23
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) As dimensões do projeto político-pedagógico: Novos desafios para a escola / lima Passos Alencastro Veiga, Marília Fonseca (orgs.). - Campinas, SP : Papirus, 2001. - (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico) Vários autores. Bibliografia. ISBN 85-308-0656-5 1. Educação - Brasil 2. Educação e Estado - Brasil l. Veiga, lima Passos Alencastro. II. Fonseca, Marília. 111. Série. CDD-379.81 índices para catálogo sistemático: 1. Brasil: Projeto político-pedagógico: Educação 379.81 2. Projeto político-pedagógico: Brasil: Educação 379.81 AVALIAÇÃO FORMATIVA: EM BUSCA DO DESENVOLVIMENTO DO ALUNO, DO PROFESSOR E DA ESCOLA Benigna Maria de Freitas Villas Boas Origem desta reflexão A construção ainda incompleta do conceito de avaliação formativa manifestada em três diferentes situações originou este texto. A primeira delas foi encontrada na pesquisa sobre "A avaliação nos cursos de formação de profissionais da educação no Distrito Federal: Confronto entre a teoria e a prática", 1 quando se investigou o tratamento dado ao tema avaliação nesses cursos, nos níveis médio e superior. Foram as seguintes as percepções de professores da disciplina "didática", do curso de magistério de escolas públicas e privadas do Distrito Federal, quanto à avaliação formativa, obtidas por meio de entrevistas: 1. Pesquisa desenvolvida entre 1998 e 2000, com financiamento da FAP/DF, pela equipe: Benigna Maria de F. Villas Boas (coord.); Ana Regina Melo Salviano; Lúcia Maria da Cruz Suzart; Luzia Costa de Sousa; Margarida Jardim Cavalcanti e Minam Silva Gomes. 175 Avalia-se tanto a parte de conhecimento como a formativa. 01-4082

Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

As dimensões do projeto político-pedagógico: Novos desafios para a escola / lima Passos Alencastro Veiga, Marília Fonseca (orgs.). - Campinas, SP : Papirus, 2001. - (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico)

Vários autores. Bibliografia. ISBN 85-308-0656-5

1. Educação - Brasil 2. Educação e Estado - Brasil l. Veiga, lima Passos Alencastro. II. Fonseca, Marília. 111. Série. CDD-379.81

índices para catálogo sistemático:

1. Brasil: Projeto político-pedagógico: Educação 379.81 2. Projeto político-pedagógico: Brasil: Educação 379.81

AVALIAÇÃO FORMATIVA: EM BUSCA DO DESENVOLVIMENTO DO

ALUNO, DO PROFESSOR E DA ESCOLA

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

Origem desta reflexão

A construção ainda incompleta do conceito de avaliação formativa

manifestada em três diferentes situações originou este texto. A primeira delas

foi encontrada na pesquisa sobre "A avaliação nos cursos de formação

de profissionais da educação no Distrito Federal: Confronto entre a teoria e a

prática",1 quando se investigou o tratamento dado ao tema avaliação nesses

cursos, nos níveis médio e superior. Foram as seguintes as percepções de

professores da disciplina "didática", do curso de magistério de escolas públicas

e privadas do Distrito Federal, quanto à avaliação formativa, obtidas por meio

de entrevistas:

1. Pesquisa desenvolvida entre 1998 e 2000, com financiamento da FAP/DF, pela equipe: Benigna Maria de F. Villas Boas (coord.); Ana Regina Melo Salviano; Lúcia Maria da Cruz Suzart; Luzia Costa de Sousa; Margarida Jardim Cavalcanti e Minam Silva Gomes.

175

Avalia-se tanto a parte de conhecimento como a formativa.

01-4082

Page 2: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

Deixam-se dois pontos para a avaliação formativa (escala de l a 10). A

nota é em aberto para ser discutida no Conselho de Classe, com a da

participação do aluno, senão não teria sentido o Conselho.

(...) tanto alunos quanto professores estão insatisfeitos com relação à

avaliação. Avaliamos 20% do formativo e 80% do cognitivo. Formativo é:

interesse, participação, assiduidade, pontualidade. Até nisso temos

divergências, por exemplo, a participação. Alguns alunos participam

quando você solicita, eles respondem e alguns professores consideram

como aluno participante. Outros consideram que só a oralidade é parti-

cipação... Os alunos reclamam muito desse aspecto... Mesmo com essas

dificuldades, os professores preferem continuar com os aspectos forma-

tivos. Não querem só a avaliação cognitiva. (Villas Boas 2000, p. 32)

Observa-se dicotomia entre a avaliação relacionada a conteúdos e a

avaliação formativa, essa última compreendendo interesse, participação e

outros itens considerados "não-cognitivos".

A segunda situação que inspirou este texto é uma "nova proposta" de

avaliação implantada nas escolas da rede pública do Distrito Federal para

"superar sua visão estática e classificatória" e "resgatar sua função

formativa", de modo que assuma "um caráter inclusivo, capaz de infundir no

aluno a confiança em si mesmo e estimulá-lo a avançar sempre"

(SE/DF 2000, p. 4). O uso da palavra "resgatar" deixa sempre uma

dúvida: no presente caso, já houve avaliação formativa? Resgatar significa

recuperar algo que existiu.

O documento que contém a nova proposta, denominado "Diretrizes para

avaliação" (SE/DF 2000), afirma que a "ação avaliativa ultrapassa os limites

quantitativos" (op. cit., p. 4), deve observar "quatro dimensões: diagnostica,

processual/contínua, cumulativa e participativa" (op. cit., p. 4) e apresenta os

176

princípios norteadores "dessa nova prática avaliativa": sucesso, diferenças

individuais, diferenças socioculturais, progresso contínuo, liberdade, cooperação,

diálogo e transformação social (op. cit., p. 7). Além disso, as diretrizes assumem

compromisso com a "avaliação formativa interdisciplinar" (op. cit., p. 8). Depois

de tudo isso, estabelece-se que "no caso de serem adotados testes/provas como

instrumento de avaliação, o valor a eles atribuído não pode ultrapassar os trinta

por cento (30%) da nota final de cada bimestre" (op. cit., p. 8). Isso significa que

se praticam dois tipos de avaliação, como na primeira situação apresentada: uma

relacionada a conteúdos e provas e outra relacionada a atividades/dimensões do

trabalho do aluno.

A terceira situação refere-se a um projeto de avaliação formativa de

uma escola de educação infantil e fundamental do Distrito Federal, da rede

privada (a identificação da escola não foi permitida),2 que vem se empenhando

no desenvolvimento da avaliação por objetivos, denominada pela equipe de

"avaliação formativa". Seus objetivos principais são:

. atualizar e tornar coerente o processo de avaliação com as teorias que

apoiam uma prática educativa renovada;

• formar o aluno para aprender a aprender;

• desenvolver o hábito do estudo diário, rompendo, assim, com o vício de

estudar somente na véspera da prova;

• valorizar todos os atos académicos e não somente os que "valem nota";

• legitimar instrumentos diversificados de avaliação. (Projeto Avaliação

Formativa 2000, p. 1)

Gradativamente as notas vêm sendo abolidas: neste ano de 2001

avalia-se o alcance dos objetivos pêlos alunos de 1a a 6a série da educação

fundamental, por meio de quatro níveis: não atingiu o objetivo; atingiu

2. A análise e o acompanhamento desse projeto tiveram início neste ano de 2001 e fazem parte do

Projeto de Pesquisa "Práticas Avaliativas Inovadoras", coordenado pela autora deste capítulo.

177

Page 3: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

parcialmente o objetivo; atingiu suficientemente o objetivo; atingiu

plenamente o objetivo. Esclarece o referido projeto que, "como o colégio

está trabalhando com dois sistemas de avaliação, formativa (por objeti-

vos) e somativa (por notas), foram definidos pesos para cada um dos

Níveis de Aproveitamento, garantindo, assim, que os alunos com apren

dizagem insuficiente não sejam promovidos por causa do cálculo da

nota" (op. cií., p. 3). A secretaria do colégio é responsável pelo calcule da

nota. Após cada período estabelecido para avaliação (bimestral,

trimestral ou anual), apresenta-se um conceito-síntese, como resultado

final do nível de aprendizagem do aluno.

Os pais recebem os objetivos a serem trabalhados no bimestre e, ao

final de cada um deles, recebem o relatório individual, no qual são discri-

minados todos os objetivos trabalhados e os respectivos resultados do aluno.

A equipe de assessores pedagógicos dessa última escola deixou

bem claro que está em busca da avaliação formativa, tendo começado

pelo que tem chamado de avaliação por objetivos.

