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BEIJO TERESA BONDOSO

Teresa Bondoso BEIJO · Sou eu 21 Nem sei 23 De aqui 25 Ato de amor 26 Fim 27 Só 28 Simbiose 29 Livre 30 Crianças 32 De medo 33 Seixo 34 Silêncio 36 Palavras 38 Beijo 39 Dor de

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BEIJO

TERESA BONDOSO

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Teresa Bondoso BEIJO

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Silêncio

Já não te sinto. ...Por isso, grito! M.T.B. janeiro de 2013

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TEXTO E ILUSTRAÇÃO Teresa Bondoso

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ÍNDICE FICA ESCRITO… E DITO! 7

Olhar

12

Luz 13

De ser eterno 15

Não sou 17

Equívoco 18

Leveza 19

Conhecimento 20

Sou eu 21

Nem sei 23

De aqui 25

Ato de amor 26

Fim 27

Só 28

Simbiose 29

Livre 30

Crianças 32

De medo 33

Seixo 34

Silêncio 36

Palavras 38

Beijo 39

Dor de Alma 40

Natal 41

Grito 44

Gente 45

Esperança 47

Instante 48

Lágrima 49

Loucura 50

Lua 51

Naturalmente 52

Saudade 53

Sumiste-me 55

Amor 56

Tempo 57

Liberdade 58

Solidão 59

Fuga 60

Música 61

Mãos 62

Memória 63

Vida 64

Lados 65

De tanto viveres em mim 66

Nós 67

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FICA ESCRITO...E DITO!

Se é verdade que há poetas e poetas – e Portugal não é propriamente um

país de cem poetas por metro quadrado, apesar de repetidamente afirmado – o

facto é que, lendo Maria Teresa Bondoso, estamos perante um caso particular.

Sem se saber muito bem como definir poesia – diz Ballester que às vezes “se

parece com um inquilino volúvel, que vai e vem, e que às vezes foge para

sempre” – o importante aqui é notar, como Mário Quintana, que quem faz um

poema abre uma janela. E quantas janelas não são abertas neste seu Beijo,

quando – no outro lado das palavras – nos aparece igualmente uma poesia

desenhada e/ou pintada em cada uma das suas ilustrações! Não se trata apenas

disso: ilustrar o poema. É muito mais, é ela própria – a ilustração – o reforço do

poema e, quantas vezes, um outro poema duplamente belo.

Tenho dito muitas vezes que, ser poeta, é cantar mais do que o belo,

mais do que o amor, mais do que a paixão. Ser poeta é também perceber e

escrever – para além do romântico – sobre a injustiça, sobre a tristeza, a alegria,

as angústias, a tragédia, a Amizade, sobre os desencontros e desencantos da

vida. É assim que Maria Teresa Bondoso, na sua Solidão sem caminhos e sem

futuros, nos transporta – em palavra de quem se cala – à sua Música de sons

passados e a quem diz: luta tu nos meus futuros... e liberta-me as memórias!

A autora, que diz a um tempo não saber se a Liberdade é ousadia ou

fantasia, para – depois de um voo eterno de vida – desatar o nó e chegar à

conclusão que Liberdade é mesmo ousadia, percorre nesta sua obra um trajeto

de inquietações e desencontros para se afirmar Livre: “Livre sou./Para sentir,

ou não sentir/o afeto que me afeta”. Ou o Equívoco, no qual refere “Pintaste-

me de cores que eu não tenho”, colocando-se em dúvida ou questionando-se em

Sou Eu – Gostava de ser melhor/Gostava de a mim chegar; Não Sou – Se eu

pudesse sair daqui/Já não era; e Nem Sei – E os que nunca dizem nada.../E os

que nunca viram nada.../E os que nunca sabem nada.../E os que nunca fazem

nada.../Metem-me cá uma raiva!/Se calhar são como eu.

