Texto 5 - Bernardo M. Fernandes

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Fernandes, Bernardo Manano. Movimentos socioterritoriais e movimentos socioespaciais : Contribuio terica para uma leitura geogrfica dos movimentos sociais. En: OSAL : Observatorio Social de Amrica Latina. Ao 6 no. 16 (jun. 2005- ). Buenos Aires : CLACSO, 2005- . -- ISSN 1515-3282 Disponible en:http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/osal/osal16/D16MFernandes.pdf

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Movimentos socioterritoriais e movimentos socioespaciaisContribuio terica para uma leitura geogrfica dos movimentos sociais1 Bernardo Manano Fernandes*

professor e pesquisador do Departamento de Geografia, Universidade Estadual Paulista (UNESP). Coordenador do Grupo d e Tr a b a l h o Desenvolvimento Rural do Conselho Latino-Americano de Cincias Sociais (C L AC SO).

*

Gegrafo,

Espao e territrio O espao social a materializao da existncia humana. Esta definio extremamente ampla de espao foi elaborada por Henry Lefebvre (Lefebvre, 1991: 102). O espao assim compreendido uma dimenso da realidade. Esta amplitude, de fato, oferece diferentes desafios para a Geografia que tem o espao como categoria de anlise e necessita estud-lo para contribuir com sua compreenso e transformao. Dentre os maiores desafios, com certeza, esto os trabalhos de elaborao do pensamento geogrfico para a produo de um corpo conceitual, a partir da Geografia em um dilogo permanente com as outras cincias. Por sua amplitude, o conceito de espao pode ser utilizado de modos distintos. Todavia, muitas vezes a sua utilizao no compreensvel, porque no se define o espao do qual est se falando. assim que o espao vira uma panacia. Para evitar equvocos, preciso esclarecer que o

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espao social est contido no espao geogrfico, criado originalmente pela natureza e transformado continuamente pelas relaes sociais, que produzem diversos outros tipos de espaos materiais e imateriais, como por exemplo: polticos, culturais, econmicos e ciberespaos. O espao parte da realidade, portanto, multidimensional. Para uma eficaz anlise conceitual necessrio definir o espao como composicionalidade, ou seja, compreende e s pode ser compreendido em todas as dimenses que o compem. Essa simultaneidade em movimento manifesta as propriedades do espao em ser produto e produo, movimento e fixidez, processo e resultado, lugar de onde se parte e aonde se chega. Por conseguinte, o espao uma completitude, ou seja, possui a qualidade de ser um todo, mesmo sendo parte. Desse modo, o espao geogrfico formado pelos elementos da natureza tambm e pelas dimenses sociais, produzidas pelas relaes entre as pessoas, como a cultura, poltica e a economia. As pessoas produzem espaos ao se relacionarem diversamente e so frutos dessa multidimensionalidade. O Espao geogrfico contm todos os tipos espaos sociais produzidos pelas relaes entre as pessoas, e entre estas e a natureza, que transformam o espao geogrfico, modificando a paisagem e construindo territrios, regies e lugares. Portanto, a produo do espao acontece por intermdio das relaes sociais, no movimento da vida, da natureza e da artificialidade, principalmente no processo de construo do conhecimento. O espao social uma dimenso do espao geogrfico e contm a qualidade da completividade. Por causa dessa qualidade, o espao social complementa o espao geogrfico. O mesmo acontece com todos os outros tipos de espaos. Esse o carter da composicionalidade, em que as dimenses so igualmente espaos completos e completivos. Essas qualidades dos espaos desafiam os sujeitos que neles vivem e pretendem compreend-los. O espao multidimensional, pluriescalar ou multiescalar, em intenso

Essas qualidades dos espaos desafiam os sujeitos que neles vivem e pretendem compreend-los. O espao multidimensional, pluriescalar ou multiescalar, em intenso processo de completibilidade, conflitualidade e interao

