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8/15/2019 Tese. Desobramento - Constelações Clínicas e Políticas Do Comum
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ERIKA ALVAREZ INFORSATO
Desobramentoconstelações clínicas e políticas o com!m
Tese apresentada à Faculdade deEducação da Universidade de SãoPaulo, para obtenção do título dedoutora em Educação.
Área de concentração:Filosoia e Educação
!rientação:Pro. "r. #elso Fernando Favaretto.
S"O #A$LO
$%&%
8/15/2019 Tese. Desobramento - Constelações Clínicas e Políticas Do Comum
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'utori(o a reprodução e divul)ação total ou parcial deste trabal*o, por +ual+uer meioconvencional ou eletrnico, para ins de estudo e pes+uisa, desde +ue citada a onte.
#atalo)ação na PublicaçãoServiço de -iblioteca e "ocumentação
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
/.%& 0norsato, Eri1a 'lvare(
02d "esobramento : constelaç3es clínicas e políticas do comum4 Eri1a 'lvare( 0norsato 5 orientação #elso FernandoFavaretto. São Paulo : s.n., $%&%.
$&/ p.
Tese 6"outorado 7 Pro)rama de P8s9raduação emEducação. Área de #oncentração : Filosoia e Educação ; 9 9Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
&. Educação 9 Filosoia $. Psicolo)ia clínica . Terapiaocupacional 2.
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0=F!>S'T!, Eri1a 'lvare(. DESO%RA&ENTO ' constelações clínicas epolíticas o com!m( Tese. 6"outorado; Pro)rama de P8s9raduação emEducação, ?in*a de Pes+uisa Filosoia e Educação, da Faculdade deEducação da Universidade de São Paulo. 9 FEUSP. São Paulo, $%&%.
'provada em: @@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@
-anca EAaminadora
@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@
@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@
@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@
@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@
@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@
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ao meu orientador, Celso Favaretto, pela generosa e aguda companhia;
aos meus pais, Hélio e Ivete,
que insistiram em me apresentar um comum;
ao Alexandre, pela presença e pela solidão;
e aos outros, quaisquer importantes,que persistem em estar junto
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B'>'"E#0CE=T!SD
!"star vivo é uma grossa indi#erença irradiante "star vivo é inating$vel pela mais #ina sensi%ilidade
"star vivo é inumanoB...D o não humano é o centro irradiante de um amor neutro
em ondas hert&ianas'#larice ?ispector
'dlia Faustino, 'driana -arin, 'leandra >iera,'leAandre -ernardes, 'leAandre Gen(, 'mlia Contero,'na #armen del #ollado, 'na #lHudia -aldani,'na oldenstein, 'na ?Icia Car+ues, 'ndra 'mparo,'parecida >odri)ues da Silva,
-el *irardi, -enamim #an)uçu de Paula, -runa TaJo,#Hssio Santia)o, #elso Favaretto, #*ristiana Corais,#ristiane Pitteli, #ristina Keort,"aniela #an)uçu, "io)o dos Santos,Eduardo ?ettiere, Eduardo Silva, Eliane "ias de #astro,Elisa -and, Eli(abet* 'raIo ?ima, Evaldo Kollandi,FHbio Turra, Fabrício Pedroni, Fernando -arros,isele 'sanuma, lHucia #rLstal, uil*erme >ibeiro,Gelena 'lvare(, Gelio 0norsato, Geloísa #an)uçu de Paula,0sabela Malent, 0vete 'lvare(, 0(a #remonine,No*n ?audenber)er, Nos Salvador Sanc*es, Nuliana Nardim,Nuliano Pessan*a, Oleber da Silva,?ara #*ristina Calimpensa, ?o ?ui #avalcanti,?on Oossovitc*, ?is Gen(, ?Icia Tordin, ?uciana #arval*o,Carcos 'ntonio dos Santos, Cari "otti, Cariana Pan,Cariel asso, !ns #ervelin,Paula Francis+uetti, Peter Plbart, PriscLla CammL,>a+uel Ceirelles, >enan "uarte, >enata -uelau,>onaldo 0norsato,Sidnei #a(eto, Simone Cina, Sonia Favaretto,Tere(a Fui, Malria Can(alli,
Ka)ner Cene(es, Qos*i1o =a)a*as*i.
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0=F!>S'T!, Eri1a 'lvare(. DESO%RA&ENTO ' constelações clínicas epolíticas o com!m( Tese. 6"outorado; Pro)rama de P8s9raduação emEducação, ?in*a de Pes+uisa Filosoia e Educação, da Faculdade deEducação da Universidade de São Paulo. 9 FEUSP. São Paulo, $%&%.
RES$&O
!perar na pr8pria escrita um outro modo de pensar e a(er a clínica,liberada de suas utopias *umanistas e de suas eAi)Rncias produtivista,utilitHria e socialitarista, a proposição deste teAto. Entrelaçadas emnarrativas inventadas, a clínica a+ui abulada em seus pontos decontH)io com al)uma arte, aludida em eAperiRncias ocorridas untoaos proetos da cia teatral (ein&& e do Ateli) "xperimental 6P'#T! 7 USP; 9 coletivos constituídos por a+ueles cuas traet8rias sãomarcadas pela loucura, pela deiciRncia e4ou pela vulnerabilidade
social. ! teAto enrenta a diiculdade de di(er do +ue não pode serdito, contar o invivível de uma eAperiRncia +ue, entretanto, não podedeiAar de ser testemun*ado. 'crescenta9se a esta complicação, aur)Rncia de um cotidiano proissional, cuo ponto de partida aterapia ocupacional, +ue ao lidar com situaç3es9limite demandarespostas das +uais não se pode omitir, e +ue por isto eAi)e posiç3esarroadas para sustentar al)uma indeterminação e não decair em saídasvoluntariosas, e em seus correlatos eAercícios de poder coercitivos. 'importncia dos processos de dessubetivação visam avorecer naclínica outras sensibilidades, outra saIde, +ue não empreite a vidaal*eia, mas +ue a convide a outras eAperiRncias. Em narrativas, al)unseAperimentos são eApostos e, na tentativa de evitar encadeamentos
previsíveis e ilustrativos, adotam9se estrat)ias de abulação,maneando elementos da mem8ria de situaç3es coletivas, de modo aitar numa icção verossímil suas verdades circunstanciais. 'mi)ração de conceitos do campo da ilosoia e das artes para o mbitoda clínica e da política ocorrem por a)enciamento e ustaposição: odispositivo de Foucault e "eleu(e5 o +ual+uer de ')amben5 amultiplicidade e o acontecimento de "eleu(e e uattari5 o intelecto)eral, de Mirno5 o comum e o desobramento de -ataille, =ancL e-lanc*ot. ! comum apresenta9se em constelaç3es clínicas e políticasalçadas para acionar o vivo dos acontecimentos5 e o desobramento o pressentimento de uma outra tica, +ue não a( obra e +ue se entrevRna clínica, em sua atuação proissional e em suas modulaç3es na
escritura.
#ALAVRAS')*AVES+ clínica5 terapia ocupacional5 educação5comum, desobramento.
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0=F!>S'T!, Eri1a 'lvare(. $N,ORKIN- . Desoeuvrement / 0 clinicalan political constellations o1 t2e common( 6T*esis; Post9raduationPro)ram in Education, P*ilosop*L and Education >esearc* ?ine o t*eSc*ool o Education o t*e UniversitL o São Paulo. 9 FEUSP. São Paulo,$%&%.
A%STRA)T
!peratin) in t*e verL ritin) anot*er aL o t*in1in) and or1in) t*eclinic, ree rom its *umanitarian utopias and rom its productive,utilitarian and socialistic re+uirements is t*e proposition o t*is teAt.0nteroven in invented narratives, t*e clinic comes up *ere as ablesin t*eir points o conta)ion it* some art mentioned in eAperiencesoccurred in t*e proects o t*e (ein&& theatre group and o t*e
"xperimental *tudio 6P'#T! 7 USP; 7 collectives constituted bLt*ose *ose traectories *ave been mar1ed bL madness, bL deiciencL
and4or social vulnerabilitL. T*e teAt aces t*e diicultL o saLin) *ats*ould not be said, tellin) t*e unlivable o an eAperience *ic*,*oever, cannot *elp bein) itnessed. To t*is complication t*eur)encL o a proessional dailL lie is added, *ose startin) point isoccupational t*erapL *ic* *en dealin) it* limit situationsdemands ansers *ic* one cannot omit, and *ic*, due to t*at,re+uire darin) stances to support some indetermination and not to )oor anL easL aL9out based on ones ill, and in t*eir correlatedeAercises o coercive poer. T*e importance o t*e de9subectivation processes tar)et on avorin) in t*e clinic ot*er sensibilities, ot*er*ealt*, *ic* do not prL into ot*er peopleVs lie, but *ic* invites it toot*er eAperiences. 0n narratives, some eAperiments are eAposed and, inan attempt to avoid predictable and illustrative enc*ainin), strate)ieso tellin) ables are adopted, *andlin) elements o t*e memorL ocollective situations in order to see in a verisimilar iction t*eircircumstantial trut*s. T*e mi)ration o concepts o t*e ield o p*ilosop*L and o t*e arts to t*e ambit o t*e clinic and politics ta1es place bL assembla)e and uAtaposition: "eleu(e and Foucault device5')amben anLone5 "eleu(e and uattari multiplicitL and occurrence5Mirno )eneral intellect5 -ataille, =ancL and -lanc*ot common anddesoeuvrement . T*e common comes up in clinical and politicalconstellations raised to activate t*e alive in t*e occurrences5 anddesoeuvrement is t*e presentiment o ne et*ics *ic* does not do
anL or1 and rom *ic* e can *ave a )limpse in t*e clinic, in its proessional perormance and its modulations in t*e scripture.
KE3 ,ORDS+ clinic, occupational t*erapL5 education5 common,desoeuvrement .
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BSUCÁ>0!D
0=T>!"UWX! p. &/
Apresentaç4o e !ma s!per1ície por 5ir
P?'=! "E #!=S0STY=#0' p.
