;

    Todas as fluidas

    flores da pressa;

    todas as midas

    flores do sonho.

    (Espera, por isso,

    que a jovem manh

    te venha revelar

    as flores da vspera).

    Joo Cabral de Melo Neto, Psicologia da composio III

    O poema de Joo Cabral de Melo Neto nos apresenta um conjunto de imagens que retratam metaforicamente a composio literria, no caso dele, especificamente, ele o faz em forma de poema. O foco do poema , justamente, a transformao do que concreto e circunstancial em palavra potica. Nessa transmutao da coisa em ideia, o circunstancial fenece, ou seja, morre o passageiro e cristaliza-se a palavra, revelada com o passar do tempo, da noite do sonho, para a manh da revelao, como ele coloca nos ltimos versos.

    A constituio da literatura e sua especificidade o tema desta nossa aula. Vamos a ela?

  • O que literatura

    p05 Aula 01

    Assim

    1. O termo literatura

    O termo literaturatem adquirido diversos contornos e conceitos ao longo do tempo. Hoje, ao pensarmos em literatura, na maioria das vezes, pensamos em um conjunto especfico de textos que caracteriza uma nao, por exemplo, literatura espanhola, literatura brasileira, literatura argentina...

    Mas nem sempre foi assim. De acordo com Aguiar e Silva (1979), a palavra literatura aparece nas lnguas europeias ao longo do sculo XV a partir do termo latino litteratura. Em latim, significava instruo, saber relativo arte de escrever e ler, ou ainda gramtica, alfabeto, erudio, etc. Ou seja, com um uso bem mais genrico do que o que conhecemos hoje. Ainda nos sculos XVII e XVIII, quando se queria denominar o que hoje chamamos literatura, dava-se preferncia a termos como poesia ou belas letras, ou mesmo eloquncia, ao se tratar de textos em prosa. Somente na segunda metade do sculo XVII, o uso do termo vai sendo adaptado, primeiro, para designar uma atividade especfica: a produo textual advinda do saber letrado (literatura mdica, literatura matemtica, por exemplo). Depois, ganha o sentido de conjunto de obras literrias de um determinado pas, associado a a um adjetivo (literatura inglesa, literatura alem). Por fim, j no final do sculo, ganha o matiz semntico de fenmeno literrio geral, no necessariamente de um pas ou de uma lngua, mas criao esttica.

    Mas conhecer a origem e a evoluo semntica do termo no necessariamente nos auxilia a saber o que realmente literatura, no mesmo? Ajuda-nos, no entanto, a observar como uma conceituao difcil, haja vista, a multiplicidade de aplicaes e usos que o termo sofreu ao longo do tempo e que carrega consigo at hoje. De qualquer forma, perguntemos:

    1.1 O que literatura?

    Essa uma pergunta que aflige a muitos. Professores, crticos e poetas procuram definir o que poesia. Carlos Drummond de Andrade, em Procura da poesia, penetra surdamente no reino das palavras e revela: o canto no a natureza / nem os homens em sociedade. E voc, se algum lhe perguntasse o que literatura?, o que voc responderia? Pense um pouco e procure responder antes de continuar lendo este texto. De preferncia, anote sua resposta para retom-la no final desta unidade.

    Fig. 01 - Foto de um dos pisos de uma galeria do museu da lngua portuguesa (So Paulo/Brasil). Cada piso possui um trecho de um poema. Este de A procura da poesia, do livro A rosa do povo (2003), de Carlos Drummond de Andrade.

