12
A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 7019 TERRITÓRIOS E REDES INFORMACIONAIS: O CASO DO CINTURÃO DIGITAL DO CEARÁ MS. NICOLAI VLADIMIR GONÇALVES DE ARAUJO 1 DR. JOSE MENELEU NETO 2 Resumo: O Ceará possui grande número de cidades, mantenedoras de recursos para os médios e grandes centros urbanos, se mantendo e reinventando seus espaços. Elas enfrentam problemas, principalmente, em sua estrutura e possibilidade de geração de emprego e renda, sofrendo estagnação e/ou desaparecimento. Esse quadro se acirra com chegada de redes informacionais, vide projetos como o Cinturão Digital do Ceará CDC (GOMES, 2014), que visam ampliar o acesso a informação e internet em território cearense. Como essas demandas se ligam a usos do espaço, gerando sociabilidades híbridas e demandas, produzindo um território rico em tensões (SANTANA, 2011). A rede, que é de informação, torna possível o urbano antes do urbano, como processo e não concretude, como extensão e não resultado. Palavras-chave: Ceará; Redes; Território Abstract:. Ceará has a large number of cities, resource maintainers for medium and large urban centers, keeping and reinventing their spaces. They face problems, especially in its structure and ability to generate employment and income, suffering stagnation and / or disappearance. This situation intensifies with the arrival of informational networks, see projects like the Digital Belt of Ceará - DCC (GOMES, 2014), aimed at improving access to information and internet in territory Ceará. As these demands bind the uses of space, generating hybrid sociability and demands, producing a territory rich in tensions (SANTANA, 2011). The network, which is information makes it possible urban before the urban, process and not as concrete,extension, not result. Key-words: Ceará; Networks; Territory 1 Introdução O contexto socioespacial vivido hoje em escala mundial, nacional e local indica uma enorme valorização do aporte técnico, configurando o espaço geográfico, transfigurando o espaço vivido em tecnificado, suporte de um território rizomático (HAESBAERT, 2003). Redes das mais dispares, que se aglomeram e 1 Doutorando, Aluno do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará. E-mail de contato: [email protected] 2 Orientador, Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará. E-mail de contato: [email protected]

TERRITÓRIOS E REDES INFORMACIONAIS: O … · redes de acesso à internet e do modo de produção informacional (ARAUJO, ... terrestres que ligam Fortaleza às Regiões Norte e Sudeste

Embed Size (px)

Citation preview

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

7019

TERRITÓRIOS E REDES INFORMACIONAIS: O CASO DO CINTURÃO DIGITAL DO CEARÁ

MS. NICOLAI VLADIMIR GONÇALVES DE ARAUJO1

DR. JOSE MENELEU NETO2

Resumo: O Ceará possui grande número de cidades, mantenedoras de recursos para os médios e grandes

centros urbanos, se mantendo e reinventando seus espaços. Elas enfrentam problemas,

principalmente, em sua estrutura e possibilidade de geração de emprego e renda, sofrendo

estagnação e/ou desaparecimento. Esse quadro se acirra com chegada de redes informacionais,

vide projetos como o Cinturão Digital do Ceará – CDC (GOMES, 2014), que visam ampliar o acesso a

informação e internet em território cearense. Como essas demandas se ligam a usos do espaço,

gerando sociabilidades híbridas e demandas, produzindo um território rico em tensões (SANTANA,

2011). A rede, que é de informação, torna possível o urbano antes do urbano, como processo e não

concretude, como extensão e não resultado.

Palavras-chave: Ceará; Redes; Território Abstract:. Ceará has a large number of cities, resource maintainers for medium and large urban centers,

keeping and reinventing their spaces. They face problems, especially in its structure and ability to

generate employment and income, suffering stagnation and / or disappearance. This situation

intensifies with the arrival of informational networks, see projects like the Digital Belt of Ceará - DCC

(GOMES, 2014), aimed at improving access to information and internet in territory Ceará. As these

demands bind the uses of space, generating hybrid sociability and demands, producing a territory rich

in tensions (SANTANA, 2011). The network, which is information makes it possible urban before the

urban, process and not as concrete,extension, not result.