#lissa6ens e 1iss!ras o 7!al7!er
"0SP!S0WX! p. Z
Fa8er com!niae+ escre5er9
E[PE>0CE=T!S p. /\Narrati5as+ e:peri;ncias em abismo
eAperimento 0 p. \]
)o8in2ano 6entes 0 2etero6eneiae e antropo1a6ia
eAperimento 00 p. &&]
)irc!nst 7!ano a estran2e8a ameaça tornar'se 1amiliar
eAperimento M0 p. &Z]
General Inttelect – por one ana a e1ici;ncia9
#!=#?USX!, SUSPE=SX! p. &//
Desobramento ' estrat?6ias e inter1er;ncia e oc!paç4o
P^S9TE[T! p. $%]
Escritos e o!trem
>EFE>Y=#0'S -0-?0!>ÁF0#'S p. $%/
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+ con#lito entre a escritura e a vida, redu&ido a tal simplicidade, não pode o#erecer nenhum princ$pio seguro de explicação, inclusive se explicar #or aqui
apenas o desdo%ramento de a#irmaçes que serequerem umas -s outras para por.se - prova, sem
limitar.se "screver, viver/ como poderia alguém ater. se a este en#rentamento de termos precisamente tão
mal determinados0 "screver destr1i a vida, preserva avida, exige a vida, ignora a vida, e reciprocamente
"screver não tem, #inalmente, nenhuma relação com avida, a não ser pela insegurança necess2ria que aescritura rece%e da vida, como a vida a rece%e da
escritura/ uma aus)ncia de relação que tal escritura,enquanto se re3ne nela, ao dispensar.se nela, não
concorda nunca consigo mesma, somente com a outraque não é ela, que a arru$na, ou pior, a pertur%a4
56amitié, Caurice -lanc*ot
_ Tradução nossa
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B0=T>!"UWX!D
7ote !`uanto ao motivo +ue me impulsionou oi muito simples. Para al)uns, espero,esse motivo poderH ser suiciente por ele mesmo. < a curiosidade 7 em todo o caso, aInica espcie de curiosidade +ue vale a pena ser praticada com um pouco deobstinação: não a+uela +ue procura assimilar o +ue convm con*ecer, mas a +ue
permite separar9se de si mesmo. "e +ue valeria a obstinação do saber se eleasse)urasse apenas a a+uisição dos con*ecimentos e não, de certa maneira, e tanto+uanto possível, o descamin*o da+uele +ue con*ece EAistem momentos na vida ondea +uestão de saber se se pode pensar dierentemente do +ue se pensa, e perceberdierentemente do +ue se vR, indispensHvel para continuar a ol*ar ou a reletir.Talve( me di)am +ue esses o)os consi)o mesmo tRm de permanecer nos bastidores5 e+ue no mHAimo eles a(em parte desses trabal*os de preparação +ue desaparecem porsi s8s a partir do momento em +ue produ(em seus eeitos. Cas o +ue ilosoar *oeem dia 7 +uero di(er, a atividade ilos8ica 7 senão o trabal*o crítico do pensamentosobre o pr8prio pensamento Se não consistir em tentar saber de +ue maneira e atonde seria possível pensar dierentemente em ve( de le)itimar o +ue H se sabe EAistesempre al)o de irris8rio no discurso ilos8ico +uando ele +uer, do eAterior, a(er a lei para os outros, di(er9l*es onde estH a sua verdade e de +ue maneira encontrH9la, ou+uando pretende demonstrar9se por positividade in)Rnua5 mas seu direito eAplorar o
+ue pode ser mudado, no seu pr8prio pensamento atravs do eAercício de um saber+ue l*e estran*o. ! ensaio 9 +ue necessHrio entender como eAperiRnciamodiicadora de si no o)o da verdade, e não como apropriação simpliicadora deoutrem para ins de comunicação 7 o corpo vivo da ilosoia, se, pelo menos, ela orainda *oe o +ue era outrora, ou sea, uma ascese, um eAercício de si, no pensamento. 6F!U?#'U?T, &\2, p. &;
$ma s!per1ície por 5ir
B...D a estranhe&a do que não poderia ser comum é o que #undaesta comunidade, eternamente
provis1ria e sempre j2 desertada
Caurice -lanc*ot
Escrever, transcorrer num teAto sem asse)urar9se sobre a
propriedade das palavras, apenas sobre o ato de poder di(er.
EAercer o luAo da lín)ua, ter elo+uRncia. =ão a(er obra
literHria, nem acadRmica, se+uer a(er obra. Uma proposta +ue
poderia parecer insustentHvel em se tratando do lu)ar em +ue
estH inscrita: a tese.
Sob o título 8aisagens estéticas/ experimentação e
aprendi&agem na cl$nica, em seu proeto inicial, propus um
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estudo da incidRncia de +uest3es relacionadas à aprendi(a)em e
à eAperimentação em certas situaç3es de uma clínica em
proAimidade com as artes, e ora dos parmetros *abitualmente
convencionados para elas, +uer os eApressos pelas ciRncias da
saIde 6eAame, prevenção, tratamento, reabilitação;, +uer a+ueles
da Hrea da educação 6ormação, transmissão cultural,
desenvolvimento;, +uer ainda os relativos ao campo social
6inserção, inclusão, cidadania, inte)ração;. ' pr8pria evocação
da noção de clínica, ainda +ue deslocada de sua acepção
tradicional, apresenta9se como um problema de pes+uisa, +ue
somente na operação do pr8prio termo poderH delinear seus
contornos e aproAimar9se de uma deinição, na +ual deve estar
presente a atenção às eAperiRncias de sorimento. ! tema inicial
deste estudo oi então motivado por uma suposição
eAperimental, +ue permanece ainda, de +ue *aa um co)noscível
na vida coletiva +ue prescinda dos atributos pra)mHticos de
apreensão 9 pressupostos pela tradição cientíica e distribuídos
pelo senso comum. 0sto +uer di(er +ue, numa certa coni)uração
coletiva, parecia *aver um modo de entender os acontecimentos+ue era mar)inal aos caracteres obetivos tradicionalmente
estabelecidos como condição para a a+uisição de con*ecimento
e para a solução de problemas. < um modo de apreensão aetiva
e inventiva +ue não se constitui indito do ponto de vista
cientíico&, mas +ue ao eetivar9se, mediado pela possibilidade
de se estar unto circunstancialmente, torna9se uma conectura
tica: o recon*ecimento de uma aculdade simultaneamente política e clínica na eAperiRncia comum, +ue aciona orças
sin)ulares para uma eAploração.
Uma ve( eita a escol*a pela proissão de terapeuta
ocupacional, eAerci al)umas aproAimaç3es com populaç3es em
situação de sorimento e vulnerabilidade )raves 6carHter deinido
& EAemplo disto, a importante pes+uisa desenvolvida por Mir)íniaOastrup sobre a +uestão da co)nição relacionada à invenção. 6O'ST>UP,&\\\.;
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em unção de precariedades econmicas, de deiciRncias, e4ou de
ra)ilidades mentais; reunidas prioritariamente em situaç3es
)rupais. #om o tempo, estas aproAimaç3es passaram a interro)ar
os percursos por onde a eetuação de certas eAperiRncias e de
seus entendimentos se davam. ' percepção da+uilo +ue era
vivido com elas não coincidia com as prescriç3es H eitas
6ossem as eAplicaç3es mdicas 9 prederteminadoras de
condiç3es de possibilidade 9, ossem as sociais 7 apeladoras de
direitos de cidadania pautados em re+uisiç3es tcnico9urídicas
para os denominados processos de inclusão; e isto +ue escapa a
estas coni)uraç3es convencionais o +ue interessou inda)ar.
=ão estamos nos reerindo a nen*uma ocorrRncia espetacular, ao
contrHrio, tratam9se de pistas sutis, cuo traço eAtraordinHrio estH
em sua cotidianidade temporHria, em +ue importam os
elementos u)idios, relacionados a um eAercício proissional na
clínica e às situaç3es de vida +ue dele advm: para +uem cuida e
para +uem cuidado 7 não sendo evidentemente possível iAar
estas unç3es de modo rí)ido, mas apenas tendencial,
preservadas as assimetrias correspondentes a cada um.
Estes encontros e aproAimaç3es são relevantes na medida
em +ue se inscrevem e assentam9se provisoriamente em
super#$cies. Superícies +ue interessam em seu aspecto
bidimensional +ue corrobora na recusa aos procedimentos +ue
sup3em proundidade, ou interioridade psicol8)ica, ou ainda
identidades undadas, e com este indeerimento assume +ue em
cada acontecimento o que acontece se d2 #ora, entre os
elementos +ue o constituem, o atravessam e nele operam.
Trabal*ar com as superícies nos permite privile)iar os
desli(amentos e luAos nos +uais podemos escoar e transcorrer
as narrativas destes acontecimentos, pela ustaposição de suas
i)uras e pelo não9lu)ar 6isto +ue estamos c*amando #ora; +ue,
com ale)ria, ocupam. "ierente de alta de lu)ar, ocupar o não9
lu)ar acentua o entendimento de +ue todos os lu)ares instituídos
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da política estão alidos, +ue o social onde se pretende incluir
a todos racassou, e +ue a estrat)ia de ocupação epis8dica do
mundo um possível interessante, +ue não abrica novos
lu)ares, mas discorre pelas superícies, ocupando sem aloar9se
deinitivamente a prousão de territ8rios eAistentes e em
mutação: estado, cidade, domínio, instituição, seita, )rupo, il*a,
e+uipe, sindicato, proeto social, escola, política cultural,
e+uipamento de saIde etc. #om eeito, de passa)ens e
travessias +ue se a(em estas ocupaç3es e nelas diicilmente
ocorrem *armonias ou coeAistRncias concordantes, este
aloamento provis8rio dispara muito mais as in+uietudes,
perturbaç3es, an)Istias, orças e vitalidades. E o deseo de
pertencer a esta ocupação instHvel, a esta plataorma ocasional,
uma atração ambí)ua e tRnue: uns vem, outros vão. Espera9se
nada, espera9se tudo, sem saber ao certo o +ue isto si)niica. E
*H muitos va(ios e pausas, reuni3es descontínuas, nen*uma
promessa de preenc*imento, nen*uma )arantia de continuidade.
. " quando aca%ar0
. A gente sempre vai se encontrar aqui0 +nde0
. A semana que vem tem0 9o mesmo lugar0 9a mesma hora0
. :odo mundo vai continuar vindo0
. Como eu vou con#iar em voc) se voc) um dia não vai estar
mais comigo0
. uando voltamos a nos encontrar0
. 7as quem não vai vir0
'o ele)er a airmação desta eemeridade como modo de
operar e de pensar interessado nas passa)ens e nos elementos
provis8rios +ue constituem estes encontros, certamente não se
descomplica o carHter deles, entretanto evita9se sua
simpliicação, dando a ver o +ue neles pode avorecer à+uilo +ue
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se pode c*amar comum e +ue en)endra uma *istoricidade, +ue
s8 pode contar com o +ue estH sendo, com o presente, atento ao
compromisso da+uele instante, +ue não o torna antecessor nem
sucessor de nen*um outro, mas +ue se inscreve numa superície:
eAterioridade sem pressupostos, sem base, sem undamentos.
