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TffiBUNAL SUPERIOR ELEITORAL ACÓRDÃO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N° 145-94.2016.6.24.0074 - CLASSE 32 - RIO NEGRINHO - SANTA CATARINA Relatora originária: Ministra Luciana Lóssio Redator para o acórdão: Ministro Herman Benjamin Recorrente: Ministério Público Eleitoral Recorrido: Eloir Meirelies Laurek Advogado: Luiz Alberto Tremi - OAB: 46514/SC RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ART. 1°, 1, E, 2, DA LC 64/90. CRIME. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. ART. 184, § 20, DO CP. PATRIMÔNIO IMATERIAL E PRIVADO. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E SISTEMÁTICA. PROVIMENTO. Autos recebidos no gabinete em 9.1.2017. HISTÓRICO DA DEMANDA Trata-se de pedido de registro de candidatura de Eloir Meirelles Laurek ao cargo de vereador de Rio Negrinho/SC nas Eleições 2016, impugnado pelo Parquet com base na inelegibilidade prevista no art. 1 0, 1, e, 2, da LC 64/90. Aduziu-se, ao se impugnar o registro, que o candidato fora condenado por posse, em estabelecimento de comércio, de 49 CDs falsos, o que configurou crime de violação a direito autoral, previsto no art. 184, § 20, do Código Penal, que se enquadraria no conceito de crime contra o patrimônio privado. Em primeiro e segundo graus, deferiu-se o registro, o que ensejou o presente recurso pelo Ministério Público Eleitoral. VOTO DA E. MINISTRA LUCIANA LÓSSIO Na sessão de 19.12/ oF , a e. Relatora desproveu o apelo. Assentou que o dimento mais recente desta Corte Superior é de queelito de violação de direito autoral, por não se p Título II do Código Penal ("Dos Crimes Contr atrimônio"), não atrai a

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TffiBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

ACÓRDÃO

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N° 145-94.2016.6.24.0074 - CLASSE 32 - RIO NEGRINHO - SANTA CATARINA

Relatora originária: Ministra Luciana Lóssio Redator para o acórdão: Ministro Herman Benjamin Recorrente: Ministério Público Eleitoral Recorrido: Eloir Meirelies Laurek Advogado: Luiz Alberto Tremi - OAB: 46514/SC

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ART. 1°, 1, E, 2, DA LC 64/90. CRIME. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. ART. 184, § 20, DO CP. PATRIMÔNIO IMATERIAL E PRIVADO. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E SISTEMÁTICA. PROVIMENTO.

Autos recebidos no gabinete em 9.1.2017.

HISTÓRICO DA DEMANDA

Trata-se de pedido de registro de candidatura de Eloir Meirelles Laurek ao cargo de vereador de Rio Negrinho/SC nas Eleições 2016, impugnado pelo Parquet com base na inelegibilidade prevista no art. 10, 1, e, 2, da LC 64/90.

Aduziu-se, ao se impugnar o registro, que o candidato fora condenado por posse, em estabelecimento de comércio, de 49 CDs falsos, o que configurou crime de violação a direito autoral, previsto no art. 184, § 20, do Código Penal, que se enquadraria no conceito de crime contra o patrimônio privado.

Em primeiro e segundo graus, deferiu-se o registro, o que ensejou o presente recurso pelo Ministério Público Eleitoral.

VOTO DA E. MINISTRA LUCIANA LÓSSIO

Na sessão de 19.12/

oF

, a e. Relatora desproveu o apelo. Assentou que o dimento mais recente desta Corte Superior é de queelito de violação de direito autoral, por não se p Título II do Código Penal ("Dos Crimes Contr atrimônio"), não atrai a

REspe no i 45-94.201 6.6.24.0074/SC

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inelegibilidade do ad. l, 1, e, 2, da LC 64/90, de modo que pedi vista do caso para examinar o tema.

ARTS. l, 1, E, 2, DA LC 64/90 E 184 DO CP

O ad. l, 1, e, 2, da LC 64/90 (Lei de Inelegibilidades) dispõe que são inelegíveis, para qualquer cargo, "os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes [ ... ] contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência".

Por sua vez, o ad. 184, § 20, do CP, inserido no Título III ("Dos Crimes Contra a Propriedade Imaterial"), estabelece multa e reclusão de dois a quatro anos a "quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente".

JURISPRUDÉNCIA

Esta Corte, nas Eleições 2012, adotou entendimento de que, embora o delito de violação a direito autoral (ad. 184 do CP) esteja inserido no Título III do Código Penal, trata-se de ofensa ao interesse particular, incluída entre os crimes contra o patrimônio privado a que se refere o ad. 10, 1, e, da LC 64/90 (REspe 202-36, ReI. Mm. Arnaldo Versiani, sessão de 27.9.2012).

Para as Eleições 2014, decidiu-se em sentido oposto (RO 981-50, ReI. Mm. João Otávio de Noronha, sessão de 30.9.20 14).

INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E SISTEMÁTICA DO ART. 1°, 1, E, 2, DA LC 64/90

Normas jurídicas não podem ser interpretadas única e exclusivamente a partir de método gramatical ou literal. Há de se considerar os valores ético-jurídicos que as fundamentam, assim como sua finalidade e o disposto no sistema da Constituição e de leis infraconstitucionais, sob pena de se comprometer seu real significado e alcance.

Os dispositivos da LC 64/90 ,Lei de lnelegibilidades) - originários e alterados pel L 135/2010 (Lei da Ficha Limpa) - devem ser objeto fe/nterpretação teleológica e sistemática. á /

REspe n° 145-94.20 1 6.6.24.00741SC 3

A LC 135/2010, que alterou e acresceu novos prazos e casos de inelegibilidade à LC 64/90, visa atender aos anseios da cidadania, norteados pela exigência cada vez maior de eleições livres de candidatos cujas vidas pregressas sejam desabonadoras e não preencham requisitos mínimos, nos campos ético e legal, imprescindíveis ao desempenho de mandato eletivo no Estado Democrático de Direito.

A leitura do art. 10, 1, e, 2 da LC 64/90 de modo algum pode se dissociar do § 90 do art. 14 da CF/88, que visa proteger a probidade administrativa e a moralidade para exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato.

INELEGIBILIDADE E DIREITOS AUTORAIS: DIMENSÃO IMATERIAL DO PATRIMÔNIO PRIVADO

O exame das causas de inelegibilidade por prática de crime - art. 1, 1, e, da LC 64/90 - deve levar em conta o bem jurídico protegido, sendo irrelevante a topografia (locus) do tipo no Código Penal ou em legislação esparsa.

A circunstância de o art. 184 do CP inserir-se em título próprio, por si só, não desnatura o bem jurídico tutelado, qual seja, o patrimônio imaterial.

Embora os bens imateriais sejam incorpóreos, evidencia-se seu expressivo valor econômico, cultural e artístico, a consubstanciar patrimônio privado de seu titular.

Se o direito de autor manifesta-se, patrimonialmente, em relação à atividade intelectual exteriorizada, inexiste dúvida de que se trata de propriedade de quem o detenha, a revelar ideia de patrimônio privado.

18. Como decorrência da liberdade de expressão "intelectual, artística, científica e de comunicação" (art. 51 , IX, da CF/88), tem-se que "aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar" (inciso XXVII do mesmo artigo), o que atrai sanções criminais e cíveis a quem desrespeite esse patrimônio.

O entendimento proposto não ofende o princípio da taxatividade e respaida-se em julgados desta Corte: REspe 76-79, Rei. Mm. Marco Aurélio, DJE de 15.10.2013; REspe 353-66, ReI. Mm. Cármen Lúcia, DJE de 28.9.2010 e AgR-REspe 302-52, ReI. Mm. Arnaldo Versiani, sessão' de 12.11.2008.

