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CENTRO DE ESTUDOS EM MEDICINA FETAL
FETUS
TERATOMA SACROCOCCÍGEO FETAL E BÓCIO CONGÊNITO
CLAUDETE GRANDI
São Paulo
- 2011 -
1
INTRODUÇÃO
O teratoma sacrococcígeo (TSC) e o bócio congênito (BC) são alguns dos
principais tumores de partes moles fetais. Ambos, apesar de apresentarem etiologia,
fisiopatogenia e incidências diversas, participam efetivamente da alta
morbimortalidade fetal.
Nos últimos tempos, o TSC vem apresentando diagnóstico cada vez mais
precoce, fundamentalmente devido à acurácia da tecnologia ultrassonográfica. Logo
que reconhecido por ocasião da avaliação pré-natal, o seu acompanhamento
rigoroso e sistemático torna-se fundamental, de forma a prevenir importantes
complicações da insuficiência cardíaca de alto débito, seu principal mecanismo
patológico. Essa postura permite determinar o momento ideal do nascimento ou,
quando de prematuridade extrema, a cirurgia fetal intra-útero.
O BC é uma entidade que pode cursar com hipo ou hipertireoidismo, podendo
estar correlacionado como uma das principais causas de retardo mental na infância.
O BC pode apresentar grandes implicações mecânicas, posto que a compressão do
pescoço fetal pode provocar o óbito fetal ou neonatal. Assim, o diagnóstico e o
tratamento precoces podem minimizar os índices de mortalidade neonatal.
Assim, torna-se inquestionável e relevante uma revisão bibliográfica sobre o
tema, já que ela permitirá a reunião de novas técnicas de avaliação
ultrassonográfica das patologias e as tendências atuais e apropriadas de
tratamentos específicos. O diagnóstico pré-natal precoce destas duas entidades
parece interferir de maneira importante nos resultados perinatais, posto que permite
tratamento intra-útero ou interrupção gestacional quando de fetos em boas
condições de sobrevivência em unidades de terapia intensiva neonatais.
2
TERATOMA SACROCCÍGEO
DEFINIÇÃO
O TSC é um tumor originário das células germinativas da área pré-sacral (in
Isfer, 1996). A palavra teratoma é derivada do grego teratos e significa monstro
(Holcroft, 2008). Assim, o TSC é uma malformação tumoral vestigial da região
caudal do embrião, originária das células primitivas do nodo de Hensen. Está
localizado na região posterior da cauda do embrião, e é composto por células
totipontenciais dos três folhetos germinativos que migram durante as primeiras
semanas para a região anterior do cóccix, com posterior regressão (Wilson, 2009,
Graf, 2003; Parlakgümüs, 2009). Nos casos de TSC, não há regressão do nodo de
Hensen e ocorre a proliferação das células que, posteriormente, se tornam tumorais
(in Isfer, 1996).
ETIOPATOGENIA
Do ponto de vista histológico, os TSC são classificados pela maturidade e
potencial de malignização. Apesar de a maioria (83% a 90%) deles serem benignos,
todos apresentam potencial de malignização (Holcroft, 2008).
- Maduros ou diferenciados: tecido similar ao normal, com estruturas bem
desenvolvidas. Podem-se encontrar tecidos como glial, intestinal, pâncreas, mucosa
brônquica, músculos, ossos e anexos de pele.
- Imaturos ou malignos: há tecido indiferenciado, e a transformação maligna
acontece, geralmente, no período pós-natal.
3
A American Academy of Pediatrics Surgical Section classificou esses tumores
com base na sua localização anatômica em 4 tipos, a saber (Holcroft, 2008; in Isfer,
1996):
- Tipo I: lesão predominantemente externa, com protrusão em direção
ao períneo, coberta por pele, e com componente pré-sacral mínimo;
- Tipo II: tumor predominantemente externo, com significante
componente pré-sacral;
- Tipo III: tumor com predominância de elementos pré-sacrais e
componente externo;
- Tipo IV: tumor inteiramente pré-sacral, sem componente externo.
O valor dessa classificação se reflete na facilidade de ressecção cirúrgica e
de detecção no pré-natal, assim como na possibilidade de malignidade. O tipo I é de
fácil detecção e ressecção, com muito baixa incidência de malignidade. Ao contrário,
os tumores do Tipo IV são de difícil diagnóstico e frequentemente malignos em
virtude do retardo no diagnóstico e atraso no seu reconhecimento. Saliente-se que a
maioria dos tumores é do tipo I e II (Adzick, 2010).
