Termodinamica Macroscopica

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Termodinamica

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  • Instituto Superior Tcnico

    TERMODINMICA MACROSCPICA Princpios e Conceitos

    Jos J. Delgado DomingosJos J. Delgado DomingosJos J. Delgado DomingosJos J. Delgado Domingos

    Tiago Morais Delgado DomingosTiago Morais Delgado DomingosTiago Morais Delgado DomingosTiago Morais Delgado Domingos

    Tnia Tnia Tnia Tnia Costa e SousaCosta e SousaCosta e SousaCosta e Sousa

    Junho de 2008

  • ndice Geral NDICE GERAL 3

    NDICE DE FIGURAS 7

    PREFCIO DA 1 EDIO 9

    PREFCIO DA 2 EDIO 17

    AGRADECIMENTOS 19

    1. FSICA PERFEITA E TERMODINMICA MACROSCPICA 21 1.1. Fsica Perfeita: Reversibilidade 21

    1.2. Termodinmica Macroscpica: Irreversibilidade 23

    1.3. Termodinmica Macroscpica e Fsica Estatstica: Reversibilidade Microscpica e Irreversibilidade Macroscpica 24

    2. PRINCPIOS DA TERMODINMICA 28 2.1. Definies e Convenes 28

    2.2. 1 Princpio da Termodinmica 33

    2.3. 2 Princpio da Termodinmica 36

    3. FORMALISMO TERMODINMICO 53 3.1. Do Postulado da Dissipao ao Formalismo Termodinmico 53

    3.2. Axiomtica de Tisza-Callen 54

    3.3. Primeiras Derivadas da Equao Fundamental: Variveis Intensivas 61

    3.4. Equilbrio Termodinmico 65

    3.5. Equaes de Euler e de Gibbs-Duhem 70

  • Termodinmica Macroscpica 4 ndice Geral

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    3.6. Equaes Molares 72

    3.7. Expresses para o Trabalho e para o Calor 76

    3.8. Relaes de Maxwell 77

    3.9. Segundas Derivadas da Equao Fundamental: Coeficientes Termodinmicos 81

    3.10. Estabilidade Intrnseca dos Sistemas Termodinmicos 86

    4. SISTEMAS TERMODINMICOS SIMPLES 97 4.1. Recomendaes para a Obteno de Equaes Fundamentais 97

    4.2. Gases Perfeitos 97

    4.3. Gs de van der Waals 102

    4.4. Radiao Electromagntica 103

    4.5. Elstico de Borracha Linear 105

    5. CICLOS TERMODINMICOS 107 5.1. Ciclo de Carnot 107

    5.2. Teorema de Carnot 110

    5.3. Outras Formulaes da Segunda Lei da Termodinmica 117

    6. POTENCIAIS TERMODINMICOS 121 6.1. Teorema do Mnimo de Energia 121

    6.2. Estrutura do Espao Termodinmico 122

    6.3. Transformao de Legendre 123

    6.4. Potenciais Termodinmicos 127

    6.5. Teoremas de Mnimo para os Potenciais Termodinmicos 134

    7. MUDANA DE FASE 141 7.1. Dimensionalidade do Espao de Representao 141

  • Termodinmica Macroscpica 5 ndice Geral

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    7.2. Equao de Clapeyron 150

    7.3. Mudana de Fase com a Equao de van der Waals 154

    7.4. O Caso da gua 159

    7.5. Diagramas Termodinmicos 162

    7.6. Sistemas com Mltiplos Componentes: Regra das Fases de Gibbs 167

    8. SISTEMAS ABERTOS SEM DIFUSO 171 8.1. Introduo 171

    8.2. Balanos de Massa e de Energia para Sistemas Abertos 172

    8.3. Regime Estacionrio 176

    8.4. Aplicaes 178

    8.5. Balano de Entropia para Sistemas Abertos 180

    9. TERMODINMICA DA ATMOSFERA 183 9.1. Extenso do formalismo para o campo gravtico 183

    9.2. Sistema Termodinmico Ar Seco 185

    9.3. Sistema Termodinmico Ar Hmido 197

    9.4. Tefigrama 203

    9.5. Nvel de Condensao 205

    9.6. Gradiente de Temperatura Adiabtico Saturado 207

    10. BIBLIOGRAFIA 212

    ANEXO - FERRAMENTAS MATEMTICAS 215 10.1. Formas Diferenciais 215

    10.2. Maximizao 219

    10.3. Pontos de Equilbrio e Estabilidade 221

  • Termodinmica Macroscpica 6 ndice Geral

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    11. NDICE REMISSIVO 225

  • ndice de Figuras Figura 1 - Sistema isolado, com dois subsistemas.......................................................... 38 Figura 2 Compresso de um gs................................................................................. 40 Figura 3 Evoluo adiabtica irreversvel de 1 espcie (exemplo). ........................... 42 Figura 4 Evoluo adiabtica reversvel. .................................................................... 43 Figura 5 Expanso de um gs real para o vcuo e recompresso quase-

    esttica. ............................................................................................................. 44 Figura 6 Experincia Fundamental de Joule ............................................................... 45 Figura 7 Sistemas termodinmicos separados por uma parede diatrmica,

    fixa e impermevel ............................................................................................ 66 Figura 8 Diviso arbitrria de um sistema homogneo em dois. ................................. 86 Figura 9 Representao esquemtica de uma cavidade electromagntica ...................104 Figura 10 Elstico de borracha ..................................................................................105 Figura 11 Ciclo de Carnot .........................................................................................109 Figura 12 Equilbrio de fases.....................................................................................143 Figura 13 Variao da Energia de Gibbs molar (igual ao potencial

    qumico) com a temperatura, para presso e nmero de moles constantes (sistema com um componente qumico), para diferentes fases. ................................................................................................................146

    Figura 14 Exemplo de diagrama de fases...................................................................147 Figura 15 Comportamento tpico de uma isotrmica do fluido de van der

    Waals ...............................................................................................................154 Figura 16 Isotrmica da equao da van der Waals, no plano (v, P)...........................156 Figura 17 Energia de Gibbs molar em funo da presso, para temperatura

    constante, para um fluido de van der Waals. .....................................................156 Figura 18 Evoluo na mudana de fase, para um fluido de van der Waals................157 Figura 19 Isotrmica com mudana de fase, no plano P v. ......................................158 Figura 20 Representao da zona a duas fases no diagrama (P, v). ............................159 Figura 21 - Fases da gua num diagrama P-T. ..............................................................160 Figura 22 - Superfcie P V T para a gua (a contraco na passagem de

    slido para lquido no normal em fluidos simples). ......................................161 Figura 23 - Diagrama P, (temperatura) para a gua lquida e o vapor de

    gua. ................................................................................................................162

  • Termodinmica Macroscpica 8 ndice de Figuras

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    Figura 24 - Diagrama (T,s). A rea tracejada representa a quantidade de calor recebida pelo sistema na evoluo isobrica de a a d. No diagrama esto tambm representadas as linhas de ttulo x constante. ...............163

    Figura 25 - Diagrama T-s. Linha de volume constante (iscora). ..................................165 Figura 26 - Diagrama T-s para a gua. Isobricas (a cheio), iscoras (a

    tracejado), isentlpicas (trao-ponto). ...............................................................166 Figura 27 - Diagrama de Mollier (h, s) para uma substncia simples.

    Apresentam-se tambm as linhas de volume constante (note-se que, neste diagrama, o ponto triplo corresponde a uma rea). ...................................167

    Figura 28 Sistema com um mbolo adiabtico e mvel, (a b). ................................173 Figura 29 Deslocamento para a direita, numa distncia dl, do mbolo no

    sistema da Figura 28, passando para a posio a b.......................................173 Figura 30 Definio do sistema A, no contexto da Figura 29. ....................................174 Figura 31 Tubo de seco constante, horizontal, com um escoamento em

    regime estacionrio. .........................................................................................178 Figura 1 Linha a vermelho: gradiente de temperatura adiabtico. Linhass

    1, 2 e 3: gradientes de temperatura da atmosfera. ..............................................193 Figura 2 Equao de Clausius-Clapeyron (azul). Caracterizao da mistura

    (linha a vermelho) de duas massas de ar no saturadas (extremos da linha a vermelho)..............................................................................................200

  • Prefcio da 1 Edio

    Deep down, most scientists feel insecure about their background in Thermodynamics. (And most of those who do not probably should!). But from where does this anxiety issue? Certainly, the fundamental laws of Thermodynamics are not that difficult to comprehend.

    Ulanowicz (1986) Embora fundamental numa formao cientfica, a Termodinmica uma disciplina que habitualmente se remete para um subcaptulo da Fsica, para a introduo a outras disciplinas, ou para o conjunto de formulrios, tabelas e diagramas, de que as aplicaes correntes precisam. Existem ainda as Termodinmicas para Qumicos, para Mecnicos, para Bilogos..., ou ainda as disciplinas cientficas especializadas que tm na Termodinmica a sua raiz e fundamento. Salvo raras excepes, a unidade global da Termodinmica no sublinhada, tal como no explorado o valor pedaggico e metodolgico da sua estrutura conceptual, sobretudo quando se trata da Termodinmica Macroscpica. Esta situao, creio eu, deve-se a alguns equvocos e a erros de perspectiva consagrados como normalidade pela sua proliferao em manuais universitrios. Entre os equvocos, encontra-se o prprio nome de Termodinmica. Na esmagadora maioria dos casos, os textos de Termodinmica tratam de TERMOESTTICA, ou seja, de situaes que a nvel macroscpico so de equilbrio esttico e a nvel microscpico so de equilbrio dinmico. Sendo um equvoco histrico, fruto da confuso entre desejos e realidades, a Termodinmica que no Termoesttica passou a chamar-se Termodinmica de No Equilbrio ou Termodinmica dos Processos Irreversveis. De mais profundas consequncias, pelas falsas perspectivas que origina, a generalizada meia-verdade de que nas equaes de Boltzman da Mecnica Estatstica se encontra toda a fundamentao da Termodinmica Macroscpica. Esta questo ultrapassou, largamente, o estrito mbito em que inicialmente se formulou e procurava conciliar a evidncia experimental da Termodinmica Macroscpica com uma viso cultural do mundo em que