#om isto, possível enumerar um outro complicador,
+ue decorre deste modo de a(er e dispor a )eo)raia das
aproAimaç3es nesta clínica não convencional a saber, a
precariedade de serviços e recursos oerecidos no mbito da
saIde e da educação pIblica. Precariedade, no +ue tan)e a sua
acessibilidade material 6va)as para atendimento; e4ou
substancial 6relevncia e sustentabilidade das propostas;, e +ue
torna compuls8ria a pasteuri(ação de pro)ramas +ue à menor
dierença +ue +ueiram implantar são ac*atados pela ideia
totali(adora de #altar o %2sico Tomado por undamento
universal, sobre este bHsico tudo deve eri)ir9se e, portanto, dele
tudo mais deve proceder. En+uanto este %2sico não estiver
idealmente or)ani(ado e uncionante 6res+uício retardado da
sociedade do bem9estar social e dos re)imes disciplinares;, as
propostas +ue assumam outras direç3es, ora das instituiç3es
ormais, vRem9se numa atadura em +ue acabam por inviabili(ar9
se ou permanecer em posiç3es secundHrias, +uase suprluas:
perumaria. =a prHtica, no cotidiano das relaç3es proissionais,
sea no campo da saIde ou da educação, isto acentua políticas
dicotomi(adas, despre(os e anulaç3es de eAercícios de derivação
taAados como descomprometidos com a )ravidade da situação
social, tomada em sua pressuposta universalidade.
Fre+uentemente, ocorre a adesão destes proetos
acess8rios 6+ue são muitos; a preceitos de inserção social tais
como o trabal*o ou a cultura, o +ue os recoloca numa traet8ria
alin*ada +ue, na mesma medida em +ue os prote)e, desmonta
)rande parte de sua potRncia de di)ressão.
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Para evitar esta adesão inepta, *H ainda a+ueles +ue
lançam mão de uma espcie de camula)em, disarces para
eetivar sua orça dissonante, cuo prop8sito não nada senão
desviar9se de eri)ir princípios e buscar apenas modos de
convivialidade e ruição do viver, no sentido de poder a(er
mel*or uso da vida, vivR9la. Por isto, estes proetos desviantes
não estariam, a priori, atrelados a nen*uma instncia de
produção social, e s8 o a(em em nome de uma mínima
sobrevivRncia prHtica5 travestidos, eles acabam por contribuir
indiretamente 6uma ve( +ue isto não estH no rol de nen*uma
intencionalidade;, com o tensionamento dos campos, pelo
desencaiAe +ue, mesmo contraeitos, provocam.
#ontudo, *H +ue se ressaltar +ue não oco deste estudo a(er
obeç3es a +uais+uer estados *e)emnicos de coisas, menos
ainda estabelecer as ordens de orça dos desvios e das ades3es.
Entretanto, em meio à tentativa de apresentação e airmação de
outros a)enciamentos 9 impermanentes, denominados
provisoriamente para eeito de inscrição de seus eventos 9,
possível +ue ocorram al)uns conrontos no pensamento. ?on)e
de se avultarem como indícios de +ual+uer conormação ideal,
as constelaç3es +ue a+ui se mostrarão na orma de narrativas
buscam enunciar posiç3es, índices de locali(ação +ue devem
tornar evidente sua dierença e podem por isto ser
potenciali(adores de uma vitalidade aos universos da clínica e
da política.
Cuitos são os movimentos com propostas +ue tentam
irmar9se na +ualidade de novas insí)nias 7 de reorma ou
renovação 9, ormas de poder em busca de recon*ecimento
institucional. Para pensar estes movimentos, vale à pena evocar,
conorme a acepção empre)ada por ')amben, o constante
estado de exceção em +ue nos encontramos atualmente, diante
do +ual resta9nos eAperimentar uma )rande impotRncia e buscar
por outros modos da política +ue nos retirem desta imobilidade.
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Miver no estado de eAceção transormado em re)rasi)niicou tambm +ue nosso corpo biol8)ico privado setornou indistin)uível de nosso corpo político5 +ueeAperiRncias +ue antes se di(iam políticas ossem, de c*ore,coninadas a nosso corpo biol8)ico e eAperiRncias privadasse apresentassem, repentinamente, ora de n8s, como corpo
político. Tivemos +ue nos *abituar a pensar e a escrevernessa conusão entre corpos e lu)ares, entre eAterno einterno, entre a+uilo +ue mudo e a+uilo +ue tem vo(, entreo +ue escravo e o +ue livre, entre o +ue necessidade e o+ue deseo. 6''C-E=, &\\\;
#ientes ou não da precariedade de suas intenç3es, e do risco de
recair sob novas ormas do mesmo 6de soberania, estado de
direitos, princípios de cidadania 9 sobretudo no mbito das
políticas pIblicas;, estas insí)nias acilmente tornam9se
emblemHticas e deparam9se com seu eeito avesso: ditadura do
para todos. semel*ança da operação totalitHria, com maior ou
menor pre)nncia, estas propostas se apresentam como ormas
substitutivas das atuais, atribuindo9se um status de superioridade
e pro)resso em relação ao passado, a)uardando enaltecimento e
le)itimação condescendente. Cesmo en+uanto novidade, cada
uma destas propostas +uer dispor9se como modelo, e prosse)ueimpedindo, do mesmo modo +ue a+ueles +ue as precederam, a
prolieração e eetuação de outras ormas, suocando vitais
movimentos trans)ressivos. =ada mais esclerosante +ue o
espírito de deerRncia. 6"U-UFFET, &\Z, p. &$; Estas propostas
não são de início despre(íveis, ao contrHrio, a maioria delas
)uarda consi)o pontos de partida revolucionHrios, eAperiRncias
de RAito e relevncia para a vida de muitas pessoas, e umamilitncia cua intenção proclamada estH preocupada com a
+uestão de )arantir a todos uma eAistRncia política e opor9se aos
uncionamentos preponderantes. Entretanto, na medida em +ue
pretendem responder universalmente a esta +uestão, inscrita na
esera do direito, tornam9se autoritHrias: operam por ideolo)ias e
palavras de ordem5 imp3em o uncionamento democrHtico5
endurecem com os desvios como se para )arantir a radicalidade
de sua proposição s8 restasse en)lobar ou destituir +ual+uer
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outra proposição. Esta relação entre democracia e totalitarismo
surpreende em sua aparente contradição, mas tem sido eAplorada
de modo a veriicar sua conti)uidade.
< como se, a partir de um certo ponto, todo evento políticodecisivo tivesse sempre uma dupla ace: os espaços, asliberdades e os direitos +ue os indivíduos ad+uirem no seuconlito com os poderes centrais simultaneamente preparam,a cada ve(, uma tHcita porm crescente inscrição de suasvidas na ordem estatal, oerecendo assim uma nova e maistemível instncia ao poder soberano do +ual deseariamliberar9se. 6''C-E=, $%%$a, p.&$/;
! risco desta adacRncia da reivindicação democrHtica e
da instauração de estados totalitHrios uma +uestão tico9esttica, no sentido em +ue em sua orma +ue as lutas políticas
conundem9se e se endurecem ao mi)rar de uma caracteri(ação
aberta de reivindicação da vida como obeto político, para uma
i)uração restrita de airmação de direitos como obeto urídico.
0sto não as invalida, mas as despotenciali(a para a deesa da vida
em seu potencial bio9político, e pode, num sobressalto, inverter
seus prop8sitos e tornar9se mais um elemento de controle e poder sobre a vida, prescrevendo leis e re)ramentos, insistindo
em restauros e reormas de sua suposta proposição ori)inal. Em
9otas so%re a pol$tica, ior)io ')amben ormula uma +uestão9
c*ave para nosso tempo: #omo uma política ,+ue sea unicamente
voltada à completa ruição da vida, possível nesse mundo
6''C-E=, $%%$b, p. &$Z;. Talve( esta inda)ação sea um crivo
importante para analisar os luAos de nossas atuais proposiç3es
políticas.
"o ponto de vista das artes, a paisa)em coincidente, na
medida em +ue, indo o momento das van)uardas e suas
eAi)Rncias de novidade e ruptura, o +ue vi)ora a
indeterminação +ue necessita inventar suas re)ras e cate)orias
sin)ulares de modo a deinir9se a cada caso 6F'M'>ETT!, $%%, p.
&];, o +ue consonante ao procedimento clínico. ! +ue predomina em sua eAistRncia são as surpresas e incerte(as não
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sendo possível, portanto, a seus prop8sitos, direcionarem9se a
uma transormação da vida.
'ssim, a arte, de um lado, va)a entre deseos de restauraçãode proetos e operaç3es +ue outrora tiveram sentido,
res)atando, como se di(, a possibilidade de articulaçãoentre criação e crítica. !u então, por outro lado, dedica9se arecodiicar, reiterar e eventuar. '+ui e ali surpresasacontecem: um tensionamento de si)nos da eAperiRncia, umareinterpretação +ue vira um modo indito de enunciar, umareinscrição do simb8lico onde s8 *avia repetição, um neAosurpreendente de sensibilidade e pensamento +ue interereno circuito da ra(ão comunicativa, repropondo a arte comsentido de intervenção cultural. São esses lampeos, essesacontecimentos +ue airmam a potRncia do puro viver5 pois disto +ue se trata *oe na arte: reinventar a arte de viver.6F'M'>ETT!, $%%, p.&];
"iante destas circunstncias *ist8ricas e )eo)rHicas,
para pensar em acontecimentos coletivos, evitando decair sobre
socialitarismos e pe+uenos ascismos inovacionistas,
desa(endo9se do alin*amento dicotmico indivíduo9sociedade e
de outros +ue o acompan*am +ue pretendem naturali(ar
obetiicaç3es *ist8ricas. !s elementos do pensamento precisam,
então, )uiar9se por re)istros +ue ultrapassassem estas divis3es
estan+ues 9 obras eitas em nome da ra(ão e do conecturado
bem al*eio +ue sua promessa. Seria como uma mudança no
curso deste leito, desta superície onde se assentam os lastros do
pensamento e de suas operaç3es, para evitar as ediicaç3es,
escapar a a(er obra, deiAar o canteiro aberto ou apenas
provisoriamente ocupado, e disparar o uncionamento dos
elementos por travessias, por penetraç3es recíprocas e
intermitentes, não mais por oposiç3es. ' ausRncia de obra uma
airmação. =ão se trata de ne)ar a obra ou de propor sua
destruição, a ausRncia de obra uma deterioração precedente à
obra, inevitHvel e dissidente dela, a relação com sua alteridade,
com o outro da obra. "uplos, triplos, mIltiplos sueitos4animais4
coisas +ue não se opon*am, +ue não disputem um mesmo
espaço e uncionem por aproAimaç3es e distncias. Para tanto,
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tomar o coletivo en+uanto encontro pontual para onde
conver)em as sin)ularidades, deiAa aberto o trnsito para o
pensamento, desviando9se de absoluti(aç3es e eetuando
relaç3es. Sob noç3es de ri(oma, socius, rede, etc, em estudo,
Esc8ssia e Oastrup apresentam o conceito de coletivo
distin)uindo9o do social, reeitando a noção de sociedade como
conunto de indivíduos e incluindo nela a ininidade de outros
elementos não9*umanos +ue a comp3em em a)enciamento.
