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7/22/2019 TEXTO DISSERTATIVO SOBRE O FILME NARRADORES DE JAVÉ Lívia
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ – UESPI
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – CCHL
CURSO: LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA
DISCIPLINA: INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS HISTÓRICOS
PROFª CLARICE LIRA
TEXTO DISSERTATIVO SOBRE O FILME NARRADORES DE JAVÉ
3ª VERIFICAÇÃO DE APRENDIZAGEM
Amanda Mikele Assunção de Ambrósio Ana Manoela da Silva Ferreira
Lívia Beatriz da Silva Alencar
Manoel Cristino Ferreira Júnior
Manuela Noronha Medina
Raylla Pereira de Oliveira
TERESINA
2013
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Narradores de Javé
CAFFÉ, Eliane. Narradores de Javé. Rio de Janeiro: Banananeira Filmes;2003.
Uma pequena e remota comunidade recebe a notícia de que sua cidade
será engolida pelas águas de uma represa a ser construída. Nesse lugar, seus
moradores simplórios, com uma linguagem peculiar e em sua maioria iletrados, são
informados pelo viajado “Zaqueu” que a única chance de manutenção do seu
espaço, reside na possibilidade da cidade vir a ser tombada como patrimônio
histórico e cultural. Precisaria conter, enfim, algo grandioso, por mais queinsuspeitado, em sua origem e em história. Mas, que para isso aconteça, sua
história precisa deixar a condição de “mera” tradição oral, história contada, para ser
aposta nas páginas de um documento, um livro, a ser escrito com rigor técnico e
científico. Para tal incumbência designam por livre e espontânea pressão o carteiro
da cidade, cuja sobrevivência nesse ofício é resultante de uma série de falsas
correspondências, escritas por ele mesmo e atribuídas a supostos moradores do
lugar, nas quais se dá conta de fatos e boatos de suas trajetórias pessoais. As personagens em redor das quais essa história se desenvolve são o
carteiro, chamado “Antonio Biá”; “Zaqueu”, o comerciante que “encomenda” a feitura
da história local; “o Padre”, que tenta ao longo de toda a narrativa influenciar nos
depoimentos colhidos, bem como a orientação do livro e seu conteúdo; “Souza”, o
ouvinte dos relatos de “Zaqueu”; “Deodora”, a que tenta resgatar o papel feminino
através de “Maria Dina” na história do lugar; “Vincentino”, pai do chamego (Tereza)
do carteiro “historiador”, que vê em sua entrevista uma forma de colocar -se comoherdeiro do “herói” local e assim legitimar suas posses ou uma ascendência moral
local; “Indalécio, Indalício ou Indalêo”, vulto histórico de Javé, personagem quase
mítico, que remonta aos primórdios da origem da cidade e que recebe um nome
diferente de acordo com o grupo social que a ele se refere; “Maria Dina, Diná ou
Oxum”, seria a equivalente feminina ao personagem imediatamente anterior; e
“Maria” ou “Cristiana”, que acompanha o carteiro historiador em suas andanças para
feitura do livro, sendo por ele reiteradas vezes ridicularizada, desqualificada, qual
tratamento dado ao feminino nas diversas temporalidades e historiografias, traço só
recentemente em revisão na História ou em sua construção. Ressalta-se ainda a
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presença da figura do sagrado, na metáfora do sino, como o meio de coesão, que
reunia e movia os "fugidos" ou "retirados" em sua trajetória.
O forasteiro, que no início da narrativa perde seu transporte, passa a manter
contato com uma realidade que não lhe pertence; embora não totalmente estranha,
por ali identificar traços de sua própria sociedade, diferente em sua evolução.
Etnocentricamente pode ter ficado tentado a traduzir tal diferença em primitivismo ou
atraso. Os meios de transporte que interrompem lenta e intermitentemente o
isolamento do lugar conferem ao tempo sua propriedade mais elástica, fazendo-o
parecer quase parado, em uma duração digna de qualquer corte dos Annales.
François Dosse, em 1950, disse que uma "crise na idéia de progresso
acentuou o renascimento de culturas anteriores à industrialização". De maneirasimilar, a falta de perspectivas, no universo de Javé quanto ao futuro de sua
sociedade, ensejou uma busca por suas raízes, suas tradições, sua origem, sua
história. Para isso ganharam relevância "as voltas e reviravoltas de seus indivíduos”
na vida cotidiana e as suas memórias. “Na falta de um projeto coletivo que lhes
conferissem poder político para submeter a ordem dominante em direção a uma
outra sociedade", viram-se simplesmente às voltas de... desaparecer.
Com o propósito maior de resgatar-se e fazer-se ouvir, dar-se a ler, asociedade de Javé, grosso modo, lançou mão do mesmo expediente que embasou
as primeiras buscas positivas do século XIX, que repercutiram nas formações dos
estados nacionais, sobretudo o alemão. O rigor científico, ao menos no discurso, era
o norte que supostamente orientava a busca de “Biá” no trato de seu objeto e as
escolhas das suas fontes. Iria lidar nesse caminho com a necessidade de dialogar
com outras áreas insuspeitadas de seu saber. Faria contato com grupos familiares
ao estudo antropológico, à etnologia e à análise social. Sua história ou, ao menos,sua narrativa alternativa (conforme a personagem Biá atesta quando diz "a história é
de vocês, mas a escrita é minha") fez coro a Peter Burke em ressaltar a negação à
sua marginalidade. Uma história vista “de baixo”, a partir da realidade de um grotão
nordestino, haveria de ter algum valor, como patrimônio cultural ou outro qualquer
que lhe impedisse o trágico destino.
Nossa pequena história do Vale do Javé configurou-se um resumo do papel
do historiador, senão na escolha do seu objeto, já que o mesmo foi-lhe imposto, na
escolha de suas fontes e na forma de conferir inteligibilidade a sua narrativa. Mais
que isso, ilustrou como a adaptação de uma versão aos havidos em qualquer tempo
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e espaço está intrinsecamente ligada a quem produz uma perspectiva. Nesta, as
verdades absolutas, escritas com caneta, podem causar danos em seu reparo, ou
em sua edição. Pensando a lápis, como postula nosso professor "Biá", ficamos
abertos às novidades para o preenchimento das lacunas que historiografia ainda não
tratou. Por outro lado, este traço pode também ser apreendido como a manutenção
da possibilidade de adequar a narrativa ao gosto do freguês, tal qual pensam os
poderosos de hoje e pensaram os de ontem, quando se julgam capazes de editar a
realidade à sua conveniência.
No desfecho do nosso filme, uma asseveração de “Zaqueu” sintetiza o
porquê de sua empreita tentada. Ao ser confrontado por “Biá” com a força de um
argumento que é massificado a partir de “cima” e que faz parecer inapelável
qualquer deliberação tomada nessa esfera, retruca: "Se Javé não vale muito para
Antonio Biá, sem Javé, Antonio Biá não vale nada". A mulher e o homem são pouco
mais que nada sem sua história.
Biá caminha olhando o passado a ser "destruído" irremediavelmente pelo
futuro, pelo progresso, pela hidrelétrica. E esta, "responsável" pela transformação do
sertão em mar, afogará a memória, a cultura local e os antepassados, que
posteriormente ficariam escritos para que todos pudessem conhecer.