  • Termodinmica Macroscpica 10 Prefcio da 1 Edio

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    dominava o determinismo newtoniano e a cosmologia de Laplace1. De certo modo, era uma viso do mundo decorrente da sua descrio por equaes lineares ou que poderiam linearizar-se para que a sua soluo fosse redutvel aos mtodos matemticos conhecidos. A descoberta recente do caos determinstico, consequncia directa da capacidade de tratar numericamente situaes descritas por equaes diferenciais (ou em derivadas parciais) no lineares, bem como a possibilidade de auto-organizao em sistemas dissipativos muito afastados do equilbrio veio pr novamente em relevo a importncia conceptual da perspectiva macroscpica e o renovado interesse pelo paradigma que sob esse aspecto a Termodinmica Macroscpica constitui2. Os grandes afastamentos do equilbrio, em que nascem os fenmenos conhecidos de auto-organizao dissipativos, so de natureza macroscpica e podem descrever-se no mbito da Termodinmica Macroscpica dos Processos Irreversveis, ela prpria resultante duma extenso quase trivial da Termodinmica Clssica, a que chamamos Termoesttica. Extenso quase trivial, porque ela decorre da reduo da escala espacial e temporal em que na Termoesttica se mede o equilbrio. Trata-se, em rigor, de admitir que a Termoesttica permanece vlida ao nvel do volume infinitesimal (princpio do estado local) e de extrair desse axioma todas as consequncias matemticas que nele se contm. Esta , alis, a hiptese fundamental subjacente a toda a Mecnica dos Meios Contnuos, quer ela se formule como decorrente de axiomas matemticos abstractos, quer se motive por consideraes de ordem fsica. Esta unidade, formal e conceptual, de tratamento da Mecnica e da Termodinmica dos Meios Contnuos no encontra expresso corrente nos manuais universitrios e a estrutura curricular dos nossos cursos de engenharia tambm no a favorece ao separar a Mecnica dos Slidos, a Mecnica dos Fluidos, a Hidrulica, a Transmisso (ou Transferncia...) de Calor e Massa, os Fenmenos de Transporte, etc., do que resultam

    1 A Mecnica Quntica e a Teoria da Relatividade vieram profundamente alterar esta viso cultural do

    Universo e o modo de encarar a Termodinmica Estatstica. Todavia, permanecem vlidas as observaes aqui feitas.

    2 O caos determinstico essencialmente macroscpico e a sua descoberta no se limitou a fazer

    reviver o interesse pela Termodinmica macroscpica mas sim por muitos fenmenos e observaes correntes de que a Fsica se desinteressara, como , por exemplo, o caso do pndulo que tinha ficado congelado nas situaes redutveis a solues matemticas conhecidas.

  • Termodinmica Macroscpica 11 Prefcio da 1 Edio

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    consequncias significativas no relacionamento interdisciplinar e na investigao mais avanada3. Recordada a importncia intrnseca da Termodinmica Macroscpica e a impossibilidade, face ao estado actual do conhecimento, de a reduzir Fsica Microscpica, no deve, todavia, minimizar-se a importncia (e imprescindibilidade) da sua complementaridade4. No essa, porm, a questo que aqui se pe, mas sim a de identificar e ultrapassar as causas que subalternizaram a Termodinmica Macroscpica no mbito das cincias bsicas. Essas causas tm muito a ver com o modo como a Termodinmica habitualmente formulada e apresentada, a que no estranho o carcter atribulado de que se revestiu a sua evoluo5. O nascimento da Termodinmica como cincia est intimamente associada a Clausius que introduziu o conceito de entropia (1850), mas a fonte motivadora foram os trabalhos de Carnot6, que revelaram a possibilidade de estabelecer um limite intransponvel para o rendimento de qualquer mquina trmica, independentemente da sua natureza ou do fludo utilizado para obter a converso do calor em trabalho. Este rendimento s dependia das temperaturas extremas.

    3 A esta situao no certamente estranho o facto de a teoria matemtica da Mecnica dos Meios

    Contnuos ter sido formulada utilizando apenas os princpios da Mecnica de Newton e uma relao fenomenolgica (relao constituitiva) entre as foras e as deformaes (tipicamente linear) baseada na observao experimental. A lei de Hooke para a Elasticidade, ou uma relao emprica ligando a presso e a massa especfica foram suficientes para criar a teoria matemtica da elasticidade ou para Euler fundar a Mecnica dos Fluidos Perfeitos, sem necessidade de invocar qualquer modelo microscpico.

    Significativamente, na Lei de Fourier, para a Conduo do Calor (1822) est implcita a teoria do calrico e uma difusa interpretao dos fluxos de calor e dos calores especficos. A Termodinmica Macroscpica, que daria a viso unitria ao conjunto e fundamentaria o tratamento quando existe dissipao, ainda no tinha surgido. Sob este aspecto, refira-se que os trabalhos de Carnot so de 1824 e a publicao fundamental de Clausius, considerada o incio da Termodinmica, de 1850.

    4 Toda a argumentao anterior se sintetiza na observao de que o microscpico e o macroscpico

    so apenas nveis diferentes de abordagem da mesma realidade, ambos fundamentais para uma compreenso do mundo real onde habitamos. Este facto tende porem a ser esquecido, tanto pelos fsicos (que privilegiam o microscpico), como pelos engenheiros, que assumem a atitude oposta e tendem a reduzir a Termodinmica Macroscpica a regras operacionais ou ciclos trmicos, sem se aperceber das potencialidades unificadoras que ela contm e lhes evitaria alguns paradoxos.

    5 Ver Truesdell (1980). Truesdell preocupa-se, sobretudo, com aspectos matemticos da formulao,

    apresentando uma exaustiva bibliografia de trabalhos relevantes desde 1779 a 1979. 6 A publicao fundamental de Sadi Carnot, Rflexions sur la Puissance Motrice du Feu et sur les

    Machines Propres dvelopper cette Puissance, Paris, Bachelier, 1824, foi integralmente republicada quase 50 anos depois, com as suas notas manuscritas entre 1824 e 1832 nos Annales Scientifiques de lcole Normale Superieur (1872).

  • Termodinmica Macroscpica 12 Prefcio da 1 Edio

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    importante situar no seu contexto histrico esta evoluo e sobretudo sublinhar o papel determinante que teve o aparecimento da mquina a vapor. A primeira, da autoria de Savery foi demonstrada em 1698, muito embora se devam a Newcomen as formas construtivas que estiveram na origem dos desenvolvimentos posteriores de Watt. Contrariamente s descobertas fundamentais que tinham feito da Fsica uma paradigma da Cincia, a mquina a vapor no nasceu num laboratrio mas na realidade externa que a revoluo industrial criara e para cujo desenvolvimento era crucial uma nova forma de energia, pois as nicas formas de energia aproveitveis at a eram o vento e as quedas de gua, em instalaes que raramente ultrapassavam os 10 kW de potncia mxima. O que a mquina a vapor vinha por em evidncia era a possibilidade de converso da energia do fogo em energia mecnica, facto esse que para os cientistas da poca trazia um desafio comparvel ao que posteriormente trouxe, por exemplo, a descoberta da radioactividade. A teoria da mquina a vapor no era dedutvel de concepes microscpicas e as reflexes de Carnot trouxeram, como contributo essencial, o conceito de ciclo. O mrito fundamental do conceito de ciclo abstrair do que se passa a nvel microscpico, pois sejam quais forem as transformaes sofridas o objecto em estudo (o sistema) regressa ao ponto de partida, ou seja, situao em que estava antes de ter sofrido qualquer transformao. Nas reflexes de Carnot est implcito o conceito de calrico como um fluido imaterial, conservado e indestrutvel, que produz trabalho ao descer de nvel trmico, em total analogia com o que se passa com a gua numa roda hidrulica. Sabemos hoje que no o calrico mas a entropia que pode usar-se nesta analogia7, mas na altura, nem o princpio da conservao da energia tinha sido estabelecido como um pilar fundamental, nem o conceito de entropia tinha surgido como elo imprescindvel na ligao do microscpico ao macroscpico. Quando existem fenmenos trmicos, a dialctica microscpico-macroscpico8 foi e de tal modo importante, que a tendncia foi, e ainda ,

    7 A analogia fracassava quando o calrico passava de uma temperatura mais elevada para uma mais

    baixa como sucede por exemplo na conduo do calor em slidos. 8 O sistema fechado continua sendo o domnio privilegiado da Fsica fundamental e para ele que a

    Mecnica Quntica e os modelos microscpicos se formulam, dadas as simplificaes formais que tal permite e a forma natural como se postula e se realiza o equilbrio macroscpico em tal situao. Mas o mundo real, onde os seres vivos existem e as mquinas funcionam, so quase sempre sistemas abertos. Trata-se, novamente, de nveis diferentes mas complementares de abordagem, que ao no serem tidos adequadamente em conta apenas contribuem para a viso estreita e compartimentada do mundo que permeia todo o nosso ensino.

  • Termodinmica Macroscpica 13 Prefcio da 1 Edio

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    para reduzir a Termodinmica aos sistemas fechados, deixando habitualmente para os textos das aplicaes engenharia o tratamento dos sistemas abertos, nos quais a nfase na conservao da energia, secundarizando ou omitindo mesmo as lacunas conceptuais e lgicas que podem existir nessa extenso. A existncia da vida incompatvel com a hiptese do sistema fechado e esse facto deu origem convico generalizada, at meados deste sculo, de que a Termodinmica se no aplicaria aos fenmenos da vida, o que falso. Alis, est intimamente associado ultrapassagem deste erro de perspectiva o aparecimento da primeira teoria cientfica dos Ecossistemas, devida a R. Lindemann (Lindemann, 1942), depois aprofundada e difundida por Odum (1953). A evoluo histrica que deu origem Termodinmica justifica, naturalmente, o modo sinuoso como se desenvolveu. O passo decisivo inicial foi o conceito de entropia e o enunciado do segundo princpio para sistemas isolados. Mas este enunciado, feito por Clausius (1850), antecede a aceitao generalizada do princpio da conservao da energia que se seguiu aos trabalhos fundamentais de Joule (1850). Se os trabalhos de Joule foram muito importantes, o aspecto crucial no foram os seus novos dados experimentais mas o novo paradigma interpretativo que os seus trabalhos provocaram, ou seja, o princpio da conservao da energia. O enunciado do princpio da conservao da energia implicou, como bvio, a elaborao prvia do conceito de energia e a identificao do calor como uma dessas formas de energia. Por isso o princpio da conservao da energia se identifica com a Primeira Lei da Termodinmica. O aparecimento e evoluo de uma teoria fsica nunca linear, sem crculos viciosos e algumas tautologias. A Termodinmica disso um exemplo que perdura nos livros de texto correntes que directamente se inspiram de alguns clssicos famosos, atraioando algumas vezes as restries e considerandos que permeiam os seus textos9. Nesta corrente, ainda largamente dominante, o ciclo de Carnot tem um papel central bem como a teoria dos pfafianos, ou das diferenciais no exactas. Pretendendo ser intuitivas, as demonstraes so artificiosas e sobretudo a origem de dificuldades formais e conceptuais logo que nos aproximamos do mundo macroscpico e real em que se passam os fenmenos macroscpicos directamente observveis.

