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 1 CADERNO DE RESUMOS (POR ORDEM ALFABÉTICA)  

Textos III Encontro Gaúcho de História da Medicina

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CADERNO DE RESUMOS(POR ORDEM ALFABÉTICA)

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Caros Participantes,

Devido ao grande número de inscrições para apresentação de trabalhos enossa intenção de oportunizar a todos um espaço de discussão, resolvemos

alterar um pouco o calendário do III Encontro de História e Saúde.No dia 09 teremos inscrições para ouvintes pela manhã e apresentações àtarde a partir das 13h:30min. No dia 10 a programação será o dia inteiro.Começa às 08h30min e encerra às 17h30min.

Esta alteração também facilita aos participantes de outras cidades, quepoderão chegar à Pelotas no próprio dia 09 e não no dia anterior. Pedimos acompreensão de todos.

Assim, nossa grade compreende:

Dia 09 10

Manhã08h30min

Inscrições ouvintes Apresentações

Tarde:13h30min

Apresentações Apresentações

Noite19h00min

Conferência ---

Em anexo segue a programação completa com os respectivos dias ehorários de apresentação. Enviamos ainda um caderno com os resumos detodos os participantes.

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Apresentações de trabalhos III EncontroDIA 09

MANHÃ8:30-12:00 Inscrições para ouvintes

TARDE1 13:30 Larissa Patron Chaves: A Sociedade Portuguesade Beneficência: caridade, assistência e poder noRio Grande do Sul

2 13:45 Everton Reis Quevedo: Hospital BeneficênciaPortuguesa: presença e atuação na cotidianidadede Porto Alegre (1854-1904).

3 14:00 Cláudia Tomaschewski: A Centúria das Misericórdias no Brasil”: A existência e criaçãode hospitais em meados do século XIX e a suagestão pelas irmandades da Santa Casa.

4 14:15 Bruno SchererBeatriz Weber: A Sociedade Estudos e Caridadee suas Perspectivas: o Lar de Joaquina (SantaMaria – RS, 1927-1970)

5 14:30 Adhemar Lourenço da Silva JuniorMaria Eloiza Lopes Pinto:Assistência e Saúde no Brasil da década de1930: apontamentos estatísticos

6 14:45 Juliano Silva de Bastos

Beatriz Teixeira Weber: Implantação do SistemaÚnico de Saúde no Município de Santa Maria15-15:45 DebatesIntervalo 15 min.

7 16:15 Flávia dos Santos PrestesNikelen Acosta Witter: A Peste em Santa Maria

8 16:30 Paulo Quaresma: O homem e sua história desuas doenças

9 16:45 Jordana Alvez Pieper: O corpo e gênero na IdadeMédia: Uma analise das relações de poderatravés de Eleonora da AquitâniaBruno Scherer

10 17:00 Fabiano Ardigó: Vantagens e Desafios de umaHistória Comparada da Medicina Veterinária: oCaso da brucelose bovina

17:15-18:00 DebatesIntervalo Coffe-break19:00 Conferência: Historia Social de La Tuberculosis

em La Ciudad de Córdoba, Argentina 1911-1947. Prof. Dr. Adrian Carbonetti

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DIA 10MANHÃ

1 8:30 Carolina Bitencourt Becker: A análise dos

registros de óbitos como indicativo para o estudoda sociedade escrava da primeira metade doséculo XIX em Alegrete

2 8:45 Daniela Vallandro de Carvalho: Sob as marcasda escravidão: Saúde e corpo cativo no BrasilMeridional (Rio Grande de São Pedro. Séc.XIX)

3 9:00 Natália Garcia Pinto: Nos meandros da saúdeescrava: estudo da mortalidade escrava na cidadede Pelotas, 1830/1850, Século XIX

4 9:15 Paulo Roberto Staudt Moreira

Giane Caroline FloresThaís Bender Cardoso: O cadáver de um pretoescravo, vestido de mortalha: descrição dapopulação cativa da capital da Província do RioGrande de São Pedro através de seus registros deóbito (Porto Alegre 1800/1888)

5 9:30 Tarcila Nienow Stein: “No hay mal que por bienno venga”: um estudo dos necrológios dasCartas Ânuas da Província Jesuítica do Paraguai(1645-1662)

6 9:45 Lorena Almeida GillLoren Nunes da RochaMarciele Agosta VasconcellosMicaele Irene: Narrativas de benzedores eparteiras na região sul do Brasil

7 10:00 Roberto Poletto: Magia e ciência a serviço dacura: uma análise dos saberes e das práticasterapêuticas em tratados médicos dos séculosXVII e XVIII

8 10:15 Leonor C. Baptista Schwartsmann: Mobilidadesgeográficas e o aporte de especialidades

10:30-11:45 DebatesAlmoço por adesão

TARDE1 13:30 Lizete Oliveira Kummer: Avaliações

psiquiátricas de personalidades “anormais”: oponto de vista da psiquiatria forense do RioGrande do Sul (1925-1941)

2 13:45 Guilherme Astor TorresMarília GonçalvesValentina Metsavaht Cará

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Edison CheuícheMaria Helena Lopes ItaquiLuis Gustavo Guilhermano: Ascensão, apogeu,declínio e queda de um tratamento PsiquiátricoRevolucionário

3 14:00 Marcelo Parker: A religião no mundo dos loucos4 14:15 Tiago Neuenfeld Munhoz: História Oral de Vidae Saúde Mental em Pelotas, RS

14:30-15:00 Debate15:00-15:15 Intervalo

5 15:15 Aline Kassick Cadaviz:Proletários de todo o mundo, higienizai-vos!: odiscurso higienista impresso nos jornais dostrabalhadores (Porto Alegre: 1900-1919)

6 15:30 Oscar Gallo Vélez:Modelos de assistência médico-social de lostrabajadores em Colômbia, El caso de LaEmpresa Minera El Zacanudo 1865-1945

7 15:45 Marciele Agosta de Vasconcellos et. all.Insalubridade nos processos do Acervo daJustiça do Trabalho de Pelotas/RS (1936-1945)

16:00 Loren Nunes da Rocha et. all.: Dadosquantitativos da Justiça do Trabalho de Pelotas(RS): litígios que envolvem saúde entre de os

anos de 1940-19459 16:15 Micaela Irene Scheer: A trabalhadora e o direitoà licença maternidade: processos trabalhistas dacomarca de Pelotas (1937-1947)

16:30-17:30 Debates17:30 Avaliação e encerramento do evento

Agradecemos a todos os inscritos.

Até Pelotas!

Juliane C. Primon Serres (coord.)Cláudia Tomaschewski (vice coord.)

GT História e Saúde ANPUHRS.

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RESUMOS

Assistência e Saúde no Brasil da década de 1930: apontamentos estatísticos

Adhemar Lourenço da Silva Junior1 Maria Eloiza Lopes Pinto2

O Ministério da Educação e Saúde Pública foi criado pelo Decreto n. 19444, de1 de dezembro de 1930. Os 4 Departamentos então criados dirigiam sua atenção aoEnsino, Saúde Pública, Medicina Experimental e Assistência. Em vista desse marco,este trabalho pretende analisar os registros estatísticos de Saúde e Assistência nessadécada de 1930 (tomados desde uma perspectiva sincrônica), de modo a atingir pelomenos 3 objetivos específicos:

1 - Verificar o quanto da assistência é dirigida à saúde em cada Unidade daFederação;

2 - Verificar o quanto dessa assistência à saúde é manejada pelo Estado e oquanto é "privada".

3 - Verificar o quanto dessa assistência "privada" recebe subvenções, e de quaisinstâncias do Estado.

Para atingir tais objetivos, tomam-se os registros disponíveis em anuáriosestatísticos (recompilados em IBGE – Centro de Documentação e Disseminação deInformações.Estatísticas do Século XX . Rio de Janeiro: IBGE, 2003) entre 1930 e 1940inclusive, focando-se na resposta às questões implícitas nesses objetivos. Em que pesemas deficiências de alguns desses registros, é importante ater-se àquilo que Foucaultqualificou de “governamentalidade”, explicitando inclusive o esforço no “governo dascoisas” também por meio de sua incorporação a estatísticas.

Por meio desses registros é possível constatar que:1 – Não existe um padrão brasileiro (válido para todas as Unidades da

Federação) capaz de revelar congruências entre as proporções de verbas destinadas à

assistência em geral (incluindo-se abrigos, asilos, orfanatos, etc.) e à assistência à saúdeem particular;2 – Não existe, tampouco, um padrão brasileiro capaz de revelar congruências

entre a assistência “privada” e a estatal.3 – Não existe, também, um padrão brasileiro capaz de indicar tendências

transregionais ou nacionais que indiquem tendências de gastos com assistência.4 – Contudo, é possível perceber que, no que tange especificamente à assistência

à saúde, existe um padrão de estabelecimentos em todas as Unidades da Federação queatendem a adultos e crianças.

5 – Ademais, o Rio Grande do Sul é uma das Unidades da federação que maisconta com estabelecimentos para assistência à saúde em seu território, uma vez que,

1 Professor da Graduação e Mestrado em História-UFPel.2 Licencianda em História-UFPel.

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para 1938, concentra cerca de 30% dos estabelecimentos da União e cerca de 20% dosestabelecimentos privados.

Na comunicação, exibir-se-ão evidências do afirmado.

Bibliografia

FOUCAULT, M. A governamentalidade. In: FOUCAULT, M. Microfísicado poder. Rio de Janeiro: Graal, 1992. p. 277-293.

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Proletários de todo o mundo, higienizai-vos!: o discurso higienista impressonos jornais dos trabalhadores (Porto Alegre: 1900-1919)

Aline Kassick Cadaviz1

O presente trabalho constitui-se de excertos de minha dissertação “Proletários detodo o mundo, higienizai-vos!: o discurso higienista impresso nos jornais dostrabalhadores (Porto Alegre: 1900-1919)” (mais especificamente seu segundo capítulo),defendida em agosto de 2010, tendo como proposta sopesar a incidência do discursomédico-higienista através da relação estabelecida entre imprensa e público-leitor/ouvinte,2 mais especificamente entre a imprensa dos trabalhadores3 e as classespopulares a que se destinava. Restrinjo o campo de estudo a Porto Alegre, onde seconcentrava a maioria dos trabalhadores industriais do estado do Rio Grande do Sul,entre os anos de 1900 a 1919, período que abarca o florescimento científico eeconômico vislumbrados na Belle Èpoque, a polarização mundial provocada pelaPrimeira Guerra incluindo a crise econômica e política que se instaura após o seutérmino. Neste período de constante transição e instabilidade em todos os níveis,percebemos a intensificação do sentimento de nacionalidade, juntamente com a buscade um caráter nacional que estabeleça particularidade entre as nações, ainda que asaspirações da elite econômica sejam muito similares em todos os cantos do mundo.

A partir de meados do século XIX, difundiu-se de modo generalizado pelospaíses capitalistas do Ocidente, o projeto de controle social visando a disciplina docomportamento dos indivíduos, com o objetivo de atender às expectativas decrescimento econômico e desenvolvimento industrial, o qual, para se concretizar,precisava contar com uma mão-de-obra ordeira e laboriosa. Dessa forma, a propostanormalizadora aplicada à burguesia décadas antes, com vistas a homogeneizar a classe,é transmitida ao proletariado com a finalidade de enquadrá-lo no protótipo dotrabalhador ideal às aspirações burguesas.

De outro lado, temos a crescente participação política dos trabalhadores, que seengajam em entidades representativas da classe, como sindicatos, uniões corporativas efederações operárias, o que demonstra um avanço na conscientização dos seus membrosenquanto classe e da necessidade de unirem-se para barrarem a progressiva exploraçãocapitalista. Diante de tal evento, poderíamos esperar dos meios de divulgação daideologia operária, principalmente dos setores ligados ao socialismo e ao anarquismo,um posicionamento definido quanto à proposta burguesa de ampliar os seus níveis de

dominação, adentrando também na intimidade dos sujeitos, determinando sua maneirade agir em todas as situações cotidianas.Para melhor observação da posição dos dirigentes da classe trabalhadora com

relação à aplicação dos preceitos normativos em seu cerne, opto por enfocar o trabalhonos exemplares de jornais produzidos por estes dirigentes e voltados aos trabalhadores,

1 Mestra em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; professora das redesmunicipais de ensino de Campo Bom e Sapiranga-RS.2 Utilizo o termo leitor/ouvinte uma vez que nem todos os indivíduos que tinha acesso aos jornais eramalfabetizados, sendo bastante comum a leitura dos jornais em grupos, oportunizando a todos o acesso àinformação.3 Os periódicos destinados à classe operária analisados foram:A Democracia, Porto Alegre, 1905 a 1907; A Luta, Porto Alegre, 1906 a 1909; Avante, Porto Alegre, 1908; A Voz do Trabalhador , Porto Alegre,1912; Lúcifer , Porto Alegre, 1911;O Bisturi, Porto Alegre, 1910;O Exemplo, Porto Alegre, 1902 a 1911;O Independente, Porto Alegre, 1908 a 1919;O Inflexível, Porto Alegre, 1919.

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utilizados como veículos para a divulgação da ideologia de cada uma das correntes quetinham entre a camada social menos favorecida de Porto Alegre, sua plataforma política.

O capítulo que privilegiarei neste trabalho, conforme citado acima, intitulado A Batalha e suas trincheiras, traz uma apreciação concernente ao cientificismo queinundava a sociedade de então, em que se estabeleciam debates acalorados sobre a

imposição de preceitos científicos no cotidiano dos indivíduos. Assim, o racismocientífico foi um dos temas recorrentes nas colunas dos jornais, que se dividiam entreargumentos favoráveis e contrários, mas sem negar sua existência, fugindo ao lugarcomum que diz não haver racismo no Brasil. Outro assunto presente em matérias enotas era a relação dos doentes com a medicina, igualmente suscitando opiniõesfavoráveis à livre escolha do enfermo quanto à forma ou à pessoa de quem receberiatratamento, enquanto que outros articulistas esmeravam-se em elencar os prejuízos doestímulo às crendices e os riscos de entregar a saúde à pessoas não habilitadas pordiploma acadêmico. No fundo, a polêmica que se estabelece é quanto à licitude daintervenção científica nos desígnios individuais.

Para balizar a análise das matérias dos jornais, valho-me de Michel Foucault eJürgen Habermas, principalmente no que concerne suas abordagens sobre ocientificismo e a produção da “verdade”. Este aporte teórico possibilitará a compreensãosobre os interesses envolvidos dos dois lados do discurso, enfocando seus objetivos nemsempre explícitos.

Deste modo, pode-se perceber claramente a preocupação da imprensa operáriaquanto ao método utilizado em seus textos, alternando discursos longos e de difícilcompreensão para o público-leitor/ouvinte com anedotas, quadrinhas e cartas dosleitores, em que o mesmo conteúdo é apresentado de maneira leve e descontraída,possibilitando não apenas o entendimento do leitor quanto a sua reprodução em largaescala em seu convívio social.

Fosse de maneira sisuda ou bem-humorada, o fato é que percebemos como oracismo e as alternativas de cura desfrutavam de tanto espaço nas colunas dosperiódicos devido ao grande interesse que despertava nos leitores/ouvintes, visto seremquestões ligadas ao seu cotidiano, dizendo-lhes respeito direta ou indiretamente.

Como a principal fonte aqui utilizada tinha como origem e fim a classeproletária, sua conservação foi muito prejudicada, nos restando poucos números dealguns títulos que circulavam por Porto Alegre no período abordado. Da mesma forma,fica comprometida qualquer tentativa de verificar a repercussão de tais assuntos entre opúblico-leitor/ouvinte, pois poucos eram os que se manifestavam através dos jornais,fosse pela falta de espaço destinado a esse fim nos periódicos, fosse a falta de instruçãopara tal iniciativa. Mesmo com suas limitações, encontramos nos jornais a mais próxima

expressão da consciência de uma classe em formação e já preocupada com o papel a eladestinado.

Bibliografia:BOLTANSKI, Luc.As classes sociais e o corpo. Tradução de Regina A. Machado. 2ªed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.

CABRAL, Oswaldo R.Medicina, médicos e charlatães do passado. 1 ed.Florianópolis: [s.n.], 1942.

CHALHOUB, Sidney.Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores daBelle Èpoque. 2ª ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2001.

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COSTA, Jurandir Freire.Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: EdiçõesGraal, 1983.

ESTEVES. Martha de Abreu.Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor

no Rio de Janeiro da Belle Époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.FOUCAULT Michel.Microfísica do poder. Organização e tradução RobertoMachado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

______.Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Traduçãode Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

HABERMAS, Jürgen.Técnica e ciência como “ideologia”. Tradução de Artur Morão.Portugal: Edições 70. 1987.IYDA, Massako.Cem anos de saúde pública: a cidadania negada. São Paulo: Editorada Universidade Estadual Paulista, 1994.

LUZ, Madel Terezinha.Medicina e ordem política brasileira: políticas e instituiçõesde saúde (1850-1930). Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982.

MARTINS, Ana Paula Vosne.Visões do feminino: a medicina da mulher nos séculosXIX e XX. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004.

POGREBINSCHI, Thamy. Foucault, para além do poder disciplinar e do biopoder.LuaNova, São Paulo, n. 63, 2004 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452004000300008&lng=en&nrm=iso>. Acessoem 25 de novembro de 2009. doi: 10.1590/S0102-64452004000300008.

SAMPAIO, Gabriela dos Reis.Nas trincheiras da cura: as diferentes medicinas noRio de Janeiro imperial. Campinas: Editora da Unicamp, CECULT, IFCH, 2001.

SCHWARCZ, Lilia Moritz.O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questãoracial no Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

SILVEIRA, Éder.A cura da raça: eugenia e higienismo no discurso médico sul-rio-grandense nas primeiras décadas do século XX. Passo Fundo: Editora Universidade de

Passo Fundo, 2005.WEBER, Beatriz Teixeira.As artes de curar: medicina religião, magia e positivismona república Rio Grandense: 1889-1928. Santa Maria: UFSM, 1999.

WITTER, Nikelen Acosta.Dizem que foi feitiço: as práticas de cura no sul do Brasil(1845 a 1880). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.

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A Sociedade Estudo e Caridade e suas Perspectivas: o Lar de Joaquina (SantaMaria – RS, 1927 – 1970)

Beatriz Teixeira Weber1; Bruno Scherer2

Os vários elementos da doutrina espírita foram formulados pelo francês LeonHyppolite Denizart Rivail, conhecido como Allan Kardec, publicados no Livro dosEspíritos em 1853. Ele organizou o conjunto de crenças básicas do movimento espírita,formulado como ciência, filosofia e religião, que foi adotado no Brasil. O kardecismoteve extraordinária difusão por todo o Brasil no final do século XIX e início do séculoXX. As primeiras organizações surgiram na Bahia (1865 e 1874) e no Rio de Janeiro(1873), chegando à organização de uma Federação Espírita Brasileira, em 1884,indicando uma tentativa de preservar a unidade doutrinária e o esforço de reunir, demodo institucional, a crescente população de fiéis dispersos (CAMARGO, 1961, 1973;DAMAZIO, 1994).

Allan Kardec codificou o espiritismo com bases “científicas”, diferenciando-sedo “espiritualismo” de até então. Foi uma perspectiva que integrou os ideais científicosque estavam surgindo numa concepção filosófica e religiosa, coerentemente articulada.O próprio desenvolvimento científico é aceito como responsável pelas reelaboraçõesdoutrinárias. A codificação realizada por Kardec foi elaborada num momento históricoem que o pensamento filosófico e científico se encontrava profundamente influenciadopor ideais de racionalismo e evolucionismo, incorporando possibilidades frente a essesideais. A explicação racional oferecida por essa doutrina facilitava a sua aceitação,principalmente a partir de uma minoria intelectual que buscava formas de articulação doreligioso com o pensamento científico. No Brasil, especialmente, esses fatores foramfundamentais para sua aceitação, fazendo com que o aspecto religioso se tornassepreponderante, desenvolvendo a capacidade de apresentar uma interpretação coerentedo mundo, explicando a posição dos indivíduos na estratificação social e orientando aconduta do dia a dia (WEBER, 1999).

O espiritismo kardecista no Rio Grande do Sul possui grupos organizados desde1891, quando ocorreu a fundação do Centro Espírita Rio-Grandense, na cidade de RioGrande. Em 1894, foi fundado o Grupo Espírita Allan Kardec, em Porto Alegre. Seusmembros, junto com outras sociedades, fundaram a Federação Espírita do Rio Grandedo Sul em 1921. O Estado contava com 18 grupos organizados em várias cidadesquando da fundação da Federação, numa lista de participantes do I Congresso Espíritado Rio Grande do Sul3.

Em Santa Maria, a mais antiga casa espírita da região está situada na localidadede “Água Boa” (distrito de Rincão dos Feios), datada de 1898, intitulada SociedadeEspírita Paz e Caridade. O final do século XIX apresentou uma interiorização dadoutrina de Allan Kardec no Brasil, apresentando principalmente adeptos junto aosprofissionais liberais, funcionários públicos e militares. A primeira sociedade espíritaque se tem registro na região central da cidade data de 1910, a Sociedade Dr. AdolfoBezerra de Menezes, hoje situada no bairro Medianeira (BASTOS, 2001:24).

Entretanto, somente a partir da década de 1920 é que o movimento espíritacomeçou a se articular na cidade. Em 1921 foi fundada a Aliança Espírita

1 Prof. Dra. Departamento de História-UFSM.2

Graduando Curso de História-UFSM-Bolsista FIPE-UFSM3 Correio do Povo, Porto Alegre, 18 fev. 1971. BPRS.

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Santamariense, com o objetivo de coordenar as entidades e grupos existentes, cujaprimeira diretoria só assumiu em 1924. Além delas, foram fundadas instituiçõesimportantes em 1929 (Sociedade Espírita União dos Fiéis), 1936 (Instituto EspíritaLeocádio José Correia, 1940 (Sociedade Espírita Discípulos de Jesus), 1946 (SociedadeEspírita Amor a Jesus), 1949 (Sociedade Espírita Oscar José Pithan), 1955 (Sociedade

Espírita Dr. Antônio Victor Menna Barreto) (BASTOS, 2001). Tem-se a informação deque há uma União Municipal Espírita, mas que ainda não conseguimos localizar.Essas casas espíritas enfrentaram um contexto de contestação de sua legitimidade, sendoatacadas por várias de suas práticas. Lauren Bastos relata o processo sofrido por IrmãRolica, que foi acusada de prática ilegal da medicina na década de 1920, tendo sidodefendida pelo advogado espírita Fernando do Ó, que participava da diretoria daAssociação Espírita Santamariense. Outros depoimentos orais concedidos àpesquisadora relatam perseguições nos anos 40, quando um padre católico teria visitadoSanta Maria para combater o espiritismo. Após a II Guerra Mundial, o espiritismotambém chegou a ser relacionado a práticas comunistas, pois as atividades erambastante reservadas e envolviam a doutrina num véu de mistério, aproveitado pelos seusdetratores para acusarem o espiritismo de prática do demônio.Esses vários aspectos indicam o quanto a prática espírita esteve presente nacidade e foi um movimento importante na congregação de adeptos religiosos. Apesardessa importância, ainda existem pouquíssimos trabalhos acadêmicos tematizando essaprática na região. O projeto de pesquisa “Representações e práticas sobre Saúde eDoença entre Líderes e praticantes dos Centros Espíritas em Santa Maria”, desenvolvidode 1999 a 2001 no Departamento de Ciências Sociais da UFSM, coordenado porZulmira Borges (que resultou no trabalho de conclusão que apresenta os dadosutilizados), é uma das poucas pesquisas sobre o tema. Daí a importância detematizarmos a história do espiritismo na cidade, visando dar visibilidade da umimportante movimento social.

Este artigo procura apresentar uma dessas sociedades, o Grupo Caridade eEstudo, fundada em 1927 por um grupo de mulheres espíritas atuantes na cidade. Essainstituição organizou o Abrigo Espírita Instrução e Trabalho em 1932, com o objetivode atender crianças desamparadas. A instituição passou a denominar-se Lar de Joaquinaem 1959, atuando até hoje como creche e escola de ensino fundamental para criançascarentes. Especialmente, procura-se analisar como é articulada a idéia de assistência ecaridade na perspectiva desenvolvida pelo grupo durante seus primeiros cinqüenta anos.

