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Adriano Sérgio Lopes da Gama Cerqueira Teoria Política Ouro Preto/MG, 2009 Teoria Política..indd 1 29/6/2010 09:14:11

Teoria Política

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teoria politica

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  • Adriano Srgio Lopes da Gama Cerqueira

    Teoria Poltica

    Ouro Preto/MG, 2009

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  • PRESIDENTE DA REPBLICALuiz Incio Lula da Silva

    MINISTRO DA EDUCAOFernando Haddad

    REITOR DA UFOPJoo Luiz Martins

    VICE-REITOR DA UFOPAntenor Rodrigues Barbosa Junior

    DIRETOR DO CEADJaime Antnio Scheffler Sardi

    VICE-DIRETORA DO CEADMarger da Conceio Ventura Viana

    COORDENAO DA UAB/UFOPTania Rossi Garbin

    Glucia Maria dos Santos Jorge

    COORDENAO DO CURSO DEADMINISTRAO A DISTNCIAJaime Antnio Scheffler Sardi

    COORDENAO ADMINISTRATIVA DO CEADIracilene Carvalho Ferreira

    REVISOElinor de Oliveira Carvalho Maria Teresa Guimares

    CAPA E LAYOUTDanilo Frana do Nascimento

    DIAGRAMAOAlexandre Pereira de Vasconcellos

    Copyright 2009. Todos os direitos desta edio pertencem ao Centro de Educao Aberta e a Distncia da Universidade Federal de Ouro Preto (CEAD/UFOP). Reproduo permitida desde que citada a fonte.

    C416t Cerqueira, Adriano Srgio Lopes da Gama. Teoria poltica/ Adriano Srgio Lopes da Gama Cerqueira. - Ouro Preto : UFOP, 2008. 66 p.

    ISBN: 978-85-98601-28-1 1. Cincia poltica. 2. Cincias sociais. I. Universidade Federal de Ouro Preto. II. Ttulo CDU: 321

    Catalogao: Sisbin/UFOP

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  • SUMRIOApresentao. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4Captulo 1 - Introduo: Conceito de Poltica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7Captulo 2 - Teoria Poltica na Antigidade: tica e Poltica. . . . . . . 11Captulo 3 - Teoria Poltica na poca Moderna: as Utopias. . . . . . . . 21Captulo 4 - Maquiavel e a Importncia de O Prncipe. . . . . . . . . . . . 29Captulo 5 - Contrato Social. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33Captulo 6 - Representao Poltica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37Captulo 7 - Pensamento Contemporneo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49Concluso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

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  • Prezado aluno,

    Vamos iniciar uma anlise de Poltica, entendida como uma disciplina estruturada ao longo de sculos de debates tericos e reflexes sobre momentos histricos de diferentes sociedades. O nosso esforo se concentra no s em mostrar a amplitude de investigao permitida, mas tambm em demonstrar a riqueza terica presente no estudo de Poltica, pela anlise de autores de diferentes pocas histricas e, portanto, de sociedades distintas.

    Optamos por fazer a discusso da Teoria Poltica por meio de campos de investigao, ao invs de faz-la por uma coleo de autores considerados importantes. Desse modo, comeamos a anlise com a conceituao de Poltica, demonstrando a necessidade de apresentar previamente um conceito do que se prope investigar.

    Em seguida, apresentamos a viso desenvolvida na Antigidade Clssica e amparada no exerccio da Poltica. Nesse aspecto, certos autores, como Scrates, Protgoras e Plato, so privilegiados.

    A seguir, avanamos para a poca medieval, iniciada com a discusso das utopias elaboradas, que so elementos fundamentais no embate poltico, pois em torno delas se estruturam ideologias que pretendem governar as aes polticas.

    Logo aps, vamos discutir uma obra singular no pensamento poltico. Estamos falando de O Prncipe, de Maquiavel, do qual so apresentados os elementos bsicos e indicada a relevncia para a Teoria Poltica.

    Depois vem a anlise introdutria dos chamados contratualistas: caractersticas bsicas, relevncia e contemporaneidade de suas formulaes.

    Em seguida, analisamos a emergncia do sistema de representao poltica que vigora majoritariamente nas sociedades contemporneas, sendo investigados os fundamentos e os autores que trabalham mais detidamente com o tema.

    Depois discutimos a ao das minorias na Poltica contempornea, fenmeno relevante e bastante estudado. Obras de alguns autores influentes esto selecionadas, para anlise.

    APRESENTAO

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  • CAPTULO 1

    Introduo: Conceito de Poltica

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  • Teoria PolticaIntroduo: Conceito

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    O que Poltica? Essa pergunta aparece quando se prope investigar um tema to rico em contribuies analticas, que tradicionalmente envolve polmicas que parecem no ter fim. O desafio investigar tpicos considerados fundamentais na abordagem de Poltica, pensada como um eixo de compreenso da vida humana.Ao mesmo tempo, a Histria revela um quadro de muita riqueza referente s contribuies trazidas por pensadores de diversas culturas e pocas histricas distintas. A propsito, ao apresentar uma discusso sobre Teoria Poltica, muito importante alertar que, em que pesem diferenas culturais e histricas dos autores citados, possvel analisar as contribuies tendo como foco a lgica pela qual foram desenvolvidas e colocando em segundo plano o aspecto histrico ou cultural.Mas voltamos pergunta inicial: O que Poltica? Para iniciar a discusso, vamos partir da definio de importante cientista poltico brasileiro, Fbio Wanderley:

    O poltico o que tem a ver com a escassez engendrada pela coexistncia - o que abarca, no sentido convencional destas expresses, o econmico, o poltico, o social, o religioso e o que seja como fontes de divergncias ou conflito.

    Destaca-se, nessa definio, uma palavra crucial: escassez. No uma escassez qualquer, mas uma que surge em grupos de indivduos que coexistem em determinado espao (uma casa, uma cidade, um pas, etc.). A percepo de alguns, ou de todos, de escassez remete a um problema: como super-la? A superao completa e definitiva, ou parcial e temporria? Se for, quem ser beneficiado em primeiro lugar? Quem ficar em segundo? Quem no ser beneficiado? Por que alguns sero e outros no? Como garantir que o acertado seja, de fato, obedecido? E por a vai.Observamos a perspectiva de disputa gerada na coletividade onde esteja ocorrendo a dificuldade de satisfazer todas as pessoas quanto s suas necessidades. O poltico emerge, portanto, em uma ordem coletiva que est sendo debatida, diante de alguma insatisfao motivada, por sua vez, pela constatao da carncia de algo considerado importante. Como se comportar nesse meio, com esse tipo de disputa? Como promover regras aceitveis para o maior nmero de pessoas? Como assegurar que essas regras sejam aceitas por todos?

    1 - REIS, Fbio Wanderley -A delimitao do poltico nos trabalhos sobre partidos, eleies e crise institucional em Cincias Sociais hoje - Estado, participao poltica e democracia, n. 3, 1985, So Paulo: ANPOCS - CNPq, p. 128.

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  • Teoria PolticaIntroduo: Conceito

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    Atividades

    1 - Pesquise, consultando jornais, revistas ou outro meio de publicao, a respeito de algum debate sobre o acesso a determinado bem.2 - Relacione a situao pesquisada com o conceito de poltica apresentado neste captulo. 3 - Faa um relatrio com o resultado de sua pesquisa.

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  • CAPTULO 2

    Teoria Poltica na Antigidade: tica e

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  • Teoria PolticaTeoria Poltica na Antigidade: tica

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    Historicamente, a abordagem da relao entre tica e Poltica teve grande desenvolvimento na Grcia Clssica, nos sculos IV e V a.C., nas obras de Tucdides, nos Dilogos de Scrates (por Plato) e no prprio Plato, tendo Atenas como cenrio e objeto de discusso.O debate enfoca a experincia democrtica ateniense, desenvolvida por sucessivas reformas constitucionais, durante o sculo V a.C. De um lado, destacam-se os sofistas e, de outro lado, o pensamento socrtico, extremamente crtico no tocante s experincias democrticas atenienses, tanto no campo da Poltica quanto no da Educao. O ponto principal desse pensamento situa-se nas possibilidades de se ensinar a qualquer homem a virtude poltica. Segundo Scrates, esse tipo de excelncia ou capacidade no est presente em todos os homens, mas em poucos, sendo bastante ilusria a possibilidade de ensin-la a qualquer um.Percebe-se, nas crticas de Scrates democracia ateniense, um pensamento que defende a noo de hierarquia social bem contrria s posies de alguns sofistas, como Trasmaco, Calicles e Protgoras. Quais so as diferenas? Para Scrates, h distino no potencial intelectual dos homens, pois alguns tm maior capacidade intelectual que outros. Assim, a investigao sobre como viver de modo mais justo, em sociedade, no assunto para ser discutido por qualquer pessoa. Mas, para muitos sofistas, qualquer homem pode fazer poltica.De acordo com a definio de justia apresentada por um dos sofistas, Trasmaco, os homens se comportam orientados pela busca de satisfaes, s contida diante de uma fora mais poderosa, estando na ameaa do uso de tal fora a possibilidade de se garantir a coexistncia. No caso da coletividade, o Estado representa essa fora e a governa segundo a sua convenincia. Aos sditos resta o bom senso de seguir as determinaes do Estado, estipuladas na legislao vigente, que age de forma conveniente para o chefe ou governante. O que se destaca dessa formulao a funcionalidade da legislao, que objetiva apenas atender s convenincias do mais forte, o governante, estimulando com isso um comportamento social egosta e voltado para a busca irrefrevel de vantagens, na qual apenas os simplrios levam desvantagem. O desfecho da argumentao de Trasmaco apresenta a definio de tirania:

    (...)arrebata os bens alheios s ocultas e pela violncia, quer sejam sagrados ou profanos, particulares ou pblicos, e isso no aos poucos, mas de uma s vez. Se algum for visto a cometer qualquer destas injustias de per si, castigado e recebe as maiores injrias. Efectivamente, a quem comete qualquer destes malefcios isoladamente, chama-se sacrlego, negreiro (sic), gatuno (sic), espoliador, ladro. Mas se um homem, alm de se

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    apropriar dos bens dos cidados, faz deles escravos e os torna seus servos, em vez destes eptetos injuriosos, qualificado de feliz e bem-aventurado, no s pelos seus concidados, mas por todos os demais que souberam que ele cometeu essa injustia completa.