Key-words: Ceará; Networks; Territory

1 – Introdução

O contexto socioespacial vivido hoje em escala mundial, nacional e local

indica uma enorme valorização do aporte técnico, configurando o espaço geográfico,

transfigurando o espaço vivido em tecnificado, suporte de um território rizomático

(HAESBAERT, 2003). Redes das mais dispares, que se aglomeram e 1Doutorando, Aluno do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do

Ceará. E-mail de contato: [email protected] 2Orientador, Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do

Ceará. E-mail de contato: [email protected]

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

7020

complementam, estão presentes no dia a dia dos centros urbanos, sejam eles

grandes, médios ou pequenos. Estradas, estruturas físicas de prédios, bancos,

universidades, escolas, rede elétrica, interligados por redes informacionais .

Estas últimas, as redes informacionais, tem uma característica ímpar, são

possuidoras de características físicas e imateriais simultaneamente, desprendendo

esforços na constituição de fixos na paisagem ou de normas controladoras dos

mesmos e seus usuários. Permeiam, assim, os meios natural e social ao qual

estamos vinculados, sendo em alguns casos, onipresentes na realização da vida

moderna (SANTOS, 1996).

O Ceará está encaixado nesta perspectiva, que tem sua gênese, no Brasil e

no Ceará, no século XIX, através da estruturação das redes telegráfica, telefônica e

de acesso a internet, ensejando este novo contexto reticular de fluxo de informação

(ARAUJO, 2008).

Assim o estado, buscando o papel de centro regional, ligou-se com outros

estados e regiões do país, por uma rede de relações (econômicas e sociais) que

exigiam o aporte de uma rede de fluxos informacionais, (COELHO, 2005),

constituindo esta situação um quadro extremamente dinâmico. O referido dinamismo

contribuiu para a formação de pequenos centros de excelência nas áreas de saúde,

educação e pesquisa 3, que por sua vez, reabastecem esse fluxo.

Na estruturação desse cenário, desenvolve-se uma complexa rede, em duas

modalidades: uma “pesada” – constituída pelo transporte de matérias-primas,

pessoas e produtos - e uma “leve” – constituída por elementos como a informação,

energia, ordens. No primeiro caso: pontes, rodovias, estações rodoviárias,

aeroporto, linhas de transmissão de energia e de telefonia, elementos que auxiliam o

Ceará em sua conexão com áreas como sua capital Fortaleza, litoral oeste, sertão

central, centros menores da própria região, outros estados e com o exterior. No

segundo caso, está se territorializando a “rede leve”, responsável pela circulação e

mobilidade do imaterial, “...mobilidade das ideias e das ordens...” (CLAVAL, apud

3 No âmbito da saúde teríamos a construção de Hospitais Regionais e Unidadese Pronto Atendimento

(UPAs), no setor educacional a implementação de uma redes de ensino tecnológico, com os Centro Vocacional Tecnológico(CVT) e os Centro de Ensino Tecnológico (CENTEC), instalados no Cariri (sede em Juazeiro do Norte), no Vale do Acaraú (sede em Sobral) e no Baixo Jaguaribe (QUINTILIANO, 2008).

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

7021

DIAS, 2003: 148). Elementos como a telecomunicação, a rede mundial de

computadores, correios, redes financeiras, redes de mídia (rádio, TV), elementos

que estão diretamente vinculados à principal riqueza do período histórico atual, a

informação (CASTELLS, 1999).

Analisando o cenário construído a partir de Dias (2003), a lógica em rede

constituída na atual fase histórica, trouxe a ordem, de nível nacional, ao mesmo

tempo em que, em escala local, trouxe a desorganização e a exclusão. Esta lógica

faz parte da realidade de cidades médias do Brasil; cidades que se caracterizam por

serem espaços em transformação constante, na medida em que buscam as

condições necessárias ao desenvolvimento de suas forças produtivas. Neste

movimento, o choque dos opostos – organização e desorganização – se

manifestaria como uma tendência contemporânea, trazendo desafios até então

desconhecidos.

O Ceará esta, portanto, inserido nesta situação. A observação da realidade

deixa perceber a frenética mudança em seus espaços urbanos, resultante do

esforço para estruturar e reestruturar a capacidade instalada, a fim de receber novos

empreendimentos, mudança expressa nas obras de infraestrutura – em especial

para ampliar a malha viária e rodoviária – e na ampliação das redes, destacando-se

as de distribuição de energia elétrica e de informações.