As descrições das três situações ilustram o entendimento, ainda

em construção, da avaliação formativa. A primeira associa a avaliação

formativa ao comportamento do aluno e a atitudes diante do trabalho,

como participação, interesse, assiduidade e pontualidade. Em outros

casos tenho observado, também, a inclusão de organização dos cadernos e

o atendimento às solicitações feitas pelo professor. A segunda situação

opõe a avaliação formativa à quantitativa, vinculando-a a quatro dimensões:

diagnostica, processual/contínua, cumulativa e participativa (Secretaria

de Educação, p. 4). A terceira utiliza a avaliação por objetivos. As três

referem-se apenas à avaliação do desempenho do aluno; nenhuma

considera a avaliação do trabalho pedagógico de cada turma/disciplina e

a da escola, no conjunto, nem a avaliação da atuação do professor e de

outros profissionais da escola. Mesmo a segunda situação, que trata da

"dimensão" participativa, entende-a somente como a maneira de o professor

178

discutir com os alunos "o estágio de aprendizagem que eles atingiram",

para que, juntos, "planejem novas situações de aprendizagem".

O que é, então, avaliação formativa? Em que dimensões do

trabalho pedagógico ela pode ser adotada? Como pode ser desenvolvida?

Este texto pretende discutir essas questões.

A visão de estudiosos sobre a avaliação formativa

Segundo Aliai (1986), a expressão "avaliação formativa" foi

introduzida por Scriven em 1967, em um artigo sobre a avaliação dos

meios de ensino (currículo, manuais, métodos etc.). Nesse contexto, "os

processos de avaliação formativa são concebidos para permitirem ajus-

tamentos sucessivos durante o desenvolvimento e a experimentação de um

novo curriculum, manual ou método de ensino" (p. 176). Posteriormente,

Bloom e seus seguidores aplicaram a avaliação formativa à avaliação

dos alunos, com o objetivo de orientá-los para a realização do seu trabalho,

ajudando-os a localizar as suas dificuldades e a progredir em sua

aprendizagem. Opõe-se à avaliação somativa, que constitui "um balanço

parcial ou total de um conjunto de aprendizagens" (Cardinet 1986, p. 14).

Distingue-se da avaliação diagnostica por apresentar "conotação menos

patológica, não considerando o aluno como um caso a tratar; considera os

erros como normais e característicos de um determinado nível de

desenvolvimento na aprendizagem" (op. cit., p. 14). A avaliação

formativa requer profunda mudança de atitude, adverte o mesmo autor:

"o erro do aluno não mais é considerado como uma falta passível de

repreensão mas como uma fonte de informação essencial, cuja

manifestação é importante favorecer" (Cardinet 1986, p. 21).

Ao tratarem das diferenças e relações entre a avaliação formativa e a

somativa observadas nos países do Reino Unido, com ressonância

179

Page 4: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

em outros, como Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e os da

Europa, Harlen e James (1997) nos oferecem a oportunidade de

refletir-mos sobre o que já está começando a acontecer no Brasil, com

a implantação da avaliação externa e padronizada. Relatam os autores que

os propósitos da avaliação formativa e os da somativa tornaram-se

confusos na prática, provocando dificuldades no desenvolvimento da

função formativa, cuja importância se relaciona à aprendizagem com

compreensão. Argumentam que os propósitos de ambas diferem em

vários aspectos, dentre eles o referencial para julgamento e o foco das

informações usadas. Isso conduz à suposição de que os "julgamentos

somativos podem ser formados pela simples soma dos formativos" (p.

365). Os seguintes problemas são por eles apontados:

• a avaliação formativa e a somativa são incluídas nas políticas de

avaliação nacional e, em teoria, têm diferentes papéis, mas a

maneira pela qual estão relacionadas uma à outra em docu-

mentos oficiais indica que as suas reais diferenças não são

claramente apresentadas;

• como nos programas de avaliação nacional costumam estar

incluídas as duas funções avaliativas, a verdadeira avaliação

formativa pode estar sendo fracamente praticada (ou não reco-

nhecida como tal) ou os professores podem estar lutando para

cumprir as duas e estar enfrentando sobrecarga de trabalho;

• como a avaliação formativa é aquela planejada e desenvolvida

pêlos professores, há a crença de que toda avaliação feita por

eles é formativa, ocorrendo situações em que eles reduzem os

próprios procedimentos de avaliação a séries de miniavaliações,

cada uma essencialmente somativa.

180

No caso da Inglaterra, os testes que compõem a avaliação

nacional padronizada e que conduzem à construção das tabelas

clas-sificatórias das escolas são mais valorizados do que a

avaliação formativa, o que tem levado a não se oferecer o devido

apoio a essa última (Harlen e James 1997, p. 366). Os autores apontam

as características da avaliação formativa:

• é conduzida pelo professor (essa é a principal);

• destina-se a promover a aprendizagem;

• leva em conta o progresso individual, o esforço nele colocado e outros

aspectos não especificados no currículo; em outras palavras, não é

inteiramente baseada em critérios;

• são considerados vários momentos e situações em que certas capaci-

dades e ideias são usadas, os quais poderiam classificar-se como

"erros" na avaliação somativa mas que, na formativa, fornecem

informações diagnosticas;

• os alunos exercem papel central, devendo atuar ativamente em sua

própria aprendizagem; eles progredirão se compreenderem suas pos-

sibilidades e fragilidades e souberem como se relacionar com elas.

(Idem, p. 366)

Harlen e James (1997, p. 370) afirmam que, diferentemente da

avaliação somativa, que pode referir-se tanto a norma quanto a critério,3 a

formativa leva sempre em conta onde o aluno se encontra em seu

processo de aprendizagem, em termos de conteúdos e habilidades. Por

definição, acrescentam, é baseada em critérios e, ao mesmo tempo, toma

3. A avaliação "referenciada a norma" baseia-se no desempenho do grupo de alunos, seguindo um

padrão relativo. Assim, o desempenho do aluno é relatado em relação à turma, isto é, a nota ou menção

recebida depende de sua posição relativa no grupo. A avaliação "referenciada a critério" baseia -se no

desempenho individual, tomando-se como referencial os objetivos e os critérios de avaliação. A nota

ou menção é atribuída de acordo com sua proximidade às expectativas fixadas pelo professor

(Gronlund 1979, p. 18).

181

Page 5: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

como referência o aluno. Isso significa que a análise do seu progresso

considera aspectos, tais como: o esforço despendido, o contexto particular

do seu trabalho e o progresso alcançado ao longo do tempo.

Conseqüentemente, o julgamento da sua produção e o feedbaek que lhe

será oferecido levarão em conta o aluno e não apenas os critérios de

avaliação. As circunstâncias individuais devem ser observadas se a

avaliação pretende contribuir para o desenvolvimento da aprendizagem e

para o encorajamento do aluno. A avaliação formativa seria desenco-raj

adora para muitos alunos que enfrentam fracasso se fosse baseada

exclusivamente em critérios. A combinação da avaliação baseada em

critérios com a consideração das condições do aluno fornece informações

importantes e é consistente com a ideia de que a avaliação formativa é

parte essencial do trabalho pedagógico. A identificação de problemas ou

dificuldades que os alunos possam ter pode ser feita somente por meio

dessa combinação de informações.

Gipps, McCallum e Hargreaves (2000, p. 6) associam a avaliação

formativa à avaliação informal que, segundo seu entendimento, ocorre

quando o professor apresenta questões, observa os alunos enquanto

trabalham e avalia suas produções de forma planejada e sistemática. A

continuidade desse tipo de avaliação, ao longo do tempo, em contextos

variados, permite ao professor construir compreensão ampla e sólida do

que os alunos aprenderam e do que são capazes de fazer. Esse tipo de

avaliação, dizem elas, é frequentemente chamado de avaliação formativa.

Alguns estudiosos acreditam que é verdadeiramente formativa

apenas a avaliação voltada para o aluno, mas a compreensão geral é de

que o processo envolve principalmente o professor, pelo fato de ele usar as

informações para reorganizar o trabalho pedagógico. Além disso, os

dados obtidos indicam que atividades serão refeitas, quem, individual-

mente ou em grupos, necessita refazê-las ou se é possível dar

182

continuidade ao trabalho. Esses julgamentos realizados pelo professor

devem ser repassados diretamente ao aluno, recomendam as autoras,

para que saiba se pode prosseguir ou não. O pesquisador australiano

Royce Sadler (1998, p. 120) entende que "a avaliação formativa

preocupa-se com a maneira pela qual os julgamentos da qualidade das

respostas dos alunos (...) podem ser usados para desenvolver a sua

competência de forma a reduzir a ocorrência da aprendizagem por

ensaio e erro".