  • Teoria da literatura I p06

    Aula 01

    No campo da teoria literria, a questo o que literatura? uma das mais presentes e mais difceis de responder. No faltou na trajetria dos estudos literrios quem tentasse estabelecer normas ou modelos disciplinadores do julgamento da obra literria. Para Aristteles, em sua Potica, o valor da obra literria estava diretamente ligado ao referente, ou, para dizer de outro modo, sua competncia para a representao da realidade. Da a mimesis e a verossimilhana comporem os critrios de identificao dos gneros considerados maiores, na viso aristotlica: tragdia e epopeia. Aristteles exclua o gnero lrico por este depender do eu do poeta. J a fico, como imitao do real, era valorizada. Por outro lado, no incio do Sculo XX, o formalismo russo, aplicando a lingustica aos estudos da literatura, advoga o primado da linguagem na valorao da obra literria. Para eles, a literariedade, isto , aquilo que determina se uma obra literria ou no, est na forma, no uso que o autor faz da lngua e no no contedo ou na sua relao com a realidade, o contexto. E qual seria a linguagem considerada literria pelos formalistas russos? A linguagem que se distanciasse do uso comum. Assim, a desfamiliarizao e o estranhamento, seriam itens de avaliao da literariedade da obra. Desse modo, seria literatura o texto que usasse uma linguagem estranha e no familiar ou coloquial.

    Esses modos de pensar sobre o que literatura ilustram bem os caminhos diversos pelos quais seguiram a tradio crtica. Antnio Compagnon, em O demnio da teoria (2001), sugere a substituio da questo o que literatura? por quando literatura?. A primeira questo parece remeter a uma essencialidade do literrio, identificada por caractersticas fixas, permanentes, imutveis. J a segunda aponta para uma relatividade dessas caractersticas.

    Ao mudar a questo para quando literatura?, o contexto passa a ser considerado na hora de estabelecer o conceito de literatura, pois os critrios que estabelecem a dita literariedade variam de poca para poca. Por exemplo, O Guesa, poema pico do sculo XIX, de autoria do maranhense Sousndrade, foi, em seu tempo, pouco ou nada valorizado. Nos anos de 1960, Haroldo e Augusto de Campos fizeram uma reviso da obra do poeta romntico e a consideraram como antecipadora das ideias modernistas de Oswald e Mrio de Andrade. E o que dizer dos escritos de mulheres, relegados ao sto sem obterem a ateno da crtica que lhes era contempornea? Somente com a crtica feminista, essas obras foram revistas e valorizadas como literatura.

    FORMALISMO RUSSO

    Corrente de crtica literria que, de 1914 a 1930, desenvolveu na Rssia uma abordagem dos textos literrios focada na forma. Voc ter maior contato com o formalismo em aulas posteriores. Se quiser complementar a informao, leia CEIA, Carlos. E-dicionrio de termos literrios, disponvel em:

    ht tp : / /www2. fcsh .unl .pt/edtl/verbetes/F/formalismo_russo.htm

    Fig. 02 - Haroldo

  • O que literatura

    p07 Aula 01

    1. Pesquise sobre a evoluo e outros sentidos possveis para o termo literatura.

    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    2. Para voc, o que literatura? Faa uma breve reflexo sobre essa questo, pesquise textos sobre isso e elabore um breve conceito.

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    Mos obra

    o caso do romance rsula, da maranhense Maria Firmina dos Reis, primeira romancista brasileira afrodescendente, situada no perodo romntico. Somente na atualidade, alguns trabalhos acadmicos enfocam a produo da escritora.

    Diante do exposto, parece que no h essncia da literatura, ela uma realidade complexa, heterognea, mutvel (Compagnon, 2001, p. 44). Desse modo, o conceito de literatura depende dos valores da crtica e esta se guia pelos mais diferentes entendimentos no tempo e no espao. Como afirma Compagnon (2001, p.44), uma definio de literatura sempre uma preferncia (um preconceito) erigido em universal. So valores relativos, portanto. Mas so eles que estabelecem o cnone literrio, isto , o conjunto das principais obras literrias, consideradas universais, ou o conjunto de principais obras de um determinado pas, o cnone nacional. Sendo assim, discutir sobre o que literatura demanda discutir sobre a questo do cnone. Esse o assunto do prximo tpico, mas primeiro, que tal parar um pouco e refletir sobre o que voc j viu at agora?