    9 esclarecedor ler Planck e os prefcios das suas vrias edies. A 1edio de 1897 e a 7 de

    1922.

  • Termodinmica Macroscpica 14 Prefcio da 1 Edio

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    Ora, se tal tipo de formulao foi inteiramente justificada (e possivelmente sem alternativa) antes de o princpio da conservao da energia se ter transformado no pilar fundamental da Fsica moderna, difcil entender que se continue a proceder como se tal princpio fosse demonstrvel com base na argumentao aduzida ou nas experincias histricas que inspiraram a sua formulao. Se a perspectiva histrica pedagogicamente importante numa introduo Termodinmica, a reduo da Termodinmica a essa perspectiva dramaticamente empobrecedora da sua capacidade para integrar uma vasta rea do conhecimento cientfico e cultural do presente. A finalidade destas notas sublinhar que a aceitao do princpio da conservao da energia como pilar fundamental e j adquirido, permite reduzir a Segunda Lei da Termodinmica formalizao, quase trivial, da evidncia mais palpvel da nossa existncia, que o escoar do tempo em sentido nico ou a existncia, intransponvel, da dissipao da energia. Essa formalizao bem mais acessvel e natural do que a tortuosa descoberta da entropia como o factor integrante de uma diferencial inexacta que emerge depois de laboriosos exerccios mentais em torno de ciclos motores irrealisveis. Dir-se-ia que o conceito de irreversibilidade, que o facto mais constante e permanente da nossa existncia humana, s poderia ser acessvel a quem fosse capaz de reduzir o que observa a imaginrios ciclos de Carnot. Como esse dom privilgio de poucos, a maioria reduz a Termodinmica a conceitos esotricos e regras empricas para ultrapassar exames, uns e outros destinados ao limbo do esquecimento acelerado, como ganga intil. Ora, o prprio termo dissipao, que o uso corrente consagrou, pe em evidncia que algo desapareceu.10 O que desapareceu, ou se dissipou, foram as formas de energia que a Fsica Perfeita descobriu e esto no cerne da viso do mundo que a Fsica nos trouxe e o reduz a partculas cada vez mais elementares.11

    10 Planck adopta o princpio da conservao da energia como um facto testado por sculos de experincia humana e repetidamente verificado de que o movimento perptuo impossvel, sejam quais forem os meios utilizados, mecnicos, trmicos, qumicos ou outros, mas discorda da interpretao da segunda lei como uma dissipao de energia, invocando o exemplo da irreversibilidade associada difuso de gases perfeitos ou diluio adicional de uma soluo j diluda, na medida em que nesses fenmenos no existe nenhuma perceptvel transferncia de calor, de trabalho externo ou de transformao de energia. Esta observao imediatamente contestvel atendendo a que a diferena de potencial qumico existente antes da mistura poderia ter sido utilizada na produo de trabalho, como imediatamente decorre da formulao de Gibbs e o prprio Planck teria certamente notado se no tivesse construdo a sua Termodinmica, como quase todos os clssicos, a partir das equaes de estado de um gs perfeito.

  • Termodinmica Macroscpica 15 Prefcio da 1 Edio

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    As formas de energia da Fsica Perfeita so personalizadas e aristocrticas, convertveis integralmente entre si, e directamente mensurveis, macroscopicamente. Para elas, o tempo pode fluir por igual em ambos os sentidos e a eternidade o seu universo natural. Nesse mundo perfeito, a degradao no existe. A degradao o preo da realidade no mundo real e macroscpica em que existimos. Nesse mundo, as formas macroscpicas de energia personalizadas e aristocrticas, degradam-se no anonimato microscpico da agitao trmica, sem possibilidade de recuperao integral, porque tal recuperao exigiria outra perfeio inatingvel que seria a existncia de uma fonte infinita a zero Kelvin. Conciliar a conservao da energia total com a degradao macroscpica das formas personalizadas e aristocrticas de energia, levou directamente concepo da existncia de tais formas ao nvel microscpico. O mesmo conceito de perfeio e eternidade persiste assim, e a imperfeio que constatamos ao nvel macroscpico passou a ser o resultado de apenas nos ser perceptvel o colectivo! O texto que se segue, destina-se a alunos que j tiveram uma primeira abordagem da Termodinmica num curso Geral de Fsica e assimilaram j os conceitos fundamentais da lgebra e da Anlise Matemtica. Numa forma prxima da actual, foi objecto das minhas aulas tericas de Termodinmica I para o curso de Engenharia Mecnica quando voltei a reger esta disciplina em 1990/91 e 1991/92. A sua origem encontra-se na minha actividade de assistente do Prof. Gouva Portela quando em 1960/61 iniciou a regncia de Termodinmica para Engenharia Mecnica. A minha preocupao de unidade formal e de coerncia com a Mecnica e a Termodinmica dos Meios Contnuos, com particular relevncia para a Transmisso de Calor e Massa e a Mecnica dos Fluidos remonta minha Tese de Concurso para Catedrtico publicada em 1965. Os desenvolvimentos posteriores no mbito da Termodinmica dos Processos Irreversveis, a vulgarizao do caos determinstico e da auto-organizao em processos dissipativos, bem como o estmulo cultural que a cosmologia moderna, o ambiente e a economia actualmente suscitam,

    11 Note-se como a justificao de Planck para o primeiro princpio exclui, implicitamente, todos os modelos microscpicos como sendo deste mundo, pois eles traduzem, todos, um conceito de movimento perptuo.

  • Termodinmica Macroscpica 16 Prefcio da 1 Edio

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    levaram-me a pensar que teria interesse reintroduzir este modo de encarar a Termodinmica num mbito mais alargado. Valorizando a estrutura conceptual sobre as aplicaes imediatas, perde-se em utilitarismo mas ganha-se em amplitude. Se o tempo o propiciar, as aplicaes surgiro para demonstrar que a melhor prtica sempre a que se inspira numa slida teoria12. E em Fsica, uma slida teoria sempre a que resiste a uma formulao matemtica rigorosa e sem artifcios dedutivos. Pessoalmente, sempre entendi a Termodinmica Macroscpica como uma modelo de simplicidade formal e dedutiva. Pedagogicamente, o seu valor formativo decorre disso mesmo, ou seja, da capacidade de construir algumas certezas a partir de um conjunto reduzido de factos evidentes e de alguns conceitos e definies suficientemente assimilados para nunca mais serem esquecidos. Como nota final, devo novamente sublinhar que esta nfase na Termodinmica Macroscpica no s no visa minimizar a Termodinmica Estatstica como constitui a base lgica para a sua introduo e desenvolvimento a partir dos conceitos fundamentais da Mecnica Quntica. A perspectiva microscpica da entropia aparece ento, com toda a clareza, associada ao processo de inferncia Bayesiana e Teoria da Informao de Shanon. Alias, foi esse o ponto de vista adoptado quando assumi a regncia da disciplina em 1966, motivado pela preocupao de introduzir o conceito de entropia de modo no axiomtico, como sucedia no curso do Prof. Gouva Portela, directamente inspirado da formulao de Tisza-Callen. Aquele modo de apresentar a Termodinmica, na sequncia de alguns trabalhos notveis de Jaynes, encontra-se exemplarmente tratado por Tribus13, que era adoptado como um dos livros de texto fundamentais.

    JJDD 1995

    12 O texto Prtica de Termodinmica, reeditado pela AEIST em 1991, responde parcialmente s necessidades de ilustrao da teoria e exemplifica a utilizao nos casos habituais da engenharia. A sua profunda reviso aguarda, porm, melhor oportunidade.

    13 Tribus (1961).

  • Prefcio da 2 Edio A primeira edio desta Termodinmica foi proposta IST Press para publicao em 1995 e submetida ao processo de reviso habitual nesta editora. O parecer elaborado pelo revisor, invulgarmente cuidadoso, minucioso e extenso, conclua pela qualidade e originalidade da obra e recomendava a publicao, desde que corrigidas algumas questes. O contributo deste revisor, que para ns continua annimo e a quem sinceramente agradecemos, foi muito estimulante e suscitou a deciso de no s atender s sugestes como ainda a de aprofundar e clarificar outros aspectos aconselhados pela experincia da sua utilizao pelos estudantes. Quando o parecer do revisor foi recebido, em 1998, o autor da 1 edio, embora responsvel, no estava j directamente envolvido na regncia da disciplina de Termodinmica I para a Licenciatura em Engenharia Mecnica no IST, e assumira entretanto a responsabilidade pela disciplina de Termodinmica na Licenciatura em Engenharia do Ambiente. Este facto veio sublinhar a importncia da reflexo j expressa no prefcio da primeira edio do livro acerca da unidade global da Termodinmica Macroscpica e do valor pedaggico e metodolgico da sua estrutura conceptual e dedutiva, facilmente perdida quando reduzida s aplicaes (expeditas) das vrias engenharias. De facto, para alm da fundamentao rigorosa das equaes fundamentais dos meios contnuos, em particular da Mecnica dos Fluidos e da Transmisso de Calor iniciada h muitos anos (ver, por exemplo, Domingos, 1964, 1966) havia a extenso aos organismos vivos (Sousa et al., 2004) e Economia (Domingos e Sousa, 2004), que o formalismo matemtico e/ou o contedo fsico permitiam unificar sob mltiplos aspectos, como tem vindo a ser demonstrado pelo Prof. Tiago M. D. Domingos e sua equipa. Posteriormente, foi confiada ao Prof. Tiago M. D. Domingos a regncia da disciplina de Termodinmica para a Licenciatura em Engenharia do Ambiente, tendo utilizado e testado o texto revisto que ora se apresenta, e a que foi naturalmente associado como segundo autor. Em verdade, tudo o que nesta segunda edio difere da primeira da autoria do Prof. Tiago M. D. Domingos (o que justifica tambm que ele surja agora como um dos autores do texto), o qual, alm de ter considerado as sugestes e corrigido as gralhas assinaladas pelo revisor, incorporou a experincia adquirida com a utilizao do texto pelos alunos. Para alm destas evidentes melhorias, so sobretudo relevantes os contributos de natureza cientfica que trouxe a esta edio, e de entre os quais se destacam:

  • Termodinmica Macroscpica Prefcio da 2 Edio

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    1) Aprofundamento da distino entre os conceitos de energia interna e de calor que esto na origem de contradies e incoerncias em muitos livros de texto, sobretudo quando existe transferncia de massa.

