Thomas Davatz Memorias de Um Colono No Brasil 1850

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BIBLIOTECA HISTRICA BRASILEIRADireo de Rubens Borba de Moraes

VThomas Davatz

Memrias de um Colono no Brasil(1850)

LIVRARIA MARTINSSO PAULO

MEMORIAS DE UMCOLONO NO BRASIL

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o

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BIBLIOTECA HISTRICA BRASILEIRADireo de Rubens Borba de Moraes

VThomas Davatz

MEMORIAS DE UM COLONO NO BRASIL(1850)TRADUO, PREFCIO E NOTASde

SRGIO BUARQUE DE

HOLANDA

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I

LIVRARIA MARTINSS.

PAULO

Deste livro foram tirados 150 exemplares deluxo,

numerados de

1

a 150.

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5

4-1.1.%

14-

histria

por fazer.e

da imigrao em So Pavio est toda ela O que se tem escrito at agora no passa

de narrao.cia

No se estudou ainda o aspecto social econmico do acontecimento de maior importnnahistria paulista.

No

foi feito ainda

um

em S. Paulo encorrando os mltiplos aspectos da influncia dos imigrantes sobre o meio e vice versa, as consequncias econmicas da importao em massa' de estrangeiros, as condies de trabalho rms fazendas, enfim uma verdadeira histria social como necessrio que seja feita para no se tomar uma narrativa digna somenteverdadeiro estudo da imigraode cinema.

Noimigrao

foi

tambm

feito, at agora,

um

estudo comparativo entre a

em So Paulo

e

nos Estados do extremo Sul.

nos, isto

Rio Grande, Santa Catarina e Paran receberam verdadeiros colo, imigrantes que entravam imediatamente na posse da terra e passavam a viver como pequenos proprietrios rurais. Gozavam de favores especiais, viviam sob um regime de ncleo colonial e nada tinham que ver com os latifundirios brasileiros.

ferente.

So Paulo a imigrao processou-se de maneira inteiramente diFoi a represso ao trfico e o consequente encarecimento do escravo que estimularam a imigrao. No houve colonizao mas importao de braos. No se procurou, no princpio, colonizar, mas substituir o brao escravo pelo imigrante. Mais tarde, depois do 13 de maio, quando j estava enraizada a cultura do caf em grandes fazendas, no se cuidou de colonizar mas de "fornecer braos lavoura". Essa a frase que se l nos jornais do tempo, o que pedem os deputados na Assembleia Estadual.

Em

Os resultados dessassolo,

politicas opostas nos

Estados do Sul so bem

diferentes: no extremo sul existem pequenos proprietrios fixados ao

em So Pavio um proletarido rural ambulante, mudando continuamente de patro. Os tmidos ensaios do governo paulista fundando

2

THOMAS DAVATZ

alguns ncleos coloniais hem provam como essa poltica era mal vista pelos fazendeiros que detinham o poder poltico e qu^ no viam com bons olhos esses desvios de braos da lavoira. Se um ou outro presidente ou secretrio enxergou o mal e procurou remedi-lo, o que lhe seguia logo abandonava a iniciativa para no desgostar o eleitorado. A interveno

matria de colonizao em So Paulo foi sempre tmida. Ldmitoto-se a subvencionar a imigrao, pagar tanto por cabea s empresas que se encarregavam do trfico. Quando o negcio de importao sem controle provocou a reao dos pases fornecedores, o governo paulista, tomou medidas mais ou menos moralizadoras como a Hospedariaoficial

em

de Imigrantes e o Patronato Agrcola. Mas nada fz no sentido de organizar uma verdadeira colonizaro. Nada fz no sentido de estabelecer condies de trabalho visando um futuro melhor para o Estado. Essascondies de trabalho nas fazendas paulistas variaram muito como fcil de compreender. Elas tm uma importncia enorme para o estudo dahistria social e econmica de S. Paulo.

O

particular foi o de parceria.

sistema que vigorou nas fazendas paulistas no incio da imigrao Consistia em pagar o trabalho do colonocolheita.

com uma porcentagem sobre aprimeiras colnias dosubstitudo pelo detivo

Embora

fosse muito usado nas

para o

tipo das fundadas pelo senador Vergueiro foi pagamento de salrio prefixado, muito mais eqxlitacolono que ficava mais garantido contra os oscilaes de preoriscos.

sistema de parceria teve uma influncia enorme sobre as condies subseqiientes do trabalho nas fazendas. Serviu de experincia, de mtodo provisrio at fazendeiro e colono encontrarem uma frmula de contrato que satisfizessem ambas as partes. Esse pe-

do caf e outros

O

rodo de ensaio no passou

sem

agitaes sociais.

No nos cabe fazendas, mas pr

aqui fazer o estudo dessas condies de trabalho nas ao alcance dos estudiosos documentos que julgamos

Sobre estudo. de valor para que outros, mais autorizados, faam esse cheio de ensinamentos que o que o assunto no conhecemos livro mais em Chur ora publicamos. Foi escrito por Thomas Davatz e impresso contratado em 1858. Davatz era suio e veiu para So Paulo como colono homem para trabalhar na fazenda de Ibicaba, do senador Vergueiro. Erade

sua terra natal. Chegando em regime de uvfia Ibicaba, vindo da Sua liberal no pde se adaptar ao escravos. Tinha vindo em fazenda paulista, onde ainda trabalhavam adquirir um pebusca de uma vida melhor, disposto a economizar para numa fazenda dao de terra. Viu que se continuasse por mais tempo

uma

certa instruo, mestre escola

em

MEMORIAS DEnunca passaria de proletriolevaram, os ltimos revolta.

UM

COLONO NO BRASIL

3

rural.

Certas incompreenses surgidas defoi

pontos de vista totalmente diferentes entre Vergueiro e os colonos suos

Davatz

um

dos "leaders" dessa revolta.

Dominado o levante pela polcia, Davatz obteve licena para voltar Sua. A publicou o livro, que ora editamos, narrando a revolta e contando as condies de vida na fazenda Ibicaba.

No

portanto

um

livro imparcial;

o

libelo acusatrio

de

um

colono contra patro.

Mas

talvez por isso seja to interessante.

Na

vasta bibliografia sabre imigrao

em So

Paulo existem obras

redigidas por presidentes de provncia, por deputados, por fazendeiros,

por diretores de companhias de imigrao. Existem relatrios feitos por cnsules contaminados pelo terrvel "morbus consularis", relaes de viajantes mais ou menos imparciais, mas nenhum documento escrito pela parte mais interessada: o colono. O livro de Davatz o nico, e da o seu valor documental. No somente a narrao dramtica da revolta desses pobres colonos contra um fazendeiro poderoso e respeitado quenos interessa como documento humano, mas sobretudo, o estudo das condies de trabalho na fazenda como documento de histria econmicorsocial.

Davatz , a-pesar-de seu valor, quxise desconhecido dos estudiosos. Foi Joo Fernando de Almeida Prado (Yan), quem no-lo revelou h uns quinze anos, qcando adquiriu o nico exemplar que conhecemos no Brasil e teve agora a generosidade de permitir que dele nos utilizssemos para esta edio. Mrio de Andrade sobre ele escreveu, no "Dirio Nacional" dois artigos revelando o seu carter profundamente humano. Afonso d'E. Taunay a ele se referiu tambm. Mas nunca foi reeditado, traduzido, ou comentado. Pedimos a Srgio Buarque de Holanda que o traduzisse, prefaciasse e anotasse e, le, com verdadeira concincia de historiador, descobriu os documentos inditos que publicamos em apndice e que so do mais alto interesse para o histrico da famosa revolta dos colonos de Ibicaba.livro de,

O

Fazemos votos para que a publicao dosequncian/L

livro de

veitar queles que se dedicam ao estudo do acontecimento dehistria do Brasil: a imigrao

Davatz possa apromaior conPaulo.

em So

R. B. de M.

PREFCIO DO TRADUTOR

IMPORTAO de braos livres para a lavoura paulista nunca se processou em escala aprecivel at melados do sculo passado. a instalaoTentativas isoladas como

em

1815 de imigrantes aoritas na

Casa Branca, margem do velho caminho dos

dirigida, semelhante

Guaiazes, ou o estabelecimento de famlias alems

1.200 colonos, pelo menos

em

diferentes

pontos da Provncia, durante o decnio de 18271837, atestam que as administraes de S. Paulo no tinham descurado de adotar, sempre que houve oportunidade, uma poltica de colonizao

que um sculo antes j se inaugurara no Rio Grande de So Pedro. E justo assinalar tambm, que nem sempre essas autoridades agiram com precipitao e pouco zelo no aproveitamento dos colonos. No caso dos ilhus, por exemplo, houve mesmo o cuidado de instal-los provisoriamente em Jundia e Campinas, afim .de que se afeioassem s condies do pas antes de serem enviados s terras que lhes tinham sido expressamente reservadas.