    Fig. 03

  • Teoria da literatura I p08

    Aula 01

    2. A questo do cnone

    O Cnone Ocidental, apesar do ilimitado idealismo dos que gostariam de abri-lo, existe precisamente para impor limites, para estabelecer um padro de medida que tudo, menos poltico e moral. (...) O conhecimento no pode prosseguir sem memria, e o Cnone a verdadeira arte da memria, a autntica fundao do pensamento cultural. (BLOOM, 1995, p. 42)

    Harold Bloom, autor da citao acima, hoje um dos maiores defensores do Cnone, tanto que escreveu um livro intitulado O Cnone Ocidental, em que elabora uma lista dos principais escritores do ocidente. Questionvel e discutvel, o cnone definido por Bloom engloba grandes autores e obras, mas no pode ser considerado definitivo ou completo. De qualquer forma, voc sabe o que cnone?

    Originalmente, o termo cnone designa o conjunto de livros definitivos da Bblia crist. Por extenso, o cnone literrio o conjunto de obras definitivas da humanidade, aquelas consideradas clssicos ou obras-primas porque trata de valores humanos

    essenciais, devendo, por isso, serem estudadas e transmitidas de gerao em gerao. O cnone est, portanto, ligado questo do valor literrio da obra. Desse modo, quando pensamos em literatura, logo pensamos em livros de Cervantes, Shakespeare, Machado de Assis ou Pablo Neruda.

    Essas lembranas, ou outras semelhantes, nos chegam, geralmente, como sinnimo do conceito de literatura. Antes de pensarmos sobre o que literatura, pensamos nas obras que conhecemos como literrias. So aquelas reconhecidas

    pela crtica como tendo algum valor literrio. Nosso universo de leitura formado, quase sempre, por produes que nos foram indicadas por professores ou outros leitores mais experientes, e estes, por sua vez, se orientaram por listas elaboradas pela tradio crtica, pela histria da literatura. E assim, a lista de obras que devem ser lidas pelo pblico vai passando de gerao para gerao, sofrendo apenas uma ou outra alterao. O que a escola indica hoje como leitura obrigatria ainda a mesma de dcadas atrs. A lista coincide com a que proposta pelos livros didticos e esses se guiam pelos manuais de histria literria. Desse modo, todos se sentem seguros de que promovem o ensino de literatura com as obras indispensveis boa formao do aluno.

    Fig. 04 - Hamlet.

    Fig. 05 - Canto general.

    Fig. 06 - Dom Casmurro.

  • O que literatura

    p09 Aula 01

    Quando o assunto literatura, comum que professores de literatura brasileira se lembrem de obras nacionais, aquelas que constam nos manuais de literatura. Provavelmente, quando voc, leitor, foi questionado, no incio desta unidade, sobre o que literatura?, veio-lhe mente a imagem de obras consagradas da literatura brasileira, como as ilustradas aqui. Mas, quando se trata de cnone universal, as obras brasileiras ficam de fora, com exceo de um Machado de Assis. De qualquer forma, se vieram a sua mente obras de outras nacionalidades, certamente, foram obras tambm consagradas, cannicas, dessas consideradas como clssicos da literatura universal, como Romeu e Julieta, de Shakespeare, ou Dom Quixote, de Cervantes.

    Evidentemente, existem obras que no nos vm mente porque

    sequer ouvimos falar delas. Isso, em grande parte, se relaciona com a formao do leitor que, muitas vezes, precria. Por outro lado, muitas no nos chegam porque so esquecidas pela crtica, para no dizer desprezadas, consideradas sem valor literrio. Os motivos para tal desprezo so vrios. Considerando esses aspectos, Flvio Kothe, em O cnone colonial (1997), entende que o cnone deve ser lido como excluso e esta, como preconceito. Para o autor, o cnone estabelecido por uma elite que despreza a produo dos que no fazem parte dela. Segundo Kothe (1997, p. 89): o cnone deslocou a sua formao conforme os centros de poder e da economia: s onde havia poder e dinheiro foi possvel produzir literatura canonizvel. O autor refere-se ao cnone colonial, mas podemos tomar sua assertiva para compreender a formao do cnone em outros tempos e lugares. Assim, na literatura ocidental, as obras ditas universais so eleitas por critrios eurocntricos. Do mesmo modo, o cnone nacional estabelecido pelos setores importantes na produo econmica do pas.