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Apenas e eventualmente na sua modéstia. Esses...que só vêem novelas,

que já fizeram sempre tudo, que já foram a todo o lado mas nunca leram um

livro – esses, não são seguramente como a autora desta obra. Maria Teresa

Bondoso expõe-se, porque está Só e dá-se a conhecer como um

“Menino./Descoberto e nu” (Conhecimento), numa simplicidade sublime de

conectar as palavras e as ideias, fugindo livremente aos conceitos ou rótulos dos

ismos – romantismo, realismo, parnasianismo, classicismo, humanismo,

existencialismo e ainda tantos outros com o prefixo neo. Ela, como Ortega e

Gasset, é a mulher e a sua circunstância. E parte daí para estar no seu Tempo –

Repouso fora de mim/Descanso/Dentro de mim, para perguntar, em Fim – Quem

foi que fechou o tempo?

O tempo não se fecha. Nem se apaga! Mas temos a obrigação de o

acompanhar. Ser poeta é também “estar” no seu tempo. Fingidor ou

inventor...o poeta deve “dizer” o seu tempo. No calor da revolta e do protesto,

na ânsia de denunciar injustiças, na denúncia da censura, na sede de correr

livre, na onda de ser amor, em tanto mar de ternura, o poeta tem que saber ler

os sinais. E talvez só a poesia consiga dar ao Homem tempo e espaço para

alinhar as ideias e as palavras certeiras! Por isso, Maria Teresa Bondoso escreve

Palavras: “Poucas as palavras/de certas/são muito”. E apesar de lhe doerem – as

palavras – e os silêncios, e o tempo, e o amor, e os poemas e a saudade, não

deixa de escrever sobre as Crianças – “Serão.../Ou não./” – (o tempo o dirá

neste país adiado), sobre o Natal – “Uma lágrima do nada”, numa belíssima

prosa poética de crítica em memória, pois “Os miúdos, a esperar sem poderem

escolher.”, e sobre a Gente (bonita) com palavras bonitas – homenageando

Pedro Barroso com “palavras de me tocar e palavras de me dizer”.

Regressando quase ao princípio...redigo que a poesia, que eu reservo ao

domingo, seja manhã ou de tarde, mas que eu prefiro à noitinha já coberta de

silêncios – sem que o vento, o mar e o sol queimem as pistas da minha busca,

canta sempre mais do que o belo, mais do que o amor, mais do que a paixão.

Por fim, não querendo alongar uma prosa intrusa em poesia pura,

recordo o Ato De Amor que é todo este Beijo, resistindo à tentação de

interpretar seja o que for de Maria Teresa Bondoso. O poema já é uma

interpretação – diz Mário Quintana.

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Mas este...é também um Ato de Amor e diz assim:

“Se calada,

As tuas palavras habitam-me.

E eu sou tu...

Se calado,

As minhas palavras morrem.

E eu.”

Jan.2013. António Bondoso

Jornalista.

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A quem me concedeu um passado!

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OLHAR

Hei-de olhar o teu silêncio

e ouvir a voz mais íntima

que de ti se revela

completa

Hás-de olhar o meu grito

E decifrar urgências

Que em mim se gastam

Inteiras

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LUZ

A minha luz vem de alguém

Como a luz que a lua tem

e os que olham assim

pensando que a luz sou eu

apenas conseguem ver

o que estando em mim não sou

E sendo eu a luz de alguém

É em mim que ela está

porque nesses de quem é

por não se querer mostrar

com medo de se apagar

brilha tanto e não se vê

e é por isso que escrevo

Com palavras que não são

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a não ser nesse depois

no momento que alguém lê

aquilo que eu escrevi

Como a luz que a lua tem

A minha luz vem de ti

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DE SER ETERNO

Apetece-me escrever.

Apetece-me escrever só porque sim.

Há o “falar” só para queimar o tempo… e eu exijo o “escrever” só para guardar

as palavras. Ou para as deitar fora…

Hoje apetece-me escrever por causa do tempo.

Não aquele de que se fala.

Mas aquele por que se passa… ou aquele que passa por nós.

E que deixa o mundo pequenino. O nosso bocadinho de mundo.

O outro, a gente não tem. Não o sabe.

O tempo que a gente tem é um tempo de passar.

Às vezes é de ficar… E dói.

Quando fica é eterno.

Quando passa é parado.

Quando pára é de não ser.

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E não é bom.

Mas o tempo sem vida dentro não é nosso.

