TEXTO 2 - A Abordagem Do Texto - BENTES

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  • 8/16/2019 TEXTO 2 - A Abordagem Do Texto - BENTES

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    A abordagem do texto: considerações em torno dos objetos e unidades deanálise textual 1

    Anna Christina Bentes (UNICAMP)

    1. Introdução

    Tomando como base o desenvolvimento da Lingüística Textual (doravanteLT) no Brasil, postulamos que a principal característica dessa disciplina é a deapresentar um referencial teórico e metodológico que possibilita um tipo decompreensão e de apropriação mais global do fenômeno textual por parte dos

    sujeitos nos mais diversos campos sociais.Sendo assim, nosso principal objetivo neste texto é o de discutir como as

    explicações produzidas pela lingüística do texto consideram, a um só tempo, trêspontos de vista: o linguístico, o cognitivo e o social, sendo que é essa necessáriaarticulação transdisciplinar que singulariza a linguística do texto como um tipo deestudo que integra diversas ciências e que integra também perspectivas dentro docampo dos estudos linguísticos.

    De forma a dar conta deste objetivo, estruturamos o trabalho em trêspartes: uma em que procuramos (i) discutir brevemente de que maneira a LTcompreende o fenômeno linguístico como de fundamental importância para acompreensão da textualidade, (ii) apresentar brevemente o ponto de vistasociogonitivo sobre o fenômeno linguístico textual e (iii) mostrar como a LTdesenvolveu um olhar que enfatiza os aspectos sociais e culturais do fenômenotextual.

    Esperamos que este texto faça jus à metáfora produzida por Gerd Antos,

    citada por Ingedore Koch, sendo mais uma “estação intermediária” para aprodução contínua de novas discussões sobre esse e outros temas.

    1 Este texto é uma versão mais detalhada de duas apresentações feitas pela pesquisadora: a primeira, no VICongresso Internacional da Abralin, que aconteceu em João Pessoa, Paraíba, em março de 2009; a segunda,no VII Simpósio de Estudos Linguísticos da Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense,que aconteceu em Niterói, Rio de Janeiro, em setembro de 2009.

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    2. O fenômeno linguístico como fundamental para a compreensão da

    textualidade

    Historicamente, a LT desenvolveu, ao longo das últimas quatro décadas,um quadro explicativo que sempre conferiu aos elementos lingüísticos,responsáveis pela materialidade dos textos (orais ou escritos), uma ênfase para aqual não se faz necessário nenhum tipo de justificativa. Afinal, como bem dizMarcuschi (2008: 87), “sem língua não há texto”.

    Podemos dizer que, desde o seu surgimento, a LT tem analisado alguns

    fenômenos de natureza linguistico-textual (materializados linguisticamente pormeio de, por exemplo, expressões referenciais e articuladores textuais), tais comoos processos de coesão referencial / progressão referencial; coesão sequencial /progressão textual.

    No entanto, o domínio empírico da LT, a saber, os fenômenos linguísticosescolhidos para serem estudados pelos pesquisadores, não são quaisquer: emgeral, são muito estudados porque são muito importantes para a construção dachamada textualidade . Assim, podemos dizer que fenômenos lingüísticos denatureza variada foram e são estudados pela LT porque a natureza verbal dalinguagem humana tem sido o principal objeto dos linguistas, em geral, e também,dos linguistas do texto.Vamos a um exemplo:

    Pelas 23.59h, apareceu no horizonte um objeto luminoso egrande voando em direção sul que deixava uma pista emzigue-zague. Então, de repente, esse objeto mudou para oleste sendo que o traço por ele deixado assumiu a formade uma foice... (exemplo retirado de Marcuschi, 2008: 117)

    De acordo com Marcuschi (2008), para a solução da anáfora “ele”, noexemplo acima, ter-se-ia dois candidatos: “objeto luminoso” e “leste”; a decisãosobre qual das duas expressões é retomada pelo pronome é feita, nesse caso,considerando-se principalmente a congruência cognitivamente estabelecida(Pause, 1984 apud Marcuschi, p. 116) entre as informações semânticas contidasna predicação sobre o referente (um objeto luminoso que voava para o lestedeixando pistas) e as informações semânticas contidas na predicação dadas

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    sobre o pronome (o objeto luminoso que voava para o leste e que mudou dedireção, deixando um rastro em forma de foice).