A maioria dos TSC é sólida e de localização externa, com a porção cística
representando somente 15% dos casos (Sy, 2006).
Muitos fetos que se apresentam com pequenos TSC não têm qualquer tipo de
problema antenatal ou perinatal. Entretanto, os que se apresentam com grandes
TSC (>10cm), progressivo aumento da lesão e tamanho do tumor maior que o
diâmetro biparietal fetal, cursam com maior mortalidade perinatal, particularmente se
o diagnóstico for proferido antes da 30a semana de gestação. Fetos com grandes
TSC apresentam maiores riscos de insuficiência cardíaca (IC) de alto débito devido
ao aumento do fluxo sangüíneo para a área vascular do tumor ou perda de fluidos,
4
originando anemia grave e insuficiência cardíaca, com conseqüente derrame pleural,
pericárdico, anasarca e hidropisia fetal. Outros fatores associados ao mau
prognóstico são a placentomegalia e a cardiomegalia (in Isfer, 1996; Holcroft, 2008;
Sy, 2009; Wilson, 2009; Otter, 2008; Sy, 2006; Adzick, 2010). O surgimento de
placentomegalia pode revelar a ocorrência de hidropisia avançada e ser preditor de
alta mortalidade, tanto intra-útero quanto neonatal (Sy, 2006).
A hidropisia pode originar pré-eclampsia e morte materna e fetal. A evolução
pós-natal desses conceptos pode ser complicada pela coagulação intravascular
disseminada (CIVD), devido à anemia grave. Pode haver ainda compressão do trato
gastrintestinal e urogenital pelo tumor, com conseqüente hidronefrose (Holcroft,
2008; Wilson, 2009; Otter, 2008).
O diagnóstico de diástole reversa quando do estudo do fluxo sangüíneo
mediante o Doppler da artéria umbilical tem sido associado ao óbito fetal (Wilson,
2009).
INCIDÊNCIA
A incidência do TSC varia de 1:20.000 a 1:40.000 nascimentos (in Isfer, 1996;
Wilson, 2009; Otter, 2008; Graf, 2003; Adzick, 2010; Parlakgümüs, 2009).
Apesar da sua baixa freqüência, eles são os tumores congênitos mais
comumente diagnosticados em recém-nascidos (RN) (Sy, 2006). Os TSC ocorrem
mais freqüentemente em RN do sexo feminino, numa média de 3:1 a 4:1. A
incidência de malignidade também está diretamente relacionada à idade do
diagnóstico pós-natal (após três meses de idade) (Holcroft, 2008; Wilson, 2009;
Graf, 2003; Parlakgümüs, 2009). Representam, ainda, 40% a 65% dos teratomas
extragonadais do RN (in Isfer, 1996; Wilson, 2009).
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ANOMALIAS ASSOCIADAS
A freqüência de anomalias cromossômicas varia de 5% a 40% nos casos de
TSC (in Isfer, 1996; Parlakgümüs, 2009). Não se identifica um padrão de herança
definitivo. Apesar de o TSC ser de ocorrência esporádica, em alguns casos observa-
se associação com malformações genitais e estenoses anorretais, provavelmente
com padrão de herança autossômica dominante. As anomalias que devem ser
pesquisadas na presença de um teratoma são a espinha bífida, uropatias
obstrutivas, lábio leporino, deformidades do calcâneo, defeitos no septo
interventricular, estenose anal e vaginal e fístula traqueoesofágica (Isfer, 1996;
Holcroft, 2008).
DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL
Com o aumento do uso e a sensível melhoria na resolução do exame
ultrassonográfico (US) anteparto, o TSC pode ser diagnosticado a partir da 13a
semana de gestação, em média entre a 17a e a 20a semana (Holcroft, 2008; in Isfer,
1996; Wilson, 2009).
A sobrevivência dos fetos portadores do TSC é dependente do
reconhecimento precoce dos eventos fisiopatológicos, do bom manejo obstétrico e
do adequado manejo cirúrgico (Sy, 2006). O feto que se apresenta com TSC
diagnosticado ainda na cavidade uterina, tem uma chance de mortalidade que varia
de 30% a 50% (Adzick, 2010; Parlakgümüs, 2009).
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O tumor caracteriza-se por uma massa exofítica, que surge na área pré-sacral
com aparência cística, sólida ou heterogênea, e que pode chegar a 20cm.
Calcificações ocorrem em um terço dos casos. Imagens de áreas císticas e
calcificações têm sido interpretadas como sinal de benignidade (Holcroft, 2008; Isfer,
1996; Wilson, 2009).