A verdade, porm, que essas tentativas, partidas dos governos, no tiveram o xito que delas se poderia esperar. Em muitos casos o mal vinha das prprias administraes, que desenganadas pelos primeiros obstculos no chegavam a satisfazer compromissos assumidos com os trabalhadores. s vezes decorria tambm de uma falsa compreenso das necessidades da terra, de uma apresentao defeituosa dos problemas que ela impunha. A ideia de que se deveria oferecer aos colonos, procedentes em sua maioria de regies super-povoadas, formas de existncia semelhantes s que prevaleciam em seus meios de origem, estava longe de se

6

THOMASDAVATZCogitava-se

ajustar s condies reais do pas.

em

fazer aproveitar nossa

economia rural das vantagens tcnicas de que desfrutava a agricultura das naes mais adiantadas. Mas que poderiam eles trazer a zonas ainda mal preparadas para receber tais vantagens? Aos camponeses europeus, acostumados a arar suas terras fazia-se crer, com fundamento, sem dMas isso vida, que nossa agricultura era uma agricultura de enxada. permitia a interpretao fcil de que se tratava quase de uma horticultura em ponto grande. Assim cuidariam os colonos aoritas, que no diz Saint-Hilaire, chegaram a tomar p em Casa Branca, assustados vista das enormes rvores que tinham de derrubar. Dos alemes estabelecidos no serto de Santo Amaro falam desalentados os relatrios oficiais do tempo, queixando-se de que preferiam fixar-se nas povoaes embora prpria custa e a-pesar-das despesas feitas pelo governo para acomod-los lavoura. A agricultura de tipo europeu era sobretudo impraticvel nos lugares incultos e remotos, para onde, mngua de outros, se encaminhariam cada vez mais os imigrantes, na iluso de que a uberdade do solo compensava as contrariedades da distncia. Mas a prpria riqueza das terras foi frequentemente um obstculo, mais do que um convite, aplicao de processos aperfeioados. No h talvez exagero em declarar que os mtodos brbaros da agricultura indgena eram em alguns casos os que convinham. Como substituir as derrubadas e queimadas brutais para o estabelecimento de novas plantaes? Todos os expedientes familiares ao lavrador europeu visando conservar a atividade e o vigor dos solos de cultura perdiam o valor. No h exagero tambm em dizer que seriam at perniciosos nos casos em que precisamente a extrema fertilidade das terras surgia como barreira a vencer. Nas lavouras de acar no faltava, por exemplo, quem tratasse de "esterilizar" o solo por via de plantas e fogos contnuos, para que as canas no crescessem demasiado selvagens, quer dizer gordas e viosas,

ricasdizia

acar. O caf criado em terra produz bela vegetao, porm maus frutos e escassos. Burlamaqueemcaldo,

mas de pouco

frtil

Assim pensavam os fazendeiros do tempo,

e o

Senador Vergueiro, auto-

ridade acatada nestes assuntos, costumava mandar derrubar as matas, aproveitava as terras durante alguns anos para outras comodidades, e

deixava crescerem capoeiras; s ao cabo disso fazia plantar as primeiras mudas de caf (1). Era uma lavoura no somente extensiva como dissiMemorial acerca da Colonizao e Cultivo do Caf, V. Jos Vergueiro (1) Campinas, 1874. Pgs. 17 e 18. Sbr Burlamaque e suas opinies, V. Afonto de Taunay Histria do Caf. IV. 96. Rio de Janeiro, 1939.

MEMORIAS DE

UM

COLONO NO BRASIL;

7

antes minerao do que agricultura contrariava, portanto, aos padora olhos do europeu, as leis mais comezinhas da arte de plantar. A explicao, frequente que se dava ao malogro dos esforos sucessivos para a colonizao, no apenas nessa poca como ainda mais tarde, foi a circunstncia de se engajarem geralmente os colonos entre o proletariado urbano da Europa Central mais do que entre camponeses. A alegao parece realmente fundada e Tschudi, em documento onde relata suas observaes sobre os colonos em So Paulo no ano de 1858, refereesta coisa surpreendente: detais contratados

uma

lista

de 87 pretensos lavradores,

como

no Velho Mundo para os estabelecimentos de parceria, apenas treze se tinham dedicado a atividades agrcolas em suas terras de origem. Dos restantes, 42 eram operrios de fbricas, 6 sapateiros, 4 carpinteiros, 9 alfaiates, 3 soldados, 2 pedreiros, 2 ferreiros, 2 vidraceiros, 2 tanoeiros, 2 msicos ambulantes, 1 jornaleiro, 1 confeiteiro, Fatos anlogos apresenta 1 pintor, 1 serrador e 1 mestre escola. 1852 Carlos Perret-Gentil, antigo cnsul da Sua no Rio de Janeiro, em em folheto onde rene as observaes feitas durante a viagem que reaDe resto a procedncia f)rinlizou Colnia Senador Vergueiro (2). cipalmente urbana dos colonos parece ter sido um fato mais ou menos geral, no s em S. Paulo como nas demais provncias em que foi considervel a imigrao germnica. A presena de numerosos termos portugueses relacionados com a tcnica agrcola no vocabulrio de descendentes de imigrantes que ainda conservam a lngua alem no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Esprito Santo, poderia ser explicada pela ausncia de uma verdadeira tradio rural entre os mesmos. Palavras como "foice" (fosse), que tambm vamos encontrar hoje entre os teutosbrasileiros do Esprito Santo (3), ou como "roa" (rosse), que aparece entre os netos de alemes tanto no Esprito Santo como no Rio Grande (4), j tinham sido perfilhadas por alemes e suos nas colniasagrcolas paulistas.fato,

falta de tradio rural atribuu-se igualmente o que tanto impressionou recentemente um estudioso (5), dos teutosV.

in "Correio Mercantil", Carta de J. J. Tschudi" A Colnia SenaPerret-Gentil Rio de Janeiro, 25 de outubro de 1858; Carlos dor Vergueiro. Dr. Ernst Wagemann Cf. Die Deutschen Kolonisten im Brasilianis(3) chen Staate Esprito Santo, Munich-Leipzig 1915. Pg. 123.(2)

"Parceria

(4)

Dr.

Wagemann

op. cit.

129; Dr.a.

Hans

Porzelt99.

Der Deutsche Bauer

in Rio Grande do Sul, Ochsenfuii;(5)

Porzelt

M. 1937. P.

op. cit.

Pg. 18.

.

8brasileiros do

THOMASDAVATZ

sul ainda se designarem habitualmente com a palavra "colono" (Kolonist) e s muito raramente com a palavra "campons** (Bauer)

Cabe perguntar, em todo o caso, se dada a distncia enorme que separava os mtodos agrcolas europeus dos nossos, seria efetivamente indispensvel que o recrutamento de colonos se fizesse apenas entre agricultores. lcito mesmo supor que, prisioneiros de tradies e princpios inadequados s nossas condies rurais, fossem eles exatamente dos menos indicados para colonizao agrria no Brasil. A experincia dessa gente teria aplicao, talvez, nos terrenos j cansados e gastos, cuja produtividade pudesse crescer com o emprego do arado e de fertilizantes, permitindo o estabelecimento de pequenas propriedades. Mas isso no parecia importante aos homens do tempo, preocupados que andavam com o problema realmente angustioso da penria de braos para a grande lavoura. Dada a prpria origem da maioria dos imigrantes europeus, era de esperar que instalados em terras velhas, nas ^izinhanas das cidades, eles se vissem, cedo ou tarde, atrados para os centros mais populosos. Foi o que sucedeu todas as vezes em que se utilizou recurso semelhante. S muito mais tarde, quando estvamos s vsperas de receber as primeiras levas de imigrantes procedentes de uma terra de latifndios, da Itlia meridional, que voltou a surgir oalvitre de se dirigirem os colonos

para "os terrenos baratos e j trabanos distritos de Prto-Feliz, Santa Brbara, Sorocaba, etc.". Mas ainda assim em carter provisrio, durante dois ou trs anos, quando muito, at o colono ficar conhecendo que as terras novas so superiores (6). A soluo proposta vinha a ser, por conseguinte, uma simples sugesto de emergncia, semelhante a tantas outras que no cessaram de aparecer com o fito de entrosar os imigrantes europeus, sobretudo os de origem germnica, em nosso pobre mecanismo econmico. preciso notar que essa origem germnica e muitas vezes protestante de tais imigrantes quase os nicos de que podamos dispor antes de se iniciar era larga escala a imiexcludos os portugueses grao de italianos, era ainda um empecilho considervel sua rpida assimilao. Todavia no convm exagerar a importncia das tradieslhados,

tnicas e culturais

em

prejuzo de certos fatores sociais e

mesmo

psico-

(6)

V.

"APg.

Colonizao na Provncia de So Paulo" por44.

caba,

Lavrador era pseudnimo de Joaquim Bonifcio do Amaral, o fundador da Colnia "Sete Quedas" e futuro Visconde de Indaiatuba.1875.

Um

Lavrador. Soro-

Um

MEMORIAS DElgicos, tratando-se dos

UM

(DOLONO

NO BRASIL

9

problemas de imigrao.

Erro idntico a esse

outro, to

comum, que

faz distinguir na influncia do escravo africano

em

nossa vida social muito mais a ao do africano do que a do escravo ou ao que v em nossos primeiros colonizadores, portugueses menos os colonizadores do que os portugueses. A verdade qye a tradio tnica no explica muita coisa se dissociada das circunstncias em que pdeagir nos movimentos migratrios.