Extrai-se do REspe /7679 que "o preceito da inelegibilidade é linear, rjç limitando geograficamente o crime praticado: se pr vi o no Código Penal ou em

REspe n° 145-94.201 6.6.24.0074/SC

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diploma diverso na legislação esparsa". No REspe 353-66, tem-se que "os valores especificamente protegidos pelo Direito Penal devem ser buscados no tipo da imputação, pois sob o título de 'crimes contra o patrimônio' (Título II do CPB) encontram-se capitulados delitos tão distintos como o roubo (art. 157) e a apropriação indébita previdenciária (art. 168-A)".

Interpretação literal ou gramatical do disposto no art. l, 1, e, 2, da LC 64/90 esvaziaria o dispositivo, tendo em vista inexistir, no Código Penal ou em legislação esparsa, a exata nomenclatura "Crimes Contra o Patrimônio Privado".

Assim, crime de violação a direito autoral (art. 184, caput e §§ 10, 20 e 30 do CP) ofende o patrimônio privado e pode ensejar inelegibilidade do art. 10, 1, e, 2, da LC 64/90.

HIPÓTESE DOS AUTOS

É incontroverso que o recorrido foi condenado por posse, em estabelecimento de comércio, de 49 CDs falsos, o que configurou crime de violação a direito autoral previsto no art. 184, § 20, do Código Penal.

Ademais, extrai-se da moldura fática do aresto a quo que a sentença condenatória transitou em julgado em 15.10.2012, com quitação de multa em 27.1.2014 e pena restritiva de direitos (em substituição à reclusão de nove meses) finda em 26.7.2016.

Dessa forma, o recorrido encontra-se inelegível, porquanto praticou crime contra o patrimônio privado.

CONCLUSÃO

Recurso especial provido para indeferir o registro de Eloir Meireiles Laurek ao cargo de vereador de Rio Negrinho/SC nas Eleições 2016, com as devidas vênias à e. Relatora.

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por

maioria, em dar provimento ao recurso especial eleitoral para indeferir o

registro de candidatura, nos termos do voto do Ministro Herman Benjamin.

Brasília, 5 de abril de 2017.

MINISTRO H47tBE \$JAMIN - REDATOR PARA 0 ACÓRDÃO

REspe no 145-94.20 1 6.6.24.0074/SC 5

RELATÓRIO

A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO: Senhor

Presidente, trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público

Eleitoral contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina

(TRE/SC) que, mantendo a sentença, deferiu o registro de candidatura de Eloir

Meirelles Laurek ao cargo de vereador do Município de Rio Negrinho/SC, nas

eleições de 2016, por entender que não está configurada a causa de

inelegibilidade do art. 10, 1, e, item 2, da Lei Complementar n° 64/90.

O acórdão regional recebeu a seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2016 - RECURSO ELEITORAL - REGISTRO DE CANDIDATURA - RRC - CANDIDATO - CARGO - VEREADOR - IMPUGNAÇÃO - INELEGIBILIDADE - ART. 1, 1, "E", 2, DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/1990 - CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO - VIOLAÇÃO A DIREITO AUTORAL CRIME CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL - DELITO QUE NÃO SE CLASSIFICA COMO CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO - INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA - IMPOSSIBILIDADE - INELEGIBILIDADE AFASTADA - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA - RECURSO DESPROVIDO. (El. 101)

Em suas razões recursais, o recorrente sustenta, em síntese,

que:

os direitos autorais são bens patrimoniais, que englobam

tanto os direitos materiais quanto os imateriais;

o fato de o ad. 184 do CP ter sido inserido em título próprio,

por si só, não desnatura o bem jurídico a ser tutelado, qual seja, o patrimônio

privado imaterial;

os crimes contra a propriedade imaterial estão

compreendidos no rol dos delitos contra o patrimônio privado previstos no

ad. l, 1, alínea e, item 2, da LC n° 64/90.

Apontou, ainda, divergência jurisprudencial.

Ao final, pugna pela reforma do acórdão recorrO , para que

seja indeferido o registro de candidatura de Eloir Meirelles Laurek

REspe no 145-94.201 6.6.24.00741SC

O prazo para oferecer contrarrazões transcorreu in a/bis

(fI. 135).

A Procuradoria-Geral Eleitoral opina pelo provimento do

recurso especial (fis. 139-143).

Na sessão extraordinária realizada no dia 10.12.2016, esta

Corte Superior deu provimento ao/gravo regimental interposto pelo Ministério

Público Eleitoral, com a exclusiv1Á finalidade de submeter o apelo especial a

julgamento pelo Plenário do J7.

É o relatório.V

VOTO (vencido)

A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO (relatora): Senhor

Presidente, o recurso especial não merece provimento.

Na espécie, o Tribunal Regional manteve o deferimento do

registro de candidatura de Eloir Meireltes Laurek ao cargo de vereador do

Município de Rio Negrinho/SC, nas eleições de 2016, por entender que o delito

previsto no art. 184, § 20, do Código Penal não é crime contra o patrimônio

privado, o que impede, em virtude da interpretação estrita, que se deve dar a

normas restritivas de direito, a incidência da inelegibilidade prevista na alínea

e, item 2, do inciso 1 do art. 11 da LC n° 64/90.

A fundamentação constante do acórdão regional é a seguinte:

No mérito, a certidão narrativa de fi. 12 evidencia que Eloir Meirelles Laurek, ora candidato a vereador recorrido, foi condenado pela prática, em 14/10/2011, do crime previsto no art. 184, 20, do Código Penal:

E ... ]

A sentença, que o condenou à pena de 8 (oito) meses de reclusão em regime aberto e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, substituida por uma restritiva de direitos consistente gm prestação de serviços à comunidade (Ação Penal n. 055.11.003p11-1), transitou em iulgado no dia 15/10/2012. A pena de rolta foi quitada em 27/01/2014 e a restritiva de direitos foi cumpric até 26/07/2016.

REspe no 145-94.2016.6.24.0074/SC

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prazo em que se iniciaria, caso incidente a inelegibilidade prevista no art. 10, 1, "e", 2, da LC n. 64/1990, cujo teor é o seguinte:

O delito a que foi condenado o impugnado encontra-se previsto no Título III da Parte Especial do Código Penal, mais precisamente "Dos Crimes Contra a Propriedade Imaterial", não se enquadrando, pois, na hipótese prevista no artigo acima transcrito, que se refere expressamente a crime "contra o patrimônio privado".

É imperioso salientar que, em situações como a presente, deve-se emprestar uma interpretação restritiva. E que, "com base na compreensão da reserva legal proporcional, as causas de inelegibilidade devem ser interpretadas restritivamente, evitando-se a criação de restrição de direitos políticos sobre fundamentos frágeis e inseguros, como a possibilidade de dispensar determinado requisito da causa de inelegibilidade, ofensiva à dogmática de proteção dos direitos fundamentais" (TSE, RO 494261RR, ReI. Min. Gilmar Mendes, PSESS de 1.10.2014).

E ... ]

O Tribunal Superior eleitoral, é verdade, já entendeu que o cometimento de crime contra a propriedade imaterial configurava a hipótese prevista no art. l, 1, "e", item 2, da LC 64/90 (veja-se, pois, Recurso Especial Eleitoral 20236, rei. Mm. Arnaldo Versiani Leite Soares, j. em 27-09-2012).

Contudo, o entendimento foi superado em julgamento mais recente, oportunidade em que se apreciava recurso contra o último acórdão gaúcho citado. Na ocasião, o TSE, por maioria de votos, ao tempo em que rechaçou interpretação extensiva às hipóteses de inelegibilidade, esclareceu que a condenação por crime de violação de direito autoral não se enquadra na classificação legal de crime contra o patrimônio privado. Cito, a propósito, o julgado:

E...]