    Mas a questo no to simples. Para Leyla Perrone-Moiss, em Altas literaturas (1998), as posies politicamente corretas, a exemplo da assumida por Kothe, prejudicam o cnone porque julgam as obras pelo seu engajamento social e no pelos critrios literrios. Mas o que so esses critrios literrios? Existe mesmo uma especificidade do texto literrio, uma literariedade, como querem os formalistas russos? Como deve ser a linguagem literria? Difcil e estranha? Diferente da linguagem cotidiana? Se for isso, como considerar literria a linguagem dos modernistas brasileiros Oswald de Andrade e Manoel Bandeira, por exemplo, que, preferencialmente, tomavam como potica a linguagem do cotidiano? Desse ponto de vista, seria literria uma linguagem que ultrapassa a fronteira da palavra, a exemplo do poema concreto Cubogramas, do livro Caixa Preta (1975), de Augusto de Campos e Jlio Plaza (1975)?

    Ou ser que causa tanto estranhamento que, por isso, literatura? Ento no

    Fig. 07 - Romeo y Julieta

    Fig. 08 - Dom quixote.

  • Teoria da literatura I p10

    Aula 01

    seria literatura o poema Ensinamento, do livro Bagagem (1991), de Adlia Prado, cuja linguagem bem familiar?

    Minha me achava estudo

    a coisa mais fina do mundo.

    No .

    A coisa mais fina do mundo o sentimento.

    Aquele dia de noite, o pai fazendo sero,

    ela falou comigo:

    Coitado, at essa hora no servio pesado.

    Arrumou po e caf, deixou tacho no fogo com gua quente,

    No me falou em amor.

    Essa palavra de luxo.

    E o que dizer da literatura de cordel? uma leitura que deve ser includa no cnone, isto , deve ser considerada como leitura indispensvel? Ou sua linguagem popular a exclui da lista de obras fundamentais?

    Evidentemente, as obras no podem ser erigidas ao patamar de consagradas apenas porque apresentam uma linguagem estranha, difcil, somente acessvel aos iniciados. Entretanto, desprezar o modo de articulao da lngua na anlise da obra que usa a palavra como matria prima o mesmo que apreciar um quadro sem prestar ateno nas cores, nas texturas, nos usos que o pintor fez da tinta. A obra literria uma manifestao elaborada da lngua, mas, por si s, esse elemento no suficiente para compreender o fenmeno literrio. Na tradio

    Fig. 09 - cubogramas

    Fig. 10 - Cordel

  • O que literatura

    p11 Aula 01

    historiogrfica, as produes das classes subalternas tm sido excludas e no se pode garantir que essa excluso se d exclusivamente por critrios literrios, afinal, se tais critrios so formulados por uma elite, a excluso no se daria j a partir do estabelecimento desses critrios?

    Por outro lado, segundo Perrone-Moiss (1998, p. 194), a abertura ao anteriormente excludo acarretaria a excluso curricular de grandes reas do saber. A preocupao da autora que, privilegiando o critrio da incluso social, grandes clssicos da literatura universal sejam excludos das leituras escolares, suprimindo o esttico na formao do leitor, a quem, desse modo, estaria sendo negado o acesso ao conhecimento amplo e irrestrito. A autora se refere aos chamados estudos culturais que a partir dos anos de 1950 vm, progressivamente, ampliando os interesses

    de parte da crtica literria, cujo escopo deixa de ser meramente formal e volta-se, principalmente, para os aspectos sociais da obra. Para crticos como Perrone-Moiss, isso significa a morte dos estudos da forma literria, ou da especificidade literria. Para os defensores dos estudos culturais, a dicotomia texto/contexto falsa, pois a forma social intrnseca forma esttica (sobre esse assunto, voltaremos a discutir em outra unidade).

    De qualquer forma, o que parece certo que a formao do cnone deve ser observada com desconfiana, o que no significa que deve ser ignorado. Que todo cnone excludente, isso uma verdade. Mas ele pode ser menos fechado e restritivo, sujeito a alteraes mais comumente do que tem sido. Para isso, o papel do leitor fundamental. O professor, ao selecionar as obras que indicar aos seus alunos, deve pensar com profundidade sobre essas questes. Somente assim, ele pode evitar incorrer no risco de orientar leituras que pouco ou nada contribuiro com a formao do jovem leitor. Em sua experincia como aluno e leitor, que obras voc considera

    mais relevantes? Em sua prtica como docente, que obras voc considera fundamentais para a leitura de seus alunos? Pense nisso!

