27
Análise da narrativa no caso: Agosto Paula Puhl * Índice 1 Fundamentação teórica ................. 3 1.1 Narrativa – Um conceito em mutação ......... 3 1.2 Diegesis e mimesis .................. 4 1.3 Narração e descrição ................. 8 1.4 Narrativa e discurso .................. 11 1.5 O romance como alternativa na relação discurso X narrativa ........................ 14 2 A literatura de Rubem Fonseca e o seu romance Agosto 15 2.1 Breve perfil da obra de Rubem Fonseca ........ 15 2.2 Agosto e suas características ............. 17 3 O pensamento de Gérard Genette como aporte teórico para a análise de conteúdo no caso Agosto ....... 18 3.1 As categorias resultantes do artigo fronteiras da nar- rativa de G. Genette .................. 19 4 A análise de conteúdo de Agosto de acordo com as ca- tegorias de G. Genette .................. 21 5 Considerações finais ................... 25 6 Referências bibliográficas ................ 26 * Doutora em Comunicação Social PUCRS- Brasil.

Texto 37 - PHUL, Paula Rubem. Análise Da Narrativa No Caso_Agosto

Embed Size (px)

DESCRIPTION

.

Citation preview

  • Anlise da narrativa no caso: Agosto

    Paula Puhl

    ndice1 Fundamentao terica . . . . . . . . . . . . . . . . . 31.1 Narrativa Um conceito em mutao . . . . . . . . . 31.2 Diegesis e mimesis . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41.3 Narrao e descrio . . . . . . . . . . . . . . . . . 81.4 Narrativa e discurso . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111.5 O romance como alternativa na relao discurso X

    narrativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142 A literatura de Rubem Fonseca e o seu romance Agosto 152.1 Breve perfil da obra de Rubem Fonseca . . . . . . . . 152.2 Agosto e suas caractersticas . . . . . . . . . . . . . 173 O pensamento de Grard Genette como aporte terico

    para a anlise de contedo no caso Agosto . . . . . . . 183.1 As categorias resultantes do artigo fronteiras da nar-

    rativa de G. Genette . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194 A anlise de contedo de Agosto de acordo com as ca-

    tegorias de G. Genette . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215 Consideraes finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 256 Referncias bibliogrficas . . . . . . . . . . . . . . . . 26

    Doutora em Comunicao Social PUCRS- Brasil.

  • 2 Paula Puhl

    O estudo da narrativa sempre foi alvo de diversas discusses,conceitos e opinies diferentes. Em um meio to contraditrio enebuloso, este trabalho tentou resgatar nas formas no-narrativas,uma definio da narrativa. Para isso, nos baseamos na obra An-lise Estrutural da Narrativa - pesquisas semiolgicas, organizadapor Roland Barthes, datada de 1971, caracterizada por ser umaespcie de coletnea que aborda como tema principal a narrativae os elementos que a acompanham ou interferem na sua significa-o de alguma maneira.

    No entanto, trabalharemos especificamente, com o ltimo textoda obra, denominado de Fronteiras da Narrativa, escrito por G-rard Genette da Faculdade de Letras e Cincia Humanas de Parise autor de diversas obras sobre o tema em questo.

    A relevncia do tema pode ser explicitado atravs das palavrasde Barthes (1971), quando levanta o aspecto de que so inumer-veis as narrativas no mundo. Segundo o autor, vivemos rodeadospelas narrativas, que podem ser encontradas no mito, na fbula,no conto, no romance, na pintura, no cinema, nas histrias emquadrinhos, etc.. A narrativa est sempre presente em todos ostempos e lugares, ou seja, est entre os homens, no importandoclasse ou cultura.

    Aps uma concisa reviso de literatura, seguindo os passos deG. Genette, escolhemos como objeto de pesquisa e anlise o ro-mance Agosto, de Rubem Fonseca, a fim de discorrer uma anlisede contedo de um captulo da obra, a partir de categorias pr-estabelecidas, oriundas do texto de Genette.

    A escolha de um romance para ser analisado deu-se pela im-portncia deste gnero atravs dos sculos. De acordo com Sch-ler (1989) o romance nasceu como testemunha do declnio daIdade Mdia, trazendo consigo a conscincia da transformao.Coube ao romance, desde o comeo, retratar os conflitos individu-ais e a vida cotidiana, opondo-se a noes medievais latinas, queno admitiam a contaminao de lealdade e traio, amplamentepraticadas pelo romance, destaca Schler.

    Com o passar dos anos o romance, antes privilgio de nobres

    www.bocc.ubi.pt

  • Anlise da narrativa no caso: Agosto 3

    e burgueses, chegou populao menos favorecida, graas ao de-senvolvimento da imprensa escrita, conquistando um admirvelpblico por intermdio do romance-folhetim, que era oferecidoem sries dirias pelos jornais. Schler acredita que, devido aesta expanso, o mercado necessitou a produo temtica de ro-mances, e assim surgem os romances histricos, sociais, realistas,psicolgicos, etc.. A narrativa romanesca comea a ter o empenhode apanhar e interpretar a realidade.

    Agosto, de Rubem Fonseca, espelha muitas das caractersticasdo romance descritas anteriormente. Esta obra trata-se de umamescla de romance histrico, pois aborda um dos mais impor-tantes fatos polticos brasileiros -o suicdio do presidente GetlioVargas- com um romance psicolgico, j que os personagens sointimamente abertos para o leitor que vai conhecendo seus pensa-mentos, suas angstias, isto , o leitor imergido no ntimo dospersonagens a cada pgina.

    Sendo assim, este estudo pretende, tomando como base osconceitos levantados por G. Genette, desvendar estas categoriasdescritas por este autor, no terceiro captulo de Agosto (em anexo). pertinente destacar que, se tratando de uma pesquisa qualitativa,com utilizao de anlise de contedo, as escolhas foram feitas,buscando suprir as necessidades do pesquisador em relao apli-cao do pensamento de G. Genette.

    1 Fundamentao terica1.1 Narrativa Um conceito em mutao necessrio lembrar que os conceitos que sero descritos posteri-ormente, esto baseados no artigo Fronteiras da Narrativa, escritopor Grard Genette pertencente obra, organizada por RolandBarthes, intitulada Anlise Estrutural da Narrativa - pesquisassemiolgicas (1971).