    2) Reformulao da apresentao feita por H. B. Callen, no seu consagrado livro Thermodynamics and an Introduction to Thermostatistics, do formalismo de Tisza. Como se mostra nesta edio, as componentes do formalismo de Tisza que no foram considerados por Callen so essenciais para a coerncia do conjunto.

    3) Introduo do formalismo das formas diferenciais, eliminando a necessidade de utilizar o mtodo dos jacobianos e substituindo o mtodo das reas para a manipulao das derivadas parciais.

    4) Utilizao sistemtica do formalismo das formas diferenciais ao longo de todo o curso: a) Deduo das expresses para as variveis intensivas nas formas

    diferenciais da equao fundamental. b) Deduo dos princpios de extremo para a energia interna e para os

    potenciais termodinmicos. c) Obteno das relaes de Maxwell. d) Introduo de um algoritmo para a reduo de derivadas parciais a

    coeficientes termodinmicos. 5) Distino clara entre princpios de extremo, que se aplicam s a sistemas

    compostos, e caractersticas de convexidade e concavidade das equaes fundamentais nas diferentes representaes, que se aplicam a sistemas simples.

    Tal como se refere no ttulo, trata-se de um livro sobre Princpios e Conceitos de Termodinmica Macroscpica. Acrescente-se que se destina sobretudo a estudantes universitrios de Engenharia e de Fsica. As aplicaes da Termodinmica Macroscpica a reas especializadas de engenharia decorrem dedutivamente e com toda a naturalidade deste tronco comum.

    JJDD 2004

  • Agradecimentos Gostaramos de agradecer ao revisor deste livro, cuja reviso extremamente cuidadosa o permitiu melhorar substancialmente. Gostaramos tambm de agradecer aos alunos cujos comentrios durante as aulas de Termodinmica da Licenciatura em Engenharia do Ambiente do Instituto Superior Tcnico enriqueceram diversos pontos do texto, em particular o Nuno Cegonho, o Tiago Veiga e o Pedro Antunes. Gostaramos em particular de agradecer aluna Alexandra Nogal, cujo estudo extremamente cuidadoso deste texto permitiu detectar e eliminar um elevado nmero de gralhas.

  • 1. Fsica Perfeita e Termodinmica Macroscpica

    Theoretical Physics is the science of successful approximations Stauffer e Stanley (1991)

    1.1. Fsica Perfeita: Reversibilidade Designamos por Fsica Perfeita a Fsica onde no existe atrito nem dissipao e em que a expresso matemtica das suas leis invariante para as transformaes de t em (- t), sendo t a varivel tempo. Em termos formais diremos que so simtricas para inverses no tempo. As leis de Newton, bem como as equaes de Maxwell para o electromagnetismo e as equaes da mecnica quntica gozam da mesma propriedade. A simetria para as inverses no tempo significa que todos os fenmenos descritos por essas equaes so reversveis no tempo. Num universo descrito, totalmente, por equaes com simetria no tempo, impossvel para um observador distinguir se os fenmenos que observa se desenrolam a caminho do futuro ou a caminho do passado. Nesse Universo, os conceitos de passado e de futuro (que esto ligados ao fluir do tempo num nico sentido) no se distinguiriam dos de espao. Passado e Futuro seriam um pouco como os equivalentes de Norte e Sul ou Este e Oeste. Neste espao-tempo, todos os pontos seriam igualmente acessveis, podendo caminhar-se no tempo, como se caminha no espao, em qualquer sentido. O conceito de causalidade est intimamente ligado ao sentido nico do fluir do tempo. De facto, quando afirmamos que a causa A provocou o efeito B, est implcito que A antecedeu B. Esta clarificao do conceito de causalidade, permite esclarecer melhor o conceito de determinismo em Fsica e mostrar que o determinismo no implica a causalidade. Por exemplo, o movimento da Terra e dos planetas volta do Sol determinstico no sentido em que as equaes da mecnica nos permitem prever, com todo o rigor, as suas posies relativas em qualquer instante desde que ela seja conhecida num instante dado. Essa previso, tanto pode fazer-se em relao ao passado como em relao ao futuro. O movimento

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    determinstico. Todavia, no existe relao de causalidade no sentido referido porque no podemos afirmar (no mbito das mesmas leis da mecnica que estabelecem o determinismo das posies relativas) que a causa do movimento de um dos planetas foi o sol, ou outro planeta, etc., uma vez que a inversa tambm seria igualmente aceitvel. As simples consideraes anteriores mostram como importante e fundamental a existncia de uma varivel tempo que flui num s sentido e as implicaes filosficas e metafsicas que teria a sua reversibilidade. Mesmo nos inmeros filmes e romances de fico cientfica em que a mquina do tempo permite saltos para o passado ou para o futuro, nunca se vai alm de translaes descontnuas na origem da coordenada tempo. Salta-se para o futuro ou o passado, mas logo que se aterra o tempo retoma o seu fluir em sentido nico para que as relaes de causalidade que formam a trama do enredo sejam inteligveis. Isto , na fico podem-se fazer aterrar os heris de hoje com as espingardas de hoje no tempo do Imprio Romano. Todavia, as balas que essas espingardas disparam vo da espingarda para o inimigo e no do corpo do inimigo para dentro da espingarda. Se, no mundo real, o tempo flui em sentido nico, a questo que imediatamente se pe se o tempo teve uma origem absoluta. Isto , se existe no passado algo que corresponda origem do tempo, ao seu nascimento. Esse seria tambm o nascimento do prprio Universo. Esta questo hoje uma questo central activamente discutida em cosmologia e em astrofsica. A tendncia actual a de pensar que houve essa origem e de, inclusivamente, a quantificar relativamente ao presente, utilizando para tal as equaes e teorias fundamentais da fsica moderna, nomeadamente a relatividade geral e a mecnica quntica. Todavia, e por mais surpreendente que parea, a Fsica Moderna, tal como a conhecemos, essencialmente uma Fsica Perfeita e os modelos microscpicos da matria que actualmente possumos baseiam-se inteiramente no pressuposto de simetria temporal das equaes e da inerente reversibilidade temporal que tal simetria implica. Isto , nessa Fsica Perfeita, a flecha do tempo (como lhe chamou Eddington) no tem um sentido nico. O mundo real que macroscopicamente observamos no se comporta de acordo com a Fsica Perfeita. Todavia, e em muitos casos, as previses que ela permite fazer possuem um extraordinrio rigor experimental de que exemplo marcante e fundamental a previso do movimento dos planetas e seus satlites em torno do Sol. O carcter quase divino que a previso do movimento dos astros representou foi um factor decisivo na evoluo do pensamento moderno e na generalizao dos modelos de

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    raciocnio determinista aos mais variados domnios da actividade humana, nomeadamente economia.

    1.2. Termodinmica Macroscpica: Irreversibilidade

    No mundo real, macroscopicamente observvel, no existe reversibilidade no tempo. Nas equaes da mecnica e nas outras equaes fundamentais da Fsica Perfeita introduziram-se por isso termos correctivos, para que as previses dadas pelas equaes se ajustem realidade observvel. Se for a queda de um papel na atmosfera, introduz-se a resistncia do ar. No movimento de um pndulo, ser o atrito no fulcro, a resistncia do ar, etc. Estes termos quebram a simetria temporal das equaes. Um pndulo posto em movimento e entregue a si prprio acabar por parar, mesmo se suspenso no interior de um recipiente onde se fez o vcuo. Uma onda electromagntica que transmite um sinal de rdio atenua-se medida que se propaga. Com a quebra da simetria, desaparece a conservao da energia nas formas contempladas pela Fsica Perfeita. O atrito mecnico faz desaparecer energia mecnica, isto , dissipa energia mecnica, tal como uma resistncia elctrica faz desaparecer energia elctrica, isto , dissipa energia elctrica, etc. Seja qual for a forma macroscpica de energia considerada na Fsica Perfeita (mecnica, electromagntica, qumica, etc.), existe sempre uma dissipao, que se associa ao equivalente a um atrito. Quando falamos de dissipao de energia, est sempre implcito que essa dissipao se refere a uma das formas de energia contempladas na Fsica Perfeita. Atrito (em sentido mecnico restrito ou em sentido generalizado), dissipao de energia, irreversibilidade, quebra de simetria temporal, esto sempre associados, pois tm como raiz comum a imperfeio do mundo onde existimos. A dicotomia aqui introduzida e realada entre o que designamos por Fsica Perfeita e o que chamamos Termodinmica Macroscpica, destina-se a acentuar a importncia que tal dicotomia tem para a compreenso e assimilao da estrutura conceptual da Termodinmica Macroscpica, a qual pressupe a prvia familiarizao com os conceitos e mtodos da Fsica Perfeita.

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    Termodinmica Macroscpica compete integrar as imperfeies em que radica o fluir do tempo em sentido nico e negam ao Homem a intemporalidade divina da eternidade. Podemos assim dizer que:

    Termodinmica Macroscpica = Fsica Perfeita + Imperfeies

    1.3. Termodinmica Macroscpica e Fsica Estatstica: Reversibilidade Microscpica e Irreversibilidade Macroscpica

    Como ponto de partida da Fsica Terica tivemos a Mecnica de Newton que nasceu e ganhou validade universal com a capacidade de previso do movimento dos astros. Tratar os astros como pontos materiais que se movem sem atrito uma aproximao praticamente perfeita quando se trata de prever as suas trajectrias e movimentos relativos. Neste movimento h conservao de energia e estamos no domnio por excelncia da Fsica Perfeita.14 ao mesmo tipo de idealizao que se recorre quando se comea a abordar a constituio da matria ao nvel microscpico. assim como se a perfeio existisse nos extremos do muito grande e do muito pequeno, mas no existisse nossa escala do observvel. Note-se porm uma diferena fundamental entre os dois extremos no que observao e validao experimental da teoria se refere. No caso dos astros, as nossas observaes e medidas no afectam praticamente o resultado da observao, enquanto que ao nvel microscpico a observao interfere directamente e de modo significativo com o observado e nunca pode assumir por esse facto um carcter absoluto. O princpio da incerteza de Heisenberg foi o primeiro reconhecimento formal desta incapacidade intrnseca do ser humano em poder vir a conhecer na sua totalidade a constituio ntima da matria. Esta constatao tem implicaes de natureza filosfica e cultural para os que buscam uma explicao do universo em torno de princpios ou axiomas cada vez mais universais. As observaes anteriores, ditadas pelo desenvolvimento recente da Fsica Microscpica, em nada alteram a natureza puramente macroscpica de

    14 Em rigor, as interaces Sol-Lua que provocam as mars do origem a uma dissipao de energia (nos oceanos) que se reflectem na reduo do perodo de rotao da Terra. Todavia, o valor estimado para esta reduo do perodo to pequeno (1-2 milisegundos por sculo) que pode de facto desprezar-se.