É um tempo que a gente não tem porque não o sabe.

Hoje apetece-me escrever por causa do tempo. Não por causa do tempo de que

se fala.

Mas por causa do tempo que fala por nós.

O eterno que fica. O eterno que passa.

Os meus mortos. E eu.

O eterno que já não é.

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NÃO SOU

Eu tirava-me de mim

Para ser apenas aí.

Não me interessa o que digo

Interessa-me o que ouves.

Se eu pudesse sair daqui

Já não era…

E tu sendo, não serias.

Porque sem nós.

Esta é a relação entre mim, que escrevo

e tu que me lês.

E ao ler

Te fazes em mim.

Me fazes em ti.

Não quero dizer-te nada.

Quero que tu me digas.

Por isso escrevo.

Calo-me?

Calo-te.

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EQUÍVOCO

O teu gesto, teimoso, pôs-te a nu.

E eu vi.

Não era justo ou verdade o que dizias.

Era coisa de outro ouvir e achar bem.

Pintaste-me de cores que eu não tenho.

Encheste-me de palavras que eu não digo.

Trocaste-me por alguém que eu não conheço.

E eu nasci de novo outra.

Foste tu que me pariste.

Feia e suja.

E eu fiquei aqui.

Sozinha.

No dia em que me vires outra, há-de doer-te. A ti.

Hás-de ver o meu gesto, teimoso.

E nu.

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LEVEZA

Quem dera a leveza de ficar

em pé.

Para que o meu peso não pese

E eu possa sair

Ficando…

Por eles

por mim.

Por eles, de me ver partir

Por mim, de os ver ficar.

Mas leve fico.

E não me sento.

Para que o meu peso não pese.

(a todos os que partindo, de tão leve, ficaram)

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CONHECIMENTO

Sublime momento o que mora entre o ignorar e o saber.

Como nascer.

Receber dentro o que nunca foi.

E, sem olhar, integrar.

Conhecer.

O riso.

A surpresa de ser assim. Ou de não ser.

Quase estranheza… por pouco acontecer.

Cheio.

Completo.

Final.

Menino.

Descoberto e nu.

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SOU EU

Gostava de ser melhor.

Mas vou à frente de mim

Sem chegar ao que preciso

Para cumprir o meu ser.

Este ser que me apetece.

Este ser em que acredito.

Este ser que não alcanço

Por ir à frente de mim

Sem nunca me acompanhar.

Gostava de ser melhor

Gostava de a mim chegar.

Eu não sou o que desejo

Eu desejo o que não sou.

Estranho rodopiar.

Sem conseguir apanhar

Esta pessoa que vejo

Fugir da outra pessoa

Que teima em cá ficar

E não consegue chegar

Nem perto do que sonhei

Nem longe do que fiquei.

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Para cumprir o meu ser

Gostava de ser melhor.

Serei duas ou nenhuma?

Sou eu.

E é por ser

Que não sou.

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NEM SEI

E os que dizem obrigados, prontos e menza

e atenção arterial, e gostastes, e fizerem.

E vizinha, já tem tudo?

E ó miga, deixa lá.

Metem-me cá uma raiva!

E os que nunca dizem nada…

E aqueles que em conversa

Já fizeram sempre tudo

Já viram todos os filmes

Já foram a todo o lado

E conhecem os autores, já ouviram falar deles.

Metem-me cá uma raiva!

E os que nunca viram nada…

E a gente que não lê

E os que não ouvem música

E os que vêem só novelas.

E os que nunca percebem?

Metem-me cá uma raiva!

E os que nunca sabem nada…

E os gajos que escrevem, suponho que poesia,

mas nunca leram um livro…

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Ou aqueles que só pintam coisas lindas?

E os outros?

Metem-me cá uma raiva!

E os das máximas pra hoje

E do bom fim de semana

E do beijinho amiga

E das outras coisas óbvias.

Metem-me cá uma raiva!

E os que não querem pensar

E acham estar tudo bem

E não dizem o que pensam.

E os que não pensam sequer?

E que estão sempre de acordo.

E os que nunca fazem nada…

Metem-me cá uma raiva!

Se calhar são como eu.