O trabalho de Sadler contribui para que se situe a avaliação

informal no trabalho pedagógico. Segundo ele, mesmo quando o professor

oferece ao aluno observações válidas e/ou notas sobre o seu

desempenho, o progresso nem sempre ocorre, porque ele necessita mais do

que notas. Precisa conhecer os níveis de desempenho, objetivos ou

evidências de aprendizagem que o professor espera dele para que possa

comparar o que já aprendeu com o que ainda lhe falta aprender e

engajar-se no processo apropriado. O feedbaek do professor aponta-lhe o

que fazer para avançar. Notas ou menções não cumprem esse propósito:

desviam a atenção da aprendizagem e são contraprodutivas para os

propósitos formativos (Black e Wiliam 1998).

Black e Wiliam (1998, p. 140) conduziram uma extensa pesquisa

bibliográfica em centenas de livros e periódicos para responder a três

perguntas: 1) Há evidência de que a melhoria da avaliação formativa

eleva os níveis de desempenho dos alunos? 2) Há evidência de que há

possibilidade de melhoria? 3) Há evidência sobre como melhorar a

avaliação formativa?

As respostas às três perguntas são a mesma: sim. Quanto à primeira,

os autores relatam resultados de pesquisas com alunos de baixo rendimento

escolar e com dificuldades de aprendizagem que, ao receberem constante

feeback do professor, conseguiram melhoria considerável em seu desem-

183

Page 6: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

penho. Os alunos que se percebem incapazes de aprender, relatam

autores, geralmente não levam o trabalho a sério. Muitos se torn;

indisciplinados; outros faltam às aulas.

Quanto à segunda pergunta, os autores afirmam que as maiores

dificuldades em avaliação se relacionam a três aspectos. O primeiro diz

respeito à aprendizagem efetiva, cujas dificuldades assim se apresentam: os

testes encorajam a aprendizagem mecânica e superficial; as questões e os

métodos usados pêlos professores não são compartilhados com os colegas

da mesma escola e não são criticamente analisados em relação ao que

realmente avaliam; há a tendência de - principalmente os professores

primários - enfatizarem a quantidade e a prescrição de trabalhos e

negligenciarem sua qualidade. O segundo aspecto refere-se ao impacto

negativo, que inclui as seguintes dificuldades: ênfase na atribuição de

notas em detrimento da orientação para a aprendizagem; adoção de

práticas em que os alunos são comparados uns com os outros, o que gera

competição mais do que desenvolvimento individual. Como consequência, a

avaliação como feedback ensina os alunos de baixo rendimento que lhes

falta capacidade de aprender. O terceiro aspecto apresenta as dificuldades

relacionadas ao papel burocrático da avaliação: os professores

demonstram conhecer, antecipadamente, os resultados dos alunos em testes

externos porque seus próprios testes os imitam, mas, ao mesmo tempo, eles

pouco conhecem as necessidades dos seus próprios alunos; é dada

prioridade ao registro das notas dos alunos em detrimento da análise do

seu trabalho, para conhecimento das suas necessidades. Além disso, os

professores não prestam atenção aos resultados da avaliação dos seus

alunos feita pêlos colegas que os precederam.

O Programa Nacional de Avaliação implantado na Inglaterra e no

País de Gales desde 1988 e ainda em desenvolvimento prevê a combi-

nação dos resultados dos testes padronizados e da avaliação feita pelo

184

professor. Contudo, afirmam Black e Wiliam (1998, p. 142), todos os

recursos têm sido postos sobre os testes externos e nenhuma estratégia foi

desenvolvida para a inclusão dos resultados da avaliação formativa. E

evidente que o compromisso político com os testes externos para

promover a competição obteve prioridade, enquanto o compromisso com a

avaliação formativa sempre foi marginal. Pesquisadores de todo o mundo

têm observado que os testes externos de alto impacto sempre dominam o

ensino e a avaliação. Contudo, eles oferecem aos professores modelos pobres

para a avaliação formativa em virtude de sua função limitada de fornecer

dados sumários gerais em lugar da função diagnostica. Por isso, vários estudos

e pesquisas realizados no Reino Unido têm indicado que a avaliação formativa

necessita urgentemente ser desenvolvida, alertam Black e Wiliam (op. cit.,

p. 142). Como o Brasil está seguindo os mesmos passos dos países que

implantaram a avaliação nacional padronizada e parece que irá cometer os

mesmos erros que eles já corrigiram ou ainda estão tentando corrigir, este é

o momento de repensar o uso dos resultados dos testes externos e de

promover sua combinação aos da avaliação formativa, para que, no conjunto,

reflitam com mais segurança no desempenho do aluno. A avaliação

formativa não tem sido bem compreendida pelas escolas. O

fortalecimento da avaliação externa poderá colocá-la em segundo plano, o

que prejudicará enormemente a aprendizagem dos alunos e o desenvolvimento

da escola.

Construindo o conceito de avaliação formativa

Com base nas contribuições dos autores citados, é possível cons-

truir o entendimento de avaliação formativa como a que promove o

desenvolvimento não só do aluno mas também do professor e da escola.

Admitindo-se que a escola realiza trabalho pedagógico e não simples-

185

Page 7: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

mente processo de ensino e aprendizagem, por meio do qual o p ensina e o

aluno aprende, torna-se fácil compreender a necessidade i ampliação do

conceito de avaliação formativa, estendo-a a todit* sujeitos envolvidos e

a todas as dimensões do trabalho. Segundo perspectiva, abandona-se a

avaliação unilateral (pela qual somente o aluno é avaliado e apenas pelo

professor), classificatória, punitiva e excludente, porque a avaliação

pretendida compromete-se com ;i ;ipre( dizagem e o sucesso de todos os

alunos. Para que isso aconteça, necessário que todos os profissionais da

educação que atuam na escola também tenham oportunidade de se

desenvolver e se atualizar. O sucesso do seu trabalho conduz ao sucesso do

aluno. Toda a escola participa desse ambiente de aprendizagem e

desenvolvimento. Portanto, todas as dimensões do trabalho escolar são

avaliadas, para que se identifiquem os aspectos que necessitam de

melhoria.

Estudiosos brasileiros têm defendido a substituição do paradigma

tradicional da avaliação (entendida como a que enfatiza a quantidade e ai

exatidão das informações reproduzidas) pelo paradigma que busca a avaliação

mediadora, emancipatória, dialógica, integradora, democrática, participativa

etc. Todas essas designações fazem parte do que se entende por avaliação

formativa. Esse é mais um argumento a favor de a avaliação formativa ter como

foco não apenas o aluno mas também o professor e a escola. Esses adjetivos

indicam que seu campo de atuação é mais amplo do que tem sido considerado. O

significado dessas palavras demonstra o caráter abrangente da avaliação. A

segunda situação apresentada no início deste texto aponta a intenção de adotar a

"dimensão participativa" da avaliação. Porém, as diretrizes tratam somente da

avaliação do desempenho do aluno, mostrando que se quer a participação

apenas no trabalho pedagógico da sala de aula (entendida como os espaços e

momentos da interação entre professor e alunos). O entendimento de partici-

pação fica, assim, limitado, quando poderia estender-se a toda a escola.

186

Diferentemente do entendimento apontado na primeira situação

apresentada no início deste texto, a avaliação formativa engloba todas as

dimensões da aprendizagem do aluno: cognitiva, afetiva e psicomotora. A

avaliação será facilitada se todas elas forem desdobradas em objetivos,

competências, habilidades ou evidências de aprendizagem. São entendidas

como dimensões integradas do processo de aprendizagem, não cabendo

dissociá-las para efeito de avaliação, como demonstra a primeira situação,

muito comum em várias escolas. As três dimensões têm a mesma

importância.

O entendimento de que "interesse, participação, assiduidade e

pontualidade" são "aspectos formativos" e, por isso, devem receber

tratamento diferenciado tem trazido dificuldades para a prática da avaliação

Uma das formas de superação dessa noção poderá ser a discussão e a

formulação, pela equipe pedagógica da escola, da concepção do

trabalho por ela executado. Geralmente não se admite que as atmdades do

aluno na escola constituem o seu trabalho, para cujo desenvolvimento há

diretrizes e normas disciplinares (aqui relacionadas à disciplina para o

trabalho e não ao controle do comportamento do aluno). Tanto o

professor quanto o aluno executam um trabalho na escola, que pertence a

ambos e é realizado em parceria. O trabalho do aluno é diferente do

realizado pelo professor, que é remunerado, mas é o seu trabalho, com

características peculiares. Essa concepção do ofício do aluno onenta a

organização do trabalho pedagógico em regime de co-responsabihdade, de

modo que professor e alunos se comprometam com o que fazem e,

portanto, participem e estejam presentes. A avaliação formativa é a que

corresponde a esse tipo de trabalho.