    Ainda de acordo com as teorias sobre progressão referencial, o processode reconstrução do antecedente para um elemento anafórico com antecedenteexplícito (anáfora direta) pressupõe a consideração, muitas vezes conjunta, deuma série de informações do tipo:1)Informações morfológicas(congruência entre o antecedente e o elemento pronominal); 2)Informações sintáticas(função e posição sintática das expressões) 3)Informações semânticas(o papel do referente)

    4)Informações temáticas(o tema da frase ou de um texto) 5)Informações de conteúdo textual(informações sobre um referente pronominalizado) 6)Informações lexicais(informações de sentido que o próprio lexema traz consigo) 7)Informações enciclopédicas(conhecimento do indivíduo, expectativas que uma informaçãotraz consigo, inferências possíveis etc.)(Cf. Marcuschi, 2008, p. 117)

    Parece redundante dizer, mas o foco sobre um determinado fenômenolingüístico-textual, no caso, a anáfora direta (AD), não necessariamente significaque a explicação elaborada se funda em uma abordagem internalista2 da língua.Muito ao contrário, a compreensão dos processos de produção textual e da formacomo ocorre a reconstrução dos sentidos sociais deles constitutivos pressupõeuma visão linguística que articule, de maneira integrada, os conhecimentosconstruídos sobre o fenômeno linguístico em si, sobre as relações entre língua emundo e sobre as relações entre os usos linguísticos e seus sentidos sociais aolongo do século XX e do início do século XXI.

    Se observarmos os próprios critérios elencados acima para que se possa

    analisar de maneira mais precisa um fenômeno semântico-textual como o daanáfora direta, a visão de língua pressuposta nos trabalhos desenvolvidos nocampo é a de:

    2 No Brasil, o debate sobre as teses externalistas e internalistas é feito por Morato (2002, 2004), Salomão(2003), Koch e Cunha-Lima (2004).

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    • Um sistema simbólico sobredeterminado sintatica e semanticamente,recebendo sua determinação a partir de um conjunto de fatores definidos

    pelo contexto e que contribuem para a produção de sentidos;• Uma atividade social, histórica e cognitiva, desenvolvida de acordo com

    práticas socioculturais, obedecendo, assim, a convenções de uso fundadasem normas socialmente instituídas.

    Então, uma primeira conclusão a que podemos chegar é a de que, mesmoonde parece não haver a mobilização de conceitos e dispositivos analíticosoriundos de estudos linguísticos de base sociocognitiva e sociopragmática, de

    forma a dar explicações sobre, por exemplo, o uso de artigos ou de pronomesdemonstrativos em um sintagma nominal; ou sobre o funcionamento desequências conectivas e/ou anafóricas, das repetições, das elipses, é lá mesmo éque os encontramos. Em outras palavras, para que seja possível fazer umaanálise textual-discursiva com base nos pressupostos teóricos e metodológicosque vem sendo propostos pela LT, é necessário uma formação razoável em pelomenos dois tipos de estudos linguísticos: os estudos gramaticais de basefuncionalista e os estudos semânticos de base sociopragmática e/ou de basesociocognitiva. Além, é claro, de uma compreensão das categorias analíticasdesenvolvidas no interior da LT.

    Por isso é que se pode dizer que os estudiosos da LT, ao enfocarem aspectosque são (aparentemente) de natureza estritamente linguística, como é o caso daAD, de forma a compreender a natureza e o funcionamento dos processos deprodução e compreensão dos textos, consideram:

    • a articulação de informações advindas de diferentes teorias lingüísticas

    (como o estruturalismo e o funcionalismo); sem esse tipo de aporte teórico,é difícil compreender como se dá a estabilidade textual (Marcuschi, 2008);

    • a elaboração de categorias analíticas de natureza textual (como porexemplo, a noção de coesão referencial ou de cadeia referencial ou aindade progressão referencial), que necessariamente demandam a explicaçãosobre um conjunto de competências sociocognitivas;

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    • uma abordagem intra e interdisciplinar complexa, estabelecendo diálogosno interior da linguística e com outras disciplinas de forma a produzir

    explicações mais gerais e satisfatórias sobre o fenômeno textual.

    2. O ponto de vista sociocognitivo sobre o fenômeno linguístico-textual

    A partir de agora, desejamos enfocar o fato de que os processos decompreensão e produção textual pressupõem uma competência sociocognitivaampla por parte dos sujeitos que abrange um conjunto de saberes e capacidades

    tais como: conhecimentos pessoais e enciclopédicos; capacidade dememorização; domínio intuitivo de um aparato referencial; partilhamento deconhecimentos sobre os elementos que compõem as circunstâncias maisimediatas; o partilhamento de normas sociais; o domínio de tecnologias de váriostipos. (Cf. Marcuschi, 2008)

    Ao longo da construção e consolidação da disciplina, a eleição dedeterminados fenômenos linguístico-textuais a serem descritos e analisados estádiretamente relacionada, dentre outros objetivos, com o interesse de compreendermelhor como se pode visualizar a interação dos saberes e capacidades acimaelencados no curso da produção e da comprensão dos textos.