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processo de completibilidade, conflitualidade e interao. As relaes sociais, muitas vezes, realizam leituras e aes que fragmentam o espao. So anlises parciais, unidimensionais, setoriais, lineares, uniescalar, incompletas e, portanto, limitadas, porque necessitam delimitar. Essas leituras espaciais fragmentrias promovem desigualdades e diferentes formas de excluso. A superao dessa viso de mundo exige ponderabilidade na criao de mtodos que desfragmentem o espao e que no restrinjam as qualidades composicionais e completivas dos espaos. Essa a identidade do espao, sua plenitude, como demonstra Milton Santos (1996: 50) na elaborao de uma definio plena de espao. As relaes sociais so predominantemente produtoras de espaos fragmentados, divididos, singulares, dicotomizados, fracionados, portanto, tambm conflititivos. A produo de fragmentos ou fraes de espaos resultado de intencionalidades das relaes sociais, que determinam as leituras e aes propositivas que projetam a totalidade como parte, o seja, o espao em sua qualidade completiva apresentado somente como uma frao ou um fragmento. Essa determinao uma ao propositiva que interage com uma ao receptiva e a representao do espao como frao ou fragmento se realiza. Assim, a intencionalidade determina a representao do espao. Constitui-se, portanto, numa forma de poder, que mantm a representao materializada e ou imaterializada do espao, determinada pela intencionalidade e sustentada pela receptividade. Sem essa relao social o espao como frao no se sustenta. importante reforar que o espao como fragmento ou frao uma representao, construda a partir de uma determinao interagida pela receptividade, constituda por uma relao social. Desse modo, apresentam o espao poltico somente como poltico, o espao econmico somente como econmico e o espao cultural somente como cultural. Essa compreenso se efetiva, ainda que os espaos polticos, econmicos e culturais sejam multidimensionais e completivos do espao geogrfico. A intencionalidade um modo de compreenso que um grupo, uma nao, uma classe social ou at mesmo uma pessoa utiliza para poder se realizar, ou seja, se materializar no espao, como bem definiu Lefebvre. A intencionalidade uma viso de mundo, ampla, todavia una, sempre uma forma, um modo de ser, de existir. Constitui-se em uma identidade. Por esta condio, precisa delimitar para poder se diferenciar e ser identificada. E assim, constri uma leitura parcial de espao que apresentada como totalidade. Afinal, todos os povos se sentem o centro do universo. Desse modo, a multidimensionalidade do espao restringida ao ser delimitada pela determinao da intencionalidade. Em outras palavras: a parte transformada em

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todo e o todo transformado em parte. Isso significa que o espao agora passa a ser compreendido segundo a intencionalidade da relao social que o criou. , ento, reduzido a uma representao unidimensional e a viso que o criou, embora parcial, expandida como representao da multidimensionalidade. A relao social em sua intencionalidade cria uma determinada leitura do espao, que conforme o campo de foras em disputa pode ser dominante ou no. E assim, criam-se diferentes leituras socioespaciais. Dessa forma produzido um espao geogrfico e ou social especfico: o territrio. O territrio o espao apropriado por uma determinada relao social que o produz e o mantm a partir de uma forma de poder. Esse poder, como afirmado anteriormente, concedido pela receptividade. O territrio , ao mesmo tempo, uma conveno e uma confrontao. Exatamente porque o territrio possui limites, possui fronteiras, um espao de conflitualidades. Os territrios so formados no espao geogrfico a partir de diferentes relaes sociais. Entretanto importante lembrar que o territrio um espao geogrfico, assim como a regio e o lugar, e possui as qualidades composicionais e completivas dos espaos. A partir desse princpio, essencial enfatizar que o territrio imaterial tambm um espao poltico, abstrato. Sua configurao como territrio refere-se s dimenses de poder e controle social que lhes so inerentes. Desde essa compreenso, o territrio

mesmo sendo uma frao do espao tambm multidimensional. Essas qualidades dos espaos evidenciam nas partes as mesmas caractersticas da totalidade. So as relaes sociais que transformam o espao em territrio e vice e versa, sendo o espao um a priori e o territrio um a posteriori. O espao perene e o territrio intermitente. Da mesma forma que o espao e o territrio so fundamentais para a realizao das relaes sociais, estas produzem continuamente espaos e territrios de formas contraditrias, solidrias e conflitivas. Esses vnculos so indissociveis. A contradio, a solidariedade e a conflitividade so relaes explicitadas quando compreendemos o territrio em sua multidimensionalidade. O territrio como espao geogrfico contm os elementos da natureza e os espaos produzidos pelas relaes sociais. , portanto, uma totalidade restringida pela intencionalidade que o criou. A sua existncia assim como a sua destruio sero determinadas pelas relaes sociais que do movimento ao espao. Assim, o territrio espao de liberdade e dominao, de expropriao e resistncia. As relaes sociais, por sua diversidade, criam vrios tipos de territrios, que so contnuos em reas extensas e ou so descontnuos em pontos e redes, formados por diferentes escalas e dimenses. Os territrios so pases, estados, regies, municpios, departamentos, bairros, fbricas, vilas, propriedades, moradias, salas, corpo, mente, pensamento, conhecimento. Os territrios so, portanto, concretos e imateriais. O espao geogrfico de uma nao forma um territrio concreto, assim como um paradigma forma um territrio imaterial. O conhecimento um importante tipo de territrio, da a essencialidade do mtodo. Para a construo de leituras da realidade fundamental criar mtodos de anlise, que so espaos mentais (imateriais) onde os pensamentos so elaborados. Para um uso no servil dos territrios dos paradigmas necessrio utilizar-se da propriedade do mtodo. Para a Geografia o territrio uma totalidade, portanto multidimensional. Para outras cincias o territrio pode ser compreendido apenas como uma dimenso. Assim como o desenvolvimento, o territrio multidimensional, portanto no existe uma dimenso territorial do desenvolvimento. A compreenso do territrio como espao unidimensional trata-o como um setor, chamando-o equivocadamente de territrio. Essa uma prtica muito comum na implantao dos denominados projetos de desenvolvimento territorial. No espao as relaes sociais se materializam e se reproduzem, produzindo espaos e territrios em movimentos desiguais, contraditrios e conflitivos. Denominamos esses movimentos de processos geogrficos, que so tambm processos sociais. As relaes sociais a partir de suas intencionalidades produzem espaos, lugares, territrios, regies