187

Page 8: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

Como desenvolver a avaliação formativa

Pôr em prática essa função da avaliação não é tarefa fácil porque

professores, alunos e pais estão acostumados com a avaliação tradicional e

até a solicitam, sob a alegação de ser a que imprime seriedade e rigor ao

trabalho. Os estudos aqui apresentados mostram que mesmo os países

desenvolvidos têm dificuldades em pôr em prática essa avaliação. Talvez o

maior obstáculo se encontre na tendência mundial de valorização dos

testes externos padronizados, que enfatizam a competição entre alunos e

escolas. Esse é um aspecto político que não pode ser desconsiderado e

contra o qual é difícil lutar. Os países que adotam esses testes destinam

grande quantidade de recursos financeiros para sua elaboração, aplicação e

correção e quase nenhum apoio ao desenvolvimento da avaliação

formativa.

Além dessas dificuldades, a avaliação formativa no Brasil encontra

um obstáculo na própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional - lei n2 9.394/96 -, que estabelece em seu artigo 12, inciso V, que

os estabelecimentos de ensino terão a incumbência de "prover meios para a

recuperação dos alunos de menor rendimento". O artigo 24, em seu

inciso V, define a "obrigatoriedade de estudos de recuperação, de

preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento

escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus

regimentos". Está certa a lei ao considerar ser a escola responsável por

"prover meios" para a recuperação, usando, intencionalmente, o plural e

articulando a avaliação aos procedimentos que assegurem a aquisição da

aprendizagem. Isso significa não ser aceitável que o aluno tenha

apenas a oportunidade de se submeter a uma segunda prova. Contudo,

limitou-se a recuperação àqueles de "menor rendimento" ou de "baixo

rendimento". O uso dessas expressões parece indicar ser natural a

188

existência de dois grupos distintos de alunos: o grupo dos de "maior

rendimento", os privilegiados, ou incluídos, e o grupo dos de "menor" ou

"baixo rendimento", isto é, excluídos, marginalizados. É necessário que a

educação escolar brasileira elimine esse tipo de discriminação, por meio da

construção de um trabalho pedagógico cujas práticas avaliativas apoiem a

aprendizagem de todos os alunos, sem distinção, e em todos os momentos.

Nesse contexto, não cabe a recuperação de estudos episódica, discriminatória e

classificatória. Aliás, assim como a lei não especifica as modalidades de

aprendizagem, não deveria haver a necessidade de normatizar estudos de

recuperação, por constituírem atividades do dia-a-dia escolar. A recuperação

de estudos é parte do trabalho escolar em que se aprendem os conteúdos

necessários ao desenvolvimento das atividades subsequentes. Esse é um

direito de todos os alunos.

Como a LDB possibilita às escolas elaborarem e executarem sua

proposta pedagógica (artigo 12, inciso I), com a participação dos docentes

(artigo 13, inciso I), espera-se que os estudos de recuperação sejam nela

inseridos segundo a função formativa da avaliação.

O desenvolvimento da avaliação formativa será aqui discutido

levando em conta os seguintes aspectos: planejamento da avaliação,

auto-avaliação pelo aluno, auto-estima dos alunos e procedimentos

variados de avaliação.

Planejamento da avaliação

De modo geral, a avaliação não é planejada. Definem-se os objetivos,

selecionam-se os conteúdos, as atividades e os recursos a serem utilizados e,

comumente, aplicam-se provas, às vezes as mesmas dos anos anteriores. É

muito comum o professor aplicar e "corrigir" provas, registrar os resultados

e devolvê-las aos alunos. Além disso, costumam ser solicitadas

189

Page 9: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

atividades, como produções de textos, elaboração e desenvolvimento de

projetos, trabalhos de campo e outras, cujos resultados são entregues ao

professor para avaliação. Este, após fazer suas observações, devolve ao

aluno seus trabalhos, conservando apenas números e/ou palavras sobre o

que foi realizado. Ao final do período letivo, ele recorre aos seus registros

para emitir o julgamento final, em forma de nota ou menção. Contudo, não

tem mais em mãos os trabalhos dos alunos, para que possa analisar o seu

progresso. Essa é a caricatura da avaliação tradicional que, de tão conven-

cional, não precisa ser planejada.

Já a avaliação formativa, pela sua natureza, exige constante reflexão

sobre o processo. A opção pela avaliação formativa é feita por toda a equipe

pedagógica da escola e registrada nos documentos que compõem o projeto

político-pedagógico. Compõem o seu plano: a justificativa da sua adoção, a

abrangência (as atividades a serem avaliadas e quem será avaliado), as

suas finalidades, os procedimentos a serem adotados em cada situação,

como serão registrados os resultados obtidos e o que será feito com eles.

Sem a formulação desse plano, a intenção se perde pelo caminho.

Constantemente é preciso avaliar a própria avaliação: está cumprindo

seus propósitos iniciais? Que obstáculos existem? Como superá-los?

A compreensão das finalidades da avaliação é um componente

importante do processo de planejamento. As seguintes questões orientam a

sua formulação: para que avaliar o grupo de alunos com quem vou

trabalhar ou estou trabalhando? As finalidades estão aliadas às caracte-

rísticas dos alunos. Quem são eles? Qual sua procedência (comunidade

onde moram, escolas/cursos já frequentados)? Qual sua faixa etária? Por

que estão nessa escola/curso? Que experiências de aprendizagem pos-

suem? Que expectativas apresentam? As respostas a essas e a outras

indagações dão início à avaliação diagnostica, imprescindível para o

190

andamento adequado das atividades. Essas informações são úteis não

apenas ao planejamento da avaliação, mas à organização de todo o

trabalho pedagógico da escola/curso.

O alvo da avaliação é outro componente do plano. Quem será

avaliado? O que será avaliado? O aluno individualmente? Grupos de

alunos que trabalham coletivamente? O trabalho pedagógico de toda a

escola, de um curso, de uma turma, de uma disciplina, de uma série? A

atuação do professor e dos demais profissionais da educação que inte-

gram o trabalho? Apenas o aluno é avaliado? Todas essas são questões a

serem analisadas não pelo professor individualmente, mas pelo grupo

que interage com os alunos.

O planejamento da avaliação e o plano que dele resulta são feitos

pelo grupo de profissionais da educação que atua na escola. O plano

resultante do planejamento da avaliação é devidamente registrado, para

que seja constantemente analisado e reformulado, se necessário. Não há

justificativa para que um mesmo aluno submeta-se a processos fragmen-

tados de avaliação, em um mesmo curso. Diretrizes gerais, formuladas

pela equipe pedagógica, são necessárias. Podem e até devem existir

critérios específicos que atendam à natureza particular de cada discipli-

na/tema de trabalho.

A definição de quem será avaliado alia-se às finalidades. Uma

avaliação voltada basicamente para a aprovação ou reprovação, cer-

tamente, terá como alvo apenas o aluno, que será avaliado somente

pelo professor. A avaliação do trabalho e de todos os que dele

participam insere-se no entendimento de avaliação comprometida com o

sucesso de todos.

O estabelecimento do conteúdo da avaliação, no caso da avaliação

do desempenho do aluno, tem sido um ponto em que se encontram

dificuldades. O que avaliar? Tudo? É impossível, dizem alguns. Se é

191

Page 10: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

impossível avaliar "tudo", é possível aprender "tudo"? Em primeiro

lugar, é preciso ficar claro que o que se está avaliando é o desempenho do

aluno e não a sua pessoa, isto é, se é bonzinho, educado, interessado,

assíduo, pontual, participativo, se tem o material organizado etc. Para

que a avaliação ocorra de forma adequada, isto é, para que ela realmente

sirva de apoio à aprendizagem de todos os alunos, o trabalho no qual se

insere deve ter objetivos claros, com base nos quais se selecionam os

conteúdos de aprendizagem.

Em segundo lugar, selecionam-se e avaliam-se os conteúdos (infor-

mações, capacidades, habilidades e atitudes) considerados fundamentais

para o prosseguimento dos estudos ou para a consecução dos objetivos.

Também faz parte do planejamento da avaliação a decisão sobre

como serão usadas as modalidades formal e informal. Resultados de

pesquisas têm demonstrado que a avaliação informal consiste na cons-

trução, pelo professor, "de juízos gerais sobre o aluno, cujo processo de

constituição está encoberto e é aparentemente assistemático" (Freitas

1995, p. 145). Fazem parte dessa modalidade comentários, ameaças,

elogios, castigos, repreensões, encorajamentos, ou seja, toda sorte de

opiniões que o professor forma sobre o aluno, no decorrer da interação de

ambos. Essa modalidade costuma estar muito presente no trabalho

pedagógico de turmas de educação infantil e das séries iniciais da

educação fundamental, oferecendo excelente oportunidade de conheci-

mento do aluno e do seu progresso.