A documentação utilizada são as atas do conselho deliberativo da SociedadeEspírita Estudo e Caridade desde 1927, onde consta a situação administrativa eorganizativa do Lar de Joaquina, responsabilidade da sociedade.

Bibliografia:BASTOS, Lauren Albrecht. Representações e Práticas sobre Saúde e Doença entre Líderes Praticantes dos Centros Espíritas em Santa Maria.Santa Maria: Trabalho deConclusão do Curso de Ciências Sociais/UFSM, 2001.CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira de.Kardecismo e Umbanda.São Paulo:Pioneira, 1961 .DAMAZIO, Sylvia F. Da Elite ao Povo: advento e expansão do espiritismo no Rio de Janeiro.Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.WEBER, Beatriz Teixeira. As Artes de Curar. Medicina, religião, magia e positivismona República Rio-grandense.Santa Maria/Bauru: EDUFSM/EDUSC, 1999.

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A análise dos registros de óbitos como indicativo para o estudo da sociedadeescrava da primeira metade do século XIX, em Alegrete

Carolina Bitencourt Becker1

Pensar a escravidão através da história da saúde e das doenças é um tema recentee que vem merecendo destaque nos trabalhos que versam sobre as relações dedominação e resistência entre os sujeitos que compunham a sociedade escrava do séculoXIX. Este trabalho propõe observar, a partir dos registros de óbitos, as condições vitaisdos escravos na cidade de Alegrete na primeira metade do século XIX. Observar aescravidão a partir das experiências dos escravos em relação à saúde e à doença noBrasil é um tema recente. A História da Saúde, assim compreendida, apareceuinicialmente como uma revisão das histórias da medicina e da saúde pública e depoiscomo uma construção da história da cura e da doença. Uma das precursoras dessasnovas abordagens foi a historiadora Mary Karasch (2000) que estudou, em 1972, a vidados escravos na cidade do Rio de Janeiro, visto como o mais completo estudo feitosobre a saúde dos escravos no Brasil (PORTO, 2006). Ao longo do século XIX,percebe-se que os escravos tiveram importância significativa em relação à história dadoença e da cura. Pode-se afirmar, inclusive, que as práticas de cura no Brasil, ao longodos seus primeiros quatro séculos de história foram, antes de tudo, resultantes da trocade experiências entre africanos, índios e europeus.

Usando os registros de óbitos como fonte de pesquisa é possível mapear algumasinformações sobre a escravidão. Após a análise dos registros de óbitos, fizemos algumasconsiderações destes assentos segundo a causa morte, a idade e o sexo destes escravosfalecidos. As “Doenças do Aparelho Respiratório” representam 11,9% das causas mortecom destaque para o defluxo, que era relacionado aos sintomas de gripe, como coriza eentupimento das vias nasais. Entre as “Doenças do Aparelho Digestivo” a causa maisrepresentativa é a “hidropizia”. Entre as causas que mais acometiam os inocentes(crianças de 0 a 7 anos de idade) está mal de sete dias (Grupo I) e defluxo (Grupo II),que representam 41,2%. Porém, dos 60 registros de óbitos para esta categoria, somente17 apresentaram a causa morte, o que dificulta saber qual a doença que tinha maiorincidência. Mas se pode inferir que as complicações pós-parto entre os recém-nascidos,as precárias condições de salubridade e falta dos cuidados necessários eram asprincipais causas morte, pois dos 60 casos, 12 ocorreram até os 12 dias de vida, 30 atéos seis meses de idade e 45 até o primeiro ano de vida.

O grupo com mais causas morte é o VII (causas morte mal definidas), comdestaque para a moléstia interna. No grupo que identificamos por “acidentes, lesões e

outras violências” (Grupo V) verificamos algumas diferenças entre os sexos e asincidências de causa morte. Os ferimentos por arma branca ou por arma de fogo, osassassinatos, os desastres e outras situações violentas somente fizeram vítimas entre osexo masculino, enquanto as queimaduras fizeram vítimas entre o sexo feminino. Issoleva a perceber os riscos ocupacionais de homens e mulheres o que pode refletir certosofícios desempenhados por esta população. Como o trabalho em todas as atividades daprodução pecuária para os homens. Os escravos do sexo masculino podiam trabalhar emtodas as atividades da produção agrária. Entre as mulheres, além de ofícios semelhantesaos dos homens, como a de roceiras, também desempenhavam os serviços domésticos,

1 Aluna do Mestrado em História – UFRGS, Bolsista CAPES e da Especialização em História do Brasil –UFSM.

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cuidavam das esposas de seus senhores nos partos e da família nas suas enfermidades, eajudavam a cuidar dos filhos das mesmas (FARINATTI, 2007).

Entre os óbitos encontramos 22 ocorrências (26,2% do total de assentos) nogrupo “Doenças Infecciosas e Parasitárias”. Desses, 9 assentos são referentes a varíolaque era também denominada na época de bexiga e é uma das causas morte com maior

incidência, 10,7% do total. Segundo Amantino (2007), o contágio desta doença se davade forma direta (suor ou espirro) ou pelo contato com as secreções de um doente quepoderiam contagiar outra pessoa que não estivesse imunizada ou pela vacina ou por játer tido a moléstia. Doença esta que acometia pessoas em todo o Brasil e representavaum grave problema de saúde pública para as autoridades brasileiras. As formas decontágio dessa doença são facilitadas em regiões que possuem determinadascaracterísticas, como umidade ou insalubridade, propícias ao desenvolvimento desta ede outras enfermidades.

Segundo a idade dos escravos falecidos usamos a seguinte classificação:Inocentes (0 a 7 anos), Infantes (8 aos 14 anos), Adultos (15 aos 49 anos) e Idosos (50anos ou mais). Muitas vezes a idade do escravo era suposta pelo seu senhor, quasesempre com arredondamentos, o que pode evitar a precisão destes dados. Entretanto,dos 158 registros de óbitos de escravos de Alegrete, somente 13,3% dos registros nãodeclaravam a idade do falecido, o que facilita uma melhor compreensão deste item. Deacordo com os dados encontrados pode-se perceber que a faixa etária com maiorincidência de mortes foi a dos inocentes, que representaram 38% dos óbitos. Dos 60óbitos registrados nesta categoria apenas 17 apresentaram a causa morte, ou seja, 71,7%dos registros não apresentam a causa, o que dificulta perceber quais as doenças quemais acometiam essa faixa etária. Entre as causas encontradas estão: mal de sete dias,moléstia ar, gangrena no umbigo, ataque de “poplexia”, defluxo, tosse, moléstia interna,moléstia escarlatina e varíola.

Porém, contatou-se que 80% das ocorrências eram em recém-nascidos, de 0 a 1ano de idade, e destes, 23,3% morreram antes de completar 13 dias. Assim, a maiorparte das mortes de crianças dava-se ainda nos primeiros meses, quando os riscos devida eram maiores pela exposição às moléstias. Como expõe Petiz, (2007), a morte dosinocentes também ocorriam devido às lesões durante o parto que, em geral, erarealizado por parteiras ou curiosas que pouco ou nada podiam fazer quando nasciamcrianças prematuras, e os dias que se seguiam ao parto tornavam-se críticos devido àameaça do tétano neonatal. Dessa forma, percebe-se que a mortalidade infantilrepresenta um importante índice de uma situação social, tanto no passado como nos diasatuais.

Assim como ocorre nas demais localidades da Província neste período, a

incidência é de mais homens do que mulheres na população. E com os registros deóbitos não é diferente. Segundo o sexo, dos 158 assentos de óbitos encontrados, 96 eramhomens e 62 eram mulheres. Alguns dados reforçam a tese do peso do fator biológico,como o fato de morrer mais homens e eles terem uma expectativa de vida menor que asmulheres. De fato, a mortalidade infantil é maior para os homens, assim como asmulheres são favorecidas geneticamente no campo das doenças infecciosas ou algumasdoenças cardíacas.

Por fim, ressaltamos a validade de uma metodologia baseada no estudodemográfico quantitativo, mesmo estando ciente de suas limitações. Este tipo deabordagem nos mostra apenas uma parcela da realidade vivenciada pelos escravos,porém nos traz considerações pertinentes ao aprofundamento da pesquisa quando

relacionada a trabalhos qualitativos. Podemos usar essas informações como indicadores,ainda que iniciais, das condições da vida cativa em Alegrete neste período.

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“ A Centúria das Misericórdias no Brasil ”1: A existência e criação de hospitais emmeados do século XIX e a sua gestão pelas irmandades da Santa Casa.

Cláudia Tomaschewski2

A primeira irmandade denominada Santa Casa de Misericórdia foi organizadaem Lisboa em 1498 com incentivo da Rainha D. Leonor. No ano seguinte D. Manuelenviava correspondência aos “homens bons” da cidade do Porto para que naquelalocalidade fosse organizada uma irmandade semelhante à de Lisboa e que fossededicada as 14 obras de Misericórdia. Isabel dos Guimarães Sá (1997, p.67) diferencia aMisericórdia de outras irmandades católicas leigas por prestar serviços especialmenteaos não sócios, diferentemente das demais que priorizavam a ajuda mútua. Como todossabem, estas irmandades se espalharam pelos territórios de domínio e/ou colonizaçãoportuguesa entre os séculos XVI e seguintes. No final do século XVIII elas perderammuito do seu poder a partir da política de desamortização dos bens religiososempreendida por Pombal (o que, aliás, aconteceu também na Espanha dos Bourbon),mas, mesmo assim, foram privilegiadas em face às demais “corporações de mão morta”por tratarem da “assistência pública” (ABREU, 2000, p.410).3

A maioria dos estudos sobre essas irmandades foram realizados porhistoriadores portugueses e dizem respeito ao período do Império Português. Pouco sesabe - a exceção de algumas monografias (CARVALHO, 1996; MESGRAVIS, 1976;ROCHA, 2005; TOMASCHEWSKI, 2007) - sobre a organização e o papel destasirmandades na construção e consolidação do Império do Brasil. Se, durante o domíniocolonial português elas serviram também de ponto de ligação entre as diversas eliteslocais que iam se formando e o rei (ABREU, 2008), é visível que elas também tiveramum papel político na consolidação do Império do Brasil. Basta passar os olhos nosrelatórios do Ministério do Império e dos Presidentes das Províncias para ver que osgovernantes se ocupavam com o que hoje podemos chamar de políticas de assistência.Em todos os relatórios há uma rubrica “estabelecimentos de caridade” ou“estabelecimentos pios”, além da preocupação com a saúde que parece se concentrar emtorno das epidemias “reinantes” e da remoção dos cemitérios dos centros populacionaiscom a construção de cemitérios extra muros que normalmente eram entregues à

1 FREITAS, Divaldo Gaspar de. As Misericórdias no Brasil. In: Actas do IV Congresso das Misericórdias, Lisboa, 1959, Vol. 1, p. 253.2 Graduada e mestre em História. Doutoranda em História pela PUC/RS, bolsista CNPq. E-mail:[email protected] Estas exceções feitas em favor das misericórdias mostram bem o seu poder. Isso pode ser observadotambém no que diz respeito à relação destas irmandades com a Igreja e o Estado. Conforme LaurindaAbreu o Concílio de Trento, realizado em 1563, procurava reverter “o caminho da racionalização elaicização” que ocorria a partir da influência de Juan Luiz Vives, mas “paradoxalmente, o concílio cediaàs pressões portuguesas reconhecendo as Misericórdias como instituições de imediata proteção régia”(ABREU, 2000, p. 399). Outra aparente contradição dá-se na sua relação com o Estado, pois ela é umaconfraria régia, incentivada e, por vezes, financiada pelo Estado, mas este “prima pela ausência”garantindo uma quase total autonomia aos ricos locais que controlam a distribuição da assistência aospobres (ABREU, 2000, p. 398).

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administração das misericórdias.4 A partir da leitura dos diversos relatórios é possívelperceber a heterogeneidade das práticas e denominações das entidades voltadas arecolher os pobres e desfiliados (CASTEL, 2005) doentes para que estes nãopermanecessem nas ruas. Os presidentes das províncias, normalmente nomeados pelogoverno central, procuravam intervir na organização da assistência local, mas

dependiam da aprovação e liberação de recursos das assembléias legislativasprovinciais, o que reforça as diferenças regionais e locais no financiamento edistribuição da assistência. Ainda assim, é possível perceber uma tentativa deuniformização a partir do nome Santa Casa de Misericórdia. A partir disso, possoconcluir que mesmo que houvesse consideráveis diferenças nas organizações locais esuas relações com o Estado em suas diferentes esferas, a circunscrição das práticascaritativas em torno das Misericórdias proporcionou uma uniformização necessária eimportante para a consolidação e manutenção do Império, proporcionando inclusiveuma rede de relações para os irmãos das misericórdias na sua mobilidade geográficapelo país.5

Neste trabalho procuro realizar um inventário parcial de instituiçõesconsideradas “Estabelecimentos de Caridade”, ou, de uma forma mais geral, instituiçõesconsideradas como de ajuda social. Para isso foi feita uma pesquisa nos relatórios depresidentes das províncias do Brasil disponíveis na internet.6 A leitura dos relatórios foirealizada para meados do século XIX, sendo que, para as províncias onde não existiaminstituições de caridade, procurei acompanhar o momento de sua fundação.

A partir do espaço dado a tais estabelecimentos nos relatórios, procurodemonstrar que os “estabelecimentos pios”, especialmente os destinados a ajudarterceiros, eram assuntos de Governo relevantes para os presidentes da província. Nosseus textos eles procuravam convencer os representantes provinciais a financiá-los namedida em que isso não obstasse a “caridade pública”.

A existência de estabelecimentos que alimentassem e curassem aqueles quealém da indigência também estivessem doentes e não tivessem meios de existência emrazão da prostração causada pela doença, era fundamental para a existência de umasociedade “civilizada” (apesar do regime de trabalho escravo, já bastante criticado àépoca) da qual deveria ser ocultado o “espetáculo” da pobreza enferma nas ruas. Apesquisa também mostra que há uma relação direta entre o crescimento das cidades e anecessidade de tais estabelecimentos.

4 Eu já havia chamado atenção para isso em minha dissertação de mestrado (TOMASCHEWSKI, 2007).

Também Nikelen Acosta Witter (2007), em sua tese de doutorado, notou a importância atribuída pelosgovernantes à assistência e saúde pública.5 A questão do pertencimento às misericórdias ainda deve ser estudada, bem como a ligação dos irmãoscom a maçonaria, que fica bastante explícita para o caso de Pelotas em 1861, na importante cerimônia decolocação da pedra fundamental do hospital. A pedra é carregada pelo provedor então Barão de Piratini,mas a sua colocação fica a cargo do “pedreiro livre mais veterano desta cidade”, no caso, JacintoAntiqueira. Penso que o pertencimento à misericórdia poderia ser um fator que garantisse confiabilidadepara os negócios, pois ela era uma irmandade destinada à prática da caridade e seus membrosapresentavam-se como desinteressados ao dedicarem seu serviço aos pobres. Sobre a importância dasredes de relações para os negócios veja-se o interessante texto de Max Weber (1980) no qual analisa opapel das seitas protestantes nas trocas comerciais e sociais nos Estados Unidos. Sobre as noções deinteresse/desinteresse que norteiam as ações humanas adoto a posição de Pierre Bourdieu (1996).6 A consulta a estes relatórios só foi possível devido a sua disponibilização na Internet pelo CRL – Centerfor Research Libraries, uma organização sem fins lucrativos que visa digitalizar e divulgar documentossobre diversas regiões do mundo. Ver:www.crl.edu. Não consegui consultar os relatórios da província doPiauí, pois o link indicado na página não leva ao local correto.

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CARVALHO, Ana Cristina Farias. “ Assistência à pobreza e a Santa Casa da parayba:a filantropia a serviço da ordem (1889-1930)”. João Pessoa: UFPB, 1996. (dissertaçãode Mestrado em Ciências Sociais).

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social. Uma crônica do salário.Petrópolis: Vozes, 2005.FREITAS, Divaldo Gaspar de. As Misericórdias no Brasil. In: Actas do IV Congressodas Misericórdias, Lisboa, 1959, Vol. 1, p. 253.

MESGRAVIS, Laima. A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (1599? - 1884). SãoPaulo: Conselho Estadual de Cultura, 1976.

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PUCRS, 2007. (dissertação de mestrado em história).TOMASCHEWSKI, Cláudia. Caridade, assistência, misericórdias e beneficências naconstrução do Estado no Brasil e América Latina do século XIX. Um exercício decomparação a partir da bibliografia. Trabalho apresentado noV Congresso Internacional de História. Maringá, 2009.

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Fontes citadas:

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Sítio da Internet:

www.crl.edu

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Sob as marcas da escravidão: Saúde e corpo cativo no Brasil Meridional (RioGrande de São Pedro, séc. XIX).

Daniela Vallandro de Carvalho1

“Tão estranho carregar uma vida inteira no corpo, e ninguém suspeitar dos traumas, das quedas, dosmedos, dos choros”.

Caio Fernando Abreu.

Nossa proposta parte de uma tese que vem sendo desenvolvida sobre aparticipação armada de escravos na guerra civil Farroupilha, esta pensada como umtempo de possibilidades ampliadas para os cativos, onde inúmeros arranjos, estratégias eredes puderam ser compostas (e também desfeitas) em virtude da belicosa conjunturainstalada na província. Neste sentido, são tecidas algumas trajetórias de escravos quetiveram suas vidas atravessadas pela guerra, fosse através de fugas para fazerem partedos exércitos em litígio, fossem através do recrutamento. Todavia, todos eles, dealguma forma souberam, inteligentemente tirar proveito da guerra. Nessa nossa análise,para fins metodológicos, acabamos por dividir as fugas de escravos de duas formas: emfugas para dentro do território sulino e em fugas para fora, estas tendo em vista,sobretudo o Estado Oriental, que em meio a revolta civil farroupilha deflagra o início deseu processo de abolição da escravatura (1842), concretizado totalmente em 1846, coma abolição no Cerrito.

A questão da abolição no Cerrito no ano de 1846 acarretou um tensionamentodas relações fronteiriças e um acirramento das fugas de cativos pela fronteira. Passam aocorrer confrontos entre proprietários brasileiros com posses em terras uruguaias eautoridades orientais. Esta situação leva a intensas trocas de correspondência entre

proprietários brasileiros e autoridades, tanto brasileiras (sulinas) e orientais. Assim,como forma de atender a uma intensa demanda de proprietários que passam a reclamar erequerem seus bens cativos (muitos deles, confiscados no Estado Oriental, outrosfugidos espontaneamente) o presidente da província sulina Soares Andrea, através dacircular de 04 de outubro de 1848, encarrega os delegados e sub-delegados de políciaque confeccionassem relações ou listas por municípios, daqueles proprietários que sesentissem lesados com a questão. Sabemos da existência de diversas listas contendodescrições especificadas dos escravos em fuga. A partir delas são possíveis inúmerasquestões sobre estes cativos que fugiam para o lado de lá da fronteira, todavia, entre asinúmeras possibilidades de análise que as listas permitem, nos chamou bastante atençãoas descrições físicas destes indivíduos. Portanto, resolvemos nos valer desta fonte

específica dentre um conjunto maior trabalhado, para fazer um recorte de análise quenos possibilite tecer algumas considerações – mesmo que preliminares - sobre a relaçãoexistente entre a saúde, o corpo e as atividades desempenhadas por estes cativosmajoritariamente pertencentes a universo rural sulino. Para fins de amostragem,trabalharemos aqui com três destas listas, referentes aos municípios de Pelotas, RioGrande e Rio Pardo. Trata-se de um montante de 262 cativos e 120 proprietáriosreclamões.

Em termos teórico-metodológicos o trabalho é tributário de análises que temcontemplado a micro-análise como possibilidade de apreciação. As listas de fugas deescravos encontradas são parecidas, em seu conteúdo, com anúncios de fuga de

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ, bolsista [email protected]

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escravos. Esses anúncios foram destacados por Gilberto Freyre e Lilian Schwartcz porseu potencial descritivo dos agentes cativos. Nosso método de cercamento destas fontesprimárias constou da leitura minuciosa das mesmas e da segmentação das informaçõescoletadas em uma tabela excell contendo as seguintes variáveis: nome, idade, cor,origem, moradia, data da fuga, ocupação, marcas no corpo (ou descrições físicas). As

listas, assim como os anúncios de fuga, corporificam estes indivíduos, trazendo-nos emsua figura humana, marcados no corpo pelas identidades africanas e pelos traumas daexploração do cotidiano escravista. Essa tentativa de abordagem quantitativa não temsentido sem a paralela análise qualitativa de cada registro bem como um prolongamentode pesquisa através do método onomástico. O nome, peça identificadora que acarretavários problemas ao pesquisador na análise da sociedade escravista, mas também porvezes, como uma dose de sorte e muita pesquisa, pode ser um fio que poderá nos levar aesboçar algumas trajetórias – na seqüência da pesquisa - destes cativos em debandadafronteira afora.

As pesquisas sobre as condições de vida e trabalho dos escravos do mundo ruralsulino recém começam a aparecer. De forma tangencial, porém contundentes, algunstrabalhos tem apontado para a necessidade de se aprofundarem pesquisas quedemonstrem tanto suas presenças (que constantemente, dentre a historiografia sulinatem de ser reafirmada), sobretudo no mundo de pecuária, como as atividadesdesempenhadas, e mais amplamente suas condições gerais de vida. Neste sentido,clarificar estas questões, através do entendimento do ritmo de trabalho e dos desgastesfísicos no desempenho das nada fáceis atividades da lida campeira, pode ser umcaminho para a compreensão das condições de saúde daqueles indivíduos. Saúde aquipensada de forma bastante ampla, englobando as condições de trabalho, a relação com ocorpo, a expectativa de vida cativa. Desta forma, buscamos entender o que as marcas –físicas e simbólicas - da escravidão podem nos acrescentar sobre estes trabalhadores,habitantes de um mundo rural, fronteiriço e de belicosa naturalidade.

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Hospital Beneficência Portuguesa:Presença e atuação na cotidianidade de Porto Alegre

(1854 – 1904)1

Everton Reis Quevedo2

Introdução

Esta comunicação versa sobre nosso projeto de tese que centra-se sobre ahistória do Hospital Beneficência Portuguesa de Porto Alegre, hospital que foiinaugurado em 1858 e que permanece até hoje servindo a comunidade gaúcha. Éevidente que a instituição sofreu muitas mudanças ao longo dessa existência e nospropomos a analisar ao longo do trabalho, exaustivamente, apenas uma conjuntura damesma, cujos marcos são: 1854, data de fundação da Sociedade Portuguesa deBeneficência de Porto Alegre, mantenedora do Hospital, até o ano de 1904, quando aRepública recém criada adota novas políticas para a saúde pública no Brasil.Neste período, de 1854 a 1904, entendemos que a importância da instituição emestudo foi muito marcante em Porto Alegre, principalmente, em nível econômico, apartir das relações que se estabeleceram entre ela e a economia do Rio Grande do Sul.Isto implica, naturalmente, na necessidade de mapear os investimentos do Estado naárea da saúde, o que implicará, por certo, em buscar as relações e os graus dereciprocidade, de redistribuição e de trocas entre ela e o Governo regional.

Com tais pressupostos a tese que propomos pode ser assim sintetizada: Apresença e a atuação do Hospital Beneficência Portuguesa, além de lugar de importânciafundamental para o conhecimento dos procedimentos de cura, é também um espaço deenorme importância à história da população que circulava no Rio Grande do Sul no finaldo Período Imperial. Através dos registros, do acervo valioso que a instituição guarda eque se encontra inédito, é possível traçar os perfis das pessoas que buscavam ajuda paraos seus males, bem como, do momento histórico caracterizado a partir de um ponto devista distinto: a saúde.

Objetivo (do projeto de tese)

Recuperar e evidenciar a trajetória da Sociedade Portuguesa de Beneficência dePorto Alegre e de seu maior investimento, o Hospital Beneficência Portuguesa de PortoAlegre, do ponto de vista de sua inserção na cotidianidade médico-social da capital e,

até mesmo, na comunidade gaúcha de forma mais ampla.Metodologia

Através da Nova História Cultural, que se preocupa em resgatar o papel dosconflitos socioculturais como objeto de investigação, apresentando caminhosalternativos para a investigação histórica (VAINFAS, 1997, p. 127-162, e p. 148¬150),“insistindo no rigor da pesquisa documental contra a especulação sem provas factuais”(VAINFAS, 1997, p. 153), pretendemos, seguindo as premissas de Carlo Ginzburg,

1 Proposta de tese apresentada aos Programas de Pós-Graduação em História da PCU/RS e UNISINOSem 2010.2 Mestre em História pela PUC/RS. Coordenador de Pesquisa e Acervo do Museu de História daMedicina do Rio Grande do Sul (MUHM)

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captar e analisar indícios que só atingem o geral a partir de sinais particulares(VAINFAS, 1997, p. 152).