O crime imputado ao impugnado (art. 184, § 21, do Código penal) não está incluído no rol daqueles mencionados no art. 1, 1, "e", item 2, da Lei Complementar 64/90. No presente caso, ademais, o contexto fático que enseiou a condenação tratou-se de fato de gravidade reduzida, tanto que autoridade judiciária deixou expressamente consignado que:

[ ... 1

Com efeito, se os Crimes Contra o Patrimônio, cuia condenação é causa de inelegibilidade, estão reunidos no Título II da Parte Especial do Código Penal, iustamente sob esse título, forçoso reconhecer que não estão compreendidos nessa classificação os Crimes Contra a Propriedade Imaterial, elencados no Título III do mesmo diploma, entre os quais se encontra o delito de violação ao direito autoral pelo qual foi condenado o recorrido. Uma vez que as causas de inelegibilidade devem estar expressamente previstas por lei complementar, não poderia, ao meu sentir, ficar ao alvedrio do julgador, proceder ao enquadramento de crimes, por mais lógicos os critérios adotados, de modo a incluí-los nas hipóteses de

REspe no 145-94.20 1 6.6.24.0074/SC

inelegibilidade, quando isso não se extraia objetivamente da própria lei complementar.

E.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso, mantendo a sentença que deferiu o pedido de registro de candidatura de Eloir Meirelies Laurek. (FIs. 102-103, 105-109 - grifei)

O entendimento, a meu ver, não merece reparos.

Nota-se, a princípio, que, em 14.102011, o recorrido praticou o

crime previsto no art. 184, § 20, do CP1, cuja sentença penal condenatória

transitou em julgado no dia 15.10.2012.

A discussão cinge-se em saber se os crimes contra a

propriedade imaterial estão inseridos nos delitos contra o patrimônio privado

indicados no art. 11, 1, e, item 2, da LC n° 64/90, que assim dispõe:

Art. 10 São inelegíveis:

[ ... 1

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: (Redação dada pela Lei Complementar n° 135, de 2010)

E ... ]

2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; (Incluído pela Lei Complementar n° 135, de 2010)

Pois bem, os crimes contra o patrimônio estão previstos no

Código Penal no Título li e disciplinam os artigos 155 à 183. Já o crime de

violação de direito autoral, previsto no art. 184, é trazido no Título lii, que cuida

dos crimes contra a propriedade imaterial, vejamos:

1 CP, TÍTULO III - DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL

CAPÍTULO 1 - DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL violação de direito autoral

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa [ ... 1 § 20 Na mesma pena do § 10 incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.

REspe no 145-94.201 6.6.24.00741SC 9

TÍTULO III

DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL

CAPÍTULO 1

DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL

Violação de direito autoral

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. § 10 Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 20 Na mesma pena do § 1° incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.

§ 30 Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 4° O disposto nos §§ 1°, 2° e 3° não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei n° 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto.

Sobre a matéria, é bem verdade que há precedente de 2012,

desta Corte, equiparando o crime de violação de direito autoral ao crime contra

o patrimônio, o que atrairia a causa de inelegibilidade prevista no art. l, 1, e,

item 2 da LC n° 64/90 (REspe 202-361SP, ReI. Mm. Arnaldo Versiani, PSESS

de 27.9.2012).

Todavia, o entendimento mais recente desta Corte Superior e

mais consentâneo com a defesa de uma ordem jurídica justa e que respeite a

REspe n° 145-94.2016.6.24.00741SC 10

separação de Poderes (art. 20 da CF), já que cabe ao Poder Legislativo legislar

e estabelecer as causas de inelegibilidades e ao Judiciário julgar considerando

tais balizas normativas, é no sentido de que o crime de violação de direito

autoral não está inserido entre os crimes contra o patrimônio privado, e,

portanto, não atrai a causa de inelegibilidade prevista no art. 1°, 1, e, item 2, da

LC n° 64/90. Nesse sentido:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO ESTADUAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ART. 1, 1, E, 2, DA LC 64/90. CONDENAÇÃO CRIMINAL. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. ART. 184, § 1°, DO CÓDIGO PENAL. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

A condenação por crime de violação de direito autoral (art. 184, § 10, do Código Penal) não gera a inelegibilidade do art. 1, 1, e, 2, da LC 64/90, pois esse crime não se enquadra na classificação legal de crime contra o patrimônio privado.

As causas geradoras de inelegibilidade não admitem interpretação extensiva. [...]

(RO n° 981-50, ReI. Mm. João Otávio de Noronha, PSESS de 30.9.2014 - grifei)

Nesse aspecto, é cediço que a lei foi taxativa ao exigir, como

causa de inelegibilidade, a configuração do crime contra o patrimônio privado.

A interpretação na espécie deve ser estrita, principalmente por estar em jogo

instrumento essencial aos direitos políticos, qual seja, o direito a elegibilidade -

exercício da cidadania passiva.

A natureza patrimonial dos direitos autorais é inegável.

Entretanto, os delitos contra a propriedade imaterial se distinguem dos crimes

contra o patrimônio, na medida em que tutelam os bens impalpáveis, produto

da atividade intelectual do ser humano.

Nesse contexto, diante da impossibilidade de interpretação

extensiva e tendo em vista que o crime de violação de direito autoral não está

inserido no Título II da Parte Especial do CP, que dispõe sobre os crimes

contra o patrimônio, descabe enquadrá-lo como crime contra o patrimônio

privado para os fins do art. 1°, 1, e, item 2, da LC n°64/90.

REspe no 145-94.2016.6.24.0074/SC 11

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial para

manter o deferimento do registro de candidatura de Eloir Meirelies Laurek, ao

cargo de vereador do Município de Rio Negrinho/SC.

É como voto.

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX: Ministra Luciana Lóssio,

para adaptar a realidade normativa à realidade prática, qual é o valor dessa

contraf ração?

A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO (relatora):

Confesso que não sei dizer. Eu não fui a tanto.

O SENHOR MINISTRO HERMAN BENJAMIN: O Ministro

Henrique Neves apurou. O valor não é alto. Eram 40 e poucos CD5 ou DVDs

falsificados.

Eu pedi vista não em relação ao caso concreto, e sim em

relação à tese da propriedade intelectual versus a propriedade material. A

propriedade intelectual - por exemplo, direito autoral - até vale mais, em

certas circunstâncias, do que a propriedade imobiliária.

Pensa-se em um software, porque não deixa de ser a

subtração ilegal de um software. Não me reJo ao caso concreto, o que me

pareceu interessante foi o aspecto jurídico.

O SENHOR MINISTRO VGILMAR MENDES (presidente):

Entendo que isso compõe o patrimônio.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX: Eu também entendo que

compõe o patrimônio moral.

A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO (relatora): Eu fiz

uma interpretação estrita.

REspe n° 145-94.2016.6.24.00741SC 12

O SENHOR MINISTRO HERMAN BENJAMIN: Qual foi o

fundamento da Ministra Luciana Lóssio?

A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO (relatora): O crime

de violação à propriedade intelectual está previsto no Título III do Código

Penal, que trata dos crimes contra a propriedade imaterial, e o Título II trata

dos crimes contra o patrimônio.

A alínea e, item 2, do inciso 1 do art. 11 da LC n° 64/90, ao

tratar da incidência da inelegibilidade por condenação criminal, traz os tipos

penais.

Portanto, não me permito dar interpretação extensiva para

decidir que um tipo penal previsto em outro título do Código Penal possa ser

aproveitado para fazer incidir a inelegibilidade.

Há dois precedentes neste Tribunal. Um deles é da relatoria do

Ministro Arnaldo Versiani, de 2012, que entendeu que poderíamos fazer essa

ampliação, e o outro é da relatoria do Ministro João Otávio de Noronha,

de 2014, que entendeu que não poderíamos fazer essa interpretação.

O SENHOR MINISTRO HENRIQUE NEVES DA SILVA: Não

me recordo do precedente do Ministro Arnaldo Versiani, mas o precedente do

Ministro João Otávio de Noronha foi tomado por maioria - eu até o

acompanhei - e os Ministros Luiz Fux e Dias Toifoli divergiram do

entendimento, na época.

O que se discute nesse caso é apenas se o crime por violação

de direito autoral se classifica como crime contra o patrimônio público ou

contra o patrimônio particular.

A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO (relatora): Exato.