Encontra-se pediculado ao pólo pélvico, com uma base de implantação
situando-se na região coccígea mediana, podendo eventualmente apresentar-se
lateralizado (Isfer, 1996).
As formas exteriorizadas são as mais freqüentes (82% dos casos de
teratoma) e desenvolvem-se entre a região anal e o cóccix, sendo este tipo o mais
facilmente diagnosticados intra-útero (Isfer, 1996).
O TSC muito raramente pode invadir a medula, sendo este diagnóstico
extremamente difícil no período pré-natal. Esse tipo de localização aumenta a
chance de recorrência após ressecção e piora o prognóstico fetal, podendo ser
considerada uma doença mais agressiva (Jelin, 2009).
Pode ocorrer polidramnia ou oligodramnia. O estudo da vascularização do
TSC à US é de grande utilidade, posto que os tumores altamente vascularizados,
apesar de atípicos e raros, mostram uma alta morbimortalidade, já que, em geral,
vêm acompanhados de hidropisia fetal (in Isfer, 1996; Wilson, 2009).
Em comparação com a US, a ressonância nuclear magnética gera
informações adicionais com melhor estimativa do componente intrapélvico do tumor.
Entretanto, devem ser levados em consideração o tempo, a dificuldade técnica do
estudo, e o custo do exame (Wilson, 2009; Sy, 2006).
7
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
A certeza diagnóstica do TSC consiste no afastamento de outras formas
císticas que podem atingir a mesma região, notadamente as meningoceles sacrais.
A integridade da extremidade lombossacral da coluna vertebral, tanto nos cortes
longitudinais como transversais, permite eliminar a possibilidade de meningocele.
Devem-se observar as meninges e/ou as raízes nervosas se exteriorizando do canal
raquidiano no nível do pedículo tumoral (in Isfer, 1996).
Outro diagnóstico diferencial menos freqüente, ainda que importante, é o
monstro acárdico, que pode estar coligado no nível pélvico, confundindo o técnico
operador. Outras patologias a serem consideradas quando do diagnóstico diferencial
são: lipomas, tumores epidermóides intra-canaliculares, tumores de Wilms extra-
renais, hamartomas e neuroblastomas. Por apresentar localização intrapélvica, o
tipo IV do TSC deve ser diferenciado do teratoma de ovário (in Isfer, 1996).
CONDUTA PRÉ-NATAL
Vários são os fatores associados ao TSC que podem complicar o manejo
obstétrico e os desfechos gestacionais, a saber: tamanho do tumor, polidrâmnia
(originando trabalho de parto pré-termo e tocotraumatismos), hemorragia intra-
tumoral e ruptura do tumor (Sy, 2009).
Quando o TSC for diagnosticado durante o pré-natal, 81% das gestações
originarão importantes complicações obstétricas (Sy, 2006). Com o advento do uso
rotineiro do estudo ultra-sonográfico, o diagnóstico precoce tornou-se muito mais
comum, e a avaliação seriada fetal possibilitou o acompanhamento do crescimento
tumoral e da ocorrência de eventuais complicações. Assim, a programação do
parto, eventual interrupção terapêutica da gestação e intervenções fetais poderão
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ser oferecidos aos pais, a depender da idade gestacional e das condições do feto
(Sy, 2009).
Uma variedade de técnicas intra-uterinas tem sido tentadas, incluindo
amniodrenagem, amnioinfusão, aspiração da área cística, ablação por
radiofreqüência, ablação por laser, ligadura dos vasos sacrais que nutrem o
teratoma, cirurgia a céu aberto ou endoscópica para ressecção tumoral (Wilson,
2009; Holcroft, 2008). O desconforto materno e o trabalho de parto prematuro
constituem-se em indicações para aspiração do cisto e amniodrenagem (Wilson,
2009).
Nos últimos tempos, tem sido avaliada em nível experimental a oclusão da
circulação sangüínea arterial do TSC fetal, usando-se a ablação térmica por
radiofreqüência ou US focalizado de alta freqüência. A experiência clínica com a
radiofreqüência tem sido desalentadora, posto que os danos a serem provocado
sobre os tecidos adjacentes não poderão ser controlados (Adzick, 2010).
A embolização dos maiores vasos que compõe o tumor, antes da ressecção
tumoral, constitue-se em proposta de tratamento, porém a quantidade de contraste
necessária para esta intervenção poderia ocasionar a necessidade de diálise fetal,
devido à nefrotoxicidade e o volume usado poderia piorar a IC (Otter, 2008).