    A resposta de Scrates ao pensamento de Trasmaco demonstra a inviabilidade da coexistncia baseada em tais princpios, em razo da impossibilidade de manuteno de laos de solidariedade decorrente das desconfianas e das revoltas geradas entre os indivduos. Um Estado baseado em tais fundamentos fatalmente se desintegra ou dominado por outros Estados, devido existncia de faces: o perigo maior uma stasis ser implantada no seu interior.Portanto o pensamento de Trasmaco pe em relevo uma lei natural que guia o comportamento humano, tornando-o capaz de superar qualquer legislao disposta a ordenar a coexistncia entre indivduos. O relativismo presente em tal posio refere-se ao predicado da lei, dirigido s estratgias individuais - a convenincia, ou no, de determinada legislao ser, ou no, seguida. Portanto repousa em critrios subjetivos.Conseqentemente, o pensamento de Trasmaco leva condenao de qualquer possibilidade de aperfeioamento moral do indivduo na coletividade. Contra esse tipo de formulao, Scrates, Plato e Protgoras se dedicam ao assunto, com a preocupao de resgatar a funo educadora ou formativa (paideia) da polis.Ao desenvolver politicamente o conceito de arete em A Repblica, Plato tenta recuperar a importncia da polis na formao do indivduo. Assim, ele define justia por meio de princpios, ficando o indivduo ligado a uma funo social. ordenao da alma individual, denotao da virtude, corresponde uma funo adequada ou posio social, caracterizando-se, assim, uma situao de justia. Isso bem demonstrado por Barker:

    A Justia, afinal de contas, no uma arte - no sentido de tcnica que possa ser adquirida empiricamente, e empregada vontade em qualquer um de dois sentidos opostos.(...) Ela no uma tcnica, mas uma qualidade espiritual, uma inclinao da alma; uma qualidade e inclinao tal que quem a tem no pode deixar de agir de uma certa maneira: incapaz de injuriar os outros, ou de diminuir qualquer pessoa, seja amiga ou inimiga. Finalmente, a justia verdadeira denota a idia de servio o que, por sua vez, leva noo do todo social ao qual o servio prestado.

    1 - Plato. A Repblica, passagens de 344a at 344c.2 - BARKER, E. Teoria Poltica Grega, p. 154. Ver tambm Plato. A Repblica, passagens de 369a at 372c.

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    Fica evidente a idia da associao do indivduo com uma ordem social, cujo desenvolvimento se fundamenta na harmonia gerada pela adequao da natureza individual ao desempenho correto de uma funo socialmente determinada. A felicidade pessoal est necessariamente ligada forma como se ordena a sociedade.Nesse ponto, Plato parte para a investigao do sistema poltico mais adequado ordenao social justa dos indivduos. Para tal, procura demonstrar a existncia de distino entre os indivduos, diretamente relacionada com o exerccio de funes sociais. Essa distino aparece elaborada no mito platnico da modelao de homens, feita por Deus, de ouro, prata, ferro e bronze, o que determina trs classes de indivduos, cada qual adequada a uma funo social especfica. Aos homens modelados no ferro e bronze corresponde a funo de trabalhar (lavradores e artfices), aos modelados na prata, a funo guerreadora e aos modelados no ouro, a funo exclusiva de governar.O cumprimento da disposio natural para uma funo especfica repousa, segundo Plato, no carter individual, isto , em determinado tipo de ordenao dos elementos constitutivos da alma, responsvel pelo universo das aes individuais. Esses elementos so razo, irascibilidade e desejos. De acordo com Plato, razo cabe o papel de ordenar a alma, tendo a irascibilidade o papel de auxiliar a primeira no embate decisivo contra os desejos. Uma ordenao nesses moldes corresponde temperana, caracterstica que no s pode, mas deve estar presente em todos os homens, pela correta educao, sendo fundamental para o estabelecimento da ordenao social justa:

    Porque no como a coragem e a sabedoria, que, existindo cada uma s num lado da cidade, a tornavam, uma sbia, a outra corajosa, que a temperana actua. Esta estende-se completamente por toda a cidade, pondo-os todos a cantar em unssono na mesma oitava, tanto os mais fracos como os mais fortes, como os intermdios, no que toca ao bom senso, ou se quiseres, fora, ou se quiseres, abundncia, riquezas ou qualquer outra coisa desta espcie. De maneira que poderamos dizer com toda a razo que a temperana esta concrdia, harmonia, entre os naturalmente piores e os naturalmente melhores, sobre a questo de saber quem deve comandar, quer na cidade quer no indivduo.

    Conclui-se que as disposies naturais dependem, para pleno desenvolvimento, de uma educao capaz de dirigir o aprendizado para o desempenho correto da funo mais adequada sua natureza. A paideia

    3 - PLATO. A Repblica, passagem 432.

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    assume, pois, um significado tico, por vincular intimamente a definio do carter individual com os destinos da coletividade.Nesse sentido, aos homens de natureza superior cabe o governo da polis, aps especfico e rigoroso aprendizado, aliado a um sistema de vida comunal que os capacita para alcanar um saber filosfico destinado aos melhores - os aristoi. Uma polis comandada pelos aristoi assemelha-se, segundo esse pensamento, ao governo da alma pela razo.A concluso bvia caminha para a definio da aristocracia como a melhor forma de governo, por permitir a instalao de um estado de justia favorvel ao desempenho exclusivo da funo de governo pelos indivduos dotados de esprito filosfico. A Poltica, em Plato, torna-se, pois, um saber especializado, destinado, por natureza, a poucos.Com isso, a frmula de Scrates - virtude conhecimento - transforma-se em um postulado poltico, ao traduzir a necessidade de cada indivduo reconhecer a sua verdadeira posio social, adequada s suas qualidades naturais.O pensamento socrtico, apresentado por Plato, atacou diretamente a democracia ateniense. Este, em A Repblica, se refere assemblia e aos tribunais, instituies pilares da democracia ateniense, como locais inadequados educao poltica - por permitir o acesso indistinto de cidados s deliberaes polticas. Esse seria um sistema de governo licencioso, sob o domnio de toda espcie de desejos, no mais contidos nem pela cincia - no caso de um governo aristocrtico - nem pela fora no caso de um governo oligrquico. Torna-se evidente, pelos padres de Scrates e Plato, a falta de funo social do estado de licenciosidade entre os indivduos, assentado no princpio da igualdade de todos perante a lei. Portanto um estado de injustia apenas pela tirania, que caracterizada pela perda da liberdade, to excessivamente desenvolvida na democracia.Mas interessante observar que a edificao da ordem social, tal como foi defendida pelos pensamentos de Scrates e Plato, est associada a um critrio naturista, diretamente relacionado s potencialidades individuais, e no a supostas leis naturais que inevitavelmente determinariam o comportamento individual na coletividade, tal como foi defendido por Trasmaco. No pensamento socrtico, a educao assume um papel decisivo para os destinos da polis, resgatando a importncia da interveno humana. A desigualdade natural requer, portanto, a construo, feita pelos homens competentes, de uma ordem social apta ao pleno desenvolvimento individual, apenas limitado pelas intromisses da natureza. Da o significado da frase de Scrates: Virtude conhecimento.Diferente o pensamento de Protgoras, como est exposto em um dilogo escrito e apresentado por Plato Protgoras e Meno -, o que levanta srias

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    dvidas quanto autenticidade do pensamento desenvolvido, bem como o problema que envolve a autoria das formulaes atribudas por Plato a Scrates.De qualquer forma, no deixa de ser um documento que registra posicionamento favorvel democracia como sistema poltico aberto participao de qualquer cidado, contra o qual Scrates, como apresentado por Plato, prontamente se posiciona.No referido Dilogo, Protgoras, que inicialmente responde afirmativamente pergunta de Scrates acerca da possibilidade de se ensinar virtude poltica a qualquer pessoa, acaba por desenvolver uma teoria favorvel aos princpios democrticos de participao poltica. Afinal, o saber poltico no , como pensam Scrates e Plato, uma qualidade naturalmente restrita a um grupo seleto de indivduos - os aristoi pois passvel de ser adquirido por qualquer cidado devidamente educado para isso.O ponto central da argumentao de Protgoras refere-se caracterizao da arete como universal, e no restrita a uma parcela da humanidade, estando a sua origem diretamente relacionada s necessidades da vida coletiva. Assim, cada indivduo, segundo Protgoras, pode ser um agente transmissor de virtude, em que pesem as diferentes concentraes dessa habilidade que se poderiam verificar em cada um. Nessa medida, a polis recebe de Protgoras o mais vigoroso apoio sua caracterizao de centro formador da civilizao grega, responsvel pelo aperfeioamento moral de cada cidado inscrito nos seus domnios.Como j foi adiantado, a defesa da necessidade da insero individual em um sistema de vida coletiva aproxima significativamente o pensamento de Protgoras dos de Scrates e Plato. A diferena reside basicamente nos limites da paideia individual, isto , nas possibilidades de se universalizar o aprendizado poltico, pice da formao cultural do cidado plenamente constitudo. Segundo Scrates e Plato, como j foi visto, cada indivduo deve ter uma formao educacional adequada s suas potencialidades naturais, impossibilitando-se, conseqentemente, o ideal de uma paideia extensiva a todos. Protgoras, em contrapartida, sustenta essa possibilidade, com base no princpio da imperfectibilidade do homem, que necessita da vida coletivamente compartilhada, para desenvolver-se continuamente. interessante observar a maneira como Protgoras constri a sua argumentao, em oposio ao mtodo socrtico de pergunta-resposta. Assim, na defesa de suas idias, Protgoras recorre narrao de um mito referente s origens do homem, que foi dotado por Prometeu de habilidades para uma srie de artes que lhe permitissem sobreviver, apesar das imperfeies naturais. Entretanto Prometeu deixou de incluir uma habilidade, impossvel de ser roubada, por estar sob a guarda de Zeus: Desta forma o

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    homem adquiriu recursos suficientes para se manter vivo, mas no adquiriu sabedoria poltica.Mas a posse dessas habilidades no garantiu a sobrevivncia do homem, exposto s dificuldades naturais, representadas pelas bestas selvagens. Sendo assim, cedo o homem percebeu a necessidade de se unir a outros, para permanecer vivo. O problema que nenhuma tentativa de unio podia se desenvolver devido s ofensas e aos ataques mtuos, que geravam afastamento e terminavam por colocar em perigo, mais uma vez, a prpria sobrevivncia humana. nesse momento que Protgoras se afasta nitidamente do pensamento de Trasmaco, considerando a falta de habilidade poltica o fator determinante do insucesso das tentativas de unio. Portanto isoladas as disposies naturais no garantem a perpetuao humana, pois impossibilitam a permanncia em uma coletividade. A fim de resolver esse grave problema, Zeus acabou por ordenar a distribuio, entre os homens, da aptido para o respeito mtuo e o senso de justia. Mas essa distribuio, ao contrrio da forma como as outras artes tinham sido repartidas de maneira desigual, determinando o surgimento de especialistas - foi realizada de outra forma. Nesse ponto, Protgoras alcana o desfecho de sua histria, ao formular a resposta de Zeus pergunta de Hermes sobre como proceder na distribuio das virtudes referentes ao respeito e justia Disse Zeus:

    Para todos. Deixe todos terem a sua poro. Nunca poderia haver cidades se apenas uns poucos compartilhassem estas virtudes, tal como se d nas artes. Alm disso, voc dever baixar como minha lei que se algum pessoa for incapaz de adquirir essas duas virtudes dever ser condenada morte como uma praga para a cidade.