O SENHOR MINISTRO HENRIQUE NEVES DA SILVA: Mas o

Ministro Herman Benjamin vai além. Ainda que se tenha a tese afirmando que

o crime se aplica, Sua Excelência vai examinar se haveria os requisitos para a

caracterização.

REspe n° 145-94.20 1 6.6.24.00741SC

13

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (presidente): Na

verdade, a lei complementar fez referência a capítulos específicos do Código

Penal.

Essa é a discussão.

A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO (relatora):

Poderemos dar interpretação extensiva? Eu entendo que não, mas aguardarei

o voto do Ministro Herman Benjamin.

PEDIDO DE VISTA

O SENHOR MINISTRO HERMAN BENJAMIN: Senhor

Presidente, peço vista dos autos.

REspe n° 145-94.2016.6.24.0074/SC

EXTRATO DA ATA

REspe no 145-94.201 6.6.24.0074/SC. Relatora: Ministra

Luciana Lóssio. Recorrente: Ministério Público Eleitoral. Recorrido: Eloir

Meirelies Laurek (Advogado: Luiz Alberto Tremi - OAB: 465141SC).

Decisão: Após o voto da relatora, negando provimento ao

recurso especial eleitoral, para manter o deferimento do registro de

candidatura, antecipou o pedido de vista o Ministro Herman Benjamin.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes as

Ministras Rosa Weber e Luciana Lóssio, os Ministros Luiz Fux,

Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e Henrique Neves da Silva, e o

Vice-Procurador-Geral Eleitoral, N icolao Dino.

SESSÃO DE 19.12.2016.

REspe no 145-94.2016.6.24.0074/SC 15

VOTO-VI STA

O SENHOR MINISTRO HERMAN BENJAMIN: Senhor

Presidente, adoto, como relatório, a minuta submetida ao Plenário pela

e. Ministra Luciana Lóssio (relatora) na sessão jurisdicional de 19.12.2016:

Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público Eleitoral contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE/SC) que, mantendo a sentença, deferiu o registro de candidatura de Eloir Meireiles Laurek ao cargo de vereador do Município de Rio Negrinho/SC, nas eleições de 2016, por entender que não está configurada a causa de inelegibilidade do art. 10, 1, e, item 2, da Lei Complementar n° 64/90.

O acórdão regional recebeu a seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2016 - RECURSO ELEITORAL - REGISTRO DE CANDIDATURA - RRC - CANDIDATO - CARGO - VEREADOR - IMPUGNAÇÃO - INELEGIBILIDADE - ART. 10, 1, "E", 2, DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/1990 - CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO - VIOLAÇÃO A DIREITO AUTORAL CRIME CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL - DELITO QUE NÃO SE CLASSIFICA COMO CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO - INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA - IMPOSSIBILIDADE - INELEGIBILIDADE AFASTADA - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA—RECURSO DESPROVIDO. (FI. 101)

Em suas razões recursais, o recorrente sustenta, em síntese, que:

os direitos autorais são bens patrimoniais, que englobam tanto os direitos materiais quanto os imateriais;

o fato de o art. 184 do CP ter sido inserido em título próprio, por si só, não desnatura o bem jurídico a ser tutelado, qual seja, o patrimônio privado imaterial;

os crimes contra a propriedade imaterial estão compreendidos no rol dos delitos contra o patrimônio privado previstos no art. l, 1, alínea e, item 2, da LC n° 64/90.

Apontou, ainda, divergência jurisprudencial.

Ao final, pugna pela reforma do acórdão recorrido, para que seja indeferido o registro de candidatura de Eloir Meirelles Laurek.

O prazo para oferecer contrarrazões transcorreu in a/bis (fl. 135).

A Procuradoria-Geral Eleitoral opina pelo provimento do recurso especial (fls. 139-143).

Na sessão extraordinária realizada no dia 11.12.2016, esta Corte Superior- deu provimento ao agravo regiment ,ihterposto pelo Ministério Público Eleitoral, com a exclusiva finalidWe de submeter o apelo especial a julgamento pelo Plenário do TSE. \/\

REspe no 145-94.201 6.6.24.00741SC

16

A e. Relatora desproveu o recurso, mantendo deferimento do

registro de Eloir Meirelles Laurek ao cargo de vereador de Rio Negrinh0/SC2

nas Eleições 2016, nos termos da ementa a seguir:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. DEFERIMENTO. CRIME. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. INELEGIBILIDADE. ART. 1°, 1, E, DA LC N° 64/90. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

O Tribunal Regional de Sata Catarina (TRE/SC) manteve o deferimento do registro de candidatura de Eloir Meirelles Laurek ao cargo de vereador do Município de Rio Negrinho/SC, nas eleições de 2016, por entender que o delito previsto no art. 184, § 2°, do Código Penal não é crime contra o patrimônio privado, o que impede, em virtude da interpretação estrita, que se deve dar a normas restritivas de direito, a incidência da inelegibilidade prevista na alínea e, item 2, do inciso 1 do art. 11 da LC n° 64/90.

Segundo consta do acórdão regional, em 14.10.2011, o recorrido praticou o crime previsto no art. 184, § 21, do CP, cuja sentença penal condenatória transitou em julgado no dia 15.10.2012.

O entendimento mais recente desta Corte Superior é no sentido de que o crime de violação de direito autoral não está inserido entre os crimes contra o patrimônio privado, e, portanto, não atrai a causa de inelegibilidade prevista no art. 10, 1, e, item 2, da LC n°64/90.

É cediço que a lei foi taxativa ao exigir, como causa de inelegibilidade, a configuração do crime contra o patrimônio privado. A interpretação na espécie deve ser estrita, principalmente por estar em jogo instrumento essencial aos direitos políticos e ao Estado Democrático de Direito, qual seja, o direito fundamental à elegibilidade.

A natureza patrimonial dos direitos autorais é inegável. Entretanto, os delitos contra a propriedade imaterial se distinguem dos crimes contra o patrimônio, na medida em que tutelam os bens impalpáveis, produto da atividade intelectual do ser humano.

Diante da impossibilidade de interpretação extensiva e tendo em vista que o crime de violação de direito autoral não está inserido no Título II da Parte Especial do CP, que dispõe sobre os crimes contra o patrimônio, descabe enquadrá-lo como crime contra o patrimônio privado para os fins do art. 10, 1, e, item 2, da LC n°64/90.

Recurso especial desprovido.

Pedi vista dos autos para melhor análise.

20 candidato obteve 40 votos válidos, ou 0,17% do total.

REspe no 145-94.20 1 6.6.24.0074/SC 17

1. Alínea e e Art. 14, § 90, da CF188

A teor do art. 14, § 90, da CF188, lei complementar deve

estabelecer outras hipóteses de inelegibilidade, além daquelas do texto

constitucional, de modo a privilegiar a probidade administrativa e a moralidade

para exercício de mandato eletivo, considerada a vida pregressa do postulante,

in verbis:

Art. 14. [omissis]

§ 90 Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

(sem destaques no original)

Essa norma materializou-se em duas leis: a LC 64/90,

denominada Lei de Inelegibilidades, e, a posteriori, a LC 135/2010, conhecida

como Lei da Ficha Limpa, que alterou e acresceu novos prazos e casos de

impedimento visando atender aos anseios da cidadania, conduzidos pela

exigência cada vez maior de eleições livres de candidatos cujas vidas

pregressas sejam desabonadoras e não preencham requisitos mínimos, nos

campos ético e legal, imprescindíveis ao desempenho de mandato eletivo no

Estado Democrático de Direito.

Dentre as situações prescritas na LC 64/90, somadas às

mudanças introduzidas pela LC 135/2010, encontra-se o art. 11, 1, e, 2, que se

relaciona, dentre outras, à hipótese de condenação por crime contra o

patrimônio privado. Confira-se:

Art. 1° São inelegíveis:

- para qualquer cargo:

[...