Várias dessas técnicas são ainda experimentais e apresentam sérias
complicações, incluindo trabalho de parto prematuro, corioamnionite, ruptura
prematura de membranas, ruptura uterina, perfuração de bexiga, escara perineal,
eventos trombembólicos a originar agenesia renal unilateral e atresia de jejuno.
Apesar dos riscos, essas técnicas podem ser usadas em fetos criteriosamente
selecionados, que se beneficiariam do procedimento intrauterino (Wilson, 2009;
Holcroft, 2008; Adzick, 2010; Otter, 2008).
9
Holcroft et al., em estudo publicado em 2008, sugeriram o monitoramento
ultrassonográfico rigoroso e interrupção da gestação via alta logo que o feto
apresente sinais de hidropisia, e ainda que a gestação curse com menos do que a
30a semana (Holcroft, 2008).
Ibele et al. citam que a intervenção fetal, com freqüência, origina irritabilidade
uterina pós-operatória, determinando o início de trabalho de parto prematuro,
mortalidade fetal ao redor de 50% e complicações maternas. Após a 26a semana de
gestação, o risco destas complicações suplanta o potencial de sobrevivência do feto.
Assim, os autores defendem que as intervenções fetais sejam oferecidas para fetos
que associem ao TSC, idade gestacional inferior a 26 semanas e evidência de
hidropisia (Ibele, 2008).
Sy et al. propuseram uma forma de avaliar o prognóstico fetal baseado na
relação entre os volumes cabeça/tumor (Sy, 2009). Para cálculo do volume do tumor
foram usadas as maiores medidas (comprimento, altura e largura) da massa tumoral,
usando-se o método de avaliação do volume elipsóide. A massa foi dividida de
forma imaginária em oito fatias iguais, cada fatia representando 12,5% da massa
total, e estimado subjetivamente quanto de cada fatia era composta por área cística.
A porção cística foi subtraída do total do volume tumoral, sendo usado para cálculo
apenas o volume sólido do tumor (VST). A circunferência cefálica é o outro valor
usado no cálculo, chamado volume cefálico (VC). As relações VST/VC foram
calculadas e os resultados divididos em 2 grupos: <1 e >1. Sy et al. concluíram que
os fetos com a relação <1 tinham melhor prognóstico. Os fetos incluídos no grupo >1
ou com aumento progressivo da mesma tendem e evoluir para insuficiência cardíaca
e hidropisia. Os autores sugerem que a relação VST/VC seja usada para definir o
melhor momento para intervenção fetal.
10
Segundo Wilson et al., outras avaliações ultrassonográficas como a razão
cardiotorácica, diâmetro da veia cava inferior, a razão entre a sístole e a diástole da
artéria umbilical e o fluxo no ducto venoso não foram bons parâmetros quando
comparados com a avaliação do débito cardíaco e, sobretudo, o crescimento do
tumor. Crescimento de mais de 150cm3 por semana é considerado um crescimento
tumoral acelerado e aumenta o risco de mortalidade perinatal e parto prematuro
(Wilson, 2009).
Em geral, pacientes referidos para um centro de tratamento para possível
cirurgia fetal são avaliados por uma equipe multidisciplinar. A avaliação inclui:
ultrassonografia detalhada para confirmar o diagnóstico e detectar alguma outra
alteração anatômica; ressonância magnética para informações anatômicas
adicionais; ecocardiograma fetal para avaliar defeitos cardíacos congênitos e função
cardíaca fetal; amniocentese ou cordocentese para cariótipo fetal (Adzick, 2010).
Em geral, as contraindicações para a cirurgia fetal aberta são: anomalias
cromossômicas, gestação múltipla; outras anomalias anatômicas significantes;
história de tabagismo pesado ou outros fatores de risco maternos; presença de
síndrome do espelho materna (Adzick, 2010).
Os critérios usados no Children’s Hospital of Filadélfia com vistas à cirurgia
materno-fetal para ressecção do TSC são: nenhuma contraindicação materna para a
cirurgia (doença clínica ou cirúrgica, índice de massa corpórea >36, risco
anestésico); idade gestacional entre 20 e 30 semanas; TSC tipo I; cariótipo normal;
comprometimento fetal documentado pela combinação de débito cardíaco maior de
600 a 900ml/kg/min (ajustado à idade gestacional), com evidências ultra-
sonográficas de hidropisia precoce (ascite, derrame pleural, edema de pele e
crânio); consentimento materno (Wilson, 2009).