A avaliação formal compõe-se das práticas "que envolvem o uso de

instrumentos explícitos de avaliação, cujos resultados podem ser

examinados objetivamente pelo aluno, à luz de um procedimento claro"

(idem, p. 145). São as provas, os testes e as produções de vários tipos. Os

procedimentos de avaliação formal costumam usar quase exclusivamente a

linguagem escrita. Para se inserirem na avaliação formativa

192

esses procedimentos devem incluir outros tipos de linguagem, como a oral,

a estética, a corporal, a gráfica etc.

A avaliação informal costuma ser conduzida de forma intuitiva e

assistemática, podendo, porém, influenciar os resultados da formal. Não cabe

à modalidade informal extrapolar a avaliação orientada pêlos critérios

estabelecidos, isto é, emitir julgamentos sobre a pessoa do aluno que não se

relacionem com seu desempenho ou que possam denegrir sua imagem.

Contudo, é preciso saber tirar proveito da interação professor-aluno e

aluno-aluno, no sentido de se obterem dados complementares aos da

avaliação formal, sempre com o objetivo de apoio ao trabalho. A avaliação

informal pode contribuir para que o professor conheça melhor cada aluno e

como está se desenvolvendo seu processo de aprendizagem. Para isso, é

preciso que ela seja planejada. Em lugar de opiniões gerais sobre o aluno,

propõe-se que sejam feitas observações sistemáticas e entrevistas.

Auto-avaliação pelo aluno

É inevitável a vinculação da avaliação formativa à auto-avaliação pelo

aluno (Black e Wiliam 1998, p. 143). O principal problema enfrentado por

quem pretende usar esse tipo de avaliação, dizem esses autores, não é a

possível desonestidade dos alunos. Eles são geralmente honestos e confiáveis

em se avaliarem e em avaliarem os outros. Costumam até ser bem duros

consigo próprios. A questão é que eles somente conseguem se avaliar se

tiverem ideia clara dos objetivos da sua aprendizagem. Lamentavelmente,

muitos deles não a têm, porque foram acostumados a participar do "ensino

como uma sequência arbitrária de exercícios sem nenhuma justificativa"

(idem, ibidem, p. 143). Superar esse paradigma de "recepção passiva",

acrescentam Black e Wiliam (1998), requer trabalho duro e consistente.

Quando os alunos se engajam no processo

193

Page 11: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

de trabalho, eles se comprometem com esse processo e se tornam

aprendentes efetivos. Além disso, sua própria avaliação torna-se objeto

de discussão com os seus professores e entre eles, o que gera reflexão sobre a

aprendizagem. Portanto, a auto-avaliação é componente essencial da ava-

liação formativa. Para que esta seja produtiva, os alunos precisam ser

preparados para se avaliarem, compreendendo, assim, os principais pro-

pósitos da aprendizagem e percebendo o que fazer para adquiri-la.

A preparação do aluno para se avaliar retoma a questão da con-

cepção do trabalho pedagógico do qual ele participa. A auto-avaliação, no

seu verdadeiro sentido, não combina com o trabalho pedagógico em que

todas as decisões cabem ao professor. Observa-se o uso da auto-avaliação

em momentos definidos pelo professor e por meio de roteiros ou

formulários por ele organizados. Isso deixa o aluno em posição incómoda

porque não sabe se pode ser honesto e o que será feito com as informações

por ele fornecidas. Quando isso acontece, percebe-se que a auto-avaliação

não faz parte do contexto. Utilizá-la porque é "moda" ou porque "fica bem"

não faz sentido. A auto-avaliação que se quer combinada à avaliação

formativa articula-se ao trabalho pedagógico desenvolvido em

parceria professor/aluno. Portanto, é usada continuamente pelo aluno e

pelo professor e seus resultados destinam-se à melhoria da aprendizagem do

aluno e do desenvolvimento do trabalho.

Gipps, McCallum e Hargreaves (2000, p. 9) entendem o fato de os

alunos se atribuírem notas pelo próprio trabalho como uma caricatura da

auto-avaliação. Esse, dizem elas, é um procedimento de avaliação

conduzido pela orientação do professor. Sua grande vantagem é encorajar

os alunos a assumir responsabilidade pela sua própria aprendizagem e

dela se apropriarem. Para que isso aconteça, os alunos precisam ser

capazes de fazer suas próprias avaliações em lugar de serem inteiramente

dependentes do professor.

194

Auto-estima dos alunos

O principal usuário das informações fornecidas pela avaliação para

a melhoria da aprendizagem é o próprio aluno. Segundo Black e Wiliam

(1998, p. 142), esse fato tem aspectos positivos e negativos. Quanto aos

negativos, eles argumentam que, quando a cultura da classe enfatiza

prémios, "estrelas", notas ou classificação dos alunos, estes procuram não

a aprendizagem, mas meios de obter os melhores resultados. Uma das

consequências disso é que, quando têm chance, evitam as tarefas difíceis.

Eles também despendem tempo e energia em busca de dicas para "a melhor

resposta". Muitos relutam em levantar questões com medo do fracasso. Os que

encontram dificuldades geralmente acreditam que lhes falta capacidade, e essa

crença leva-os a atribuir a culpa por suas dificuldades à sua deficiência.

Evitam investir esforço em aprendizagem que os conduz apenas ao

desapontamento e tentam construir sua auto-estima de outras formas.

O aspecto positivo de os alunos serem os principais usuários das

informações fornecidas pela avaliação formativa é que efeitos negativos -

como a obsessão pela competição e o medo do fracasso por parte dos alunos

de baixo rendimento - podem ser evitados. É necessária a instalação da

cultura de sucesso, baseada na crença de que todos podem aprender. A

avaliação formativa pode ser um poderoso meio se for comunicada de

forma correia. Embora ela auxilie todos os alunos, apresenta, de modo

particular, bons resultados com os de baixo rendimento, por concentrar-se

nas suas dificuldades específicas e apresentar-lhes claramente como

poderão superá-las. Concluem os autores que o "feedback para qualquer

aluno deve encaminhar-se para as qualidades particulares do seu trabalho,

com orientação sobre a maneira de melhorá-lo, evitando-se comparações

entre eles" (op. cit., p. 143). Contudo, Sadler (1998, p. 78) adverte que

"os alunos precisam ser

195

Page 12: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

preparados para interpretar o feedback, para fazer conexões entre ele e as

características do seu trabalho e para melhorá-lo futuramente. Não se pode

entender que o fato de se oferecer feedback ao aluno significa que ele sabe

o que fazer com ele". O que o autor quer dizer é que o trabalho do

professor não se encerra quando ele "explica" ao aluno o que ainda lhe

falta aprender, mas é o de estar continuamente orientando-o em suas

produções, com vistas ao seu avanço e não ao alcance da "nota que dá

para passar".

Procedimentos variados de avaliação

Perrenoud (1999, p. 122) considera ser necessário reinventar a

avaliação formativa. Segundo ele, "não basta ser adepto da ideia de uma

avaliação formativa. Um professor deve ainda ter os meios de construir

seu próprio sistema de observação, de interpretação e de intervenção em

função de sua concepção pessoal do ensino, dos objetivos do contrato

didático, do trabalho escolar". Reinventar a avaliação formativa significa

entender a que ela se destina, a que tipo de trabalho pedagógico se vincula e,

com base nisso, formular como ela pode ser posta em prática. Essa é uma

tarefa a ser empreendida pelo próprio professor e pela escola. De nada

adianta impor ao professor os meios com os quais irá trabalhar. Para que

esses meios sejam desenvolvidos, o professor - em particular - e toda a

escola devem planejar o seu trabalho. Um dos componentes do

planejamento da avaliação formativa é a seleção dos procedimentos a

serem usados, de acordo com o nível de desenvolvimento dos alunos, da

disciplina, da série e do tipo de trabalho realizado. Para essa seleção o

professor usará sua criatividade e sua criticidade. Levará em conta o fato de

que os alunos têm diferentes estilos de aprendizagem.

Dentre as práticas avaliativas formais, as mais usadas são as

provas dissertativas, as provas de questões objetivas e os trabalhos

196

escritos, como produção de textos, questionários, relatórios, pesquisas

etc. Como procedimentos ainda considerados complementares, encon-

tram-se a observação, a entrevista e o porta-fólio. Tendo em vista a

grande contribuição que esses últimos podem dar à avaliação formativa,

somente eles serão aqui discutidos.