    Protgoras define a punio de atos criminosos como evidncia da possibilidade de se ensinar virtude cvica aos cidados, pois o objetivo a ser perseguido, com a punio, no se restringe reparao da injria sofrida, mas visa principalmente salvaguarda do futuro da coletividade. A finalidade , pois, a educao cvica de cada cidado.Tudo na coletividade conflui, portanto, para o aperfeioamento moral do indivduo, dos aprendizados ocorridos na infncia at os preceitos legais, o que revela a possibilidade de ensino da virtude a qualquer um de seus membros. Da a importncia de que cada cidado tenha aberta para si a participao nas discusses que envolvem os destinos da coletividade, no s no que diz respeito sua contribuio, mas principalmente no que diz respeito sua formao poltica e moral. Assim, na medida em que o Estado se configura por uma legislao garantidora da convivncia pacfica entre os homens, ele assume necessariamente um

    4 - PLATO. Protagoras and Meno. passagem 322d.

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    papel educativo, o que coloca o pensamento de Protgoras, nesse aspecto, como um antecipador das postulaes de Plato, como foi destacado por Barker. Mas essa aproximao limitada, j que a refutao de Scrates a Protgoras se encaminha para demonstrar ser a virtude constituda por partes inseparveis, de tal forma que a posse de uma leva posse das demais. Essas partes so: a justia, a coragem, a temperana, a bondade e a sabedoria. No restante do Dilogo, Scrates procura demonstrar a tese da inseparabilidade dos componentes da virtude. No final, conclui, logicamente, que virtude conhecimento, em razo da necessidade de uma cincia capaz de orientar adequadamente as aes humanas. Em que pesem as concluses de Scrates, o pensamento de Protgoras destaca-se por resgatar a educao que uma ordem social adequada politicamente pode propiciar a cada cidado. Alm disso, representa poderoso argumento contra as proposies carregadas de individualismo extremado, ao demonstrar a instabilidade existencial de qualquer indivduo inserido no Estado. Contrariamente ao suposto princpio democrtico baseado na idia de uma lei natural universal, irredutvel em relao a qualquer ordem posterior construda pelos homens, as conseqncias polticas de tal posicionamento levam, logicamente, condenao de todo sistema poltico fundado em princpios participativos. Afinal, como garantir o respeito s decises previamente acordadas, sem a fora? Nesse aspecto, os pensamentos de Scrates e Plato poderiam ser continuadores, observadas as diferenas fundamentais, do pensamento de Protgoras. Porm, em vez de continuadores, Scrates e Plato, acima de tudo, foram limitadores dos possveis desdobramentos da teoria democrtica desenvolvida por Protgoras.Outro fator deve ser mencionado no tocante a esse debate. Embora, no contexto ateniense, houvesse um campo restrito participao - necessidade de ser considerado um cidado - o exerccio da poltica tornou-se ainda mais limitado. De fato, ao se analisar o desenvolvimento do aparato pblico-administrativo, na Idade Moderna, com a concomitante instaurao de um modo representativo de participao poltica, percebe-se claramente a ampliao de prticas elitistas no campo poltico. Assim, a questo fundamental investigar em que medida a ampliao dessa restrio favoreceu o desenvolvimento de maior distino entre tica e Poltica, no aspecto mais direto, isto , na prpria participao.

    GLOSSRIOPOLIS: unidade poltica e espiritual dos gregos, referncia e fonte de metas para as aes individuais.SOFISTAS: mestres ambulantes que, por pagamento, ensinavam sem

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    maiores distines, em um campo de conhecimento que ia da Astronomia Poltica e que, no tocante tica, assumiram posies com tendncias mais ou menos acentuadas para o relativismo moral. Alm disso, foram os primeiros a romper, na Educao, os limites impostos pela tradio e referentes apenas aristocracia. Isso teve repercusses decisivas no debate acerca da viabilidade de todos os cidados da polis ateniense terem acesso ao ensino da virtude - arete poltica.ARETE: eficcia em determinada atividade, de acordo com Scrates, vinculada aquisio de um saber competente.STASIS: fracionamento da vida social motivado por interesses parciais de grupos de indivduos, o que levava ao fim da unidade e, muitas vezes, ao estado de guerra civil.PAIDEIA: completa formao moral e poltica do indivduo inserido, segundo a definio clssica de Jaeger, em uma comunidade poltica, a ponto de tornar-se intimamente ligado a ela.

    Atividades

    1 - Identifique o conceito de justia defendido por Scrates e o conceito de justia defendido por Trasmaco, e depois destaque os pontos de discordncia. Apresente suas concluses em um pequeno relatrio.2 - Pesquise (em livros, enciclopdias ou outros meios de publicao) a respeito de dois autores citados neste captulo. Faa um relatrio com os principais pontos que voc julgou importantes no que leu sobre esses dois autores.

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  • CAPTULO 3

    Teoria Poltica na poca Moderna: as Utopias

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    O perodo que vai do sculo IX ao XV conhecido como poca medieval, cujas caractersticas gerais so o modo de vida rural e a economia marcada por baixo padro de trocas monetrias e por trocas em espcie (produto por produto). No plano poltico, ocorreu profunda descentralizao, marcada pelo controle da vida social por grupos designados para essa funo, como a aristocracia feudal, qual era atribuda a funo de governar a sociedade.No final da era medieval (incio da era moderna), ou seja, nos sculos XV e XVI, um movimento cultural significativo se formou e deixou importante herana no debate poltico: o Renascimento. Quais eram suas caractersticas gerais?A primeira, em razo do carter ilustrado - exemplificado na recuperao dos estudos clssicos, principalmente os gregos foi a preferncia por setores da sociedade em que havia a presena de capital mercantil que pudesse ser investido na promoo cultural ( proteo ao trabalho de artistas, financiamento da educao letrada, amparo s atividades musicais).A segunda, conseqentemente, foi a concentrao nos grupos sociais que gozavam de condies mnimas para o investimento cultural, como os comerciantes e os setores da aristocracia que estavam se urbanizando mediante o convvio na Corte Real.Apresenta-se ainda a terceira caracterstica, que se referia constituio da Corte do Rei, processo decorrente da centralizao monrquica, que, a partir do sculo XVI, se agilizou na face ocidental da Europa. Como uma espcie de mecenas pblico, a Corte financiou boa parte das obras artsticas no perodo assinalado, representando verdadeiro estmulo para o Renascimento, em que pesem as acusaes em sentido contrrio.Portanto, como movimento cultural, o Renascimento foi um fenmeno restrito a uma parcela minoritria da sociedade europia dos sculos XV e XVI. Exatamente por seu carter letrado, financiado e urbano, representou pequena parcela de uma sociedade, que, at meados do sculo XIX, alojou a grande maioria da populao em pequenas localidades rurais, com baixo nvel de alfabetizao e de renda. De certo modo, pode-se afirmar que s a partir dessa poca que o esprito da Renascena conseguiu romper as barreiras sociais e iluminar a maior parte da populao europia.No campo das idias, o perodo foi muito rico de reflexes, destacando-se a preocupao com a formulao de uma ordem social mais justa.Desse modo, foi em torno do ideal de um lugar paradisaco - utopia - que se formou um eixo de aspiraes para pr fim s desigualdades, fonte de constantes disputas motivadas pela sensao de escassez na maioria da populao, ou seja, a discusso sobre utopia era um problema poltico.O termo utopia origina-se de uma famosa obra de Thomas Morus (1478-1535), intitulada Utopia, escrita e publicada em 1515 ou 1516, em latim,

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    na cidade de Louvain. Um fato interessante marcou essa obra, que s em 1551 teve uma edio em ingls, quando o autor j estava morto. Thomas Morus foi decapitado, sob a acusao de traio, por ordem de Henrique VIII, em 1535, por ter discordado dos rumos religiosos que o monarca estava querendo imprimir na sociedade inglesa, atitude que lhe valeu a canonizao em 1935.Utopia, segundo o autor, designa um lugar, ou melhor, uma ilha cuja localizao desconhecida e onde se encontra uma sociedade considerada perfeita no que tange s concepes de justia social e liberdade individual. O impacto da sociedade descrita por Thomas Morus foi impressionante, a ponto de ter contribudo para a criao de um termo utilizado em diferentes perspectivas do pensamento social. De acordo com Jos Ferrater Mora, em Diccionario de Filosofia de Bolsillo, utopia corresponde descrio de uma sociedade supostamente perfeita em todos os sentidos. Uma sociedade utpica, segundo Mora, uma sociedade perfeita na medida em que no suscetvel nem ao progresso nem melhoria.1 J de acordo com Karl Mannheim, em Ideologia e Utopia (1929), o termo assume uma conotao contestatria, ligada estrutura das relaes sociais, que indicam o campo em que se desenvolvem as aspiraes humanas referentes s melhores condies existenciais para cada um. Com Mannheim, os estudos dedicados questo da utopia encontram uma das principais contribuies sociolgicas, preocupadas em dar conotao ideologizada s formulaes engendradas por diferentes grupos sociais.Mas, se o uso do termo remonta ao sculo XVI, as perspectivas de realizaes de esperanas de redeno e melhoria das condies de vida so mais antigas. No espao de tempo da Histria Medieval e Moderna da Europa ocidental encontram-se registros expressivos dessas manifestaes. Entre as que podem ser listadas, destaca-se um poema ingls do sculo XIV intitulado The land of Cokaygne - no francs, Cocagne e no espanhol, Cucaa. No portugus encontra-se o termo cocanha, referente a uma brincadeira constante nas festas juninas, o mastro de cocanha ou o pau-de-sebo, onde se colocam prmios destinados queles que conseguem escal-lo. O poema O pas da Cocanha uma obra de duzentos versos aproximadamente que descrevem um paraso existente na Terra, uma ilha de mgica abundncia, lugar da alegria e da paz - de acordo com A.L.Morton.2 A anlise das duas obras - Utopia e O pas da Cocanha - pode ser um

    1 - MORA, Jos Ferrater. Diccionario de Filosofia de Bolsillo. Madrid: Alianza Editorial, 1989, p.743.