' noção de rede contribui de modo especial para aultrapassa)em da tensão +ue sempre eAiste entre o nívelindividual e social de enmenos como a co)nição, aemoção ou a ação. Sua novidade di( respeito a dois pontos
principais. ! primeiro abrir mão do problema da ori)em,em proveito da +uestão da distribuição ou disseminação +uecaracteri(a o processo de en)endramento dos seres. !se)undo renunciar à )rande separação estabelecida entre*umanos e não9*umanos, re+fentemente utili(ada paraeAplicar a constituição do psi+uismo ou do social. #om basena sociolo)ia das ciRncias e das tcnicas, especialmente nostrabal*os desenvolvidos por -runo ?atour 6&\\2;, mastambm por outros autores como Cic*el #allon e No*n ?a6&\\/;, o coletivo pode ser entendido como rede social,desde +ue se )aranta o princípio da *etero)eneidade dosocial, assim como de toda e +ual+uer entidade, sea ela um
indivíduo, uma comunidade, um teAto ou um obeto tcnico.
B...D < a mesma idia apresentada por uattari 6&\\$; +uandoairma +ue o coletivo deve ser entendido gno sentido de umamultiplicidade +ue se desenvolve para alm do indivíduo, unto ao socius, assim como a+um da pessoa, unto aintensidades pr9verbais, derivando de uma l8)ica dos aetosmais do +ue de uma l8)ica de conuntos bem circunscritosg."esaparece a e+uivalRncia entre coletivo e conunto ousomat8rio de pessoas. ! coletivo impessoal, plano de co9en)endramento dos indivíduos e da sociedade. 6ES#!SS0'5O'ST>UP, $%%];
Para acrescentar9se a esta traet8ria conceitual e
operat8ria, a noção de comum evoca9se a+ui, consonante a esta
conceituação do coletivo, como um elemento intercessor para
um outro modo de proceder enunciaç3es. Ela assume um lu)ar
central neste estudo e serH eAaminada à lu( de teAtos cuos
autores adentraram a +uestão do comum por dierentes
perspectivas +ue, conver)indo em certos pontos, tRm
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substanciali(ado esta ideia, avorecendo seu uso para inda)ar e
airmar al)umas eAperiRncias coletivas.
0nevitHvel no processo deste escrito, ao reali(ar
aproAimaç3es de noç3es como as de eAperimentação e deapreensão na multiplicidade, no coletivo, ustapor as
eAperiRncias de convivialidade, a constituição de um comum e a
impossibilidade da obra, ou ainda, uma deseada ausRncia de
obra como uma outra saída para a clínica. < este, então, o
conunto +ue constitui a superície de desli(amento prioritHria da
escrita deste trabal*o. #om o processo de acabamento, ou
mel*or, de evolução e suspensão da escrita, outras ormulaç3es
se i(eram, a im de apresentar esta superície de inscrição, at
c*e)ar à+uela +ue pareceu mel*or conver)ir ao +ue se tratava, e
+ue então a+uilo +ue a intitula: "esobramento: constelaç3es
clínicas e políticas para o comum.
Sob esta enunciação concentra9se então este escrito, +ue
pretende deiAar vir, de al)uns dos inusitados encontros desta
clínica, políticas +ue pautem distncias avorHveis para se estar unto, em comum. Um pathos conver)ente à+uele do Caio de
Z, em +ue uma convocação sIbita, impelia os corpos a estarem
untos, sem preparação ou tlos, movidos pelo deseo de uma
interrupção indeterminada, vontade de acontecimento.
Presença inocente, comum presença 6>en #*ar;, +uei)nora seus limites, política pela recusa de eAcluir o +ue +uer+ue sea e pela consciRncia de ser, tal +ual, o imediato9universal, com o impossível como Inico desaio, mas semvontades políticas determinadas e, assim, à merce de+ual+uer sobressalto das instituiç3es ormais, contra as +uaisnos interditHvamos rea)ir. < esta ausRncia de reação6=iet(sc*e poderia passar por seu inspirador; +ue permitiu+ue se desenvolvesse a maniestação adversa, +ue teria sidoHcil impedir ou combater. Tudo era aceito. 'impossibilidade de recon*ecer um inimi)o, de levar emconta uma orma particular de adversidade, isto viviicava,mas precipitava ao desenlace +ue, de resto, não tin*anecessidade de nada desenlaçar, desde o momento em +ue oacontecimento ocorrera.$ 6-?'=#G!T, &\, p. ]92.;
$ Trad livre do trec*o em rancRs: B...D Prsence innocent, hhcommune prsence 6>en #*ar;, i)norant ses limites, politi+ue par le reus de
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TeAto principal nesta eAploração, A comunidade
incon#ess2vel 6&\; B 5a communauté inavoua%leD de Caurice
-lanc*ot, versa de um modo potico sobre +uest3es comuns às+ue se +uer a+ui, e por isto ele acompan*arH todo o desenrolar
do escrito como uma compan*ia de intensiicação, um item de
auda para elevar em )raus o pensamento, a(endo as ve(es do
+ue poderíamos denominar um dispositivo clínico: +ue
estabelece relaç3es, a( uncionar, disp3e, acrescenta e subtrai,
operacionali(a, enim, elementos, potenciali(ando suas anHlises
e suas intervenç3es 9 +ue são seu carHter beneitor e, do mesmo
modo, autoritHrio 9 risco +ue pretendo correr, com as prudRncias
necessHrias e possíveis.
=a apresentação constitutiva desta superície de
complicaç3es, o movimento do teAto encamin*a9se no sentido
de um revolvimento de camadas de lembrança e invenção, numa
ar+ueolo)ia em +ue os estratos não disp3em seus elementos de
modo cronol8)ico, se+uencial, mas por ac*ados +ue consumamseus alin*amentos conorme seu aparecimento. 0sto resulta em
combinaç3es dessemel*antes, +ue nem sempre podem eAplicar9
se, nem comprovar9se, mas +ue buscamos tornar
compreensíveis, construindo com seus usos seus pr8prios modos
de eAplicitação. Por+ue o +ue a+ui se escreve não pode e não
pretende eAplicar o vivido, não trata de uma transposição do tipo
da vida ao teAto, ou jcoleta e anHlise de dadosj, ou jestudo de
casoj 9 estrat)ias de enunciação reeridas à produção de verdade
acadRmico9cientíica. '+ui o dispositivo simplesmente o
ne rien eAclure et la conscience dRtre, telle +uelle, limmdiat9universel, avec limpossible comme seul di, mais sans volonts
politi+ues dtermines et, ainsi, à la merci de nimporte +uel sursaut desinstitutions ormelles contre les+uelles on sinterdisait de ra)ir. #estcette absence de raction 6=iet(sc*e pouvait passer pour en Rtre linspirateur; +ui laissa se dvelopper la maniestation adverse +uil ekt tacile dRmpec*er ou de combattre. Tout tait accept. ?impossibilit derecconnatre un ennemi, dinscrire en compte une orme particulire dadversit, cela viviiait, mais prcipitait vers le dnouement, +ui, au reste,navait besoin de rien dnouer, ds lors +ue lvnement avait eu lieu.
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escrever, escrever pelo +ue o vivido impele de deseo e
necessidade de di(er5 buscar outras eAperiRncias de intensidade
atravs da narrativa, para compartil*ar eventualmente al)o +ue
encontra9se no domínio das sensaç3es, dos re)imes de
sensibilidade não enunciHveis: sua alteridade.
Pensar a partir da escrita de eAperiRncias com as +uais se
esteve envolvido, a clínica do clínico, não permite um lu)ar de
neutralidade, de observação assptica. ' unção proissional não
isola nin)um de seu entorno, e nen*um patamar de
eAterioridade ica )arantido pela posição oicial +ue se ocupa.
Este distanciamento s8 pode ser abricado 7 para o bem e para o
mal: sea isentar9se das aecç3es, sea pensH9las, dierenciH9las.
Uma ve( produto de uma invenção, esta distncia evoca uma
outra eAperiRncia, +ue serH ormulada em enunciados, e +ue
recon*ece a impossibilidade de enunciar como testemun*a,
sobrevivente de um acontecimento +ue se +uer narrar. ' este
respeito, reporta Neannne Carie a)nebin, em preHcio à
publicação brasileira do livro de ior)io ')amben, + que resta
de Ausch
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rastro do pensamento de escritores +ue de distintos modos tocam
a +uestão.
Em ')amben encontramos a ormulação:
' eAperiRncia +ue estH a+ui em +uestão não tem nen*umconteIdo obetivo, e não ormulHvel em proposiç3es sobreum estado de coisas ou uma situação *ist8rica. Ela nada tema ver com um jestadoj, mas com um evento de lin)ua)em,ela não concerne a tal ou tal )ramHtica, mas, por assim di(er,ao actum lo+uendi como tal. Ela deve ser concebida comouma eAperiRncia concernente à matria mesma ou à potRnciado pensamento 6em termos spino(anos, uma eAperiRncia de potentia intellectus, sive de libertate;. 6$%%$b, p. &$;
"e outro modo, em -lanc*ot se enuncia:
Escrever produ(ir a ausRncia de obra 6a desconstrução daobra;. Pode tambm di(er9se +ue escrever a ausRncia daobra tal como ela se produ( atravs da obra e atravessando9a.Escrever como desconstrução da obra 6no sentido ativo desta palavra; o o)o insensato, o acaso entre ra(ão e desra(ão.
6&\/, p. $/;
E, ainda, numa carta, em 'rtaud se revela:
Estreei na literatura escrevendo livros para di(er +ue não podia escrever nada. Ceu pensamento, +uando eu tin*a al)oa escrever, era o +ue mais me altava. B...D =unca escrevi
senão para di(er +ue amais i( nada, +ue nada poderia a(ere +ue, ao a(er al)uma coisa, na realidade eu não a(ia nada.Toda a min*a obra oi construída, e s8 poderia sR9lo, sobre onada B...D 6apud -?'=#G!T, $%%&, p. ]&;
Em )eral, nas pes+uisas relacionadas às eAperiRncias na
clínica, *abitualmente veriica9se +ue o autor4pes+uisador
c*amado a uma responsabilidade dita tica para com seus
parceiros de proissão. #om eeito, esta responsabili(ação
desvela9se muito mais como uma +uestão corporativa, H +ue
mesmo nas vers3es mais )enerosas 9 de transmissão e partil*a de
um *ipottico saber 9, em )eral, estas pes+uisas, in)enuamente
ou não, estão a serviço de consolidaç3es acadRmicas e do
Trad. livre do trec*o: Escribir es producir la ausencia de obra 6ladesconstrucci8n de la obra;. Puede tambin decirse +ue escribir es laausencia de obra tal como ella se produce a travs de la obra LatravesHndola. Escribir como desconstrucci8n de la obra 6en el sentidoactivo de esta palabra; es el ue)o insensato, el a(ar entre ra(8n Lsinra(8n.
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mercado de trabal*o especiali(ado e diversiicado. 'o modo
deste estudo, recon*ecer e sustentar uma condição de
impossibilidade na escrita estH, portanto, pautado num
procedimento tico, de alteridade.