O hospital, segundo Foucault (1984, p.110), constitui-se em um campodocumental, não sendo somente um lugar de cura, mas de registro, acúmulo e formaçãodo saber. Neste sentido, o Hospital Beneficência Portuguesa de Porto Alegre possui

acervos inexplorados, que incluem livros de entrada e de saída de pacientes, livros-caixa, documentação religiosa, processos internos, correspondências, memorandos,estatutos, relatórios, etc. Todo esse material registra o cotidiano institucional, somando-se aos arquivos iconográficos e a um campo que proporciona a realização do trabalhotambém com fonte oral, uma vez que os atuais dirigentes têm ligação próxima aosfundadores.

Uma das idéias que se torna, para nós, transparente é que o cotidiano é o fulcroda existência do homem por inteiro: o homem do trabalho (intelectual/ físico), da vidaprivada, dos lazeres, do descanso, das diversas atividades sociais, dos intercâmbios, dosagrado, da purificação, como bem menciona Agnes Heller. O cotidiano é, assim, ainstância onde os homens produzem as coisas, as idéias, os valores, os símbolos, asrepresentações. Onde produzem toda a sua vida, no teor de sua completa inteireza:produção do mundo e produção de si mesmos, em um ininterrupto e criador fazerhistórico, onde o particular e o genérico, o individual e o universal, a parte e o todoganham uma existência eminentemente dialética, plena de conflitos e de contradições(HELLER, 1992, p.18).

Seguindo a idéia de que é mais importante o entendimento da teia socialconcreta onde os “atores” se movem (VAINFAS, 2002, p. 116-117), procuramoscompreender os argumentos gerais que norteavam o pensamento sobre as doenças nasociedade brasileira no período abordado, bem como compreender quais necessidadesfaziam parte do rol de preocupações dos gaúchos e dos imigrantes aqui estabelecidos –o que culminou na criação de uma série de entidades de mútuo-socorro.

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Vantagens e Desafios de uma História Comparada da Medicina Veterinária: OCaso da Brucelose Bovina

Fabiano Ardigó1

O enfoque institucional exerce um grande apelo dentro da historiografia da

ciência contemporânea. No Brasil, em particular, os estudos institucionais parecem seruma tradição já consolidada pricipalmente no período que vai do começo do séculoXVIII até o início do XX(Dantes 2001). No entanto, esse mapeamento institucionalsempre buscou entender mais a topografia do que distinguir os topos dos vales, osentido dos rios e para que lado o vento soprava. Ou seja, as relações de poder, astensões, alianças, as dinâmicas dentro da comunidade científica, os eixos de influência eos detalhes sobre a circulação do conhecimento não necessariamente constituíram oenfoque central dessa tradição. Nessa apresentação irei argumentar que é possível, no

entanto, tirar proveito desse grande volume de trabalhos ao utilizá-lo como base paraestudos comparados. Usando o exemplo da pesquisa sobre a Brucelose irei sugerir que ahistória comparada oferece desafios mas também muitas vantagens principalmente emum país com as características do Brasil.

A justificativa para os estudos institucionais dentro da historiografia da ciênciasão amplamente conhecidos. Em diversos países esse enfoque está consolidado e nãoseria necessário discorrer sobre seu papel crucial para explicar o desenvolvimentocientífico desde o começo do século XVII até os dias atuais(Ben-David 1971). DasAcademias de Ciência de Cimento em Florença e da França em Paris(Stroup 1990),passando pelo Instituto Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro(Cukierman 2007) até oInstituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF)em Guaíba-RS,instituições sempre formaram o pano de fundo sobre o qual as histórias da ciência foramprojetadas e de onde buscamos as respostas para entender o passado de nossas ciências.

No entanto, é possível fazer mais. É possível utilizar todo esse precisomapeamento para ampliar o entendimento do real papel institucional na produção,intercâmbio e difusão de conhecimentos científicos. Usarei aqui o exemplo da pesquisaem Brucelose Bovina para demonstrar que alguns recursos desenvolvidos dentro daexperiência da história comparada poderiam contribuir muito para essa ampliação queme refiro. Se fôssemos abordar a brucelose dentro da enfoque institucional nãopoderíamos fugir muito de um roteiro já bem conhecido. Descreveríamos os estudos deBernhard Bang no final do século XIX, poderíamos incluir os avanços da microbilogiano Instituto Oswaldo Cruz bem como os estudos sobre o tema na Escola Superior deAgricultura Luiz de Queiroz em Piracicaba. Assim teríamos um contexto definido apartir do qual poderíamos começar a tratar da instituição de nosso interesse. Usemos porexemplo o caso do IPVDF. A descrição que acabei de me referir seria ideal para iniciara apresentação dessa instituição. Ou seja, eu estaria conduzindo ( ou mesmo, induzindo)o meu leitor a visualizar a instituição gaúcha dentro de uma continuidade. Dentro deuma longa tradição institucional que vem desde a Ilha de Malta, onde a doença foiidentificada, até a Fazenda do Conde onde o Instituto funcionou nos anos 50. A partir deentão eu descreveria os antecendentes do IPVDF e por fim ilustraria sua trajetória com otema da brucelose bovina. Depois eu usaria seus artigos científicos e talvez arepercussão de suas ações dentro da comunidade agrícola local. Até aqui nada disso é

1 Universidade de Oxford.

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novidade. Todos estamos familiarizados com esse roteiro dedutivo que nos conduz dogeral ao específico.

No entanto, embora essa metodologia seja importante para um conhecimentopreliminar de uma instituição e de suas pesquisas, ela nos dá uma visão muitoparticularizada da primeira e apenas superficial da segunda. Algumas das razões para

isso são facilmente compreensíveis. Dar conta do conjunto de fontes primárias, que emuma instituição razoavelmente atuante costuma ser imenso, é por si só um desafio.Além disso, quando não se dispõe de fontes secundárias em quantidade o terreno ésempre movediço e o avanço muitas vezes dolorosamente lento. Mas por outro lado, aoacabar nos envolvendo demais com apenas um grupo de fontes não conseguimosidentificar o que é realmente único naquela instituição, exatamente onde ela se destaca equais foram suas deficiências. Além disso, estudos institucionais são por excelênciaregionalizados e seu intercâmbio com o exterior é muitas vezes visto pela perspectiva dainstituição local o que nos leva a uma visão quase sempre parcial do todo. Ainda maisperigoso, corremos o risco de ficarmos tão envolvidos com nossas figuras institucionaisque podemos inadvertidamente incorporar alguns de suas interpretações e preconceitosem nossas narrativas históricas.É nesse ponto que a história comparada tem muito a contribuir. Essa abordagemtomou força na Europa após os anos 50 justamente como uma reação ao nacionalismoexagerado dentro da historiografia daquele período, como um esforço se expandirhorizontes. Tendo March Bloch como um de seus primeiros entusiastas, a históriacomparada definiu seus contornos e foi ampliada para vários períodos e temas (Kedar2009). A literatura a esse respeito é ampla, e no Brasil já existem condições suficientesde usar os recursos metodológicos para trabalhos nesse sentido(Theml and Bustamante2007).Voltando ao assunto da Brucelose vejamos quais seriam as vantagens e desafiosde abordar esse tema específico a partir do que sabemos das instituições.

Tratemos primeiro dos desafios. Uma das dificuldades apontadas porhistoriadores é que para comparar é necessário conhecer as fontes primárias dos doiselementos que estão sendo comparados. Quando se trata de países diferentes, transpor abarreira do idioma pode parecer às vezes por demais desafiadora. Além disso, outradificuldade apontada é a quebra nas narrativas já que muitas vezes é necessário seenfatizar o contraste e a análise em detrimento de um texto mais fluído. Por fim,aponta-se que a análise de diferenças e semelhanças não possibilita o realce dasconexões, da interdependência entre os elementos estudados. Todas essas objeções temsido discutidas e é necessário consultar a bibliografia para entender as soluçõesapontadas para cada uma delas (Kocka 2003).

Agora vejamos as vantagens. No caso específico da brucelose no Brasil

poderíamos indicar vários pontos onde a história comparada oferece oportunidadesinteressantes. Em primeiro lugar, é possível usar o território brasileiro como ponto departida já que contrastes regionais são suficientemente marcantes em diversosmomentos de nosso passado(Baldwin 2004). Além disso, podemos expandir nossoshorizontes de análise ao observar como diferentes instituições conduziram a pesquisa einteragiram com seus pares, autoridades e consumidores finais. Sob a luz comparativa,estatísticas de vacinação e a eficácia de programas de erradicação adquirem contornoscompletamente diferentes. Isso pode ser visto claramente ao comparar o Rio Grande doSul com o Paraná no começo do século XX. Em Curitiba a análise de menos de 5% dorebanho do estado era apresentado como uma vitória da pesquisa local. O instituto depesquisas veterinária de Curitiba, de fato, era apontado como um “sentinela” no

combate aquela doença (IBPT 1953). Já em Guaíba-RS, os pesquisadores do IPVDFtinham uma abordagem completamente diferente. Eles diziam que testar não era

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suficiente, já que só conquistando a confiança dos criadores seria possível pensar naerradicação da doença(Correa 1943). A análise individualizada dessas duas perspectivaspoderia levar, como já aconteceu, a interpretar essas trajetórias institucionais igualmentebem sucedidas, enquanto a comparação aponta para um complexo proceso de seleção eadaptação (Bacila 2001). Por fim, uma última vantagem da história comparada é que

institutos de pesquisa veterinária intercambiavam publicações e portanto é possível teruma idéia sobre eixos de influência, alianças e conflitos sem ter que se deslocar até ainstituição que produziu a fonte usada pelo historiador.

Em conclusão, estudos sobre a medicina veterinária podem serconsideravelmente expandidos através dos métodos da história comparada. A bruceloseé apenas uma das áreas que ainda sabe-se muito pouco, embora a proximidade com ahistória da tuberculose bovina e portanto da humana não justifique essa carência.

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A Peste em Santa Maria

Flavia dos Santos Prestes1; Nikelen Acosta Witter2

ResumoRessaltar a importância da chegada de uma epidemia de peste bubônica em Santa Mariaem um período em que esta passava por um significativo crescimento socioeconômico.Além de contribuir para a historia da cidade, no sentido de ampliar o conhecimentosobre o período estudado, através da ocorrência da doença e do tratamento aplicadopelas representações médicas locais.

Palavras-chave:Doença, Peste bubônica, contaminados.

IntroduçãoA proposta inicial de nosso projeto baseou-se em apresentar um estudo sobre adisseminação da peste bubônica na cidade de Santa Maria, entre os anos de 1912 a1924. Para isso, se fez necessário enfatizar o processo de crescimento da cidade e dosurto populacional promovido pela estrada de ferro entre os últimos anos do século XIXe os primeiros do XX. Além de ressaltar a importância da ferrovia, enquantopromovedora de contatos com as diferentes regiões do estado do Rio Grande do Sul.Logo após, apresentamos os problemas que esse crescimento acelerado trouxe para acidade. Questões como a falta de saneamento básico, construções desordenadas e a parteinvisível de tudo isso, ou seja, a proliferação de germes e bactérias, responsáveis pelachegada de novas doenças.

MetodologiaDando continuidade a nossa pesquisa, passamos a tratar da peste bubônica propriamentedita em sua incursão pela região. Para contribuir teoricamente com nosso tema,buscamos primeiramente pesquisar fontes bibliográficas, que descrevessem talacontecimento.As referências a peste bubônica apareceram em apenas duas obras, únicas a fazeremalusões à epidemia em Santa Maria: O livroSanta Maria Memória, 1848-2008,organizado por Neida Ceccim Morales - que traz informações de que houve oito casosdesta doença em Santa Maria. Sendo que a peste vitimou primeiramente um menino de

treze anos, que era filho do dono da panificadora Aliança. Na época está panificadorafoi apontada como o foco da infecção, sendo a peste, transmitida por ratos que vieramem um carregamento de farinha saído do porto da Argentina.A outra obra escrita pelo memorialista Romeu Beltrão (1979)Cronologia Histórica deSanta Maria, também registra a proliferação desta doença na cidade segundo Beltrão, a

1Licenciada em História pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA); E-mail:[email protected] 2Professora do Curso de História – Área de Ciências Humanas do Centro Universitário Franciscano; E-mail: [email protected]

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epidemia de peste bubônica em Santa Maria foi um dos períodos mais trágicos de suahistória. Deixando um total de dezoito mortos.Após a leitura das bibliográfias buscamos informações no Arquivo Histórico municipalde Santa Maria,mais precisamente em jornais da época, que circulavam na cidade.Encontramos reportagens sobre a peste no jornalO Diário do Interior . Este circulou no

Rio Grande do Sul de 16 de maio de 1912 até 1940 e foi um importante meio decomunicação à época. No Diárioas notícias sobre a epidemia passaram a circular no diadois de agosto de 1912, e estenderam-se até o dia dezessete de agosto, onde declara-se“a extinção” da peste bubônica em Santa Maria.

ResultadosSeguindo a interpretação dessas fontes, deveríamos concluir que a peste bubônica emSanta Maria foi um fato sem muita importância, com poucos casos e com rápidapassagem pela região. Contudo, ao cruzarmos as informações pudemos perceber queestas estavam discordantes. A discordância começava pela quantidade de mortos, queiam de treze (Neida Ceccim) a dezoito (Romeu Beltrão), chegando a vinte (O Diário doInterior). Há também no livro de Beltrão informações de casos de peste bubônica nosanos de 1919 e 1924.A partir desses dados, e do acesso que tivemos a outras fontes, no caso: orelatórioqueo doutor Astrogildo de Azevedo formulou ao Diretor de Higiene do Estado RicardoMachado datado do dia quinze de setembro de 1912, asCrônicas das IrmãsFranciscanasdurante os anos de 1912 a 1924 e osProntuários do Hospital de caridade,datados de 1903 a 1928 abriu-se uma ampla oportunidade de pesquisa visto que, estasao que parece nos proporcionaram uma visão mais ampla dos fatos ocorridos durante aepidemia de peste bubônica na região. Além de estender nosso espaço-temporal até1924, data em que a maioria das fontes concordaram ter sido extinta a peste em SantaMaria.Encontramos nos livros prontuários do Hospital de caridade uma relação de seisfalecimentos por peste, entre os meses de julho e agosto, o que nos chamou a atenção éque essas pessoas não eram as mesmas relacionadas por Beltrão, pelo jornal e pelorelatório do doutor Astrogildo. Aprofundando nossas leituras, relacionamos setenta eum doentes, com vinte e três falecimentos por peste durante os anos de 1912 a 1924.

ConclusõesVisto que, o tempo para a pesquisa, e a elaboração de um trabalho final de graduação élimitado, nos detemos em trabalhar apenas com os acontecimentos relativos a 1912.Para isso, cruzamos os relatos do memorialista Romeu Beltrão, com o Jornal o Diário

do Interior, que apresentava notícias diárias da epidemia. Estas relatavam asprovidências tomadas pelo corpo médico e pela administração política da cidade. Hátambém informações sobre o isolamento dos doentes com a construção de um lazareto,medidas de combate a epidemia como a higienização dos lares, vacinas e visitas asresidências para instrução quanto à limpeza, além do sentimento de “medo” que seinstaurou na região.Este “medo” ocasionou a debandada de muitas famílias, que praticamente lotavam ostrens que passavam por Santa Maria diariamente, o fechamento dos colégios, e umcontrole intensivo por parte de um serviço de policiamento que incluía a guardamunicipal, militares do exército e policiais federais.Quanto ao relatório do doutor Astrogildo de Azevedo, as Crônicas das irmãs

franciscanas e os prontuários do hospital de caridade, foram utilizados apenasinformações que complementavam as já referidas acima. Portanto, nossa proposta não

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foi inteiramente trabalhada, pelo contrário, muitas perguntas ficaram sem respostas,novas questões surgiram. O que então nos instiga a dar continuidade a nossa pesquisa,olhando mais atentamente para as fontes primárias que trazem informações em grandeparte inéditas sobre a epidemia a qual nos propormos a estudar.Até o presente momento o que pudemos apurar é que Santa Maria, uma cidade da região

central do Rio Grande do Sul, apesar de localizar-se bem longe dos grandes centros nãoficou fora do alcance das grandes epidemias que já vinham assolando outros estadosbrasileiros no início do século XX.

Referências

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Ascensão, Apogeu, Declínio e Queda de um Tratamento PsiquiátricoRevolucionário1

Guilherme Astor Torres2 Marília Gonçalves3

Valentina Metsavaht Cará4 Edison Cheuíche5

Maria Helena Itaqui Lopes6 Luiz Gustavo Guilhermano7

IntroduçãoA sífilis é uma doença bacteriana sexualmente transmissível causada pela

espiroqueta de nomeTreponema pallidum. Essa doença tem sua evolução esintomatologia dividida em três fases: primária, secundária e terciária. A sífilis terciária

ocorre no período de um a dez anos após a infecção primária não tratada, podendo termanifestações gravíssimas, como a neurossífilis. Na apresentação neurológica, ocorrecomo sinal, uma paralisia geral progressiva associada a alterações psiquiátricas queevoluem invariavelmente para demência e, em muitos casos, para a morte. Previamenteao advento da utilização da penicilina, medicações derivadas do mercúrio e do arsênico,entre outras, eram utilizadas sem sucesso na tentativa de frear a evolução dos sintomasnessa fase terciária, embora resolvessem a fase primária e secundária. Assim a medicinadescobriu que havia uma barreira hematoencefálica impedindo que moléculas grandeschegassem ao sistema nervoso central; a humanidade ainda aguardava que fossedescoberta uma medicação eficiente contra oTreponema pallidum(TP)– e pequena osuficiente para ultrapassar a barreira sangue-cérebro. E isso, finalmente ocorreu, em

1943 quando a penicilina passou a ser usada para esse fim. Enquanto isso não acontecia,Julius Wagner-Jauregg, psiquiatra e neurologista austríaco, observou que pacientesneurossifilíticos, acometidos por um processo infeccioso, que apresentassem febremuito alta, chegando a ter convulsões, caso chegassem a sobreviver, acabavammelhorando da neurossífilis. A partir disso, procurou uma forma de desenvolver febrealta em pessoas com sífilis terciária de modo que depois ele pudesse controlar a causada febre por ele mesmo provocada. Foi então que, em 1917, Jauregg introduziu autilização da malarioterapia para a cura da paralisia geral, através da inoculação desangue contaminado por malária, em neurossifilíticos. Depois, ele controlaria essa

1 Ante-projeto de Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Psiquiatria doPrograma de Pós-Graduação em Psiquiatria do Hospital São Lucas da PUCRS, PortoAlegre.2 Médico, Pós-Graduando do PPG em Psiquiatria do Hospital São Lucas da PUCRS-Porto Alegre.3 Auxiliar de pesquisa, aluna da Graduação em Medicina FAMED-PUCRS.4 Auxiliar de pesquisa, aluna da Graduação em Medicina FAMED-PUCRS, formada naFaculdade de Cinema UNISINOS.5 Consultor – Historiador do Memorial do Hospital Psiquiátrico São Pedro.6 Co-orientadora, Professora e Coordenadora do Curso de Medicina da PUCRS.7 Orientador, Prof. do PPG em Psiquiatria do Hospital São Lucas PUCRS, Vice-

Presidente da Associação Gaúcha de História da Medicina.

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malária iatrogênica com quinino, um tratamento já disponível. A introdução artificial doPlasmodium vivax(PV) revelou-se bastante eficaz para a remissão dos sintomas naépoca, rendendo a Jauregg, em 1927, dez anos após a ampla utilização desse métodoterapêutico, o único prêmio Nobel já recebido por um psiquiatra. Se levarmos emconsideração o Prêmio Nobel de 1903, recebido pelo russo Ivan Petrovich Pavlov, pela

descoberta dos reflexos condicionados, percebe-se que foi um fisiologista, e nãopsiquiatra, que recebeu o prêmio. Não podemos esquecer que o português Antonio EgasMoniz, vencedor do Nobel em 1948 pelo desenvolvimento Lobotomia Transorbitáriapara tratamento da esquizofrenia, era neurologista. A malarioterapia passou a serempregada em Porto Alegre, em 1928, um ano após o Prêmio Nobel, sendo um avançoem tecnologia médica para a época. Em 1938, o Hospital Psiquiátrico São Pedrorecebeu uma placa de bronze em agradecimento a Jaurreg pelo desenvolvimento damalarioterapia. Essa placa foi um presente pelos pacientes recuperados para a família ea sociedade por essa técnica terapêutica. Tal terapêutica médica foi a única que recebeutal honraria de pessoas beneficiadas por ela aqui no estado do Rio Grande do Sul.

Os mecanismos de cura da malarioterapia são discutidos desde que atemperatura alta da febre terçã da malária pode eliminar os TP, ou desde que reaçõesimunitárias despertadas pelo PV possam ajudar o organismo a combater o TP.Objetivos

Apresentar e debater esse pré-projeto com historiadores e profissionais da saúdedo IV Encontro Estadual de História da Saúde visando o seu aperfeiçoamento, evoluçãocrítica para obtenção resultados mais adequados. A pesquisa pretende revisar o empregoda malarioterapia para o tratamento da neurossífilis em pacientes do HospitalPsiquiátrico São Pedro e Clínica São José, ambos de Porto Alegre. Avaliar os resultadosde seu emprego. Realizar uma descrição histórica da utilização da malarioterapia para otratamento da neurossífilis. Comparar e contextualizar o momento da utilização dessetratamento com a psiquiatria atual.Métodos

É um estudo retrospectivo, coorte, onde os dados a respeito dos enfermos serãopesquisados nos prontuários médicos de pacientes do Hospital Psiquiátrico São Pedro,que se encontram no Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul, e ainda nosarquivos da Clínica São José de Porto Alegre. Será feita revisão bibliográfica de livrosde psiquiatria dos anos 40, além de tratados atuais de psiquiatria e livros de história dapsiquiatria. Busca no Pubmed (Medline) e Scielo artigos médicos sobre malarioterapianos últimos 10 anos. Dados referentes à malarioterapia serão coletados no Centro deMemória da Associação Médica do Rio Grande do Sul e no Memorial da Associação dePsiquiatria do Rio Grande do Sul e Museu de História da Medicina do Rio Grande do

Sul (MUHM). Serão analisadas as descrições da doença sifilítica realizadas porprofissionais da época, assim como serão abordados os tratamentos anteriores àmalarioterapia e o impacto nesta após o início da utilização da antibioticoterapia compenicilina para o tratamento da sífilis e o desuso da malarioterapia. Para tal, serádesenvolvido um instrumento de coletas de dados com a finalidade de padronização dosdados. Esse projeto deverá ser submetido aos Comitês de Ética em Pesquisa do HospitalSão Lucas da PUCRS e do Hospital Psiquiátrico São Pedro para que se possa darseguimento às outras fases da pesquisa após a revisão bibliográfica.Referências- TOURNEY, G.: The History of Therapeutics Fashions in Psychiatry, 1800-1966American Journal of Psychiatry, 1967, vol. 124, pp.784-796

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GODOY, J.G. –Psiquiatria no Rio Grande do Sul, 1955, Edição própria, Porto Alegre,Malarioterapia, pp. 113-118

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O Corpo e Gênero na Idade Média: Uma analise das relações de poder através deEleonora da Aquitânia

Jordana Alves Pieper1

INTRODUÇÃO

Este estudo busca primeiramente fazer uma breve analise sobre a categoriagênero e como ele se apresenta como poder modificador dos corpos na Idade Média.Tendo em vista a subjugação vivida pelo gênero feminino neste contexto histórico, estetrabalho busca entender como estas duas categorias teóricas se comportam no contextoda Baixa Idade Média, mais especificamente no século XII, através da ilustrepersonagem Eleonora da Aquitânia (1122-1204).A medievalista Jardim (2006, p.25) explica: “A posição de inferioridade damulher em relação ao homem marca os diferentes discursos que a sociedade medievalproduziu”, contudo algumas mulheres dominadas pelo saber conquistam um grandeespaço atuante na sociedade como o caso de Eleonora da Aquitânia. Isso comprova averacidade de Foucault (1979) ao dizer que quem tem saber tem poder, já que foiatravés da vasta bagagem cultural adquirida por Eleonora que a permitiu ultrapassar asbarreiras discursivas de menosprezo a mulher e assim obter grande prestígio no mundomedieval. Assim, as barreiras culturalmente construídas sobre os corpos na IdadeMedieval, se mostram como não sendo um limitador absoluto, afinal como Labarge(1988, p.20) afirma: “A natureza geralmente desordenada da sociedade da sociedadepermitiu um marco de ação mais amplo para a influência pessoal das mulheressobressaírem.”.