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    conceitos como os de calor e temperatura, os quais tm necessariamente de entender-se (quando se busca a sua interpretao ao nvel microscpico) como o resultado da interaco mtua de um nmero muito grande de agregados elementares para que a observao macroscpica dessas interaces tenha o sentido de uma mdia estvel (e repetitiva) na escala de tempo adequada. A forma de que se reveste a energia ao nvel microscpico, ou de que forma interaccionam os agregados ou partculas elementares, irrelevante para a Termodinmica Macroscpica. Fica no entanto de p uma questo recorrente e que a da coerncia da transio microscpico-macroscpico e que :

    Como que uma concepo microscpica da matria assente na Fsica Perfeita e no seu determinismo (mesmo tendo em conta o princpio da incerteza de Heisenberg e outras aquisies mais recentes como o caos determinstico), em que no existe flecha do tempo, susceptvel de explicar um facto to fundamental e intransponvel como o fluir do tempo em sentido nico, facto a que a prpria irreversibilidade de todos os fenmenos naturais d contedo e sentido?

    habitual afirmar-se que a resposta a esta questo se encontra na Fsica Estatstica iniciada por Boltzman, o que no verdade em sentido lato. A verdade (tornada evidente pelo estudo terico e experimental dos sistemas termodinmicos muito afastados do equilbrio) que continua a no existir uma resposta satisfatria e convincente para essa questo central, no s da Fsica Moderna como do pensamento filosfico contemporneo. Esta perspectiva, necessariamente sumria, deve ter-se em conta ao abordar a posio e o papel da Termodinmica Macroscpica no mbito da Fsica e do pensamento filosfico contemporneos. Espera-se evitar assim a fcil tentao de pensar que existe j toda uma teoria consistente e completa levando sem contradies nem falhas das partculas elementares aos observveis macroscpicos e cosmologia. Quando tal teoria existir, a Termodinmica Macroscpica continuar a ser o elo fundamental que d ao fluir do tempo o sentido radical e inultrapassvel que os humanos lhe conhecem. O modo como surgiram e evoluram os conceitos que deram origem Termodinmica importante para situar na perspectiva adequada muitas das contradies e inconsistncias que ainda permeiam muitos dos textos e cursos de fsica. Nestes, a seduo pela elegncia formal da fsica perfeita contrasta com os raciocnios obscuros, tortuosos e muitas vezes artificiais com que a Termodinmica apresentada. Esta dicotomia remonta ao sculo XIX.

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    Velha como o fogo, a Termodinmica por vezes acusada de ser o nico ramo da fsica que nasceu com os engenheiros e de ter sido construda por Carnot para explicar factos observveis (e economicamente importantes da mquina a vapor) contrariamente ao electromagnetismo, por exemplo, em que as equaes de Maxwell anteciparam a existncia de fenmenos s posteriormente observados, ou das equaes de Newton que permitiram prever a existncia de satlites desconhecidos em planetas h muito observados. A verdade porm que a Termodinmica Macroscpica teve um papel central no desenvolvimento da Fsica Moderna e surgiu como corpo de doutrina e mtodo de anlise tornado exemplar na medida em que, dispondo de um conjunto restrito e imperfeito de observaes, conseguiu, por pura deduo lgica a partir de conceitos fundamentais, estabelecer relaes de validade universal e incontroversa sem recurso a qualquer modelo microscpico da constituio da matria. Surgida numa poca de crise e de descrena nos modelos microscpicos da matria, a fora e generalidade da Termodinmica Macroscpica como doutrina cientfica e estrutura conceptual provm do facto de ser independente de qualquer pr-conceito ou modelo do que se passa quanto estrutura ntima da matria. certo que esta generalidade e independncia lhe confina o mbito da aplicabilidade imediata a situaes concretas. Por exemplo, a relao entre os calores especficos de qualquer substncia do seu mbito, mas o valor concreto assumido pelo calor especfico de uma substncia particular no lhe acessvel pelo clculo directo a partir dos seus princpios fundamentais. Tal valor concreto ter de ser obtido experimentalmente ou, eventualmente, por clculo a partir de modelos e hipteses quanto estrutura ntima da matria que constitui tal substncia particular. A Fsica Estatstica, que estuda os observveis macroscpicos que resultam do comportamento colectivo de agregados de muitas partculas microscpicas, pode permitir o clculo directo de muitas propriedades termodinmicas de substncias particulares sem ter que recorrer experimentao. A Fsica Estatstica complementa assim a Termodinmica Macroscpica. Mas complementar no substituir. Contrariamente ao que se afirma com frequncia, a Termodinmica Estatstica no s no substitui como, sobretudo, no fundamenta completamente a Termodinmica Macroscpica. O que sucede, e no deixar de continuar a suceder, o facto de a Termodinmica Macroscpica ser um teste fundamental (porventura indirecto) da Fsica Estatstica, na medida em que os observveis

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    macroscpicos que esta for susceptvel de prever no podem contradizer as relaes fundamentais que a Termodinmica Macroscpica estabelece a partir dos seus princpios fundamentais. E estes, como j sublinhmos, so independentes de qualquer modelo ou hiptese sobre a constituio microscpica da matria.

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    2. rincpios da Termodinmica A introduo precedente situa o fio condutor deste curso de Termodinmica. Partindo do Princpio da Conservao da Energia como um dado adquirido e indiscutvel, trata-se agora de integrar na teoria o facto incontroverso e indiscutvel da dissipao da energia e do sentido nico da flecha do tempo que lhe est associada, ou seja, da irreversibilidade. Para isso precisamos de exprimir com todo o rigor formal possvel essa constatao do trivial, que a existncia de um passado e de um futuro ou a da dissipao das formas nobres da energia. Constatar e aceitar que a dissipao de energia macroscopicamente inevitvel, ou que o fluir do tempo se faz em sentido nico, constitui na sua radical essncia, esse princpio, famoso e universal, que a segunda lei da Termodinmica.

    2.1. Definies e Convenes A capacidade de comunicar depende da existncia de smbolos, vocbulos, imagens, sons, etc, igualmente inteligveis por ambos os interlocutores e com significado equivalente. A partir desse conjunto, possvel elaborar conceitos e alargar a base comum que permite ampliar e facilitar a comunicao. Em Fsica, os conceitos fundamentais formam-se, habitualmente, a partir de factos da vida corrente que vo sendo sucessivamente elaborados at assumirem a forma rigorosa e sem ambiguidades que lhes confere a sua expresso matemtica. Esta atitude assume a sua expresso mais abstracta na fsica moderna e em particular na mecnica quntica, em que o conceito se condensa na prpria equao matemtica ou nas propriedades de uma soluo particular. A expresso do conceito pode ento nem sequer ser susceptvel de traduo sensorial rigorosa, porque tal expresso rigorosa existe apenas na prpria linguagem matemtica que o traduz. Conceitos correntes como calor, temperatura, quente, frio, etc. existem na linguagem corrente mas sem o rigor adequado. Nestes casos, procederemos sua discusso e reelaborao at assumirem a forma rigorosa que utilizaremos em Termodinmica. A partir destes conceitos o corpo da teoria obtm-se ento por deduo lgica a partir de um nmero mnimo de axiomas ou princpios fundamentais (que tambm designaremos por leis ou princpios).

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    Como j se referiu, a Termodinmica Macroscpica (TM) foi construda sem recurso a qualquer modelo microscpico, partindo de um nmero muito reduzido de conceitos e princpios fundamentais. Basicamente, a Termodinmica Macroscpica estabelece relaes funcionais entre grandezas aplicveis generalidade dos sistemas. A particularizao para substncias particulares exige o recurso experimentao que pode, eventualmente, ser substituda por clculo a partir de modelos microscpicos adequadamente validados. muito importante haver um entendimento claro dos termos e conceitos que iremos utilizar. Muitas das dificuldades encontradas na apreenso da Termodinmica radicam na pouca ateno prestada s definies e ao significado estrito dos termos utilizados. Sistema termodinmico: a regio do espao, contida numa superfcie geomtrica fechada, sobre a qual incide o nosso estudo. Este espao pode ser dividido em sub-regies fechadas e disjuntas a que chamamos subsistema. Ao espao, para que constitua um sistema termodinmico, apenas se exige que contenha energia. Mesmo num espao onde exista o vcuo perfeito teremos um sistema termodinmico desde que a superfcie material que o confina no esteja a 0 K. Esta condio verifica-se sempre no Universo conhecido (a radiao de fundo no espao exterior corresponde a uma temperatura de 3-4 K). 2.1.1. Variveis As variveis termodinmicas so grandezas fsicas que permitem caracterizar o sistema quanto ao modo como acumula e troca energia. As variveis extensivas so variveis escalares somveis (volume, V, massa, m, quantidades dos componentes qumicos independentes, Ni). No caso geral de a varivel ser um tensor, consideram-se como variveis termodinmicas as suas componentes independentes. As variveis intensivas so variveis escalares no somveis (presso, P, temperatura, T, potenciais qumicos dos componentes qumicos independentes, i). A aditividade ou no aditividade que distingue as variveis extensivas das variveis intensivas considerada no seu sentido fsico, isto , quando juntamos um sistema com massa m1 a um sistema com massa m2, o sistema conjunto fica a possuir a massa 1 2m m m= + . Tal no sucederia se em vez