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial çdíegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (çJto) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:

\

REspe no i 45-94.20 1 6.6.24.00741SC

2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;

(sem destaque no original)

Esclareço que, neste voto-vista, adoto premissa de que os

dispositivos da LC 64/90 (Lei de Inelegibilidades) - originários e alterados pela

LC 135/2010 (Lei da Ficha Limpa) - devem ser objeto de interpretação

teleológica e sistemática, pois normas jurídicas não podem ser examinadas

única e exclusivamente a partir de método gramatical ou literal. Impõe-se

considerar os valores ético-jurídicos que as fundamentam, assim como seu

propósito e o disposto no sistema da CF188 e de leis infraconstitucionais, sob

pena de se comprometer seu real significado e alcance.

2. Dimensão Imaterial do Patrimônio Privado

A controvérsia cinge-se ao enquadramento do crime de

violação a direito autoral (art. 184, § 20, do CP) como apto a atrair a

mencionada inelegibilidade, .por ofensa ao patrimônio privado.

De início, anoto que o Título II do Código Penal, sob

nomenclatura "Dos Crimes Contra o Patrimônio", compreende os arts. 155 a

183. Por sua vez, o crime de violação de direito autoral está previsto Título III,

art. 184, que versa sobre "Crimes Contra a Propriedade Material", como se

verifica abaixo:

TÍTULO III DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL

CAPÍTULO 1 DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL

Violação de direito autoral

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos.

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

§ 1° Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execição ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artita intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de q1èm os represente:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (ua) anos, e multa.

\

REspe no 145-94.201 6.6.24.0074/SC

19

§ 21 Na mesma pena do § 10 incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.

§ 30 Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 40 O disposto nos §§ 10, 20 e 30 não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei n° 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto.

(sem destaques no original)

Para as Eleições 2012, o entendimento era de que, embora o

delito de violação a direito autoral estivesse inserido no Título III do Código

Penal, trata-se de ofensa ao interesse particular, o que "o inclui entre os

crimes contra o patrimônio privado a que se refere o art. 10, 1, e, da LC 64/90"

(REspe 202-36, ReI. Mm. Arnaldo Versiani, publicado em sessão de 27.9.20 12).

No certame de 2014, esta Corte Superior orientou-se em

sentido oposto. Trata-se do RO 981-50, ReI. Ministro João Otávio de Noronha,

publicado em sessão de 30.9.2014. Transcrevo a ementa:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO ESTADUAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ART. 1°, 1, E, 2, DA LC 64/90. CONDENAÇÃO CRIMINAL. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. ART. 184, § 1°, DO CÓDIGO PENAL. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIF1ENTO.

1. A condenação por crime de violação/ de direito autoral (art. 184, § 10, do Código Penal) não gera a ineIeibilidade do art. 10, 1, e, 2, da LC 64/90, pois esse crime não se entrndra na classificação legal de crime contra o patrimônio privado. [...

REspe n° 145-94.201 6.6.24.00741SC

20

No presente caso, a e. Relatora entende não incidir hipótese

de inelegibilidade ao fundamento de que "os delitos contra a propriedade

imaterial se distinguem dos crimes contra o patrimônio, na medida em que

tutelam os bens impalpáveis, produto da atividade intelectual do ser humano".

Todavia, entendo que a circunstância de o art. 184 do CP

pertencer a título próprio, por si só, não desnatura o bem jurídico a ser

tutelado, qual seja, o patrimônio privado imaterial.

Isso porque, nos crimes contra a propriedade intelectual,

tutela-se o patrimônio em sentido amplo (bens materiais e imateriais), e os

direitos do autor possuem notório aspecto econômico.

Conforme pontuou oralmente o Vice-Procurador-Geral

Eleitoral, Dr. Nicolao Dm0, o patrimônio privado possui duas dimensões: a

tangível, ou material, e a intangível, ou imaterial, sendo que a segunda, na

atualidade, muitas vezes assume preponderância sobre a primeira.

Ressaltou o disposto no art. 216 da CF188, que registra dois

vetores do patrimônio cultural brasileiro, contemplando bens materiais e

imateriais, sendo os últimos as formas de expressão, de criar, fazer, produzir,

além das criações artísticas científicas e tecnológicas, que são tão ou mais

relevantes que os bens tangíveis delas advindos.

Transcrevo do parecer da d. Procuradoria-Geral Eleitoral

(fls. 141-142):

A posição da Procuradoria-Geral Eleitoral é no sentido da incidência da causa de inelegibilidade. A norma inserta no art. 10, inciso 1, alínea 'e', item 2, da LC 64/90, ao faze alusão aos crimes contra o patrimônio privado, alcança os ilícitos penais contra a propriedade intelectual, pois o bem jurídico tutelado em tais delitos é o patrimônio em sentido amplo, englobando bens materiais e imateriais. Com efeito, os bens imateriais e os direitos autorais, que têm apreciação econômica, necessariamente, integram seu patrimônio.

Ainda, não há nenhuma previsão na lei das inelegibilidades no sentido de que atingiria somente os delitos classificados em determinado título e/ou seção/do Código Penal, uma vez que a localização do tipo penal no ordenamento jurídico não é mais relevante que o cerne do s conteúdo, ou seja, que a essência do bem jurídico tutelado.

(sem destaque no original)

REspe n° i 45-94.20 1 6.6.24.00741SC

21

Nessa linha, o art. 216 da CF188 está em sintonia com o direito

fundamental de liberdade de "expressão da atividade intelectual, artística,

científica e de comunicação", que não dependem, a teor do art. 50, IX, da

CF188, de licença nem são objeto de censura prévia.

Como decorrência desse direito de se expressar, o

inciso XXVII do mencionado artigo estabelece que "aos autores pertence o

direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras,

transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar".

Carlos Alberto Bittar3 assim conceitua direito autoral, em obra

específica sobre a matéria:

É o ramo do Direito Privado que regula as relações jurídicas advindas da criação e da utilização econômica de obras intelectuais estéticas e compreendidas na literatura, nas artes e nas ciências. As relações regidas por esse Direito nascem com a criação da obra, exsurgindo, do próprio ato criador, direitos respeitantes à sua face pessoal (como os direitos de paternidade, de nominação, de integridade da obra) e, de outro lado, com sua comunicação ao público, os direitos patrimoniais (distribuídos por dois grupos de processos, a saber, os de representação e os de reprodução da obra, como, por exemplo, para as músicas, os direitos de fixação gráfica, de gravação, de inserção em fita, de inserção em filme, de execução e outros)

(sem destaques no original).

Ora, se o direito do autor manifesta-se, patrimonialmente, em

relação à atividade intelectual exteriorizada, não há dúvida tratar-se de

privilégio de quem o detém, o que se confunde com a ideia de patrimônio

privado.

Isso porque, insista-se, embora os bens imateriais sejam

incorpóreos, evidencia-se que detêm expressivo valor econômico, cultural e

artístico, a consubstanciar patrimônio privado de seus titulares. "Na realidade,

eles alcançam a proteção do direito quando se materializam através de obras

literárias, científicas ou artísticas e invenções de modo geral"4.

BITTAR, C. Alberto. Direitos de autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. p. 8.

NUCCI, G. de Souza. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1.07

REspe n° 145-94.201 6.6.24.00741SC

22

Nessa linha, bem lembrou o e. Ministro Luiz Fux, ao proferir

voto no RO 981-50/RS, que o art. 1, 1, e, 2, da LC 64/90 remete a patrimônio

privado de modo indistinto. Sua Excelência ressaltou, no ponto, que basta

perguntar a artista de renome nacional e internacional sobre suas respectivas

obras para se constatar o valor a elas atribuído.

A meu ver, o Título III, composto apenas pelo art. 184,

consiste em mera opção topográfica do legislador, que poderia ter agregado o

único crime nele previsto ao Título II, sem prejuízo à tipologia do Código Penal.

Outro aspecto a se ressaltar é que o art. 1, 1, e, 2, da LC 64/90

faz menção a patrimônio privado e também a crimes contra o sistema

financeiro, contra o mercado de capitais e os previstos em lei que regula a

falência. Ora, têm-se gêneros, não espécies, que abarcam diversas

ramificações da legislação brasileira.