Em momentos mais recentes este quadro pode ser identificado a partir da

primeira eleição de Tasso Jereissati, ao governo do estado em 1986 e sua proposta

de modernização do território sobre várias frentes.

Dentre as ações governamentais, têm-se: SANEAR, METROFOR,

HABITAR-BID, CIPP, PRODETUR, CEARA II, Energização, Castanhão,

Nova Jaguaribara, Caminho das Águas (Canal da Integração), Caminhos de

Israel, São José, PROGERIRH, PROAGUA, PROURB (Hídrico e Urbano),

Ensino Profissionalizante, Programa de Capacitação Tecnológica

(CENTEC-CVTUNIVERSIDADES), PROASIS, PROARES, PRONAF, Ação

Fundiária e Saneamento Básico. São exemplos de projetos reestruturadores

do território cearense, obras públicas que interagem em função de um

Ceará mais capacitado e dotado de infraestrutura física para o acirrado

mercado globalizado (QUINTILIANO, 2008: 24).

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

7022

Santos (1996), afirma que a forma está relacionada diretamente com o

conteúdo, constituindo um par dialético componente do meio técnico-científico-

informacional, assim, podemos inferir uma mudança na forma/função desses

núcleos urbanos cearenses. O conteúdo desta nova realidade é por muitos

desconhecido, e principalmente o seu papel como elemento definidor de

transformações e estratégias de desenvolvimento, ou a forma. A transmissão e

distribuição de informações – entre outros fatores - são elementos definidores das

novas ações de transformação do território do estado.

Como derivado dessa lógica temos o Cinturão Digital do Ceará - CDC (Figura

01), ação audaciosa do governo do estado, que instaura cobertura de sinal de alta

velocidade de acesso à internet em mais de 80% do território cearense.

O projeto propõe a estruturação de um backbone de fibra ótica a fim de

viabilizar o acesso à internet nos locais mais distantes do Ceará, possibilitando o

fornecimento de serviços de governo ligados à saúde pública, segurança e justiça. A

distribuição do sinal é feita via fibra ótica e também através de torres de irradiação

de sinal de acesso à internet WIFI (tecnologia Wimax), que possuem alcance de até

10 km. Além de possibilitar a inclusão digital o projeto ainda tem como meta atrair

empresas do setor de tecnologia e/ou que se utilizem dessa tecnologia para se fixar

no estado, desenvolvendo oportunidades de geração de emprego e renda. Previsto

para ser concluído em 2009, hoje já tem sua infraestrutura quase toda montada,

sendo ainda implementada suas formas de uso, tanto pelo setor público como pela

iniciativa privada (GOMES, 2014).

Temos, assim, uma reconstrução da história técnica do Ceará, a partir das

redes de acesso à internet e do modo de produção informacional (ARAUJO, 2008;

LIMA, 2005; CASTELLS, 1999).

Segundo Gomes (2014), iniciativas semelhantes a essa podem ser

identificadas em estados como Pará, Maranhão, São Paulo, Paraná, Santa Catarina

e Rio Grande do Sul, na busca da inclusão digital e estruturação de verdadeiras

infovias. O caso específico do Ceará, segundo o autor, conta com elementos que o

tornam especial, com relação a uma infraestrutura nacional e internacional de

amparo a iniciativa (Figura 02).

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

7023

O estado do Ceará pode se considerar privilegiado no que diz respeito aos

backbones nacionais de fibra óptica. Pelo fato de ser a cidade de maior

proximidade, simultaneamente, entre a Europa e a América do Norte,

Fortaleza concentra todos os cabos submarinos de comunicação da

América do Sul. A vazão potencial de dados na cidade é superior a qualquer

outra no país (Cordeiro, 2008). Ademais, existem outros backbones

terrestres que ligam Fortaleza às Regiões Norte e Sudeste do país

(GOMES, 2014: 04).

Figura 01 - Cinturão Digital do Ceará – CDC

Fonte: ETICE, 2015.

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

7024

Figura 02 - Cabos de acesso à internet, existentes e/ou projetados, que passam por Fortaleza/CE.

Fonte dos dados: Greg's Cable Map, 2015.