A

primeira ideia que

um

niundo novo oferece ao emigrante fre-

qientemente a de

uma

esfera de possibilidades infinitas e onde a capaci-

dade de ao no encontra estorvo, A aptido para emigrar envolve, sem nisso tm razo os que vem as migraes como dvida, tal capacidade mas envolve tambm uma capacidade um autntico processo de seleo de idealizar em excesso a terra procurada, "terra prometida", criando imagens falsas e ilusrias. Certa dose de fantasia e credulidade, por pequena que seja, certo definhamento do senso de crtica, existiu sempre origem de todas as migraes em grande escala. Durante a grande onda de emigrao polonesa para o sul do Brasil nos anos que precederam guerra de 1914-1918, surgiu em certos distritos da Polnia, lenda de. que nosso Estado do Paran acabara de ser descoberto, dissipando-se o denso nevoeiro que durante sculos o envolvera. Foi a Virgem Maria quem, compadecida da sorte dos camponeses da Polnia, lhes apontara a nova terra, dizendo que fossem povo-la. Outra verso da mesma lenda dizia que todos os reis e imperadores da terra fizeram uma assembleia para deliberar a quem caberia a regio recm-descoberta. Trs vezes apostaram e trs vezes saiu vencedor o Papa. Instigado ento pela Virgem, o Pontfice entregou o Paran aos poloneses (7). A quem percorra a obra hoje clssica de Thomas e Znaniecki sobre o campnio polons na Europa e na Amrica e compare as passagens

referentes emigrao para o Brasil

com a parte das memrias de Thomas

Davatz onde o antigo colono de Vergueii-o trata da psicologia dos emigrantes, no escaparo coincidncias numerosas e importantes. Algumascartas de trabalhadores poloneses, traduzindo primeiro

uma

confiana

ilimitada nos recursos do pas novo, onde se estabeleceram, na prosperi-

dade que espera os colonos, e depois uma desiluso crescente em face das contrariedades que traz, ao cabo, a emigrao transocenica, so particularmente sugestivas. Nos dois exemplos a emigrao aparece

(7)

William

1.

rope and America, 2.^ ed.

Thomas e Florian Znaniecki Nova York, 1927. I 197

n.

The Polish Peasant

in

Eu-

10

THOMASDAVATZ

estimulada em grande parte, mas no exclusivamente, pela expectativa de melhores condies econmicas. Se o trao que domina o indivduo o desejo de vantagens econmicas vantagens essas que um pas estran-

geiro poder talvez oferecer mais facilmente do que sua terra de origeminfluncias contrrias.

ento le emigrar, a menos que aquele desejo seja corrigido por Mas, por outro lado, se seu trao dominante oe do remoto, nesse caso jamais deixar seu pas, sua

medo do desconhecido

cartas de parentes, de comunidade, salvo se influncias estranhas amigos; campanhas de interessados no movimento migratrio, etc. se juntarem influncia econmica. Em ambas as situaes o emigrante tende a exagerar as possibilidades que oferece o meio novo.

S.

No caso dos imigrantes alemes e suos que se instalaram em Paulo durante o sculo passado, entre 1827 e I860 aproximadamente,

o desajustamento normal com as condies que o ambiente oferecia complicava-se com a atitude religiosa predominante em muitos dos colonos.

na maioria dos casos, provinham de terras luteranas e calvinistas e chegavam-nos quando a liberdade de culto sofria No admira, assim que os camentre ns toda espcie de restries. pees da imigrao germnica (alem e sua alem) fossem tambmEstes,

em grande

parte, talvez

partidrios ardentes

de

maior liberdade

religiosa.

fato

verificado

ainda hoje nos ncleos coloniais do sul do lico adapta-se muito mais facilmente ao meio luso-brasileiro do que o protestante, sobretudo nas cidades e nas colnias mistas, ao ponto de partidrios ardentes da Alemanha Maior chegarem a estigmatizar ainfluncia catlica nessas regies

Brasil, que o imigrante cat-

como

um

fator pondervel de desger-

manizao (8).

homens do norte

Outros motivos que dificultavam sem dvida a adaptao desses e do centro da Europa s condies da terra eram a repugnncia explicvel ao sistema de alimentao do pas e sobretudo a certas formas de vida, a certos hbitos e costumes, que constituem,

afinal, o fruto de

um lento mas seguro processo de aclimao. O resultado robustos e capazes vinham a ser presa fcil de nossas velhas que homens doenas e achaques. A ausncia de asseio corporal entre esses adventcios

no

est,

com

certeza, entre os

resistncia s mazelas do pas.

Embora no

menores motivos da sua falta de se refira colonizao em

(8)

V. Dr. Karlheinrieh Oberacker

Die Weltpolitische Lagre des Deuta-

cfatums in Rio Grande do Sul. Jena, 1936, Pg. 58.

MEMRIAS DES. Paulo,

UM

COLONO NO BRASIL

11

bem

expressivo a esse respeito o depoimento de Tefilo Bene-

dito Ottoni sobre os colonos do

Mucur

diz produzido tal "As imundcies da habitao deses. praga de bichos que ningum podia passar impunemente em torno das duas casas que serviam de depsito provisrio dos ^colonos. O pouco asseio do corpo atraa os daninhos insetos. Debalde se dizia aos colonos que aquela doena se extirpava com a tesourinha ou alfinete, e que o grande preservativo era recorrer diariamente ao rioe trazer o corpo limpo de imundcies. Mas eles queriam curar-se do mal dos bichos com unguentos e cataplasmas, e no foi possvel convencer a um grande nmero que o hbito brasileiro de lavar ao menos os ps todas as noites uma necessidade do homem do povo, e no como pensa o proletrio europeu uma fantasia ou regalo de aristocratas e sibaritas. Os Chins como no tm horror gua nunca sofreram de bichos de Mucur. Um s no vi ainda manquejar por tal motivo. Foram h trs anos para o Mucur 89 de que s tm morrido dois" (9). No h razo para crer que as condies dos colonos em S. Paulo fossem muito mais animadoE sabemos que estragos pode causar nos desprevenidos o mal de ras.

alemes, tinham

suos, belgas, holan-

que morreu o padre Estanislau de Campos.

II

agrria tentados

Pesadas as causas de malogro dos diversos esforos de colonizao em S. Paulo durante a maior parte do sculo passado,vista

nenhuma parecer primeira

trabalho a que ficavam sujeitos os adventcios.

mais grave do que as condies de interessante acompa-

nharem-se os tateios e hesitaes com que durante longos anos se cuidou de resolver aqui o problema da substituio dos negros por trabalhadores livres. Ao passo que em outras provncias a colonizao se deveu em primeiro lugar iniciativa oficial, em S. Paulo ela partiu sobretudo departiculares.

(9)

Tefilo Benedito

Ottoni

A

Colonizao do Mucur

Memria

justi-

ficativa,

em que

se explica o estado atual dos

colonos estabelecidos no Mucur, e

as causas dos recentes acontecimentos naquela colnia. Pg. 34

Rio de Janeiro,

1859.

12

THOMASDAVATZAstentativas efetuadas nesse sentido coincidiam

com a extino do

trfico de africanos e a expanso do cultivo do caf para as terras de

Se os esforos oficiais tendiam desde o incio criao de ncleos de pequenos proprietrios, segregando os colonos da comunidade nacional, no faltaram, certo, governos que cedessem presso dos fazendeiros empenhados, antes de mais nada, em obter braos numerosos para a grande lavoura. Os dois pontos de vista divergentes o que apoiava a criao de ncleos de pequenos proprietrios e o que pleiteava to somente a substituio do brao escravo eram defendidos e combatidos com veemncia, s vezes com azedume, conforme os favores do governo central se inclinassem para um ou para o outro lado. Mais justo evidentemente seria considerar os interesses prprios de cada provncia, de cada regio, em vez de tentar adotar um critrio centralizador, uniforme e inflexvel, capaz de convir indiferentemente a todo o pas. A essa necessidade mostravam-se cegos, porm,Oeste,

na direo de Campinas.

nossos homens de Estado, hipnotizados como sempre pela superstiounitarista e refratrios a quaisquer critrios mais dceis s exignciasregionais.

Em uma

sesso da

Cmara em que reclamava amparo

imigrao de trabalhadores livres para a lavoura, quando o governo acabava de conceder o emprstimo de 300:000$ companhia Mucur, sem juros e pelo perodo de cinco anos, e outro de 150:000$ com iguais vantagens e condies ao Dr. Frana Leite para a colonizao das margens do Rio Doce, insistindo assim na velha praxe de "povoar desertos", o deputado Gavio Peixoto enfrentou a rancorosa oposio dos que defendiam a criao de ncleos coloniais como sendo a nica poltica imigratria aconselhvel para o imprio. Houve quem combatesse o sistema ainda ento adotado pelos fazendeiros paulistas, o das colnias de parceria, alegando simplesmente que tal sistema "no convinha ao Rio

Grande" (10).Pela mesma poca levantava-se no Senado a voz prestigiosa do velho Vergueiro afim de censurar as numerosas doaes de terra a imigrantes, pois no justo dizia le que se conceda a estrangeiros aquilo que se nega a nacionais. A prodigalidade extrema na concesso de sesmarias para a fundao de colnias, povoando matas incultas, no atendia em sua opinio necessidade mais premente do Imprio, a necessidade de braos para o desenvolvimento dos germes de sua riqueza agrcola.

Cmara dos Deputados (10) Sesso de 26 de agosto de 1857. Jornal do Comrcio, Rio de Janeiro, de 7 de setembro de 1857.