Se eu mandasse…

Se eu pudesse…

Mas prontos, não posso…

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DE AQUI

Como é que se chega aí?

E quando aí chegar

Como é que se volta aqui?

De medo, não vou.

Fico e sou.

Mas sei que seria outra…

Sou eu

E é com medo de morrer

Que morro

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ATO DE AMOR

Se calada,

As tuas palavras habitam-me.

E eu sou tu…

Se calado,

As minhas palavras morrem.

E eu.

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FIM

Quem foi que pôs tanto mar

Cá dentro deste meu ser

E me deixou cá ficar

Sozinha neste lugar...

Quem foi que fechou o tempo?

Quem foi que pôs tanta cor

Quem foi que apagou o sol

Apenas para não ver

Esta lágrima de sal

Porção pequena e final

Do tempo que se fechou…

Sinais…

Nascidos de mim.

São filhos do teu olhar.

Semente que em mim lançaste

Na vez que me olhaste assim.

E o tempo que acabou…

Já nem me lembro de mim.

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Estou só…

Sou aquilo que não quero

E o que quero não sou.

Tenho um dedo que me acusa.

E um olho sempre a ver.

E gente que não me deixa

E outra que não me quer.

Será que da vida esta não era para viver?

Será que da vida a minha não consegue aqui chegar?

Eu já sou só de memórias que nem sei porque vivi...

Cansada…

Fria… gelada.

Quem dera sair daqui.

Desato-me e vou?

Cansada.

Fria.

Gelada.

Vazia.

E só.

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SIMBIOSE

Quando o tempo começa não existem palavras

Em nós

E quando as palavras começam é o tempo que nos foge…

No dia das palavras que nos fogem no tempo

Eu começo outra vez

Em ti

E as palavras que em ti começam

São o começo de mim.

És tu que me crias

Outra vez assim…

As palavras em ti.

São.

Ou não...

Um indício de mim.

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LIVRE

Já nada me atinge

a não ser o facto de nada me atingir.

Sentir que já não sinto o meu sentir

como o sentia

quando um outro

me atingia

de forma sentida, em mim.

Sinto o sentir

de quem

o meu não afeto

afeta.

E de quem

o afeto em mim

já não é.

Livre sou.

Para sentir, ou não sentir

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o afeto que me afeta.

Um sentir maior…

Um afeto sem fim…

Por fim,

no fim

de mim.

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CRIANÇAS

Se é pelo que não são

Ou não

Ou se pelo que serão

Então

São futuros

São janelas

São momentos

Que se firmam

E prosseguem

Pelo que não são

Então

Serão…

Ou não.

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DE MEDO

Rompi o céu com as mãos

na força de lhe tocar

com medo de o perder

perdendo por não viver

acabou por cá voltar

o medo de lhe tocar

E as mãos feriram o céu

e eu

de medo morri

ou não vivi

o céu

aqui

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SEIXO

Sou pedra que rola ser

Quando o teu corpo é o mar

Ando de cá para lá

Em quieto movimento

Numa sina de nascer

Tão perto de me gastar

Desmaiando a minha cor

Numa nova sinfonia

Para ganhar nesta dor

De pedra lisa a rolar

Uma maciez tardia

Num corpo que já não é

Sou pedra que rola ser

Quando o teu corpo é o mar

Para voltar outra vez

Tão perto de cá ficar

Sem poder acontecer

Por medo de me afogar

No teu corpo já parado

Na vida que em ti começa

No tempo que já não vivo

Para morrer outra vez

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Na vida que já não é

No meu corpo em ti parado

Numa maciez tardia

Do tempo que me fugiu

Sou pedra que rola ser

Num mar que me envolve e mata

Quando eu em ti não sou

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SILÊNCIO

Assustei-me no silêncio

Contido neste depois

Dos dias que já ficaram

Procurei dentro do hoje

Coisas que o hoje não tem

Porque ontem se passaram

E ao passarem ficaram

Contidos neste rumor

De silêncios por ouvir

Nas memórias que não sei

Tão leves que me pesaram

Pesadas por as sentir

Contidas nesses supores

De futuros pouco certos

De certezas sem saber

Dos dias que não voltaram

Em memórias de viver

Descansos e sobressaltos

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De quem começa no fim

Assustada de silêncios

Que falam dentro de mim.