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    da massa (ou do volume, por exemplo) se tratasse de presses ou temperaturas15. A Termodinmica Macroscpica trata apenas das situaes em que o sistema pode ser dividido em subsistemas no interior dos quais as variveis intensivas so macroscopicamente uniformes.16 ainda importante definir as variveis molares. Para isso comecemos por definir N, o nmero total de moles de todos os componentes qumicos existentes no sistema:

    1

    r

    ii

    N N=

    , (0.1)

    sendo r o nmero de componentes qumicos existentes no sistema. As variveis molares so ento definidas como o quociente de cada varivel extensiva por N:

    Ss

    N= , (0.2)

    Uu

    N= , (0.3)

    Vv

    N=

    , (0.4)

    15 A definio das variveis extensivas e intensivas em termos da aditividade susceptvel de alguma ambiguidade ou mesmo contradio, quando se trata de grandezas no escalares. A origem da designao de propriedade extensiva encontra-se no facto de a "extenso" do sistema ser directamente proporcional ao seu valor, o que bvio quando se trata, por exemplo, do volume, da massa, ou das quantidades dos componentes qumicos, pois nesse caso a "extenso" do sistema, no sentido de "tamanho", "dimenso", massa que est em causa. H porm variveis extensivas em que a sua associao "extenso" fsica do sistema no bvia. Nesses casos, a ambiguidade desaparece se a sua definio se fizer a partir da expresso do fluxo infinitesimal de energia que o sistema pode trocar, pois este fluxo se exprime sempre como o produto escalar de uma diferencial por uma quantidade finita. A diferencial sempre a diferencial do deslocamento generalizado, que, para os tipos de trocas de energia consideradas neste texto, uma varivel extensiva. O factor finito sempre a fora generalizada, que, para os tipos de trocas de energia consideradas neste texto, uma varivel intensiva. Notar-se- que falamos de produto escalar e no de produto vectorial.

    16 No caso limite da Termodinmica Macroscpica dos Meios Contnuos o subsistema reduz-se a um volume infinitesimal e as variveis intensivas passam a ser funo do ponto. A hiptese fundamental ento que no subsistema infinitesimal se verificam, a cada instante, as mesmas relaes termodinmicas que existiriam num sistema de dimenso finita em que as propriedades intensivas seriam uniformes e de igual valor ao que se verifica no ponto. Este o ponto de partida para a Termodinmica dos Processos Irreversveis.

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    , 1, ,jjN

    x j rN

    = = . (0.5)

    Estas variveis so respectivamente designadas como entropia molar, energia interna molar, volume molar, e fraco molar do componente i. As variveis molares so sempre designadas com letras minsculas. Dada a definio (0.1), temos que

    11

    r

    jj

    x=

    = . (0.6)

    As variveis externas so variveis que podem ser fisicamente medidas do exterior do sistema termodinmico. So, por exemplo, o volume, a massa, o campo elctrico, o campo magntico. A identificao destas variveis fundamental para o desenvolvimento da teoria pois atravs delas que podemos medir os fluxos de energia perfeita entre o sistema termodinmico e o seu exterior, independentemente de qualquer hiptese sobre o que no seu interior se passa. As variveis internas no so directamente mensurveis e o seu valor apenas pode obter-se por clculo a partir do valor de variveis externas. A energia interna e a entropia so variveis internas.

    2.1.2. Paredes superfcie que contm o sistema termodinmico chamamos parede. As paredes (que constituem idealizaes) correspondem a casos limite de realizao prtica e so caracterizadas pelas propriedades fsicas que as definem. A parede impermevel ao componente k no permite a passagem atravs dela de molculas do componente qumico k. A parede impermevel no permite a passagem de molculas de qualquer componente qumico. A parede adiabtica no permite atravs dela a passagem de calor. A parede adiabtica corresponde a um conceito particularmente importante em termodinmica macroscpica e corresponde ao caso limite de um isolamento trmico perfeito, o qual se obtm com um material isolante de espessura infinita. Na prtica, corresponde ao limite assimpttico dos resultados que se obtm aumentando progressivamente o isolamento17. Uma parede adiabtica necessariamente uma parede impermevel.

    17 A possibilidade de, assimptoticamente, se poder realizar uma parede adiabtica foi crucial para o estabelecimento da base fenomenolgica da Termodinmica. A calorimetria, que levou formulao da teoria do calrico, comeou com essa possibilidade experimental. Em termos puramente lgicos, seria absurdo procurar estudar o que era o calor se no fosse possvel, sequer,

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    A parede adienergtica no permite atravs dela qualquer passagem de energia. Uma parede adienergtica necessariamente uma parede adiabtica. Os sistemas que no esto contidos em nenhuma parede ou que se encontram contidos por paredes (fixas ou no) permeveis a pelo menos um dos componentes so designados como sistemas abertos. Os sistemas contidos por paredes impermeveis so designados como sistemas fechados.18 Os sistemas contidos por paredes adiabticas so designados como sistemas adiabticos (e portanto, so necessariamente sistemas fechados).19 Os sistemas contidos por paredes adienergticas so designados como sistemas isolados (e, portanto, so necessariamente sistemas adiabticos). 2.1.3. Conveno de Sinais O sinal dos fluxos de energia e massa permutados pelo sistema com o exterior podem ser arbitrrios desde que sejam consistentes entre si e na escrita das equaes. Deste facto resultou o longo (e infeliz) hbito de muitos autores darem sinais diferentes energia que entra ou sai do sistema consoante se trata de energia interna ou das formas macroscpicas da Fsica Perfeita.

    Neste curso, as quantidades recebidas pelo sistema20 so sempre positivas. As cedidas so sempre negativas.

    Esta conveno de sinais frequente nos cursos modernos de Fsica, mas no o na maioria da literatura anglo-saxnica de engenharia, sobretudo quando a nfase na aplicao a motores. Nessa conveno, o calor recebido positivo mas o trabalho recebido negativo, correspondendo noo de que se a finalidade do motor fornecer trabalho custa de calor,

    impedir a sua passagem ou circunscrev-lo, de modo a tornar os seus efeitos acessveis experimentao.

    18 A confuso entre sistema fechado e sistema isolado frequente, sobretudo em textos de biologia e de ecologia. O planeta Terra um sistema termodinmico praticamente fechado, mas no isolado. A caracterstica fundamental de um ser vivo ser um sistema aberto.

    19 Dada a importncia na Termodinmica de separar os efeitos de trocas de calor dos efeitos das restantes trocas de energia, isto explica a importncia que tm os sistemas fechados no desenvolvimento da teoria termodinmica.

    20 Energia, seja qual for a sua forma, massa, etc.

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    o trabalho deve ser tomado como positivo se o motor o cede. Como bvio, se se trata de um frigorfico, a noo fica invertida!21

    2.2. 1 Princpio da Termodinmica Sempre que em Fsica Perfeita h dissipao de energia, constata-se que existe uma alterao de temperatura ou uma mudana de estado. Os conceitos de quente e frio so velhos como a humanidade, sendo, a febre, que corresponde a um aumento de temperatura do corpo acima do normal, considerada como um dos primeiros sintomas de doena. Certamente por isso, os primeiros termmetros e as primeiras observaes consistentes sobre os fenmenos trmicos partiram de mdicos (a que se chamavam fsicos...) e de qumicos (... alquimistas). A sistematizao dos conhecimentos nesta rea (a teoria do calrico, a calorimetria, etc.) com a mecnica, a electricidade, etc., s se concretizou quando Joule estabeleceu a equivalncia entre trabalho e calor. Existindo j a equivalncia entre as vrias formas de energia da Fsica Perfeita, a identificao do calor com a forma de energia que surgia quando as outras se dissipavam surge como um facto central e o princpio da conservao da energia transforma-se no pilar mais importante em que assenta toda a Fsica.

    O 1 Princpio da Termodinmica, ou princpio da conservao da energia, no se demonstra. A sua validade aceita-se como universal pois nenhum facto at hoje observado o contradiz.

    2.2.1. Formulao do Princpio Sendo o conceito de energia um conceito primitivo, e sistema isolado o que no troca energia com o exterior, o primeiro princpio da termodinmica traduz-se por:

    Num sistema isolado, a energia (que inclui a massa) permanece constante.

    Deve notar-se, neste enunciado, que na energia est a implcita a relao de Einstein para a equivalncia entre massa e energia.

    21 Exemplos desta conveno encontram-se, por exemplo, em Moran e Shapiro (1988, pp. 32 e 46) e em Deus et al. (1992).

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    No existindo reaces nucleares, a energia e a massa so separadamente conservadas.

    A conservao da energia (no considerando a energia interna) era j uma constatao da Mecnica clssica obtida impondo a simeteria no tempo. Outras leis de conservao incluem a conservao do momento obtida impondo a simetria na translaco no espao e a conservao do momento angular impondo a simetria na rotao no espao. A coliso elstica entre corpos conserva a quantidade de movimento e a energia cintica. Isto , se mi for a massa em repouso e iu

    a velocidade do corpo i, as quantidades

    iii

    m u

    e 2

    iii

    m u

    ,

    correspondentes, respectivamente, soma das momentos lineares e soma das energias cinticas, so independentemente conservadas. Se a coliso no for elstica e conduzir perda de identidade dos corpos que colidem, como na "reaco" nuclear

    7 1 4 4Li H He He+ + estudada por Cockroft e Walton, continua a existir a conservao da quantidade de movimento, mas nem a massa total nem a energia cintica se conservam. Todavia, como os mesmos autores confirmaram experimentalmente, verifica-se a relao

    E c mcintica + =2 0, onde c a velocidade da luz no vazio. Neste caso, definimos a energia interna de cada um dos corpos que colidem como

    E mcinterna =2

    Para que a relao anterior se possa escrever como: ( )E Ecintica interna + = 0

    a qual exprime a conservao da energia total, ou seja, da energia interna mais cintica. A relao anterior entre a massa e a energia interna a mesma que Einstein previu em 1905, no mesmo ano mas no no mesmo artigo, em que enunciou a teoria da relatividade restrita. Como a relao

    2internaE mc=

    independente da velocidade, no necessria a Teoria da Relatividade para a justificar, podendo assumir-se como um facto experimental a equivalncia da massa energia interna.

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    Todavia, a menos que Einterna seja muito grande, como nos processos nucleares, a variao de massa to pequena que no detectvel. Nestes casos procedemos como se massa e energia fossem separadamente conservadas22. Na situao actual, poderamos quase dizer que o princpio da conservao da energia se transformou no princpio da conservao do prprio princpio, na medida em que, se surgirem contradies, a teoria ser mudada para que o princpio da conservao da energia permanea vlido.