    No Brasil, algumas das categorias analíticas desenvolvidas nos estudos de,por exemplo, Marcuschi (1983, 2001, 2008), Fávero e Koch (1988), Koch (1989,1990, 1997, 2002, 2004), Koch e Travaglia (1989), Jubran et al. (1990), Jubran etal. (1992), Jubran (1993, 2003; 2005; 2006a, 2006b; 2006c), Koch e Marcuschi(1998), Cavalcante (2000), Hilgert (1997, 2000); Pinheiro (2005), Koch, Bentes e

    Cavalcante (2007), Travaglia (2006) e nas obras organizadas por Jubran e Koch(2006), Koch, Bentes e Rezende (2006), Koch, Morato e Bentes (2005),Cavalcante, Rodrigues e Ciulla (2003), acabam por fornecer informações sobre ascaracterísticas semântico-pragmáticas dos textos e sobre os processos denatureza sociocognitiva vislumbrados nos textos.

    Por exemplo, ainda há muito o que dizer sobre o funcionamento dosprocessos de referenciação de determinados gêneros textuais, mas os estudos de

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    Koch já apontam para o fato de que vários gêneros da imprensa escrita fazem umuso muito criativo das expressões referenciais com o objetivo de produzir

    determinados efeitos de sentido. Vamos ao exemplo de como Koch (2002)caracteriza as descrições definidas:

    A escolha de determinada descrição definida pode trazer aoleitor/ouvinte informações importantes sobre asopiniões,crenças e atitudes do produtor do texto, auxiliando-o naconstrução do sentido. Por outro lado, o locutor pode por vezes,ter o objetivo de, pelo uso de uma descrição definida, sob a capado dado, dar a conhecer ao interlocutor, com os mais variadospropósitos, propriedades ou fatos relativos ao referente queacredita desconhecidos do parceiro , como no exemplo (10),em que, na verdade, o locutor parece fazer é anunciar que o

    governo vai publicar um “pacote”:(10) Tem ocorrido rumores de que o governo estuda medidasseveras para contornar a crise. Na verdade, o pacote fiscal a sereditado nos próximos dias irá aumentar ainda mais odesemprego no país.” (Koch, 2002: 88)

    O trabalho de Koch procede à análises dos recursos lingüísticosmobilizados no interior dos gêneros de forma que estes possam se constituir em“quadros de orientação” para o interlocutor (Cf. Bauman, 2004; Hanks, 2008).

    Por exemplo, a autora afirma que descrições definidas tais como “esse

    cidadão anônimo”, “o homem da camisa branca”, “o cidadão desconhecido”, odesconhecido da camisa branca”, articuladas no interior de uma matéria jornalística da Revista Veja, de 06/89, revelam ao mesmo tempo, o ponto de vistado produtor e as suas inferências sobre o que é informação nova e relevante parao seu interlocutor.Além disso, o trabalho de categorização e de análise de Koch éele mesmo uma espécie de guia de leitura, já que ressalta, nesse caso, asfunções (cognitivas e pragmático-discursivas) desempenhadas pelos elementos

    lingüísticos nos textos.No entanto, é necessário dizer que essas pistas sobre aspectos

    semânticos, pragmáticos e sociocognitivos, fornecidas pelas descrições definidassão inerentemente incompletas, já que as conexões e/ou elaborações são deresponsabilidade dos leitores/ouvintes concretos; são esses últimos osresponsáveis pela interpretação dos elementos indiciais presentes nos textos.

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    Por exemplo, qual o efeito que causam as repetições de determinadasestruturas, de determinados tópicos no leitor/ouvinte? Ele percebe de forma rápida

    e eficaz o constante trabalho sobre a linguagem desenvolvido pelos mais diversosprofissionais ao produzirem determinados gêneros? Se percebe, o que essetrabalho significa, de uma forma geral, para ele? Quais os horizontes ideológicosque são instaurados por/nesse trabalho sobre a linguagem?

    Uma resposta geral que tenta dar conta de perguntas como estas é aproduzida por William Hanks: “embora qualquer fragmento de texto possa serinterpretado de múltiplas formas (por meio de centrações alternativas), a gama de

    possibilidades nunca é infinitamente aberta no mundo social real. Ao contrário, elase encontra em parte inscrita na forma textual, e também é em parte debatidapelos atores” (Hanks, [1989] 2008:136).