A análise de como estes fatores, através do CDC, estão sendo implantados e

como agem no território cearense, nos usos diários e nas transformações postuladas

nos serviços oferecidos pelo governo (educação, saúde, segurança e justiça), são

esclarecedores de novas formas de sociabilidade e de espacialidades, alicerçadas

ou não no paradigma informacional proposto por Castells (1999), desempenhado

atualmente na rede urbana cearense.

Temos no território cearense, repetindo uma lógica maior, um grande número

de cidades que funcionam como fornecedoras de recursos (sejam eles financeiras

ou humanos) das cidades medias e grandes, orbitando nesse sistema urbano atual e

se mantendo, umas sim outras não, em funcionamento, vivas, reinventando seu

espaço. Estas cidades enfrentam problemas que incidem, principalmente, sobre sua

estrutura e possibilidade de geração de emprego e renda, levando a estagnação ou

desaparecimento das mesmas, tais como: falta de sistema de transporte adequado,

acesso restrito a sistema de distribuição de energia, inexistência de sistemas de

saneamento esgoto, dificuldade de acesso ao sistema de saúde e educação, são

dificuldades enfrentadas diariamente nestes sítios urbanos (FERNANDES, 2009;

MOURA, 2009). Este quadro se acirra com chegada das já apresentadas redes

informacionais, presentes no interior do estado na figura do CDC.

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

7025

Percebemos uma alteração dos usos do espaço nessas cidades, gerando

novas sociabilidades híbridas, um espaço vivido (território). A rede, que é de

informação, torna mais agudo o urbano antes do urbano, como um processo e não

como concretude. Amplia urbano como extensão e não como resultado.

2 – Desenvolvimento

Para desenvolver a analise proposta, alguns conceitos se apresentam como

indispensáveis. Trabalharemos o conceito de redes e a categoria território.

A procura de uma concepção que seja o ponto de partida das análises sobre

redes temos o pensamento de Curien (2014: 49-50), segundo o qual a mesma

corresponde a

[...] toda infraestrutura, permitindo o transporte de matéria, de energia ou de

informação, que se insere sobre um território onde se caracteriza pela

topologia dos seus pontos de acesso ou pontos terminais, seus arcos de

transmissão, seus nós de bifurcação, de comunicação.4

Ressalte-se também, diante da realidade contemporânea, a necessidade de

evitar a simplificação da noção de rede, identificando-a com meros equipamentos ou

objetos, e sim incorporando à noção a existência das novas tecnologias da

informação, que “... não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas

processos a serem desenvolvidos” (CASTELLS, 1999: 69).

Partindo da convicção de que “pela primeira vez na história, a mente humana

é uma força direta de produção, não apenas um elemento decisivo no sistema

produtivo”, Castells (1999: 69) busca o entendimento do funcionamento da lógica

informacional.

A rede que se encontra estruturada hoje no mundo, segundo a autor, seria

uma consequência, ou adequação, às demandas dos novos “modos produtivos”,

4

"... toute infrastructure permettant le transport de matière, d'énergie ou d'information, qui s'inscrit sur

un territoire où elle est caractérisée par la topologie de ses pointe d'accès ou points terminaux, de ses arcs de transmission, de ses noeuds de bifurcation ou de commutation".

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

7026

historicamente constituídos e socialmente consumidos, tendo a informação como

produto e mercadoria por excelência, através de uma reestruturação do modo

produtivo capitalista do fim do século XX. No horizonte desta perspectiva, algo a ser

analisado é a constituição, o uso e o sentido das redes informacionais nessa nova

estrutura.

Diante do fato de que as redes buscam ao mesmo tempo descentralizar e

concentrar, incluir e excluir espaços, existiria um conflito entre o espaço dos fluxos e

espaço dos lugares, podendo como resultado haver um aniquilamento da hierarquia

imposta pelo sistema de redes à cidade. A disseminação de poder através do

espaço, se estruturando através do privilégio da fluidez e buscando cada vez mais a

capacitação para atingir o objetivo máximo: conectividade.

Redes que denominaríamos de “pesadas” e “leves”, no sentido de o que

transportam. A rede pautada fundamentalmente na informação, ela mesma a

matéria-prima e o produto desse novo modo produtivo, o informacional, uma

infraestrutura que se inscreve sobre um espaço, territorializando-se.