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BP?'=! "E #!=S0STY=#0'D
=o%ras !! plano de consistRncia ou de composição 6planmeno; se op3e ao plano deor)ani(ação e de desenvolvimento. ' or)ani(ação e o desenvolvimento di(emrespeito à orma e à substncia: ao mesmo tempo desenvolvimento da orma eormação de substncia ou de sueito. Cas o plano de consistRncia i)nora a substnciae a orma: as *ecceidades, +ue se inscrevem nesse plano, são precisamente modos deindividuação +ue não procedem pela orma nem pelo sueito. ! plano consiste,abstratamente mas de modo real, nas relaç3es de velocidade e lentidão entreelementos não ormados, e nas de composiç3es de aectos intensivos correspondentes6lon)itude e latitude no plano;. =um se)undo sentido, a consistRncia reIneconcretamente os *etero)Rneos, os disparates en+uanto tais: )arante a consolidaçãodos conuntos va)os, isto , das multiplicidades do tipo ri(oma. #om eeito, procedendo por consolidação, a consistRncia necessariamente a)e no meio, pelo meio,e se op3e a todo plano de princípio ou de inalidade. 6"E?EUE5 U'TT'>0,&\\/b, p. $$$;
#lissa6ens e 1iss!ras o 7!al7!er
Cada tempo de ver%o tem um sentido diverso > disse 9eville . "xiste ordem neste mundo; h2distinçes, h2 di#erenças nestemundo, em cuja margem caminho
8ois isto é apenas um começoMir)ínia Kool
=esta ve&, ele estava estendido so%re cacos de vidro =igo ele, porque em%ora seu #ormato e certas determinaçes
pudessem esta%elecer tratar.se do g)nero #eminino, o que
prevalecia ali era anterior ou posterior era um corpo
=eitado so%re pedaços simetricamente cortados em pequenos
ret?ngulos/ vidros . jateados, espelhados, esverdeados e
transparentes . aquele corpo convulsionava 8or ve&es
ininterruptamente, acompanhando uma seq@)ncia sonoracontundente, sucessão de tiros, disparos su%seq@entes " então
os disparos seguiam e o corpo se cansava, parava +s olhos,
sempre a%ertos, compunham um rosto inexpressivo (ma
l?mpada #os#orescente %aixada do teto punha.se a aumentar sua
intensidade e a%ria clares/ %rancos que interrogavam o corpo
" ele nada respondia *equer sentia.se convocado (m corpo
que desistiu de nada =e quando em quando, dois holo#otes
acendiam.se e cru&avam o espaço, numa espécie de ronda
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i%ravam todo o espaço outras sonoridades além da dos cacos
que estalavam a cada convulsão daquele corpo i%ravam
sonoridades plenas, espécies de sinos graves, containeres em
percussão, ouvidos pelo seu interior 7inutos e segundos
transcorriam com certos sinais que marcavam sua passagem
(ma experimentaçãoB com o tempo através do corpo se dava
ali 7ais uma > não menos importante ., num universo
contempor?neo de muitas experimentaçes que exigem o corpo
como suporte de uma arte que quer acontecer em estreita
relação com a transitoriedade do tempo *u%itamente, aquele
corpo se levanta e permanece sentado num %anco pr1ximo ao
monte de cacos Im1vel, nele não h2 espera alguma, quiç2
nenhum desejo tam%ém 7ais um movimento a%rupto e ele se
pe em pé "reto, #inca.se com os dedos e a planta no chão e
segue em sucessivas desarticulaçes que instauram um estado
de desequil$%rio vertiginoso e paradoxalmente est2vel até que
se retira da sala 8ossi%ilidade de aplauso não havia 9ão
houve espet2culo + que restou #oi um va&io sem assom%ro +
que tinha que ser #eito, parecia ter sido #eito 9ada deacro%acias, nada de sentimentos espremidos de uma suposta
interioridade, nada de per#ecti%ilidade técnica 9ada " todos
os outros corpos presentes, pouco a pouco, se retiraram dali
onde, de algum modo, estiveram em comum
Talve( o corpo osse o mel*or elemento de reerRncia
para desi)nar cada quem deste escrito: corpo de um, corpo de
dois, de trRs, corpos de al)uns e de muitos, dispostos em
conunto para uma situação. #orpo 9 lu)ar onde al)o se reali(a e
2 Disposições Transitórias ou Pequenas Mortes> concepção, direção e perormance de Mera Sala, em carta( de %$4%Z a %4%/ de $%%/ naUnidade Provis8ria do SES# 'venida Paulista. Se)undo o teAto domaterial de divul)ação, o espetHculo investi)a a ideia de rastros, da+uilo+ue nos ornece indícios dos procedimentos vivenciados no corpo, e decomo esses vestí)ios, ao serem redimensionados, promovem novasleituras e novas coneA3es nesse corpo. ' proposta do evento seria entãopensar o corpo em movimento como variaç3es de coni)uraç3es deestados corporais B...D.
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no +ual o *omem apreende sua initude indeterminada. Sea o
corpo uma )rande(a a+ui adotada, as operaç3es se dão então ao
acompan*H9lo em seus desiles, em sua prontidão para
travessias, percursos sem inalidade senão a do pr8prio poder
percorrer, tomado como um sinal vital, tal +ual na medicina:
TP>P 6temperatura, pressão, respiração e pulso;, mais a dor...
Sinais +ue indicam +ue se estH vivo. #ontados, descritos e
inventados, a partir de eAperiRncias coletivas, lembradas tanto
+uanto es+uecidas, em corpos, muitos persona)ens9
prota)onistas emer)em neste teAto, e as distncias, entre suas
supostas realidades de partida e suas presenças iccionadas nas
narrativas em +ue a+ui aparecem, pouco poderão discriminar9se,
restando ao leitor uma espcie de suspensa, uma coniança no
+ue pode *aver de importante nesta (ona de indeterminação
verossímil, +ue não evoca nem desden*a da verdade, mas +ue a
sup3e em microapariç3es, em sutile(as.
Para escrever com estas distncias, a estrat)ia pensar
as i)uras e apresentH9las no mbito de sua eventualidade
comum, na+uilo +ue as alin*a temporariamente. MHrias
narrativas se mostram em eAperimentos e, em todas elas, de
al)um modo, sea num tempo, num espaço, num proeto e4ou
num a(er, *H corpos em coeAistRncia.
' partir desta sincronia, esta condição eRmera de se
estar em comum, interessa pensar cada um, cada quem, tomado
como o qualquer proposto por ')amben en+uanto o ser tal +ue,
sea +ual sea, ele importa 6''C-E=, $%%Z, p. &&;] 9 o ser tal +ue
de todo modo ele importe.
Furtiva e aparentemente contradit8ria, esta enunciação de
')amben, à primeira vista, conronta uma posição de
indierença B+ual+uerD e uma outra de distinção B+ue importeD, o
] =a se+uRncia deste trec*o ')amben comenta: ' tradução *abitual nosentido de não importa +ual, indierentemente desde lo)o correta, masormalmente di( usto o contrHrio do latim: quodli%et ens não o ser,não importa +ual, senão o ser tal +ue, sea +ual sea, importa B...D.
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+ue a tornaria insustentHvel. Entretanto, numa outra leitura,
entrevR9se nesta ormulação a aposta numa espcie de
impessoalidade como elemento de dierenciação vital e
suiciente, eAplicitada +uando a sin)ularidade renuncia ao also
dilema +ue depreende o con*ecimento a escol*er entre o ineHvel do
indivíduo e a inteli)ibilidade do universal. =esta acepção, o
qualquer prescinde das +ualiicaç3es e especiicidades para
determinar sua importncia. Este qualquer mi)ra seu
entendimento para o +ual+uer um, +ue seria um outro modo, não
*omo)enei(ante e dierenciante, de di(er +ue são jtodosj, cada
um sin)ularmente, sem depender de propriedades ordinHrias ou
eAtraordinHrias: ser +ual+uer um seria então suiciente para ser
importante.
B...D se verdade +ue o ser +ual+uer tem sempre um carHter potencial, ele i)ualmente al)um +ue não tem potRncia detal ou tal ato especíico5 ele não mais, portanto,simplesmente incapa(, privado de potRncia, nem mesmocapa( de +ual+uer coisa indierentemente, todo9poderoso: propriamente, +ual+uer o ser +ue pode não ser, +ue podesua pr8pria impotRncia. 6''C-E=, $%%Z, p. ];
Entre a potRncia do nada e a do super, entre poder ser e
i)ualmente poder não ser, estaria a sin)ularidade qualquer e, em
conunto, os +uais+uer. `uais+uer, num intervalo, num espaço
va)o +ue +uando em coneAão podem ma+uinar um evento: al)o
si)niicativo, de diícil eAplicitação, ustamente por tratar9se de
uma aísca sIbita, uma constelação inesperada de *etero)Rneos
não sabidos de antemão, invisíveis à manipulação voluntHria.Estão provavelmente na condição paradoAal de abulia e
prontidão, à espreita tanto para o ani+uilamento +uanto para a
eetuação vital, raramente previsíveis.
Cuita ve(, )estos e atitudes +ue se inscrevem num
universo de combinat8rias com elementos banais apresentam
uma vitalidade u)idia ausente em outros mundos em +ue se
reInem elementos muito diversiicados e não se opera com eles
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nen*uma combinação eetiva, deiAando9os alin*ados sem
contato, sem li)ação. =este caso, a diversidade corresponde
apenas à eAi)Rncia de apresentar características visíveis tomadas
como dierença, entretanto esta multiplicação de traços
identiicat8rios não se a)enciam e mantm9se em conuntos
orados, +ue diicilmente alcançam uma eAistRncia comum. <
uma espcie de imprio do Um, em +ue o mIltiplo sur)e apenas
como seu contraponto. =o discurso mais corrente vR9se:
mIltiplas raças, mIltiplas opç3es seAuais, mIltiplas condiç3es
ísicas, tudo desi)nado sob a insí)nia da dierença, diante da
+ual, em )eral, apenas se despertam a compaiAão e a tolerncia,
como aetos mediadores das relaç3es nestes conuntos.
! si)no da multiplicidadeZ deve então ser entendido
como uma outra concepção, capa( de desertar as relaç3es
dicotmicas do uno e do mIltiplo +ue pautam mudanças
espaciais +ue não coni)uram via)ens, encontros para não se
encontrar. ' multiplicidade, por sutis deslocamentos, interro)a
as polaridades do uno e do mIltiplo, para desmontar um modo
enriecido de percepção da dierença e de relação com ela.
>etoma9se a preceptiva de al)o a se con*ecer de um modo e
num lu)ar intervalar, não previsto. #on*ecer num lu)ar
suspenso +ue, subitamente, se eetua em unção do
a)enciamento de elementos *etero)Rneos visíveis, mas tambm
9 e em sua maioria 9 invisíveis, +ue constituem um co)noscível
+ue não se ad+uire : um entendimento +ue advm do comum,
da+uilo +ue se dH a con*ecer a +ual+uer um num coletivo e +ue
permanece pertencente à esera não palpHvel destes conuntos.