Contidos neste depois

Dos dias que cá ficaram

Em futuros que não sei

Incertos mas acabados.

Nesta volta…

Neste tempo…

Neste silêncio sem fim.

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PALAVRAS

poucas as palavras

de certas

são muito

decerto

tão pessoas

tão vidas de ainda não

tão novas de terem sido

tão certas de muito ser

tão poucas

para dizer

palavras nenhumas.

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BEIJO

Quando ausente

um beijo se prolonga

Adivinha-se o amor.

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DOR DE ALMA

Doem-me as palavras

Doem-me os silêncios

Dói-me a solidão

Dói-me a gente

Dói-me a cara triste da minha mãe

Dói-me o tempo

Dói-me o amor

Doem-me os poemas

Doem-me as memórias

Dói-me a saudade

Dói-me a dor que me acorda do sono de não ver

Mas triste é

A mágoa de a não ter

À dor que me dói na alma.

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NATAL

Nem sei bem porquê…

Hoje aconteceu-me procurar o Natal.

Comecei pelas memórias.

Primeiro pensei por onde havia eu de começar a lembrar-me.

Mas as memórias chegavam mais depressa do que a minha escolha.

Desisti.

Depois ocorreu-me que a memória está dentro da cabeça.

Fui ao médico.

- Doutor, preciso que me faça uma cirurgia ao cérebro.

O médico disse-me que não podia. Não era cirurgião.

Voltei ao hospital e roubei um bisturi.

Estudei.

Procurei a zona do cérebro sem nada.

Uma era do falar… passei por ela calada.

Outra era do sentir… passei por ela indiferente.

Outra era do olhar… fechei os olhos e fui.

Outra era do pensar… fiz-me tonta e prossegui.

Cheguei ao lado de lá.

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Voltei.

Novamente no princípio, achei o que procurava.

Era o começo das memórias e tinha um pedacinho minúsculo de nada. Chamava-

se princípio de ontem.

Medi, risquei e cortei.

Consegui entrar. Sozinha.

Era escuro. Era pequeno. Era vazio.

Uma lágrima do nada.

Mais um pouco e encontrei-o.

Estava vestido de vermelho, tinha umas grandes barbas brancas e corria de um

lado para o outro. Ora estava em minha casa, com os meus primos pequenos,

ora ia de trenó no lado de baixo do céu, no Centro Comercial…

Depois era a televisão, um anúncio de Natal na paragem do elétrico a beber uma

bebida da qual nunca soube o nome.

Dele sei. Era o Pai Natal.

Continuei.

Caminhei e, a seguir, vi um grupo de meninos. Não sabiam escrever. Uma

mulher já zangada escrevia para todos.

- Não, isso não. Tem de ser uma coisa mais barata.

Os miúdos, a esperar sem poderem escolher.

E eu não quis lá ficar.

A seguir, cheguei a casa.

Era o meu pai. Escondido. Eu a ver. Ele a pensar que eu não via.

Sorri. Tinha apenas sete anos.

Gostei. Ia ficar.

De repente, já não estava. Um arrepio…

Era o Pedro. Morto. Num dia de Natal.

Fiquei, esquecida, a chorar. A perguntar. Nem resposta…

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Fiquei.

Fiquei-me.

Foi a memória procurar por mim. Encontrou-me ali e levou-me, arrastada e

teimosa.

Cheguei fora.

Estava lá um menino.

Limpei as lágrimas.

Limpei o meu nada. Prossegui.

Era Natal.

Esqueci e celebrei. Renasci.

Menina e certa. Cheia e nua.

Completa.

Hoje aconteceu-me procurar o Natal.

E nasci.

Natal, o parto de mim.

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GRITO

No teu grito é que eu habito

Quando me vestes assim

E te fazes infinito

Num pedacinho de mim

Numa porção tão presente

No medo deste silêncio

Que fica quando tu vais

Que chega mesmo se ausente

Cumprindo em mim um rito

Em horas que sendo iguais

Não se repetem em nós

E connosco são sinais

De um futuro adivinhado

Quando por fim for calado

Silêncio

Já não te sinto

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GENTE

É tão difícil

Encontrar palavras

Assim…

Bonitas.