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A presença de hidropisia é preditora de maus resultados e a cirurgia fetal
pode ser considerada nesses casos. Pode-se propor cirurgia aberta para ressecção
parcial ou total do TSC, bloqueio do fluxo hiperdinâmico de sangue através do tumor
por termocoagulação, ablação por radiofreqüência, embolização ou injeção de
álcool. A cirurgia fetal deve ser limitada a alguns casos, os quais desenvolveram
hidropisia, mas somente após cuidadoso aconselhamento multidisciplinar (Sy, 2006).
Após a ressecção, a recorrência média do teratoma gira ao redor de 11%.
Entretanto, já foram descritas recidivas até 34 meses após a ressecção do tumor.
Apesar de metade das recorrências serem malignas, a sobrevida em longo prazo é
alta devido à sensibilidade do TSC à quimioterapia. O acompanhamento após a
ressecção pode ser feito através da alfa-fetoproteína (AFP) e do exame físico. A
AFP é normalmente elevada na vida intrauterina. O súbito aumento na AFP sugere
recorrência do tumor (Otter, 2008).
CONDUTA OBSTÉTRICA
O parto vaginal está contraindicado quando de grandes TSC (maiores do que
750cm3) devido ao risco de distócia, assim como de hemorragia fetal por
compressão ou ruptura do tumor. A incisão uterina clássica é preferida à cesárea
segmentar transversa. Em casos de tumores pequenos (de até 5cm), pode-se tentar
o parto pela via baixa (Wilson, 2009; in Isfer, 1996; Otter, 2008).
ASSISTÊNCIA NEONATAL
As séries de estudo pediátricas apresentam chance de recidiva do tumor em
37% dos casos após exérese cirúrgica. Logo, recomenda-se como conduta a
remoção das últimas vértebras sacrais para se evitar o recrudescimento tumoral.
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Esta recorrência não está relacionada ao tamanho do tumor primário, mas sim aos
componentes deste, sendo 83% de recorrências nos tumores heterogêneos (in Isfer,
1996).
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BÓCIO CONGÊNITO
DEFINIÇÃO
Define-se o BC como um aumento da glândula tireóide, podendo ser causado
por alterações hormonais ou outras causas de crescimento tumoral. O BC pode
estar associado ao hipertireoidismo, hipotireoidismo, ou até mesmo a um estado de
eutireoidismo (in Isfer, 1996; in Callen, 2009). No período neonatal, o BC está
associado ao hipotireoidismo em 10% dos casos (in Isfer, 1996).
INCIDÊNCIA
É muito rara a associação hipotireoidismo congênito e bócio (1:40.000)
(Mayor-Lynn, 2009). Aproximadamente 74% dos casos de hipotireoidismo são
causados por disgenesia primária da tireóide (glândula tireóide hipoplásica ou
ausente) e 3% a 4% dos casos tem hipotireoidismo secundário ou terciário por
estímulo de hipófise ou hipotálamo, respectivamente. A exposição a medicações
antitireoidianas é responsável por 10% dos bócios congênitos (in Isfer, 1996). A
freqüência do hipotireoidismo congênito primário detectado ao nascimento gira em
torno de 1:3.000 a 1:4.000 nascidos (in Isfer, 1996; in Callen, 2009; Göktolga, 2008).
ETIOPATOGENIA
A tireóide fetal se forma na linha média anterior da região do assoalho
faringeal. Ela migra para a região caudal e atinge sua posição final por volta da 7ª
semana de gestação. A forma bilateral aparece na 9ª semana de gestação. A
captura ativa de iodo começa na 12ª semana (Neale, 2007).
14
Há evidências de produção de tiroxina (T4) na 14ª semana. A função
tireoidiana fetal fica sob controle pituitário na metade da gestação, porém o
hormônio liberador das tireotropinas hipotalâmico (TRH) já pode ser detectado com
nove semanas de gestação e a circulação porta já existe no final do primeiro
trimestre. Na 20ª semana as concentrações de tiroxina (T4), hormônio estimulante
da tireóide (TSH), globulina ligadora das tireotropinas (TBG) e a tiroxina livre (T4L)
começam a aumentar e atingem níveis de adultos entorno da 36ª semana da
gestação. Os níveis de triiodotironina (T3) não atingem níveis de adulto pela ação
placentária, que transforma o T3 em T4 ou T3 reversa (Neale, 2007; Péter, 2009).