    No livro Por que ler os clssicos, o escritor talo Calvino determina 14 razes para ler os livros que so considerados clssicos. Mas ele inicia justamente discutindo, o que so clssicos. Para ele: Os clssicos so aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: Estou relendo... e nunca Estou lendo... (CALVINO, 2009, p. 13). Isso se d porque o clssico sempre um livro que reverbera em outros textos e, muitas vezes, estamos lendo um livro recente, assistindo a um filme ou a uma novela e nem sabemos que aquele texto se baseia em um clssico. Por isso, mesmo ao ler pela primeira vez o clssico, voc o reconhecer de outras leituras.

    ESTUDOS CULTURAIS

    Campo da pesquisa acadmica que procura situar os produtos culturais em relao s estruturas sociais. Alm disso, os estudos culturais no privilegiam, como objeto de estudo, os produtos culturais celebrados pela elite intelectual e artstica.

    Complemente a informao, lendo CEIA, Carlos. E-dicionrio de termos literrios, disponvel em: http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/E/estudos_culturais.htm

  • Teoria da literatura I p12

    Aula 01

    1. Faa um exerccio de memria e elabore uma lista com aqueles livros que voc considera mais relevantes em sua trajetria como leitor. No so muitos? No se preocupe. Agora, elabore uma lista daqueles livros que voc considera fundamentais para a sua formao a partir de hoje.

    Mas no pare por a. Lembre-se de buscar esses livros, de l-los e guarde a sua lista, sempre que ler um livro dos que esto l, marque-o como lido e faa alguma apreciao sobre ele. Voc gostou? No gostou? Por qu?

    Mos obra

    Alm disso e sob outro ponto de vista, Calvino lembra que toda releitura de um clssico uma leitura nova, visto que somos sempre capazes de extrair deles novas ideias, novos aspectos, ou mesmo estabelecer novas relaes com outros textos. No toa que os clssicos mantm-se na memria e so sempre reeditados, relidos, refilmados ... Para Calvino, a escola deve fazer com que voc conhea bem ou mal um certo nmero de clssicos dentre os quais (ou em relao aos quais) voc poder depois reconhecer os seus clssicos (2009, p. 22). Ou seja, a escola tem a funo de instrumentalizar o seu conhecimento quanto ao que existe de mais relevante na literatura, essa relevncia, evidentemente, estabelecida no s pelo Cnone, mas pelo prprio professor, visto que ele, em geral, aquele que escolhe o que ser lido e investigado.

    Assim, a responsabilidade do professor est em oferecer ao estudante o acesso ao conhecimento dos clssicos e dar-lhe opo de escolha para que ele, depois, estabelea os seus clssicos, ou seja, aqueles com os quais ele mais se identifica. Pois, indica o prprio Calvino, as escolhas que contam so aquelas que ocorrem fora e depois de cada escola. (CALVINO, 2009, p. 22). Em sua experincia como aluno e leitor, que obras voc considera mais relevantes? Em sua prtica como docente, que obras voc considera fundamentais para a leitura de seus alunos? Pense nisso!

  • O que literatura

    p13 Aula 01

    Autoavaliao

    Leia o texto Cnone e valor, de Flvio Kothe, que compe a nossa pasta de leituras complementares.

    Lembre-se: A atitude de leitura recomendada aquela que se d em rede. Um texto leva sempre a outros textos, de modo que um vai complementando os vazios do outro. Por isso, ao ler, procure informaes nas referncias que o prprio texto indica ou em outras que uma pesquisa espontnea poder oferecer.

    No final desta aula, voc encontrar referncias para leituras complementares que aprofundaro seus conhecimentos sobre os assuntos aqui tratados.