METODOLOGIA (MATERIAL E MÉTODOS)

Esta pesquisa é resultado das discussões desenvolvidas no grupo de Estudosde Gênero do curso de História da UFPel. Onde, gênero é tratado como uma categoriade analise importante para entender o desenvolver do fazer histórico. E para não correro risco de acabar construindo uma história das mulheres que trate das conquistas edesconquistas das mulheres, é que se procurou promover uma interpretação a respeito

dos sentidos sobre o corpo masculino e feminino como instrumentos de poder paraformação de hierarquias (PORTER, 1992).Este estudo, de caráter bibliográfico, esta dividido em duas etapas de

pesquisa. A primeira consiste em investigar a perspectiva gênero e problematizar suautilização como categoria de análise, bem como entender o corpo como um local ondese instalam vários discursos de poder. Para isso autores como Porter (1992), Scoot(1992; 1995), Moore (1988), Dora (1997), Louro (2007), Jardim (2006; 2009) eFoucault (1979).

No segundo momento, o trabalho busca entender como estas questõesteóricas se comportam na Idade Média, a partir de Eleonora da Aquitânia. Com isso,

1 Acadêmica do curso de Licenciatura em História na UFPEL – ICH. Email para contato [email protected].

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Domenec (1986), Pernoud (1983) e Labarge (1988) foram de fundamental importânciapara investigar e entender as relações de gênero no contexto histórico da Eleonora daAquitânia.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Até o presente momento foi discutido o conceito gênero, onde é possívelentender que gênero não é um conceito uniforme e estático, mas é algo socialmente eculturalmente construído, com isso não se pode entender o gênero desmembrado doprocesso histórico (MOORE, 2002), pois cada época possui seus interesses próprios quevão marcando nos corpos as relações de poder. Assim, cai por terra a simplista definiçãode gênero dada através dos fatores biológicos, o qual tenta explicar as diferenças entrehomens e mulheres por meio das diferenças dos corpos.

Outro ponto desta discussão é a definição de corpo. Este como Dora (1997)explica não é uma entidade natural, mas sim produzido pela cultura. E para Foucault(1979, p.22) o corpo é um lugar de história “O corpo: superfície de inscrição dosacontecimentos (...)”. Diante disto, surge uma nova forma de entender o gênero bemcomo qualquer outro objeto que perpasse o corpo, pois os corpos também possuem umaleitura e uma formação histórica.

Para que fosse possível perceber como ocorriam as relações de gênero nasociedade medieval utilizou-se gênero como uma categoria de analise, afinal estepossibilita pensar a história a partir de ambos os sexos e não somente do ponto de vistados homens ou mulheres, mas de ambos se relacionando continuamente.

Por fim, a última etapa consistiu em analisar as relações de gênero e osdiscursos de poder sobre os corpos, na Baixa Idade Média no contexto vivido porEleonora da Aquitânia.

CONCLUSÕES

Com o uso da categoria gênero como perspectiva de analise histórica foipossível descobrir que o corpo feminino estava marcado tanto pelos discursos político,culturais quanto da própria aceitação das mulheres. Afinal, no recorte temporal da baixaIdade Média mais especificamente século XII, foi descoberto segundo Louro (2007) quea mulher não era mera vítima do discurso patriarcal, mas também era promotora, muitas

vezes, do mesmo. Foi através do estudo bibliográfico da vida da Rainha Eleonora daAquitânia que foi possível perceber o quanto esta idéia da aceitação feminina, peranteosdiscursos de inferiorização, era verdadeiro. Eleonora conseguiu ultrapassar as barreirasdo preconceito e alcançar grande renome em meio a seus contemporâneos mostrandoassim, a possibilidade feminina de se sobressair em uma sociedade marcada pelodiscurso masculino. Ela também venceu o discurso clerical, que segundo Jardim (2006,p.33) apresenta as mulheres como sendo “necessariamente fracas, insensatas, volúveis,incapazes de discernimento.”

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Implantação do Sistema Único de Saúde no Município de Santa Maria

Juliano Silva de Bastos1 Beatriz Teixeira Weber2

Este trabalho tem como tema o Movimento de Reforma Sanitária da década de1980 e o surgimento e implantação do Sistema Único de Saúde no Município de SantaMaria. Como marcos temporais ter-se-ão por base, inicialmente, o ano de 1985 –quando tem início o período de redemocratização da política brasileira, ao final doregime militar, o que permitiu a reorganização e inserção da população dentro docenário político nacional. E, como término, o ano em que o município de Santa Mariaadere ao projeto de municipalização da saúde, assinando a pactuação com a rede SUS,1996. A documentação pesquisada irá se referir à legislação que regulamenta o SUS:Constituição Federal; Relatórios Finais de Conferências Municipais, Estaduais eNacionais de Saúde; atas, documentos e correspondências existentes no arquivo doConselho Municipal de Saúde, referentes ao período em questão. E, tambémdocumentos relativos a alterações feitas na legislação do município de Santa Maria.No ano de 1988 foi promulgada a nova constituição brasileira, agora baseada emprincípios democráticos e, em muito, contemplando os anseios da população do país.Dentre os artigos que definiram as políticas sociais, que deveriam ser sustentadas peloEstado, estão alguns relativos à nova política de saúde. Os artigos 196 a 200 instituem edão atribuições a um novo método de gestão e atendimento em saúde no Brasil, baseadonos princípios da universalidade, integralidade e equidade, e criando o Sistema Único deSaúde (SUS). Este trabalho pretende analisar o movimento que propiciou a elaboraçãodessa legislação; discutir e identificar os movimentos sociais que integraram oMovimento de Reforma Sanitária na década de 1980; e compreender como estalegislação se organizou e incitou trabalhos para por em prática este projeto deatendimento à saúde, o qual batia de frente com a prática médica curativa individual,que foi mantida pelo regime militar nas décadas anteriores.

A existência de um movimento buscando a remodelação do Sistema de Saúdebrasileiro fez-se presente desde meados da década de 1970 com os Departamentos deMedicina Preventiva (DPMs) dentro das universidades, a Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva – (Abrasco) e com a chegada de algumas liderançasreformistas às esferas de poder (ECOREL, 2005, p.68). Destes ficaram a experiência deprojetos pilotos, como o Plano de Localização de Unidade de Serviços (Plus) e o ProjetoMontes Claros (MOC) que “provaram ser exequíveis as propostas do movimento,inclusive por sua capacidade de articulação com diferentes forças sociais” (ESCOREL,2005). Mas é na primeira metade da década de 1980, com o processo de aberturapolítica, que estes movimentos ganharam espaço efetivo dentro da política nacional,principalmente através do Conselho Consultivo de Administração da SaúdePrevidenciária (Conasp). Neste estavam presentes representantes de inúmerossegmentos da sociedade organizada, responsáveis pela aprovação do Plano Conasp de1982. E, consequentemente, pelo Programa de Ações Integradas de Saúde (Pais) que, jáem 1984, possibilitaria a organização de uma rede com a participação de todos osestados brasileiros em torno das mesmas.

Em 1986 foi realizada aVIII Conferência Nacional de Saúde: a saúde é direitode todos e dever do Estado, que é tida pelos sanitaristas como o principal marco da luta

1Universidade Federal de Santa Maria, (Mestrando em História).2 Universidade Federal de Santa Maria, (Pós-Doutora em História).

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por uma nova forma de se praticar o atendimento em saúde no Brasil, tendo dela saídoos preceitos para a formulação do texto referente à saúde na constituição de 1988.Porém, ainda em 1987, antes da promulgação da constituição, foi criado o SistemaÚnico Descentralizado de Saúde (Suds) justificado pela necessidade de se aprofundaremas discussões quanto à operacionalização e financiamento do novo sistema de saúde. E

que, mesmo após a criação do (SUS), permaneceu como alternativa, até que se desse àmunicipalização da saúde em cada município. Para o caso de Santa Maria, alvo desteestudo, o projeto de pactuação do atendimento via SUS só foi assinado em 1996. Logo,o município esteve, dos anos de 1987 a 1996, integrado dentro da rede (Suds) que,apesar de já estar alinhada a alguns dos preceitos do SUS, ainda pagava porprocedimento, favorecendo o regime de atendimento médico individual, combatido pelonovo movimento sanitário.

Esta temática é amplamente trabalhada principalmente, nas Escolas de SaúdePública de todo o país. Destacando-se instituições como, Abrasco e Fiocruz – querealizam grandes esforços para discutir, analisar e teorizar –, o Movimento de ReformaSanitária, as políticas e o sistema de saúde, desenvolvidos nas últimas décadas dahistória do país. Esta também carrega, como diferencial, o fato de discutir a inserção deSanta Maria nesse contexto, ou seja, historiar um trecho da vida política, social eadministrativa do município que ainda carece desse tipo de análise. Além disso, seconfigura, através da análise do processo de municipalização da saúde, como umesforço para complementar os trabalhos realizados pelas instituições e escolas acimacitadas.

A busca pelo direito a saúde, principalmente após a criação do estadodemocrático de direito pelaConstituição Cidadã, mostrou um potencial diferenciadodos inúmeros outros mecanismos e motivações de mobilização. Não se reduziu a umacausa sindical, de classe, ou de grupo corporativo. Mas, reuniu uma heterogênea massade cidadãos advindos de todos os ramos da sociedade e que, sem estarem inseridoscomo militantes de um movimento organizado, ao menos manifestaram em suas idas aUnidades de Saúde ou diante de representantes do executivo e do controle social, odesejo de um bom atendimento. Ou seja, a necessidade de materialização dos ideais doMovimento de Reforma Sanitária que não poderiam ser apenas registrados em uma lei,fria, morta e inoperante.

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A Sociedade Portuguesa de Beneficência: Caridade, Assistência e poder no RioGrande do Sul do século XIX

Larissa Patron Chaves1

IntroduçãoEste trabalho objetiva apresentar pesquisa sobre parte da trajetória histórica dasSociedades Portuguesas de Beneficência no Rio Grande do Sul e suas relações com otrabalho assistencial desempenhado no Estado no período que compreende o Império erepública Velha. As Associações de Beneficência são instituições hospitalares criadaspor imigrantes portugueses no Brasil do século XIX, e no mundo colonial português,sob o modelo das Misericórdias criadas em Portugal pela rainha Dona Leonor no séculoXV. Ao processo de implantação das instituições lusas relaciona-se a importância daimigração portuguesa para a região sul na segunda metade do século XIX, momentoconsiderado importante pela vinda do maior contingente imigratório europeu para oBrasil, entre eles de portugueses, e do conseqüente papel dessas associações deBeneficência na representação desse contingente.Da mesma forma que no restante do país, no Rio Grande do Sul as instituiçõesprestam assistência aos sócios portugueses na enfermidade, na necessidade educacionale na morte, desenvolvendo a prática da caridade a partir de uma perspectiva dual, poisrepresentam o ideário cristão pregado pela Igreja Católica ao mesmo tempo em queagem na circulação social da caridade, favorecendo a sua auto-promoção e equilibrandodisputas de poder.

Uma Sociedade Portuguesa de Beneficência contrata empréstimos com qualquercasa bancária capitalista, constrói edifícios, representa a si mesma em atos públicos,evidenciando os domínios e poderes institucionais que propõe. Entretanto, a discussãosobre a função assistencial e social, bem como da composição das suas diretoriasadministrativas, acompanha grande parte do material documental encontrado sobre elas,remetendo ao fato de que não existe uma aplicabilidade rígida das regrasadministrativas, definidas nos estatutos, para a prática social, exposta nos relatórios.

Objetivos:A pesquisa apresenta os seguintes objetivos:GeralInvestigar as Instituições de Beneficência Portuguesa no Rio Grande do Sul a

partir de sua heterogeneidade, na análise de suas administrações, assistência e

representações em perspectiva comparada, de 1854 a 1910;EspecíficosJustificar a criação dessas instituições lusas, bem como analisar as condições

econômicas e culturais locais que permitem efetivar a criação de suas respectivas sedes;Apontar as relações sociais, políticas e culturais que tais instituições, auto-

denominadas caritativo-filantrópicas, mantêm com a Monarquia Portuguesa;Examinar, através dos meios discursivos (Atas, relatórios, estatutos, periódicos,

alvarás, entre outros), como tais instituições evidenciam a assistência desempenhadatendo em vista as relações com as comunidades locais;

Contribuir para os estudos que se referem à presença portuguesa no Rio Grandedo Sul durante o Segundo Império e República Velha, em especial à relevância das

1 Doutora em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS. ProfessroaAdjunta da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS.

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Sociedades Portuguesas de Beneficência como instituições representativas dosinteresses dessas comunidades, pouco referendadas na historiografia oficial regional enacional.

Metodologia:

A pesquisa tem como referencial teórico-metodológico o trabalho em históriacomparada desenvolvido por Marc Bloch. Para o autor, a comparação tem duas funçõesimportantes: pesquisar e entender aspectos científicos e gerais de cada fenômeno eauxiliar e compreender as causas e origens de tais fenômenos (BLOCH, 1930:31-39).

Nesse sentido, pretende relacionar as instituições de Beneficência portuguesanas cidades de Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas e Bagé, no que tange as suas normas(estatutos e formas de assistências), práticas (assistência e atividades sociais, políticas eculturais) e vida institucional.

Resultado e discussãoParte da trajetória histórica das Sociedades Portuguesas de Beneficência mostrou

que mesmo afirmando a assistência a partir da alternância entre o dever interessado como dever desinteressado, nos diferentes casos analisados a espinha dorsal da caridade foi,de fato, a espiritualidade. As diferentes formas como ela foi utilizada permitiramvisualizar as diferenças, mesmo dentro da história da uma única Sociedade deBeneficência, a transferência do que significa um exercício espiritual e uma vida nacaridade para a vida prática recorre as questões da assistência, em especial da saúde.

As efemérides comemoradas nas quatro Sociedades Portuguesas de Beneficênciaadquiriram significado de suma importância nessa trajetória, pois de diferentes formas,as Associações procuraram ressaltar valores ideológicos que remetiam a suaidentificação enquanto portuguesas nas comunidades locais.

Comparativamente, o protetorado régio funcionou de forma desigual ao longo dahistória das Instituições. Nas Associações de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande adevoção ao rei se deu em função do próprio protetorado, pois o mesmo ao aprovar aInstituição enviava carta declarando-se protetor. O estabelecimento dessa proteçãomostrou que através das relações com a monarquia portuguesa o poder simbólico haviasido garantido, estando presentificado pelo poder real.

Ao realizar uma análise sobre o trabalho assistencial da Sociedade Portuguesa deBeneficência, percebeu-se que se não houvesse a caridade desempenhada mesmo queinteressadamente, não haveria a possibilidade de atendimento hospitalar para além doque foi oferecido pelo Estado. Como plano privado, a iniciativa da criação da entidadeportuguesa no século XIX foi bem sucedida porque partiu de uma mobilização coletiva,

num momento onde o Estado pouco faria devido ao pouco conhecimento dos reaisproblemas sociais no Brasil. Embora a sua correlação com as elites locais existisse, epersista ainda hoje como uma marca identitária das Associações, foi pelo fato deconvocar, e aproximar tanto a mística da religiosidade portuguesa ligada à caridade efilantropia, quanto os costumes, festividades e cerimônias típicas de Portugal que asInstituições subsistiram enquanto entidades nas diferentes localidades. Uma subsistênciadeterminada que se auto-projetou para ultrapassar o tempo.

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Mobilidades geográficas de médicos italianos e o aporte de especialidades

Leonor C. Baptista Schwartsmann1

A mobilidade geográfica de médicos nacionais e estrangeiros foi elevada nasdécadas iniciais do século XX. O Rio Grande do Sul presenciou a incorporação de umelevado número de médicos estrangeiros, em especial, os italianos.(SCHWARTSMANN, 2010) Esta mobilidade ocasionou um conjunto detransformações e de rupturas que precisam ser analisadas na pesquisa dos estudosmigratórios, como também no estudo do desenvolvimento da Medicina nesta região.Estes médicos procuravam melhores condições de trabalho caracterizando umaitinerância profissional, ao mesmo tempo em que colaboraram com o aporte de novas

especialidades médicas. Como outros profissionais, responderam às necessidadesurgentes de mão-de-obra especializada que o Estado apresentava, o que foi facilitadopelas peculiaridades da constituição estadual referentes à inscrição de médicosestrangeiros. (SCHWARTSMANN, 2008) A recepção destes médicos imigrantes foirápida e frutífera, conforme Coradini (1997), imigrantes e seus descendentes foramincluídos precocemente na elite médica gaúcha.

No estudo do fenômeno imigratório, a presença do imigrante italiano éreconhecida pela importância econômica e cultural que representou. Ele é descrito comointrodutor de tecnologias e de valores relativos ao trabalho que propiciaram amodernização das cidades brasileiras ao aportarem mentalidades e condutas, a partir demodelos citadinos trazidos da Itália. (Constantino, 2000, p. 80-81) Podemos considerarque médicos italianos foram agentes de mudança e contribuíram para odesenvolvimento da Medicina local ao aportarem novas tecnologias.

Fonte de pesquisa para observar as características da mobilidade destes médicos éo livro Panteão médico Rio-grandense(1943), escrito com o intuito de informar eexaltar médicos considerados componentes da elite médica gaúcha em suas trajetóriassociais/profissionais. (VIEIRA; GRIJÓ, 2010) Constata-se o elevado número deestrangeiros, apesar de não ser uma listagem definitiva dos médicos em atuação noestado. No capítulo Registro biográfico ilustrado dos médicos do Rio Grande do Sulháuma listagem que inclui 25 médicos italianos; 4 médicos são citados em outras partes dolivro. Observa-se um destaque relacionado à formação médica, teses de doutoramento,trabalhos publicados na Itália, especializações feitas neste país, na Europa e no Brasil.

Dos 25 médicos citados, 9 se formaram na Universidade Real de Nápoles, 4 emGenova, 4 em Pádua e 3 em Roma. Os restantes se distribuíram pelas faculdades deMódena, Bologna, Messina, Parma e Palermo. A maioria dos médicos se declaraespecialista em cirurgia e clínica geral, o que segue as características da época. Hásomente um médico declarado como tendo uma só especialidade, a oftalmologia. Todosos outros médicos possuíam duas ou mais especialidades. As informações relacionadas àsespecialidades incluíam clínica geral, cirurgia, urologia, doenças tropicais, doenças depele, dermatologia associada com venerealogia, antropologia criminal, química biológica,moléstias de senhoras, ginecologia, partos, vias urinárias, medicina militar, radiologia,cirurgia infantil, pediatria, doenças hepáticas, obstetrícia.

1 Doutoranda do PPG-História PUCRS

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Entre os que se especializaram no exterior, as preferências eram pelas cidades deParis, Berlim e Bruxelas. Paris foi o local escolhido por três médicos para especializaçãoprincipalmente em doenças dermatológicas e venéreas. Há uma ligação de Bruxelas coma disciplina de Medicina tropical. Dois médicos, Carotenuto e Motti fizeram estaespecialização e trabalharam na África antes de se radicarem no Brasil. Vicente

Bornancini especializou-se em oftalmologia e Marco Finocchio, em clinica geral ecirurgia, em Berlin.Salienta-se que o termo especialização ganhou sua justificação inicial como forma

de produção e de disseminação de conhecimento em vez de tipo de habilidade ou formade prática durante o século XIX. Não havia uma distinção acentuada entre especializaçãocomo forma de conhecimento e especialização como prática; os dois modelos eraminseparáveis porque o ensino médico e a pesquisa aconteciam em instituições devotadas àprática clínica e não à pesquisa. O médico especialista, considerado como inovador, erafrequentemente visto como mais competente para tratar casos difíceis. Existia um forteparalelismo no desenvolvimento e difusão das especialidades médicas tanto na Europa enos Estados Unidos, o que pode ser explicado pela comunicação entre as elites médicas,através de contatos internacionais. (WEIZ, 2006)Observa-se que médicos italianos estiveram presentes na fundação e/ou direção dehospitais. Seis médicos dirigiam estabelecimentos hospitalares em Bento Gonçalves,Erebango, Caxias, Farroupilha e Santa Maria. Quatro médicos desempenharam funçõesem instituições públicas, entre eles está Paulo Rosito que desempenhou as funções dedelegado especial da Diretoria de Higiene em Getulio Vargas.

Conforme a listagem, havia quatro médicos que tiveram experiência préviamilitar. João Vassali era tenente médico do exército italiano e tornou-se médico daBrigada Militar e da Santa Casa de Livramento. José Canessa foi oficial médico na Líbiae na 1ª Guerra Mundial. Serviu às forças revolucionárias na Revolução de 1923.Dedicou-se a clínica médica e a cirurgía. Trabalhou em Garibaldi, Getulio Vargas eErebango. Nesta última cidade fundou um hospital.

Em relação aos locais de atuação dos 29 médicos listados, observa-se que nãohouve uma região preferencial de atuação. A distribuição destes médicos é bem diferentedaquela dos médicos italianos em São Paulo. Conforme Maria do Rosário Salles (1997),neste estado mais de 50% dos profissionais se radicaram na capital.

Nota-se uma grande mobilidade destes médicos antes de se radicaremdefinitivamente no Rio Grande do Sul. Há passagens pela cidade do Rio de Janeiro, porSão Paulo, onde havia importantes hospitais de origem italiana, e, também, por paísesvizinhos como o Uruguai. Maffei trabalhou em São Paulo no Hospital Humberto 1º edepois se radicou em São Sepé. Biasotti atuou nos Hospitais Ermelindo Matarazzo e

Humberto 1º de São Paulo, antes de se estabelecer em Mussum. Nicola Turi trabalhou noHospital Italiano de Montevidéu. Foi Diretor da Casa de Saúde da Cooperativa da ViaçãoFérrea do RS. e trabalhou no Hospital de Caridade em Santa Maria. Salvatore MacDonald Caruso empregou-se na Estrada de Ferro Paraná- Santa Catarina, após emAlfredo Chaves e José Bonifácio. José Canessa, em Garibaldi, Getúlio Vargas eErebango. A trajetória de Pedro Turi inclui Pelotas, Cruz alta e Porto Alegre. Foi médicodo Posto de Higiene e médico da Viação Férrea do Rio Grande do Sul em Cruz Alta.

Riego Sparvoli é um médico que exemplifica as possibilidades de trabalho, oaporte oferecido pela formação profissional prévia, as redes de sociabilidade, e acontribuição profissional dos médicos italianos. Sparvoli radicou-se no Brasil devido aosconhecimentos feitos em Roma com o embaixador brasileiro e com o cunhado desse, Dr.

Berchon D’Essarts, renomado médico de Pelotas, no ano de 1912. Após um período detrabalho em Pelotas foi convocado como cirurgião da Cruz Vermelha Italiana na Primeira

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Guerra Mundial. Retornou ao Brasil com a especialização de cirurgia.(SCHWARTSMANN, 2008) Foi o mentor da criação e diretor do pavilhão daMaternidade e do dispensário infantil da Santa Casa de Rio Grande, inaugurado em 1930,época reconhecida como aquela onde ocorreram grandes modernizações neste hospital.(RODRIGUES, 1985, p. 74).

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Avaliações psiquiátricas de personalidades “anormais”: o ponto de vista dapsiquiatria forense do Rio Grande do Sul (1925-1941)1

Lizete Oliveira Kummer2

A comunicação analisa as características das personalidades “anormais”

apontadas pelos médicos do Manicômio Judiciário do Rio Grande do Sul (MJRS) noperíodo de 1925 a 1941. O MJRS, criado em 1925, era uma instituição destinada arealizar avaliações psiquiátricas a pedido da Justiça e internar os doentes mentaiscriminosos que fossem considerados perigosos, a critério do juiz. A instituição,atualmente denominada Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso, é um hospitalde custódia e tratamento vinculado à Superintendência de Serviços Penitenciários doRio Grande do Sul.