    2 - MORTON, A.L. Las Utopas Socialistas. Barcelona: Ediciones Martnez Roca, 1970, p.13.

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    exerccio interessante de comparao no s das perspectivas de sociedade presentes como tambm dos tipos de anlises polticas empreendidas.O pas da Cocanha uma utopia antiga e popular, j que o poema, editado no sculo XIV na Inglaterra, uma das verses compiladas do domnio popular europeu. praticamente intil a tentativa fixar as origens dessas verses, sendo suficiente a anlise do poema ingls, percebido como ponto de referncia das aspiraes populares. Mas onde se encontram essas aspiraes?Cocanha a terra da abundncia, onde h construes cujos pilares e vidros so feitos de cristal. Existem muros de construes feitos de pasta de trigo e rios de azeite, leite, mel ou vinho. A qualquer instante voam gansos assados, que se anunciam assim: gansos quentinhos, gansos quentinhos... Como se percebe claramente, um trao caracterstico da abundncia em Cocanha a extrema facilidade com que so adquiridos os bens desfrutveis, representando uma segunda fonte de aspiraes. Um lugar onde voam gansos assados que se apresentam prazerosamente comilana, onde correm rios de todos os sabores e onde crescem rvores feitas de especiarias (raiz de gengibre, flores de noz moscada, casca de canela e os frutos de cravos) no o mais apropriado para a edificao de valores centrados na valorizao do trabalho rduo. Ao contrrio, a poca em que se insere esse poema foi de predomnio absoluto do meio de vida rural sobre o urbano, com baixssimas condies de vida e de alimentao no s para o continente europeu como para a Inglaterra. O quadro social ingls era dominado pelas relaes sociais e econmicas sediadas na estrutura agrria, em que se desenvolvia uma forma acentuada de controle e valorizao do trabalho, com prejuzos para a populao camponesa.Na concluso da obra est registrada a forma pela qual se pode atingir esse paraso, que serve de reforo hiptese de aspirao camponesa quanto aos meios mais adequados de aquisio dos gneros de necessidade e tambm de prazer. Segundo ela, para se entrar em Cocanha, preciso passar por uma penitncia: sete anos submerso na poeira da terra, enterrado at o queixo. H, pois, um recado direto contra o senhorio feudal, sustentando a necessidade de provao para poder alcanar tal paraso.Outro dado ainda se pode destacar: entre jovens e velhos, fortes e dbeis, tmidos e audazes, tudo comum, sem disputas, indcios evidentes de uma propriedade comunal que baseia as relaes sociais j delineadas. Portanto Cocanha o pas dos desafortunados que, enfim, encontram a recompensa: consumir o mximo com o mnimo de esforo. As disputas, rixas e dvidas no existem na medida em que a natureza se apresenta da forma mais perfeita possvel, em ntima sintonia com as aspiraes dos eleitos habitantes.

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    Seguindo a definio de Ferrater Mora j apresentada, Cocanha pode ser vista como uma utopia, em vista de no ser no passvel de melhoria alguma, especialmente no tocante ao item fundamental da existncia humana, de acordo com as aspiraes inspiradoras da obra, que o da abundncia alimentcia, com todos os sabores disponveis saciedade geral. Estudando o quadro estrutural desse pas, fica ntida impresso de estar diante de uma agregao humana em estado pr-social. No se vislumbra a edificao de um estado de direito, mas de plena posse de todos os benefcios constantemente oferecidos pelo meio ambiente. A lgica edificadora das relaes entre os homens e a natureza a da abundncia, suficiente, de acordo com as aspiraes nela inseridas, para impedir a gerao de um estado de direito injusto e privatista. Cada indivduo revela uma conduta de aguda liberalidade, sem preocupaes quanto possibilidade de se apropriar de algo alheio ou de sofrer tal tipo de agresso. No h nada para ser apropriado injustamente. Diferente a situao aps dois sculos.Em 1516, Thomas Morus, que teve brilhante carreira poltica na Inglaterra, tendo sido membro do Parlamento e, em 1525, Lorde Chanceler, lanou o seu projeto de sociedade com a fbula da Utopia. O teor da obra radicalmente diferente em relao anterior (O pas de Cocanha). Utopia , acima de tudo, uma repblica, uma forma de governo pensada para a gerncia adequada e justa de uma ordem social, pensada de modo bem diferente do agregado humano de Cocanha. Em Utopia, a ordem social se estrutura com pressupostos ticos rgidos. Todos os habitantes, exceto os sbios, tm a obrigao de trabalhar, nico meio de justificar o desfrute dos produtos gerados pelo trabalho. Isso porque cada um dos habitantes agente produtivo utilizado, o que aponta para um estado de plena efetivao do potencial humano para o trabalho.

    O desenvolvimento desse suposto leva a outro fator que distingue o pensamento de Thomas Morus do poema O pas de Cocanha: funcionalidade da ordem social. Utopia tem magistrados e prncipes eleitos, responsveis pelo governo. H tambm servos em Utopia, cuja presena denota a preocupao quanto ao comportamento socialmente responsvel de cada indivduo. A condio da servido imposta apenas aos habitantes que cometeram delinqncia ou falta grave, enfatizando-se a preocupao do autor com o comportamento humano, que deve ser controlado para a manuteno da ordem edificada. Fica, pois, mais que evidente o tom programtico da obra. Mesmo carregado de um contedo moralista, Morus pretende mostrar um nvel institucional do bom governo das aes humanas. Em vez de torturar ou matar os delinqentes, por que no educ-los com o melhor instrumento para a compreenso do que uma boa ao: o trabalho? Ao contrrio do que vislumbrado em O pas da Cocanha - o trabalho uma pea quase

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    inexistente na coletividade humana, Thomas Morus entende o trabalho como um fim, um modo de vida responsvel e produtivo, sustentador da harmonia que revitaliza o contrato social utpico. H sempre, de acordo com o potencial das relaes humanas, a probabilidade de que ms aes sejam geradas na sociedade, o que pede a existncia de uma legislao especfica e a prtica de relaes sociais educadoras, como a convivncia entre jovens e velhos ou a dedicao da maior parte do aos estudos.Conseqentemente, Utopia se constitui em um brado reformista da sociedade inglesa, lanado por um esprito aristocrtico que se mostra bastante influenciado pela leitura de A Repblica, de Plato, notadamente pelos pressupostos de justia funcional presentes no ideal de uma boa ordem social. A responsabilidade pela permanncia perfeita do estado utpico de cada habitante do pas, que, apesar de querer e poder ser feliz, no pode ferir um pressuposto social bsico, o de no provocar nenhum mal ao outro, em decorrncia de determinada ao. Em que pese o fato de o autor, ao contrrio de Plato, no ter estruturado a explicao de sua sociedade ideal com pressupostos ticos claros (presentes na definio platnica de justia), isso no impede que se destaquem os preceitos bsicos de uma boa conduta social defendidos por Thomas Morus.Em primeiro lugar, a tica do trabalho. Os bens necessrios reproduo da vida humana so alcanveis mediante o labor de cada um de seus habitantes, exceto os dedicados s investigaes do esprito. Em segundo lugar, a conduta social de cada habitante. Ela deve ser discreta, morigerada, sem ostentao, efetivamente asctica, preocupada com a satisfao das necessidades prticas da existncia, e no com as referentes ao luxo e ostentao. Em terceiro lugar, a vigilncia diante das aes prejudiciais manuteno de uma ordem social justa, como os pequenos furtos, a ganncia, as aes facciosas e feitas s escondidas . H clara preocupao em dar ordem social uma prevalncia sobre a conduta individual, exatamente o oposto ao apresentado no poema O pas da Cocanha, razo pela qual se pode afirmar o estado pr-social representado no poema.Finalmente, a preocupao quanto ao exerccio adequado das funes na sociedade, cuja no-observncia pode levar degradao social. No deixa de ser interessante como os marcos de uma sociedade hierrquica se misturam com os preceitos liberais e ticos que afirmam ser a base de uma boa sociedade a combinao adequada das aes individuais, que se tornam assim as responsveis principais pela sua manuteno. A Repblica, de Thomas Morus, funda-se nesse princpio, mas admite, em contrapartida, a legitimao de um status social e poltico diferenciado e em escala hierrquica, elementos tpicos das sociedades de Antigo Regime, to caractersticas do perodo moderno.

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    Portanto a anlise de O pas da Cocanha e de Utopia, como obras de carter idealista e propugnadoras de um modo de vida justo e feliz, permite estabelecer os graus diversos que canalizam as esperanas quanto s melhorias desejadas, capazes de se perpetuar em plenitude. Enquanto, na primeira obra, se estrutura uma descrio paradisaca em estado natural, com a mnima interveno humana, na segunda se procede a uma operao artificiosa, de responsabilidade humana, definidora da segunda natureza, pensada como o instrumento mais adequado consecuo da melhoria das condies de vida. Em torno dessa preocupao, podem-se agrupar diversas obras, como A Repblica, de Plato, Leviat, de T. Hobbes, O contrato social, de J.J.Rousseau, e todas as obras polticas centradas na discusso da capacidade humana de gerenciar os conflitos contra a natureza e, principalmente, contra si mesma. Nelas sobressai o papel da razo, do conhecimento deduzvel e provvel, como o instrumento fundamental para a edificao de um estado de direito, amparado em regras universais e, portanto, acessveis a qualquer esprito devidamente preparado.Enquanto em O Pas da Cocanha sobressai o elemento mgico, indomvel e, conseqentemente, a ao irresponsvel do homem na histria, em Utopia percebe-se a vigncia dos pressupostos do pensamento iluminista, cuja marca principal reside na defesa da capacidade humana de conhecer, discutir e elaborar, objetivamente, meios e instrumentos de interveno, conscientes e responsveis, nas diversas realidades que compem o campo do conhecimento, entre os quais se apresenta a realidade social.Nessa medida, o termo utopia pode ser entendido como um contedo programtico, fundado em preceitos ticos sustentadores de uma ordem coletiva, da qual cada um se percebe como um dos artfices, na exata proporo de seus conhecimentos. O termo utopia destaca a capacidade humana de interveno responsvel sobre a realidade - predizvel, discutvel e comprobatria - como o foco principal de discusso, podendo at ser confundida com essa capacidade. Portanto reinstala o espao da Poltica.