    Assim, é fácil enxergar que as análises desenvolvidas por autores maisrepresentativos da LT brasileira que privilegiem determinados elementoslinguísticos ou sequências textuais articulam diferentes pontos de vista da ciênciada linguagem contemporânea como a pragmática lingüística, o estruturalismolingüístico e o funcionalismo (ver os tipos de informação demandadas para aexplicação de uma anáfora direta, por exemplo).

    Além disso, a LT se distingue de outras maneiras de explicar o fenômenotextual porque incorpora radicalmente a concepção de que os textos são “recursosessenciais da constituição individual e social do conhecimento”, ou seja, são“formas socialmente preconcebidas para a seleção, acumulação, estruturação eformulação do conhecimento”. (Antos, 1997apud Koch, 2002, p. ) Se, por umlado, o autor constrói uma formulação que define o texto como um recurso

    fundamentalmente cognitivo, Beaugrande (1997), no mesmo ano, postula que otexto é “um evento comunicativo em que convergem ações lingüísticas, sociais ecognitivas.” É essa concepção de texto, que abrange duas grandes dimensões (alinguística e a sociocognitiva), que é assumida por muitos autores no Brasil.Vejamos agora um exemplo de um outro fenômeno muito caro aos analistas detexto: a anáfora indireta.

    Fomos a uma discoteca na noite passada e depois jantamosnum restaurante japonês e finalmente acabamos a noite num

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    barzinho perto de casa. O garçom era ótimo. (exemplo retiradode Marcuschi, 2008:83)

    O exemplo acima somente pode ser analisado se considerarmos que entrea expressão anafórica (garçom) e as “âncoras” (co-texto antecedente –“discoteca”, “restaurante japonês”, “barzinho”) não há uma relação explícita, masuma relação entre domínios referenciais, sendo que as anáforas indiretas (AI)podem ser compreendidas como estratégias sistemáticas para suprir lacunas nacadeia referencial construída linguística, textual e sociocognitivamente.(Marcuschi, 2008)

    Além disso, a enorme presença das AI em textos orais e escritos revela queelas são uma das estratégias mais produtivas. Isso reforça a postulação de que asanáforas (diretas e indiretas) não são “propriedades” do texto, mas resultam dotrabalho dos sujeitos sobre os textos e sobre a linguagem. No entanto, as AIcontinuam a representar, como nos diz Marcuschi, um “desafio teórico” importante.

    Mais uma vez, podemos dizer que lá onde não se vê uma abordagemcomplexa tanto por articular diferentes dispositivos analíticos advindos dosestudos linguísticos (especialmente de estudos gramaticais de base funcionalistae de base sociopragmática e/ou sociocognitiva) como por se voltar paradispositivos construídos por outras disciplinas (especialmente a psicologia social,a retórica, os estudos literários e as ciências cognitivas), é que podemosreconhecer:

    a) o desenvolvimento de dispositivos analíticos que colaboram para acompreensão da complexidade dos processos sociocognitivos envolvidosna produção e compreensão dos textos;

    b) o reforço de uma abordagem que prevê uma indissociável articulação, naelaboração de seus dispositivos analíticos, entre os estudos lingüístico-textuais e outras ciências, de forma a alcançar o objetivo de explicar anatureza sociocognitiva do fenômeno linguístico-textual.

    Por fim, um importante pressuposto sociocognitivista, em sentido amplo, é o deVan Dijk & Kintsch (1983, p. 83) que defendem que o processamento cognitivo de

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    um texto consiste de diferentes estratégias processuais, entendendo-se estratégiacomo "uma instrução global para cada escolha a ser feita no curso da ação". Para

    os autores, tais estratégias consistem em hipóteses operacionais eficazes sobre aestrutura e o significado de um fragmento de texto ou de um texto inteiro.

    Assim, de acordo com Koch (2008a), falar em processamento estratégicosignifica dizer que os usuários da língua realizam simultaneamente, em váriosníveis, passos interpretativos finalisticamente orientados, efetivos, eficientes,flexíveis, tentativos e extremamente rápidos. Além disso, a autora afirma que “oprocessamento estratégico depende não só de características textuais, como

    também de características dos usuários da língua, tais como seus objetivos,convicções e conhecimentos de mundo” (Koch, 2008b, p. 17)

    Ao assumirem esses pressupostos, os pesquisadores do campo dosestudos do texto produzem análises textuais que não apenas consideram que ossujeitos envolvidos nos processos de produção e compreensão textual operam deforma estratégica de modo a produzir e/ou compreender textos, mas tambémrevelam, em suas análises, as pistas linguísticas que vão sendo deixadas pelosprodutores e que indiciam a natureza estratégica e sociointerativa doprocessamento textual.