    O autor inicia ressaltando um conceito generalista de narra-tiva, que por conveno, no domnio da expresso literria, po-

    www.bocc.ubi.pt

  • 4 Paula Puhl

    demos definir como representao de um acontecimento, real oufictcio, por meio da linguagem, mais particularmente da lingua-gem escrita.

    Mas definir positivamente a narrativa acreditar na idia ouno sentimento de que a narrativa no nada mais natural do quecontar uma histria ou arrumar um conjunto de aes em um mito,um conto, uma epopia, um romance.

    A literatura foi evoluindo e teve como conseqncia, entre ou-tras coisas, chamar ateno para o seu aspecto singular, artificiale problemtico do ato narrativo. Genette busca reconhecer certosmodos negativos da narrativa, a considerar os principais jogos deoposies por meio dos quais a narrativa se define e se constituiem face das diversas formas da no-narrativa.

    1.2 Diegesis e mimesisO autor busca o primeiro exemplo de oposio descrita na Poticade Aristteles que, segundo Nunes (1995), a mais recuada e du-radoura matriz da teoria da literatura. Para o filsofo, a narrativa(diegesis) um dos modos de imitao, enquanto a representaopotica (mimesis) a representao direta dos acontecimentos,que ocorre por intermdio das falas e aes dos atores perante umpblico.

    A partir desta distino entre poesia narrativa e poesia dram-tica, que j havia sido citada por Plato no 3o livro da Repblica,com 2 diferenas. Por um lado Scrates nega ali narrativa aqualidade (para ele um defeito) da imitao, e por outro lado eletoma em considerao aspectos de representao direta, que soos dilogos que podem comportar um poema no dramtico comoos de Homero.

    Plato fala a respeito do domnio da lexis, que de acordo como pensador a maneira de dizer, em oposio a logos, que designao que dito. Podemos dividir a lexis, teoricamente, em imitaopropriamente dita, que seria a mimesis e a simples narrativa, de-nominada de diegesis.

    www.bocc.ubi.pt

  • Anlise da narrativa no caso: Agosto 5

    Plato diz que, tudo que o poeta narra falando em seu prprionome, sem procurar fazer crer que um outro que fala, se tratade uma simples narrativa. Para exemplificar, Plato usa o canto Ida Ilada, quando Homero fala a propsito de Criss: ele tinhavindo s belas naves dos Aqueus, para reaver sua filha, trazendoum imenso resgate e segurando, sobre o seu basto de ouro, asfitas do arqueiro Apolo; e ele suplicava a todos os Aqueus, massobretudo aos dois filhos de Ateu, bons estrategistas.

    J a imitao consiste no fato de Homero fazer falar o prprioCriss, segundo o filsofo, falar fingindo ser o prprio Criss eesforando-se para nos dar na medida do possvel a iluso deque no Homero que fala, mas sim o velho sacerdote Apolo(Plato apud in Genette, 1971). Plato diz que Homero poderiater seguido sua histria sob a forma puramente narrativa, narrandoas palavras de Criss, ao invs de reproduzi-las, dando um estiloindireto e prosa.

    H uma diviso terica oposta no interior da dico potica, ados modos puros e heterogneos da narrativa e da imitao, queconduz e funda uma classificao prpria dos gneros, que com-preende os dois modos puros: o narrativo, representado pelo tea-tro, mais um modo misto, ou mais precisamente, alternado, que o da epopia, como exemplo a Ilada.

    Aristteles, por sua vez, possui uma classificao diferente,que reduz toda a poesia imitao, distinguindo somente doismodos imitativos. O direto, que Plato nomeia de imitao, e onarrativo, que Aristteles denomina como Plato de diegesis.

    Aristteles identifica o gnero dramtico como um modo imi-tativo, o define pelas condies cnicas da representao dram-tica, sem levar em considerao seu carter misto. J o gneropico se identifica ao modo narrativo puro.

    A representao dramtica pode justificar-se pelo fato de quea obra pica, permanece essencialmente narrativa, visto que osdilogos so enquadrados e conduzidos pelas partes narrativas queconstituem, no sentido prprio, o fundo, a trama do seu discurso.

    www.bocc.ubi.pt

  • 6 Paula Puhl

    No importa a parte material dos dilogos ou discursos em estilodireto, mesmo que esta parte se sobreponha a da narrativa.

    Genette afirma que, Aristteles reconhece em Homero estasuperioridade sobre os outros poetas picos. Pois ele intervmo menos possvel em seu poema, colocando em cena, na maiorparte das vezes, personagens caracterizados, conforme o papel dopoeta, que imitar o mximo possvel.

    Aristteles reconhece o carter imitativo implcito dos dilo-gos Homricos e portanto o carter misto da dico pica, narra-tiva em seu fundo, mas dramtica em sua extenso.

    As duas classificaes, tanto a de Plato quanto a de Aris-tteles, concordam que existe uma oposio do dramtico e donarrativo, sendo o dramtico considerado mais imitativo que o se-gundo. Os dois filsofos acreditam que a narrativa um modoenfraquecido, atenuado da representao literria.

    Genette destaca a importncia de levantar um fator que ne-nhum dos dois filsofos se preocupou, mas que pode restituir narrativa todo seu valor e importncia. A imitao direta, comofunciona em cena, consiste em gestos e falas. Enquanto gestos,ela evidencia, representa aes, mas escapa do plano lingstico,onde exercida a atividade especfica do poeta. Porm, consti-tuda por falas, discursos emitidos por personagens, a parte daimitao se resume a isto, em uma obra literria.

    A narrativa mista para Plato, quer dizer o modo de relaomais corrente e mais universal, imita, alternativamente, sobre omesmo tom, uma matria no verbal que deve efetivamente repre-sentar o melhor que puder, e uma matria verbal que se representapor si mesma, e que se contenta, na maioria das vezes, em citar.