O Código Penal brasileiro de 1890 determinava, no art. 27, que “não sãocriminosos: §4º os que se acharem em estado de completa privação dos sentidos einteligência no ato de cometer o crime”. Nos laudos periciais, os psiquiatras avaliavam apossibilidade de “alienação”, ou seja, a privação de sentidos e inteligência, e apericulosidade de indivíduos acusados de crimes. Os casos de que trato aqui são depessoas que, a partir dos laudos, foram consideradas não alienadas, mas portadoras deuma personalidade “anormal”. Sua permanência no MJRS não foi recomendada, masalguns ficaram vários anos internados à espera de avaliação. De um modo geral, foramconsiderados responsáveis perante a Justiça, mas essa responsabilidade era atenuadapela “anormalidade”, ou seja, os delitos poderiam ser vistos como um sintoma.

No entendimento da psiquiatria da época, os portadores de personalidades“anormais” estariam situados na fronteira entre a sanidade e a doença mental. Estes“fronteiriços” apresentariam “formas brandas” de enfermidades mentais, nãonecessitando de internação em hospitais psiquiátricos, como era indicado aosverdadeiramente alienados. Os diagnósticos mais comumente utilizados nacaracterização destas personalidades “anormais” foram: perversão instintiva, debilidademoral, loucura moral, daltonismo da moralidade, degeneração e, finalmente,personalidade psicopática. Não havia muitas distinções entre estas categorias, em todosos casos eram destacados pelos médicos a falta de afetividade e de sentimentos éticos. Ocriador e primeiro diretor do MJRS, Jacintho Godoy, explicou que o perverso instintivopossui um “pendor constitucional” oposto às tendências éticas normais. De acordo comos médicos da instituição, os instintos de conservação, reprodução e sociabilidade, ouassociação, poderiam se apresentar “pervertidos”, exagerados ou desviados, o quecaracterizaria a perversão instintiva. Anormalidades no instinto de conservaçãopoderiam, por exemplo, apresentar-se em relação à alimentação, levando à gula,

embriaguez e toxicomania; em relação à “personalidade”, com vaidade, orgulho esuicídio e, ainda, em relação à “propriedade”, com avareza, prodigalidade ou jogo. Oinstinto de reprodução também poderia se mostrar pervertido, neste caso teríamos“erotismo”, homossexualismo ou prostituição. A perversão do instinto de sociabilidade,por sua vez, poderia levar à indisciplina e egoísmo.

Nos laudos, os psiquiatras do MJRS expressam a idéia de que havia umapredisposição congênita para a expressão da personalidade anormal. Os atosdelinquentes seriam desencadeados por diversas causas, mas as “circunstâncias sociais”sempre se fariam presentes. A avaliação moral, a utilização de termos como mentiroso,

1 Este assunto foi abordado no capítulo 4 de minha tese de doutorado A psiquiatria forense e o Manicômio Judiciário do Rio Grande do Sul: 1925-1941, defendida em setembro de 2010 no Programade Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.2 Doutoranda em História - UFRGS.

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intrigante, simulador e outros, a caracterização do homossexualismo como sintoma dedoença mental são demonstrações das dificuldades enfrentadas pelos médicos paraestabelecer limites entre o conhecimento científico e os preceitos morais da sua época.Apesar de considerar a perversidade instintiva como um dado congênito, em geral osmédicos desta época acreditavam na possibilidade de modificação da personalidade, por

meio da ação intimidativa da pena de prisão ou pelo que chamavam de “orientaçãopsico-pedagógica”.Diversos estudos de história da psiquiatria no Brasil (Costa, Cunha, Engel,

Machado, Portocarrero) enfatizam a ampliação de seu objeto. Progressivamente ospsiquiatras teriam estendido a sua atuação para além da loucura, incluindocomportamentos anti-sociais como sintomas de alienação. O primeiro manicômio judiciário do Brasil, criado no Rio de Janeiro em 1921, foi estudado por Carrara (1988).No texto, originalmente uma dissertação de mestrado, o autor busca explicar ascondições históricas do surgimento do louco criminoso e da instituição que dele seocupa, o asilo criminal. Carrara acredita que o manicômio judiciário não foi criado paraqualquer alienado que cometesse crime, seu alvo fundamental era o “fronteiriço”. Desdeo início do século XX o manicômio criminal foi proposto como uma instituiçãodestinada a “personagens (...) cuja peculiaridade era menos a de serem loucoscriminosos que a de serem loucos lúcidos, os anômalos morais, ou seja, a de estarem, decerto modo, a meio caminho entre a sanidade e a loucura” (Carrara, 1998, p.158). Oautor utilizou como fontes textos doutrinários publicados por médicos e juristas no finaldo século XIX; a prática judicial foi analisada a partir de um caso muito bemdocumentado, o crime de Custódio Alves Serrão, ocorrido em 1896, e referência aoutros três casos médico-legais anteriores à criação do Manicômio Judiciário do Rio deJaneiro.

Em minha pesquisa, realizada no arquivo do Instituto Psiquiátrico Forense,utilizei os registros dos pacientes internados para avaliação desde a inauguração dainstituição até o final do ano de 1941. Para este período há um total de 541 registros,dos quais localizei 534. Os indivíduos que permaneceram internados na instituição até ofalecimento foram diagnosticados como alienados e representam 16,5% do total deavaliados. Os “fronteiriços” ou portadores de personalidade anormal foramconsiderados responsáveis e encaminhados para julgamento. Meus dados, portanto,contrariam a tese de Carrara. O peso que o laudo pericial e as avaliações morais nelecontidas tiveram no julgamento teria de ser avaliado por outra pesquisa, queinvestigasse os processos criminais.

REFERÊNCIAS

CARRARA, Sérgio.Crime e loucura: o aparecimento do manicômio judiciário na passagem do século. Rio de Janeiro: EdUERJ; São Paulo: EdUSP, 1998.

COSTA, Jurandir Freire. História da psiquiatria no Brasil. Um corte ideológico. 3.ed.Rio de Janeiro: Campus, 1981.

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Dados quantitativos da Justiça do Trabalho de Pelotas (RS): litígios queenvolvem saúde entre os anos de 1940-1945.

Lóren Nunes da Rocha,1; Lorena Almeida Gill2; Beatriz Ana Loner3; Micaele

Irene Scheer4; Marciele Agosta Vasconcellos

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Esta pesquisa é resultante de um viés que se abriu em um projeto maiorintitulado “Á beira da extinção: memórias de trabalhadores cujos ofícios estão em viasde desaparecer”, que visa analisar, a partir dos relatos de trabalhadores e da observaçãodos processos trabalhistas de Pelotas (1940-1990), as nuances no mundo do trabalho asquais causaram a exclusão desses trabalhadores que exerciam ofícios que outrora eramimprescindíveis. A partir da análise das fontes documentais da Justiça do Trabalho sepercebe um número significativo de litígios envolvendo questões de saúde e, portanto,se pretende levantar neste texto os primeiros dados obtidos, entre os anos de 1940-1945.

Os dados quantitativos de litígios que envolveram questões de saúde detrabalhadores em Pelotas entre 1940-1945 permitiram estabelecer alguns objetivos paraa pesquisa, como, por exemplo, analisar se as condições de trabalho que as empresasofereciam levavam em conta os princípios da CLT, no que tange aos cuidados da saúdefísica e mental do trabalhador “defendendo tanto a saúde como a melhoria dascondições do ambiente de trabalho” (LOPES, 1990); identificar as doenças quecausavam mais demandas nos processos trabalhistas do período; comparar as sentençasobtidas por mulheres junto a Justiça do Trabalho em relação aquela dos homens;destacar a ação dos sindicatos na representação dos trabalhadores para questões desaúde no período, assim como a utilização do I.A.P.I6 como um mecanismo de proteção.

O projeto maior que abriga esta investigação trabalha com duas vertentesmetodológicas: a História Oral Temática e a triagem dos processos trabalhistas daJustiça do Trabalho da Comarca de Pelotas (1940-1990). Através da primeirametodologia são coletados depoimentos dos trabalhadores, sendo que o material étranscrito, apresentado ao depoente que, se estiver de acordo, concede um termo deautorização de uso, momento em que haverá a análise do material e posteriormente estepassará a fazer parte do Laboratório de História Oral7 do Núcleo de DocumentaçãoHistórica da Universidade Federal de Pelotas. A segunda, a qual suscitou o viés deinvestigação em voga, trabalha com a triagem dos processos trabalhistas. Esteprocedimento ocorre em duas etapas. O campo qualitativo visa uma descrição doprocesso, uma espécie de resumo que inclui: data, motivo, quem era o empregado equem era o empregador, desfecho, período de duração e anexos relevantes. Já os dados

quantitativos são dispostos em duas tabelas que se referem a informações pessoais(homem ou mulher, profissão, idade, estado civil, representação sindical, se recebeu ounão o auxílio da Justiça Gratuita8) e dados do processo (empresa, advogados das partes,

1 Graduanda do curso de Licenciatura em História; bolsista CNPq – UFPel. 2 Doutora em História – PUCRS; professora da Universidade Federal de Pelotas. 3 Doutora em Sociologia – UFRGS; professora da Universidade Federal de Pelotas. 4 Graduanda do curso de Licenciatura em História; bolsista FAPERGS – UFPel. 5 Graduanda do curso de Bacharelado em História; bolsista FAPERGS – UFPel. 6 Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários. 7 O Laboratório de História Oral abriga as entrevistas realizadas por diferentes projetos desenvolvidos

pelo Núcleo de Documentação Histórica. 8 O Benefício da Justiça Gratuita era concedido aos reclamantes que recebessem menos que o dobro domínimo legal.

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motivo, conclusão, duração do processo). Ao ser identificada uma demandasignificativa por motivos de saúde, monta-se uma tabela que reúne estes litígios paramelhor localização.

Até o momento foram analisados todos os processos que constam no acervoentre os anos de 1940-1945 que somam um total de 503. Dentre esses, 49 se referem à

saúde do trabalhador, sendo 35 movidos por homens e 14 por mulheres. Mesmo que oshomens representem maior número não se pretende com isso afirmar que eles adoeciammais e sim que havia mais funcionários homens. Duas motivações para as entradas dasações destacam-se: a primeira se refere ao pagamento dos 30 primeiros dias de saláriodo período de afastamento por motivo de doença9, os empregados pediam a licença, eraconcedida, porém não recebiam durante o período e procuravam seus direitos através daJunta de Conciliação e Julgamento. A segunda se vincula às demissões sem justa causae sem aviso prévio, então o trabalhador afastava-se por motivo de doença, apresentava oatestado concedido por uns dos médicos do I.A.P.I e, mesmo assim ao retornar aoserviço era exonerado, às vezes no mesmo dia e em outros casos dias depois, sem quelhe apresentassem motivos justos

Os atestados médicos que foram encontrados anexados aos processos,geralmente não fazem menção ao tipo de doença, dessa forma não permite que se façaum levantamento das moléstias que proporcionavam maiores demandas. Ainda sobre osatestados é importante destacar que somente os médicos do I.A.P.I tinham seusatestados considerados verdadeiros pelas empresas, portanto, alguns processos tiveramconclusões improcedentes, pois se julgava que os atestados eram “frios”.

Sobre os desfechos dessas ações tem-se para os homens: 15 procedentes, 7improcedentes, 1 arquivamento e 2 procedências em parte e, para as mulheres, 5procedentes, 2 improcedentes, 3 arquivamentos e 1 procedência em parte. Os advogadosque apareceram na quase totalidade dos processos foram: Antonio Ferreira Martins eAlcides de Mendonça Lima. Embora a sindicalização fosse facultativa, o governoestabeleceu que só os trabalhadores filiados aos sindicatos legalmente reconhecidospoderiam gozar os benefícios da legislação que efetivamente começava a serimplementada (GOMES, 2002). Apesar da filiação, como citado, ser “obrigatória”, nãose percebe nos processos ou pelo menos não fica explícito a filiação sindical. São rarosos processos que apontam se o empregado estava sendo representado pelo sindicato.Entre os que foram incluídos neste levantamento quantitativo por motivos de saúdeapenas 10 foram identificados, sendo 7 para homens e 3 para mulheres e as conclusõesnão foram diferentes dos demais por serem representados, pois indicam para mulheresduas improcedências e uma procedência e para os homens quatro procedências, umaimprocedência e dois acordos.

A pesquisa sobre este viés está em fase inicial, mas através do levantamento dedados se pode perceber como as empresas demoraram a se adaptar ao estabelecimentoda lei. Mesmo que as improcedências não se configurem em número maior, osempregados adoeciam e tinham que dar entrada em ações que, às vezes demoraram maisde dois anos para ser concluídas. Tinham ainda que recorrer à lei para desfrutarem dedireitos que deveriam ser gozados de maneira natural. Acredita-se que os anos seguintesapresentem diferenças, como, por exemplo, na estrutura do processo que talvez possapermitir identificar os sindicatos, as doenças nos atestados médicos e outras motivaçõespara os processos.

9 Estabelecido pelo Decreto-Lei 6.905/44 da CLT.

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Narrativas de benzedores e parteiras na região sul do Brasil

Lorena Almeida Gill1; Lóren Nunes da Rocha2; Marciele Agosta Vasconcellos3;

Micaele Irene Scheer4

Desde o ano de 2009 o Núcleo de Documentação Histórica da UFPel vemdesenvolvendo projeto que discute as profissões em vias de desaparecer, dentre elas,relojoeiros, alfaiates, afiadores de faca, chapeleiras, pescadores artesanais. A partir dosprimeiros contatos, no entanto, os quais incluíram moradores de cidades da região suldo Estado, chamou a atenção a presença de benzedeiras e benzedeiros, que realizavamseus ofícios, tanto na zona urbana quanto na rural.

Desta maneira embora os objetivos iniciais do projeto tenham sido observar ocotidiano de vida dos trabalhadores durante a segunda metade do século XX no Brasil;preservar os relatos de trabalhadores cujas profissões estavam em vias de extinção;observar como os trabalhadores colocavam-se frente a um mundo globalizado, quetendia a fazer com que suas profissões desaparecessem e analisar a recepção dalegislação trabalhista e dos direitos do trabalho em termos de sua abrangência a estestrabalhadores, abriu-se um novo leque de possibilidades ao se encontrar curadores quebenzem, em praticamente todas as cidades visitadas.

Até o momento foram entrevistados dezoito benzedores, nas cidades deJaguarão, São Lourenço do Sul, Santana do Livramento e Pelotas. O trabalho se baseiana chamada historia oral temática, na qual as entrevistas seguem um roteiro básico,relacionado ao tema do cuidado através da reza. O enfoque se dá tanto pela história dasexperiências, quanto do registro de tradições culturais (Alberti, 2004).

Ainda que no início do trabalho se julgasse que os benzedores fossem poucos,não foi essa a realidade encontrada até mesmo nas cidades maiores, como Pelotas. Asbenzedeiras e benzedeiros continuam atuando nos mais diferentes espaços da cidade esuas práticas variam bastante, assim como o espectro das doenças que prometem curar.Esta é a situação de Geovegildo Silva, 92 anos, um cuidador que atua na Cascata,Pelotas, realizando curas presenciais ou astrais, através de rezas, chás, rituais quesimulam pequenas cirurgias, dentre outras práticas.

Uma outra possibilidade de tratamento para a saúde se relacionou aosbenzedores de religião. Como em Pelotas, por exemplo, se tem mais de duzentoscentros de cultura africana, em cada um deles costuma ter um responsável por rezarpelos outros, muitas vezes através do recebimento de um espírito.

Este é a situação de dona Maria Amaro, de 72 anos, que possui um centrodenominado de “Tenda de Umbanda Caboclo João das Matas”. Sua rotina de trabalhosemanal inclui atendimentos nas terças e sextas-feiras, por intermédio dos espíritos daVó Rita e do Caboclo Ventania e nas quartas-feiras, ocorre a abertura da terreira, noperíodo entre 19h e 30 min. e 21h e 30 min.

Trata-se de um lugar onde se reúnem 68 filhos de corrente, além de dezenas depessoas que procuram o espaço para realizar serviços, benzeduras e tomar passes.

O contato com a benzedura deu-se de duas formas diversas: ainda adolescente,aprendeu o ofício quando viu sua cunhada ser benzida por outra mulher. Já dentro da

1 Professora Adjunta da Universidade Federal de Pelotas. Doutora pela PUCRS.2

Graduanda do Curso de Licenciatura em História da UFPel. Bolsista do CNPq.3 Graduanda do Curso de Bacharelado em História da UFPel. Bolsista da FAPERGS.4 Graduanda do Curso de Licenciatura em História da UFPel. Bolsista da FAPERGS.

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religião teve a sua formação realizada por Dona Maria Verena, já falecida, quecoordenava a “Tenda de Umbanda Nossa Senhora dos Navegantes” e que possuía filhosde religião. Dessa maneira, benzer é uma rotina diária, que executa em vários momentosdo dia, assim como é uma prática que viabiliza quando está incorporada. Segundo ela, aquilo que aprendeu durante a vida, procurou ensinar a sua filha, que hoje já cuida da

terreira e do seu cotidiano em alguns dias da semana.Aparecem situações ainda exclusivamente relacionadas à um dom existente ouobtido, mediante a vivência de algum momento traumático na vida, como foi o caso deseu Dário, conhecido como Dário da Tunas, que após ser atropelado por um automóvelem alta velocidade e ter passado por longo período de convalescença, diz ter recebidomensagem divina que o habilitava a levar esperança aos enfermos.

Uma outra vertente de cuidado se refere ao caso das parteiras. São poucas asainda existentes, mas há aquelas que atendem nas casas das parturientes ou ainda emhospitais, sobretudo em cidades do interior, algumas mais afastadas dos grandes centrosurbanos, onde se torna difícil manter um médico. Este foi o caso de dona Jaci Souza, 75anos, moradora de Piratini.

Jaci atuou no hospital Nossa Senhora da Conceição, em Piratini, durante 40 anose iniciou como uma espécie de auxiliar de enfermagem, que se especializou noatendimento às gestantes. Segundo ela, todo o procedimento era feito pela parteira e omédico só era chamado a atuar em caso de algum problema com a mãe ou a criança.

A parteira afirma que poucas vezes conhecia a paciente ou sabia de sua históriafamiliar. Os atos eram praticados a partir do que a gestante revelava no momento oparto. Para ela, os homens costumavam atrapalhar, pois muitas vezes passavam mal,fazendo com que alguém precisasse ser deslocado para ver a situação do pai e deixandode lado aqueles que precisavam de maior cuidado.

Jaci diz ter feito uma média de 30 partos por mês, pois atuou durante muitosanos sozinha. Antes de se aposentar, ensinou a uma outra moça o ofício, sendo que estaatualmente continua no hospital da cidade.

Ao realizar uma espécie de balanço de suas atividades, se mostra um poucodescontente com sua rotina de trabalho, a qual incluía o fato de, às vezes, permanecerlongos períodos longe de sua casa e sua filha.

Com o desenvolvimento do projeto, pretende-se encontrar ainda o que seconvencionou chamar de parteiras de campanha, as quais percorriam diferentes lugareslevando atendimento às mulheres grávidas.

Considerações Finais:

Embora se tenha detectado pelo menos três motivações diferentes para abenzedura, fica evidente que todas essas práticas possuem características em comum. Avisão que os entrevistados têm do seu papel social é a de “missão”, ou seja, pretendemajudar ao próximo na cura, no alívio ou na eliminação de determinadas moléstias. Écomum que os benzedores façam trabalhos filantrópicos como a doação de alimentos,roupas e remédios, já que a caridade e o cuidado viriam em primeiro lugar.

A fé é um elo entre o benzedor e o benzido, uma vez que todos os entrevistados amencionam como o principal elemento da cura, assim o ato de benzer não é somente deresponsabilidade daquele quem está praticando a ação, mas também de quem a procura.

Os rituais assemelham-se. Todos os benzedores proferem palavras/rezas que se

repetem sempre três vezes ou em números múltiplos de três. Sobre o misticismo queenvolve este número, os entrevistados não sabem responder, afirmando que aprenderam

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assim, porém para a numerologia o número três representa o “equilíbrio”, a ordemnatural e, ainda para a religião católica vem associado a Santíssima Trindade,conferindo um caráter sagrado ao ato.

Todos utilizam elementos da natureza tanto para o processo quanto no tratamentocom receitas feitas com ervas, partes de animais, chás naturais, xaropes. Por questões

culturais, a mulher está mais vinculada ao ato de “cuidar do outro”, talvez esta seja umahipótese a explicar porque há mais mulheres do que homens benzendo, porém osmecanismos e os rituais praticados por eles são praticamente os mesmos.

A benzedura de tradição é a que mais vêm sofrendo com o processo de extinção,uma vez que são poucos aqueles que dizem encontrar pessoas dispostas a aprender oofício. De toda a forma, como o ato envolve práticas populares há muito vivenciadaspelas comunidades, acredita-se que essas formas de cuidado sobreviverão, mesmo queseja através de maneiras novas de se concretizar.

No que diz respeito ao caso das parteiras, somente o desenvolvimento do projetopermitirá estabelecer análises sobre esta trajetória profissional.

Referências Bibliográficas:

ALBERTI, Verena.Ouvir Contar . Textos em História Oral. Rio de Janeiro: Editora daFGV, 2004.

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BENJAMIN, Walter. O narrador. São Paulo: Brasiliense, 1994. In:Obras Escolhidas,v.3.

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. Ed. da Universidade deSão Paulo, 2. ed. 1987.

CANDAU, Joël. Antropologia de la memoria. Buenos Aires: Nueva Visión, 2002.

FERREIRA, Marieta de Moraes (org.).História oral: desafios para o século XXI. Rio deJaneiro : Editora Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz / CPDOC - Fundação Getulio Vargas,2000.

FIGUEIREDO, Betânia. A Arte de Curar : Cirurgiões, médicos, boticários e curandeirosno século XIX em Minas Gerais. Rio de Janeiro: Vício da Leitura, 2002.

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SOARES, Márcio. Médicos e mezinheiros na Corte Imperial: uma herança colonial. In:

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A religião no mundo dosloucosMarcelo Parker1

O objetivo deste artigo é mostrar como se deu o auge da presença católica noHospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre/RS, através do trabalho das Irmãs daCongregação de São José, cuja atuação no manicômio remonta ao ano de 1910. Nadécada de 60, o grupo de religiosas chegou a ser composto de mais de 80 missionárias.Os ritos católicos incluíam missas, extrema-unção, comunhão, procissões, cerimôniasfúnebres, festejos de Natal e Páscoa, e contavam em algumas datas especiais – como o29 de junho, dia de São Pedro – com as principais autoridades eclesiásticas do Estado.Para retratar estes aspectos da história da instituição estão sendo utilizados, entre outrasfontes, os depoimentos de Irmã Paulina, religiosa que lá trabalha há 60 anos, sendo hojea única remanescente da Ordem.

Em 1950, ano em que Paulina chegou ao São Pedro, com seus 20 anos de idaderecém completos, o manicômio contava com 165 servidores, entre enfermeiros,religiosas e atendentes, para mais de 3 mil asilados2. Naquele ano, formava-se na EscolaProfissional de Enfermagem, criada dentro do manicômio em 1939, a 11ª turma deenfermeiros. Entre os 22 alunos, duas religiosas da Congregação de São José. Nãoforam as primeiras. Antes delas, outras 18 já haviam recebido o diploma3 . Aprofissionalização das Irmãs, para melhor darem conta de suas responsabilidadesperante os doentes mentais, fortaleceu ainda mais os elos entre elas e o corpo médico dainstituição. As referências a eles, feitas pelos diretores e demais membros da equipetécnica, são sempre de muito respeito e admiração.

Dois dias antes da data em que seria realizada a acima citada solenidade deformatura, falecia a Superiora da Ordem, Madre Françoise de Salles4, uma das duasfrancesas vindas diretamente da Europa para o São Pedro em 1910. Sobre Francisca,como era chamada no hospital, escreveu o então diretor Jacinto Godoy:

Espírito fino, aprimorada educação, possuía dotes de coração que a tornavamquerida de cada uma das doentes internadas, através de tantos anos. Foi umexemplo de bondade, devotamento, que serviu de imitação às suas Irmãs deCongregação e às demais funcionárias leigas. Colhida pela morte em plenaatividade, detinha ela a tradição oral da história do velho hospício, que erasempre interessante ouvir de seus lábios. O seu desaparecimento abriu umclaro difícil de preencher e será sempre recordado com pesar e com saudade5.