Anote-se, ainda, que o próprio tipo previsto no art. 184, caput,

do CP, qual seja, "violar direitos de autor e os que lhe são conexos",

caracteriza-se como lei penal em branco ou lato sensu6 , pois o preceito

primário nele contido foi complementado pela Lei 9.610/98, que atualizou e

consolidou a legislação sobre direitos autorais e definiu, nos arts. 22 e 287, que

se asseguram ao autor os direitos patrimoniais e morais sobre sua obra,

podendo dela se utilizar, fruir ou dispor.

O núcleo do tipo é o verbo violar, indicando que a forma de

execução é livre, pois compreende "ofender, infringir, transgredir, forçar,

profanar, devassar"8 o bem jurídico tutelado, que se consubstancia no

patrimônio alheio. Guilherme de Souza Nucci9, no ponto, afirma que:

O tipo é uma norma penal em branco, necessitando, pois, de vinculação com as leis que protegem o direito de autor (consultar as Leis 9.609/98 e 9.610/98) bem como se usando a interpretação do juiz para que possa ter real alcance e sentido. A transgressão ao direito autoral pode dar-se de variadas formas desde a simples

Os demais tipos previstos no Título III foram revogados pela Lei 9.279/96. 6 Nesse sentido: CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 64.

Art. 22. Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou. [. . .1 Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística o ientífica. 8 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1969. p. 6.

NUCCI, G. de Souza. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1.072.

'1

REspe no 145-94.2016.6.24.0074/SC

23

reprodução não autorizada de um livro por fotocópias até a comercialização de obras originais, sem a permissão do autor.

E ... 1

Sob outro prisma, a violação de direito autoral constitui uma forma de corrupção, em sentido lato, pois despreza direitos, regras e normas, pretendendo o agente levar vantagem sobre o patrimônio alheio e, além disso, sobre a tributação do Estado.

Não se trata, portanto, de interpretação extensiva em prejuízo

do jus honorum, pois tanto a lei eleitoral quanto a penal remetem a conceito

amplo de patrimônio e, em múltiplas dimensões, à necessidade de se proteger

direitos dos respectivos titulares.

Ao examinar hipótese semelhante, em que se questionava o

alcance do termo "crime contra a Administração Pública", esta Corte Superior

concluiu que esses delitos podem estar previstos em legislação esparsa, ainda

que sem a nomenclatura acima referida, para efeito de inelegibilidade do

art. l, 1, e, 1, da LC 64/90. Transcrevo a ementa, no que interessa:

INELEGIBILIDADE - CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - ATIVIDADE CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÃO.

O desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação configura crime contra a Administração Pública, presente o bem protegido, a teor do disposto no artigo 183 da Lei n° 9.472/1 997.

(REspe 76-79, Rei. Mm. Marco Aurélio, DJEde 15.10.2013)

Essa interpretação não ofende o princípio da taxatividade, não

amplia o rol de inelegibilidades e tem respaldo de outros julgados desta Corte

Superior, contrapostos ao precedente que a e. Relatora mencionou.

Evidencia-se, assim, norte seguro ao deslinde da controvérsia.

Nessa linha, o raciocínio do Ministro Arnaldo Versiani, Relator

do REspe 202-36, leading case para as Eleições 2012, que ora invoco.

Sua Excelência citou outros julgados deste Tribunal Superior, atinentes a

crimes, em que prevaleceu não o locus, mas sim o bem jurídico

protegido. Confira-se:

Este Tribunal já julgou casos similares ao esente, nos quais se discutia se determinado delito configuravau não crime contra o patrimônio público, com vistas à incidênci da inelegibilidade da

REspe no 145-94.201 6.6.24.0074/SC

24

alínea e, na sua redação anterior à vigência da Lei Complementar n° 13512010.

No julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n° 30.252, de que fui relator, de 12.11.2008, ficou reconhecido que, "embora o delito de incêndio esteja inserido no Título VIII - dos Crimes Contra a Incolumidade Pública - do Código Penal, a circunstância de ter sido cometido no fórum da cidade, isto é, em edifício público, o inclui entre os crimes contra o patrimônio público a que faz referência o art. 1, 1, e, da Lei Complementar n° 64/90".

Em outro julgado, Recurso Especial Eleitoral n° 35.366, relator o Ministro Joaquim Barbosa, de igual modo se assentou que "a prática do delito tipificado no art. 20, § 1°, da Lei n° 8.176191, consistente na obtenção e na comercialização dolosas de ouro extraído irregularmente do subsolo, constitui crime contra o patrimônio da União".

(sem destaques no original)

Registro, ainda, que do REspe 76-79, ReI. Mm. Marco Aurélio,

DJE de 15.10.2013 se extrai que "o preceito da inelegibilidade é linear, não

limitando geograficamente o crime praticado: se previsto no Código Penal ou

em diploma diverso na legislação esparsa".

No REspe 353-66, ReI. Mm. Cármen Lúcia, DJE de 28.9.2010,

tem-se que "os valores especificamente protegidos pelo Direito Penal devem

ser buscados no tipo da imputação, pois sob o título de 'crimes contra o

patrimônio' (Título II do CPB) encontram-se capitulados delitos tão distintos

como o roubo (art. 157) e a apropriação indébita previdenciária (art. 168-A)".

Além disso, no AgR-REspe 302-52, ReI. Mm. Arnaldo Versiani,

sessão de 12.11.2008, decidiu-se que "embora o delito de incêndio esteja

inserido no Título VIII - dos Crimes Contra a lncolumidade Pública - do Código

Penal, a circunstância de ter sido cometido no fórum da cidade, isto é, em

edifício público, o inclui entre os crimes contra o patrimônio público a que faz

referência o art. 11, 1, e, da Lei Complementar n° 64/90".

Destaco ainda que, em recente julgado (REspe 207-35/SC,

ReI. Mm. Luciana Lóssio, sessão de 9.2.2017), erjbora vencido, registrei que a

técnica do direito brasileiro privilegia o ber/ jurídico tutelado, e não a

topografia. Isso porque a fragmentação\ natural e corresponde à

complexidade crescente das relações sociais.

REspe n° 145-94.201 6.6.24.0074/SC

25

Consignei, ainda, outro fundamento a ser considerado em

processos de registro de candidatura, em que se examinam a vida pregressa

dos candidatos: o respeito à Administração Pública e às instituições.

De fato, é pressuposto àquele que busque ocupar cargo

público que tenha grande respeito pelas instituições. Quem não atribui valor à

esfera pública, e comete crime contra ela, demonstra inapetência para exercer

mandato eletivo, não podendo obter êxito em seu mister.

Também nesse julgado, o Vice-Procurador-Geral Eleitoral

lembrou que o legislador brasileiro optou pela dispersão dos tipos penais,

não se tendo, no Código Penal, rol exaustivo de delitos. Daí não ter sentido o

raciocínio de se limitar a abrangência das hipóteses de inelegibilidade ao

diploma em que se manifeste.

Esse argumento vai ao encontro de princípios constitucionais e

dos anseios da população, que se mobilizou para aprovar a LC 135/2010, mais

conhecida por Lei da Ficha Limpa, norteada pela exigência cada vez maior de

eleições livres de candidatos cujas vidas pregressas sejam desabonadoras e

não preencham requisitos mínimos, nos campos ético e legal, imprescindíveis ao

desempenho de mandato eletivo no Estado Democrático de Direito.

Dito isso, concluo que o exame de inelegibilidade por prática

de crimes deve incidir sobre os bens jurídicos protegidos, sendo irrelevante o

posicionamento espacial dos tipos penais que se revelem óbices aos registros

de candidaturas.