Para eeito eAemplar, em traetos pela multiplicidade dos
mundos, al)umas situaç3es cotidianas sobressaem9se, nubladas,
à min*a mem8ria.
Z #. ! verdadeiro substantivo, a pr8pria substncia multiplicidade,+ue torna inItil o uno, mas tambm o mIltiplo. ' multiplicidade variHvel o +uanto, o como, o a cada caso. #ada coisa uma multiplicidade namedida em +ue encarna a 0deia. 6"E?EUE, &\, p. $Z%;
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"ncontro alguém que me conta de alguns trajetos de ni%us/
este parece ser o seu o#$cio não declarado, sequer reconhecido
=irige.se a di#erentes terminais da cidade, escolhe um n3mero
ou um conjunto de letras em posiçes di#erentes Dpois não sa%e
lerE, -s ve&es pergunta pela sonoridade daquilo que sa%e ser um
nome de lugar, se acomoda num dos %ancos e ali #ica até que o
ve$culo retorne ao ponto de partida "m muitas ocasies, dorme
durante o percurso a%a e ronca no %anco e é chamado pelo
co%rador "m outras, é o%rigado a descer, e tomar outro carro
para a volta D"m geral, so%e no mesmo, caso não hajam #ilasE
9ão se perde, tam%ém não tem esta preocupação olta pra
casa, passa um tempo, junta dinheiro, volta ao ponto
"ncontro outros alguéns "stão num trem de luxo em plena
Cordilheira dos Andes =o lado de #ora do vidro, moças e
moços com pernas gordas e pele seca e queimada dançam em
trajes coloridos 5ogo na entrada do com%oio, são o#erecidas
toalhas 3midas para limpar as mãos Assepsia "stão todos comroupas de algodão c2qui, adotadas de uma moda padroni&ada
para !aventuras ex1ticas' "stão em #érias, e o o%jetivo é a
diversão instrutiva, #ormadora de cultura 8agaram muito caro
pela passagem que d2 direito a um pageamento especial no
trajeto externo/ guias %rancos engraçadinhos que distraem a
todos das m$nimas adversidades Dnomes em l$ngua estrangeira,
cheiros de alimentos t$picosE garantindo o %em.estar do trajeto,
em que ninguém so#re riscos de perder.se/ nem do caminho,
menos ainda de si mesmo 9o vagão traseiro, nativos tocam e
cantam num %ar com ares Gt$picos da cultura localG :udo muito
seguro e limpo arantia de ir e voltar sem sequer despentear.
se Feli&es, no vagão climati&ado, #alam ingl)s, conta%ili&am os
lugares conhecidos e as in#ormaçes rece%idas e coletadas,
riem alto e #otogra#am tudo pela janela cerrada
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7ais um alguém 8elas ruas em volta de sua casa, ele me guia
Apresenta lugares sempre vistos, so% detalhes pouco
perce%idos, menos ainda destacados como $ndices relevantes/
os v2rios restaurantes . por quilo, churrascarias, rod$&io de
pi&&a, prato #eito; dois supermercados . as di#erenças de preço
con#orme o dia da semana, as qualidades de peixes e de #rutas,
o tamanho das #ilas em determinados hor2rios, os doces j2
comprados, os j2 consumidos; a cor do inv1lucro de um
%olinho; o n3mero de quarteires; os programas da televisão;
os esta%elecimentos a%ertos, os #alidos, os trocados; e um sem
cessar de pormenores que vão e vem su%traindo.se e
acrescentando.se =e repente silencia e organi&a direçes/ o
prato, os talheres, o lugar de atravessar, a porta por onde
entrar, o corredor a seguir, a pausa para o ca#é (m territ1rio
aparentemente restrito, mapeado - min3cia e com um sem #im
de elementos a somar em sua geogra#ia permanentemente
m1vel
Em +ue coordenada espaço9temporal se poderia
apreender a multiplicidade, e veriicar sua distncia em relação à
diversidade ou à simples variação de elementos unitHrios !nde
estaria a via)em das dierenças dierençantes Talve(, no
deslocamento +ue não implicasse +uilometra)ens mensurHveis,
considerando +ue, numa multiplicidade não *H unidades
possíveis.
S8 a cate)oria de multiplicidade, empre)ada como
substantivo, e superando tanto o mIltiplo como o Uno,superando a relação predicativa do Uno e do mIltiplo, capa( de eAplicar a produção deseante: a produçãodeseante multiplicidade pura, +uer di(er, airmaçãoirredutível à unidade. Estamos na idade dos obetos parciais,dos tiolos e dos restos. NH não acreditamos nesses alsosra)mentos +ue, como os pedaços de uma estHtua anti)a,esperam vir a ser completados e reunidos para comporemuma unidade +ue tambm, a unidade de ori)em. NH nãoacreditamos numa totalidade ori)inal nem se+uer numatotalidade inal. B...D S8 acreditamos em totalidades ao lado.E se encontrarmos uma totalidade ao lado das partes, ela serHo todo dessas partes, mas +ue não as totali(a, uma unidade
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de todas essas partes, mas +ue não as uniica, e +ue se l*es unta como uma nova parte composta à parte. 6"E?EUE5U'TT'>0, &\ZZ, p. 2];
Sem +ue *aa aspiração à totalidade, o deseo 9 luAo ecorte 9, seria este modo de operação pela multiplicidade em +ue
se a)enciam uma mH+uina acoplada à outra: en+uanto uma lui a
outra a( cortes. < +ue *H sempre uma mH+uina produtora de um
luAo e uma outra +ue se l*e une, reali(ando um corte, uma eAtração
de luAos 6"E?EUE5 U'TT'>0, &\ZZ, p. &&; "esta compreensão
do deseo, ora da c*ave do individual totali(ado, trabal*ada por
"eleu(e e uattari, decorre pensar +ue o estar9unto impli+ue
desear estar unto, mas não num re)istro voluntarioso, senão
numa disponibilidade e coniança eRmera com um mundo +ue,
de modo ra)mentHrio, coloca e deiAa colocar9se ao lado os
elementos de alteridade.
Subitamente, al)uns al)um se vRem untos. E repetem
este conunto, repetem, repetem, repetem. "e repente, não mais
repetem. #ortam. E se acoplam a outros conuntos, numa potencial deambulação. E, se o corpo o veículo desta
deambulação, destes passeios de virtuais para os encontros e
acontecimentos na multiplicidade de mundos +ue nos inundam,
cabe retomar a acepção do qualquer para airmar a potRncia de
uma impessoalidade, de uma dessubetivação +ue não procede
necessariamente pela dissolução do eu, mas pela constituição de
modos de uncionamento em +ue se possa prescindir do eu.
! *omem +ual+uer, pressuposto a+ui para a eAperiRncia
de estar em comum, aponta para esta direção +ue interessa à
clínica, no sentido de uma aborda)em desinvestida das unidades
de eu, em +ue se opera por estrat)ias de uncionamento
conunto nas +uais, *avendo ou não *avendo um eu constituído,
al)o se passa em )estos coletivos +ue se +ualiicam pela
presença em multiplicidade. GH lu)ares distintos para +ual+uer
cada um, mas estes lu)ares s8 eAistem en+uanto dura a presença
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da+uele +ue o ocupa, e na ausRncia da+uele, não *H mais a+uele
lu)ar, e portanto não se coni)uram altas. ! +ue ica nada.
=ão por+ue o +ue *ouvesse osse desprovido de si)niicação,
mas por+ue o uncionamento na multiplicidade não encontra9se
nas unidades, não cada um no seu +uadrado ou cada um
com seus problemas, e portanto as marcas produ(idas são
comuns, não situam9se em separado, icam para o comum.
< evidente +ue esta uma eAploração escrita de uma
política +ue se en)endra em relaç3es muito paradoAais,
sobretudo por+ue a vontade de eu um res+uício moderno
ainda reincidente na subetividade contempornea. Entretanto,
preciso pensar e airmar este pensamento numa outra direção,
para ortalecer traços ticos importantes +ue concorram para um
deslocamento no cuidado e na delicade(a de se estar em
presença comum, de se estar unto: na clínica e no mundo. '
Teoria do -loom parece corroborar com a compleAiicação
destes entendimentos.
! -loom a ne)ação mascarada. < por isto +ue seriaabsurdo celebrar sua aparição na *ist8ria como o nascimentode um tipo *umano particular: o *omem sem +ualidade não uma certa +ualidade de *omem, mas ao contrHrio, o*omem en+uanto *omem. ' al*a de identidade pr8pria, aabstração de todo meio substancial, a alta de determinaçãonatural, lon)e de atribuir +ual+uer particularidade, odesi)na como a reali(ação da essRncia *umana )enrica, +ue precisamente privação de essRncia, pura eAposição e puradisponibilidade. Sueito sem subetividade, pessoa sem personalidade, indivíduo sem individualidade, o -loom a(eAplodir, ao seu simples contato, todas as vel*as +uimeras da
metaísica tradicional, toda a +uin+uil*aria enriecida do eutranscendental e da unidade sinttica da percepção. ! +ue+uer +ue se di)a deste *8spede estran*o +ue nos *abita e +ue
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somos atalmente, atin)e9se o Ser. 'í, tudo se desvanece./
6T0``U= &, $%%&, p. $];
Esta paulatina constelação de mundos em +ue o poder de
di(er eu tem sua potRncia enra+uecida, tornada desnecessHria,
para o bem e para o mal, avulta a eAperiRncia do impessoal, cua
possibilidade , por um lado, a de livrar9se do peso do eu, corpo
total, e daí poder paradoAalmente tornar9se o +ue se , ora de
uma espessura individual a ser inlada, carre)ada e deendida,
possível num corpo ra)mentHrio, provis8rio, mutante e
mi)rante. Por outro lado, viver esta impessoalidade tambm a
ameaça do ani+uilamento, do não ser, do ser nada, terror de nãomais eAistir, de ver9se eAilado de si mesmo, sem nada +ue l*e
pertença individualmente.
Encontramo9nos num ponto de instabilidade no +ual
a+ueles +ue atravessam e delineiam as constelaç3es clínicas e
políticas a+ui presentes 6seam dispositivos, pro)ramas e4ou
estabelecimentos; buscam operar suas vidas, estran)eiros a elas
mesmas. ' partir dos sinais desta espcie de supressão do eu
+ue desi)namos como qualquer ao elemento +ue se encontra
nestas travessias, para acompan*H9lo em sua deambulação, +ue
ocorre pelas bordas 6uma ve( tomado o centro como sendo os
lu)ares de maior adesão ao uncionamento social *e)emnico;,
num trnsito impessoal9importante, com distncias +ue
evidenciam a ma+uinação de outras políticas, com duração e
interrupç3es sin)ulares. Esta paisa)em, assim descrita, numa
/ Trad. livre do trec*o: 5e loom est le néant masqué #jest pour+uoi il seraitabsurde de clbrer son apparition dans lj*istoire comme la naissance djun tLpe*umain particulier: lj*omme sans +ualit njest pas une certaine +ualit dj*omme,mais au contraire lGhomme en tant qu Ghomme ?e daut djidentit propre,ljabstraction de tout milieu substantiel, ljabsence de dtermination naturelle, loinde ljassi)ner à une +uelcon+ue particularit, le dsi)nent comme la ralisation deljessence *umaine )nri+ue, +ui est prcisment privation djessence, pureeAposition et pure disponibilit. Suet sans subectivit, personne sans personnalit, individu sans individualit, le -loom ait eAploser à son simplecontact toutes les vieilles c*imres de la mtap*Lsi+ue traditionnelle, toute la
+uincaillerie i)e du moi transcendantal et de ljunit sLnt*ti+ue de ljaperception.`uoi +ue ljon dise de cet *te tran)e +ui nous *abite et +ue nous sommesatalement, on atteint à ljEtre. ?à, tout sjvanouit.