    Genette acredita que, em uma narrativa histrica, fiel, o his-toriador - narrador deve ser muito sensvel mudana de regime,quando passa do esforo narrativo na relao dos atos realizados transcrio mecnica das falas pronunciadas. Mas quando setrata de uma narrativa parcial ou completamente fictcia, o traba-lho da fico se exerce igualmente sobre os contedos verbais eno verbais, tem por efeito mascarar a diferena que separa os

    www.bocc.ubi.pt

  • Anlise da narrativa no caso: Agosto 7

    dois tipos de imitao. Um est em frase direta, enquanto o outrofaz intervir um sistema mais complexo.

    Para imaginar fatos e falas procedemos de uma mesma opera-o mental, porm dizer esses atos e dizer estas falas, constituemduas operaes verbais muito diferentes. S a primeira consti-tui uma verdadeira operao, um ato de dico no sentido plat-nico, comportando uma srie de transposies e equivalncias, euma srie de escolhas inevitveis entre os homens da histria aserem retidos e os elementos a serem abandonados, entre os di-versos pontos de vistas possveis, etc.. Todas as operaes evi-dentemente ausentes, quando um poeta ou historiador se limita atranscrever o discurso.

    Pode-se contestar esta diferena entre o ato de representaomental (logos) e o ato de representao verbal (lexis). Porm, Ge-nette diz que estaremos contestando a prpria teoria da imitao,que atribui fico potica a denominao de um simulacro darealidade, transcendente ao discurso que o institui.

    Quanto ao acontecimento histrico, este exterior ao discursodo historiador ou paisagem representada no quadro. Teoria queno faz diferena entre fico e representao, faz com que o ob-jeto da fico se reduza por ela a um real fingido e que espera serrepresentado.

    A noo mesmo de imitao sobre o plano dalexis uma pura miragem, que vai desaparecendo medida que nos aproximamos dela, a linguagem spode imitar perfeitamente a linguagem, ou mais pre-cisamente, o discurso s pode imitar perfeitamenteum discurso idntico; em resumo, a imitao direta ,exatamente uma tautologia. (Genette apud in Barthes1971: 261)

    Genette conclui que, o narrativo o nico modo empregadopela literatura enquanto representao, equivalente verbal de acon-tecimentos no verbais e tambm de acontecimentos verbais, a

    www.bocc.ubi.pt

  • 8 Paula Puhl

    no ser que ele se apague, neste ltimo caso, diante de uma cita-o direta da qual se anula toda a funo representativa.

    A representao literria, a mimesis dos anti-gos, no a narrativa mais os discursos: a narra-tiva, e somente a narrativa. Plato oporia mimesis adiegesis como uma imitao perfeita a uma imitaoimperfeita; mas a imitao perfeita no mais umaimitao, a coisa mesmo, e finalmente a nica imi-tao a imperfeita. Mimesis diegesis. (Genetteapud in Barthes, 1971: 262)

    1.3 Narrao e descrioPartindo do pressuposto de que a representao literria se con-funde com a narrativa (sentido lato), Genette levanta indagaesque no foram abordadas por Plato e Aristteles. O autor de-fende que toda a narrativa comporta com efeito, porm em pro-pores diferentes de um lado representaes de aes e de acon-tecimentos, que constituem a narrao propriamente dita, de outrolado representaes de objetos e personagens, que so o fato da-quilo que se denomina descrio.

    A oposio entre narrao e descrio um dos traos mai-ores da nossa conscincia literria. A descrio nunca teve umaexistncia muito ativa antes do sc. XIX, quando a introduo delongas passagens descritas em romances, que so tipicamente nar-rativos, colocasse em evidncia os recursos e as exigncias desteprocedimento.

    A despreocupao em distinguir descrio e narrao, indi-cada claramente pelo emprego do termo comum diegesis, graasao status literrio, muito desigual dos dois tipos de representao.

    possvel, em princpio, concebermos textos puramente des-critivos, visando a representao de objetos em sua nica exis-tncia espacial, fora de qualquer acontecimento e de dimensotemporal. Realizar uma descrio pura de qualquer elemento nar-rativo mais fcil do que o inverso, pois a mais sbria designao

    www.bocc.ubi.pt

  • Anlise da narrativa no caso: Agosto 9

    dos elementos e circunstncias de um processo pode passar porum esboo de descrio.

    Pode-se dizer que a descrio mais indispensvel do que anarrao, uma vez que mais fcil descrever sem narrar do quenarrar sem descrever, pois os objetos podem existir sem movi-mento, mas no h movimento sem objetos.

    Genette explica que a natureza da relao entre descrio enarrao em textos literrios, segue da seguinte maneira: a des-crio poderia ser concebida independentemente da narrao, masde fato nunca se encontrar em um estado livre. A narrao porsua vez, no pode existir sem a descrio, mas esta dependnciano a impede de representar o primeiro papel, fazendo com quea descrio seja uma escrava sempre necessria, mas submissa,jamais sendo emancipada.

    Em gneros narrativos, como a epopia, o conto, a novela, oromance, em que a descrio geralmente ocupa um lugar muitogrande, e mesmo materialmente maior, vista como um simplesauxiliar da narrativa. No existem, gneros descritivos, e imagina-se mal uma obra em que a narrativa se comportaria como auxiliarda descrio.

    O estudo das relaes entre o narrativo e o descritivo reduz-se a considerar as funes diegticas da descrio, isto , o papelrepresentado pelas paisagens, ou os aspectos descritivos na eco-nomia geral da narrativa.

    A fim de detalhar este estudo sobre a descrio, Genette utiliza-se da tradio literria clssica para abordar duas de suas funesrelativas distintas. A primeira, de certa forma decorativa. Aretrica tradicional classifica a descrio como um ornamento dodiscurso: a descrio longa e detalhada, aparece aqui como umapausa, uma recreao na narrativa, puramente esttica.

    A segunda grande funo da descrio, a mais manifestadahoje, que se imps com Balzac, na tradio do gnero romanesco, de ordem simultaneamente explicativa e simblica, como os re-tratos fsicos, as descries de roupas e mveis tendem, em Bal-zac, e seus sucessores realistas, revelar, e ao mesmo tempo jus-

    www.bocc.ubi.pt

  • 10 Paula Puhl

    tificam a psicologia dos personagens, dos quais so simultanea-mente: signo, causa e efeito.