MEMRIAS DE

UM

COLONO NO BRASIL

13

A

parceria, conforme sustentavam Vergueiro e Gavio Peixoto,

no estabelecia para os colonos uma situao sogro de Jos Vergueiro preparava-os para a condio de proprietrios ou definitiva e ideal, masconcepo importava antes de tudo atender a solisem perder de vista a convenincia de se os colonos s condies particulares da produo rural no adaptarem Foi esse o problema que se props o Senador Vergueiro com o pas. plano das colnias de parceria, destinadas a constituir legtimos "viveiros ou escolas normais agrcolas" para os imigrantes. Plano grandioso,foreiros.

Segundo

tal

citaes da grande lavoura

"

sem dvida, mas contra o qual se erguiam fortes barreiras, nascidas do prprio rumo que ia tomando nossa economia agrcola, particularmenteseu meritrio af de colonizar a provncia na provncia de S. Paulo. e atender s necesidades da lavoura. Vergueiro continuava, no obstante, a acatar a criao de uma classe numerosa de pequenos proprietrios no que estavam todos de acordo como ideal altamente aprecivel

Em

mas cuja realizao poderia e deveria ser adiada. Seu plano queria atender aos interesses dos fazendeiros, no excluindo a considerao das vantagens que porventura trouxesse ao pas a formao de ncleoscoloniais isolados e independentes dos grandes domnios agrcolas. Visava compor duas teses inimigas, favorecendo uma transio por longo tempo invivel, ao menos em S. Paulo. o Oeste de 1840, no o Foi sobretudo no Oeste dessa provncia que o latifndio cafeeiro veiu a tomar carter prprio, emande 1940 cipando-se das formas de explorao agrcola esteriotipadas desde a era Mesmo na provncia colonial no modelo clssico do engenho de acar. do Rio e em geral no vale do Paraba, essa emancipao foi quase sempre deficiente e encontrou vivas resistncias, s se impondo quando a lavoura cafeira j tinha perdido ali sua pujana antiga. A fazenda de caf fluminense contentara-se em copiar, nos tempos ureos, o tipo tradicional dos engenhos de cana, que tiveram suas terras de vocao principalmente no nordeste do Brasil. Formava uma unidade fechada, suficiente, quase autrquica. Houve fazendeiros que se vangloriavam de s ter de comprar ferro, sal, plvora e chumbo, pois o mais davam de sobra suas terras. A estrutura dessas propriedades fundava-se to profundamente na existncia do brao escravo, que mal se podia conceber nelas o emprego proveitoso de trabalhadores europeus. em S. Paulo e ante os novos horizontes econmicos abertos com a expanso do caf, que se forma uma nova raa de senhores rurais e se completa rapidamente o processo apenas comeado nas regies aucareiras com o desenvolvimento

14dos centros urbanos.

THOMASDAVATZO domnio agrcola deixa de ser uma baronia e em um centro de explorao industrial. A figura

transforma-se quasetpica do senhor de

engenho perde os traos mais caractersticos, desada rotina rural. A terra para constituir simplesmente cultivada deixa de ser seu pequeno mundo seu meio de vida, sua fonte de rendas. A fazenda resiste com menos energia influncia urbana e muitos lavradores passam a residir permanentemente nas cidades. Decai rapidamente a indstria caseira e desaparecem em grande parte as plantaes de mantimentos que garantiam outrora certa autonomia propriedade agrcola. talvez por esse lado que se poder falar no cafeeiro como "planta democrtica". Handelmann, que inventou a expresso, no atinara entretanto com os motivos reais da transformao j em vias de realizar-se ao seu tempo, e atribuu-a perspectiva de um parcelamento das propriedades, perspectiva que no se verificou, pois a economia do latifndio continuou a prevalecer para o caf pelo menos at a crise de 1929.pega-se mais da terra e da tradio

Eem

se tudo isso se processou

em

S.

Paulo mais acentuadamente do que

outras provncias, no foi por circunstncias apenas fortuitas e

apenas porque o caf encontrasse aqui terras mais propcias. primeiro lugar pela carncia nessa provncia de uma tradio agrcolarealmente grandee prspera,

nem Foi em

com quadros

definitivos querepyele.

no deixassempelo apa-

ver no presente o que o presente reclama e

Foi

tambm

recimento providencial de alguns homens de iniciativas e esprito prtico,

capazes de encontrar novas solues para problemas novos (e entre

esses

homens sobressai singularmente a figura admirvel de Vergueiro)Este ltimo fato parece ter tido

.

Foi enfim pela prpria natureza absorvente e exclusiva da cultura docaf.

uma

importncia capital, con-

quanto deva parecer hoje bem menos evidente do que o foi em melados do sculo passado, quando se operou a transformao que ia fazer de S. Paulo o maior centro produtor do Brasil, Assinala-o em 1858 no Senado do Imprio um antigo lavrador da zona de Jundia, em palavras que convm reproduzir tal a preciso e a clareza com que revelam nessa transformao uma das causas da crise profunda verificada em todas as

"A converso das fazendas de acar fazendas de caf dizia com efeito Jos Manuel da Fonseca tem concorrido tambm ali (em S. Paulo) para o encarecimento dos gneros alimentcios. Na casa h alguns nobres senadores que tm engenhos de acar apelo para seu testemunho. Quando o lavrador planta cana, poderegies invadidas pelos cafezais.

em

;

MEMRIAS DE

UM

CiOLONO

NO BRASIL

15

tambm plantar e planta feijo, e alguns at plantam milho em distncias maiores para no ofender a cana e tudo vem excelentemente pelo preparo da terra para a cana e a limpa aproveita a tudo isso acontecia no municpio de Campinas, cujas terras so mui frteis, quando seu cultivo era a cana, e em outros municpios que abasteciam a capital, e outros pontos de gneros alimentcios. Entretanto todo esse municpio de Campinas, e outros, esto hoje cobertos de caf, o qual no permite ao mesmo tempo a cultura dos gneros alimentcios, salvo no comeo quando novo; mas quando crescido, nele nada mais se pode plantar, e mesmo a terra fica improdutiva para os gneros alimentcios, talvez para sempre, salvo;; :

depois de

um

pouso de imensos anos" (11).

A

carestia dos gneros de alimentao torna-se.

um

leit-motiv

de

todos os relatrios dos presidentes da provncia durante os anos de cinquenta, precisamente quando S. Paulo deixava de ser exportador de

acar para se consagrar sobretudo produo do caf. A transio verificou-se quase bruscamente em 1850. At essa data o acar fora o primeiro artigo de exportao da provncia; alguns anos depois j os canaviais paulistas s podiam atender ao consumo interno e quando o

A alta nos preos dos gneros de primeira necessidade acompanhou de perto essa transio. O feijo, que na zona de Jundia e Campinas nunca fora vendido a muito mais de $800 o alqueire e que mesmopodiam.durante a revoluo liberal de 42, com a alta provocada nos preos, era oferecido a 1$000, subira em 1857 a 20$000!

Todos os braos disponveis, todas as terras acessveis eram aproveitados no cultivo de produtos exportveis, isto , de caf, em detrimenTal situao chegava a to dos gneros de primeira necessidade (12). assumir feies catastrficas em tempos de chuvas excessivas, ou deou de epidemias, prejudicando sensivelmente o equilbrio econmico da provncia. Assim, durante a epidemia de clera em 1856 reduziram-se espantosamente os braos, as fortunas e a produo, sendo ossecas,

(11)

Anais do Senado, 1858.

4.

Sesso de 26 de agosto.

Pg. 253.

Assinalando esse fato em um estudo excelente sobre as consequncias da (12) expanso da cultura do caf em So Paulo, assim se exprime o sr. Srgio Milliet: "Os lucros da lavoura cafeira levam ao abandono das outras fontes de riqueza, fome dos cereais, ao encarecimento dos gneros todos. Na zona central o prprio acar se despreza. De 558 mil arrobas em 1854, a produo desce em 86, a 218.504, em que se vai fixar desde ento..." Srgio Milliet "Roteiro do Caf

e outros ensaios",

So Paulo, 1939. Pg.

24.

16

THOMAS DAVATZ

fazendeiros obrigados a adquirir negros nas imediaes dos lugares mais

quando no os iam comprar nas provncias do povoados e no litoral norte e naturalmente a preos exorbitantes. O resultado foi que a pequena lavoura, entregue em grande parte a esses negros, desguarneceu-se por sua vez de braos, o que contribuiu para agravar aindamais a situao criada pela carncia de gneros. A crise, embora afetasse em geral todas as provncias cafeiras no podia deixar de refletir-se com mais intensidade em S. Paulo, onde a populao escrava no era especialmente numerosa.Impunha-se, assim, como nica soluo inteligente, o recurso colos primeiras particular, amparada ou no pelos governos.

nizao

tentativas realizadas nesse sentido est intimamente vinculado o noni

de Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. Foi le realmente o iniciador da importao em larga escala de trabalhadores europeus para alavoura de S. Paulo.