A entrevista é um procedimento que deve ser mais valorizado, por

aproximar professor e alunos e permitir o conhecimento das percepções

desses últimos sobre a sua aprendizagem e o andamento do trabalho

pedagógico. Tendo em vista a estreita articulação entre a avaliação e a

organização do trabalho pedagógico, a decisão pelo uso da entrevista

como procedimento de avaliação deve estar atrelada à sua contribuição ao

desenvolvimento desse trabalho. Esse procedimento requer relacionamento

amigável do professor com o aluno, para que ambos se sintam à vontade. As

perguntas devem ser claras e compreensíveis. É preciso que o professor seja

capaz de ouvir o aluno, paciente e respeitosamente, dando-lhe o tempo

necessário para se expressar, e não demonstre, com gestos, possíveis

desagrados. O uso frequente da entrevista possibilita saber não só o que o

aluno aprendeu e o que ainda não aprendeu, mas também conhecê-lo como

pessoa: necessidades, possibilidades, interesses, limitações, valores,

expectativas etc. Trata-se de um procedimento que pode complementar

informações já obtidas. Uma das dificuldades para seu uso constante poderá

estar relacionada ao tempo dedicado a cada aluno. Contudo, pode-se adotar

como rotina de trabalho conversar com alguns alunos a cada dia.

O uso sistemático da entrevista requer que ela seja planejada, isto é,

que se definam seus propósitos, quem será entrevistado, em que

momento ela será realizada e como será feita a anotação das informações

coletadas. Inicialmente, para que não cause temor nos alunos, a entrevista

pode ser conduzida por meio de conversa informal. Com o passar do

197

Page 13: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

tempo, os alunos acostumar-se-ão à ideia de que a entrevista é um

procedimento valioso de avaliação oral. Hoje há necessidade de os

alunos aprenderem, desde cedo, a se apresentarem para desenvolver

argumentação oral, a responderem a questões e a terem postura adequada

para isso. Em muitas situações de seleção para empregos, esse procedi-

mento vem tendo destaque; porém, o que se observa é que a escola tem

privilegiado a prova escrita, não oferecendo oportunidade para o desen-

volvimento da argumentação oral.

A entrevista pode ser desenvolvida tendo como sujeitos: a) somente

um professor entrevistando um aluno; b) um grupo pequeno de alunos

assistindo à entrevista de um colega por um professor e, posteriormente,

fazendo os seus comentários (esse pode ser o início da avaliação de um

aluno por colegas); c) um grupo de professores entrevistando um aluno; d)

um grupo de professores entrevistando um grupo de alunos. Certamente

outras combinações podem ser feitas. O importante é que esse

procedimento de avaliação não seja entendido como mais um para

classificar e aprovar ou reprovar, mas atue como um aliado da avaliação

formativa. Cabe lembrar: a avaliação formativa articula-se ao trabalho

pedagógico interessado na aprendizagem e no sucesso de todos os

alunos.

Outro procedimento importante de avaliação é a observação,

muito útil principalmente para os professores da educação infantil e das

séries iniciais da educação fundamental, que permanecem todo o período

diário de aulas com os alunos e estão sempre interagindo com eles.

Contudo, sua adoção também traz grandes contribuições para a avaliação

conduzida em outros níveis.

A observação permite investigar as características individuais e

grupais dos alunos, tendo em vista identificar os fatores que facilitam e os

que dificultam o desenvolvimento do trabalho. Dentre esses fatores

198

citam-se: as condições prévias dos alunos para o estudo, o tipo de

relacionamento entre professor e alunos e entre alunos, as características

socioculturais dos alunos, a linguagem do professor e dos alunos, as

experiências vividas no meio familiar e social, a percepção em relação à

escola e ao estudo etc. (Libâneo 1992, p. 214).

Libâneo alerta para o fato de que a observação está sujeita à

subjeti-vidade do professor, a erros de percepção e à tendenciosidade. Por

esse motivo, recomenda-se não se tomarem decisões apressadas, como a de

determinar, logo no início do ano ou do curso, que certos alunos não serão

aprovados (profecia auto-realizadora), e não se usarem rótulos (preguiçosos,

inteligentes, bagunçados, agressivos, imaturos, quietinhos etc.).

Para que os dados da observação permitam melhor conhecimento dos

alunos individualmente e da classe como grupo, com vistas ao

aperfeiçoamento do trabalho pedagógico, Libâneo (op. cit., p. 214)

considera necessário que o professor tenha atitude criteriosa, ou seja, que

apenas tire conclusões após observar os alunos em várias situações, de

forma que o resultado não seja mera opinião, mas uma avaliação

fundamentada. Para que isso ocorra, é necessário que ele tenha uma lista dos

comportamentos a serem observados e que registre outros que surjam.

A organização dessa lista será feita levando-se em conta os objetivos do

trabalho pedagógico.

Outra recomendação importante é a de que, ao se registrarem os

dados da observação, não se misturem fatos com comentários. Anota-se o fato tal

como aconteceu, separadamente do comentário ou análise. Exemplo:

Fato: Ana entra na sala de aula e senta-se, sempre sozinha, ao

fundo da sala. Permanece calada durante todo o tempo.

Comentário: Ana parece não gostar da companhia dos colegas.

Mesmo quando é procurada por alguns deles, continua calada e isolada da

turma.

199

Page 14: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

Os resultados da observação não devem ser convertidos em notas

nem repassados diretamente aos alunos. São de uso exclusivo do proles' sor

para que lhe possibilitem refletir sobre a melhor maneira de agir com

determinadas crianças, para serem combinados com informações obtidas de

outros procedimentos, para checá-los com outros professores, conversar

com os pais ou para pedir ajuda ao supervisor ou coordenador

pedagógico (Libâneo 1992, p. 214). Assim como os dados fornecidos

pela entrevista, os obtidos pela observação não devem ser usados para

rotular nem classificar os alunos. O fato de o professor repassar os dados a

outros professores e ao supervisor constitui uma "faca de dois gumes", pois,

não havendo uma utilização competente desses dados, a imagem inicial

que um professor forma dos alunos pode permanecer enquanto eles

frequentarem a escola. Imprescindível, pois, que não apenas os

professores, mas todos os profissionais da educação que atuam na escola,

estejam capacitados para empregar diferentes tipos de procedimentos de

avaliação e para se relacionarem com os alunos de maneira encorajadora. A

observação precisa ser planejada. Para isso sugerem-se os seguintes

passos, adaptados do trabalho de Stierer e outros (1993):

O primeiro passo é a organização da sala de aula. Para que o

professor tenha condições de observar seus alunos e fazer os registros, é

necessário que eles sejam o mais independentes possível. Isso é reco-

mendável para que o professor possa usar seu tempo em interação

avaliativa com os alunos e não apenas lhes fazendo simples perguntas. A

independência é uma atitude que deve ser criada, requerendo algum

tempo para que se desenvolva. Por isso, é necessário que seja encorajada.

Quando observar? A decisão quanto ao momento de fazer obser-

vações faz parte do processo de planejamento. As questões seguintes

podem ajudar nessa escolha:

200

1. Que momentos do tempo escolar podem ser dedicados a observações? O

professor pode observar enquanto trabalha e interage com grupos de

alunos, pois a observação não precisa ser silenciosa: pode envolver

conversa com os alunos sobre o que estão fazendo ou pensando. Ele

pode identificar, para a observação, dois alunos do grupo com o qual

está trabalhando. O registro pode ser feito durante ou imediatamente

após a observação.

2. Outros profissionais que atuam na escola/curso poderão contribuir? Se o

professor tiver a sorte de ter alguém disponível para ajudá-lo em seu

trabalho com a turma - por exemplo, estagiários - poderá aproveitar

esses momentos para realizar as observações.

O segundo passo é o estabelecimento do alvo das observações, que

podem ser feitas de duas maneiras: a) o professor pode anotar fatos

interessantes e significativos assim que eles acontecem - essas observações

incidentais costumam ser muito valiosas; b) planejam-se observações

de um determinado aluno, de uma determinada disciplina, conteúdo,

atividade ou momento do dia. Essa segunda forma é denominada de

"observação-alvo". Sua vantagem consiste em ajudar o professor a sistematizar

as observações de todos os alunos, a dirigir sua atenção e a coletar

informações que respondem a questões sobre a maneira pela qual os alunos

estão usando os recursos de aprendizagem.

Estabelecer objetivos alcançáveis e realísticos é uma maneira

importante de se iniciarem e manterem as observações. Se o professor

deixar que as observações aconteçam ao acaso ou quando ele tiver tempo para

fazê-las, correrá o risco de que outras coisas tomem todo seu tempo. Por outro

lado, usar excessivamente a observação, deixando em segundo plano outras

atividades do trabalho pedagógico, poderá levá-lo a perder o controle e até a

querer desistir dela. Estabelecer o alvo e os objetivos coletivamente com

outros colegas é uma medida recomendável.

201

Page 15: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

O que são alvo e objetivos realísticos? Seguem-se algumas sugestões.

1. Quantos alunos observar de cada vez? Selecione um aluno por

dia/sessão. Selecione um grupo de alunos por semana ou por um

período.