    Atividades

    1 - Compare as duas formulaes de Utopia apresentadas neste captulo2 - Escreva suas concluses em um relatrio.

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  • CAPTULO 4

    Maquiavel e a Importncia de O Prncipe

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  • Teoria PolticaMaquiavel e a

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    Um autor da poca que salientou a importncia da interveno humana na Histria foi Maquiavel, que nasceu em Florena, Itlia, em 1469, e morreu em 1527. O perodo de sua vida coincidiu com uma poca ruim para a poltica, na pennsula italiana. Com efeito, a Itlia era um conjunto desarticulado de cidades-estados, isto , no havia um Estado nico, como j acontecia na Inglaterra, em Portugal, na Espanha e, de certa forma, na Frana. Florena, como Npoles, Veneza, entre outras cidades, possua uma vida poltica independente, apesar das inmeras disputas internas, que envolviam famlias de patriciados, e das cobias internacionais, que levaram falncia toda tentativa de unificao italiana, que s se verificou na segunda metade do sculo XIX.Maquiavel, ao longo da vida, desempenhou importantes funes pblicas, iniciadas em 1494, como Chanceler da Repblica de Florena, sendo mais tarde indicado como Segundo Chanceler da Repblica. Pelas experincias propiciadas no exerccio do cargo, Maquiavel desenvolveu aprofundadas reflexes sobre as mazelas das repblicas italianas, contribuies fundamentais para a teoria poltica bem como para a histria da Renascena italiana.Nesse mbito, O Prncipe, escrito em 1513, no exlio em San Casciano, figura como a mais importante obra de Maquiavel, a maior contribuio do autor para as cincias sociais. Isso porque, como uma espcie de manual da arte de governar, forou o autor a estabelecer reflexes capazes de fornecer instrumentos prticos para a ao dos governantes, nas quais, sem sombra de dvida, reside o carter polmico da obra, j que ele efetivou a tarefa com o mnimo de censura. Portanto se assemelha a um jogo em que enxadristas, na busca de compreenso do maior nmero possvel de conseqncias de cada ato, se vem forados a no constranger o raciocnio com consideraes morais. Muitos condenaram a obra de Maquiavel, em razo dessa caracterstica marcante, como a Igreja Catlica, que incluiu O Prncipe no ndice dos livros proibidos, e Voltaire (1694-1778), cujo julgamento negativo influenciou Frederico II da Prssia (1712-1786) para escrever o Anti-Maquiavel. A tnica dominante dessas crticas o carter imoral da obra, o que gerou um termo muito utilizado ainda hoje: maquiavlico (ato ou pessoa imoral, sem barreiras de qualquer tipo para atingir determinado objetivo).Entretanto se pode compreender sob outro prisma esta obra de Maquiavel, que, escrevendo um livro sobre a ao de governar, pretendeu arrolar um leque de aes possveis de ser realizadas pelo governante. Assim, procurou, de forma racional e argumentativa, selecionar as aes mais indicadas para a conjuntura em que o governante poderia se encontrar. Conseqentemente, no se pode afirmar que a obra seja um exerccio de imoralidade poltica. Ao contrrio. Mesmo quando avalia aes de carter negativo, ele alerta

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  • Teoria PolticaMaquiavel e a

    Importncia de O PrncipePgina 32

    para as conseqncias advindas, sendo constante a concluso de que os resultados so perigosos para a estabilidade do governante. Portanto, em que pese a existncia de um leque de aes possveis, dado ao governante escolher uma para cada conjuntura, escolha que tem de ser feita da melhor maneira possvel, mediante a reflexo racional da conjuntura. Alm disso, no momento da reflexo, deve ser lembrada a Histria, pois nela se podem encontrar situaes parecidas com a do presente e a forma como determinado governante procedeu naquele momento. Portanto a Histria vista por Maquiavel como um laboratrio vivo de aes e estratgias empregadas, disponveis pela reflexo racionalmente empregada.Os conceitos de virtude e fortuna, bsicos em O Prncipe, podem ser mais bem compreendidos. A virtude a capacidade do governante de escolher a melhor estratgia para a ao. Diz respeito, portanto, qualidade intelectual e emocional do governante. Fortuna um contexto no dominado pela vontade humana, desenvolvendo-se aleatoriamente. As idias de sorte e/ou azar so, pois, prximas do que Maquiavel entende por fortuna. Para este, a histria humana governada pela ao combinada da fortuna e da virtude. Uma nao tanto pode ser dominada completamente pela ao da fortuna - possibilidade aterrorizadora para Maquiavel - como pode ter pelo menos metade de sua histria influenciada pela ao da virtude - possibilidade desejada por ele. Porm jamais pode ser totalmente dominada pela ao da virtude, pois tal condio faria do homem um verdadeiro Deus.Como se pode concluir, Maquiavel escreveu uma obra sobre a arte poltica da capacidade de assumirem os homens um papel ativo na Histria.

    Atividades

    1 - Identifique polticos que, na sua opinio, conseguem agir na poltica com a virtude e polticos que contam com a fortuna para desenvolver sua carreira. 2 - Apresente suas concluses em um relatrio.

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  • CAPTULO 5

    Contrato Social

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  • Teoria PolticaContrato Social

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    Designa uma forma especfica de pensar e explicar o fenmeno da constituio de uma sociedade elaborada, no decorrer dos sculos XVII e XVIII, por diversos autores, como Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rousseau, John Locke e Immanuel Kant, para citar os mais expressivos. Os contratualistas, como se convencionou cham-los, elaboraram um modo sofisticado de pensamento poltico e social, segundo o qual a sociedade entendida como uma ordem civil e econmica, constituda pela ao vigorosa dos indivduos que a compem. Assim, certas entidades, como o mercado, o Estado e a sociedade, no so consideradas algo posto acima e externamente em relao aos indivduos. Ao contrrio. Essas entidades so produzidas pelo tipo de ordenamento efetuado por eles em seus prprios atos, o que pode ser continuamente renovado. A ao simples, porm fundamental: uma sociedade depende do resultado da soma diria das aes empreendidas pelos seus membros. Se o resultado final dirio for renovao das bases anteriormente fixadas, a ordem est mantida; se o resultado final dirio for contestao das bases fixadas, dois fatos podem ser gerados: reestruturao (parcial ou total) da ordem social, em novas bases, ou desintegrao da ordem social, o que Hobbes designa como estado de natureza.Um dos aspectos fundamentais nas formulaes dos contratualistas a caracterizao do indivduo, com a tendncia de consider-lo como um ator social que formula estratgias de comportamento mediante o uso da razo. Portanto o indivduo tem um comportamento universal, que se mantm no mesmo nvel, independentemente do meio em que est inserido. Desse modo, a ao, a partir da qual se constitui a ordem social, pode ser tratada em diferentes pocas, tanto da Histria como da Cultura.As condies de sociabilidade permitem a instituio da ordem social como estrategicamente perseguida pelo conjunto dos indivduos. Enquanto isso for desejado por eles, a ordem social tem condies de perdurar. Quando no for mais desejado, h grandes riscos de desestabilizao. Conseqentemente, a primeira condio para a manuteno da ordem social a necessidade para todo e qualquer indivduo. Tal necessidade entendida como um objetivo bsico de sobrevivncia a ser estrategicamente alcanado: a melhor forma de garantir o futuro est na insero no interior de uma coletividade devidamente instituda, para proteo da vida de cada um de seus elementos constituintes. Portanto, como pensa a maioria dos contratualistas, se h algo que o indivduo cobra da sociedade a segurana. Sendo ela garantida, pode-se alcanar da maioria dos integrantes da sociedade um comportamento mais pacfico, capaz de assegurar a vigncia da ordem social.Assim, por clculo racionalmente orientado, o indivduo estabelece uma estratgia de ao cotidiana, objetivando a perpetuao imediata da ordem social. como um contrato social (da o nome de contratualistas) estipulado

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  • Teoria PolticaContrato Social

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    na forma de expectativas de comportamento.Exemplo: O mnimo que posso esperar de um indivduo que anda na mesma rua em que ando que ele no v me atacar impunemente. Se ele assumir uma atitude anormal - atacar-me - devo tomar uma atitude normal - avisar as autoridades constitudas. O problema ocorre quando a atitude considerada anormal se banaliza, ou mesmo quando a confiana nas autoridades to baixa que o indivduo prefere no perder o seu tempo avisando-as. Portanto, pelo comportamento dos indivduos e das expectativas por eles compartilhadas, se percebe a forma como o contrato social pode existir em uma sociedade.Quando, porm, se enfraquece a confiana dos indivduos, pode generalizar-se o sentimento da ausncia da ordem, resultando disso aes carregadas de clculo egosta. Sendo assim, cada indivduo toma como estratgia de ao a busca de condies prprias de sobrevivncia, j que no pode mais contar com nenhuma autoridade, segundo a sua expectativa. Qualquer indivduo que lhe cruze o caminho se torna um inimigo em potencial. Quem agora lhe garante que ele no vai agredi-lo? A quem recorrer em caso de agresso? Tal situao foi caracterizada por Hobbes como o estado de natureza ou a ausncia de uma ordem social entre os indivduos: a desconfiana generalizada.Certamente os contratualistas no pensam em como o mundo era antes da sociedade, mas no que seria da vida humana sem sociedade. O perigo repousa em toda e qualquer ordem instituda, sendo o medo da ausncia da ordem um dos principais elementos que asseguram comportamento social pacfico da maioria dos membros de qualquer sociedade. Segundo Hobbes, o indivduo, para evitar que predomine a idia de que homem o lobo do homem, aposta na ordem social.Fica evidenciada a centralizao poltica que marcou a Idade Moderna, sendo caractersticas do processo o aumento dos conflitos territoriais entre os Estados europeus, no perodo do sculo XVI ao XVIII, o aumento do montante tributado pelo Estado na sociedade, o aumento populacional e o crescente interesse despertado nos pensadores da poca acerca dos poderes do governante e das regras de controle sobre este. Crucial para a discusso a investigao sobre os mecanismos que, na poca, j estavam sendo utilizados pelo governante para aumentar o grau de eficincia das polticas nas populaes, sendo que o conceito de representao desempenha papel central.