O bócio fetal pode ser causado por várias condições distintas: anomalias
definitivas: agenesia, disgenesia, hipoplasia e ectopia tireoidiana, TSH defeituoso,
displasia hipotalâmica, deficiência de TRH, doenças metabólicas congênitas na
síntese tireoidiana, padrão autossômico dominante; anomalias transitórias:
intoxicação por iodo, deficiência de iodo, hipotiroxemia transitória, hipotirotropinemia
transitória, hipotireoidismo transitório, passagem transplacentária de estimulantes de
longa ação da tireóide (LATS) por doença de Graves materna, alteração na
produção de TBG (proteína transportadora) (in Isfer, 1996).
As drogas indutoras do BC são as preparações iodadas (antitussígenos,
contrastes iodados e antissépticos com iodo), dieta rica em frutos do mar e o
propiltiuracil (PTU) (in Isfer, 1996; Péter, 2009).
Aproximadamente 1% das mães expostas ao PTU apresenta RN com
hipotireoidismo (in Callen, 2009). A ingestão materna de menos de 12mg/dia de iodo
pode causar hipotireoidismo congênito (in Isfer, 1996; in Callen, 2009). O bócio por
deficiência de iodo é visto nas zonas endêmicas de hipotireoidismo (in Isfer, 1996).
15
A doença de Graves materna é uma doença autoimune, órgão específico que
é mediado por imunoglobulinas estimuladoras da tireóide (TSI). Esses anticorpos
mimetizam o TSH e estimulam a função da tireóide materna. Por terem capacidade
de atravessar a placenta, podem causar doença de Graves neonatal. A tireotoxicose
neonatal pode ocorrer em aproximadamente 1% dos filhos de mulheres com Graves.
Este processo vem ocorrendo naquelas mulheres que tiveram doença de Graves,
mas se mantém eutireóidea durante a gestação ou que foram tratadas com cirurgia
ou iodoterapia prévia à gravidez. Ocorre passagem transplacentária de TSI e
acometimento da tireóide fetal. Por isso, os níveis maternos de TSI devem ser
checados no início da gestação e no terceiro trimestre (Neale, 2007).
Quando a gestante apresenta doença de Graves, a hipertrofia da tireóide fetal
pode cursar com um hipotireoidismo iatrogênico, pela passagem de drogas
antitireoidéias transplacentárias; ou com um hipertireoidismo fetal devido à
passagem pela placenta de anticorpos anti-TSH (Huel, 2009).
A deficiência enzimática diminuindo a síntese de T3 e T4 pode resultar em
hipotireoidismo. Os defeitos enzimáticos são transmitidos por herança autossômica
recessiva (AR). Apesar desses causarem BC, muitos casos se manifestam
tardiamente (in Isfer, 1996).
DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL
Como em toda patologia fetal, o BC pode ter o seu diagnóstico realizado
mediante a realização da US, bem como o estudo da biologia fetal (in Isfer, 1996).
Apesar da US morfológica trazer informações sobre todos os sistemas fetais,
a glândula tireóide de tamanho normal nem sempre é bem visibilizada (in Isfer,
1996). O diagnóstico ultrassonográfico pode ser realizado, a partir da 20a semana de
16
gestação (Hanono, 2009), por sinais diretos de aumento da glândula e por sinais
indiretos. Geralmente, a US pode identificar massa na região anterior do pescoço,
de aspecto sólido, bilobulada, simétrica, com hipervascularização central ou
periférica, compatível com aumento da glândula fetal (in Isfer, 1996; in Callen, 2009;
Stoppa-Vaucher, 2010). Os sinais indiretos que levam o examinador a suspeitar de
alteração da tireóide fetal são a hiperextensão da cabeça pela massa situada na
região anterior; redução da bolha gástrica; polidrâmnio, por obstrução ao nível
esofageano; aceleração ou retardo na maturação óssea; taquicardia fetal;
hiperatividade fetal paradoxal (hipotireoidismo); hiperecogenicidade pulmonar e
retardo no crescimento intra-uterino (in Isfer, 1996; in Callen, 2009; Jain, 2009;
Stoppa-Vaucher, 2010; Huel, 2009).
A propedêutica invasiva mostra aumento de TSH no líquido amniótico (LA).
No sangue fetal observa-se aumento de TSH e diminuição de T4 (in Isfer, 1996). T3
e T4 maternos atravessam a placenta, o mesmo não ocorrendo com o TSH.