À contribuição teórica e metodológica de Castells (1999), acrescentamos a

contribuição metodológica indicada por Santos (1996), pois ambos sugerem

elementos para análise das redes. Durante o desenrolar da pesquisa também

poderão ser elencados outros elementos que dão forma a essa rede, uma vez ser

ela tão dinâmica.

Todas estas premissas e estruturas acabam por se espacializar. Uma vez

que “o espaço organizou o tempo na sociedade em rede” (CASTELLS,1999: 467), a

imposição da rede informacional é uma necessidade do modo produtivo capitalista

contemporâneo. Sua materialização espacial se dá através do território, entendido

como espaço perpassado e configurado através de relações de poder

(equipamentos, metodologias etc.), no caso, para compor uma demanda externa.

Ao analisar este fenômeno como uma forma do poder hegemônico que se

estabelece e controla o espaço, teremos na categoria território também a discussão

do componente político (intencionalidade) do processo de redes. Analisando o ponto

de influência da rede sobre a (re)(des)construção da cidade e suas novas

territorialidades.

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

7027

Nesta perspectiva parece produtivo nos servirmos de contribuições da teoria

marxista, a partir de Harvey (2005), utilizando a perspectiva do autor com relação à

formação do espaço e do Estado na estruturação do modo capitalista de produção.

Respondendo à máxima de Rasffestin, segundo a qual “a rede faz e desfaz

as prisões do espaço tornado território” (apud DIAS, 2003:147), o Ceará está

caracterizado naquilo que Harvey (2005) denomina de mudança do

administrativismo urbano para o empreendedorismo urbano, uma necessidade para

a auto sustentação das cidades, uma vez que elas passaram a um novo paradigma

da produção flexível e da informação. A busca por novos espaços que viabilizem

essa produção, ocasiona disputa entre as cidades, inclusive das pequenas cidades,

através da aglutinação de recursos e construção de estruturas que deem suporte a

nova ordem produtiva. A chamada “guerra dos lugares”, surgiria, assim, como uma

resposta a uma diminuição dos lucros e indiretamente a anulação do espaço dentro

deste processo. O processo de valorização e capacitação de um espaço para se

tornar apto a receber essa produção flexível e da informação é baseado na

tecnologia. As redes estariam relacionadas de forma refinada com esta realidade,

tecnologia territorializada a serviço da fluidez, pois, “embora não determine a

evolução e a transformação social, a tecnologia (ou sua falta) incorpora a

capacidade de transformação das sociedades, ...” (CASTELLS, 1999: 44).

Essa rede, no caso, o projeto CDC, tem como objetivo levar internet de alta

velocidade para a população urbana do estado, instalando-se em locais remotos a

um preço acessível a todos. Ela serviria de alicerce para essa dinâmica tão

almejada, criando o novo em relação aos demais focos urbanos do estado,

territorializando o poder da nova lógica dos fluxos num arranjo territorial sobre os

chamados serviços de governo (saúde, educação, segurança e justiça), permitindo,

talvez, as mesmas se reinventarem enquanto espaços urbanos no meio rural.

Existe uma nova territorialidade sendo constituída a partir das mudanças

dos referenciais de serviços de governo com a chegada do Cinturão Digital do Ceará

(CDC)? Ou teríamos velhas realidades com tentativas de nova roupagem, atadas a

alienação de um “sistema mundo” severo. Se for positiva a primeira hipótese, quais

seriam elas (as novas territorialidades) e como identificá-las e analisá-las no espaço

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

7028

cearense. Se a segunda hipótese for corroborada, cabe a nós esclarecermos os

pontos de sua existência nesse novo cenário.

3-Conclusões

Ao propor esta perspectiva, partimos do interesse de verificar, através da

análise das territorialidades, até que ponto e de que maneira a afirmação de Dias

(2003), acerca da lógica organizadora e desorganizadora das redes, se realiza na

rede de cidades do Ceará. Em outros termos, o processo de formação de redes no

Ceará atende os interesses das cidades (via poder municipal) ou apenas transforma-

as em um canal de condução de fluxos, vinculados a interesses externos?