Desde 1840, quando ainda no chegara fase aguda a crise de braos, sua fazenda de Ibicaba recebera algumas dezenas de camponeses do Minho, os primeiros imigrantes europeus atrados por iniciativa particular para o trabalho na grande lavoura. Mas esse esforo

prematuro ficou prejudicado pela revoluo de 1842, em que Vergueiro se viu envolvido. S alguns anos mais tarde volta a realizar-se seu programa com a fundao de Vergueiro & Cia. Um plano minuciosamente elaborado preside dessa vez o empreendimento. A casa Vergueiro compromete-se a engajar colonos na Europa mediante contrato que no excluea transferncia dos mesmos a outros proprietrios, desde que estes con-

cordem em aceitar certas condies previamente estipuladas.

Os adian-

tamentos feitos para o transporte e sustento dos colonos devero ser pagos dentro de certo prazo e com juros de 6% ao ano. A cada famlia cabe o nmero de cafeeiros que possa cultivar, colher e beneficiar, alm de roas para o plantio de mantimentos. O produto da venda do caf partido entre colono e fazendeiro,

devendo prevalecer o mesmo princEntre-

pio para as sobras de mantimentos que o colono venha a vender.

tanto no que respeita a este ltimo ponto reinou muitas vezes certatolerncia,

tendo

alguns

proprietrios

desistido

espontaneamente

da

meao do produto da venda de mantimentos. Todas as dvidas surgidas entre as partes contratantes devem ser resolvidas por rbitros. De acordo com esses critrios que se funda em julho de 1847 na fazenda de Ibicaba a "Colnia Senador Vergueiro", destinada a ser uma espcie

MEMKIAS DEde estabelecimento normal para

UMum

CX)LONO

NO BRASIL

17

amplo sistema espalhado por diversos

pontos da provncia (13).

III

O empregonegros envolvia

de imigrantes europeus na grande lavoura

em

lugar de

mtodos de trabalho vigentes no pas e, mais do que isso, nas concepes predominantes em todo o territrio do Imprio acerca do trabalho livre. Um exemplo tpico de tais concepes o caso lembrado por Kidder, dos alemes contratados em 1839 para a construo de pontes e caladas em Pernambuco tantas e tais eram as zombarias a esses "escravos brancos", que eles no conseguiram levar a bom termo a obra comeada (14). compreensvel diante de tais condies, que os fazendeiros amoldados nossa economia agrria tradicional, baseada sobretudo na existncia do brao escravo largamente acessvel, nem sempre conseguissem adaptar-se a uma novaverdadeirarevoluo

uma

nos

;

situao criada com a introduo de trabalhadores livres procedentes do Velho Mundo. A aceitao pronta de tais trabalhadores no significava sempre, de parte dos grandes proprietrios rurais, a admisso igualmente pronta, ou sequer a compreenso, de todas as conseqincias que essa mudana iria acarretar no sistema de relaes entre patres e serviais. Todo o esforo dos interessados na introduo de trabalhadores europeus que preparasse a lavoura para receber sem graves perturbaes e riscos a abolio da escravido deveria exercer-se no sentido de se suavizarem

os inevitveis desajustamentos, os "cultural lags", impossveis de evitar no processo de produo.

O sistema Vergueiro,- que em certo momento chegou a ser adotado quase todos os principais fazendeiros de caf em So Paulo, tornanpor(13)

For jaz alm do1851.

Sobre o histrico da casa Vergueiro convm ler a obra do Sr. Djalma "O Senador Vergueiro Sua Vida e Sua poca", So Paulo, 1924, livro de Carlos Perret-Gentil "A Colnia Senador Vergueiro", Santos.

Para o conhecimento dos processos de colonizao adotados na provncia

durante o sculo passado interessante o Relatrio apresentado ao Ministrio da Agricultura, Comrcio e Obras Pblicas por Joo Pedro Carvalho Morais. Riode Janeiro, 1870. Depois de redigido e j composto o presente estudo tive a oportunidade de conhecer o volume oitavo, ultimamente publicado, da "Histria do caf" do Snr. Affonso d'E. Taunay, onde o assunto tratado de forma exaustiva.(14)

Daniel P. KidderII.

Sketches of Residence and Travel in Brazil. Phi-

ladelphia, 1845.

Pg. 144 sq.

18

THOMAS DAVATZ

do-se por assim dizer a forma peculiar do emprego do brao livre na grande lavoura dessa provncia, no nasceu como novidade aparatosa, capaz de triunfar de todos os obstculos que enfrentava a sua vida econmica. Surgiu sob a presso de duras necessidades e ante a perspectiva

de condies alarmantes.

Examinando em seus traos caractersticos esse engenhoso sistema no oferece, em realidade, nada de essencialmente novo. A aquisio de mo de obra europeia destinada a uma terra para onde no se esperavados governostais casos.

um amparo

substancial e persistente colonizao s seria

possvel, de resto, dentro dos

mtodos universalmente empregados em fundo esses mtodos nunca divergiam muito do "endividamento" (indenture) a que, segundo certos historiadores, deveram os Estados Unidos, durante a era colonial, quase metade dos imigrantes livres que as treze colnias receberam. Os encarregados de angariar colonos atraam os candidatos adiantando-lhes as somas destinadas

No

somas eram amortizveis mediante prestao de servios por um determinado prazo. Na Amrica do Norte o prazo mais comum eram quatro ou cinco anos. O patro obrigava-se a sustentar o trabalhador, enfermo ou no, e terminado o prazo a fornecer-lhe, na ausncia de um contrato explcito, os "donativos de alforria", que consistiam em um machado, duas enxadas, milho bastante para o sustendo durante um ano e algumas vezes um pedao de terra cultivvel.viagem e ao sustento;tais

A rigor esse processo tornou-se mais digno de censura pelos abusos a que se prestou do que pelos princpios em que descansa. Muito patro, sobretudo nas lavouras de tabaco, assegurava-se o servio permanentedos trabalhadores forando-os por meios indiretos a acumular outras dvidas e reduzindo-os assim, praticamente, condio de servos. Abandonado nos Estados Unidos, ao menos nas suas formas tradicionais, em proveito dos vrios tipos de "contract labor", o sistema logrou manter-se

ainda

em muito

pases de economia colonial e era,

com pouca

diferena,

o meio pelo qual se importavam aos milhares os coolies chineses em Cuba, no Peru, em Hawaii, precisamente ao tempo em que Vergueiro ensaiavaentre ns seu clebre sistema.

Acresce que o pauperismo reinante

eme

certas localidades europeias levava muitas autoridades da

Alemanha

da Sua a estimular a emigrao de elementos que se tornavam onerosos s administraes municipais. Vrias municipalidades prontificaram-se mesmo a colaborar com os agentes de emigrao adiantando ao emigrante as somas necessrias passagem e sustento. claro que isso podia prometer tudo aos nossos fazendeiros menos os homens ativos, morigerados

MEMRIAS DEe ordeiros de

UM

COLONO NO BEASIL

19

que tanto careciam eles. Entre os colonos enviados a S. Paulo por intermdio da casa Vergueiro figuravam, segundo o testemunho insuspeito do Dr. Heusser, no s antigos soldados, egressos das penitencirias, vagabundos de toda espcie, como aii^da octogenrios, aleijados, cegos e idiotas. Essa gente encontrava, de parte de muitas admiQuanto aos colonos mais nistraes, todas as facilidades para emigrar. lhes eram fornecidos os adiantamentos para a viagem, jovens e sadios, s quando aquiescessem em levar consigo os outros. De modo que os indivduos de boa sade se viam obrigados a sustentar os velhos e os doentes e mais a se responsabilizar pelas suas dvidas caso viessem estes a falecer. Semelhante orientao, alis, no foi apangio das autoridades suas ealems.

Onde quer que

os

movimentos emigratrios tomassem

vulto,

no

faltava entre as administraes

uma

quem procurasse utiliz-los em favor de depurao nacional. Favorecendo embarque dos elementos menos desejveis natural que essas administraes criassem obstculos sada de homens vlidos e teis. Mesmo em Portugal, onde a emigrao para o Brasil teve sempre carter mais espontneo, essa tendncia manifestou-se muitas vezes, com maior ou menor intensidade. Quando em certa ocasio o desembargador Bernardo Avelino Gavio Peixoto tratou de contratar lavradores alentejanos para suas colpoltica de verdadeira

nias de Taquaral e

Bom

Retiro, perto de Capivar, utilizando

como

inter-

medirio

um

seu irmo residente

em

Serpa, as autoridades locais portu-

guesas opuseram toda sorte de embaraos sada dos referidos colonos exatamente por serem eles bons trabalhadores e afeitos vida agrcola. O trao verdadeiramente caracterstico do sistema Vergueiro no estava entretanto nos mtodos de recrutamento dos colonos e sim no regime de parceria a que ficavam sujeitos, uma vez instalados nas terras

a serem cultivadas. A analogia entre as condies dos parceiros nesse sistema e a dos metayers do sul da Frana, foi frequentemente salientada mesmo no Brasil quando o assunto andou em foco, nos melados do sculo passado. Mas sem ir to longe, sem precisar recorrer a exemplos europeus, de resto numerosos, pode dizer-se que a situao dos agregados em muitas fazendas e especialmente nos engenhos de acar, poderia, falta

Tschudi, cujas de outros, servir de modelo para o sistema Vergueiro. observaes acerca das colnias de parceria denotam muitas vezes um meticuloso esprito de observao e uma objetividade rigorosa, soube verclaro a esse respeito (15).(15)

A

vantagem principal do regime de parceria,

Johann Jakob von Tschudi

Reisen durch Siidamerika.