Quanto à Irmã Paulina, desde que chegou à capital, vinda do convento daOrdem, em Garibaldi, identificou-se com os doentes, vendo neles o ser humanonecessitado de carinho e afeto onde a psiquiatria enxergava apenas um cérebrodanificado. Na companhia das Irmãs mais antigas que lá estavam, dedicou-se aotrabalho com afinco e, em pouco tempo, segundo suas próprias palavras, passou arealmente gostar do lugar. Além do trabalho de enfermagem, os ofícios religiosos lheinspiravam, especialmente ao ver a grande aceitação por parte dos alienados da

1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos(UNISINOS). Bolsista CAPES-PROSUP.2 CHEUÍCHE, 2011.3

GODOY, 1955.4 ibid.5 GODOY, 1955, p. 386-387.

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pregação ministrada pelas irmãs e pelos padres capuchinhos que conduziam as missasdominicais. Sua chegada coincide justamente com o período de maior atuação católica:

Aí essa assistência religiosa tomou um volume, passou a ter a missa do SãoPedro, homenagem a padroeiro que é o São Pedro, dia 29, existia uma missasolene, muitas vezes vinha o bispo rezar a missa, o natal era solenementecomemorado. Essas árvores não ficavam com parasita nenhum, todo mundotirava porque nós fazíamos o natal na unidade. A gente vibrava aqui dentro,fazia o nascimento de Jesus, fazia a Via Sacra, na semana da paixão a gentecolocava as estações nas árvores, saía em procissão com os doentes e emcada árvore se pendurava uma estação. E era muito bonito, muito solene, e acoisa foi se ampliando. Os doentes tinham aquela assistência quandomorriam, a gente ficava junto, eram velados, eram levados em procissão até onecrotério, eram velados aqui, e os que tinham familiares eles levavam ocorpo pra fora, e os que não tinham ninguém por eles a gente velava e depoisde 8 dias eram colocados na câmara fria. Se não aparecia familiares ohospital fazia o enterro6.

Sendo uma espécie de símbolo gaúcho do poder e da legitimidade da ciênciapsiquiátrica sobre o tratamento da loucura, especialmente depois da proclamação daRepública, o São Pedro configurou-se em mais um espaço médico, como tantos outros,onde a religião cavou o seu lugar, atuando, ainda que sob – pelo menos na teoria – asupervisão do saber científico, dentro dos preceitos dos mandamentos cristãos paraatenuar o sofrimento dosasilados, excluídos, esquecidos, depositados, ou comoquisermos chamar os hóspedes da grande propriedade da avenida Bento Gonçalves, emPorto Alegre.

REFERÊNCIAS

ENTREVISTASPAULINA, Irmã.Entrevista concedida em 17 de novembro de 2009. Informação verbal.

OUTROSGODOY, Jacintho.Psiquiatria no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Edição do Autor,1955.

CHEUICHE, Edson Medeiros. Fragmentos históricos na formação do HospitalPsiquiátrico São Pedro em Porto Alegre. Disponível em:http://www.saude.rs.gov.br/dados/1299153920939Hist%F3ricomar%E7o2011.pdf .Acesso em: 24 março 2011.

6 PAULINA, 2009.

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Insalubridade nos processos do Acervo da Justiça do Trabalho de Pelotas/RS(1936-1945)

Marciele Agosta de Vasconcellos1; Lorena Almeida Gill2; Lóren Nunes da

Rocha3, Micaele Irene Scheer

4e Beatriz Ana Loner

5

O Acervo da Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas, que se encontra noNúcleo de Documentação Histórica da Universidade Federal de Pelotas (NDH-UFPel),possui aproximadamente 100.000 processos trabalhistas dos anos de 1936 a 1990. Osprocessos trabalhistas destacam-se como importante fonte de pesquisa nas mais diversasáreas do conhecimento, possibilitando análises quantitativas e qualitativas,principalmente pela riqueza do teor informativo de alguns autos. Neste sentido, Lobo(2010, p. 02) salienta a importância desta fonte, que informa “não apenas acerca dasrelações que se estabelecem nos tribunais, mas permitem ao investigador inquirir [...] arespeito das relações que se processam no interior do espaço fabril, lócus deenfrentamento cotidiano entre patrões e empregados”. O presente trabalho, por meio daanálise dos anos iniciais do acervo visa observar as condições de trabalho no interior deuma empresa da cidade, bem comoelencar alguns dos resultados quantitativos deprocessos que versam e/ou tem como objeto do litígio a indenização por insalubridade eacidentes de trabalho.

Entre os anos de 1936 a 1945, o acervo apresenta um total de 526 processos,sendo que na análise quantitativa apenas um processo6contém como objeto do litígio aindenização por acidente de trabalho. Na análise qualitativa, destacam-se três processosque, apesar de não possuírem como objeto da ação a indenização por condiçõesprecárias ou insalubres de trabalho, versam claramente sobre o tema. Neste sentido, oprocesso impetrado pelo moinho de açúcar Joaquim Oliveira & Cia Ltda. ilustra estaconstatação. No referido documento, a Lei da Despedida (62/35) é objeto dareclamação; no entanto, a análise mais detalhada do texto evidencia fortemente ainsalubridade do local de trabalho.

Em 1939, o Sr. Joaquim Oliveira dirigiu-se ao Posto de Fiscalização doMinistério do Trabalho7 e comunicou a demissão de seu empregado, o estivadorAntonio Jacques Duarte, por ter violado a letra “f” do art. 5º da lei 62/35, queenquadrava ato de insubordinação do empregado no rol das justas causas para suademissão. Esclareceu o ocorrido em petição inicial8 declarando que “o indisciplinado

empregado” havia recusado a ordem de substituir seu colega, por alguns instantes, naseção de moagem.

1 Aluna do curso de História-Bacharelado na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e bolsistaFAPERGS.2 Professora Adjunta do Departamento de História e Antropologia da UFPel.3 Aluna do curso de Licenciatura em História na UFPel e bolsista CNPq.4 Aluna do curso de Licenciatura em História da UFPel e bolsista FAPERGS.5 Professora Associada do Departamento de História e Antropologia da UFPel.6 Processo do Acervo da Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas. NDH/UFPel Reclamante AvelinoTavares.7 Processo nº 249/39 do Acervo da Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas.8 Em 18 de fevereiro de 1939, folha 02 do processo 249/39.

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Na audiência, realizada em 9 de outubro de 1940, opostos confrontaram-se: opatrão, Sr. Joaquim Oliveira, encontrava-se acompanhado de seu advogado, TancredoAmaral Braga; o empregado, Antonio Duarte, ao lado de Florindo Soares, presidente doSindicato dos Trabalhadores em Carga e Descargas Terrestres, do qual era associado.Antonio Duarte tentou esclarecer o ocorrido alegando que se encontrava doente e

impossibilitado de trabalhar doze horas no local onde havia sido solicitada asubstituição, a seção de moagem ou “boca do moinho”, pois não havia ventilação e asmínimas condições de higiene9, fato que agravaria sua doença. Em sua réplica, o chefeda empresa afirmou que Antonio Duarte nunca apresentou atestado médico quecomprovasse sua enfermidade e que este deveria substituir seu colega por apenas algunsinstantes e não doze horas.

O presidente do sindicato, Florindo Soares, lembrou que independente das 10horas – jornada de trabalho habitual de Antonio – ou das 12 horas em debate, pelas leistrabalhistas o empregado não é obrigado a trabalhar mais de oito horas salvoconvenção e que no caso não existia e [...] que era impossível nem mesmo dentro dasoito horas um empregado trabalhar na referida secção, toda fechada sem entrar ar.Para comprovar suas afirmações pediu a juntada de dois documentos: um ofício enviadoao Centro de Saúde nº 5, órgão do Departamento Estadual de Saúde (DES)10 ,comunicando que a firma exigia de seus empregados uma jornada de 10 a 12 horas emum local sem higiene e sem ventilação11; e de três ofícios12 do serviço de radiologia daSanta Casa de Misericórdia de Pelotas, que comprovavam a saúde débil de AntonioDuarte. Em resposta ao ofício, o médico-chefe do Centro de Saúde, Hugo Brusque,afirmou que a firma Joaquim Oliveira & Cia Ltda., em ofício enviado ao órgão em1939, declarou que já havia tomado as providências necessárias para oferecer maiorconforto aos seus operários com iluminação e ventilação suficientes, de acordo comDecreto 7.481/3813.

Em 14 de abril de 1941, a Junta14 considerou injusta a demissão do empregadoAntonio Jacques Duarte e condenou a empresa a indenizá-lo em 480$000. JoaquimOliveira & Cia Ltda. não se conformou com a decisão, por meio de “avocatória”,solicitou a revisão da sentença.

Diante do recurso, novamente iniciaram-se as razões de defesa do sindicato, emfavor de Antonio Duarte. No decorrer do documento15, o sindicato afirmou que ascondições insalubres no moinho persistiam, declarando que “as portas são fechadas

9

Fato comunicado em audiência realizada no dia 9 de outubro de 1940, processo 249/39. Acervo daJustiça do Trabalho da Comarca de Pelotas, NDH-UFPel.10 Para maiores informações sobre a atuação do Departamento Estadual de Saúde, dos Centros de Saúde edas questões relativas a saúde pública no Rio Grande do Sul ver: SERRES, Juliane C. O Rio Grande doSul na Agenda Sanitária Nacional nos anos de 1930-1940. Boletim da Saúde, Porto Alegre, v. 21, n 1, p.39-50, 2007.11 Ofício enviado em 28 de fevereiro de 1939 ao Departamento Estadual de Saúde, Centro de Saúde n° 5;folha 11 do processo 249/39.12 Folhas 12,13 e 14 do processo 249/39.13 Artigos 272 e 283, § 1º, do Decreto 7.481 de setembro de 1938, Regulamento Sanitário do Estado,Capítulo Único, Título II, Higiene industrial, Locais de Trabalho e Ventilação e Iluminação. 14 As Juntas de Conciliação e Julgamento (Decreto 22.132/32) eram órgãos administrativos destinados adirimir os dissídios individuais do trabalho. Na cidade de Pelotas a primeira Junta instalou-se em 1946,dessa forma os dissídios eram apreciados pela justiça comum, por meio do juiz de direito. No entanto,encontra-se a denominação “Junta de Conciliação e Julgamento” antes da referida data de instalação. 15 Folhas 18;19 do processo 249/39.

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quando o moinho trabalha para evitar que o assucar [sic] fuja de dentro do moinho, para a rua ou que vá para dentro do escritório deixar tudo melado, em vez de ficar dentro do moinho ouentrar para dentro dos pulmões dos operários, que no dizer doSr. Joaquim, até é fortificante ...[grifo nosso]”. Em 10 de junho de 194216 a decisão daJunta de Conciliação e Julgamento foi confirmada pelo Conselho Regional do Trabalho.

O Decreto 7.481/38, regulamento do Departamento Estadual de Saúde (DES),mencionado anteriormente, inseria-se no contexto de mudanças nas políticas sanitárias,que se caracterizou, conforme Serres (2007, p. 46) como um projeto “médico-sanitárioque vinha sendo gestado desde os primeiros anos do século XX e que encontrou nogoverno ditatorial de Vargas as condições de impor-se à sociedade”. Neste mesmocontexto político, Nascimento (2007) destaca que, no Brasil de 1939, inúmeras eram asnormas direcionadas às relações de trabalho, que versavam sobre temas diversos como otrabalho de menores e da mulher, a organização dos sindicatos rurais e urbanos, férias,Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, nova estrutura sindical, convençõescoletivas de trabalho, Justiça do Trabalho, salário mínimo e assim por diante.

Serres (2007, p.46), ao tratar da saúde pública nacional no período, salienta queo governo ditatorial de Vargas, “ao mesmo tempo em que controlava os problemas davida em sociedade, [...], estendia o aparato estatal e legitimava, por meio de políticaspúblicas e respostas sociais, um Estado não legitimado democraticamente”. No mesmosentido, Gomes (2002) destaca que por meio da legislação trabalhista o governo tentoupromover os direitos sociais em detrimentos dos civis. No que se refere à saúde dotrabalhador e as condições de trabalho dentro de empresas e fábricas de Pelotas,destaca-se que apesar da existência de órgãos destinados a dirimir os conflitos dasrelações de trabalho, de fiscais do trabalho e higienistas, percebe-se a ineficácia destesem certas situações, pois apesar de autuados os estabelecimentos em condições detrabalho irregular, essas situações persistiam, principalmente devido à falta deacompanhamento destes órgãos. Assim, muitos trabalhadores se frustravam diante daineficácia ou morosidade da regularização da situação, restando-lhes alternativasdiversas que não as vias legais; sendo uma das razões para o ínfimo número deprocessos na Justiça do Trabalho de Pelotas. No entanto, destacamos a relevância deoutras fontes, como a história oral, para elucidar essa questão.

Referências

LOBO, Valéria Marques. O processo trabalhista como fonte para a pesquisa histórica.In: I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DO TRABALHO – V JornadaNacional de História do Trabalho, 2010, pp. 01-16. Disponível em:http://www.labhstc.ufsc.br/globalsouth/program.htm. Acesso em: 07 abril 2010.

LONER, Beatriz Ana. O acervo sobre trabalho do Núcleo de Documentação Históricada UFPel. In: SCHMIDT, Benito Bisso (org.) Trabalho, justiça e direitos no Brasil:pesquisa histórica e preservação das fontes. São Leopoldo: Editora Oikos, 2010, pp. 09-24.

16 Folha 47 do processo 249/39.

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BIAVASCHI, Magda B. O Direito do Trabalho no Brasil 1930-1942. São Paulo: LTr-Jutra. 2004.

GOMES, Angela de Castro. Cidadania e direitos do trabalho. Rio de Janeiro: JorgeZahar Ed., 2002.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 33ª ed. São Paulo:LTr, 2007.

SERRES, Juliane C. O Rio Grande do Sul na Agenda Sanitária Nacional nos anos de1930-1940. Boletim da Saúde, Porto Alegre, v. 21, n 1, p. 39-50, 2007. Disponível em:www.esp.rs.gov.br/img2/v21n1RS%20na%20Agenda.pdf Acesso em: 07 abril 2011.

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A trabalhadora e o direito à licença maternidade: processos trabalhistas daComarca de Pelotas (1937-1947)

Micaele Irene Scheer1, Lorena Almeida Gill2, Lóren Nunes da Rocha3, MarcieleAgosta Vasconcellos4 e Beatriz Ana Loner5

Temos como objetivo problematizar a relação das trabalhadoras com a Justiça doTrabalho, no que tange a garantia à licença maternidade e, consequentemente, com asaúde materna no período de 1937 a 1947. Poucas eram as oportunidades em que asoperárias falavam por si, permanecendo assim na memória e nos meios escritosrepresentações masculinas destas. A investigação de suas histórias nos processostrabalhistas possibilita enxergar, entre estes entraves, a mulher como agente social,requerendo seus direitos e explicitando seu cotidiano, transparecem também a formadiscriminatória como era – e ainda nos dias atuais vemos resquícios destas concepções –vista a mulher como trabalhadora, mesmo durante a gravidez, situação culturalmenteentendida como a “função sagrada” da mulher.

A construção dos processos discursivos em relação às trabalhadoras, durantevastos períodos da História, fez com que se reproduzisse até os dias atuais a errôneaconcepção da mulher como sendo incapaz de se igualar aos homens no que tange aosmundos do trabalho. Esta seria responsável pela tranquilidade do lar, reprodutora daespécie humana, sendo o homem o responsável em manter os filhos e a esposa,pecuniariamente. Nessita Martins Rodrigues (1979) aponta para a existência deperíodos, raros e de rápida vigência, de “adormecimento” da ideologia “patriarcal”. Umdesses períodos foi durante a Segunda Guerra Mundial, em que o trabalho feminino era

mais aceito, tendo em vista a falta da mão-de-obra masculina, direcionada para asatividades da guerra, a partir de meados de 1942. Período que, em parte, é analisadoneste artigo. Ocorre, entretanto que as mulheres, mesmo mais facilmente aceitas nasfábricas e locais de produção, relutavam em procurar a justiça, devido ao ambiente detrabalho, no qual imperavam chefes autoritários e a sempre instabilidade empregatícia.

No que tange o campo jurídico, o decreto n° 16.300, de 21 de dezembro de 1923,do Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública, é apontado como aprimeira medida legal, em âmbito nacional, de caráter protecionista à mulhertrabalhadora. Deste decreto até o período analisado, foram muitas as alterações. AConsolidação das Leis Trabalhistas (1943) compilou leis trabalhistas conquistadas apartir de 1933. No que se refere à proteção da maternidade6, garantiu o direito aoafastamento da trabalhadora durante um período de 120 dias, sendo 28 dias antes e 92após o parto, direito ao salário integral e, quando variável, calculado de acordo com amédia dos 6 (seis) últimos meses de trabalho. Tal salário representa o que se

1 Graduanda do Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal de Pelotas e bolsistaFAPERGS.2 Professora Adjunta do Departamento de História e Antropologia da Universidade Federal de Pelotas. 3 Graduanda do Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal de Pelotas e bolsista CNPq. 4 Graduanda do Curso de Bacharelado em História da Universidade Federal de Pelotas e bolsistaFAPERGS. 5

Professora Associada do Departamento de História e Antropologia da Universidade Federal de Pelotas. 6 Capítulo III, Seção V, da Consolidação das Leis Trabalhistas – Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de1943.

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convencionou denominar salário-maternidade. A manutenção do posto de trabalho e osalário estavam garantidos por lei, assim como os deveres dos empregadores após alicença maternidade

Quando não houver creches que atendam convenientemente àproteção da maternidade, a juízo da autoridade competente, osestabelecimentos em que trabalharem pelo menos trintamulheres, com mais de 16 anos de idade, terão local apropriadoonde seja permitido às empregadas guardar, sob vigilância eassistência, os seus filhos no período de amamentação.7

Com o intuito de analisar o cotidiano das trabalhadoras pelotenses,principalmente em torno da questão da maternidade, foi feita a leitura e análise dosprocessos8 entre 1937 e 1947, organizando os dados de maneira qualitativa equantitativa, com o fim de facilitar o acesso às informações. Percebe-se que há umcrescimento gradual e significativo, a partir de 1943, na procura reivindicatória dostrabalhadores em favor aos seus direitos, possivelmente relacionada à popularização das

leis trabalhistas pelo Estado Novo de Vargas.Com estes objetivos encontramos dez dissídios nos quais a principal motivação

era a reclamação pelos direitos garantidos à mãe trabalhadora. Na sua maioria, asreclamantes eram casadas, brasileiras e operárias da Sociedade Anônima Anglo,importante indústria pelotense do ramo das carnes e seus derivados, durante o período.Duas mencionaram sindicatos; à seis foi concedido o direito à Justiça Gratuita; emsomente quatro casos percebe-se a presença do advogado, nestes o nome de AntonioFerreira Martins foi unanimidade. Somente um caso foi julgado procedente.

Estas trabalhadoras foram dispensadas, ora antes do início do repouso garantidopor lei às gestantes, ora na sua volta ao trabalho, não havendo espaço, efetivamente9,

para questionar ou flexibilizar o período de repouso. Como consta no processo de EsterCoelho da Costa10, operária na seção de conserva da Sociedade Anônima Anglo,grávida de sete meses, que se viu obrigada a repousar, pois, conforme seu médicoparticular atestou, estaria com albuminúria, porém, não foi o que constatou o médico doIAPI11, desta forma a requerente foi demitida quando retornou ao trabalho. Mesmo como atestado em mãos, não recebeu nenhum benefício e essa postura da indústria foiratificada pelo Tribunal Regional do Trabalho.

Geni Dias da Silva12, também operária na seção de conservas do Anglo, declarouà Justiça do Trabalho que trabalhou durante dois anos e dez meses nessa indústria sendodemitida sem justa causa e sem aviso prévio, enquanto estava grávida. Dessa forma,solicitou o pagamento das seis semanas anteriores e posteriores ao parto no valor deCr.$ 1.267,20. Em sua defesa, a empresa alegou que a reclamante foi suspensa por cinco

7 Capítulo III, Seção IV, Artigo 389, Parágrafo único, da Consolidação das Leis Trabalhistas – Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943. 8 Os processos plúrimos e individuais da Comarca da Justiça do Trabalho de Pelotas encontram-se noNúcleo de Documentação Histórica da Universidade Federal de Pelotas. 9 Na Lei constava a possibilidade de aumentar o período de repouso. Art. 392. §2. “Em casosexcepcionais, os períodos de repouso antes e depois do parto poderão ser aumentados de mais duas (2)semanas cada um, mediante atestado médico, dado na forma do parágrafo anterior”. [Texto original -Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943]. 10 Processo 235/1947. Caixa 024 – Acervo da Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas. NDH-UFPel.

11 IAPI. - Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários. 12 Processo 21/1947. Caixa 025 – Acervo da Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas. NDH-UFPel.

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dias e, após a interferência do Presidente do Sindicato, resolveu transformar suasuspensão em demissão, ocasião em que lhe foram pagas as devidas indenizações. Alémdisso, a reclamada alegou que “a lei não veda a despedida de gestantes. Apenas vedaque, por esse motivo sejam as operárias despedidas” (fl. 04). Em audiência, a Junta deConciliação e Julgamento julgou improcedente a reclamatória com base no art. 391 da

CLT13

entendendo que a reclamante foi demitida antes do período de repousoobrigatório.Esther Duarte de Quadros14, passadeira de Raphael Delias, proprietário da

Tinturaria Elite, recebia em média Cr.$ 10,00 por dia. Reclamou seus direitos, visto queapós dar à luz, seu empregador recusou-se a pagar as seis semanas anteriores eposteriores ao parto. Sendo assim, a reclamante solicitou o pagamento dessas semanas,na base do salário mínimo vigente à época (Cr.$ 12,00 por dia), perfazendo Cr.$ 864,00.Esther solicitou, posteriormente, o acréscimo das indenizações por despedida sem justacausa; pagamento do aviso prévio e das diferenças salariais. Em julho de 1947 foiassinado o Termo de Conciliação no valor de Cr.$ 450,00. A reclamante arcou compagamento das custas processuais.

A Justiça do Trabalho em suas leis impunha várias limitações ao trabalhofeminino, com o suposto intuito de protegê-las, mas as privava de alguns espaços detrabalho nas fábricas, legitimando seus baixos salários e determinando quais eram asfunções, horários e condições do espaço de trabalho. No âmbito do direito à licença-maternidade, a Justiça normalmente indeferia os dissídios. Mostrando os subterfúgiosdos empregadores e o desamparo das trabalhadoras, mesmo com direitos previstos emleis. Quando se optava por um acordo entre as partes, o pedido relacionado àmaternidade não era atendido. Os casos de arquivamento foram devido a não presençada requerente, destas não sabemos as causas da desistência. Os dissídios destasmulheres e suas motivações ao enfrentar seus empregadores no espaço público, faz comque se possa conhecer e problematizar seu cotidiano nos espaços de produção, suasrelações com as políticas e leis trabalhistas.

Referências bibliográficasBASSANEZI, Carla. Mulheres dos anos dourados. In: PRIORE, Mary Del eBASSANEZI, Carla (org.) História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997,p. 607-639.CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas. Disponível em:http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/10/1943/5452.htm. Acessado em: 04 de abr

de 2011.PENA, Maria Valéria Junho. Mulheres e Trabalhadoras: presença feminina naconstituição do fabril. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. p. 227.

PERROT, Michelle. Escrever uma História das Mulheres: relato de uma experiência.Disponível em:

13 Art. 391 - Não constitui justo motivo para a rescisão do contrato de trabalho da mulher o fato de haver

contraído matrimônio ou de encontrar-se em estado de gravidez.14 Processo 78/1946. Caixa 021 – Acervo da Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas. NDH-UFPel.

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http://www.ifch.unicamp.br/pagu/sites/www.ifch.unicamp.br.pagu/files/pagu04.02.pdf .Acessado em: 25 de out de 2010.PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Editora Contexto, 2008. p.190.

RANSOLIN, Antonio Francisco. Experiências do Memorial da Justiça do Trabalho noRio Grande do Sul na preservação de fontes documentais da Justiça do Trabalho.Disponível em:http://www.eeh2008.anpuhrs.org.br/resources/content/anais/1212180909_ARQUIVO_artigoencontroreganpuh.pdf . Acesso em: 10 de Nov de 2010.