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  • Teoria PolticaContrato Social

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    Atividades

    1 - Pesquise e identifique um momento histrico em que uma sociedade (pode ser qualquer uma) enfrentou uma situao tpica de estado de natureza. 2 - Escreva suas concluses em um relatrio.

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  • CAPTULO 6

    Representao Poltica

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  • Teoria PolticaRepresentao

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    O espao da representao poltica encontrou terreno frtil na Idade Moderna. Diversas instituies atuavam sob o prisma de interesses existentes, como os das atividades manufatureiras, cuja defesa foi articulada pelas guildas, os nobilirquicos, assumidos pelos parlamentos ou dietas, os dos detentores de cargos do Estado, que foram atendidos pelas corporaes de ofcio. Pode-se perceber como diferentes setores da sociedade estavam se mobilizando, de modo articulado, para ter uma defesa estruturada no crescente entrechoque de interesses que o desenvolvimento das relaes mercantis estavam estimulando no quadro de uma sociedade ainda marcada por profundos costumes medievais.Tal processo foi trazendo aos pensadores da poca uma srie de questes referentes ao lugar do indivduo na coletividade ou, para usar os termos de Rousseau, s relaes entre a vontade particular e a vontade geral. Por vontade particular, Rousseau identifica os interesses mais pessoais, ou egostas, que tm capacidade de motivar uma ao no indivduo. Por vontade geral, Rousseau identifica um conjunto de normas que resultam na tica pblica, salutar para a harmonizao da vida coletiva.Ordem social, para Rousseau, uma complicada frmula resultante do cruzamento quase infinitesimal de aes motivadas por vontades particular e geral que os indivduos assumem diante de si. Segundo o autor, o desenvolvimento histrico da coletividade humana foi um lento processo de separao dessas vontades. Mas esse desenvolvimento no foi necessariamente benfico para a humanidade. Para melhor explicitar sua argumentao, o autor investiga a razo, como a faculdade principal e a responsvel direta pelo aparecimento de um tipo especfico de sentimento - o amor-prprio - que se contrape a outro mais natural - a piedade.Esta definida como um sentimento que tem capacidade ordenadora, em decorrncia de seu efeito pacificador e, principalmente, identificador. Mediante a dor ou sofrimento alheio, um espectador dotado de piedade pode identificar-se, sensorialmente, com outro. A piedade, um sentimento universal, permite reconhecer, na dor e na emoo gerada, individualidades que tm um modo especfico de sentir o mundo. Sendo assim, o sofrimento de algum torna-se representativo para um observador, constituindo a comunicao entre duas individualidades e base de futuro entendimento.Por conseguinte, afigura-se, naturalmente, uma espcie de ordem, na medida em que a piedade modera as aes mais violentas no dirigidas para um propsito de autoconservao. Segundo Rousseau, ela evitou que o estado natural humano fosse um eterno conflito, um verdadeiro estado de guerra. Em vista disso, o autor dirige forte crtica queles que pensam no ter a humanidade condies naturais para o bem viver. Diferentemente de Protgoras, Rousseau afirma que um sentimento, e no um clculo

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    racional, cumpre o papel de ordenador da coletividade em estado bruto. Mas, diferentemente de Scrates e Plato, Rousseau afirma que o dom de saber viver em coletividade est presente em todos os homens, no sendo conseqncia do trabalho de especialistas na arte da poltica.O desenvolvimento da faculdade racional da humanidade um longo processo de superao de dificuldades de toda ordem que quotidianamente se apresentam aos seres humanos, os quais, pelo dom da piedade, sabem viver em coletividade e partilhar de experincias. Um patrimnio cultural, incipiente, vai sendo, pois, estabelecido e, nesse processo, a razo encontra terreno frtil para o seu desenvolvimento. Entretanto, a partir desse momento, a ordem natural vai sendo desestabilizada, pois o processo leva a crescente e irresistvel individuao. Dessa forma, medida que se promove uma soluo, estabelece-se a razo e, com isso, o esprito humano passa a conceber relaes especficas pela observao das dificuldades. Os primeiros sinais de reflexo se apresentam e evoluem at o ponto em que cada homem passa a comparar as suas aes e observar os efeitos. percepo do sucesso segue-se um sentimento de orgulho, e cada um passa a olhar para si prprio e a identificar o outro a partir desse novo prisma. Conseqentemente, um novo tipo de ordem vai, pouco a pouco, sendo requisitado.Nesse instante, formam-se as primeiras regras de conduta, em virtude da ineficcia da piedade em assegurar a convivncia pacfica entre os homens, por terem se tornado cada vez mais intelectualizados e mais individualizados. Em vista disso, Rousseau alerta para um duplo aspecto dessa transformao. No plano particular, cada homem experimenta um processo de autoconsiderao, de auto-estima,isto , o amor-prprio. No plano coletivo, os quase-indivduos esto se identificando principalmente luz da razo, seja no tocante ao prprio comportamento, seja no tocante ao juzo feito sobre o comportamento alheio. A mudana na forma de identificao entre os homens o solo onde se desenvolvem as primeiras regras de conduta, possibilitando a concepo das formas primevas de agregao, seja sob um impulso de carter egosta, seja sob o influxo de um interesse mais comunal.Os termos agregao e associao, usados por Rousseau, so fundamentais para melhor compreenso de suas idias. Agregao, quase sempre, caracteriza uma reunio de homens sob a presso de alguma necessidade. No se estabelece previamente nenhuma delimitao temporal, em razo da falta de preocupao quanto ao futuro dessa agregao. O modo como Rousseau trabalha o conceito de associao fica mais visvel na discusso que faz das idias grosseiras de compromissos mtuos que os homens vo experimentando ao longo de sua longa histria. Nesse sentido, os primeiros laos associativos, as primeiras experincias visando a uma

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    reunio mais duradoura se consolidam, em funo da identificao de pontos de interesse comuns que levam o grupo a se preocupar em estabelecer um espao onde uma srie de conquistas individuais ou mesmo grupais podem ser garantidas, em decorrncia do reconhecimento coletivo. Para o autor, a sociedade fruto de certa perverso ocorrida na natureza humana. O homem, ao passar de ser sensvel para indivduo, enquanto permanece isolado, pe em cheque qualquer modus vivendi coletivo. Isso porque os passos em direo a uma forma de associao devem objetivar uma ordem - no mais natural, mas social. Pela associao, os indivduos perpetuam uma srie de acordos firmados na participao de cada um. Em torno desse ato coletivo se estabelece uma conveno, transformando um agregado de indivduos em povo e cada participante em cidado.Pelo pacto social, a ordem civil, convencional, viabilizada. Mesmo a liberdade passa por uma conveno que lhe garanta uma estabilidade no vivida no estado anterior ao do pacto. Esse corpo moral e coletivo chamado de estado por seus membros, quando estiver em condio passiva. Mas, em condio ativa, considerado soberano e, em relao aos outros estados, uma potncia. O indivduo inserido no corpo coletivo considerado cidado, enquanto for um ativo participante do soberano, e, enquanto estiver submetido s leis deste, um sdito.Cidadania definida como fruto da associao, j que a sua existncia s ganha sentido pela constituio do corpo moral e coletivo, expresso da associao entre indivduos carentes de condio existencial minimamente assegurada. Essa nova condio se caracteriza pelas bases contratuais, que so convencionais, no importando se o apoio explcito ou implcito.Torna-se, pois, ntido um campo de interesses comuns que leva cada indivduo a instituir determinada ordem civil. No conjunto desses atos que se formaliza o corpo moral e coletivo, cuja fora - a vontade geral - se encontra na ao coordenada dos cidados.Afinal, cada homem, como indivduo, tem, segundo Rousseau, uma vontade movida por interesses particulares e, como cidado, participa da vontade geral, pois o interesse comum pela ordem civil o leva a atuar em conjunto com os outros cidados.Um aspecto importante do pensamento de Rousseau a preocupao em garantir ao indivduo um espao para as suas aes de carter particular. Isso se evidencia na distino que faz entre pessoa pblica e pessoa particular, para as quais a vida e a liberdade naturais podem ser asseguradas, desde que localizadas para alm dos limites estipulados convencionalmente.Afirma Rousseau:

    Trata-se, pois, de distinguir os direitos respectivos dos cidados e do soberano, e os deveres que os primeiros devem desempenhar

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    na qualidade de sditos, do direito natural de que devem gozar na qualidade de homens.

    Conseqentemente, o autor determina um limite entre as esferas pblica e privada, estabelecido no Contrato Social. Assim, o que no matria de deliberao pblica est resguardado no domnio privado, desde que o soberano no determine qualquer forma de interveno convencionada.Nesses termos, Rousseau desenvolve um conceito de cidadania. A sua preocupao fundamental encontrar uma forma de associao que permita o mximo de estabilidade para o exerccio da atividade pblica. nessa medida que a ordem civil pode ser entendida como o objetivo central da obra de Rousseau analisada neste trabalho. Os indivduos viabilizam uma ordem civil pela intermediao da cidadania, ao assegurar a participao regulada dos atos que visem ao domnio pblico, bem como ao coibir os de carter particular, interessados em retirar algum tipo de benefcio prprio, em detrimento do interesse maior, o da coletividade:

    Agradeamos, pois, a natureza pela intratabilidade, pela vaidade que produz a inveja competitiva, pelo sempre insatisfeito desejo de ter e tambm de dominar.

    Com referncia a Kant, verifica-se forte aproximao com o pensamento de Rousseau, principalmente na descrio do processo pelo qual o homem se afastou da condio animalesca, em direo de um ser dotado de razo. A diferena entre as duas perspectivas situa-se, essencialmente, na avaliao pessoal processo, pois, enquanto Rousseau lamenta, Kant percebe nela um sentido evolutivo, caracterizando o processo com estas palavras:

    (...) um progressivo iluminar-se, a fundao de um modo de pensar que pode transformar, com o tempo, as toscas disposies naturais para o discernimento moral em princpios prticos determinados e assim finalmente transformar um acordo extorquido patologicamente para uma sociedade em um todo moral.