Palavras de me calar

Coisas demais se só minhas

Coisas de menos se em nós

Futuros que se adivinham

De momentos impossíveis

Se não fossem estes outros

De gente bonita assim.

São palavras que me levam os silêncios.

Palavras de me tocar.

São palavras que me apagam as ausências.

Palavras de me dizer.

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São palavras que me mostram coisas minhas

Coisas minhas que são nossas

Sendo nossas são de outros

Por isso são tão bonitas

As gentes de que aqui falo

Com palavras que me dás

E que se fazem em mim

E que me fazem em ti

Há gente bonita…

Sim.

[a todos os que, como o Pedro Barroso, me vão transformando em gente]

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ESPERANÇA

Sentei-me, velha, nas memórias.

Procurei em mim pedaços de luz.

Vontades de azul

na voz de Deus.

Veio a noite.

E sobre a noite se fez dia

e palavra.

Natal de esperança em mim.

Um menino pobre

e eu, nova.

De novo.

De esperança me levantei

e me fiz livre.

Por bastar apenas uma vez

fiquei.

Eternamente livre.

De esperança.

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INSTANTE

Adiava o instante

preso num tempo breve

e a sobrar

a idade larga dos anos.

Aconchegava o fim anunciado dos dias…

Inventava espelhos

e morria

na idade fechada de uma história

escrita num livro.

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LÁGRIMA

Sei o tempo em que riamos cedo

em gargalhadas sem porquês

Sei o tempo da preguiça morna

e dos olhares inteiros

nos silêncios repletos de voz

Sei o tempo dos teus passos a chegar tarde

e tu que ainda vinhas…

Sei-te

Numa lágrima.

E vejo como os mortos também choram.

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LOUCURA

Não temo enquanto sonho

Não receio o que oiço

Não tremo quando sinto

Não vejo em sobressalto

Mas o medo de aqui

de dentro dos meus olhos…

Esse

Assusta-me.

É um medo de mim.

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LUA

Vazia…

Esperei o dia.

Na noite, de companhia

redonda e crua

sonhei a lua.

Fantasia…

Eu, nua

Tua…

E a lua.

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NATURALMENTE

Uma gargalhada sonora ecoou no pavilhão vazio.

Lá fora, o silêncio disposto em ruídos certos. Musicais…

Um tiro certeiro.

Morreu um homem

Naturalmente.

Uma gargalhada calou-se, por fim, num pavilhão vazio.

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SAUDADE

Saudade

É dor de quem a não tem.

É medo de que o presente

Possa um dia ser ausente

Saudade é aqui ficar

Quieta neste lugar

Por medo deste sentir

É memória do que vem

Por medo de acontecer.

Por temor deste sentir

Saudade

Assusta e não pesa

Mas se pesa sabe bem

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Porque a dor de quem não tem

É muito maior do que esta

Que habita a minha memória

Em dias que hão-de vir

Num tempo de eu existir

Ausente deste presente

Com medo de acontecer

No susto deste sentir.

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SUMISTE-ME

Sumiste-me de todos os cantos

De todas as ruas

De todos os lugares nossos.

Sumiste-me.

Serei ainda eu nos teus lugares

Nas tuas coisas para além de nós

Teremos sido apenas os dois?

Eu, por mim, já não sou sem ti.

Tu.

O mesmo…

Existes nas memórias do ontem feito hoje.

És.

E eu hoje sem ti apenas ontem.

Sou.

Um ponto de luz.

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AMOR

Pudera eu

Supor cada uma das tuas razões

Sonhar todos os teus desejos

Habitar cedo o teu corpo inteiro

Saber melhor todos os teus suspiros

Morrer em todas as tuas dores

Ainda assim

Amar-te-ia devagar todas as manhãs

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TEMPO

Repouso fora de mim

Perduro do outro lado

Finto a verdade no tempo

Iludo os lados de cá

Encanto os medos de lá

E ganho outra figura

Sou gente de fingir mundos

Em vidas onde se agita

Aquilo que em mim habita

Com o que de mim não é

Descanso

Dentro de mim

Persisto cá deste lado

E é o tempo que se faz...