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visuali(ação evanescente e impalpHvel, a atmosera do estar
em comum, com as interro)aç3es +ue decorrem deste estado.
Se, por outro lado, c*amamos #omum o ponto deindierença entre o pr8prio e o impr8prio, isto , +ual+uer
coisa +ue não pode amais ser apreendida em termos deapropriação ou eApropriação, mas somente como uso, entãoo problema político essencial torna9se: gcomo a(er uso docomumgB...D 6''C-E=, $%%$b, p.&%;.
_ _ _
"esaiamo9nos neste luAo a pensar por auntamentos, a
escrever de uma clínica de modo a eAtirpar a l8)ica das
individualidades em avor das sin)ularidades. < por isto +ue são
adotados estes deslocamentos +ue permitem aborda)ens não
mais a partir de indivíduos o +ue, no campo clínico tem sido
pensado sob muitas perspectivas. "estas, destacamos a teoria
dos processos de individuação, de ilbert Simondon, +ue
sustenta uma condição contínua da processualidade, e não visa
ao indivíduo constituído, inal. Esta aborda)em dialo)a com
certa vertente de escritos e pes+uisas em ilosoia e ciRncias
*umanas, bem como em biolo)ia e neurociRncias +ue tRm
omentado modos de pensar atuais. "ar desta+ue a esta
concepção importa a+ui a im de retomar a necessidade de
pautar o trabal*o com )rupos *umanos sob o re)ime de
multiplicidade, abolindo a reerRncia à unidade e ao mIltiplo.
'ssim entendida, a operação de individuar9se a +ue todosestaríamos submetidos introdu( uma perspectiva +ue impede
estabelecimentos, no sentido de corroborar para a desmonta)em
do pensamento pautado no sur)imento de um eu ec*ado numa
identidade permanente ou essencial, en+uanto inalidade
eAistencial. 0sto embaral*a noç3es tais como as de completude,
de preenc*imento e de totalidade, *e)emnicas no campo
psicol8)ico. rosso modo, neste outro re)ime de pensamento, a
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pr8pria noção de *etero)eneidade se vR interro)ada e com ela o
par dicotmico inclusão9eAclusão.
Uma ve( +ue, por eAemplo, uma coni)uração deinida
apenas em unção da presença de uma pessoa +ue se recon*eça
como da raça ne)ra, uma pessoa com uma deiciRncia e uma
pessoa +ue se declare *omosseAual, temos um conunto de
universais, +ue nos deiAa, provavelmente, impedidos de nos ver
diante de uma multiplicidade. ' dierença dierençante, como
vimos airmando, não se recon*ece na multiplicação de marcas
identitHrias pois, vistas assim, elas sempre ariam parte da+uilo
+ue oi instituído *istoricamente, sendo denominadas se)undo
critrios socialmente preponderantes, e portanto não
eApressando nen*uma eAterioridade +ue as distin)a,
permanecendo *omo)Rneas em relação a estas marcas evidentes.
' radical *etero)eneidade estaria em poder deiAar vir, mesmo
dentro de um conunto de elementos aparentemente idRnticos do
ponto de vista dos c8di)os vi)entes, as sutis dierenças, posiç3es
sin)ulares provis8rias e li)aç3es consi)o e com outrem, +ue
seam marcas da resistRncia aos en+uadramentos identitHrios dasormas de poder universali(antes. -usca9se menos por
indivíduos, mais por processos vitais sempre em vias de
produ(ir um si mesmo sin)ular, +ual+uer e não especíico,
)enrico e não universal.
's aç3es e intervenç3es da clínica e, em eAtensão, a de
al)uns territ8rios ains 9 como o da educação 9, icam assim
convocadas a eetivarem relaç3es de multiplicidadecontemplando a eemeridade da vida, em seu percurso
metaestHvel de ormas +ue se comp3em, se ustap3em e
estabili(am9se temporariamente, at +ue se submetam a novos
atravessamentos e seam orçadas a ad+uirir outras
coni)uraç3es. Este pensamento estH bastante investi)ado por
Simondon, em seu trabal*o 56individu et sa gense phJsico.
%iologique, cua proposta se comp3e a partir de uma inversão:con*ecer o indivíduo pela individuação muito mais do +ue a
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individuação a partir do indivíduo 6S0C!="!=, $%%, p. &%%;. '
relevncia desta reviravolta estH na possibilidade de não supor o
indivíduo como resultado, inalidade de um processo, mas como
atravessamento deste, produção derivada, em meio a outras
produç3es concomitantes e incompossíveis.
B...D o indivíduo seria apresentado como uma realidaderelativa, uma determinada ase do ser +ue sup3e umarealidade pr9individual anterior a ela, e +ue não eAistecompletamente s8, mesmo depois da individuação, pois aindividuação não es)ota de uma Inica ve( os potenciais darealidade pr9individual5 por outro lado, o +ue aindividuação a( aparecer não s8 o indivíduo mas tambmo par indivíduo9meio. 6S0C!="!=, $%%, p.&%%9&;
< preciso ressaltar +ue esse par indiv$duo.meio deve ser
tomado como um dualismo proposto a im de airmar uma
relação de a)enciamento, de articulação entre dimens3es, em
lu)ar de pensar numa relação de oposição. Cais ainda, interessa
nesta concepção de Simondon perceber +ue o processo de
individuação não culmina no aparecimento de um indivíduo
eAclusivo e isolado, mas, no mínimo, numa espcie de
composição com o entorno, +ue prosse)ue oerecendo potenciais
de realidade para sua individuação, +ue tambm seu processo
de alteridade: ser outro em relação à+uilo +ue aeta para ser um.
"evir por intermdio de outrem 6não s8 sueitos mas tambm
dispositivos, percepç3es e obetos materiais; e a(er outrem
devir por intermdio de mim.
Uma outra concepção ortalecedora desta visada +ue
deserta a totalidade do eu, encontra9se nos estudos de "eleu(e
eitos a partir da obra de Foucault, em +ue se enunciam
processos de su%jetivação, a constituição das relaç3es de si para
consi)o, para o cuidado de si, para uma eAistRncia esttica.
#omo 8rmula )eral, são elencadas +uatro dobras, variHveis e
constituintes de modos irredutíveis de subetivação.
' primeira concerne à parte material de n8s mesmos +ue vai
ser cercada, presa na dobra: para os )re)os, era o corpo eseus pra(eres, os aphrodisia; mas para os cristãos, serH a
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carne e seus deseos, o deseo, uma modalidade substancialcompletamente dierente. ' se)unda dobra a relação deorças, no seu sentido mais eAato5 pois sempre se)undouma re)ra sin)ular +ue a relação de orças ver)ada paratornar9se relação consi)o5 certamente não a mesma coisa+uando a re)ra eiciente natural, ou divina, ou racional, ou
esttica... ' terceira dobra a do saber, ou a dobra daverdade, por constituir uma li)ação do verdadeiro com onosso ser, e de nosso ser com a verdade, +ue servirH decondição ormal para todo saber, para todo con*ecimento:subetivação do saber +ue não se a( da mesma maneiraentre os )re)os e entre os cristãos, em Platão, "escartes ouOant. ' +uarta dobra o pr8prio lado de ora, a Iltima: ela+ue constitui o +ue -lanc*ot c*amava uma interioridade deespera, dela +ue o sueito espera, de diversos modos, aimortalidade, ou a eternidade, a salvação, a liberdade, amorte, o desprendimento... 6"E?EUE,&\, p.&&&9$.;
"estas plissa)ens, a Iltima, a dobra +ue o pr8prio lado
de ora, conver)e ainda mais para a noção do qualquer na
medida em +ue se pode pensar +ue, num processo de
subetivação, a dimensão de interioridade não se aloa num
dentro ec*ado, mas no pr8prio eAterior. Este parece ser um
elemento de orça dessa impessoalidade +ue tentamos abordar
neste estudo, pois estando do lado de ora possível resistir àsueição 9 sea ela a da individuali(ação controladora e )eradora
de dependRncias +ue instaurada pelo poder *e)emnico na
vida cotidiana, sea a do ape)o a uma identidade iAada e
codiicada pelas tcnicas da ciRncia e seu conse+uente saber
sobre o sueito. =esta interioridade de espera, o sueito estH
aberto ao acaso, com os deslocamentos e as issuras +ue um
acontecimento pode comportar.
' ideia de uma unidade sueito, assim como a de uma
unidade indivíduo, 9 com Simondon, "eleu(e, Foucault e
-lanc*ot 9, são postas em movimento, em mutação. 0mpedido de
operar por estas unidades, o pensamento se instaura em outras
relaç3es, e passa a ser convocado a eAperimentar, a
problemati(ar sem constituir saberes estan+ues e previstos,
modulando9se ao limite, ao acaso.
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=eville, >*oda, -ernard, Susan, NinnL, ?ouis são
sin)ularidades eAperimentadas por Mir)ínia Kool +ue se
prop3e a acompan*H9las em movimentos de luAos e reluAos,
misturas e distinç3es de onde sur)e As +ndas, um livro sem
*ist8ria, com muitas pe+uenas *ist8rias, com vHrias *ist8rias
todas +ue não ormam uma... `uase não *H um livro.
#omo são raramente visitados nossos ami)os, poucocon*ecidos 7 verdade5 e ainda assim, +uando encontro umdescon*ecido, e tento eApor, a+ui nesta mesa, o +ue c*amode min*a vida, não para uma vida +ue ol*o, ao recordar5não sou uma pessoa5 sou muitas5 não sei bem +uem sou 7NinnL, Susan, =eville, >*oda ou ?ouis 7 nem comodistin)uir min*a vida das suas. 6K!!?F, $%%2, p.$%/;
Esse modo de narrar atravs de luAos e sin)ularidades,
radicali(a a eAperiRncia de uma eAistRncia comum. 's i)uras se
destacam em ondas, literalmente, em rases e parH)raos +ue se
misturam e +ue se dierenciam sutilmente. 'o escrever assim,
considera -lanc*ot, a escritora lançada numa espcie de (ona
de peri)o, num lu)ar de risco +ue serviria como elemento para
responder à inda)ação sobre a contradit8ria necessidade de uma
outra escrita, concomitante na vida desta autora, a escrita dos
diHrios.