2. Quem observar?

Selecione alunos que sejam novatos na escola/turma/grupo, que

estejam causando preocupação ou que precisem ser mudados de turma

etc.

Selecione aqueles com quem planejou trabalhar. Pode-se simplesmente

seguir a relação dos alunos matriculados. De qualquer forma, deve-se

destinar tempo para a observação de todos os alunos.

3. Onde observar?

Selecione uma área da sala de aula ou uma atividade e não alunos.

Isso possibilita a avaliação da organização do trabalho pedagógico, ao

mesmo tempo em que se coletam informações de alguns alunos em

particular. De forma alternativa, o alvo pode ser uma área do

currículo, como matemática ou tecnologia, ou uma unidade.

Selecione um determinado aluno em uma área específica de

trabalho, podendo ser fora da sala de aula convencional, se você

tiver uma preocupação particular.

4. Quando observar?

Estabeleça um horário do dia para observações.

5. Por quanto tempo observar?

Uma observação planejada para cinco minutos pode ser frutífera, mas

a duração depende dos objetivos e da atividade.

202

Observações curtas podem ser igualmente reveladoras, caso seja

possível contextualizá-las.

Se um aluno estiver trabalhando próximo de você durante cerca de 20

minutos, você pode aproveitar para registrar os fatos observados. Discuta

seu trabalho de observação e registro com colegas.

O terceiro passo é a organização dos registros de observação. O

Caderno de Observação de Sala de Aula (Cosa) deve ser um instrumento fácil e

flexível, para uso em situações escolares variadas e por uma variedade de

professores com diferentes estilos de trabalho. É recomendável que tenha folhas

soltas, para que possam ser retiradas ou acrescentadas.

1. Como organizar as folhas de registro?

Escreva o nome do aluno observado no alto de uma folha, tendo

uma para cada um, em ordem alfabética, conservando, ao final

de cada folha nomeada, um conjunto de folhas sem nomes.

Divida o caderno em partes, uma para cada aluno.

Organize espaços do caderno para grupos de alunos, como os

que se matricularam mais recentemente ou os que poderão ir

para outra turma/grupo.

Separe as folhas de registro de observação dos alunos que você

decidiu estudar em um determinado dia ou semana.

Se você anotou observações de vários alunos na mesma folha,

tire cópia delas e insira no conjunto de folhas de cada um.

Acrescente uma folha para revisão.

2. Onde manter o caderno de registro?

Sempre à mão, para facilitar seu uso. Recomenda-se tê-lo sobre sua

mesa de trabalho.

203

Page 16: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

3. Que quantidade de anotações deve ser feita?

Não é a quantidade o que importa, mas o que será útil posterior-] mente. A

prática ensiná-lo-á a identificar os comportamentos, as! frases ou os fatos

mais relevantes e a desprezar os detalhes sem muita importância. O

tempo ensiná-lo-á a escrever menos e o que signifique mais.

4. O que anotar?

Toda observação deve ser contextualizada, o que indica a

necessidade de colocar a data, o horário e a situação em que algo

aconteceu. Podem ser usadas palavras-chave ou trechos de

conversação que o ajudem a se lembrar da cena ocorrida.

5. Como anotar?

Anote o que viu ou ouviu, sem interpretações ou julgamentos. O

objetivo do caderno de observação é a construção de um retrato do

aluno. Somente depois que se tem um certo número de

fatos/passagens/ocorrências do aluno é possível começar a formar

julgamentos. Como os arquivos escolares são abertos, é importante ter

em mente que se está lidando com observações e não com julgamentos

de valor. Cuidados também devem ser tomados com relação à

facilidade de acesso aos dados e à sua guarda, quando não estiverem

em uso.

6. Quando anotar?

Há duas maneiras de observar: a) planejando o momento de

observar um aluno especificamente; b) registrando fatos

espontaneamente, quando algo interessante acontece. Naturalmente

essas duas formas se superpõem, o que exige que se planeje o

trabalho e que ele seja sistemático. Contudo, observações

não-planejadas podem ser valiosas; é melhor ter vários registros

curtos desse tipo do que registros muito longos e infreqüentes.

204

7. Como usar as folhas de observação?

Elas podem estar em branco ou apresentar as categorias a serem

observadas, como, por exemplo: interação, atitudes, habilidades,

resolução de problemas, comunicação, interpretação etc. Se o

professor optar pelo uso de categorias, as folhas deverão conter

espaço destinado a cada uma. Caso contrário, as folhas estarão em

branco e ele fará as anotações livremente.

8. Como anotar comentários sobre necessidades individuais? O

último item da folha de observação tem função diferente dos

demais. Enquanto as categorias de observação descrevem o

' que foi observado, o último espaço da folha de observação é

destinado a anotações sobre o significado do que foi observado e ao

registro de preocupações e de ações a serem desenvolvidas. Esses

comentários referem-se às necessidades individuais dos alunos. Por

exemplo: "Isto tem acontecido sempre que ele chega atrasado.

Conversar com ele para conhecer a razão dos constantes atrasos". 9.

O que fazer com as folhas de observação já completas?

Podem ser guardadas no caderno de observação, enquanto o

aluno frequentar a escola/curso, ou em pasta a ele destinada.

l O quarto passo do planejamento da observação é o uso dos

registros. Assim que as observações se acumulam, é necessário analisar

seus registros, de várias formas.

i. O que analisar?

Todos os alunos foram observados?

Estão as observações restritas a determinados alunos, áreas

curriculares ou categorias?

205

Page 17: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

As informações coletadas estão contribuindo para o desenvol-

vimento do trabalho ou há necessidade de replanejamento das

observações?

2. Quando analisar?

Recomenda-se verificar os dados coletados periodicamente

(semanalmente, por exemplo), para análise do quanto foi feito.

3. Como analisar?

Um quadro-resumo, onde se registrem os nomes dos alunos e as

categorias observadas, pode ser útil.

4. Por que analisar?

As verificações regulares ajudam: a identificar necessidades de

futuras observações; a planejar o trabalho que permita

observar os alunos investigando ou estabelecendo hipóteses,

por exemplo; a replanejar as atividades para atenderem as

necessidades detectadas; a planejar o trabalho que possibilite o

desenvolvimento de observações.

A avaliação formativa é a que usa todas as informações disponíveis

sobre o aluno. A interação entre professor e aluno durante todo um período

ou curso é um processo muito rico, oferecendo oportunidade para que se

obtenham vários dados. Cabe ao professor estar atento e saber

identificá-los. Portanto, a utilização exclusiva de provas escritas para

decidir a trajetória de estudos do aluno deixa de considerar os diferentes

estilos e manifestações de aprendizagem. Muitos talentos são reconhe-

cidos apenas depois que os alunos deixam a escola.

O porta-fólio é outro procedimento de avaliação muito rico e que,

devidamente utilizado, extrapola o seu propósito avaliativo e passa a ser o

próprio eixo orientador do trabalho pedagógico, tendo em vista os

princípios em que se baseia. Porta-fólio ou portfólio, segundo o Novo

206

Dicionário Século XXI (Aurélio B. de Holanda Ferreira 1999), é "uma pasta

de cartão usada para guardar papéis, desenhos, estampas etc.".

O que é - Originariamente, o porta-fólio é uma pasta grande e fina em

que os artistas e os fotógrafos iniciantes colocam amostras de suas

produções, as quais apresentam a qualidade e a abrangência do seu

trabalho, de modo que seja apreciado por especialistas e professores. Essa

rica fonte de informação permite aos críticos e aos próprios artistas iniciantes

compreender o processo em desenvolvimento e oferecer sugestões que

encorajem sua continuidade. Seu uso na escola significa assumir o

entendimento de que o trabalho do aluno e o do professor não merecem

menos do que isso (Valência 1990, p. 338). Em educação, o porta-fólio

apresenta várias possibilidades; uma delas é a sua construção pelo aluno.

Nesse caso, o porta-fólio é uma coleção de suas produções, as quais

apresentam as evidências da sua aprendizagem. É organizado por ele

próprio para que ele e o professor, em conjunto, possam acompanhar o seu

progresso.

Para que serve - Para vincular a avaliação ao trabalho pedagógico em

que o aluno participa da tomada de decisões, de modo que ele formule suas

próprias ideias, faça escolhas e não apenas cumpra as prescrições do

professor e da escola. Nesse contexto, a avaliação compromete-se com a

aprendizagem de cada aluno e deixa de ser classificatória e unilateral. O

porta-fólio é uma das possibilidades de criação da prática avaliativa

comprometida com a formação do cidadão capaz de pensar e de tomar

decisões.

Como construí-lo - Alguns princípios-chave orientam sua construção:

• O primeiro deles, como se percebe, é o da sua construção pelo

próprio aluno, possibilitando-lhe fazer escolhas e tomar decisões.