Por fim, interpretação literal ou gramatical do disposto na

alínea e esvaziaria o dispositivo, tendo em vista inexistir, no Código Penal ou

em legislação esparsa, a exata nomenclatura "Crimes Contra o Patrimônko '

Privado". /

Assim, o disposto no art. l, 1, e, 2, da LC 64/90 remete

patrimônio privado, bem jurídico protegido em suas dimensões mater, e

imaterial, e não à topografia no Código Penal ou na legislação extravagant.

REspe n° 145-94.2016.6.24.00741SC 26

3. Hipótese dos Autos

O TRE/SC examinou condenação criminal de Eloir Meireltes,

motivada pelo intuito de vender CDs piratas, mas afastou a inelegibilidade

objeto de impugnação ao pedido de registro de candidatura.

Extrai-se da moldura fática do aresto a quo e do voto da

e. Relatora que em 14.10.2011 o recorrido praticou o crime previsto no

art. 184, § 20, do C1P10, cuja sentença penal condenatória transitou em julgado

no dia 15.10.2012.

O decisum condenatório estipulou oito meses de reclusão

em regime aberto e pagamento de dez dias-multa, substituída por uma

restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade

(AP 055.11.003011-1).

A pena de multa foi quitada em 27.1.2014 e a restritiva de

direitos foi cumprida até 26.7.2016, tendo-se a partir daí a sanção de

inelegibilidade.

Nesse sentido, transcrevo trecho do aresto regional:

[ ... ] A certidão narrativa de fi. 12 evidencia que Eloir Meireiles Laurek, ora candidato a vereador recorrido, foi condenado pela prática, em 14/10/2011, do crime previsto no art. 184, § 21, do Código Penal:

[ ... 1

A sentença, que o condenou à pena de 8 (oito) meses de reclusão em regime aberto e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, substituída por uma restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade (Ação Penal n. 055.11O030111) transitou em julgado no dia 15/10/2012. A pena 7

ieitos multa foi quitada

em 27101/2014 e a restritiva de I foi cumprida até 26/07/2016. (sem destaque no original)

v

° Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

§ 20 Na mesma pena do § 1° incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.

REspe no 145-94.20 1 6.6.24.00741SC

27

Dessa forma, a teor do art. l, 1, e, 2, da LC 64/90, entendo que

o candidato se encontra inelegível, porquanto praticou crime contra o patrimônio

privado, conforme expus nas razões do meu voto.

Registro ainda que a prática corriqueira, em nosso país, de se

comercializar produtos falsificados é gravíssima e não permitiria invocar a

atipicidade da conduta com esteio no princípio da adequação social. Nesse

sentido, precedente do c. Supremo Tribunal Federal:

[ ... ] 1. O princípio da adequação social reclama aplicação criteriosa, a fim de se evitar que sua adoção indiscriminada acabe por incentivar a prática de delitos patrimoniais, fragilizando a tutela penal de bens jurídicos relevantes para vida em sociedade.

A violação ao direito autoral e seu impacto econômico medem-se pelo valor que os detentores das obras deixam de receber ao sofrer com a "pirataria", e não pelo montante que os falsificadores obtêm com a sua atuação imoral e ilegal.

Deveras, a prática não pode ser considerada socialmente tolerável haja vista os expressivos prejuízos experimentados pela indústria fonográfica nacional, pelos comerciantes regularmente estabelecidos e pelo Fisco, fato ilícito que encerra a burla ao pagamento de impostos.

In casu, a conduta da paciente amolda-se ao tipo de injustoprevisto no art. 184, § 20, do Código Penal, porquanto comercializava mercadoria pirateada (CD's e DVD's de diversos artistas, cujas obras haviam sido reproduzidas em desconformidade com a legislação). [...]

(STF, HC 120.994/SP, ReI. Min. Luiz Fux, DJE de 16.5.2014) (sem destaque no original)

Impõe-se, portanto, indeferir o registro de candidatura do

recorrido, nos termos da fundamentação supra.

4. Conclusão

Ante o exposto, pedindo vênia à e. Relatora, dou provimento

ao recurso especial para indV

eRi,

'registro de candidatura de Eloir Meirelles

Laurek ao cargo de vereadorNegrinho/SC nas Eleições 2016.

É como voto

REspe n° 145-94.201 6.6.24.0074/SC

VOTO (ratificação - vencido)

A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO (relatora): Senhor

Presidente, quero apenas trazer alguns argumentos e exercer o contraditório

diante do sempre bem fundamentado voto do eminente Ministro Herman

Benjam in.

O que me chama bastante a atenção neste caso é que há

precedente julgado pelo colegiado nas eleições de 2014, da relatoria do

Ministro João Otávio de Noronha, sinalizando justamente na linha da proposta

que apresento. Ou seja, aqueles candidatos que buscaram se candidatar nas

eleições de 2016 tinham um sinal desta Justiça Especializada no sentido de

que condenação por esse crime não ensejaria inelegibilidade. Portanto, é o

princípio da segurança jurídica que deve nortear todos nós.

No mais, a grande controvérsia é saber se o crime contra a

propriedade imaterial é ou não crime contra o patrimônio privado para fins de

inelegibilidade, como preceitua a alínea e.

Pois bem, a alínea e, que trata da inelegibilidade por

condenações criminais, traz uma subdivisão de dez hipóteses que dão ensejo

a referida inelegibilidade.

Eu entendo que quando a lei dispõe, expressamente, que

estará inelegível aquele condenado pela prática de crime contra o patrimônio

privado, nós devemos nos socorrer da legislação especializada, que, no caso,

é o Código Penal, para averiguar quais são as hipóteses de crime contra o

patrimônio.

O Código Penal, na Parte Especial, a partir das hipóteses dos

crimes taxativamente previstos, assim dispõe: Título 1 - Dos crimes contra a

pessoa; Título II - Dos crimes contra o patrimônio; Título III - Dos crimes

contra a propriedade imaterial.

Portanto, como esse tipo legal está previsto no título que trata

dos crimes contra a propriedade imaterial e não no título que o antecede, que

elenca as hipóteses de crimes contra o patrimônio, eu entendo que não nos

REspe n° i 45-94.20 1 6.6.24.0074/SC 29

cabe realizarmos esse esforço interpretativo para trazer, ou na verdade criar,

uma nova hipótese de inelegibilidade.

Entendo que essa norma, por ser restritiva de direito, merece

interpretação estrita, de modo a não permitir a ampliação da vedação ao

exercicio do jus honorum, a depender da exegese que fazemos.

Portanto, reafirmo o meu voto, no sentido de manter a decisão

do Tribunal Regional Eleitoral, que deferiu o registro do candidato eleito.

VOTO (vencido)

O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI: Senhor Presidente,

pude aferir que a jurisprudência da Casa, nas duas vezes em que houve

modificação, foi por quatro votos a três.

Por entender que, topograficamente, não se encontra essa

figura nos crimes contra o patrimônio, acompanho o voto da eminente relatora.

VOTO

O SENHOR MINISTRO HENRIQUE NEVES DA SILVA:

Senhor Presidente, quando esse feito foi julgado em 2014, cheguei a

acompanhar a linha formada pela maioria de quatro votos com o Ministro João

Otávio. Confesso que o acompanhei, mas eu não estava cem por cento

convencido, e o voto do Ministro Herman Benjamin me fez repensar a questão.

O que gera a inelegibilidade, de acordo com a alínea e, são as

condenações por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o

transcurso do prazo de oito anos do cumprimento da pena pelos crimes contra

o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e o previsto

na lei que regula a falência.

REspe n° 145-94.20 1 6.6.24.00741SC 30

Em relação ao crime previsto na lei que regula a falência há

menção do local exato. Mas sobre crimes contra o mercado de capitais e

crimes contra o sistema financeiro existem diversas disposições legais, várias

leis esparsas, extravagantes, estabelecendo crimes.

De acordo com a Lei n° 9.610/1998, que trata de direitos

autorais:

E ... ] Art. 30 Os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis.

E ... ]

Art. 22. Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.

Da mesma forma, consta no Código Civil:

Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais:

E...]

III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.