RODRIGUES, Nessita Martins. A mulher operária: um estudo sobre tecelãs. São Paulo:Editora Hucitec, 1979. p. 146.

SCOTT, Joan. As trabalhadoras. In: DUBY, G. e PERROT, M. História das Mulheresno Ocidente. Lisboa: Afrontamento. 1994. p. 444-475.

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Nos meandros da saúde escrava: um estudo da mortalidade escrava na cidade dePelotas, 1830/1850, Século XIX

Natália Garcia Pinto1

Corria o dia 14 de setembro do ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristode 1846, quando o subdelegado de Polícia de Pelotas Joaquim de Faria Corrêa recebeu anotícia de ter aparecido na frente do portão do cemitério da cidade o cadáver de umhomem preto. A autoridade imediatamente mandou que seus subordinadosinvestigassem o caso, sendo produzido um corpo de delito feito pelo cirurgião-mor quedizia ter sido encontrado:

o cadáver de um preto, que parecia ser crioulo, vestido de camisa dechita cor de rosa, calça de algodão trançado branco, e envolvido por um lençol de algodãozinho, tendo o dito cadáver uma ferida nacabeça, faltando-lhe parte da carne do rosto, os olhos, as orelhas, e polpa dos dedos do pé esquerdo, conhecendo-se visivelmente teremsido aquelas partes do corpo sido comidas pelos ratos, talvez na noiteanterior, em qual exame nada fora encontrado que pudesse dar lugar a suspeita de uma morte não natural.2

Fazia parte do serviçoordinário e habitualda polícia da época “ pôr em boa forma os cadáveres encontrados nos caminhos ou nos campos, dando logo parte àautoridade competente” (MOREIRA, 2009, p. 32). Assim, logo que recebeu parteverbalda existência deste cadáver, o Subdelegado Joaquim de Faria Correa chamou seuescrivão e mandou que ele intimasse dois cirurgiões e duas testemunhas para averiguaro ocorrido. Foram estes cirurgiões que examinaram o cadáver ainda no cemitério eredigiram o texto acima3. A questão era dirimir qualquer dúvida quando a ocorrência deuma morte não natural, de um crime. Sendo natural o “que pertence à Natureza,conforme a sua ordem e curso ordinário” (SILVA, 1922, p. 335). Do contrário, apolícia teria em suas mãos um delito a investigar, um falecimento decorrente de umacausa externa, possivelmente um ato violento.

Os peritos indicados descartaram a ferida na cabeçacomo causa da morte – oque demandaria uma investigação mais minuciosa – e atribuíram aos roedores quefrequentavam o cemitério pelotense a carência de carne do cadáver. O cadáver do pretoque parecia crioulodeve ter sidodesovado pelo seu senhor, querendo com issodesonerar-se do custo de um enterro digno. Dificilmente parceiros de cativeiroabandonariam o cadáver de um semelhante sem um tratamento adequado, oabandonando aos rotineiros famintos habitantes do campo santo (REIS, 1991; SOUZA,2002). A autoridade policial, após aparentar eficiência e preocupação, tratou de enterraro insepulto cadáver em uma cova rasa e o caso ficou esquecido (MOREIRA e PINTO,2010; MOREIRA e PINTO, 2011).

Um dos objetivos primordiais deste texto é expor brevemente a potencialidadedos registros eclesiásticos referentes à morte dos trabalhadores escravizados na cidade

1 Mestranda em História UNISINOS– Bolsista CNPQ2 Auto de Exame de Corpo de Delito. Processo de número 132, Maço 4A, Estante 36. Arquivo Público do

Estado do Rio Grande do Sul, APERS.3 Trata-se do cirurgião José Demazzine e do Doutor Justino José Alves Jacutinga e das testemunhas JoséDuarte Silva e Manoel José da Costa.

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de Pelotas, no período de 1830 a 1850, com o cruzamento de outras fontes qualitativascomo os processos-crimes e os Autos Exames de Corpo de delito. As fontes que focama morte de cativos (documentação policial, eclesiástica, jornais, processos crimes, etc.)se manipuladas com rigor metodológico, sensibilidade analítica e um adequado suporteteórico, podem ser usadas como vias de acesso ao entendimento da sociedade escravista

oitocentista (MOREIRA; PINTO, 2010, p. 2).Pretendemos compreender em nosso estudo quais as principais causas defalecimentos de cativos na sociedade pelotense oitocentista. De que morriam as almasescravizadas? Morriam mais africanos ou crioulos? Quais as principais doenças queceifavam vidas dos trabalhadores escravizados? Deste modo, por meio dessasindagações temos o intuito de apreendermos mais sobre esse universo das doenças e ascausas das mortes que atingiram a população escrava da localidade estudada.

Foram computados um total de 1.675 registros de falecimentos de escravosrelativos aos anos de 1830 a 1850, coletados nos Livros 1 e 2 destinados aos óbitos deescravos da Catedral São Francisco de Paula. Essa fonte está custodiada no Arquivo daCúria Diocesana de Pelotas. Em relação às fontes qualitativas (processos-crimes e autosde exame de corpo de delitos) estão preservadas no Arquivo Público do Rio Grande doSul (APERS).

Destacamos também em nosso trabalho, que da análise de nossas fontes nãoressaltarám apenas a questão das causas das mortes de trabalhadores escravos, mastambém contemplar o universo das relações familiares e de trabalho desses sujeitoshistóricos.

Como variáveis, usamos o gênero, origem e causas das mortes. Em suma, nossapesquisa visa demonstrar os resultados até o dado momento computados na tentativa depontuarmos as singularidades da localidade apontada com relação à saúde e à morte dehomens e mulheres escravizados, trazendo à tona umas das faces da escravidão aindapouco conhecida na então Província do Rio Grande de São Pedro dos anos oitocentos.

A pesquisa tenta dar o entendimento das causas dos falecimentos dos escravos,não apenas pelo viés da questão do desgaste físico ocasionado pelas extensivas horas detrabalho que esses indivíduos estavam acoplados. Mas também relacionarmos asdoenças com as conexões entre o tráfico atlântico, o ambiente da localidade estudada,determinados fatores biológicos, enfim um gama de fatores antes desprezados pelospesquisadores da escravidão. Além disso, enfatiza o outro lado da questão, de como osescravos interpretavam as doenças que os acometiam, acionando práticas culturaisdistintas para o processo de cura das enfermidades (BARBOSA, 2008; CHALHOUB,1996). Neste ínterim, também são observados os ritos fúnebres desses indivíduos, com ointuito de desvelar as práticas comportamentais a respeito do entendimento da morte

sob o prisma dos escravos, e não apenas destacando o olhar do homem branco sobre oritual de enterrar os seus entes mortos (REIS, 1991).No tocante aos dados coligidos, percebemos uma significativa presença de

cativos africanos morrendo, em sua grande maioria, do gênero masculino. No que tangeà procedência dos escravos africanos, encontramos índices significativos defalecimentos de indivíduos oriundos da região da África Central Atlântica, tendo comoprincipais grupos de origem: Angola, Congo, Benguela e Cabinda. Podemos observarque os registros de óbitos são fontes ricas para analisarmos não apenas a morbidade dapopulação escrava, mas também a constituição dos laços familiares. Verificamos pelasinformações demonstradas, que o principal grupo de moléstia que ceifou vidas detrabalhadores escravos foram às enfermidades infecto-contagiosas, seguidas das

doenças do sistema respiratório e digestivo (KARASCH, 2000; RODRIGUES, 2005;FLORENTINO, 1997; SCHWARTZ, 1988; PETIZ, 2007).

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Enfim, o esforço empreendido nessa investigação sobre a saúde escrava foide tentar explorar a fonte, mesmo estando cientes das limitações da documentação parao exercício de examinar as doenças que acometiam esses indivíduos escravizados.

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Modelos de asistencia médico-social para los trabajadores en Colombia, el caso dela Empresa Minera el Zancudo 1865-1948

Oscar Gallo Vélez1 La Empresa Minera El Zancudo (EMZ, 1848-1948) se destacó en el panorama industrial

colombiano por los niveles y la complejidad de su producción, las novedosas estrategiasadministrativas y las formas de organización del trabajo. En ese complejo escenarioindustrial se puede identificar la historia del proceso de configuración de una medicinadel trabajo, de los conceptos de “enfermedad profesional”, “accidente de trabajo” y dela legislación en este campo. Así mismo se pueden examinar las enfermedades de losmineros, las formas de resistencia de los trabajadores, las responsabilidades, tensiones ynegociaciones para el control de los riesgos, las enfermedades y los accidentes. Elobjetivo de este estudio fue analizar el proceso histórico de formación de los modelos deasistencia médica, de intervención sanitaria y de protección de la vida de lostrabajadores de una población asociada a esta importante empresa minera. Seconsultaron fuentes que aportaran huellas sobre la minería, las condiciones sanitarias ehigiénicas, los avatares de la medicina del trabajo, la higiene y la seguridad industrial enel ámbito regional, sobre todo rural. Los archivos consultados fueron: ArchivoMunicipal de Titiribí, Archivo Histórico de Antioquia, Correspondencia e informes dela Empresa Minera el Zancudo (BLAA), Sala de Historia Facu ltad de Medicina de laUniversidad de Antioquia, Archivo Central e Histórico de la Facultad de Minas,Hemeroteca Nacional (colección de Tesis de la Facultad de Medicina de la UniversidadNacional de Colombia), colecciones patrimoniales de la Biblioteca Central de laUniversidad de Antioquia.Mediante un sistemático análisis de todo el material disponible para el periodo defuncionamiento de la EMZ (1865-1948) se pudo observar las fracturas ydiscontinuidades en las formas de asistencia en salud. Se constató la materialización devarios modelos de asistencia médica para los trabajadores: el de 1865 a 1904,caracterizado por un modelo en el que se enlazan caridad pública y beneficencia privadadedicadas casi exclusivamente a enfrentar las epidemias y las necesidades propias de lapobreza, aunque hubo casos esporádicos de atención médica para los minerosaccidentados o enfermos en el Hospital de Caridad. Del anterior modelo se avanzó en elsiglo XX hacia un servicio médico de la empresa minera (1905-1912) para lostrabajadores y sus familias. Durante ese periodo Miguel María Calle, médico de laEMZ, realizó sus aportes al conocimiento de la anquilostomiasis y la EMZ emprendióuna transcendental campaña de profilaxis. En este segundo periodo la atención de lostrabajadores por el servicio médico de la empresa dependió mucho del Hospital de

Caridad del distrito cercano de Titiribí. Cierta amalgama entre los respectivos serviciosmédicos del Distrito y de la Empresa muestra que los límites entre lo privado y lopúblico eran aún muy borrosos en materia laboral y que la empresa no había asumidoplenas responsabilidades en la salud de los trabajadores. Los alcances de laresponsabilidad privada en la salud de los trabajadores estaban en el debate entrediferentes dirigentes de la empresa. Un tercer periodo comienza con la organización delDepartamento Sanitario de la EMZ en 1912 y termina con su cierre en 1924. Esteperiodo es el de la consolidación de un modelo empresarial de asistencia en salud para

1 Historiador y Magíster en Historia de la Universidad Nacional de Colombia. Actualmente estudiante deldoctorado en Historia de la Universidad Federal de Santa Catarina (Florianópolis, Brasil) en la línea deinvestigación Trabajo, Sociedad y Cultura. Becario de la Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal deNível Superior –CAPES. Investiga la historia de la medicina del trabajo en Colombia. Correo electrónico:[email protected]

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los mineros jalonado por la creación del Hospital de la empresa y por la entrada deprácticas de laboratorio en la práctica clínica y diagnóstica del servicio médico. La crisiseconómica de la mina hizo que el Departamento Sanitario fuera cerrado en 1924 y lostrabajadores comenzaran a ser atendidos de nuevo en el Hospital del distrito. El cierredefinitivo de la mina fue en 1948. La documentación del periodo 1924-1948 mostró

grandes cambios en la relación salud y trabajo que hicieron emerger nuevos modelos desalud para los trabajadores basados en la legislación laboral nacional y en la ampliaciónde las ofertas médicas. En el lugar de un servicio médico centralizado dependiente de laempresa se instalan numerosos oferentes de productos de salud, lícitos e ilícitos, lasempresas mineras subcontratan la atención médica de los trabajadores, el Hospital deldistrito se vuelve un oferente de salud entre muchos otros. Además, al final de estecuarto periodo (1937-1945) surgió el movimiento sindical de los mineros en cuyasreivindicaciones siempre estaba la del derecho a la salud, representada en la exigenciade atención médica gratuita para los trabajadores y sus familias. Las tensiones entre elmovimiento sindical, los patronos y las autoridades locales en esa zona mineradesembocaron en el acuerdo de establecer el Reglamento Interno de la Arrendataria ElZancudo y en las peticiones de los trabajadores de la pequeña minería, donde ya se venclaramente enunciados deberes y derechos de los trabajadores y de la empresa. Unejemplo es el del respeto del derecho de cada trabajador a enfermarse, a ser protegido yasegurado durante la enfermedad y a restablecer su salud. El historiador Pedro LaínEntralgo lo resume como el paso “del acto de beneficencia al acto de justicia” (Martíneze Tarifa, 168).El itinerario por los avatares de la instauración de diferentes modelos de asistencia ensalud en la EMZ (1865-1948) permite observar tanto las fracturas y discontinuidades enlas formas de configuración de la seguridad social, la emergencia de un discurso sobrela higiene industrial y “la medicina del trabajo”, como la aparición de nuevassensibilidades sobre el cuerpo del trabajador en Colombia. El conocimiento de este tipohistorias locales es esencial en la comprensión de los procesos históricos deconformación de una medicina del trabajo y de configuración de la seguridad social.Cuando se analiza las particularidades de estas acciones y se contrasta con otras formasde asistencia médica o social a los trabajadores en el ámbito nacional e inclusointernacional es posible observar cómo se inscriben en un contexto más amplio desensibilización ideológica frente a la vulnerabilidad de la población trabajadora, lascondiciones de trabajo y la incidencia de las enfermedades profesionales.

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O Cadáver de um preto escravo, vestido de mortalha: descrição da populaçãocativa da capital da Província do Rio Grande de São Pedro através de seus

registros de óbito (Porto Alegre / 1800/1888)

Paulo Roberto Staudt Moreira1; Giane Caroline Flores

2; ThaísBender Cardoso3

Pretendemos nesta comunicação apresentar alguns dados de parte do projetointitulado “Curadores de Feitiços, Adivinhações, Mandingas: Saúde e Doença naformação social escravista meridional (Porto Alegre / século XIX)”. As fontes quefocam a morte de cativos (documentação policial, eclesiástica, jornais, processoscrimes, etc) se manipuladas com rigor metodológico, sensibilidade analítica e umadequado suporte teórico, podem ser usadas como vias de acesso ao entendimento dasociedade escravista oitocentista. Mesmo que outras fontes empíricas tenham sidoacessadas para complementar e densificar a pesquisa, centraremos a lente de nossainvestigação nos registros de óbitos de cativos da capital da Província de São Pedro doRio Grande do Sul, entre 1801 e 18884.

Custodiados pelo AHCMPA os registros de óbitos de escravos nos trazeminformações diversas sobre a população negra local:origens (grupos de procedência),cores, faixas etárias, rotas de tráfico, relações familiares, causas das mortes. Ametodologia de acesso a estas fontes e as informações que possui embasou-se natranscrição paleográfica dos registros e da inserção dos mesmos em um banco de dados.

Durante a vigência do escravismo, a circunscrição eclesiástica de Porto Alegrecomportou cinco paróquias, nas quais foram registrados batismos, casamentos, óbitos eoutros documentos relativos a gestão espiritual daquele território. Eram elas: 1 – NossaSenhora de Belém (1831), 2 - Menino Deus (1884), 3 – Nossa Senhora das Dores(1859), 4 – Nossa Senhora do Rosário (1844) e 5 – Nossa Senhora Madre de Deus(1772). Das cinco paróquias acima, já encerramos a coleta de dados dos óbitos de quatrodelas, restando apenas a de Nossa Senhora Madre de Deus, a Catedral.

Explanar um pouco sobre os registros desta paróquia talvez torne maiscompreensível o projeto como um todo. Até o momento encerramos a pesquisa emcinco livros de registros de mortes escravas, que abrangem o período de 1801 a 1856,num total de 8.106 indivíduos falecidos nesta paróquia. Incluímos e já terminamostambém o levantamento do único livro de registro de óbitos deingênuosdesta paróquia.Como se sabe, foram chamados de ingênuos os filhos de mães escravas nascidos após alei de 28 de setembro de 1871, conhecida como Lei do Ventre Livre. Esse livro abarca o

1 Professor UNISINOS, Doutor UFRGS - Contato/email: [email protected] 2 Instituição: UNISINOS / Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Tipo de Bolsa: UNIBIC – Bolsa de Iniciação Científica da UNISINOSContato/email: [email protected] Instituição: UNISINOS / Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Tipo de Bolsa: PIBIC – CNPq/UNISINOSContato/email:[email protected] 4

Estes registros são custodiados pelo Arquivo da Cúria Metropolitana de Porto Alegre,(AHCMPA),localizado na Rua Espírito Santo, nº 95 - 90.010 - Porto Alegre/RGS e atualmente podem ser acessadosno site: https://www.familysearch.org/

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período de 1871 a 1885 e possui 329 anotações. Mesmo que asConstituições Primeirasdo Arcebispado da Bahia(1707) determinassem a existência de livros próprios para osregistros eclesiásticos de livres e escravos, as autoridades religiosas locais agiam deacordo com suas consciências e condições materiais particulares. No caso específico daParóquia de Nossa Senhora Madre de Deus, de Porto Alegre, os párocos registraram os

cativos em livros específicos até o ano de 1856 e depois, inexplicavelmente, livres eescravos passaram a compartilhar os mesmos códices. Assim, para que tenhamos emmãos o total de óbitos de escravos (e ingênuos) de Porto Alegre entre 1801 e 1888, nosfaltaapenaso levantamento dos falecimentos de cativos pinçados nos códices de livresda paróquia da Catedral, entre 1856 e 1888.

O estudo da morbidade de uma sociedade5 tem se baseado, entre outrosdocumentos, nos registros de óbitos. Como já percebemos, realmente estes documentossão riquíssimos em informações, mas temos que nos prevenir de alguns estorvos. Umdadoirritante dos registros de óbitos é a heterogeneidade das anotações de falecimento,sendo que os dados constantes parecem estar sob o absoluto capricho dos párocos queas confeccionavam. Assim, existem dados como causa da morte, idade do falecido, etc.,que às vezes constam e outras não, não havendo contínua homogeneidade.Devemos ainda mencionar que a informação sobre a causa da morte nos trouxealguns momentos de insatisfação, mas que isso não deve ser atribuído somente aosreligiosos. Entre as causas das mortes, muitas são evidentemente referências a sintomasaos quais os médicos não tinham condições de diagnosticar a que doenças pertenciam,seja por incompetência profissional ou descaso (ou desconhecimento mesmo!) – comodiarreia, por exemplo.6 Como veremos abaixo, muitas das crianças nem chegaram areceber qualquer atendimento médico, sendo provável que a classificação da causa damorte tenha sido feita por hábitos cotidianos de medicina popular. Ou então, a causa damorte é mal definida ou genérica demais para abalizar qualquer estudo, comofalecimentos causados pormoléstia interna, dor , moléstias crônicas, repentinamente,etc.

O processo de coleta dos dados dos registros de óbitos tem seguido umapadronização relativamente simples em termos de planejamento:

1º - Fotografia dos livros originais no AHCMPA;2º - Transcrição paleográfica dos registros manuscritos;3º - Indexação dos dados colhidos em um uma planilha excell;Esta planilha comporta colunas com a data, nome, sexo, origem (grupo de

procedência), cor, dados gerais, idade, faixa etária, nome da mãe, dados sobre a mãe,nome do senhor, dados sobre o senhor (geralmente itens de distinção), nome do pai,causa da morte, tipo de doença, folha do livro, observações, sacramentos recebidos,

padre que procedeu a cerimônia, referência documental, etc.Cruzando alguns trabalhos referidos na bibliografia abaixo (COSTA / 1976,KARASCH / 2000, PETIZ/2007, SOUSA/2003), com dicionários de médicoscontemporâneos àqueles falecimentos (como Pedro Luiz Napoleão Chernovitz eTheodoro Langaard), estipulamos uma classificação das doenças e causas mortes, paraque a diversidade das mesmas pudesse ser apreendida como variável explicativa. Tendoem vista os limites possíveis da proposta desta comunicação deixamos para explanarmais minuciosamente sobre a pesquisa no momento da apresentação, caso aceita apresente solicitação.

5

Morbidade: “ De maneira geral, o conceito está relacionado ao estudo das doenças, enfermidades oumoléstias de uma população”. NADALIN, 2004: 172. 6Sobre medicina, recomendamos: WEBER, 1999 e WITTER, 2000.

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O Homem e a História de suas Doenças

Paulo Sergio Andrade Quaresma1

[...] fica-se bastante inclinado a crer quecom facilidade se faria a história das

doenças humanas seguindo a dassociedades civis. [Discurso sobre a

desigualdade.Jean-Jacques Rousseau.]

No cosmo dos eventos humanos e históricos, duas certezas – reais everdadeiras – permanecem intactas, desde a aurora dos tempos: os homens nascem e oshomens morrem. Mas, o sentido e o processo do nascer e do morrer não podem serconsiderados imutáveis ou estanques, porque o desenvolvimento e as transformaçõesprocessadas pelas sociedades, ao longo das eras, têm demonstrado que as atitudes e aspercepções dos indivíduos diante desses dois fenômenos sofreram mudanças profundase drásticas. Além desses fatos, é reconhecível que se os indivíduos não morrem nasguerras, nos acidentes, durante o parto, de velhice ou de causas naturais, fatalmente,sucumbirão em consequência das sequelas e da evolução de enfermidades parasitárias,crônicas ou malignas, mas, principalmente, aquelas de caráter infecto-contagioso. Asprincipais causas de doenças que podem levar ao óbito – se não tratadasconvenientemente –, destacam-se: as bactérias, os fungos, os protozoários e,notadamente, os vírus.

Da identificação dos agentes parasitários, crônicos e infecciosos, assimcomo a descoberta de vacinas e antibióticos necessários para combater as doenças,transcorrera um longo caminho, constituído pelo afinco e pelo trabalho de cientistas epesquisadores que, bravamente, contestaram e lutaram contra o tradicionalismo, assuperstições, os dogmas e o amadorismo em prol da ciência e da saúde pública. Abatalha travada entre esses atores e a incidência de patogenias contagiosas, verificadasdurante a eclosão de epidemias, produzem ações e episódios que inferem e se refletemno cotidiano, no ritmo e na história das sociedades.

Portanto, ao lado da identificação, da nomeação e da classificação daspatogenias que transitam ao redor do homem, interferindo na sua saúde através dediferentes patologias, existe uma história das doenças revelada através do depoimento

dos pacientes, do registro médico-hospitalar, das estatísticas oficiais, dos discursospolítico-midiáticos, perpassando, inclusive, pela literatura, iconografia e outros tipos delinguagens e expressões. O historiador Jacques Le Goff faz o seguinte comentário comrelação a esse amálgama: “É uma história dramática que revela através dos tempos umadoença emblemática unindo o horror dos sintomas ao pavor de um sentimento deculpabilidade individual e coletiva” (LE GOFF, 1991: 8). Se no passado, as doenças nãosuscitam o interesse dos estudiosos, que de forma errônea e equivocada, sãopressentidas como desvio do curso normal dos acontecimentos e não tendo um papeldecisivo na história, as pesquisadoras Anny Silveira e Dilene Nascimento defendemque: “Hoje, podemos falar de um campo de história das doenças, constituído por

1Mestre em Letras (FURG). Aluno do curso de Mestrado em História da Universidade Federal de Pelotas(RS). Bolsista da Capes.

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“histórias” que, adotando perspectivas diversas, representam importantes contribuiçõesao trabalho de reflexão sobre o papel das doenças na história” (SILVEIRA,NASCIMENTO, 2004: 16).

