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Territórios Negros - Informativo de apoio às Comunidades Negras Rurais do Rio de Janeiro

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Pressionado por reivindicações da sociedade civil, o Estado brasileiro, a partir dos anos 1970, vem ampliando os recursos legais que reconhecem direitos até então negados à população negra. Parte dessa ampliação significou o reconhecimento da legitimidade da posse sobre espaços físicos onde a população afrobrasileira inscreveu, e por meio dos quais continua escrevendo, sua memória, sua cultura e sua religiosidade. São a esses espaços que chamamos Territórios Negros. www.koinonia.org.br

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Page 1: Territórios Negros  - Informativo de apoio às Comunidades Negras Rurais do Rio de Janeiro

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01A todos os amigosPressionado por reivindicações da sociedade civil, o Estado brasi-leiro, a partir dos anos 1970, vem ampliando os recursos legaisque reconhecem direitos até então negados à população negra.

Parte dessa ampliação significou o reconhecimento da legiti-midade da posse sobre espaços físicos onde a população afro-brasileira inscreveu, e por meio dos quais continua escrevendo,sua memória, sua cultura e sua religiosidade. São a esses espa-ços que chamamos Territórios Negros.

A proteção oficial, por meio do tombamento, da garantia depropriedade da terra ou ainda por meio de políticas públicas es-peciais dirigidas aos terreiros de candomblé e aos remanescen-tes das comunidades de quilombos são marcos privilegiados des-sa conquista de direitos históricos e culturais. Com base nessesnovos direitos, uma série de comunidades negras rurais até en-tão acuadas, estão se organizando, assim como buscando umaarticulação entre si.

As comunidades mais conhecidas são aquelas que já foramoficialmente reconhecidas como “remanescentes e quilombos”,mas além delas existem muitas outras. Umas ainda reivindicamesse reconhecimento, outras nem sabem dessa possibilidade le-gal e outras, ainda, conhecendo o artigo 68, preferem encami-nhar sua luta por outrosmeios legais.

O boletim Territórios Ne-gros é destinado a todaessa variedade de comuni-dades, tendo por objetivocolaborarcolaborarcolaborarcolaborarcolaborar na sua organiza-ção e na sua articulação.Ele trará informações sobrea legislação, sobre os acon-tecimentos que têm atingi-do essas comunidades epromoverá a troca de infor-mações e experiências en-tre elas. Ele será entreguegratuitamente em todas ascomunidades às quais te-mos acesso e às pessoasinteressadas no tema.

Com o espírito de cooperação e parceria oferecemos esse pri-meiro número do boletim a todos os amigos da causa, esperan-do que ele sirva de instrumento à articulação de uma rede regio-nal de apoio às comunidades negras rurais dos estados do Riode Janeiro e do Espírito Santo.

editorial

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01 O QUE SÃO COMUNIDADESREMANESCENTES DEQUILOMBO?O conceito de quilombo foi bas-tante modificado em relação a seusignificado original. Hoje são reco-reco-reco-reco-reco-nhecidasnhecidasnhecidasnhecidasnhecidas como comunidades re-manescentes de quilombos nãoapenas as comunidades que tive-ram origem, de fato, em antigosquilombos. Também são contem-pladas aquelas que resultaram dacompra de terras por negros liber-tos; da posse pacífica de terrasabandonadas pelos proprietários

saiba que

O artigo 68, da ConstituiçãoO artigo 68, da ConstituiçãoO artigo 68, da ConstituiçãoO artigo 68, da ConstituiçãoO artigo 68, da ConstituiçãoFFFFFederal de 1988, Atos dasederal de 1988, Atos dasederal de 1988, Atos dasederal de 1988, Atos dasederal de 1988, Atos dasDisposiçõesDisposiçõesDisposiçõesDisposiçõesDisposições TTTTTransitórias, diz oransitórias, diz oransitórias, diz oransitórias, diz oransitórias, diz oseguinte:seguinte:seguinte:seguinte:seguinte:

“““““Aos remanescentes dasAos remanescentes dasAos remanescentes dasAos remanescentes dasAos remanescentes dascomunidades doscomunidades doscomunidades doscomunidades doscomunidades dosquilombos que estejamquilombos que estejamquilombos que estejamquilombos que estejamquilombos que estejamocupando suas terras, éocupando suas terras, éocupando suas terras, éocupando suas terras, éocupando suas terras, éreconhecida a propriedadereconhecida a propriedadereconhecida a propriedadereconhecida a propriedadereconhecida a propriedadedefinitiva, devendo odefinitiva, devendo odefinitiva, devendo odefinitiva, devendo odefinitiva, devendo oEstado emitirEstado emitirEstado emitirEstado emitirEstado emitir-lhes os títulos-lhes os títulos-lhes os títulos-lhes os títulos-lhes os títulosrespectivosrespectivosrespectivosrespectivosrespectivos”.”.”.”.”.

notícias◗ NOS DIAS 16, 17 e 18 de marçoacontece em Magé o XXIX Con-gresso do Conselho das EntidadesNegras do Interior do Estado doRio de Janeiro – CENIERJ. Haveráum ciclo de palestras com os se-guintes temas: Eleições Municipais,Educação Multicultural, Conferên-cia Internacional Contra o Racismo,Mulher Negra e As ComunidadesQuilombolas. Maiores informaçõescom o Centro Afro da ComunidadeBrasileira – CACEB, no telefone633-2407.

◗ COM EXIBIÇÃO prevista na redede televisões educativas a partir deabril, o curta-metragem “MorreCongo, fica congo”, fala do Jongo,dança que os escravos realizavame seus descendentes realizam. Acomunidade jongueira do Morrodo Carmo, em Angra dos Reis (RJ),serve de base para o filme quemistura dramaturgia e realidadepara contar, em 15 minutos, a his-tória que começa no início dosanos 70, na ditadura militar. Porcausa da especulação imobiliária,os jongueiros, que eram pequenosproprietários rurais em bairroscomo Frade, Mambucaba e Belém,perderam as terras e migrarampara o morro, onde permanecematé hoje. O filme registra depoi-mentos de mestres do Jongo Rural:Carmo Moraes, 84 anos; Zé Adria-no, 78; Dona Luíza, 76; Zady Rita,61 e Rosalvo Bernardo, 57 anos.

◗ DE 29 DE NOVEMBRO a 3 de de-zembro de 2000 realizou-se emSalvador/BA o 2º Encontro Nacio-nal de Comunidades Negras RuraisQuilombolas, com o tema TTTTTerritó-erritó-erritó-erritó-erritó-rio e Cidadania para o povo ne-rio e Cidadania para o povo ne-rio e Cidadania para o povo ne-rio e Cidadania para o povo ne-rio e Cidadania para o povo ne-gro!gro!gro!gro!gro! Foram discutidos temas varia-dos como a participação ativa dosjovens e das mulheres nos destinosdos quilombos; o meio ambiente;os conflitos agrários; a organizaçãoestadual e nacional dos quilombos;os impactos das políticas neolibe-rais e de globalização sobre a vidados quilombos, a participação no

em épocas de crise econômica; daocupação e administração das ter-ras doadas aos santos padroeiros,etc. Assim, o nome “remanescentede quilombos” descreve diversosgrupos de negros rurais que, emtodo o país, estão mobilizadospela legalização de diferentes ti-ti-ti-ti-ti-pos de uso comum da terrapos de uso comum da terrapos de uso comum da terrapos de uso comum da terrapos de uso comum da terra.

QUEM AS RECONHECE?A Fundação Cultural Palmares(FCP), vinculada ao Ministério daCultura, tem assumido em todo opaís a responsabilidade pela reali-zação ou simples aprovação doslaudos de identificaçãolaudos de identificaçãolaudos de identificaçãolaudos de identificaçãolaudos de identificação das co-munidades negras rurais comoremanescentes de quilombos. Aoaprovar o laudo e publicá-lo noDiário Oficial da União, a FCP estáreconhecendo oficialmente, emnome do Estado brasileiro, a exis-tência de tais comunidades e deseu direito a terra. Há um debate,no entanto, em torno da possibili-dade de outras instituições, comoo INCRA, assumirem função seme-lhante, ao encaminharem a regula-rização de terras de remanescentesde quilombos sem a necessidadedo parecer da FCP. Em outros casosainda, como o do Instituto de Terrasde São Paulo, a existência de umalegislação estadual nova, tem permi-tido que esse reconhecimento se dêno nível estadual, com resultadosainda mais rápidos que os da FCP.