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e paisagens. Ao produzirem seus espaos e neles se realizarem as relaes sociais, tambm produzidas pelos espaos. Essa indissociabilidade promove os movimentos dos espaos sociais e dos territrios nos espaos geogrficos. Nesses movimentos as propriedades dos espaos e dos territrios so manifestadas em aes, relaes e expresses, materiais e imateriais.

Movimentos socioterritoriais e movimentos socioespaciais As reflexes tericas apresentadas neste artigo possibilitam aprofundar as leituras geogrficas a partir das aes dos movimentos sociais. As primeiras reflexes a respeito do conceito de movimentos socioterritoriais datam da segunda metade da dcada de 1990 e resultaram na publicao do artigo Movimento Social como Categoria Geogrfica (Fernandes, 2000b). Essas reflexes continuaram no debate com o gegrafo francs Jean Yves Martin (2001) e resultaram na publicao do texto Movimento socioterritorial e globalizao: algumas reflexes a partir do caso do MST (Fernandes e Martin, 2004). Estes trabalhos resultam de um desafio e esforo no sentido de superar os contedos sociolgicos do conceito de movimento social, muito utilizado nos trabalhos de gegrafos, mas que pouco contribui para um estudo geogrfico dos processos desenvolvidos pelos movimentos produtores e construtores de espaos sociais e transformadores de espaos em territrios. Da mesma forma como alguns movimentos produzem e constroem espaos, tambm se espacializam e possuem espacialidades. A produo ou a construo do espao acontece pela ao poltica, pela intencionalidade dos sujeitos para transformao de suas realidades. Os espaos polticos so reproduzidos pelo movimento da ao, constituindo a espacializao. Os contedos desses espaos so manifestados por suas inerncias: a espacialidade e a espacializao so propriedades do espao em seu movimento. Do mesmo modo que alguns movimentos transformam espaos em territrios, tambm se territorializam e so desterritorializados e se reterritorializam e carregam consigo suas territorialidades, suas identidades territoriais constituindo uma pluriterritorialidade. A transformao do espao em territrio acontece por meio da conflitualidade, definida pelo estado permanente de conflitos no enfretamento entre as foras polticas que procuram criar, conquistar e controlar seus territrios. Os territrios se movimentam tambm pela conflitualidade. O territrio espao de vida e morte, de liberdade e de resistncia. Por essa razo, carrega em si sua identidade, que expressa sua territorialidade.

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Para evitar mal-entendidos com relao a nosso pensamento, enfatizamos que movimento social e movimento socioterritorial so um mesmo sujeito coletivo ou grupo social que se organiza para desenvolver uma determinada ao em defesa de seus interesses, em possveis enfrentamentos e conflitos, com objetivo de transformao da realidade