Segundo Neale, Hanono e Mayor-Lynn (Neale, 2007; Hanono, 2009; Mayor-Lynn,
2009), a medida de T3, T4 e TSH no LA refletem os níveis séricos fetais destes
hormônios. Porém, Stoppa-Vaucher, Göktolga e Huel (Stoppa-Vaucher, 2010;
Göktolga, 2008; Huel, 2009) recomendam cordocentese como padrão ouro para
avaliação da função tireoidiana fetal, pois acreditam que a medida do TSH e T4 no
LA pode ser irreal. A cordocentese, por ser um procedimento invasivo, é bem aceita
se os dados biológicos e clínicos maternos, bem como a US não fornecerem
informações suficientes para que se possa identificar o tipo de transtorno da tireóide,
pois a sua taxa de complicações fica em torno de 1% (Lembet, 2005; Huel, 2009;
Mayor-Lynn, 2009). As possíveis complicações incluem: sangramento fetal, infecção,
17
bradicardia, ruptura prematura de membranas e morte fetal (Mayor-Lynn, 2009;
Ghazi, 2005).
Huel et al. propuseram um método de avaliação ultrassonográfica para
diferenciar o BC hiper de hipotireoideo (Huel, 2009). Eles avaliaram quatro sinais
inespecíficos: vascularização do bócio, ritmo cardíaco fetal, maturação óssea e
movimentação fetal. Baseados nestes sinais criaram um escore para guiar o
diagnóstico (Tabela 1). Um escore maior ou igual a 2 sugere hipertireoidismo,
enquanto que um escore menor que 2 é indicativos de hipotireoidismo.
Tabela 1 - Escore ultrassonográfico para
diferenciação entre hiper e hipotireoidismo
fetal.
Achados ultrassonográficos Escore
Vascularização da glândula
Periférica ou ausente
Central
0
1
Ritmo cardíaco fetal
Normal
Taquicardia (>160bpm)
0
1
Maturação óssea
Retardada
Normal
Acelerada
-1
0
1
Movimentação fetal
Normal
Acelerada
1
0
Escore ≥2 sugere hipertireoidismo e <2,
hipotireoidismo (Huel, 2009).
18
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O diagnóstico diferencial a ser feito com o BC inclui o higroma cístico, cistos
branquiais, cisto tireoglosso, meningocele cervical, hemangiomas, neuroblastoma
cervical, timo ectópico e teratomas de pescoço (in Isfer, 1996; in Callen, 2009; Jain,
2009; Göktolga, 2008). O higroma cístico apresenta-se como lesões puramente
císticas, com as características descritas acima. Os cistos branquiais são massas
anecogênicas, localizadas na borda anterior do músculo esternocleidomastoideo. Os
hemangiomas podem aparecer como massas císticas ou sólidas, assim como os
teratomas (in Isfer, 1996; in Callen, 2009).
CONDUTA PRÉ-NATAL
Realizado o diagnóstico pré-natal, não se pode limitar o tratamento à
assistência neonatal, posto que o BC não deve ser visto apenas como entidade
anatômica. A maior preocupação reside no estado de hipotireoidismo ou
hipertireoidismo em que o feto se encontra, comprometendo o metabolismo como
um todo, em fase de desenvolvimento e amadurecimento de vários órgãos. Sabe-se
que o desenvolvimento do sistema nervoso central é tireoide-dependente desde a
32ª/34ª semana até após o termo. O tratamento com correção do estado tireoideano
durante a vida fetal é imprescindível para que se possa pensar em bom prognóstico
após o nascimento (in Isfer, 1996).
A doença de Graves é a causa mais comum de hipertiroidismo materno
durante a gravidez (95% dos casos). Outras causas incluem: doença trofoblástica
gestacional, bócio nodular ou adenoma tóxico solitário, tireoidites virais (Quervain), e
tumores de hipófise ou ovário (struma ovarii). Mulheres também podem se
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apresentar com hipertireoidismo transitório em casos de hiperemese gravídica e
tireotoxicidade transitória gestacional (Neale, 2007).
Preferencialmente, o hipertireoidismo deve ser controlado antes da
concepção. O hipertireoidismo materno está associado com: natimortalidade,
trabalho de parto prematuro, restrição de crescimento intrauterino, pré-eclâmpsia e
falência cardíaca. A tireotoxicose na concepção também aumenta o risco do
abortamento, mas seu mecanismo de ação é desconhecido (Neale, 2007).
A terapia materna geralmente corrige o hipertireoidismo fetal (in Callen, 2009).