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LIBERDADE

Liberdade não te sei…

Aqui onde o céu me foge

Onde não consigo ver

Para além da minha rua…

Eu sou tua

Fantasia…

Ousadia ou liberdade?

Já te vejo na distância…

Abriu-se o céu num menino.

Um voo eterno de vida

Que principia na morte,

E volta de novo azul

Aqui onde o céu fugia.

Liberdade é ousadia,

Nó desatado de mim.

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SOLIDÃO

Sem caminhos

Sem futuros

Sem propósitos,

Razões…

Sem visões.

Como uma casa sem chão.

Eu.

Presa na solidão.

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FUGA

Evadi-me desta casa que me prende.

E deitei fora todos os laços…

O comboio partiu

Por destinos de distância.

Ignorados.

Não quererei voltar aqui.

Mas se vier

Certamente serei outra.

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MÚSICA

Música

Cheiro dos sons

Leva-me a momentos idos…

Música

De sons passados

Luta tu nos meus futuros…

E liberta-me as memórias

Espada que não trespassa

Fere tu quem não sonhou

Mata tu quem não voou

Combate tu e acorda

A corda que puxa o nada

Acordes em sol menor

No som do sonho lembrado

Voo do cavalo alado

Palavra de quem se cala

Silêncio que por cá fala

Canção de tingir o mar

De azul tão feito de mim.

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MÃOS

um pedaço de água se faz gelo e procura o frio

fecham-se as horas

a lua brilha e desvenda uma luz refletida de mim

o instante, parado, sussurra segredos

sozinhas

as palavras caem e vêm morar na quietude suspensa do mar

desnudadas ficam

como silêncios noturnos vestidos de gritos gelados

abertas as horas

o dia veste-se de azul e as palavras correm mais cedo

chegas afinal

e as mãos

apenas as tuas mãos

as sabem agarrar

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MEMÓRIA

Pensei com atenção o frasco de mel que ali vive, parado nos anos eternos da

memória.

Um barco…

Ou apenas sombras vadias que o meu sonho transfigura.

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VIDA

Preso a um poste escuro e grande

um homem morria

num lugar vazio e sem cor

iludi a imagem que o pensamento me entregou

e supus a noite.

Soltei as correntes que lhe paravam o tempo.

Pedi-lhe que viesse.

Encheu o olhar vazio

e sem palavras

ou medo

veio morar comigo num lugar preenchido de azul

de novo,

a vida…

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LADOS

Os lados de todas as coisas

e os significados de todas as palavras

dependem de quem as olha

mais do que delas próprias.

De quem as ouve

mais do que de quem as diz.

E eu

Espero apenas que os teus lados

Caibam em todas as palavras minhas.

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DE TANTO VIVERES EM MIM

Submersa já me vejo

Neste rio que descansa

Numa praia larga e mansa

Como boca após o beijo

Aberta por te não ter

Digo a vida a quem não vive

Sei o mundo em quem já foi

Desconheço quem se encontra

Conheço quem já não é

E assim acabo cedo

Num dia de cada vez

Sabendo que já não vou

Sem que me vejam partida

Nesta mágoa tão perdida

Falhada por te não ver

Submersa neste mar

Que não soube navegar

Por medo de me afogar

Fico parada no tempo

À espera de algum sinal

De quem partiu afinal

Por tanto querer ficar

E deste sinal me vou

Supondo já não voltar

Sonhando morrer assim

Foste tu quem me matou

De tanto viveres em mim.

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NÓS

As saudades do futuro

são vontades

são esperas

são imagens coloridas do devir.

São espelhos ao contrário.

As saudades do futuro

são gente do outro lado

são vozes de quem não é

são sombras desabitadas

são o sol que se apagou

são vidas desocupadas

são risos que esperam graças

são choros que esperam dor

são luzes que esperam dias.

As saudades do futuro

são descansos que se sonham.

As saudades do futuro

são lutas que esperam paz.

São um dia

Eu e tu…

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BEIJO Teresa Bondoso