    Com a evoluo das formas narrativas, a descrio ornamen-tal foi substituda pela descrio significativa, tendendo assim areforar a dominao do narrativo, fazendo com que a descrioperdesse, sem nenhuma dvida, em autonomia o que ganhou emimportncia dramtica.

    As diferenas que separam a descrio e a narrao so dife-renas de contedo, e no tem existncia semiolgica.

    A narrao liga-se a acontecimentos ou aes,considerados como processos puros e por isso peacento sobre o aspecto temporal e dramtico da nar-rativa; a descrio ao contrrio, uma vez que se de-mora sobre objetos e seres considerados em sua si-multaneidade, e encara os processos como espetcu-los, parece suspender o curso do tempo e contribuipara espalhar a narrativa no espao. (Genette apudin Barthes 1971: 265)

    Estes dois tipos de discursos exprimem duas atitudes antitti-cas diante do mundo e da existncia, uma mais ativa, e outra maiscontemplativa, consequentemente, mais potica. Mas referindo-se a representao, narrar um acontecimento e descrever um ob-jeto so duas operaes semelhantes, que utilizam os mesmos re-cursos de linguagem.

    A diferena mais significativa seria talvez o fato de que a nar-rao traz no seu discurso a sucesso temporal, igualmente comodos acontecimentos, enquanto que a descrio deve modular nosucessivo a representao de objetos simultneos e justapostos noespao. Para Genette (1971:266), a linguagem narrativa se dis-tinguiria assim por uma espcie de coincidncia temporal do seuobjeto, do qual a linguagem descritiva seria ao contrrio irreme-diavelmente privada.

    Porm esta oposio perde muito de sua fora na literatura es-crita, onde nada impede o leitor de voltar atrs e de considerar o

    www.bocc.ubi.pt

  • Anlise da narrativa no caso: Agosto 11

    texto, em sua simultaneidade espacial. O autor revela que, por ou-tro lado, nenhuma narrao, nem mesmo da reportagem radiof-nica, no rigorosamente sincrnica ao acontecimento que relata,e a variedade das relaes que podem guardar o tempo da histriae o da narrativa acaba de reduzir a especificidade da representaonarrativa.

    Enquanto modo de representao literria, a des-crio no se distingue nitidamente da narrao, nempela autonomia de seus fins, nem pela originalidadede seus meios, para que seja necessrio romper aunidade narrativo-descritiva (a dominante narrativa),que Plato e Aristteles designaram narrativa. (Ge-nette apud in Barthes 1971: 266)

    Caso a descrio marque uma fronteira da narrativa, esta seruma fronteira interior que reunir sem prejuzo, na noo de nar-rativa, todas as formas de representao literria, e considerar-se-a descrio no como um dos seus modos (o que implicaria umaespecificidade de linguagem) porm, como um dos seus aspectos.

    1.4 Narrativa e discursoRetornando a Plato e Aristteles, que nas suas obras Repblicae a Potica, onde reduziram o campo da literatura ao domnioparticular da literatura representativa: poiesis = mimesis. Genettepretende desenhar uma ltima fronteira da narrativa, que poderiaser a mais importante e a mais significativa, considerando tudo oque se encontrava excludo do potico. Trata-se da poesia lrica,satrica e didtica, utilizando-se de alguns nomes que um gregodo sculo V ou IV deveria conhecer, so eles: Pndaro, Alceu,Safo, Arquloco e Hesodo.

    O que Arquloco, Safo e Pndaro possuem em comum, quesuas obras no consistem em imitao, por narrativa ou represen-tao cnica, de uma ao real ou fingida, exterior pessoa e

    www.bocc.ubi.pt

  • 12 Paula Puhl

    palavra do poeta, mas simplesmente em um discurso mantido porele diretamente em seu prprio nome.

    Genette exemplifica, contando que Pndaro cantava mritos aovencedor olmpico, Arquloco invectivava seus inimigos polticos,Hesodo dava conselho aos agricultores, Empdocles ou Parm-nides falavam da teoria do universo. O elemento comum nestesautores que neles no h nenhuma representao, nem fico,simplesmente uma fala que se investe diretamente no discurso daobra.

    A expresso direta escapou reflexo da Potica, enquantonegligencia a funo representativa da poesia. Surgem assim duasdivises, segundo a importncia sensivelmente igual ao conjuntodo que chamamos hoje literatura.

    Genette adota a diviso proposta por Emile Benveniste entrenarrativa (histria) e discurso, com a diferena que Benviste en-globa na categoria do discurso tudo que Aristteles chamava deimitao indireta, que consiste ao menos na sua parte verbal, emdiscurso emprestado pelo poeta ou narrador a um dos seus perso-nagens.

    Benveniste destaca que certas formas gramaticais como o pro-nome eu e sua referncia implcita o tu, os indicadores pro-nominais, certos demonstrativos ou adverbiais (como aqui, agora,ontem, hoje, amanh) e, certos tempos do verbo, como o pre-sente, passado composto ou futuro, se encontram reservados aodiscurso enquanto que a narrativa em sua forma estrita marcadapelo emprego exclusivo da terceira pessoa e de formas como oairoso (passado simples) e o mais-que-perfeito.

    No importa o idioma, todas estas diferenas servem paracriar uma oposio entre a objetividade da narrativa e a subje-tividade do discurso. Porm Benveniste acredita que, precisolembrar que se trata de uma objetividade e de uma subjetivi-dade definida por critrios de ordem propriamente lingstica: subjetivo o discurso onde se marca, explicitamente ou no, a pre-sena (ou a referncia a) eu, mas este eu no se define de nenhummodo com a pessoa mantm o discurso. Do mesmo modo que o

    www.bocc.ubi.pt

  • Anlise da narrativa no caso: Agosto 13

    presente, que o tempo por excelncia do modo discursivo, no sedefine como o momento em que o discurso enunciado, sem em-prego marcado, para a autora a coincidncia do acontecimentodescrito com a instncia do discurso que o descreve.

    J a objetividade da narrativa se define pela ausncia de todareferncia ao narrador: O narrador omite-se, os acontecimentosso colocados e se produzem medida que aparecem no hori-zonte da histria. como se os acontecimentos narrassem a simesmos.