III.

Leipzig.

1867. Pg. 234.

20

THOMASDAVATZ

comparado ao dos servios assalariados, est aparentemente no fato de menos em tese, uma liberdade mais ampla ao empregado e em reduzir ao mnimo os possveis conflitos de tradies, costumes egarantir, ao

convenes.

Tal como foi aplicada na lavoura paulista, a parceria representa uma espcie de conciliao entre o regime dos servios assalariados, como sepratica

em

geral nas fazendas, e o das pequenas propriedades, peculiarIsso explica a aceitao fcil que obteve entre os

aos ncleos coloniais.

colonos de estirpe germnica sempre zelosos de suas tradies, ao passo que os portugueses e os imigrantes do sul da Europa se inclinavam de

preferncia para o sistema dos salrios fixos ou para as empreitadas. Como forma de transio entre os tipos de colonizao rural suscetveisat certo ponto de atender s nossas necessidades econmicas, o regime de

parceria pretendia resolver o difcil problema da adaptao dos imigrantes do norte da Europa ao trabalho nas nossas grandes propriedades agrcolas. Problema comparvel, no fundo, ao que enfrentam ainda hojecertas autoridades coloniais europeias,

quando pretendem acomodar os

indgenas aos interesses da produo capitalista, sem provocar

com

isso

uma

crise violenta

nas formas de vida tradicionais.tais casos

no esto longe de lembrar, muitas vezes, os do sistema Vergueiro. Assim sucede, por exemplo com as experincias para o plantio de algodo no Sudo Anglo-Egpcio (regio de Gezireh), do(16).

Os recursos empregados em

amendoim no Senegal

e

O

benefcio

em

tais circunstncias recproco,,

do cacau na Costa do Ouro permitindo maior

rendimento do trabalho e contribuindo para que as populaes indgenas aperfeioem sua tcnica tradicional ao contacto dos mtodos europeus. Em S. Paulo, infelizmente, no se fizeram sentir benefcios semelhantes na aplicao do plano Vergueiro, e as causas do malogro do sistema j foram aqui sumariadas de passagem. Vimos tambm como a tcnica europeia no influiu e no poderia influir consideravelmente para a melhora dos nossos mtodos de explorao agrcola. A esfera de influncia dos colonos foi por isso menos rural do que urbana ou, se quiserem, suburbana. A tcnica dos transportes pode assinalar-se pelo menos uma contribuio significativa desses antigos colonos: o abandono na construo do carro de boi do modelo tradicional, de eixo de volta e roda macia, "que fazia uma algazarra agradvel, talvez, somente aos bois" como

(16)

iibersseischer

Richard Thumwald Koloniale Gestaltung. Ausdehnung. Hamburg, 1939. Pg. 368.

Methoden und Probleme

MEMRIAS DE TJM COLONO NO BRASILobservou

21

um

viajante suo.

Calculam-se

bem

os esforos que teriam

sido feitos para vencer nesse caso a rotina, ante a convico generalizada

entre nossos roceiros, de que carro para prestar precisa chiar.

sobretudo no desenvolvimento dado cultura hortense

pequena indstria que os colonos deixaram marca de sua passagem. E lcito supor que com isso tenham contribudo consideravelmente paramodificar entre outras coisasnizadas.a.

e

Mas foi tambm

prpria dieta alimentar nas regies colo-

Desde os tempos ureos das colnias de parceria costumavam os trabalhadores, catlicos e protestantes, ir todos os domingos pela manh s cidades de Limeira e Rio Claro, no s para os servios religiosos como para venderem os produtos de suas plantaes e de sua indstria: legumes, laticnios, mel de abelha, etc.. Antes dos fazendeiros empregaas donas de casa no tinham meios observa Tschudi rem parceiristas manteiga fresca, nem leite, nem legumes, salvo quando podiam de obter dispor de terrenos para criao e pasto. Mais tarde, e graas aos colonos, passaram a consumir diariamente de tais produtos. E o viajante perdese a propsito em extensas divagaes sobre o benefcio que a influncia germnica trouxe a certas zonas da provncia de S. Paulo. Citando um artigo lido em certo jornal da ustria, compara o papel do povo alemo ao do sal, que torna tragveis certos pratos. Como o sal permite saborear

tambm a mistura bem proporcionada de sangue germnico salutar a qualquer povo. As regies da provncia de S. Paulo para onde se encaminhou de preferncia a imigraalimentos naturalmente inspidos, assim

o alem e sua alem pareciam-lhe confirmar francamente tal conceito (17).

tes de

Essas consideraes fazem pensar em certas formas ainda incipienpangermanismo, que devem ter tido grande popularidade na poca e foram partilhadas, entre outros, por um dos mais violentos inimigos de nossas colnias de parceria, o conselheiro real prussiano Gustav Kerst.

um racismo rigoroso os adeptos de tais doutrinas acreditavam que as possibilidades de maior expanso da cultura alem estariam antes na fuso de elementos portadores dessa cultura com populaes mais atrasadas. Kerst achava mesmo que graas a semelhante fuso os imigrantes alemes acabariam impondo aos luso-brasileiros seus costumes, seus traos nacionais a at seu idioma, temperando com isso aLonge de pugnar pornatural indolncia e o atraso da gente do pas e emprestando-nos um carter prprio e independente, comparvel ao que a fuso de anglo-

(17)

J. J.

V.

Tschudi

op. cit. III

265.

22saxes, bretes e

THOMASDAVATZnormandos formou na Inglaterra.

Mas para

isso seria

preciso que os governos de nossa "monarquia feudal" tivessem o desejo

e a capacidade indispensveis para resolver o problema da imigrao livre no Brasil levantando com isso os alicerces de uma verdadeira nao. Seria preciso que abolissem as restries religiosas e polticas de que pa-

deciam os colonos, e fugissem a adotar sistemas tais como o da parceria, que tende antes a destruir do que a resguardar o carter nacional dos imigrantes. Opinio anloga de Kerst exprimira poucos anos antes o embaixador austraco na Corte de S. Petersburgo, conde de CoUoredoWaldsee, ao nosso representante diplomtico na mesma Corte, Jos Maria do Amaral, lembrando a necessidade de se preservar a raa branca no Brasil mediante a mistura em larga escala com imigrantes do norte

da Europa (18).

pensamento de alguns dos nossos progressistas do tempo. Em fins do sculo passado, a convenincia de manter a todo custo a tradio luso-brasileira ainda no se apresentava como um problema para ns. As resistncias que se erguiam s correntes de ideias e de sangue estrangeiro vinham antes da rotina do que de um apego

No

seria muito diverso o

conciente s instituies tradicionais.

Nunca

essas resistncias chega-

ram a tomar

corpo, a contaminar os espritos bem-pensantes, nunca elas

maneira dos Know nothing dos Estados Unidos, em um movimento destinado a combater tumultuosamente toda influncia estrangeira suscetvel de perturbar o crescimento harmonioso e equilibrado das instituies. Excepcionalmente houve por esse tempo em S. Paulo quem pressentisse graves perigos no constante afluxo de imigrantes europeus, que ameaavam transformar radicalmente nossa paisagem econmica e social. No era paulista, no era sequer brasileiro quem assim pensava e no o animava um zelo apenas sentimental pelo passado da terra adotiva. Irlands, catlico e fidalgo, havia em Ricardo Gumbleton Daunt, no anti-modernismo de que insistentemente se ufanava, tanto de devoo e fervor quanto de inteligncia lcida e compreensiva.se organizaram,

Detestando cordialmente o sistema representativo, a centralizao excessiva do poder, a "insensata admirao pelas instituies de outros povos e outras raas" achava, um pouco ao modo de Donoso Cortez, que os po-

(18)

S.

Gottfried KerstPg. 30.

Berlim, 1853.

do AmaralRio,

Urber Brasilianische Zustande der Gegenwart Sobre as opinies do conde de Colloredo cf. Jos Maria Noticia dos Diplomatas em Publicaes do Arquivo Nacional. XIX.

1919. Pg. 81.

MEMRIAS DE

UM

COLONO NO BRASIL

23

VOS verdadeiramente livres se formam por simples evoluo interna e desenvolvimento natural, que suas instituies no devem ser arbitraria-

mente modificadas e retorcidas pela mo do homem, posto que so de natureza divina. Ainda em 1856 podia opor o seu S. Paulo "semi-estrangeira Rio de Janeiro", apresentando-orveis que o colocavam

como

reduto- de tradies

memo-

plano muito superior s demais provncias, com a possvel exceo de Pernambuco. A esperana de fazer reviver o S. Paulo glorioso do sculo XVII, com sua "espcie de feudalismo muitofavorvel ao desenvolvimento de algumas grandes virtudes", o desejo de ver fortalecidos os fios j tnues que ligam o S. Paulo do tempo dos Fili-

em

pes ao de Pedro II, surge como tema predileto em seus escritos, especialmente em vrias cartas que ainda se conservam manuscritas no Instituto uma delas datada de 1851 mosHistrico e Geogrfico Brasileiro. tra-se profundamente apreensivo ante a perspectiva da imigrao em

Em

grande escala de proletrios alemes, que viriam desnacionalizar e descristianizar a terra de Santa Cruz. Esse homem, por tantos ttulos respeitvel para os paulistas, fugindo ao progresso trazido com a expanso dos cafezais abandonou certo dia Campinas, onde residia, para refugiar-se na velha It, ainda fiel ao acar e tradio.