O QUE É UM LAUDO?O laudo é um relatório feito porum especialista (antropólogo ouhistoriador) que registra um poucoda história da comunidade, suaorganização social, sua relaçãocom a terra e dos usos dos recur-sos naturais, das formas de organi-zação do trabalho e das formas deresistência e conflitos enfrentadospelo grupo. Um laudo deve identi-ficar (ou não) a referida comunida-de como remanescente de quilom-bo, no sentido atualmente atribuí-do ao termo. Caso o laudo sejaaprovado, um resumo dele deveser publicado no Diário Oficial daUnião, tornando público o “reco-nhecimento” e suas razões.

processo da III Conferência Mun-dial contra o racismo, entre outrosassuntos. O encontro foi organiza-do pela Comissão Nacional de Arti-culação das Comunidades NegrasRurais Quilombolas.

◗ A COMUNIDADE Remanescentede Quilombo São José da Serra, domunicípio de Valença, aproveitouo V Encontro de Jongueiros deagosto de 2000, realizado em An-gra dos Reis, para se manifestarcontra a postura omissa da Funda-ção Cultural Palmares que desdeque reconheceu a comunidade aabandonou a própria sorte. Os mo-radores pediram um minuto de si-lêncio contra a fundação como for-ma de protesto. Além disso, mostra-ram uma faixa na qual pediam ur-gência na titulação de suas terras.

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Na década de 1980 a Campanha pela ReformaAgrária ganhou grande impulso e foi acompa-nhada de uma série de lutas por terras especí-ficas, diferente da luta dos pequenos proprie-tários ou dos trabalhadores assalariados. Essefoi um momento de avanço dos movimentoscamponês, indígena e de categorias de traba-lhadores até então com pouca representação,como os “atingidos por barragens”, seringuei-ros e garimpeiros.

são controladas livre e individualmente por umdeterminado grupo doméstico de pequenosprodutores diretos ou por um de seus mem-bros. São “ocupações especiais” aquelas co-nhecidas como Terras de Santo, Terras de Índio,Terras de Herança, Terras Soltas ou Abertas e,finalmente, as Terras de Preto.

As chamadas Terras de Preto compreendempropriedades adquiridas ou doadas a familiaresde ex-escravos, com ou sem formalização jurí-dica. Tais propriedades podem ter tido origemem antigos quilombos; em áreas de alforria-dos; ou em concessões do Estado usadas comopagamento à prestação de serviços guerreiros.Podem ter tido origem também em proprieda-des economicamente decadentes, cujos pro-prietários perderam seu poder de coerção, pas-sando a adotar o arrendamento apenas formaldas terras a seus antigos escravos, que podemutilizá-las de forma coletiva, em troca de paga-mento simbólico, mantido apenas para demar-car seu caráter de propriedade privada. Os des-cendentes dessas famílias permanecem nessasterras há várias gerações sem desmembrá-las esem delas se apoderarem individualmente. Emalguns casos registrou-se a existência de gru-pos em relativo isolamento, mantendo regras euma concepção de direito baseados na apro-priação comum dos recursos.

Em 1987, porém, tais iniciativas de registrosistemático dessas situações não vingaram emfunção do fracasso da reforma agrária da NovaRepública. Elas só seriam retomadas, parcial-mente, em meados da década de 1990, emfunção das discussões abertas pelas demandasde regularização das terras como “comunida-des remanescentes de quilombos”.

PARA SABER MAISLeia o artigo “Na Trilha dos Grandes Projetos”, escritopor Alfredo Wagner B. Almeida que se encontra nolivro “Terras de Preto, Terras de Santo, Terra de Índio”,organizado por J. Hábette e Edna Castro e editadopela NAEA/UFPA, Belém, em 1989.

um pouco de história

Terras de uso comum: “terras de preto”

No IV Congresso Nacional de TrabalhadoresRurais (1985), no qual foi apresentado o I Pla-no Nacional de Reforma Agrária da Nova Repú-blica, os trabalhadores solicitaram ao Estadopela primeira vez o reconhecimento de situa-ções de posse e uso da terra desprezado du-rante os períodos anteriores. Em resposta a es-sas reivindicações, os órgãos fundiários come-çaram a elaborar novos instrumentos técnicos,que deveriam ser capazes de registrar e cadas-trar sistematicamente tais áreas de uso co-mum. As “terras de uso comum”, que os ór-gãos fundiários passaram a designar como“ocupações especiais”, incluem inúmeras situ-ações de posse e uso da terra que não se en-caixavam nas categorias até então utilizadaspelos órgãos governamentais, isto é, que não