    1. Aps a leitura do texto de Kothe, resuma as ideias principais do autor.

    2. Elabore, ento, um texto em que, a partir de todos os seus estudos sobre o assunto, voc demonstre sua compreenso e sua posio sobre o que literatura e sobre a formao do cnone. Em seguida, compare com a resposta que voc anotou no incio desta unidade sobre o que literatura.

    3. Por fim, reflita sobre o seu repertrio de leitura literria, veja em que ele poderia ser ampliado, pesquise sobre textos literrios que voc acredita que devem ser lidos e inclua-os numa lista contendo ttulo, autor e um pequeno resumo de obras a serem lidas. medida que for lendo os livros listados, assinale-os com um V para indicar que foram lidos e com dois VV para indicar que so adequados para alunos do ensino bsico.

    Nesta aula, voc conheceu a origem e as diversas mudanas de sentido por que passou o termo literatura, compreendeu que, em parte por isso, difcil estabelecer um conceito ou uma definio especfica para esse termo e viu que a compreenso desse conceito de literatura passa pela definio e discusso sobre o que cnone e at que ponto ele deve ser mantido ou ampliado.

    J sei!

  • Teoria da literatura I p14

    Aula 01

    No texto abaixo, voc pode acompanhar uma discusso sobre o que forma o cnone.

    SOUZA, Ana Santana. A fortuna crtica e a questo do cnone. In: _____A nao guesa de Sousndrade: uma narrativa em viagem. So Lus: AML/EDUEMA/FSADU, 2008.

    Um passo a mais

    AGUIAR E SILVA. Vitor Manuel de. Teoria da literatura. 8 ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1979.

    ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. Rio de Janeiro: Record, 2003.

    BLOOM, Harold. O cnone ocidental. 4 ed. Traduo Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

    CALVINO, Italo. Por que ler os clssicos. In: _____.Por que ler os clssicos. Traduo Nilson Moulin. So Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 9-16.

    CALVINO, Italo. Por que ler os clssicos. So Paulo: Penguin, 2009.

    CAMPOS, Augusto de; PLAZA, Jlio. Caixa preta. So Paulo : edio dos autores, 1975.

    CEIA, Carlos. E-dicionrio de termos literrios. Disponvel em: http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/

    COMPAGNON, Antoine. O demnio da teoria: literatura e senso comum. Traduo de Cleonice P. B. Mouro, Consuelo Fortes Santiago. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001.

    EAGLETON, Terry. O que literatura. In: ____.Teoria da literatura: uma introduo. So Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 1-22.

    KOTHE, Flvio Ren. Cnone e valor. In: ____.O cnone colonial: ensaio. Braslia: Editora da Universidade de Braslia, 1997. p. 103-140.

    Referncias

  • O que literatura

    p15 Aula 01

    Fonte das figuras

    Fig. 01 - http://2.bp.blogspot.com/_30i1SslPDIA/R_waKpMpCII/AAAAAAAAAMc/F2wS--1eG5g/s200/penetra.jpg

    Fig. 02 - http://www.eutomia.com/images/cronicainferno01.png

    Fig. 03 - http://www.editoramulheres.com.br/imagens/bk_ursula.jpg

    Fig. 04 - http://marchaparaoeste.blogspot.com.br/2010/04/hamlet.html

    Fig. 05 - disponvel em: http://www.amazon.com/Canto-General-Pablo-Neruda/dp/0520054334

    Fig. 06 - http://www.sinopsedolivro.net/livro/dom-casmurro.html

    Fig. 07 - http://shadowykisses.blogspot.com.br/2011/09/resena-romeo-y-julieta-william.html

    Fig. 08 - http://extramq.marioquintana.com.br/projetos/projetos/arquivos_leitura/DomQuixote2.jpg

    Fig. 09 - http://www2.uol.com.br/augustodecampos/06_03.htm

    Fig. 10 - http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/rack-cordel_1213370309.jpg

    PERRONE-MOISS, Leyla. Altas literaturas: escolha e valor na obra crtica de escritores modernos. So Paulo: Companhia das Letras, 1998.

    PRADO, Adlia . Bagagem. In: ____Poesia reunida. So Paulo: Siciliano, 1991.