Em parte, esse conhecimento é obtido porque os escritos e os registrosmateriais expressam que as doenças crônicas e infecciosas surgem em paralelo a

importantes acontecimentos históricos, determinando ou conduzindo, em alguns casos,o desfecho desses episódios. Nesse ínterim, é relevante lembrar que durante milênios asdoenças contagiosas, chamadas de pestilências, causaram mais vítimas que os principaisconflitos armados. Ademais, é possível afirmar com base no pensamento daspesquisadoras Anny Silveira e Dilene Nascimento, que as doenças modificam o ritmode vida das pessoas, haja vista que:

[...] a doença é um fenômeno que a ultrapassa e a representaçãonão é apenas um esforço de formulação mais ou menos coerentede um saber, também interpretação e questão de sentido. Ainterpretação coletiva dos estados do corpo coloca em questão aordem social, revela-nos as relações existentes entre o biológicoe o social. Por meio da saúde e da doença temos acesso,portanto, à imagem da sociedade e de suas imposições aosindivíduos (SILVEIRA; NASCIMENTO, 2004: 29).

A história das doenças alcança repercussão e expressividade no campocientífico das pesquisas graças aos benefícios resultantes da expansão e datransitoriedade dosrígidosdomínios da história. Outrossim, claramente, desde o últimoquartel do século XX, os novos objetos, problemas e abordagens elencados pelosteóricos e estudiosos concedem um fôlego renovado aos estudos históricos relacionadoscom as doenças. De acordo com Jacques Le Goff, esse cenário é possível e forasolidamente construído nas décadas passadas, principalmente, porque a “doençapertence não só a história superficial dos progressos científicos e tecnológicos comotambém à história profunda dos saberes e das práticas ligadas às estruturas sociais, àsinstituições, às representações, às mentalidades” (LE GOFF, 1991: 8).

Ao se retroceder no tempo, constata-se que as questões e os discursosrelativos ao binômio saúde-doença não podem ser observados e entendidos da mesmamaneira ao longo do tempo, pois os estudos demonstram que as sociedades apresentamparticularidades e especificidades em relação a esse fenômenos que as distinguem. Essefato exige uma interpretação variada por parte do historiador no manuseio de temas econceitos relacionados com a medicina, a epidemiologia, a transmissibilidade viral e,

principalmente, a saúde pública.Assim, por meio dos componentes infecto-patogênicos é possível constituir umcampo teórico-metodológico no qual a história do homem e das sociedades possa serreconstruída. Seguindo essa linha de pensamento, é possível perscrutar, acompanhar eanalisar o passado a partir da evolução das doenças que acometem alguns indivíduos emparticular ou toda população num dado momento, porque os grupos sociais agem ereagem diante das crises através de maneiras e atitudes distintas. Em consonância a essaconcepção, é oportuno trazer as palavras de Jean-Charles Sournia ao defender a ideia“que as doenças têm apenas a história que é atribuída pelo homem. A doença não temexistência em si, é uma entidade abstrata a qual o homem dá um nome” (SOURNIA,1991: 359). Portanto, os fatos e os acontecimentos associados às doenças produzem e

agregam uma historicidade que se difere no tempo e no espaço, conforme apeculiaridade e a particularidade de cada época, sociedade e homem.

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Magia e ciência a serviço da cura: uma análise dos saberes e das práticasterapêuticas em tratados médicos dos séculos XVII e XVIII.

Roberto Poletto1

Resumo

Introdução

Esta comunicação contempla resultados da minha participação como bolsista deIniciação Científica PIBIC-CNPq, junto ao projeto “ Medicina e Missão na Américameridional: Epidemias, saberes e práticas de cura (séculos XVII e XVIII)”, coordenadopela Profª Drª Eliane Cristina Deckmann Fleck, do Programa de Pós Graduação emHistória da Unisinos. Minha inserção no projeto se deu em fevereiro de 2010, através dosubprojeto“Saberes e Práticas de Cura: Entre a Magia e a Ciência (séculos XVII e XVIII)”, que enfoca, especialmente, a análise de tratados de medicina que integravam osacervos das boticas e das bibliotecas dos colégios, residências e reduções das Provínciasda Companhia de Jesus na América meridional, bem como daqueles manuais ereceituários que foram produzidos por irmãos enfermeiros e jesuítas médicos. Dentre osmanuais relacionados em inventários feitos à época da expulsão dos jesuítas daAmérica, destacoPrincipios de Cirugia, de Ayala, Medicina Practica de Guadalupe, deSanz de Dios e Medicina y Cirugia Domestica, de Borbon – o que parece evidenciar ouso dos mesmos por parte dos missionários europeus, e atestar, também, a circulação doconhecimento médico, assim como a continuidade das práticas observadas nessestratados. Impregnados de saberes mágico-rituais ou populares e fundamentados nateoria hipocrático galênica, esses tratados serão aqui cotejados com a Materia Medica Misionera, obra escrita por volta de 1710, pelo irmão jesuíta Pedro Montenegro, queapós estudar Medicina no Hospital Generalde Madri, ingressou na Companhia deJesus.

Objetivos

Dentre os objetivos deste subprojeto estão os de identificar quais eram as concepções desaúde e de doença vigentes na Europa nos séculos XVII e XVIII, e, ainda, quais eram ossaberes médicos e as terapêuticas curativas utilizadas neste mesmo período, a partir da

análise de Tratados de Medicina do período, bem como o de avaliar a aplicação e aspossíveis adaptações desta visão e destes procedimentos de cura nos Tratadosproduzidos por missionários jesuítas nas diversas Províncias da Companhia de Jesus naAmérica meridional, em especial, no século XVIII.

Metodologia

Para nos familiarizarmos com a temática do projeto maior, realizei leituras de obras queme possibilitassem entender as concepções de saúde e de doença, dentre as quaisdestaco LE GOFF (1984), BLOCH (1993) e THOMAS (1991, 1996). Estes autores me

1 Graduando da Unisinos e bolsista PIBIC.

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puseram em contato, também, com a História da Medicina e me permitiram constatar apresença significativa e concomitante dos pressupostos hipocrático-galênicos e dossaberes e práticas curativas populares neste período. Tendo em vista a análise dosTratados de Medicina foi necessária uma familiarização com termos médicos e com aprópria evolução da ciência médica e farmacêutica, razão pela qual recorri à leitura de

FURLONG (1947), MARTIN e VALVERDE (1995), MAÑE GARZÓN (1996),GESTEIRA (2004), BELLINI (2005) TERRADA (2007) e FLACHS e PAGE (2010). Aanálise de cada Tratado foi qualitativa, a partir de categorias previamente definidas. Asinformações recolhidas foram armazenadas em um banco de dados, o que facilitou asistematização e a realização de análises comparativas que vêm sendo apresentadas emMostras de Iniciação Científica e em artigos de divulgação.

Resultados

A análise da Materia Medica Misionerarevela que os conhecimentos apreendidos porseu autor durante sua formação em Medicina na Europa influenciaramsignificativamente a composição da obra. A centralidade da teoria hipocrático-galênicafica evidenciada na aplicação do pressuposto de que as doenças deveriam ser tratadassempre pelo seu contrário, ou seja, doenças frias receberiam tratamentos quentes e vicee versa. Também a classificação de todas as plantas descritas a partir de critérios comoseco e úmido ou quente e frio revela a aplicação dos princípios da teoria dos humores:“Quatro son las qualidades, calor, humedad, frialdad y sequedad, en cada una de estasse cuentan quatro grados, y los simples de q.e se trata en este libro tienen de estasqualidades y sus grados en elas; calientes, humedos, frios; y secos; y rara vez sehallara simple de sola una qualidade [...]”(MONTENEGRO, [1710], 1790,advertências necessárias). As situações adversas enfrentadas pelos missionários, taiscomo as frequentes epidemias e a dificuldade de acesso aos medicamentos tradicionais,determinaram uma necessária – e cada vez mais eficiente e rigorosa – observação danatureza que circundava as reduções e os colégios da Companhia, promovendo aintrodução de plantas medicinais nativas na composição dos remédios, como se podeconstatar na menção que o irmão jesuíta faz ao“ceibo: “ese remedio usa muchas vecesel tigre para refrigerar el ardor de sus uñas embenenadas [...] con lo qual se refresca yqueda muy ligero para sus cacerias y pesca]”.(MONTENEGRO SJ. [1710], 1790, p.55). A importância que os padres jesuítas passaram a dar aos saberes indígena éevidenciada em uma passagem em que Montenegro fala das qualidades do “bejucoouipecaquahana: “[...] a todos aquellos q.e an dado yerbas o bocado q.e desahumandove con raices y bastagos reciben grande alibio en sus congojas maiormen.te aquellos

que toman certa cantidad de su cosimen.to segun estoy informado de barios medicosíndios los mas capaces.”(MONTENEGRO SJ. [1710], 1790, p.85). A conjugação desaberes e práticas terapêuticas e, sobretudo, a busca cada vez maior do rigor naexperimentação e da aplicação de novos conhecimentos farmacêuticos, não impediu queDeus ainda fosse colocado como o centro de onde irradiava todo o conhecimento,inclusive, no campo médico, o que leva o irmão jesuíta afirmar que“[...] aquel Sumo Architecto fabricador de cielos e tierra, luego q.e formo al hombre; conociendo su flaquessa y enfermidades, a las cuales habia de estar sujeto: como Padre piedoso nosenseño y cada dia nos enseña los remédios para ellas”(MONTENEGRO, SJ. [1710],1790, Prólogo). A obra parece revelar o que se constituía a prática, tanto na Europa,quanto na América: a concomitância de práticas racionais e mágico rituais, que, ao

invés de se anularem, somavam-se no combate às doenças, ainda tão deficitário noséculo XVIII

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“NO HAY MAL QUE POR BIEN NO VENGA”: um estudo dos necrológios dasCartas Ânuas da Província Jesuítica do Paraguai (1645-1662)

Tarcila Nienow Stein1

Nesta comunicação, apresento os resultados parciais de minha participaçãocomo bolsista FAPERGS – desde fevereiro de 2011 – no subprojeto“O cristão noespelho da morte: uma análise dos necrológios das Cartas Ânuas do século XVII e XVIII ”, que integra o projeto “ Medicina e Missão na América meridional: Epidemias,saberes e práticas de cura (séculos XVII e XVIII)”,coordenado pela Profª. Dr.ª ElianeC. D. Fleck. Para uma familiarização com os temas do projeto e para uma compreensãodos propósitos da atuação missionária da Companhia de Jesus, busquei os trabalhos deFRANZEN (2008), FLECK (2004) e EISENBERG (2000), e para ter presente aspercepções de morte e de salvação vigentes nos séculos XVI e XVII, recorri às obras deDELUMEAU (1990), LE GOFF (1984) e ARIÉS (1982).

Como atividade de pesquisa inicial, me coube a leitura das Cartas Ânuas daProvíncia Jesuítica do Paraguai produzidas pelos jesuítas em missão na América,referentes ao período de 1645 a 1662. Tendo em vista os objetivos do subprojeto,priorizei a análise dos necrológios, tópicos das Ânuas que se detém no relato das mortesde missionários jesuítas.

Sobre os necrológios, cabe a advertência de que integram uma documentaçãoproduzida pela Companhia de Jesus e para a Companhia de Jesus, devendo-se, por isto,estar atento à finalidade destas fontes, e, sobretudo, para a sua condição de relatoedificante. Essa condição explica o tipo de discurso encontrado nas Cartas e a formacomo são relatadas as mortes destes jesuítas, com ênfase em suas virtudes e para atitudedemonstrada diante da morte iminente. Para a análise dos necrológios presentes nestasCartas foi fundamental a familiarização com alguns documentos fundacionais daCompanhia de Jesus – como os Exercícios Espirituais –, fundamentais paracompreender o entendimento que os jesuítas tinham do martírio e da santidade. Afinal,o exemplo a ser seguido pelos demais cristãos e missionários, era o de uma vida dedoação, de virtude e encarada com destemor e de forma resignada diante das privações.

Ao concluir a leitura, sistematizei as informações qualitativas (privilegiandotemas com a boa morte, o martírio e os sacramentos administrados aos moribundos) etabulei as quantificáveis referentes aos cinqüenta padres falecidos que mereceram aatenção dos padres relatores das Cartas Ânuas. Para a elaboração das tabelas, foramconsideradas informações como o nome, a idade, o tempo de Companhia, a redução em

que se encontrava ao falecer e a causa da morte.Os aspectos acima referidos podem ser observados na Carta de 1647-1649, naqual encontramos uma passagem que evidencia que, após sua morte, o Irmão jesuítaClaudio Flores receberia grande honra. Abaixo, segue o trecho que selecionamos daÂnua:

“[...] Al correr la noticia de la muerte del Padre, todo el mundo leapellidó mártir , y habló con el mayor respecto de él, diciéndose que era un varón deuna virtud acabada, lleno de Dios y de un insaciable deseo de ganar almas para Cristo,nuestro Señor, um espíritu emprendedor irresistible cada vez cuando se trataba de promover la gloria de Dios.” (grifo meu) (C.A. [1647-1649], 1928, p. 62).

1 Graduanda do 6º semestre de História pela Unisinos. Bolsista PROBIC-FAPERGS

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Como pude constatar, ao analisar estas Ânuas, morrer em martírio ou em razão dequalquer outra privação (de alimento, por exemplo), não era algo assim tão temido pelospadres – jovens ou já com idade avançada –, na medida em que entendiam que todo osofrimento enfrentado se reverteria numa morte gloriosa, como pode-se perceber nesteexcerto da Carta Ânua acima referida:

“Murió en este colegio en 1647 el Padre José Quevedo, natural deCórdoba del Tucumán, a la edad de 26 años, apenas acabados los estudios teológicos.Era muy devoto de María Santísima, de su virginal esposo, y de nuestros Santos, encuyo honor había prometido ayunar en las vísperas de su fiesta a pan y agua. Así preparado no era de admirar, que sin miedo esperase la muerte.”(grifo meu) (C.A.[1647-1649], 1928, p. 07).

Dentre as referências à administração de sacramentos, me detive, em especial, naextrema unção, que consiste na preparação da alma do indivíduo para o seu passamento.Nas Ânuas, esta prática aparece referida, tanto aos padres, quanto aos indígenas, estandoassociada à crença de que este procedimento garantiria a “boa morte”. Para ilustrar esteprocedimento, apresento, primeiramente, uma situação em que um índio procura o padrepara que o sacramento fosse administrado:“Otro semejante caso hubo, en que un matrimonio indio, después dehaber consultado inutilmente a los hechiceros para alcanzar la salud de su hijo yagrande, contra su costumbre llamaron al sacerdote, el cual, fracasado el arte de Hipócrates para salvar la vida temporal, le procuró la vida eterna, disponiéndolo pararecibir los sacramentos, y sanar con la sangre de Cristo.”(C.A. [1647-1649], 1927,p.12 ).

A unção poderia, em alguns casos, salvar não apenas a alma do indígena, masrestituir a saúde daquele que se encontrava enfermo, como se pode constatar nestetrecho que reforça a compreensão que os missionários tinham deste sacramento:

“Había un indio, el cual estaba muriéndose, y sin embargo teníamiedo de recibir la Extrema Unción, porque pensaba que esto le mataría. NuestroPadre le quitó esta ignorancia, enseñándole que este sacramento era útil comoremedio. Dejó el índio administrárselo, y realmente, apenas acabado el sacerdote, semejoró y sanó, conociendo toda esta pobre gente que la Extrema Unción no eramortífera, sino muy saludable para cuerpo y alma.”( grifo meu) (C.A. [1647-1649],1928, p. 08).

Mas, cabe ressaltar que, muitas vezes, este era o último recurso a seradministrado, tanto aos nativos, quanto aos próprios padres da Companhia, como formade preparação para o descanso final:

“Era un hombre muy piadoso y mortificado, y muy fiel en el

cumplimiento de sus votos, y nadie le pudo sorprender en una falta contra ellos. [...].Se le administraron los últimos sacramentos, después de lo cual decayó de fuerzasrápidamente, y pronto murió.”(grifo meu) (C.A. [1652-1654], 1928, p. 15). No momento, venho me dedicando à investigação das possíveis relações entre faixaetária, condições climáticas das regiões de atuação missionária e os índices demortalidade, bem como das atitudes dos missionários diante da morte referidas nosnecrológios.

ReferênciasFontes

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Leopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS, 1994.CARTAS ÂNUAS DE LA PROVINCIA DEL PARAGUAY (C. A). Anõs 1652-1654.Tradución de Carlos Leonhardt, S.J. Buenos Aires, 1928. Tradução Digitada, SãoLeopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS, 1994.CARTAS ÂNUAS DE LA PROVINCIA DEL PARAGUAY (C. A). Anõs 1658-1660.Tradución de Carlos Leonhardt, S.J. Buenos Aires, 1928. Tradução Digitada, SãoLeopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS, 1994.CARTAS ÂNUAS DE LA PROVINCIA DEL PARAGUAY (C. A). Anõs 1660-1662.Tradución de Carlos Leonhardt, S.J. Buenos Aires, 1928. Tradução Digitada, SãoLeopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS, 1994.

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História Oral de Vida e Saúde Mental em Pelotas, RS

Tiago Neuenfeld Munhoz1

O campo da saúde mental no Brasil vem ampliando suas formas de atuação.Através da modificação na compreensão e entendimento do fenômeno dos transtornosmentais, efetua sistemáticas mudanças na forma de legislar e atuar neste campo.

A Reforma Psiquiátrica (RP) no Brasil vem impulsionando adesinstitucionalização da loucura através do redirecionamento das formas de atuação nosistema de saúde – especialmente no sistema público. Esta reforma tem como objetivoprincipal a reintegração do portador de transtorno mental grave ou persistente noconjunto da sociedade, visando sua integração com o meio social através das relaçõessociais cotidianas na família, no bairro, na cidade, no trabalho e como cidadão comdireitos.

Entende-se a RP como “[...] um conjunto de iniciativas de cunho político,social, legislativo e cultural que visavam modificar a situação e tecer alternativas” àorganização da assistência e a compreensão do campo da saúde mental (GOULART,DURÃES, 2010, p. 113). Esse movimento é resultado de diversas concepções,representações e relações de poder produzidas historicamente pela sociedade e asinstituições frente ao fenômeno da loucura. Apesar de transformações noredirecionamento da atenção em saúde mental, os padrões culturais, sociais e históricosentre sociedade, os sujeitos com sofrimento psíquico e o fenômeno da loucura,continuam trazendo estigmas, relações assimétricas e processos de exclusão para aspessoas acometidas pelo transtorno mental (NUNES; TORRENTÉ, 2009).

Diversas pesquisas que analisam o campo da saúde mental no Brasil vêmsendo desenvolvidas nos últimos anos, porém, é limitada a produção acadêmica sobrehistória oral de vida de sujeitos com sofrimento psíquico. Podemos encontrar pesquisassobre história oral com uma diversidade de sujeitos (JOSSO, 1999; CARVALHO,COELHO, 2005; GULLESTAD, 2005; DELORY-MOMBERGER, 2006; PINEAU,2006; BENITES, BARBARINI, 2009; GALVANI, BARROS, 2010).

Diferentes trabalhos são produzidos sobre história e sua relação com ofenômeno da loucura(HUMEREZ, 1994, 1996, 1998, 2000; ENGEL, 2001, 2008;PORTOCARRERO, 2002; WADI, 2002, 2006, 2009; VIEIRA, 2005; SANTOS, 2005;WEYLER, 2006; VASCONCELLOS E VASCONCELLOS, 2007; MENEGHEL, 2007;FACCHINETTI, RIBEIRO, MUÑOZ, 2008; SILVA, SANTOS 2009; NUNES,

TORRENTÉ, 2009;).A história singular de indivíduos com sofrimento psíquico, dentro dametodologia de história oral de vida, será resgatada neste trabalho com o objetivo deentender as histórias de vida e as relações destas histórias com o sofrimento psíquico deusuários dos serviços de saúde mental em Pelotas, RS. O processo de (re) construçãodas narrativas sobre as histórias de vida desses sujeitos pode fornecer nova compreensãosobre as relações entre a sociedade e os indivíduos com sofrimento psíquico. Nessaperspectiva, serãoapresentadas três histórias de vida de usuárias dos centros de atençãopsicossocial.

1

Mestrando em Ciências Sociais – UFPEL

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A colaboradora 01 é solteira, tem 55 anos e tem 5 filhos. Frequenta o serviço a11 anos. Viveu uma infância“muito boa apesar do meu pai ser alcoolista”. Sofreuviolência física do marido durante mais de 10 anos e de acordo com a sua narrativa, estefato é responsável por profundas sequelas cognitivas e emocionais – além dasdificuldades econômicas, já que o marido era alcoolista e comprometeu as finanças do

casal. Esta colaboradora relata que desde a pré-adolescência apresentava sinais dealterações psíquicas e sua família, frequentemente procurava auxílio na religião(benzedeiras) e noutras práticas já que a dificuldade de compreender estes fenômenospela família, não proporcionava a procura de auxílio especializado naquele momento.Ainda no final da adolescência, contrariando a vontade de seus pais, se envolveu norelacionamento com o agressor, o qual veio se casar posteriormente. Relata que noinicio ele a tratava muito bem e que ela não percebeu o envolvimento do marido comálcool. O fato de o marido ser alcoolista, para ela, o fez tornar-se uma pessoa agressivaque a “espancava dia e noite, sem dó nem piedade”. A agressão física, vivida por tantosanos, levou-a ao transtorno de depressão psicótica, apresentando alucinações e delírios.

A colaboradora 02 não sabe indicar sua data de nascimento. É solteira, semfilhos, é muito magra e fuma excessivamente. Frequenta o serviço a 12 anos e residecom outra usuária do serviço de saúde mental no qual frequenta. Na pré-adolescênciafoi abusada sexualmente pelo seu pai. Isto a fez fugir de casa e morar na rua por muitosanos, até ser acolhida no CAPS e iniciar a participação em grupos de conversação. Naprimeira entrevista relata problemas de saúde em função de não conseguir se alimentarnormalmente. Segundo ela, ter morado por tantos anos na rua, fez com que seuorganismo não se acostumasse com a alimentação normal. Sua única atividade éfrequentar o CAPS e isto a deixa bastante feliz e realizada. Sente muita tristeza nosfinais de semana por ficar sozinha – já que sua companheira de residência nem sempreestá em casa. Não tem família e seus amigos são outros usuários do serviço. Sente-seútil quando pode ajudar as pessoas e está sempre disposta para fazer isso. Sempre meauxiliou quando eu estava no serviço.

A colaboradora 03 vive com companheiro, tem 38 anos, sem filhos. Frequentao serviço a 8 anos. Ajuda a cuidar do seu irmão, que tem 37 anos, e é usuário do CAPS.Mora no mesmo terreno com a irmã e este irmão – apesar de serem casas separadas. Foicriada pela sua vó materna, apesar de conviver com a sua mãe, a qual “até os sete anos,achava que era minha irmã”. Sua vó decidiu cuidar dela porque a mãe não tinharesponsabilidade no cuidado, deixando-a em casa sozinha quando ainda era muitopequena.“Minha avó sempre me contou tudo, me disse ‘olha to contigo e te criei, mastua mãe é ela, eu sou tua vó´. Sempre me explicou tudo direitinho.”Relata que sua mãenunca teve uma relação de cuidado e carinho com ela. Viviam em constantes brigas e

discussões. Segundo ela, sua mãe, constantemente, a agredia verbalmente.“Ela pegavaimplicância comigo com tudo. Chegava e dizia que não era pra mim ter nascido, que euera uma pessoa... uma sarará do inferno, essas coisas, [...] hoje eu entendo”.Isto traziauma grande revolta e sofrimento para a colaboradora, ainda criança. Aos catorze anosteve seu primeiro namorado, do qual engravidou por volta dos quinze anos. Perdeu estefilho, quando o bebê tinha onze dias de nascido. Após esse fato, nunca mais teve filhos.

O tema central das entrevistas sobre história oral de vida é o momento dadesrazão, o momento no qual o sujeito passou a desenvolver determinado sofrimentopsíquico. As agressões, de maneira geral, são o conflito desencadeante e central dostranstornos mentais. A violência sexual, na qual o agressor foi o pai; a violência física,na qual o agressor foi o marido; e a violência psicológica, na qual a agressora foi a mãe.

Estas violências, segundo os relatos orais de vida, são cruciais e direcionam a memóriadas colaboradoras para os eventos a isto relacionados.

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Dessa forma, podemos compreender o sofrimento psíquico pela ótica daspessoas que vivem com este problema. As histórias de vida contêm diferentes situaçõesde sofrimento, que incluem condição social desfavorecida, abuso de substânciaspsicoativas, perdas afetivas importantes, fraco suporte social e limitadas alternativaspara recuperação da autonomia.

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