    3. A ênfase nos aspectos sociais e culturais do fenômeno textual

    Se nos perguntarmos sobre quais os dispositivos analíticos criados a partirdo desenvolvimento da própria LT e/ou foram reelaborados e incorporados ao seuinstrumental analítico de forma a se produzir explicações sobre a natureza social e

    cultural do fenômeno textual, podemos dizer que um dos primeiros foram oscritérios estabelecidos para a definição da textualidade: coerência;situacionalidade; intencionalidade; aceitabilidade; intertextualidade,informatividade. A partir do estabelecimento desses critérios, a LT assume que acoesão não é um critério nem necessário nem suficiente para a construção datextualidade.

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    A nosso ver, a própria ênfase dada à noção de processamento estratégicopermitiu que se desse visibilidade à articulação entre teorias de base cognitiva e

    teorias pragmáticas, já que as operações cognitivas necessariamente feitas pelosparticipantes do processo de produção e compreensão textual encontram-seinextrincavelmente vinculadas aos propósitos comunicativos desses participantese ao conjunto de conhecimentos, crenças e valores forjados nas experiênciassociais.

    Uma outra ênfase importante e que mostra a relação entre os processos deprodução textual e o mundo social nos quais emergem é a consideração de que

    os textos são heterogêneos em sua constituição, ou seja, sãoformados/compostos a partir de tipos/sequências textuais de diferentes naturezas,principalmente em função das restrições da situação enunciativa.

    Acreditamos que as importantes mudanças pelas quais passou acompreensão do objeto textual no interior do campo da Lingüística Textual e daLingüística revelam, segundo Bentes e Rezende (2008), um primeiro momento,onde o mais importante era descrever a chamada text-language , principalmenteconsiderando fenômenos e recursos que permitissem observar a conectividadeentre as partes internas que constituem o texto; e um segundo momento, onde oconceito de texto passou a estar necessariamente associado ao de textualidade,pressupondo assim uma concepção de língua como ação e ou atividade e o textocomo um lugar de construção de relações e de objetos-de-discurso de naturezasdiversas e dependentes do contexto histórico e social mais amplo.

    4. Conclusões

    Assim, a LT é historicamente marcada pelas seguintes opções:• uma abordagem necessariamente interdisciplinar;• a articulação de diferentes dispositivos analíticos no interior mesmo do

    campo da linguística (abordagem intradisciplinar complexa);• a eleição de objetos de estudo tais como unidades complexas e/ou

    processos constitutivos da produção e recepção de textos.

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    Alguns exemplos de unidades desenvolvidos pela LT:• unidades linguísticas: expressões referenciais; conectivos; anafóricos;• unidades textuais: tópico discursivo; sequência textual;• unidades discursivas: gêneros textuais.

    Alguns exemplos de processos de natureza diversa que são estudados /analisados pela LT:

    • o estabelecimento da coerência textual;• a elaboração de inferências;• o estabelecimento de relações intertextuais;• a progressão textual;• a progressão referencial;• a construção conjunta da referência no curso da interação verbal;• o estabelecimento de uma orientação argumentativa para a produção

    textual;

    A meu ver, continuamos a ter pela frente uma urgência de várias tarefas dentreas quais:

    • o aprofundamento das descrições e análises das complexas estruturastextuais;

    • as análises dos processos cognitivos constitutivos das e incorporados àsinterações sociais que estão na base da produção e recepção dos textos;

    • as investigações das dimensões socio-interacionais da produção e darecepção dos textos;

    • as investigações que enfatizem o entendimento do fenômeno textualarticulando seus aspectos formais e sociohistóricos (Hanks, 2008).

    Por fim, pode-se dizer que a LT, de um modo geral, compreende os textoscomo formas de cognição social que permitem ao homem organizarcognitivamente o mundo (Koch, 2002:157), o que significa dizer que cognição emundo social encontram-se fundamentalmente imbricados e a LT tem um

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    compromisso com a elucidação dos processos de produção e de recepção textualque se desenvolvem no curso da vida social.

    Por isso, os textos constituem-se no que a autora, seguindo Antos, denomina“estações intermediárias” para a criação de outros textos e para a assimilaçãotextualmente baseada do conhecimento. Essa concepção de texto é o quepropicia que essa disciplina cumpra a sua tarefa de ir fomentando a convergênciae a imbricação de muitos caminhos para o desenvolvimento e o aprimoramentodos estudos sobre o fenômeno textual.

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  • 8/16/2019 TEXTO 2 - A Abordagem Do Texto - BENTES

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