    Porm preciso acrescentar que as essncias da narrativa edo discurso, quase nunca se encontram em estado puro em ne-nhum texto. Em muitos casos, h uma proporo de narrativa nodiscurso e uma certa dose de discurso na narrativa.

    Assim, se esgota a simetria, pois tudo que se passa com osdois tipos de expresso se encontram muito diferentemente afe-tados pela contaminao, pela insero de elementos narrativosno plano do discurso no basta para emancip-lo, pois estes ele-mentos permanecem com maior freqncia ligados refernciado locutor, que fica implicitamente presente no ltimo plano, eque pode intervir de novo a cada instante sem que este retornoseja considerado uma intruso.

    Ao contrrio de ser normal haver elementos da narrativa emum discurso, visto como infrao a interveno de elementosdiscursivos no interior de uma narrativa. Para Genette (apud inBarthes, 1971: 272)

    A narrativa inserida no discurso se transformaem elemento do discurso, o discurso inserido na nar-rativa, permanece discurso e forma uma espcie dequisto muito fcil de reconhecer e localizar. A purezada narrativa, dir-se-ia, mais fcil de preservar doque a do discurso.

    www.bocc.ubi.pt

  • 14 Paula Puhl

    1.5 O romance como alternativa na relaodiscurso X narrativa

    Genette diz que uma das atividades deste estudo, poderia ser ode repertoriar e classificar os meios pelos quais a literatura narra-tiva (particularmente a romanesca) tem tentado organizar de umamaneira aceitvel, no interior de sua prpria lxis, as relaes es-treitas e delicadas que se encontram as exigncias da narrativa e asnecessidades do discurso. Porm, o autor admite que o romancenunca conseguiu solucionar o problema dessa relao.

    Houveram diversas tentativas, durante sculos diferentes, deresolver esta discusso. Na poca clssica, por exemplo, o autor-narrador assumia o seu prprio discurso, intervinha na narrativacom uma indiscrio marcada, interpelando o seu leitor no tom daconversao familiar.

    V-se tambm ao contrrio nesta mesma poca, o autor trans-fere todas as suas responsabilidade do discurso a um personagemprincipal que falar, isto , narrar e comentar ao mesmo tempoos acontecimentos em primeira pessoa.

    Outra alternativa foi repartir o discurso entre os diversos ato-res, seja sob a forma de cartas, como fez freqentemente o ro-mance do sc., ou ainda de uma maneira mais gil e sutil de umJoyce ou de um Faulkner, fazendo sucessivamente a narrativa serassumida pelo discurso interior dos seus principais personagens.

    O nico momento de equilbrio entre discurso e narrativa, semescrpulo e ostentao foi no sc. XIX, a idade clssica da narra-o objetiva, com Balzac e Tolstoi.

    De acordo com Genette, Hammett ou Hemingway tentaramconduzir a narrativa ao seu mais alto grau de pureza. Para isto foipreciso excluir a exposio dos motivos psicolgicos, sempre di-fcil de apresentar sem recurso a consideraes gerais de naturezadiscursiva, as qualificaes implicando numa apreciao pessoaldo narrador, as ligaes lgicas, etc; at reduzir a dico roma-nesca a essa sucesso de frases curtas, sem articulaes.

    O que se interpretou com freqncia como uma aplicao

    www.bocc.ubi.pt

  • Anlise da narrativa no caso: Agosto 15

    literatura das teorias behavioristas era talvez somente o efeito deuma sensibilidade aguda a certas incompatibilidades da lingua-gem. Todas essas caractersticas da escritura romanesca contem-pornea ganhariam, sem dvida, se analisadas sob este ponto devista, alm da tendncia atual, manifestada em Sollers ou um Thi-baudeau, por fazer desaparecer a narrativa no discurso presente doescritor no ato de escrever, no que Foucault chama o discurso li-gado ao ato de escrever, contemporneo de seu desenvolvimentoe encerrado nele.

    Tudo se passa como se a literatura tivesse esgotado ou ultra-passado os recursos de seu modo representativo, e pretendesserefletir sobre o murmrio indefinido de seu prprio discurso.

    Genette (apud in Bathes 1971: 274) acredita que talvez o ro-mance, aps a poesia, consiga sair da idade da representao.

    Talvez a narrativa, na singularidade negativaque acabamos de reconhecer, seja j para ns, comoa arte para Hegel, uma coisa do passado, que pre-ciso considerar s pressas em sua retirada, antes quetenha desertado completamente nosso horizonte.

    2 A literatura de Rubem Fonseca e o seuromance Agosto

    Aps uma breve incurso atravs dos pressupostos levantados porGenette, iremos abordar o nosso objeto de estudo que se encontrano romance Agosto de Rubem Fonseca.A fim de compreendermosum pouco melhor o estilo literrio do autor, relevante para onosso estudo conhecermos algumas caractersticas do autor e datemtica das suas obras.

    2.1 Breve perfil da obra de Rubem FonsecaRubem Fonseca comeou a se destacar em 1963, com um pe-queno volume de contos intitulados Os prisioneiros. O autor sem-

    www.bocc.ubi.pt

  • 16 Paula Puhl

    pre buscou preservar sua intimidade, afastando-se de entrevista-dores, no comentava suas obras por mais escandalizadas que fos-sem ou criticadas. Seus romances e contos abordam temas como:assassinatos, assaltos, roubos, trfico de drogas, corrupo poli-cial, violncia e sexualidade.

    Em Agosto, obra publicada em 1990, o autor segue as suascaractersticas primordiais, de acordo com Gil (1991) seu virtu-osismo est quando ele se transforma em narrador de histrias,problematizando uma verdade ficcional. Fonseca faz com queexista uma coerncia entre o real e a fico.

    Gil (1991) ressalta que o contedo, juntamente com os pres-supostos histrico-culturais, so fundamentais para dar sentido composio dos romances de Rubem Fonseca. Podemos dizer queexiste nos textos de Rubem Fonseca, uma sincronia entre o tempohistrico e o tempo ficcional. Gil afirma que h uma gradativainsero do pas na esfera do capitalismo industrial de consumo emassa, presente na obra do autor.