    Percebe-se, portanto, a compreenso de que o desenvolvimento da liberdade, na esfera das aes humanas, visto como progressivo uso prtico da razo. Ele capacita pouco a pouco o homem, em um meio coletivo e culturalmente desenvolvido, a agir segundo projetos formulados a priori, que aos poucos 1 - ROUSSEAU, J.J. Do Contrato Social, p. 48.

    2 - KANT, Immanuel. Idia de uma histria universal de um ponto de vista cosmopolita. Traduo de Rodrigo Naves e Ricardo R. Terra, So Paulo: Brasiliense, 1986, p. 14.

    3 - KANT, Immanuel. Idia de uma histria universal de um ponto de vista cosmopolita, pp. 13-14.

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    substituem os acordos provisrios formulao bem parecida com a noo rousseauniana de agregao.Porm esse progressivo iluminar-se, ou esclarecimento, no se desenvolve de forma isolada. no plano coletivo, da espcie, que os homens vo aos poucos alcanando a maioridade, devido ao fato de o processo requerer consolidao e transmisso de conhecimentos. O patrimnio cultural constitui-se, pois, pelas contribuies de cada gerao. Cabe ressaltar que esse aperfeioamento se d pelo uso pblico da razo, entendido como utilizao crtica endereada a um pblico universal. Assim, condio fundamental para o esclarecimento que cada homem, como um sbio, tenha liberdade para utilizar publicamente a razo. No espao pblico assim constitudo, a crtica racional referente s formas de relao existentes na sociedade determina a participao do cidado - um espao de discusso pblica ocupado por cidados preocupados em encontrar uma forma mais perfeita (racional) de estruturao do estado de direito: Direito pblico a soma do total daquelas leis que requerem para serem feitas pblico universalmente em ordem para produzir um estado de direito.4

    Nesse sentido, o direito pode ser concebido, em uma forma a priori, pela razo, na medida em que podem ser estabelecidos critrios universais e independentes de qualquer empirismo, para reconhecimento do que justo ou injusto. Assim, cada homem, no uso da razo, pode formular critrios e, portanto, se nortear moralmente. Mas, para tal, tem que estar inserido em um meio cultural, onde tem condies de exercer, com liberdade, igualdade e independncia, um papel ativo. Segundo Kant, esses critrios so os trs atributos indispensveis para a constituio da cidadania. So eles: a legtima liberdade de no obedecer, pelo uso crtico da razo, a uma lei que no corresponda aos critrios universais estabelecidos racionalmente; a igualdade civil, isto , no considerar, fora dos limites da lei, ningum como um superior; a independncia civil ou capacidade de auto-sustentao econmica, a fim de evitar o predomnio alheio sobre uma vontade.Essas seriam as formulaes ideais que a razo opera e que se constituem mveis de aes de efeito prtico. Nesse sentido, surge a idia republicana, forma de constituio de uma ordem civil, que possui, segundo Kant, trs dignidades polticas: o poder soberano (legislativo), o poder executivo e o poder judicirio. Como a idia republicana, para o povo, constitui um contrato original, por ser pura forma de razo, cada membro da comunidade, ser dotado de razo, pode conceb-lo e reconhec-lo. E as aes de cada um podem aspirar instituio e ao aperfeioamento do estado de direito. Em

    4 - KANT, I. The theory of right, part II: Public Right in: The Metaphisics of morals. in: Has Reiss (ed.) Kants Political Writings. Cambridge: Cambridge University Press, 1971, p. 136.

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    outras palavras: pela condio de cidado, o indivduo que est em situao de menoridade pode ascender maioridade e assim, pelo uso pblico da razo, atuar eficaz e justamente na comunidade e visar a aperfeio-la. J que a liberdade tem que estar presente, como condio sine qua non do processo, esse indivduo pode visar ao seu prprio aperfeioamento moral e, dada a interligao existente, ao aperfeioamento moral dos demais membros da comunidade.Um problema bsico da articulao dessas esferas, no grau de desenvolvimento social por que passavam as sociedades europias na Idade Moderna, foram as dificuldades da participao de cada indivduo na esfera poltica. Rousseau, ciente dessas dificuldades, foi bem claro ao definir que a prtica da representao, em diversas esferas da vida social, era inadequada para a vigncia de um sistema que preservasse as liberdades civis. Entretanto foi Thomas Hobbes quem primeiro, mas de modo profundo, apresentou e discutiu o conceito de representao. Segundo ele, representao nada mais que uma procurao feita entre os representados e o seu representante, ou seja, uma delegao de poderes por parte do representado para seu bastante procurador, no caso, o representante.Um detalhe assinalado por Hobbes bem elucidativo do modo como discutiu essa questo. Segundo ele, a procurao , na prtica, assinada em branco, j que o representado no tem condies de assegurar como seu representante vai agir. Pelo contrrio: uma vez instituda a representao, no resta pouco para o representado, a no ser confiar no seu representante. Representao, portanto, uma doao de autoridade, ou seja, a confiana o predicado fundamental da relao entre representado e representante.Hobbes, portanto, no v a possibilidade de ser a representao uma relao substantiva, por meio da qual possvel ao representado ter controle mais efetivo sobre a atuao do representante instrumento que foi proposto na poca Moderna, como os Cadernos de Queixas dos estados franceses que compunham os estados-gerais. O pensador ingls foi bem direto nesse assunto: se o representante no age de acordo com o esperado, o representado deve escolher melhor, na prxima oportunidade. J se pode perceber, portanto, um sentido procedimental no conceito de representao, que foi de fato debatido apenas no sculo XX, com o pensamento de Joseph Schumpeter e da escola pluralista.Mas houve na Inglaterra uma segunda concepo, mais objetiva, dos interesses, defendida por Edmund Burke (1729-1797). O autor, ao tratar da origem dos interesses, desvinculou-a do indivduo, conferindo-lhe uma objetiva, impessoal, destacada realidade.5

    5 - Citao presente em PITKIN, Hanna F. The concept of representation. Los Angeles: University of California Press, 1967 - p.168.

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    Ao afirmar isso, Burke diferencia, exatamente pela constituio, interesse e opinio: esta tem um carter subjetivo, intrinsecamente ligado aos indivduos. Com isso, o interesse pode ser investigado e deliberado com autonomia pelos membros do corpo poltico da sociedade. Isso implica um conceito de representao em que o papel dos indivduos da sociedade civil, na relao com os membros do parlamento (local de deliberao pblica), se torna mais limitado, sem chegar nunca a se anular, ou seja, o conceito de representao de Burke comporta tanto a dimenso virtual como a dimenso ativa.Por face virtual deve-se entender a possibilidade de serem os interesses da sociedade devidamente atendidos no parlamento, de maneira autnoma. Dessa forma, pensando em nao, constituda por nmero determinado de localidades, cada uma fundada em atividades econmicas das mais diversas, com interesses especficos, se determinado interesse merece a ateno do parlamento, pela presena de representantes prprios, uma outra localidade que tem por base a mesma atividade est virtualmente representada, no sendo necessrio ter seus prprios representantes.Quanto ao carter ativo da representao, Burke entende a necessidade de adequao mais justa entre o representante e o representado. Sendo assim, a sua funo do primeiro informar ao corpo deliberativo os sentimentos (feelings) presentes na sociedade. Tais sentimentos se manifestam por meio das eleies, o que aponta para a importncia desse expediente de consulta popular na teoria de representao de Burke.Na concepo burkiana, tem uma certa irrelevncia o nmero ideal de representantes no parlamento, pois no devem ser levadas em conta as pessoas, mas os prprios interesses. Ao membro do parlamento, portanto, cabe perseguir primeiro o interesse do seu constituinte, e no seu interesse pessoal. Outro ponto a ser destacado se refere ao papel do parlamento, especialmente a sua constituio, que, para Burke, deve ser ocupado por pessoas dotadas de virtude e sabedoria, a fim de transform-lo no centro de deliberao racional dos interesses nacionais. De qualquer modo, o que fica subentendido na concepo de Burke sobre representao a existncia de uma opinio compartilhada por mais de um indivduo, o que pode ser visto como uma idia de opinio pblica.Entretanto o conceito de representao virtual foi superado, em termos prticos, pelo de representao ativa, significando mudana fundamental no tocante estrutura do aparelho deliberativo. A partir desse momento, importa essencialmente a investigao do nmero ideal de representantes, a fim de melhor espelhar o universo de interesses que cada membro da sociedade representa, sendo abandonada a idia burkiana da objetividade dos interesses:

    Em todo ser humano, exceto em situaes raras e curtas, resultado

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    de algum estmulo extraordinariamente forte, o interesse prprio predomina sobre o interesse social: cada pessoa persegue o seu prprio interesse sobre os interesses de todas as pessoas reunidas.

    Nesse fragmento de texto se encontra a base do pensamento de Jeremy Bentham e de John Stuart Mill, especialmente quanto ao problema da representao poltica. Apesar de reconhecer dupla dimenso nos interesses - uma egosta (imediata) e a outra pblica (distante) - os dois autores se ocupam fundamentalmente da primeira, ou seja, busca das satisfaes mais prementes. Assim, dificilmente se pode esperar que o indivduo seja movido por objetivos que se afastam da consecuo do seu bem-estar imediato. Aparentemente, a sociedade corre um risco srio na unidade existencial, pois a tendncia fragmentao bem acentuada.Porm esses autores buscam solues institucionais para o problema, mediante a montagem de um sistema representativo proporcional, cuja necessidade se justifica na expectativa de que o chamado lado bom dos interesses individuais - voltado para o bem-estar social - possa ser trabalhado institucionalmente. Assim, tomando-se o mecanismo das leis como ilustrao, se ele recompensar as aes consideradas benficas para o bem-estar social, ao mesmo tempo em que punir as consideradas prejudiciais, estimula um comportamento individual mais responsvel em relao ao bem pblico. Quanto questo de quem determina o sentido de bem comum, Bentham, por exemplo, acredita que possvel um legislador, devidamente orientado pelo altrusmo, montar um aparato institucional voltado para a aplicao pblica do conceito, e no para um sentido particular. Dessa forma, uma congruncia de interesses entre governo e a comunidade pode ser alcanada, com destaque para o papel fundamental de um conceito de representao elaborado e aplicado:

    importante que cada governado tenha voz no governo, porque dificilmente se pode esperar que aqueles que no tm voz no sero injustamente ignorados por aqueles que tenham.