207

Page 18: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

• Essa construção é feita por meio da reflexão, porque o aluno

analisa constantemente as suas produções. Além disso, ele é

estimulado a realizar atividades complementares, por ele

sele-cionadas.

• Esse processo favorece o desenvolvimento da criatividade,

porque o aluno escolhe a maneira de organizar o porta-fólio e

busca maneiras diferentes de aprender.

• Enquanto assim trabalha, ele está permanentemente avaliando o

seu progresso. A auto-avaliação é, então, um componente

importante.

• O trabalho pedagógico e a avaliação deixam de ser de respon-

sabilidade exclusiva do professor. A parceria passa a ser um

princípio norteador das atividades.

• A vivência desse processo dá oportunidade ao aluno de desen-

volver sua autonomia diante do trabalho. Ele percebe que pode

trabalhar de forma independente e que não precisa ficar sempre

aguardando orientação do professor. Formam-se, assim, o ci-

dadão e o trabalhador capaz de ter inserção social crítica.

O trabalho com o porta-fólio tem início com a formulação dos

seus propósitos, para que todos saibam claramente em que direção

irão trabalhar. Poderá haver propósitos comuns ao grupo de alunos e

outros criados por cada um deles, para que atendam aos seus interesses

individuais.

Como avaliá-lo - É necessário que professores e alunos, em

conjunto, definam os descritores (critérios) de avaliação, levando em

conta, entre outros aspectos, os propósitos. Como os dois segmentos

avaliam a construção do porta-fólio, ambos devem se basear nos mesmos

critérios.

208

A adoção adequada do porta-fólio favorece a prática da avaliação

formativa, voltada para o desenvolvimento do aluno, do professor e da

escola. Além disso, seu uso permanente faz com que deixe de ser apenas um

procedimento de avaliação e passe a ser a própria organização do trabalho

pedagógico de toda a escola e o da "sala de aula".

Articulações finais

Este texto procurou discutir a avaliação formativa como a que

favorece não só o desenvolvimento do aluno mas também o do professor e o

da escola. Sua adoção implica a existência de cultura avaliativa voltada

para o comprometimento com a aprendizagem de cada aluno e de todos os

que com ele interagem. Parte-se da crença de que o desenvolvimento do

aluno depende do desenvolvimento do professor e da escola. A decisão

política de o Brasil aderir aos testes nacionais externos e padronizados pode

trazer consequências drásticas para o trabalho escolar, como vem

acontecendo em outros países, como, por exemplo, professores e alunos

valorizarem mais os testes externos do que a avaliação formativa, criação

de competição entre alunos e escolas e até o caso de professores ensinarem

os alunos a responder a questões dos testes, como vem acontecendo nos

Estados Unidos (Newsweek, 19/6/2000, p. 58). Surge, então, a necessidade

de identificar o que existe dentro da "caixa-preta" da sala de aula e explorar o

potencial da avaliação como parte do trabalho desenvolvido por cada aluno,

para a elevação dos seus níveis de desempenho (Black e Wiliam 1998, p.

146).

Para isso, várias mudanças são necessárias. A primeira delas é o

entendimento de que o local privilegiado para a elevação dos níveis de

desempenho é a sala de aula. Para ela deve convergir a prioridade de apoio de

toda ordem. Tentativas de reforma dos inputs e de medida dos outputs.

209

Page 19: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

da "caixa-preta" da sala de aula, consideram Black e Wiliam (op. cit., p.

146), podem ajudar, mas não são suficientes. Os autores querem dizer que

apenas reformas curriculares e melhorias nas condições de trabalho, assim

como o uso da avaliação como "verificação" de resultados, não bastam. A

contribuição somente pode ser julgada pêlos efeitos produzidos no trabalho

pedagógico da sala de aula. É o caso de Saeb, Enem e Exame Nacional de

Cursos (Próvão). Que consequências estão trazendo para o trabalho peda-

gógico da escola e da sala de aula? Quais são seus benefícios e prejuízos?

Quem é beneficiado e quem é prejudicado?

Resultados de pesquisas e estudos conduzidos em outros países (no

Brasil ainda são incipientes), relatam Black e Wiliam (1998), recomendam

que as políticas que queiram valorizar a sala de aula devem

comprometer-se com o oferecimento de condições para a prática da

avaliação*formativa. Nesse sentido, os esforços serão concentrados em

aspectos essenciais, tais como: qualidade da interação entre professor e

aluno; incentivo e ajuda para que os alunos assumam responsabilidade

pela sua própria aprendizagem; orientação específica aos alunos de baixo

rendimento escolar; desenvolvimento de hábitos para que os alunos se

tornem aprendizes permanentes.

Como implementar tais ideias? Em primeiro lugar, o "que fazer" e o

"como fazer" devem brotar das escolas e não dos gabinetes do MEC e das

secretarias de educação. Em segundo lugar, os recursos para a educação

devem dirigir-se diretamente às escolas públicas, não devendo ser alceados

em projetos elaborados por pessoas externas a elas. Em terceiro lugar,

deve ser dada atenção especial à formação continuada dos profissionais da

educação, para que se atinjam os dois primeiros itens. Essas são condições

básicas para que a escola seja capaz de construir a proposta pedagógica que

atenda às necessidades de formação do cidadão e do futuro trabalhador que

possa ter inserção social crítica. Para que se

210

complete o verdadeiro sentido do desenvolvimento da escola, cabe-lhe

incluir em sua proposta pedagógica os mecanismos que usará para prestar

contas à comunidade do trabalho por ela realizado. Esse é um dos

componentes da avaliação formativa. Afinal de contas, ao assumir a

responsabilidade por suas ações, cumpre-lhe apresentar os seus resultados aos

que pagam o seu funcionamento (é bom lembrar que a escola pública é

paga por todos os cidadãos, por meio dos impostos). Esse é o significado do

desenvolvimento da escola: ela própria organiza, executa e avalia o seu

trabalho. De modo geral, a escola pública mantém-se apática em relação à

função que desempenha porque não tem autonomia didática nem financeira e

nenhuma cobrança lhe é feita.

Referências bibliográficas

ALLAL, L. "Estratégias de avaliação formativa: Concepções psicopedagógicas e

modalidades de aplicação". In: ALLAL, L.; CARDINET, J. e

PERRE-NOUD, P. (orgs.). A avaliação formativa num ensino

diferenciado. Coimbra: Almedina, 1986.

BLACK, P. e WILIAM, D. "Inside the black box: Raising standards through

classroom assessment". Phi Delta Kappan, outubro de 1998, pp. 139-148.

CARDINET, J. "A avaliação formativa: Um problema actual". In: ALLAL, L.;

CARDINET, J. e PERRENOUD, P. (orgs.) A avaliação formativa num

ensino diferenciado. Coimbra: Almedina, 1986.

FREITAS, L.C. de. Crítica da organização do trabalho pedagógico e da didática.

Campinas: Papirus, 1995.

GIPPS, C.; McCALLUM, B. e HARGREAVES, E. What makes a goodpríinary

teacher? Expert classroom strategies. Londres: Routledge/Falmer, 2000.

GRONLUND, N.E. O sistema de notas na avaliação do ensino. São Paulo:

Pioneira, 1979.

211

Page 20: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

HARLEN, W. e JAMES, M. "Assessment and learning: Differences and

relations-hips between formative and summative assessment".

Assessment in education: Principies, policy & practice. UK: Carfax

Publishing Limited, vol. 4, n2 3, novembro de 1997.

KANTROWITZ, B. e McGINN, D. "When teachers are cheaters". Newsweek,

junho de 2000, p. 58.

LIBÂNEO, J.C. Didática. São Paulo: Cortez, 1992.

PERRENOUD, P. Avaliação: Da excelência à regulação das aprendizagens

-Entre duas lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

SADLER, R. "Formative assessment: Revisiting the territory". Assessment in

education: Principies, policy & practice. UK: Carfax Publishing Limited,

vol. 5, n2 l, março de 1998.

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL/Fundação Educa-

cional do Distrito Federal. Diretriz.espara avaliação, 2000. (Mimeo.)

STIERER, B.; DEVEREUX, J.; GIFFORD, S.; LAYCOCK, E. e YERBURY, J.

Profiling, recording and obsening. Londres: Routledge, 1993.

VALÊNCIA, S. "A portfolio approach to classroom reading assessment: The whys,

whats, and hows". The reading teacher. Estados Unidos, janeiro de 1990,

pp. 338-340.

VILLAS BOAS, B.M. de F. et alii. A avaliação nos cursos de formação de

profissionais da educação no Distrito Federal: Confronto entre a teoria e a

prática. Relatório de pesquisa, UnB, 2000. (Mimeo.)

212

Page 21: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa
Page 22: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

179

Page 23: Texto Villas Boas - Avaliação Formativa

177