Mas essa voz quase isolada teve pouca ressonncia. Na realidade no to grande a distncia entre os homens que outrora penetravam o serto em busca de riquezas e os que agora invadiam o mesmo serto alargando as fronteiras do progresso. O bandeirismo do ouro e o bandeirismo do caf pertencem ambos a uma s famlia. E como estranhar esse empenho em ir procurar braos para a lavoura onde quer que existissem,empenho explica toda a histria paulista desde melaXVI, quando Diogo Dias e Afonso Farina iam de S. Vicente a Assuno do Paraguai negociar "peas da terra" com Domingos de Irala? As instituies tradicionais no vivem apenas de prestgio moral e esttico. Pretender mant-las sem um apoio efetivo na realidade cair em vago e caprichoso formalismo. It fz-se o ncleo republicano da provncia quando se viu empobrecida, ao passo que Campinas, cafeirase precisamente tal

dos do sculo

e opulenta, se tornava naturalmente conservadora.

O sistema de colonizao ensaiado por Vergueiro teve ao menos isto de vantajoso: no fez obra de desnacionalizao, no criou quistos raciais como outras tentativas empreendidas em vrios pontos do pas. E por outro lado animou de uma vida nova extensas regies ainda incultas oumalcultivadas. Em Rio Claro os catlogos de indstrias e profisses pouco posteriores poca da colonizao de parceria assinalam conside-

24ravel porcentagem de

THOMASDAVATZnomes germnicos, que em certos

ofcios chegam a do Rio Claro para 1873 encontram-se apenas duas pessoas com apelidos portugueses entre os oito alugadores de carros ento existentes na cidade. Os outros chamam-se Jacob Witzel, Jorge Helmeister, Mathias Hartmann, Ado Hebling, Mathias Pott e Fernando Harting. Esse exemplo, escolhido entre outros igualmente expressivos, merece ateno particular devido influncia que os colonos alemes e suos teriam exercido sobre a tcnica de transporte no centro-

ser maioria.

No Almanaque

oeste de

So Paulo.

s vezes deparamos coincidncias entre nomes

exis-

tentes nesses catlogos de indstrias e profisses e os de antigos parceiristas,

que aparecem em relaes como a do Dr. Heusser, publicada em 1857. E natural que assim suceda cessados os contratos com os fazendeiros muitos colonos iam estabelecer-se nas cidades vizinhas, onde passavam a exercer seus antigos ofcios e formavam, ao menos de incio, aglomeraes relativamente isoladas, que seriam pouco a pouco absorviRio das pelas populaes locais. Assim se deu no caso de Limeira como parece inPiracicaba e tambm em Campinas e Jundia Claro dicar, ainda hoje, a existncia dos chamados "bairros alemes" em al:

gumas

dessas cidades.

Foi praticamente nula, por outro lado, a influncia de tais colonos instrutivo compar-la, por exemplo dos lavradores do sul dos Estados Unidos, que imigraram emsobre os mtodos de trabalho agrcola.resultado da guerra de Secesso e da vitria do norte industrial. Posto que bem menos numerosa e de carter essencialmente diverso, envolvendo mais patres do que trabalhadores, a imigrao desses anglo-saxes teve, sob tal aspecto, conseqincias mais ponderveis. que os lavradores norte-americanos vinham de uma terra onde j existia de longa data o sistema de plantaes, semelhante ao que se praticava entre ns. Traziam consigo uma experincia e um esprito progressista que no seriaminteis em nossas lavouras. O ambiente que vinham encontrar no destoava excessivamente do que deixaram atrs e as paisagens ancestrais e familiares quase se reproduziam no novo meio. Deve-se principalmente

ao contacto deles o incio da mecanizao da lavoura, que teve consequncias to decisivas e perdurveis em nossa economia agrria. Em reali-

dade o emprego da mquina e instrumentos na lavoura do caf comeou pouco antes da vinda dos agricultores do sul dos Estados Unidos, ou seja pelo ano de 1863, mas as vantagens econmicas que podiam resultar de tal progresso no se fizeram logo patentes. Refere-nos Campos Sales que, pouco habituados ao emprego de mquinas, os fazendeiros utilizavam

MEMRIAS DE

UM

COLONO NO BRASIL

25

s vezes toda uma junta de bois para o manejo de cada instrumento, com resultados frequentemente negativos. S o exemplo das famlias norte-

americanas imigradas a partir de 1866, mostrou finalmente que cada instrumento no exige mais de um homem e um animal para todas as operaes a que se destina. Em pouco tempo as fazendas paulistas enchiam-se de arados, cultivadores, rodos e grades, tornando-se possvel, de certo modo, uma grande economia de mo de obra, que constitue dos efeitos mais decisivos de mecanizao.

E

se

na tcnica dos transportes, no menos importantes para os

tra-

balhos rurais, a ao dos alemes e suos fz-se logo sentir com a introduo de melhoramentos no tipo tradicional do carro de bois, no foi

menos

sensvel a contribuio dos norte-americanos, que divulgaram entre

os nossos roceiros o uso dos trolleys, meio de transporte rstico e adaptvel aos terrenos

mais speros.

No

foi preciso esperar

muito tempo para

que se estabelecessem entre as cidades e vilas nascentes do centro-oestepaulista linhas de comunicao servidas por semelhantes veculos, verdadeiros precursores, nesse caso, das atuais jardineiras. Sua disseminao como instrumento de locomoo tipicamente rural foi intensa e rpida. E para prova de sua popularidade cumpre dizer que encontrou lugar de

honra no prprio cancioneiro caipira"Sentado

:

num

troio d'oro

Com os Eu ireiVersi

assento de prata

todo chibante

prendo aquela ingrata"

(19)

Poupando a mo de obra, a mecanizao progressiva da lavoura

te-

ria permitido suavizar-se o tremendo problema da falta de braos que

Vergueiro tratara de resolver com o seu plano de colonizao, se a maior expanso da lavoura cafeira e, durante alguns anos, da lavoura algodoeira no viesse exacerbar novamente a crise.

em

Durante longo tempo ainda, pelo menos at iniciar-se a importao larga escala de italianos, a lavoura do caf iria padecer dessa crise.provncia,

Mas a prosperidade daobstculos.

embora assente cada vez mais na mono-

cultura cafeira, estava

bem

assente, e pde ao cabo triunfar de todos os

o estrangeiro

Fazer derivar essa prosperidade apenas do concurso do bra, por conseguinte inverter a ordem dos fatos. O certo

(19)

Lencio de Oliveira

"Vida Roceira",

S.

Paulo, 1919. Pg. 46.

26

THOMASDAVATZ

que ela se afirmou de modo definitivo precisamente quando a carncia de braos para a lavoura se tomou mais alarmante. Em cinco anos, de 1863/64 a 1868/69, a-pesar-de todos os contratempos, a-pesar-da guerra do Paraguai, o comrcio de longo curso em Santos elevava-se ao triplo, subindo seu valor de 7.712 :000$ para 20.091 :000$. Essas cifras que foram apresentadas por Sebastio Ferreira Soares em documento onde procura combater o cepticismo ento reinante nos crculos financeiros londrinos sobre as vantagens que ofereceria o aparelhamento do porto de Santos para corresponder ao progresso da provncia, so um reflexo bem ntido desse mesmo progresso. O prprio Ferreira Soares, resumindo suas concluses nesse mesmo documento, que aparentemente nunca foi publicado e cujo manuscrito datado de 1871 se encontra hoje na Biblioteca Nacional, assim se manifesta: "Nenhuma dvida resta portanto do que o comrcio martimo da Praa de Santos tem tido nestes ltimos anos um progresso constante e no interrompido, o qual continua na sua marcha ascendente at o exerccio de 1870/71, como se depreende dos dados oficiais, ainda no completos que existem no Tesouro Nacional; pode pois concluir-se que este aumento devido ao desenvolvimento material que neste ltimo decnio tem tido a provncia de S. Paulo, mais que nenhumaoutra do Imprio do Brasil".

IV

ceria, tal

Por pessimista que seja nosso julgamento acerca de regime de parcomo fora concebido por Vergueiro, uma coisa certa foi principalmente por seu intermdio que se tornou possvel lavoura paulista admitir o trabalho livre sem passar pelas crises que essa transio iria:

provocar em outras regies do Brasil. verdade que para muitos fazendeiros a relao tradicional entre o amo e o escravo tinha fornecido um padro fixo, inflexvel e insubstituvel para o trabalho na grande lavoura; introduzido o colono livre esse tipo de relao no desaparecia de todo, mas evolua para uma forma de dependncia apenas atenuada. verdade tambm que as condies de vida do trabalhador livre no seriam extremamente invejveis se comparadas s do escravo. O contrrio costuma suceder onde quer que coexistam as duas instituies, e o Brasil no ofereceu, certamente, uma exceo regra. Na comunidade domstica de constituio patriarcal.

MEMRIAS DEainda

UM

COLONO NO BRASIL

27

bem

viva durante nosso Imprio, os escravos constituam

uma

sim-

ples ampliao do crculo familiar, que adquiria

com

isso todo o seu sig-

nificado originrio e integral, ainda contido na prpria etimologia da

palavra "famlia".