Os socilogos, na construo do conceito de movimento social, preocupam-se predominantemente com as formas de organizao e com as relaes sociais para explicar as aes dos movimentos. Essa uma possibilidade, que contribui parcialmente para a compreenso dos espaos e dos territrios produzidos/construdos pelos movimentos. Mas no satisfatria. As formas de organizao, as relaes e as aes acontecem no espao. Elas se realizam no espao geogrfico e em todas as suas dimenses: social, poltico, econmico, ambiental, cultural, etcetera. Portanto, a partir do momento que nos propomos a realizar uma anlise geogrfica dos movimentos, alm da preocupao com as formas, aes e relaes, fundamental compreender os espaos e territrios produzidos ou construdos pelos movimentos. Esses espaos so materializaes, se concretizam na realidade, em lugares diversos, espaos mltiplos, e possvel mape-los de diferentes modos, contribuindo com leituras geogrficas. Neste sentido, todos os movimentos so socioespaciais, inclusive os socioterritoriais, pois o territrio construdo a partir do espao (Lefebvre, 1991). Os movimentos socioterritoriais para atingirem seus objetivos constroem espaos polticos, espacializam-se e promovem espacialidades. A construo de um tipo de territrio significa, quase sempre, a destruio de um outro tipo de territrio, de modo que a maior parte dos movimentos socioterritoriais forma-se a partir dos processos de territorializao e desterritorializao. Para evitar mal-entendidos com relao a nosso pensamento, enfatizamos que movimento social e movimento socioterritorial so um mesmo sujeito coletivo ou grupo social que se organiza para desenvolver uma determinada ao em defesa de seus interesses, em possveis enfrentamentos e conflitos, com objetivo de transformao da realidade. Portanto, no existem um e

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outro. Existem movimentos sociais desde uma perspectiva sociolgica e movimentos socioterritoriais ou movimentos socioespaciais desde uma perspectiva geogrfica. com essa preocupao que apresentamos esse ensaio terico, ou seja, construir um referencial que nos permita compreender como as formas de organizao e as relaes sociais definem e delimitam os espaos e os territrios de ao dos movimentos. No nos interessa o espao em si, mas o movimento do espao e sua transformao em territrio. No nos interessa somente o espao fsico em si, mas o espao geogrfico em sua totalidade. Estudamos o espao em movimentos e o movimento no espao e no territrio. Com essa preocupao cunhamos os conceitos que nos possibilitam compreender as aes dos movimentos socioespaciais e dos socioterritoriais, a partir dos espaos e dos territrios construdos pelas relaes sociais, materiais e imateriais. Os movimentos socioterritoriais tm o territrio no s como trunfo, mas este essencial para sua existncia. Os movimentos camponeses, os indgenas, as empresas, os sindicatos e os estados podem se constituir em movimentos socioterritoriais e socioespaciais. Porque criam relaes sociais para tratarem diretamente de seus interesses e assim produzem seus prprios espaos e seus territrios. As organizaes no governamentais se constituem apenas como movimentos socioespaciais. Estas so agncias de mediao, uma vez que as ONGs so sempre representaes da reivindicao, de espaos e ou de territrios. No so sujeitos reivindicando um territrio. No existem a partir de um territrio. So sujeitos reivindicando espaos, so entidades de apoio ou contrrias aos movimentos socioterritoriais e socioespaciais, so agncias intermedirias, que produzem espaos polticos e se espacializam. As igrejas podem ser movimentos socioespaciais e ou movimentos socioterritoriais, dependendo das relaes sociais com as quais trabalham, podem ser agncias de mediao ou defender seus prprios interesses. De acordo com as pesquisas da Comisso Pastoral da Terra (CPT, 2005: 219-224), existiam, at 31 de dezembro de 2004, em torno de 240 movimentos socioespaciais e socioterritoriais atuando em todo o territrio brasileiro. Desses a maior parte de movimentos socioterritoriais isolados e respondiam por um nmero menor de aes, enquanto os movimentos territorializados executaram um nmero maior de aes, enquanto os movimentos socioespaciais aparecem com agncias de mediao. Movimentos (socioterritoriais) isolados so aqueles que atuam em uma determinada microrregio ou num espao geogrfico equivalente. Consideramos esses movimentos

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como isolados no por estarem sem contato com outras instituies, mas sim por atuarem um espao geogrfico restrito. Os movimentos (socioterritoriais) territorializados so aqueles que atuam em diversas macrorregies e formam uma rede de relaes com estratgias polticas que promovem e fomentam a sua territorializao. Todos os movimentos territorializados comeam como movimentos isolados. Estes ao se territorializarem e romperem com a escala local, se organizam em redes e Douglas Mansur ampliam suas aes e dimensionam seus espaos. A construo desses espaos e seus dimensionamentos so essenciais para as aes dos sujeitos que procuram transformar a realidade. No existe transformao da realidade sem a criao de espaos. No campo e na floresta, os movimentos socioterritoriais so predominantemente movimentos camponeses, movimentos componeses-indgenas e movimentos indgenas em luta pela terra e pelo territrio. Na cidade, os movimentos socioterritoriais so predominantemente os movimentos de sem-teto. Constroem seus espaos e espacializam-se para conquistar o territrio, promovendo assim a territorializao da luta pela terra e pela moradia. Os movimentos socioespaciais e os socioterritoriais enfrentam contra-espaos (Moreira, 2002), com exemplos das medidas polticas do Estado constitudas como barreiras espaciais para impedir a espacializao e territorializao dos movimentos camponeses. O conflito fato presente nas aes dos movimentos socioterritoriais e so promotores de desenvolvimento e refluxo das polticas das instituies. A excluso, a negociao e a ressocializao so condies que se realizam e se superam por meio das aes dos movimentos na construo de espaos e conquista de territrios.[A O VI N 16 ENERO - ABRIL 2005] OSAL281