O padrão-ouro de tratamento do hipertiroidismo materno e fetal é manter a mãe
eutireoidea, com T4L normal (Neale, 2007). O propiltiuracil (PTU) é a medicação
mais usada. A dose inicial é 100mg a 150mg a cada oito horas. Podem ser
necessárias seis a oito semanas para melhora clínica. Os níveis de T4L devem ser
monitorados mensalmente. Após atingir o estado eutireoideu materno, a dose de
PTU deve ser ajustada. Alternativas de tratamento são o metimazole e o
carbimazole (Neale, 2007; Jain, 2009). Prefere-se, entretanto, o PTU por atravessar
menos a barreira placentária que o metimazole e ter menor risco de malformação.
Administração cuidadosa dos antitireoidianos é necessária, visto que superdosagens
também podem induzir ao bócio fetal e hipotireoidismo (Lembert, 2005).
Duas propostas de tratamento intra-útero para o hipotireoidismo fetal são as
mais utilizadas nos poucos casos descritos na literatura. Baseando-se em estudos
experimentais, estima-se que a necessidade hormonal fetal próxima ao termo esteja
entre 10 e 20mg/kg/dia, sendo esta, então, a dose ideal a ser administrada, via
intramuscular (glúteo fetal) (in Isfer, 1996). O uso de 120mcg via intramuscular em
dose única, parece ser insuficiente, não promovendo regressão do bócio. É,
portanto, uma técnica em desuso (in Isfer, 1996). A outra proposta é a administração
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de T4 na dose de 500mcg (injeção no LA) a cada 15 dias, por duas vezes, (in Isfer,
1996; Jain, 2009) ou semanalmente, quantas vezes forem necessárias até a melhora
do bócio fetal (Hanono, 2009). Outra dosagem recomendada é 70 a 105mcg/kg de
peso fetal estimado, semanalmente (Mayor-Lynn, 2009). Como o feto deglute LA, o
T4 intra-amniótico pode reduzir o tamanho da tireóide e o volume de LA. A injeção
de T4 na veia umbilical fica restrita aos casos não responsivos à terapia intra-
amniótica. O objetivo do tratamento fetal é prevenir a compressão traqueoesofágica
e suas consequências (Stoppa-Vaucher, 2010). Alguns casos selecionados de fetos
com bócio em mães usuárias de medicamentos antitireoideos podem apresentar
redução do tamanho da tireóide após diminuição da dose deste fármaco (Lembert,
2005).
CONDUTA OBSTÉTRICA
O BC pode causar distócia durante o trabalho de parto pela hiperextensão da
cabeça fetal, e trabalho de parto prematuro pelo polidrâmnio. Pode também levar à
insuficiência respiratória aguda do RN, pela compressão das vias aéreas (Isfer,
1996). A realização do parto em centros terciários deve ser recomendada. O
tratamento por intermédio de procedimento extra-útero intraparto (EXIT) também
pode ser considerado (in Callen, 2009).
ASSISTÊNCIA NEONATAL
Geralmente, os casos de hipertireoidismo neonatal são transitórios, sendo
que na maioria dos casos a resolução é espontânea em um a três meses. Porém,
20% deles evoluem com péssimo prognóstico. O hipotireoidismo neonatal requer
tratamento. A maioria dos casos de doença de Graves neonatal (60%) tem curso
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benigno, enquanto que 20% apresentarão sintomas seis meses após (in Isfer, 1996).
Pacientes com hipotireoidismo congênito, mesmo os casos graves, apresentaram
nível intelectual normal, desde que tratados precocemente após o nascimento. O
diagnóstico pré-natal permite iniciar o tratamento do RN no primeiro dia de vida, fato
que propicia melhores resultados quando comparado com início do tratamento após
o diagnóstico neonatal (Stoppa-Vaucher, 2010).
Imunoglobulina humana intravenosa foi usada em RN filhos de mães com
doença de Graves com boa resposta em alguns casos selecionados que não
tiveram resposta satisfatória a drogas antitireoidianas mais comumente usadas,
sobretudo nas crises de tireotoxicose neonatal (Péter, 2009).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de se constituírem em patologias distintas, esses tumores de partes
moles podem ter o curso da doença modificado pelo diagnóstico precoce, pelo
adequado acompanhamento e tratamento.
Ao especialista em Medicina Fetal é permitida a interferência nos índices de
mortalidade perinatal relacionados ao TSC e ao BC. Estar atento aos transtornos
citados, nem sempre de fáceis diagnósticos, deve ser a meta diária deste
especialista.
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