Mais o que nos parece mais provável, conclusão prévia, diante do quadro

apresentado, é a coexistência dessas duas hipóteses, uma vez que para se gerar o

novo, temos de partir de uma base, ou mesmo algo que possa ser negado por esse

“novo”. Poderíamos contar com uma negação, mas não completa, do sistema

anterior por parte das cidades pequenas no Ceará. Mas, a lógica parece permanecer

a mesma: organizar para melhor usufruir e consumir, uma organização exógena que

corrói a autonomia do lócus urbano, da diversidade. Uma rede que nos possibilita

uma diversidade imensa de caminhos, mas infelizmente uma realidade, pobre de

criatividade e de equidade.

REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA

ARAUJO, Nicolai Vladimir Gonçalves de. Dos fios a teia: as tramas territoriais

tecidas pela internet em Sobral-CE. Fortaleza: UECE, 2008 (Dissertação de

Mestrado).

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede - A era da informação: economia,

sociedade e cultura. Tradução: Roneide Venâncio Majer; 6ª edição, São Paulo, Paz

e Terra, Vol 1, 1999.

COELHO, Modesto Siebra. Sobral, Ceará, Brasil. In: BORZACCHIELLO, José;

CAVALCANTE, Tércia; DANTAS, Eustógio. Ceará: um novo olhar geográfico.

Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2005.

CURIEN, N. D'une problématique générale des réseaux à l'analyse économique du

transport des informations . In: Cahier / Groupe Réseaux, n°2, 1985, pp. 48-62.

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

7029

http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/flux_1162-

9630_1985_num_1_2_1610, acessado em 03 setembro 2014.

DIAS, Leila Christina. Redes: emergência e organização. In: CASTRO, Iná Elias de

(org.). Geografia conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

ETICE - Empresa de Tecnologia da Informação do Ceará. Mapa do Cinturão Digital

do Ceará.

http://www.etice.ce.gov.br/phocadownload/projetos/CinturaoDigital/CDC_06-

2014.pdf, acesso em 01 de julho de 2015.

FERNANDES, Ana Cristina; BITOUN, Jan, ARAÚJO, Tânia Bacelar de;

organizadores Jan Bitoun, Lívia Miranda. Tipologia das cidades brasileiras - Rio de

Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles, 2009.

GOMES, Fernando de Carvalho. Infraestrutura de comunicação para a

governança e o desenvolvimento: o Cinturão Digital do Ceará. Brasília: II

Congresso CONSAD de Gestão Pública, 2009 (Painel 47: Governo eletrônico),

http://www.escoladegoverno.pr.gov.br/arquivos/File/Material_%20CONSAD/paineis_I

I_congresso_consad/painel_47/infraestrutura_de_comunicacao_para_a_governanca

_e_o_desenvolvimento.pdf, acessado em setembro de 2014.

Greg's Cable Map. Information about the undersea communications

infrastructure. http://www.cablemap.info, acesso em 01 de julho de 2015.

HAESBAERT, Rogério. Desterritorialização: entre as redes e os aglomerados de

exclusão. In: CASTRO, Iná Elias de (org.). Geografia conceitos e temas. Rio de

Janeiro, Bertrand Brasil, 2003.

HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. Tradução: Carlos Szlak, São

Paulo: Annablume, 2005. (Coleção Geografia e Adjacências).

LIMA, Luiz Cruz. Redes de integração do território cearense: dos caminhos da

pecuária às estradas virtuais. In: BORZACCHIELLO, José; CAVALCANTE, Tércia;

DANTAS, Eustógio. Ceará: um novo olhar geográfico. Fortaleza: Edições

Demócrito Rocha, 2005.

MOURA. Rosa [et al.]. Hierarquização e identificação dos espaços urbanos.

Organizador: Luiz César de Queiroz Ribeiro. - Rio de Janeiro: Letra Capital:

Observatório das Metrópoles, 2009.

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

7030

QUINTILIANO, Aridênio Bezerra. Reestruturação socioespacial do Ceará. Fortaleza:

UECE, 2008 (Dissertação de Mestrado).

SANTANA, Antonia Neide Costa. Pequenas cidades do Ceará no (des)encontro do

urbano e do rural: Groaíras e Meruoca em discussão. Niterói: UFF, 2011(Tese de

Doutorado).

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo razão e emoção.

HUCITEC, São Paulo, 1996.