    No que envolve seus personagens, h sempre uma identifica-o destes com a realidade social na qual esto inseridos. Gil(1991:162) exemplifica esta caracterstica:

    Rubem Fonseca se ordena e toma a direo pri-meiro no sentido da impossibilidade de os persona-gens estabelecerem relaes substantivas com a re-alidade social ( e s relaes pessoais totalmente de-gradadas ou so vontades e desejos de vivenciar ex-perincias desse mundo que, agora, j se tornaraminacessveis).

    Alm do desmoronamento de todas as relaes pessoais entreos seus personagens, o autor os cria em uma esfera antagnica.Segundo Silva (1980), eles podem ser tanto um burgus quantoum marginal, e tambm um ser que sofre de um acossamento psi-colgico. Silva prossegue, descrevendo que os personagens fereme matam, mas sofrem com isto uma eterna angstia, so lcidos,mas encontram-se sempre desesperados.

    www.bocc.ubi.pt

  • Anlise da narrativa no caso: Agosto 17

    Por fim, Rubem Fonseca caracterizado por ser um escritorbem dotado e de ter um raro poder de observao do seu meio. Se-gundo Afrnio Coutinho (apud in Silva 1980), este um requisitobsico para um escritor, para transpor letra artstica mediante oseu imaginrio e seu estilo.

    Os livros de Rubem Fonseca so obra de arte li-terria no melhor sentido, seja pela sua lngua vivaze franca, seja pelo uso de todos os recursos tcnicosda arte ficcional moderna, seja pela segura e argutaviso dos costumes sociais contemporneos. (Cou-tinho, apud in Silva 1980:168)

    2.2 Agosto e suas caractersticasAgosto foi publicado em 1990 e caracteriza-se principalmente porse tratar de uma narrativa de cunho policial, de contar com umgrande nmero de personagens que possuem ligaes entre si,alm do clima de mistrio e investigao presente do incio aofinal da obra.

    Para uma maior aproximao com o romance, julgamos ne-cessrio uma breve sinopse de Agosto. A histria se resume noassassinato de um empresrio ocorrido na madrugada de 1o deagosto de 1954, no quarto de um luxuoso duplex no Rio de Ja-neiro. A pouco quilmetros dali o tenente Gregrio Fortunato,chefe da Guarda pessoal do Presidente Getlio Vargas, comea aarquitetar outro crime: o atentado ao jornalista Carlos Lacerda,que terminaria vinte dias depois, na maior tragdia poltica doBrasil. O personagem central da trama um delegado de Polciachamado Mattos, muito depressivo e incorruptvel, atormentadopor uma lcera gstrica e duas namoradas. Mattos sai obsessi-vamente atrs de provas para solucionar os dois crimes - o as-sassinato de Carlos Lacerda e do empresrio-, sendo que os doiscrimes possuam um fato incomum: o principal suspeito era umhomem negro.

    www.bocc.ubi.pt

  • 18 Paula Puhl

    Neste romance podemos identificar alguns pontos levantadospor Silva (1980) quando ele caracteriza a obra do autor como acondenao de instituies, a vitria dos bandidos, a violnciaurbana e o uso de uma linguagem vulgar utilizada, visando o ladotrgico das metrpoles, alm de servir para o autor manifestartodo o seu repdio perante a realidade da qual se ocupa.

    Silva continua, destacando que a obra literria de Rubem Fon-seca realista, pois se concentra em temas extrados de grandesconcentraes urbanas e violentas- no caso de Agosto, j que ahistria se passa no Rio de Janeiro.

    Neste romance Rubem Fonseca funde texto e contexto, apre-sentando um diagnstico da sociedade em que vive. A trama dospersonagens se funde com um momento de grande importnciapara o Brasil, o autor aproveitando-se da realidade, do seu tes-temunho, transformando-o em uma forma literria. A literaturano espelho, escritor no fotgrafo. Ao invs de reproduzir,sua obra transfigura, revela (Silva, 1980: 14).

    3 O pensamento de Grard Genette como aporteterico para a anlise de contedo no casoAgosto

    Retornaremos novamente fundamentao terica baseada emGrard Genette, que ir nortear a anlise do objeto escolhido, par-tindo dos conceitos considerados mais relevantes dentro da expo-sio feita pelo autor, no seu artigo Fronteiras da Narrativa.

    importante ressaltar que a escolha destes conceitos se deuatravs da utilizao da tcnica de anlise de contedo de acordocom Laurence Bardin (1977), que une o contexto direto prolon-gado da investigao com o objeto pesquisado. Os pressupos-tos de Bardin buscam na pesquisa qualitativa e atravs da an-lise de contedo, uma viso precisa, mas ao mesmo tempo flex-vel, por acreditar que a compreenso exata do sentido capital(1977:115)

    www.bocc.ubi.pt

  • Anlise da narrativa no caso: Agosto 19

    3.1 As categorias resultantes do artigo fronteirasda narrativa de G. Genette

    O artigo de Genette sofreu uma acurada anlise a partir de umprocesso de estabelecimento de relaes entre os conceitos dis-corridos ao longo do seu texto. Podemos dizer que, atravs deuma leitura flutuante1 e de posse dos elementos globais aborda-dos por Genette, organizaram-se categorias comparativas que iropermitir a anlise do nosso objeto de estudo, que sero apresenta-das logo aps, por intermdio de quadros comparativos:

    Quadro Comparativo I

    Diegesis Mimesismodo de imitao, representa-o potica

    modo de imitao, a repre-sentao direta dos aconteci-mentos por atores falando ouagindo perante o pblico

    denominada de simples narra-tiva por Plato, o autor fala emseu prprio nome, sem procu-rar fazer crer que outro quefala

    Denominada por Plato deimitao propriamente dita, oautor fala atravs do persona-gem

    1Leitura flutuante, segundo Laurence Bardin (1977) a leitura dos dadosobtidos.

    www.bocc.ubi.pt

  • 20 Paula Puhl

    Quadro Comparativo II

    Narrao Descriomistura representaes deaes e acontecimentos

    Representao de objetos epersonagens

    Prima pela ao, pelo movi-mento dos objetos

    Representao de objetos emuma nica existncia espa-cial, fora de qualquer dimen-so temporal.