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No dia 21 de março de 1999, Dia Internacionalpela Eliminação da Discriminação Racial, o Ins-tituto de Terras e Cartografia do Estado do Riode Janeiro (ITERJ) e a Fundação Cultural Palma-res entregaram o título definitivo à Comunida-de Remanescente de Quilombo de Campinhoda Independência, localizada na zona litorâneaao Sul do Estado do Rio de Janeiro no municí-pio de Paraty. Trata-se da primeira titulação deterras do Estado baseada no artigo 68 da Cons-tituição Federal (ADCT) que assegura às comu-nidades negras rurais a propriedade definitivadas terras que ocupam. A titulação foi feita deforma coletiva em nome da Associação de Mo-radores de Campinho.

A área total da comunidade é de 287 hecta-res ocupados por mais de 80 famílias negrasdivididas em diversos sítios familiares usadoscomo área de moradia e/ou trabalho. Todosque moram em Campinho da Independência,conhecido na região como um “bairro de pre-tos”, são descendentes das irmãs Antonica,Marcelina e Luíza, consideradas por todos asfundadoras da comunidade.

As terras de Campinho da Independênciaforam doadas pelo “senhor” a essas três irmãs,escravas da Casa Grande, sede da antiga Fa-zenda Independência. Elas ganharam as terrase transmitiram os direitos de uso aos seus fi-lhos e netos. De lá para cá são mais ou menosseis gerações ocupando a área.

Até a década de 1970 não havia disputa pe-las terras da comunidade de Campinho. Os ha-bitantes cultivavam principalmente a mandio-ca, fabricavam farinha e produziam artesana-tos como meios de sobrevivência. Até que em1973 a construção da rodovia Rio-Santos mu-dou drasticamente a vida da população. Alémda rodovia, uma série de obras e investimentosde interesses particulares e públicos (como aconstrução das usinas nucleares e de empreen-dimentos turísticos) supervalorizaram as terrasde Paraty fazendo aparecer diversas pessoasque passaram a se intitular proprietários dasterras da comunidade.

A comunidade de Campinho encontra-se àsmargens da rodovia Rio-Santos e essa área

apresenta fortes potenciais turísticos. Paraty,além de ser tombada pelo Patrimônio HistóricoNacional, possui uma área de preservação am-biental e belas praias, o que despertou a aten-ção de empresários interessados na especula-ção imobiliária possibilitada pela abertura darodovia Rio-Santos.

Diante da ameaça de grileiros que começama aparecer na área tentando expulsá-los desuas terras, os moradores de Campinho reagi-ram e se organizaram. Em 1975, os negros deCampinho foram à Justiça em busca de seusdireitos antes daqueles que os ameaçavam.Nesse processo de organização fundaram a As-sociação de Moradores, pediram ajuda à IgrejaCatólica (através da Comissão Pastoral da Ter-ra) e associaram-se ao Sindicato de Trabalha-dores Rurais de Paraty. Chegaram a entrar como pedido de usucapião para garantirem a pos-se da terra e conseguiram sua desapropriaçãopelo Estado. Mas, apesar disso, as terras nãoforam repassadas legalmente à comunidade.No período que vai de 1975 a 1990 a vida dosmoradores de Campinho foi marcada pela re-sistência e pela luta em se manter nas terrasherdadas de seus ancestrais. Passados quasetrinta anos de empenho, a comunidade deCampinho da Independência finalmente tem apropriedade de suas terras reconhecida.

um território

Campinho da Independência

Este boletim é produzido pelo projeto EGBÉ –TERRITÓRIOS NEGROS de KOINONIA PresençaEcumênica e Serviço. Sua periodicidade é bimestralcom tiragem de 500 exemplares dirigido àscomunidades negras rurais do Rio de Janeiro eEspírito Santo. Colabore com notícias e manifestesua opinião.

Coordenador para o Rio de Janeiro e Espírito SantoJosé Maurício Arruti

Pesquisadores Ellen Monteiro e Alessandra Tosta

Programação visual Anita Slade

Apoio editorial Helena Costa e Mara Martins

KOINONIA Presença Ecumênica e ServiçoRua Santo Amaro, 129 Glória22211-230 Rio de Janeiro RJTelefone (21) 224-6713 Fax (21) 221-3016E-mail [email protected] www.koinonia.org.br