Consideraes finais A construo dos conceitos aqui apresentados um processo amplo e de debate permanente. Compreender esses processos importante para a superao de pr-

conceitos contra os sujeitos que lutam por suas existncias na conquista de seus territrios. Muitas vezes so denominados baderneiros porque mexeram, entraram, penetraram em espaos-territrios de onde foram excludos e que, por causa da desigualdade econmica e do controle social, no poderiam entrar, permanecer em seus territrios. Tambm possvel mapear os movimentos das foras polticas sobre o espao geogrfico, transformando as paisagens, criando e destruindo territrios. A leitura geogrfica estratgica e fundamental para o desenvolvimento das intencionalidades que nascem e fazem nascer relaes socioespaciais e socioterritoriais. Igualmente, nos ajuda a compreender como a Geografia pode utilizar uma leitura autnoma, para compreender melhor a realidade dos movimentos e contribuir com outras reas do conhecimento. Os conceitos de movimento Douglas Mansur socioespacial e socioterritorial so tentativas de desfragmentao do espao e do territrio. Pode-se fazer uma leitura mais ampla a partir do conceito de movimento socioterritorial, mas esta sempre ser uma leitura parcial, porque a totalidade da realidade um processo coletivo que s pode ser compreendida no movimento de todos.

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Moreira, Ruy 2002 O espao e o contra-espao: Sociedade Civil e Estado, Privado e Pblico na Ordem Espacial Burguesa em Territrio Territrios (Niteroi: Programa de PsGraduao em Geografia da Universidade Federal Fluminense) N 1. Neves, Achiles Lemos 2004 Dos movimentos socioespaciais aos movimentos socioterritoriais: uma tentativa de compreenso dos movimentos pela perspectiva geogrfica em Anais VI Congresso Brasileiro de Gegrafos (Goinia: Associao dos Gegrafos Brasileiros). Oliveira, Ariovaldo Umbelino 1991 Agricultura camponesa no Brasil (So Paulo: Contexto). Porto-Gonalves, Carlos Walter 2001 Geo-grafas: movimientos sociales, nuevas territorialidades y sustentabilidad (Mxico: Siglo XXI). Porto-Gonalves, Carlos Walter 2005 Geografia da violncia contra a pessoa no campo brasileiro: agronegcio grilagem e devastao em Caderno Conflito no Campo - Brasil 2004 (Goinia: Comisso Pastoral da Terra). Raffestin, Claude 1993 Por Uma Geografia do Poder (So Paulo: tica). Santos, Milton 1988 Metamorfoses do Espao Habitado (So Paulo: Hucitec). Santos, Milton 1996 A Natureza do Espao (So Paulo: Hucitec).

Notas1 Este artigo um novo ensaio de uma reflexo maior em realizao no Ncleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrria (NERA) do Departamento de Geografia da Unesp, campus de Presidente Prudente (So Paulo, Brasil). Nossas primeiras reflexes a respeito do conceito de movimento socioterritorial surgiram em Fernandes (2000a) na realizao da tese de doutorado sobre as aes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em todo o territrio brasileiro. Neste texto, procuramos aprofundar essa discusso a partir de Santos (1988; 1996), Lefebvre (1991), Raffestin (1993), Oliveira (1991), Gonalves (2001) e Fernandes e Martin (2004). Para tanto, revisitamos os conceitos de espao e territrio e apresentamos o conceito de processos geogrficos luz de nossa reflexo com base nas leituras e a partir dos diversos projetos de pesquisa em realizao no NERA. Reforamos nossos argumentos sobre a importncia dos conceitos de movimentos socioterritorial e socioespacial para estudar as realidades contemporneas frente s mudanas paradigmticas. Essa a contribuio contida na parte referente aos movimentos socioterritoriais e socioespaciais. (N. del E.: publicamos nesta ocasio uma verso resumida do presente artigo, o texto completo pode consultar-se na sesso debates do web site do OSAL ).[A O VI N 16 ENERO - ABRIL 2005] OSAL283