    Existem gneros narrativos(como o conto, o romance,etc..), onde a descrio ocupaum lugar muito grande.

    sempre um simples auxiliarda narrativa, pois no exis-tem gneros descritivos, po-rm responsvel pela drama-ticidade

    considerada um processopuro, considera o aspectotemporal

    esttico, uma pausa, uma re-creao na narrativa, sem pre-ocupao com o tempo, mascom a ordem explicativa esimblica

    www.bocc.ubi.pt

  • Anlise da narrativa no caso: Agosto 21

    Quadro Comparativo III

    Narrativa Discursohistria tudo o que Aristteles cha-

    mava de imitao indireta2emprego exclusivo da ter-ceira pessoa e dos verbos empassado simples e no passadomais-que-perfeito

    Caracterizado pelo pronome?eu?, sua referncia ao ?tu?,indicadores pronominais,certos demonstrativos ouadverbiais, e os tempos deverbos no presente, passadocomposto ou futuro

    objetividade -ausncia aonarrador

    subjetividade - presena oureferncia ao eu

    um modo particular, defi-nido por um certo nmero deexcluses e condies restri-tivas

    um modo natural de lingua-gem, o mais aberto e univer-sal.

    a narrativa no pode discorrersobre si mesma

    o discurso pode narrar semcessar o discurso

    4 A anlise de contedo de Agosto de acordo comas categorias de G. Genette

    Elegemos algumas categorias extradas do artigo de Genette, queforam organizadas em forma de quadros comparativos, a fim defacilitar a anlise do objeto em questo.

    As categorias elencadas foram:1- Diegesis e Mimesis;2- Narrao e Descrio;3- Narrativa e Discurso.

    www.bocc.ubi.pt

  • 22 Paula Puhl

    Para estruturarmos a anlise foi feita a escolha do terceiro ca-ptulo do romance Agosto3, que servir como corpus da pesquisa,para a partir da, referendarmos com extratos deste captulo, osconceitos descritos acima, seguindo os princpios de G. Genette.

    1- Diegesis e Mimesis

    Exemplos de diegesis:Depois que desligou o comissrio lembrou-se que tinha um

    encontro com seu Emlio, o maestro, s cinco e meia. Como tinhatempo, pois era muito cedo, o comissrio decidiu homenagear seuEmlio ouvindo La Traviata. (p.43)

    Comentrio: H uma representao verbal do ato de Mattos,um dos protagonistas do romance.

    Procurar entender as coisas levava-o sempre a um frustrantecrculo vicioso. (p. 48)

    Comentrio: O autor (narrador) fala por ele mesmo, ele noquer fazer ser acreditado ser o personagem.

    Exemplos de mimesis: Eu tambm no gosto de fuar a vida sexual de ningum.

    Mas o senador deve ser desse tipo de mich que gosta de contarvantagens para as garotas na cama, tomando champanhe. Muitasvezes conseguimos informaes teis. (p. 45)

    Comentrio: percebemos que o discurso de Rubem Fonsecase mistura ao do personagem Rosalvo, um agente de polcia.

    ...Sabe quantos anos tinha Verdi quando comps esta obra-prima, quando a histria da pera virou de cabea para baixo,ou para cima, com o Falstaff? Oitenta anos, a minha idade me-nino. Mas no Brasil qualquer coisa de oitenta anos tem que serdestruda, jogada no lixo. por isso que antigamente todos osgrandes cantores vinham ao Brasil e agora ningum mais vemaqui, nem um Del Monaco, nem mesmo um Pinza, que no sabeler uma nota de msica, ningum! (p. 53)

    3 O terceiro captulo de Agosto est em Anexo, da pgina 43-54 da obra.

    www.bocc.ubi.pt

  • Anlise da narrativa no caso: Agosto 23

    Comentrio: Este trecho foi retirado de um dilogo do maes-tro Emlio com Mattos. O autor fala, atravs do personagem.

    2- Narrao e Descrio

    Exemplos de narraes:Numa pequena oficina de consertos de automveis, o mec-

    nico Cosme, durante uma briga, dera um golpe com uma chavede cruz na cabea de um sujeito que deixara o carro para reparos,matando-o. (p. 46)

    Comentrio: H uma representao de ao e acontecimentos,com partes descritivas.

    Entrou na confeitaria e sentou-se, de frente para aporto. Fal-tavam dez minutos para as cinco. Por alguns instantes pensouem ir embora. Por que ficar ali para rever a mulher que o ha-via desprezado? O que Alice estava querendo dele? Ajuda? Eleno queria desforrar-se dela deixando de ajud-la, o vingar-seajudando-o, o que seria ainda mais mesquinho. Ficou olhando osdesenhos art-nouveau na parede. ( p. 49)

    Comentrio: O tempo aparece como elemento importante den-tro desta narrao, mas aparece novamente a descrio.

    Exemplos de descries:Cosme seria um tipo lombrosiano com estigmas fsicos de cri-

    minalidade como fonte fugidia, a proeminncia dos zigomas, aagudeza do ngulo facial, o prognatismo, a plagiocefalia. (p. 47)

    Comentrio: Nesta frase feito um retrato fsico do persona-gem, causando dramaticidade, no entanto no h uma refernciatemporal, e sim uma ordem explicativa e simblica.

    O velho j o esperava ao lado da esttua de Chopin. Usava,como sempre, chapu panam e gravata borboleta, mas o chapuestava amassado e o terno era de caro. O colarinho sujo. A ben-gala de casto de prata, que segurava na mo, em vez de torn-loelegante, como antes, dava-lha agora uma aparncia frgil e en-ferma. (p. 51)

    www.bocc.ubi.pt

  • 24 Paula Puhl

    Comentrio: A ao no representada, no h nenhum acon-tecimento nem uma dimenso temporal.

    3- Narrativa e Discurso

    Exemplos de narrativas:Mattos parou ao lado de um dos lees que flaqueavam a es-

    cadaria do Palcio Monroe. Virou-se para olhar o imponenteedifcio So Borja, que ficava bem em frente, do outro lado daavenida Rio Branco. Os senadores haviam escolhido um lugarmuito conveniente para as suas folganas. (p. 48)

    Comentrio: Compreendemos o trecho acima mesmo sem sa-bermos quem fala, no h presena de um discurso, usada aobjetividade.