    A energia e a conservao da energia tornaram-se em pilares fundamentais do conhecimento cientfico .

    Tendo sido uma aquisio fundamental da Termodinmica Clssica, o primeiro princpio da Termodinmica, ou princpio da conservao da energia, est hoje implcito em toda a nossa concepo do universo como um dado fundamental que no s no se questiona como se aceita como ponto de partida.

    2.2.2. Forma Generalizada do Fluxo de Energia na Fsica Perfeita O conceito de energia surgiu em mecnica ligado ao trabalho de uma fora. Por definio:

    W=F.dL 23 = F dLi

    ii.

    em que F a fora aplicada (de componentes Fi) e dL (de componentes dLi) o deslocamento elementar do seu ponto de aplicao. O conceito de fora em mecnica deu origem ao conceito de fora generalizada bem como o de deslocamento originou o de deslocamento generalizado. O conceito de deslocamento generalizado corresponde ao de uma variao da coordenada generalizada a que se refere. Por sua vez, as coordenadas generalizadas (que correspondem aos graus de liberdade do sistema) constituem o nmero mnimo de variveis com que possvel

    22 Este exemplo permite sublinhar como o princpio da conservao da energia, enunciado no sculo anterior, foi preservado e levou identificao da massa com a energia. Mostra tambm como aquela identificao reconciliou todo o conhecimento anteriormente existente e foi consistente com todas as descobertas posteriores.

    23 Utilizaremos os smbolos em negrito itlico para designar vectores. F e dL so por isso vectores e o ponto (.) exprime o seu produto interno.

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    descrever completamente a evoluo do sistema. Por definio, possvel variar independentemente cada uma das variveis generalizadas.

    Nessa generalizao, a caracterstica comum e fundamental o facto de um fluxo de energia (ou de uma troca de energia) se poder sempre exprimir como o produto de uma fora (generalizada) por um deslocamento (generalizado).

    Alis, na expresso de qualquer troca elementar de energia, os dois termos so sempre identificveis, correspondendo quase sempre o deslocamento generalizado a uma varivel extensiva e a fora generalizada a uma varivel intensiva (no sentido termodinmico anteriormente referido). Por exemplo, 1) no fluxo de energia transferido sob a forma de calor, a fora generalizada a temperatura, T, e o deslocamento generalizado a variao de entropia, dS e 2) no fluxo de energia transferido sob a forma de trabalho de expanso, a fora generalizada a presso, -P, e o deslocamento generalizado a variao de volume, dV.

    2.3. 2 Princpio da Termodinmica 2.3.1. Calor No existindo dissipao na Fsica Perfeita, mas sendo o mundo macroscopicamente observvel caracterizado pela dissipao e pela irreversibilidade, o princpio da conservao da energia em sentido lato, isto , no sentido da Termodinmica Macroscpica, conduz necessariamente a transformar o conceito de calor num como que resto, ou caixote de lixo, no qual se transformam as energias nobres (formas de energia da Fsica Perfeita) quando se degradam. Que modelo microscpico podemos ns associar quilo a que chamamos calor para que ele prprio no se degrade tambm? No caso de se degradar, em que observvel macroscpico se traduziria essa degradao? A esta questo central a Fsica responde (no estado actual do conhecimento) identificando aquilo a que chamamos calor com as formas de energia perfeitas, mas agora ao nvel microscpico Passamos a admitir que a Fsica Perfeita a nica que existe ao nvel microscpico, pelo que continua a existir a esse nvel a conservao das suas formas de energia.

    A dissipao de energia a nvel macroscpico traduz-se no aumento da energia interna a nvel macroscpico. A energia interna traduz-se nas

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    formas de energias perfeita a nvel microscpico. O calor um fluxo de energia que permuta energia interna entre sistemas24,25.

    O facto fundamental que a passagem de energia do nvel macroscpico para o nvel microscpico nunca completamente invertvel, isto , enquanto que a passagem de energia do nvel macroscpico para o nvel microscpico (dissipao) acontece em todos os fenmenos naturais, a converso de energia do nvel microscpico para o nvel macroscpico obedece a condicionantes suplementares e nunca se realiza completamente (no mundo real).

    Para a Termodinmica Macroscpica Clssica irrelevante a forma ou formas, conhecidas ou desconhecidas, que a energia assume enquanto energia interna. Para a elaborao da sua estrutura conceptual bastam os pressupostos de que tal energia existe e de que, globalmente, a energia se conserva. Este conceito base, associado ao da existncia de irreversibilidade que a dissipao traduz (2 princpio), quanto basta para deduzir um nmero muito importante de propriedades e relaes fundamentais. A pura viso macroscpica do sistema termodinmico fica porm enriquecida quando a perspectiva microscpica lhe associada. Por outro lado, o dado central a ter em conta em qualquer modelo microscpico da matria de que nesse modelo a energia no se dissipe. Na sua forma mais elementar, a questo que surge ento : como e porque se conserva a energia num sistema isolado de tal modo que ela possa permanecer indefinidamente constante? A resposta surge inspirada nos modelos mecnicos macroscpicos. Se imaginarmos a matria formada por pontos materiais em movimento, realizando entre si choques perfeitos, a energia cintica do conjunto mantm-se. O choque elstico destes pontos materiais com a parede do sistema (se o nmero de pontos for muito grande e o perodo de observao suficientemente longo) manifesta-se exteriormente como uma presso. O modelo de gs perfeito monoatmico corresponde a esta idealizao.

    24 O termo calor deve usar-se em sentido anlogo ao da chuva. Uma nuvem no chuva acumulada, tal como a gua que resulta de ter chovido no chuva, mas sim gua. O calor, tal como a chuva, s existe como trnsito ou passagem de energia interna de um sistema para outro.

    25 No entanto, o calor no o nico tipo de permuta de energia interna. Por exemplo, tambm possvel permutar energia interna atravs da difuso de massa.

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    Ser ento possvel admitir que os choques entre os pontos materiais co m que idealizamos o gs perfeito no seja perfeitamente elstico? evidente que no, porque se o choque fosse inelstico haveria dissipao de energia mecnica (a nvel microscpico) pelo que teramos de admitir que o ponto material que representava o tomo teria de possuir uma estrutura mais complicada do que um ponto material, estrutura essa que teria novamente de comportar um nvel em que voltasse a admitir-se a conservao da energia numa das formas contempladas pela Fsica Perfeita. Este exemplo simples e clssico do gs perfeito monoatmico ilustra a questo central que desejamos sublinhar: nos modelos microscpicos de constituio da matria, h sempre um nvel ltimo em que as nicas formas de energia concebveis so as da Fsica Perfeita pois elas so as nicas que comportam a exigncia formal imposta pela conservao de energia. Ao nvel microscpico fundamental no pode pois haver dissipao, o que implica a reversibilidade no tempo, ou ainda a indistinguibilidade do passado e do futuro.

    2.3.2. Postulado da Dissipao Consideremos um sistema isolado, separado em dois subsistemas que trocam energia entre si (Figura 1). Figura 1 - Sistema isolado, com dois subsistemas.

    Parede adienergtica

    Parede adiabtica

    Admitamos que a energia contida em A U(A) e em B, U(B). A energia do sistema conjunto (A + B), U(A+B) dada por

    ( ) ( ) ( )A B A BU U U+ = + . (0.7) Por simplicidade, admitamos que A fisicamente homogneo, e vai ser a partir de agora o objecto de estudo. Neste entendimento, ao subsistema A chamaremos simplesmente sistema, e a B chamaremos exterior. Pressupomos que em B se encontra o observador que vai procurar inferir o que se passa no interior de A a partir do que pode observar e medir em B.

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    Supomos tambm que no interior de B no h dissipao de energia. Nesta situao idealizada, no sistema B, o universo completamente descrito pelas leis da Fsica Perfeita. Suponhamos agora que a parede que separa A de B adiabtica.26Assim, as permutas de energia entre A e B s podem assumir as formas conhecidas da Fsica Perfeita. Por esse facto, o observador que se encontra em B pode medir exteriormente a A todos os fluxos de energia perfeita que nele entram ou que dele saiam. Sejam ento ( )1, , nx x as variveis externas generalizadas atravs das quais se processa a transferncia de energia com A, e sejam ( )1, , n as foras generalizadas que lhes esto associadas. Por definio, tanto as foras generalizadas como as variveis externas se podem medir em B (exterior

    de A) sem restries. O fluxo elementar de energia que A troca com o seu exterior pode assim exprimir-se, em cada instante, por:

    ( )1 1

    1

    nA

    n n i ii

    dU dx dx dx=

    = + + = (0.8)

    Tendo em conta que a configurao externa do sistema dada a cada instante pelo valor das coordenadas externas extensivas xi (a cuja variao est associado o trabalho generalizado realizado por i), quando as variveis externas descrevem um ciclo, o sistema voltou ao ponto de partida tal como descrito pelas coordenadas externas que descrevem totalmente a sua configurao ou estado no mbito da Fsica Perfeita. Durante a descrio do ciclo, houve apenas trocas de energia perfeita, e apenas desta, porque a parede adiabtica. Matematicamente, o saldo de toda a energia (nas formas macroscpicas da Fsica Perfeita) permutada ao longo do ciclo dado por:

    ( )1

    nA

    i ii

    dx U=

    = (0.9)

    Se houver conservao da energia perfeita27, ( ) 0AU = , e o estado final rigorosamente igual ao estado inicial.

    26 Atente-se no papel crucial que desempenha na deduo o conceito de parede adiabtica e a importncia que este conceito tem para todos os desenvolvimentos posteriores.

    27 Energia perfeita, como facilmente se infere, o vocbulo que utilizamos para designar as formas macroscpicas da Fsica Perfeita. So as formas de energia no associadas a energia interna ou

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    Neste caso, nada distingue, fisicamente, o instante em que o ciclo comeou do instante em que o ciclo terminou, nem o sentido em que o ciclo foi descrito. Fisicamente, seria como se no tivesse havido ciclo algum, pois dessa evoluo temporal no ficaria vestgio fisicamente detectvel. Essa no , porm, a realidade macroscpica do mundo em que vivemos, devido existncia de dissipao das formas macroscpicas da energia perfeita, sempre que as mesmas se permutam ou convertem entre si. O reconhecimento desta realidade fundamental expresso sob a forma do Postulado da Dissipao, que podemos exprimir como :

    0i ii

    U dx = (0.10)

    ou seja,

    Num processo adiabtico em que as variveis externas extensivas descrevem um ciclo, a energia interna nunca diminui.