    Percebe-se forte contraposio ao pensamento de Burke nessa passagem de John Stuart Mill, pois considera que os indivduos, com suas opinies, que devem ser representados, demandando a constituio do parlamento um clculo do nmero destes. Esse clculo tem que ser preciso, para impedir predomnio de uma frao da sociedade sobre as demais:

    O sistema representativo deve constituir-se de forma tal que 6 - BENTHAM, Jeremy. Constitucional Code In: Works. Ed. John Bowring Edimburgh: William Tait, 1843 - IX, 61.

    7 - MILL, John Stuart. Thoughts on Parliamentary Reform In: Dissertations and discussions. New York, 1874.

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    mantenha essa situao: no deve permitir a qualquer dos diversos interesses parciais tornar-se to poderoso que chegue a prevalecer contra a verdade e a justia e contra os outros interesses parciais combinados.

    Assim, a proporcionalidade parlamentar visa a permitir o embate de opinies presentes na sociedade, evitando-se o que mais atemoriza Stuart Mill, a possibilidade de cristalizao de alguma opinio, por falta de um frum de debates. O parlamento deve, pois, se caracterizar exatamente no exerccio dessa funo, na deliberao racional das opinies representativas da sociedade, o que, pelo menos nesse aspecto, aproxima o pensamento de Stuart Mill com o de Burke.Portanto a importncia da proporcionalidade est no fato de que as minorias, ignoradas em critrios majoritrios, podem ser representadas no parlamento. Afinal, como negar o peso de trinta por cento do eleitorado na discusso de projetos decisivos para o destino de uma sociedade? Reside na efetivao de um espao amplo de deliberao poltica a importncia do princpio proporcional, que representa mudana terica decisiva para a defesa da democracia representativa, deslocando o eixo do debate para a melhor forma de garantir participao efetiva do corpo dos cidados nas discusses pblicas.O critrio mais relevante na discusso do conceito de representao segue na direo de um conjunto de leis e regras que garantem aos representados maior possibilidade de acesso instituio onde o exerccio da representao ocorre o parlamento.Posto assim, o conceito de poltica compreende o modo de relacionamento entre os indivduos centrado na disputa por posies diversas, at de prestgio (valores) ou de riqueza material (desigual e parcamente distribuda), em uma ordem social. Ordem social consiste em um sistema de relaes individuais orientado segundo normas ou regras de conduta, que visam a assegurar a convivncia pacfica e, portanto, minimamente violenta. A importncia fundamental dessa conceituao reside na recuperao de um sentido mais genrico para a investigao dos fenmenos polticos: qualquer ordem social envolta em uma dinmica de disputas pelos recursos econmicos ou por posies de prestgio tende a desenvolver lutas polticas. Alm disso, a poltica supera a tradicional identificao de fenmeno especfico da curta durao, ligado idia de eventos.

    8 - MILL, John Stuart. Governo Representativo. So Paulo: IBRASA, 1964 - p.87.

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    Atividade

    Desenvolva um conceito de cidadania a partir das contribuies dos autores citados neste captulo e use exemplos da histria recente do Brasil para identificar os maiores problemas do desenvolvimento da cidadania na sociedade brasileira.

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    PensamentoContemporneo

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    OS ELITISTAS

    O elitismo compreende um grupo de obras cuja caracterstica marcante a definio de Poltica como um espao social dominado pela ao de minorias articuladas. Embora sejam diversas as explicaes dos autores para a ocorrncia desse fenmeno, as concluses so convergentes: o espao para a ao poltica est dominado pela lgica da ao das minorias. Essa convergncia est na constatao dos espaos diminudos para a participao poltica. Assim, certos autores, como Vilfredo Pareto, defendem a perspectiva elitista no s na Poltica como na Histria, no entendimento de que os homens no podem ser idnticos no tocante aos talentos para a capacidade intelectual. Segundo esse autor, de acordo com a teoria dos resduos, os homens podem ser divididos em seis grupos de capacidades de comportamento social. O primeiro apresenta um conjunto de atributos responsvel pela capacidade de raciocnio experimental e de ousadia. A elite dos homens, portanto, pode ser encontrada nesse grupo. Conseqentemente, a Poltica dominada pela ao virtuosa desta categoria especial.

    J para Gaetano Mosca o modo como a sociedade se organiza condiciona o espao e as possibilidades para a participao do indivduo. Como a sociedade moderna se estruturou de modo a restringir os espaos de participao, a Poltica se investiu de uma caracterstica eminentemente elitista. A explicao de Mosca se diferencia da de Pareto, ao considerar a causa do elitismo em termos sociolgicos, escapando da fundamentao psicolgica presente em Pareto. Mas as concluses se aproximam: a ao poltica est dominada por minorias organizadas, mais bem capacitadas para se organizar e definir o espao poltico. Robert Michels construiu a sua obra enfatizando as tendncias oligrquicas que a moderna forma de administrao econmica e poltica desenvolveu. Logo, independentemente dos objetivos ideologizados que principiaram a formao de determinada estrutura de ao poltica, na medida em que essa organizao cresce e aumenta, as necessidades burocrticas e administrativas condicionam a formao de uma estrutura decisria fechada, autoritria e elitista (exemplo: um partido poltico de esquerda revolucionria). A obra de Michels tpica da Sociologia das organizaes, sendo uma de suas precursoras. Sua importncia reside na tentativa de demonstrar como as esferas decisrias tendem a ser dominadas, mesmo nas organizaes, por um grupo seleto de indivduos, o que coloca o elitismo no interior delas. Como j se pode visualizar, os autores citados perceberam a Poltica como portadora de uma lgica de ao racional e estrategicamente elaborada. Tal lgica favorece a formao de grupos de interesses que procuram, de

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    preferncia em regimes democrticos, comandar a Poltica com aes bem coordenadas e elaboradas. Da a elitizao ocorrida em plena vigncia da democracia de massa, desenvolvida a partir da segunda metade do sculo XIX na Europa Ocidental. Esses autores esto entre os primeiros que criticaram a idia de vigncia de uma democracia popular, pois perceberam que, mesmo nessa situao, as decises eram feitas por uma parcela minoritria da populao. Muitos acabaram por desenvolver crticas acirradas contra a democracia, chegando a apoiar o modelo fascista, de tristes recordaes.Mas os chamados elitistas foram importantes no desenvolvimento da moderna teoria poltica pela nfase posta na ao poltica articulada, como fomentadora da dinmica poltica.

    O MARXISMO

    As anlises mais tradicionais do marxismo tendem a enfatizar a Poltica como um espao definido pelas lutas entre os setores das classes sociais ditas fundamentais, no respectivo modo de produo. Em decorrncia do grau econmico assumido, os agentes desenvolveram uma lgica de ao poltica marcada pela defesa dos interesses materiais. Nessa luta esto envolvidas estratgias de conscientizao e de mobilizao. Em tal perspectiva, certos autores, como I. Lenin e Antonio Gramsci, acentuam o papel que organizaes polticas voltadas para a conscientizao e mobilizao do proletariado devem desencadear no interior da sociedade capitalista. A massa do proletariado por si dificilmente conseguiria com eficcia defender os seus interesses. Portanto ela necessita da atuao das vanguardas revolucionrias, como o partido comunista, para atingir o nvel de conscientizao e, portanto, de ao poltica. H, pois, uma perspectiva elitista de participao poltica, j que a massa do proletariado precisa da ao estratgica de uma vanguarda para se constituir em ator poltico autnomo. Outras anlises marxistas, como a de Poulantzas, caracterizam a Poltica como uma estrutura relativamente autnoma, com dinmica interna especfica, mas interdependente com a estrutura econmica. Essas anlises procuram inovar o marxismo, ao recuperar a importncia da anlise da instncia poltica na sociedade, mas, como paradoxo, inserindo-a em uma lgica de determinao causal que praticamente anula as possibilidades de uma ao mais independente por parte do indivduo. Poulantzas, por exemplo, recupera a sua discusso no interior do marxismo para enfatizar exatamente a teia de causalidades que amarram a dinmica poltica na estrutura social.Entretanto essas anlises abriram um campo de teoria poltica no pensamento marxista, procurando desenvolver as posies de Karl Marx sobre o tema. Talvez seja interessante retornar ao prprio Marx para avaliar as possibilidades

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    de se pensar a Poltica no interior de suas formulaes. Marx demonstra posies ambguas quanto caracterizao da Poltica. Ora ele a apresenta como um fenmeno das lutas de classes, conforme o Manifesto Comunista, ora como uma arena complexa e fundamental para a prpria configurao das lutas de classes, conforme se nota em passagens do captulo XXI de O Capital (A assim chamada acumulao primitiva):

    No basta que as condies de trabalho apaream num plo como capital e no outro plo, pessoas que nada tm para vender a no ser sua fora de trabalho. No basta tambm forarem-nas a se venderem voluntariamente. Na evoluo da produo capitalista, desenvolve-se uma classe de trabalhadores que, por educao, tradio, costume, reconhece as exigncias daquele modo de produo como leis naturais evidentes. A organizao do processo capitalista de produo plenamente constitudo quebra toda a resistncia, a constante produo de uma super-populao mantm a lei da oferta e da procura de trabalho e, portanto, o salrio em trilhos adequados s necessidades de valorizao do capital, e a muda coao das condies econmicas sela o domnio do capitalista sobre o trabalhador. Violncia extra-econmica direta ainda, verdade, empregada, mas apenas excepcionalmente. Para o curso usual das coisas, o trabalhador pode ser confiado s leis naturais da produo, isto , sua dependncia do capital que se origina das prprias condies de produo, e por elas garantida e perpetuada. Outro era o caso durante a gnese da produo capitalista. A burguesia nascente precisa e emprega a fora do Estado para regular o salrio, isto , para prolongar a jornada de trabalho e manter o prprio trabalhador num grau normal de dependncia. Esse um momento essencial da assim chamada acumulao primitiva.

    H uma passagem mais significativa, em O dezoito Brumrio:

    Os pequenos camponeses constituem uma imensa massa, cujos membros vivem em condies semelhantes, mas sem estabelecerem relaes multiformes entre si. Seu modo de produo os isola uns