    O mecnico, um homem franzino, de vinte e dois anos, ficaracom um enorme hematoma sob a vista esquerda. A oficina dele edo pai, um portugus que na ocasio da briga estava ausente, nolaranjal que a famlia tinha em Noiva Iguau. (p. 46)

    Comentrio: a narrativa pode ser sinnimo de contar uma his-tria, com objetividade, utilizando os verbos no presente, passadosimples e no passada mais-que-perfeito.

    Exemplos de discursos:No o vejo a muito tempo... Na ltima vez, matei aula para

    ir me encontrar com ele em frente esttua do Chopin... Era alique os claqueurs se reuniam... Naquele dia amos combinar aclaque do Parsifal... (p. 50)

    Comentrio: Algum fala, sua situao no ato mesmo de falar foco das significaes mais importantes. O discurso dependede determinaes essncias para ser compreendido, e isto ocorrequando sabemos a situao em que a frase foi construda.

    Acho que vou deixar para outro dia...No estou sabendocomo dizer o que quero dizer...Voc se encontra comigo nova-mente? Amanh? Amanh terei mais coragem... (p. 51)

    Comentrio: O discurso foi emprestado a um dos persona-

    www.bocc.ubi.pt

  • Anlise da narrativa no caso: Agosto 25

    gens( parte verbal), alm de conter subjetividade, e uso de verbosno presente, passado composto e futuro.

    5 Consideraes finaisEsta pesquisa buscou cruzar a definio de narrativa, juntamentecom seus elementos constituintes, com a aplicao dos concei-tos, descriminados por G. Genette, no romance Agosto de RubemFonseca. O motivo de escolha desta obra pode tentar ser justi-ficada atravs das inquietaes e curiosidades a respeito da nar-rativa deste autor brasileiro, que possui um talento especial paravasculhar e desenvolver o imaginrio dos seus leitores.

    Ento agregamos os conhecimentos narrativos de Genette aoestilo diferenciado de Rubem Fonseca, para desenvolvermos a ta-refa de desempenhar uma anlise da narrativa. Para surpresa, no-tamos que a narrativa est longe de ser um gnero puro. Seguida-mente so encontrados traos do discurso, da descrio, nas suasentrelinhas, com o intuito de dar mais dramaticidade, seja para oconto, para a epopia, para o romance, etc..

    A literatura um objeto de estudo, dos mais ricos e estimulan-tes, talvez por tratar com as nossas operaes mentais de compre-enso e assimilao, quando lemos uma obra. Cria-se uma novaatmosfera, a atmosfera da fantasia, da fico, que nos remete alugares que nunca havamos imaginado.

    Por isso, no pretendemos ser categricos e taxativos durantea exposio dos dados, por estarmos analisando algo muito com-plexo e discutivo por vrias correntes de autores, sejam eles me-dievais ou contemporneos. Pois a preocupao com a narrativaliterria um assunto em pauta desde a sbia poca onde Plato eAristteles discutiam o grau de imitao da narrativa.

    A partir dos filfosos surgiram inmeros estudiosos, todoscom a mesma finalidade de entender a narrativa, porm o estudofica cada vez mais complexo e desgastante, pois a produo lite-rria se expande e muda de caracterstica, dependendo do autorque a concebe.

    www.bocc.ubi.pt

  • 26 Paula Puhl

    Ao final deste estudo que teve como objeto Agosto, perce-bemos a importncia de cada frase, de cada elemento dentro danarrativa, que colabora para sentirmos este efeito mgico e envol-vente no momento em que lemos um livro. uma experinciavivenciada, que reconfigura o mundo real a partir da fico.

    Contando histrias, os homens articulam suaexperincia do tempo, orientam-se no caos das mo-dalidades de desenvolvimento, demarcando com in-trigase desenlaces o curso muito conplicado das aesreais dos homens. Desse modo, o homem narradortorna inteligvel para si mesmo a inconstncia as coi-sas humanas, que tantos sbios, pertencendo a cul-turas diversas, opuseram ordem imultvel dos as-tros (Ricoeur apud in Nunes 1995)

    6 Referncias bibliogrficasBARDIN, Laurence. Anlise de Contedo. So Paulo, Martins

    Fontes, 1977.

    BARTHES, Roland (org.). Anlise Estrutural da Narrativa- pes-quisas semiolgicas. Editora Vozes Ltda, Rio de janeiro,1971.

    FONSECA, Rubem. Agosto. Editora Schwarcz Ltda, So Paulo,1991.

    GENETTE, Grard. Fronterias da Narrativa. IN. Anlise Estru-tural da Narrativa- pesquisas semiolgicas (255-274), (org.

    BARTHES, Roland), Editora Vozes Ltda, Rio de Janeiro, 1971.GIL, Fernando Cerisara. A potica da destrutividade: texto e con-

    texto em Rubem Fonseca. Dissertao de Mestrado, do Ps-Graduao de Letras da UFRGS, 1991.

    www.bocc.ubi.pt

  • Anlise da narrativa no caso: Agosto 27

    NUNES, Benedito. O Tempo da Narrativa. Editora tica, SoPaulo, 1995.

    SCHLER, Donaldo. Teoria do Romance. Editora tica, SoPaulo, 1989.

    SILVA, Deonsio da. O palimpsesto de Rubem Fonseca: violnciae erotismo em Feliz Ano Novo. Dissertao de Mestrado, docurso de Ps-Graduao de Letras da UFRGS, 1980.

    www.bocc.ubi.pt

    Fundamentao tericaNarrativa -- Um conceito em mutaoDiegesis e mimesisNarrao e descrioNarrativa e discursoO romance como alternativa na relao discurso X narrativa

    A literatura de Rubem Fonseca e o seu romance AgostoBreve perfil da obra de Rubem FonsecaAgosto e suas caractersticas

    O pensamento de Grard Genette como aporte terico para a anlise de contedo no caso AgostoAs categorias resultantes do artigo fronteiras da narrativa de G. Genette

    A anlise de contedo de Agosto de acordo com as categorias de G. GenetteConsideraes finaisReferncias bibliogrficas