*2%ado, K de #evereiro Lde MNOMP'+ui nos poucos minutos +ue restam, devo re)istrar, com a)raça divina, o im de 's !ndas. Escrevi as palavras !*Corte *H +uin(e minutos, ap8s ter recitado de eniada asIltimas de( pH)inas com al)uns momentos de taman*aintensidade arrebatamento +ue eu parecia perse)uir*esitante min*a pr8pria vo(, ou +uase, perse)uir al)umorador 6como +uando estive louca;. `uase tive medo,lembrando9me das vo(es +ue costumavam se precipitar àmin*a rente. Em todo caso, estH acabado5 passei estes &]minutos em um estado de )l8ria, calma, al)umaslH)rimas, pensando em T*obL se pudesse escrever NulianT*obL Step*en &&9&\%Z na primeira pH)ina. Presumo +uenão. `uão ísica a sensação de triuno alívioq Se bom ouruim, estH acabado5 como decerto senti no im, nãosomente terminado, mas consumado, inteiro, a coisaormulada 7 +uão apressadamente, +uão ra)mentariamenteeu sei5 mas +uero di(er +ue apan*ei na rede a+uela barbatanana imensidão das H)uas +ue me sur)iu sobre os pntanos a
min*a anela B...D 6K!!?F, &\\, p.&Z;
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"iHrios íntimos, símbolo de um eu eri)ido, imperativo.
-lanc*ot +uestiona a necessidade concomitante destas duas
escritas: a dos diHrios sob a i)ura do eu unitHrio e a da obra
ra)mentHria com i)uras de impessoalidade. 0sto eAemplar e
potico na corrente deste estudo, no sentido de +ue esta
aproAimação com o comum, e por conse)uinte com o qualquer
tal +ual estamos trabal*ando, prescindindo da noção de eu nas
operaç3es do pensar e do a)ir, podem ter eeitos reversos, de
recrudescimento diante do desespero do ani+uilamento,
resultando num orte ape)o às representaç3es mais
estereotipadas desta suposta interioridade totali(ada.
Cas +ue um escritor tão puro +uanto Mir)ínia Kool, +ueuma artista tão empen*ada em criar uma obra +ue retivessesomente a transparRncia, a aurola luminosa e os levescontornos das coisas, ten*a se sentido de certa maneiraobri)ada a voltar9se para unto de si, num diHrio ta)arela em+ue o Eu se derrama e se consola, isso si)niicativo e perturbador. ! diHrio aparece a+ui como uma proteçãocontra a loucura, contra o peri)o da escrita. ?H, em 's!ndas, ru)e o risco de uma obra em +ue precisodesaparecer. ?H no espaço da obra, tudo se perde e talve( a pr8pria obra se perca. ! diHrio a ncora +ue raspa o undo
do cotidiano e se a)arra às aspere(as da vaidade.6-?'=#G!T, $%%], p. $/;
Talve(, os eAperimentos em narrativas deste escrito,
)uardem relação com este territ8rio de risco. "e início, as
situaç3es vivenciadas são mote para uma produção +ue +uer
perceber a importncia de um comum eRmero, bem como,
posteriormente, a proposição de um desobramento como política
potencial deste comum. Entretanto, concomitantemente ànecessidade de transormar estas vivRncias num escrito, pode
*aver uma operação intrínseca de eAibição de um suposto eu +ue
esteve ali, eri)indo uma terapeuta ideal, ou uma escritora
monumental. "iícil sair desta posição de arro)ar9se escrever e
simultaneamente retirar9se da escrita, deiAar +ue nela se
potenciali(e o impessoal e as sin)ularidades, num processo de
despersonali(ação. Saída provis8ria pensar +ue se o escritor se
a( na busca, conorme o denomina -lanc*ot, do mesmo modo
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pode9se pensar o terapeuta, e o terapeuta9autor, como a+uele +ue
s8 eAiste no instante em +ue +uer tornar obra, o outro, sua obra
interminHvel, sempre por vir, impossível obra...
's obras deveriam pois ser o mais importante. Cas serHassim "e modo al)um. ! +ue atrai o escritor, o +ueimpulsiona o artista não diretamente a obra, sua busca, omovimento +ue condu( a ela, a aproAimação +ue torna aobra possível: a arte, a literatura e o +ue essas duas palavrasdissimulam. Por isto um pintor, a um +uadro, preere osdiversos estados deste +uadro. E o escritor, re+uentemente,não desea acabar +uase nada, deiAando em estado dera)mentos cem narrativas +ue tiveram a unção de condu(i9lo a determinado ponto, e +ue ele deve abandonar para tentarir alm desse ponto. "aí, por uma coincidRncia novamenteespantosa, MalrL e Oa1a, separados por +uase tudo,
pr8Aimos apenas pelo cuidado de escrever ri)orosamente, untam9se para airmar: :oda a minha o%ra é apenas umexerc$cio. 6-?'=#G!T, $%%], p. $\&;
'parentemente irresolIvel, este eAercício de dar a
con*ecer modos de uncionar no comum, e de simultaneamente
a(er o esorço por não destacar9se nesta eAposição, permite
insistir na mi)ração da noção de indivíduo à de sin)ularidades,
operando não mais por identidades, mas por eAterioridades, natentativa de transormar a pr8pria concepção do pensar,
deslocando9se de uma atitude de elencar princípios para
movimentos de dierenciação e airmação da vida em suas
coneA3es sin)ulares.
0=F!>S'T!, Eri1a 'lvare(. Cl$nica arroca > exerc$cios de simpatia e #eitiçaria 6"issertação;. Cestrado em Psicolo)ia #línica. São Paulo, PU#9SP,março de $%%]. Este estudo consistiu num eAercício crítico na clínica com al)unsoperadores conceituais da ilosoia, a partir da leitura da obra de ?eibni( eita
por "eleu(e. ' noção de jbarroco,j en+uanto jdobra +ue vai ao ininitoj, oitransversali(ada em al)uns acontecimentos9situaç3es clínicas 9 relatados a partirde eAperiRncias com pacientes )raves +ue prosse)uiram, e são ainda matriadesta pes+uisa 6uma compan*ia de teatro5 um serviço de terapia ocupacional esuas parcerias com proetos na ronteira entre as artes e a clínica5 e trabal*os deacompan*amento terapRutico;. =o decurso da dissertação, bus+uei tornar esteconceito *eter8clito do barroco, aportado por "eleu(e, como um dispositivo de
problemati(ação de temas como a inclusão, a monstruosidade, a adaptação, acaridade e a crueldade. 's noç3es de simpatia e eitiçaria advindas da literaturaapareceram como intercessores nestas relaç3es ao apontar saídas para umaeAperimentação da clínica desinvestida de suas coni)uraç3es convencionadas.Foram usados, para tanto, estudos do campo das artes, mas, principalmente,conceitos da ilosoia de "eleu(e e uattari para composição de um territ8riocrítico +ue teria por unção reativar o compromisso da clínica com a criação,interessada não na prolieração de princípios do barroco, mas na multiplicidade
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E isto o lado de ora: a lin*a +ue não pHra de reencadear aseAtraç3es, eitas ao acaso, em mistos de aleat8rio e dedependRncia. Pensar assume a+ui, então, novas i)uras: obtersin)ularidades5 reencadear as eAtraç3es, os sorteios5 einventar, a cada ve(, as sries +ue vão da vi(in*ança de umasin)ularidade à vi(in*ança de outra. 6"E?EUE, &\, p.&$].;
Este deslocamento do pensar pode pautar9se sobre a
noção de dobra, en+uanto a+uilo +ue varia ininitamente em
decorrRncia de elementos e universos ininitos, conorme as
aproAimaç3es, ultrapassamentos e di)ress3es de illes "eleu(e
ao pensamento de ?eibni(. Por intermdio das sin)ularidades, e
para desertar as prescriç3es, os mtodos, os princípios e os
re)ramentos, bem como a urisprudRncia +ue, supostamente,seriam os parmetros orientadores do decorrer da vida, adota9se
a ideia de uma airmação dierencial da vida, eAtraída dos
escritos de "eleu(e, como uma proposição +ue permita +ue a
simples eAperiRncia do viver 6do estar9se vivo; sea a reerRncia
soberana para a pr8pria vida. =a esteira de uma dessubetivação,
conorme vimos airmando, associada à proposição do qualquer ,
veriica9se +ue alm de estar vivo não preciso mais nada, nãosão necessHrias nen*uma +ualiicação, e todas as
particularidades são prescindíveis. ! +ue não torna nada nem
nin)um desinteressantes. 'o contrHrio, o con*ecimento deste
outrem sin)ular +ual+uer torna9se mais insti)ante na medida em
+ue são seus movimentos, seus modos de a)ir e de a(er )estos
no mundo, +ue a)re)am e desa)re)am conuntos, o +ue passa a
motivar a curiosidade por con*ecR9lo.
' noção de simpatia, encontrada em "eleu(e, em
apontamentos ao teAto de ".G. ?arence 9 Qhitman 9, en+uanto
um conceito a compor uma orientação )eral deste deslocamento
reinveste9se para intensiicar sua potRncia para relaç3es de vida
e de con*ecimento.
Simpatia seria, inicialmente, uma re)ião de sensaç3es e
entendimentos +ue, para eeito da pra)mHtica do cotidiano,
de a)enciamentos para movimentos de airmação dierencial da vida.
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desdobra9se numa prHtica, num modo de a(er, atravs de
proetos +ue pressup3em, no mbito mais especíico da clínica,
cuidar de al)um +ue estH em situação de sorimento intenso,
com riscos de en)essamento, anestesia e4ou paralisia. '
simpatia, tra(ida à tcnica de uma certa clínica, seria então um
modo de convocar o pathos, a construção de um procedimento
crítico e contemplativo de aproAimação e con*ecimento de
outrem. #om isso, sup3em9se uma prontidão aos encontros +ue
constituem o cotidiano da clínica e de outras matrias +ue lidem
com encontros *umanos, em busca de uma convivialidade, um
estar com, um +uerer estar com a+uilo +ue pode provocar uma
desterritoriali(ação recíproca. Simpatia para alcançar orças +ue
deslocam a todos em direção ao enri+uecimento dos espíritos,
não como espíritos elevados, mas mais mundanos 9 +ue cuidam
e comp3em com o mundo 9, +uase o *umano essencial, ora das
ormataç3es restritivas do *umano universal. =um dos trec*os
de Qhitman, ".G ?arence prop3e a estrada lar)a:
Estrada ?ar)a. ' )rande casa da 'lma a estrada lar)a. =em cu, nem paraíso. =em acima, nem mesmo dentro.' alma não estH acima nem dentro. < um viandante acamin*ar pela estrada lar)a. =ão pela meditação. =em pelo eum. =em eAplorando cuap8s cu, interiormente, à maneira dos )randes místicos. =em pela eAaltação. =em pelo RAtase. =ão por nen*umdestes camin*os +ue a alma s