E ... ]

A questão da segurança jurídica parece-me que não se aplica

ao caso. Como bem demonstrado pelo Ministro Herman Benjamin, a

jurisprudência é vacilante. A segurança jurídica impõe, para que possa ser

alegada, a existência de jurisprudência pacífica e reiterada sobre determinado

tema. Por outro lado, Sua Excelência propõe a aplicação de um critério de

análise sistemática e teleológica.

Cito como exemplo o Recurso Extraordinário n° 446.999, da

Ministra Elien Gracie, e o Recurso Extraordinário n° 158.564, do Ministro Celso

de Meio, em que a Suprema Corte, ao interpretar as inelegibilidades

constitucionais, entendeu que se deveria dar a interpretação teleológica das

respectivas inelegibilidades.

Então, pelos fundamentos postos pelo eminente Ministro

Herman Benjamin e sem desconsiderar os fundamentos do voto da Ministra

Luciana Lóssio, acompanho a divergência, por entender que, nessa hipótese,

REspe no 145-94.2016.6.24.00741SC 31

pouco importando onde esteja localizado, o tipo penal visa proteger o

patrimônio privado e, dentro do patrimônio privado, está o direito autoral.

Como disse o Ministro Herman Benjamin, nos casos dos

artistas, eles só adquirem o patrimônio material, porque eles têm o patrimônio

autoral. A riqueza de quase todos os artistas vem do direito autoral.

Por essas razões, revendo meu ponto de vista de 2014 para

reafirmar a jurisprudência de 2012 - sobre a qual lembrei o Tribunal naquela

época -, acompanho a divergência, louvando o voto da eminente relatora.

VOTO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER: Senhor Presidente,

cumprimento a eminente relatora pelo voto, mas, desde a assentada em que

ela o proferiu, firmei convicção no sentido diverso.

Entendo também que o que interessa para a solução jurídica

do problema, já que os fatos são incontroversos, é o bem jurídico tutelado pela

norma, independentemente da sua topografia.

No caso, até porque normas heterotópicas são extremamente

normais no nosso ordenamento jurídico, e o que interessa, como disse, é o

bem jurídico tutelado.

No caso, direito autoral se enquadra exatamente como crime

contra o patrimônio privado.

Por isso, renovando meu pedido de vênia, acompanho a

divergência aberta pelo Ministro Herman Benjamin.

REspe no 145-94.201 6.6.24.00741SC 32

VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Senhor Presidente,

saúdo a eminente relatora e a divergência que também se instalou.

Nós temos um fato e duas interpretações igualmente possíveis

e razoáveis. O fato é a condenação transitada em julgado pelo delito de

violação do direito autoral.

A interpretação que a eminente relatora dá, como não poderia

deixar de ser com razoabilidade sistemática, é no sentido de compreender a

expressão dos crimes contra o patrimônio privado tal como vem este elenco no

lócus da codificação penal. Portanto, o que lá não está o intérprete não pode

ali encartar.

O que se depreende da afirmação do eminente Ministro

Herman Benjamin - e o eminente Ministro Henrique Neves da Silva e a

eminente Ministra Rosa Weber o acompanharam - é que a expressão "contra

patrimônio privado", que está no art. 10 da Lei de Inelegibilidade, não se

reporta exctusivamente ao lócus da codificação penal.

E o conceito de patrimônio é, a rigor, uma universalidade, que

chama para si tanto os bens materiais quanto os bens imateriais.

Já o sempre citado Ministro Carlos Maximiliano dizia que "onde

legislador não distinguiu o intérprete obviamente não o faça."

Nessa medida, aqui há uma expressão indistinta do conceito

de patrimônio, e não apenas a circunscrição, a materialidade do objeto dessa

titularidade, o que significa, portanto, que os direitos intelectuais, vale dizer o

direito autoral, na sua dimensão patrimonial - sendo que há obviamente uma

dimensão moral personalíssima - integra esse acervo de titularidade de

determinado sujeito, por conseguinte, uma dada pessoa.

Logo, olhando esse dispositivo sob uma interpretação que

também me parece razoável e sustentável, quer do ponto de vista tópico, quer

do ponto de vista sistemático, fazendo um pequeno "casamento" hermenêutico

REspe n° i 45-94.20 1 6.6.24.00741SC 33

entre Viehweg e Canaris, é possível, portanto, dizer que a compreensão dessa

expressão sustenta o voto da divergência.

Peço vênia à Ministra Luciana Lóssio, porque também entendo

que, neste caso, das duas interprestações razoáveis, a solução correta para a

hipótese é compreender que a expressão patrimônio privado não se

circunscreve à codificação penal e abrange também os bens imateriais.

Acompanho a divergência, Senhor Presidente.

VOTO (vencido)

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (presidente):

Senhores Ministros, peço vênia ao Ministro Herman Benjamin e aos que o

acompanharam - maioria já formada - para acompanhar a Ministra Luciana

Lóssio, por mais de um motivo.

Inicialmente, porque o último precedente que a Corte havia

firmado é exatamente nesse sentido, e, tal como disse o Ministro Edson

Fachin, com bons propósitos, com boas razões.

É claro que se louvam os precedentes do Tribunal, até mesmo

para fazer o registro. Há, sim, um quid de segurança jurídica, com as vênias do

Ministro Henrique Neves da Silva. Quer dizer, em que o indivíduo se vai fiar

para tomar a decisão de registrar ou não a candidatura? A partir de referências

existentes na própria jurisprudência.

E, se é o caso de fazer mudança, que fizéssemos com

repercussão para o próximo pleito, mas não para essas eleições, uma vez que

precedentes podem ter sido utilizados e seguiram aquela jurisprudência já

referida, de relatoria do Ministro João Otávio de Noronha.

No presente caso, há uma grande responsabilidade, a meu

ver, do Tribunal em produzir erronias ou jurisprudência um tanto errática em

relação a isso.

REspe n° i 45-94.20 1 6.6.24.00741SC

34

Claro que até o legislador deveria ser mais cauteloso no que

diz respeito a esse tipo de formulação - para não dar ensejo a esse tipo

configuração. Uma matéria tão sensível que é, de fato, ius honorum, a ideia da

elegibilidade, que se tem de interpretar restritivamente.

Então, a mim me preocupa exatamente o ar um tanto lotérico

que acabamos por emprestar a um tema tão relevante como o da elegibilidade

ou da inelegibilidade.

Fico vencido ao lado da Ministra Luciana Lóssio e do Ministro

Jorge Mussi, mas chamo a atenção para essa responsabilidade, quer dizer, se

de fato engendramos uma jurisprudência que sinaliza para o futuro - e o

próprio Supremo, por exemplo, em relação ao caso do prefeito itinerante, levou

em conta a jurisprudência que se tinha firmado, sinalizando mudança para o

futuro, mas manteve naquele caso a decisão, que era pacífica no âmbito do

Tribunal Superior Eleitoral.

Portanto, voto nesse sentido.

REspe no 145-94.201 6.6.24.00741SC

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EXTRATO DA ATA

REspe n° 145-94.201 6.6.24.00741SC. Relatora originária:

Ministra Luciana Lóssio. Redator para o acórdão: Ministro Herman Benjamin.

Recorrente: Ministério Público Eleitoral. Recorrido: Eloir Meireiles Laurek

(Advogado: Luiz Alberto Tremi - OAB: 465141SC).

Decisão: O Tribunal, por maioria, deu provimento ao recurso

especial eleitoral para indeferir o registro de candidatura, nos termos do voto

do Ministro Herman Benjamin, que redigirá o acórdão. Vencida a Ministra

Luciana Lóssio e os Ministros Jorge Mussi e Gilmar Mendes.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes as Ministras

Rosa Weber e Luciana Lóssio, os Ministros Edson Fachin, Herman Benjamin,

Jorge Mussi e Henrique Neves da Silva, e o Vice-Procurador-Geral Eleitoral,

Nicolao Dino.

SESSÃO DE 5.4.2017.*

Sem revisão das notas de julgamento dos Ministros Luiz Fux e Herman Benjamin.