    Este postulado equivalente ao 2 Princpio da Termodinmica. Exemplo. Para que o experimentador possa alterar algum dos xi, e obrigar assim o sistema a evoluir, ter de actuar sobre a fora generalizada que lhe est associada (tal como sucede na mecnica, necessria uma fora para que se altere o estado de equilbrio). Por exemplo, se quisermos variar o volume ocupado por um gs no interior de um cilindro com um mbolo mvel, actuamos sobre (modificamos) a fora generalizada (Figura 2). Figura 2 Compresso de um gs

    movimentos microscpicos, isto , so todas as formas de energia que podem ser permutadas atravs de uma parede adiabtica (e portanto, impermevel).

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    Nas situaes reais, as foras generalizadas no so, em geral, univocamente determinadas pelos xi28. Se o fossem, o integral curvilneo que exprime o postulado da dissipao seria nulo29. Nesse caso ideal, que corresponderia ausncia de dissipao, teramos uma evoluo reversvel de primeira espcie. Isto , seria:

    0i ii

    dx = (0.11)

    No caso geral, que o postulado da dissipao exprime, o no anulamento do integral curvilneo resulta de, para um mesmo deslocamento generalizado dxi , o valor de i no ser igual para dxi>0 e para dxi

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    numa evoluo adiabtica real o sistema recebe sempre mais energia do que a que cede para igual valor de | |dxi

    Para interpretar a expresso (0.12), note-se que as foras i e Fi so exercidas no sentido do deslocamento dxi, isto , tm o mesmo sinal. Assim, as trs grandezas envolvidas na expresso (0.12) ou so todas positivas ou so todas negativas. Caso sejam positivas, conclumos que

    i iF > . Caso sejam negativas, conclumos que i iF < . Ambos os casos significam que i iF > .

    Deve notar-se que (devido s hipteses feitas) as grandezas envolvidas so sempre directamente mensurveis no exterior do sistema em estudo, dispensando assim qualquer hiptese sobre a sua constituio ou sobre o que se passa no seu interior. De facto, apenas foram tidas em conta as reaces que o sistema manifestou s interaces com as foras que foram aplicadas do exterior, cujo trabalho realizado pode ser medido (e como tal os fluxos de energia com o sistema) pois os deslocamentos tambm o puderam ser, univocamente. Deste modo, possvel descrever sempre a evoluo do sistema nas coordenadas (U, x1, x2 , ..., xn), em que U representa as variaes de energia interna a partir de um estado de referncia.

    Evoluo adiabtica irreversvel de 1 espcie Na Figura 3, o sistema da Figura 2 descreve um ciclo fechado na coordenada externa x, compreendendo trs passos. Convenciona-se que a coordenada x aumenta na direco da direita. Figura 3 Evoluo adiabtica irreversvel de 1 espcie (exemplo).

    AB O sistema submetido a uma fora exterior constante, isto , 0 0 = < (devido a orientao do eixo dos xx), que o

    comprime. A variao de energia interna dada por

    ( )0 0BA

    x

    B A B Ax

    U U dx x x = = >31

    . Assim, a energia interna

    varia linearmente com a posio.

    BC O sistema deixa de estar submetido a qualquer fora, isto , 0 = . A esta deslocao no corresponde qualquer trabalho, e

    31 O integral que define o trabalho no est precedido de um sinal negativo porque estamos a medir o trabalho com variveis no exterior do sistema. Fisicamente, no h dvidas: o gs est a ser comprimido, portanto a receber trabalho, que dever ser positivo.

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    0C BU U = .

    CA A parede que limita o sistema bloqueada, no permitindo qualquer deslocamento e portanto qualquer variao na coordenada x. Assim, o sistema s pode trocar energia por calor, cedendo a quantidade de calor, Q, necessria para que

    A CU U Q = . Este sistema s pode descrever um ciclo se transferir calor no passo CA e portanto se deixar de ser adiabtico.

    Evoluo adiabtica reversvel Na Figura 4, o sistema descreve um ciclo fechado nas coordenadas externas xi mas a energia interna no aumenta. Este corresponde ao caso limite em que a velocidade dos processos tende para zero e portanto o sistema cede a mesma energia na expanso que recebeu na compresso e volta ao estado inicial sem ter de transferir energia sob a forma de calor. Figura 4 Evoluo adiabtica reversvel.

    Expanso de um gs real para o vcuo e recompresso quase-esttica. Na Figura 5, partindo do estado inicial A, o gs expande-se para o vcuo (=0) at B. Entre A e B no h variao de energia interna porque o sistema adiabtico e no aplicada nenhuma fora ao sistema. Para recomprimir o gs necessrio aplicar ao mbolo a fora . O trabalho realizado por esta fora faz aumentar a energia interna. A evoluo A B no seria representvel em coordenadas (P,V) em que P a presso no interior do mbolo, pois P no definido numa situao de no equilbrio interno. Mas representvel em (, V).

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    Figura 5 Expanso de um gs real para o vcuo e recompresso quase-esttica.

    U

    Experincia de Joule Na Figura 6, a descida do peso realiza trabalho que as ps dissipam por atrito viscoso no fluido que enche o calormetro, cuja parede (adiabtica) no deixa passar calor. O trabalho fornecido medido pelo deslocamento do peso e corresponde diminuio da sua energia mecnica potencial. Entregue a si prprio, o peso desce. Espontaneamente, a energia que foi transferida para o sistema adiabtico (calormetro) nunca volta a fluir para o exterior, fazendo o peso subir. O processo puramente dissipativo pois o calormetro apenas susceptvel de receber energia. A entropia do sistema adiabtico aumentou devido a uma irreversibilidade de primeira espcie ou seja devido ao atrito entre as ps e o ar. O efeito final da dissipao de energia mecnica totalmente equivalente ao de um fornecimento de calor. A nica forma de o sistema (calormetro adiabtico) poder voltar ao estado inicial (retomando a entropia que tinha) cedendo energia interna, sob a forma de calor, ao exterior, deixando portanto de ser adiabtico. A experincia mostra como todas as medidas calorimtricas se podem reduzir medida de outras formas de energia. A experincia de Joule ilustra, de modo exemplar, o primeiro e o segundo princpios da Termodinmica.

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    Figura 6 Experincia Fundamental de Joule

    Peso

    Calormetro:parede adiabtica

    Ps

    2.3.3. Evoluo Adiabtica Reversvel Para a evoluo adiabtica reversvel

    i

    ii dxF

    Considerando F1 ... Fn como as componentes de um vector, a relao anterior equivalente afirmao de que rot F=0 ou ainda que F=grad , o que significa que F deriva do potencial escalar . Mas aquela relao implica tambm que o sistema ope sempre uma fora igual e oposta que o exterior exerce sobre ele. Daqui resulta que

    dU dx

    dxi i

    i= =

    e portanto U=U(x1 ... xn,) , sendo uma constante de integrao independente das coordenadas x. Se, por exemplo, a constituio do sistema for tal que todas as suas permutas de energia com o exterior numa evoluo adiabtica reversvel se puderem exprimir pela variao da coordenada externa V (volume), como sucede com um gs, ser

    U=U(V,) e a fora generalizada associada a essa coordenada ser:

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    =P UV

    ou seja a Presso32 que o sistema exerce sobre a parede que o confina. Deve notar-se que esta presso iguala a que o exterior exerce sobre o sistema pois estamos a supor que se trata de uma evoluo reversvel. Se a evoluo no fosse reversvel, a presso exercida pelo exterior sobre o sistema estaria sempre definida mas a presso do sistema no estaria.

    Na situao representada na Figura 2, e na Expanso de um gs real para o vcuo e recompresso quase-esttica. , a presso exterior seria dada por p=/A , sendo A a rea do mbolo (suposto rgido e deslocando-se sem atrito) e p=-P. No caso da Expanso de um gs real para o vcuo e recompresso quase-esttica. , em que =0 durante a expanso para o vcuo, dU=0, pois o sistema no fornece qualquer energia ao exterior. A presso que o sistema (gs) exerce sobre o mbolo (suposto sem inrcia) ento nula. Para distinguir a presso que o sistema exerce sobre a parede que o confina, da presso que sobre ela o exterior exerce, usaremos, respectivamente, os smbolos P e p. A igualdade de P e p s se verifica nas situaes de reversibilidade de 1 espcie.

    2.3.4. Evoluo Adiabtica Irreversvel Consideremos de novo a situao representada esquematicamente na Figura 4, correspondente a um ciclo fechado nas coordenadas externas quando o sistema adiabtico e a evoluo reversvel. Por hiptese, as variveis externas em que o ciclo foi descrito contemplam todas as formas macroscpicas de energia perfeita que o sistema pode permutar com o exterior, e estas variveis so suficientes para determinar univocamente a energia interna que o sistema possui e as reaces (como p.ex. a presso) que ele ope interaco com o exterior se essa interaco for reversvel. Isto , o comportamento do sistema previsvel se os processos que sofre forem adiabticos reversveis.

    32 O sinal de P resulta da conveno de sinais adoptada. Sendo dU=-PdV, dU positivo quando dV

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    Se os processos no forem reversveis, como esquematicamente se representa na Evoluo adiabtica irreversvel de 1 espcie , torna-se evidente que o espao definido pelas variveis externas x insuficiente para determinar a energia interna, U , de modo unvoco. Tendo em conta que as coordenadas ou variveis externas x esgotam os graus de liberdade atravs dos quais se pode permutar energia atravs de uma parede adiabtica, teremos de concluir que necessrio ter em conta variveis adicionais e que essas variveis tm de ser internas, se quisermos descrever de modo unvoco as evolues da energia interna do sistema termodinmico num sistema de coordenadas generalizadas que lhe seja intrnseco.33 Posto de outro modo, trata-se de constatar que, tendo havido dissipao de energia das formas perfeitas, e havendo conservao de energia total, imprescindvel a introduo de variveis adicionais que quantifiquem a energia que passou s formas microscpicas. Essas novas variveis, impossveis de medir directamente, sero necessariamente variveis internas. Por outro lado, e tendo em conta o Postulado da Dissipao, conclui-se que, se a energia interna nunca pode diminuir num processo adiabtico em que as coordenadas externas descrevem um ciclo, ento necessrio que a parede deixe de ser adiabtica para que a