Por

isso e

tambm por motivos compreensveis deEscapa va-lhe uma noo rigorosamente

interesse econmico, o

bem

estar dos escravos devia ser mais caro ao fa-

zendeiro do que o dos colonos.

precisa e oSjetiva dos direitos e deveres que implica o regime do trabalho livre, em princpio menos' orgnico e psicologicamente menos senti-

mental do que o da escravido. Quando se pretendia "elogiar as condies de trabalho em determinada colnia agrcola, o termo de comparao que ocorria era naturalmente uma grande famlia (20). A incompreenso que tais fatos revelam da verdadeira estrutura e das finalidades do trabalho livre refletiu-se em uma srie de incidentes que tiveram sua culminncia na sublevao dos colonos de Ibicaba, a colnia-modlo, em fevereiro de 1857.

Mas no

se deve atribuir unicamente aos fazendeiros e aos contra-

malogro do sistema Vergueiro. Tschudi, juiz conciencioso e que no poupou censuras administrao de Ibicaba e de outras colnias de parceria, julga ao contrrio que esse malogro se deve em grau bem maior aos prprios colonos. E no muito diverso o juzo que formulou o Dr. Heusser, incumbido por vrias municipalidades suas de investigar pessoalmente as condies da colonizao de parceria emtos lesivos a causa doS. Paulo.

que se registaram os acontecimentos de Ibicaba, as na provncia de acordo com o sistema Vergueiro empregavam grande nmero de braos livres e pareciam oferecer uma soluo adequada ao problema da escassez de mo de obra para a lavoura. O mapa que a seguir apresentamos abrange as colnias visitadas no mesmo ano de 1857 pelo desembargador Valdetaro e reproduzido quase sem alterao do relatrio enviado Assembleia Provincial pelocolnias agrcolas fundadasexprime Carvalho Morais a propsito da colnia Nova Lous: mais uma famlia do que uma colnia e separa-se dos outros estabelecimentos da provncia por esse lado como pelo sistema de trabalho que adotou". C. Morais A mesma comparao era retomada anos depois por op. cit, pg. 85. um viajante estrangeiro, que assim se exprimia: "Havia ordem e disciplina, e a-pe(20)se"

No momento em

Assim

E com

efeito (....)

sar-disso o todocritrio".

formava uma

do alemo por Luiz de Castro. Rio de Janeiro, 1896. pg. 333. Os colonos de Nova Lous eram em sua maioria portugueses e, como todos os imigrantes do sul da Europa, mais suscetveis de se acomodarem ao regime de locao de servios nas grandes fazendas do que os suos e alemes.vert.

Maurcio Lemherg

"O Brasil",

s famlia, cujo chefe

como

um

pai, dirigia

tudo com

28

THOMAS DAVATZem 1858(21).

Conquanto nele no se indiquem todas as colnias de parceria existentes em So Paulo na ocasio do inqurito e muito menos o nmero exato de imigrantes engajados segundo esse sistema entre 1847 e 1857, serve para mostrar, em todo o caso, a importncia adquirida por tais colnias na lavoura cafeira da provncia.Presidente Fernandes TorresNomes dasColnias

MEMOEIAS DE

UM

COLONO NO BRASIL

29

Nomes dasColnias

30

THOMASDAVATZem

zido a treze, sendo que algumas tinham perdido muito de sua antiga importncia. A prpria Ibicaba decara progressivamente desde a suble-

vao, ou desde a morte do senador Vergueiro,

1859.

A

seu respeito

escreviam-se coisas deste teor:S.

" a primeira

colnia da provncia de

em boa

Paulo em nmero de colonos e talvez em abundncia de terrenos; mas ordem, administrao e fama, as colnias do senador Sousa Queitm a primazia" (25). roz

Da por diante o propsito de colocar o estabelecimento a salvo de cenas semelhantes de 1857 parecia sobrepor-se a todos os outros cuidaIbicaba, que iniciara to auspiciosamente os esforos no sentido dos. de se harmonizarem as vantagens do trabalho livre com os interesses da lavoura cafeira perdia aos poucos o prestgio antigo. Exatamente trs decnios mais tarde um viajante estrangeiro, de passagem pela fazenda, assinalava entre seus moradores o costume curioso de celebrarem as sextas-feiras e no os domingos como dia de descanso e de festa. Eram cristos, no muulmanos, os que assim procediam, obedientes a ordens supremas do proprietrio. E a razo plausvel de tais ordens estava na convenincia de se evitar que os escravos encontrassem companheiros de outros estabelecimentos e tramassem novo levante. Visando ostensivamente os escravos, a medida afetava, no entanto, todo o pessoal da fazenda. A trinta anos de distncia, o espectro da rebelio continuava aaterrorizar os senhores de Ibicaba.

Mas a

experincia adquirida

com as manifestaes de

descontenta-

mento dos colonos e as graves repercurses que encontraram na Europa, resultando em medidas restritivas emigrao para o Brasil, no se perdeu de todo. Algumas decises sugeridas por tais incidentes pareceram aos fazendeiros de toda convenincia. Aqueles que conservavam o regime de parceria quanto remunerao dos servios, trataram de alterar diversas clusulas do contrato primitivo, outros adotaram o salrio fixo para a cultura do caf, efetuando o pagamento aps a colheita e a preofixo por alqueire.

Na

prpria Ibicaba as desvantagens do sistema inau-

gurado em 1847 tornaram-se logo patentes aos responsveis pela "Colnia Senador Vergueiro" e a parceria foi logo alterada para o sistema de locao de servios. Historiando os motivos que ditaram essa transforma"O colono sempre o, assim se manifestava em 1874 Jos Vergueiro: desconfiado, e portanto convencido sempre que o proprietrio o queria

(25)

Jlio de

Arouce

Teatro de

S.

Joo na Cidade de Rio Claro

quivo Pitoresco"

vol.

IX. Lisboa

MDCCCLXVI

"Ar-

pg. 239.

MEMRIAS DElograr,

UM

COLONO NO BRASILdas operaes que

31feitas,

no confiava

em nenhumaetc.

eram

como

da parte dos produtos que lhe pertencia. Essa desconfiana aumentava; tomava nle propores de crena, ainda mais, com as instigaes de estranhos que procuravam nessas circunstncias tirar interesse. Falamos de experincia prpria, pois fomos as principais vtimas do que acabamos de expor; e tudo isto ainda mais agravado pelo esprito mal entendido de diversas nacionalidades, azedadovendas, remessas, pesopelos zelos incompreensveis" (26).

como o institura Vergueiro, menor parcela de fiscalizao do colono sobre as operaes realizadas com o caf entre a colheita e o ajuste de contas num intervalo que se prolongava por meses. Todo o seu fundamento era assim o vagorealidade o sistema de parceria, talexclua a

Na

pressuposto

resduo de concepes antiquadas

confiana do colono

em

seu empresrio.

tos vulnerveis do sistema.

de uma absoluta Foi esse, sem dvida um dos ponAos erros frequentes que se introduziam nos

clculos efetuados por diretores incompetentes e

algumas vezes pouco

escrupulosos acrescentavam-se outros motivos importantes para pertur-;

bar aquela confiana.intencionado explicar

Era difcil seno impossvel a um fazendeiro bem com mincia aos colonos todas as numerosas des-

pesas que implicava necessariamente o transporte de caf a Santos.

Em

1857 o lavrador paulista devia pagar 7% de imposto geral e 4% do tributo provincial decretado durante a presidncia Saraiva para o caf que ia ao mercado, assim como 2$ por arroba de caf transportado em lombo de besta e mais 40, 60 ou 80 ris s municipalidades, que quase todas impunham semelhantes taxas em benefcio de obras locais. Vinte e tanto a trinta por cento do lucro obtido cunsumiam-se nessas despesasinevitveis.

O

restante devia ser divididoa'

com

os colonos, se o empre-

suportar os nus sem partilha. De tudo resultavam queixas constantes, por vezes exageradas, mas em alguns casossrio

no se dispusesse

justas,

conforme o demonstram as sindicncias realizadas.

primeiro cuidado dos fazendeiros foi, por conseguinte, modificar os contratos abolindo o longo e complicado processo das contas. Em lugar de fazer depender da venda do caf no mercado o pagamento ao colono, estipulou-se geralmente um preo fixo por alqueire. Segundo o novocontrato recebiam os colonos os cafeeiros que

O

podiam cultivar sem

difi-

Jos Vergueiro (26) "Memorial acerca da Colonizao e Cultivo do Caf apresentado a S. Exa. o Snr. Ministro e Secretrio de Estado dos Negcios da Agricultura". Campinas, 1874. Pg. 6.

32culdade.

THOMAS DAVATZTerminada acolheita depositavam eles o produto

em lugar convencionado e recebiam por alqueire a quantia estipulada, que era de 500 ris em algumas colnias e de 600 em outras. Para seus plantios dispunham, mediante aluguer ou gratuitamente, de terrenos previamentemarcados, alugando tambm a preos mdicos as casas de residncia,pastos, etc..

Foi o que se fz

em

Ibicaba e

tambm em

outras fazendas,

mas ainda assim sem

resultado muito felizes.

O

prprio Jos Vergueiro,

em

seu memorial de 1874 sobre a colonizao e o cultivo do caf, queixa-

se da

m

rios, atentos

vontade com que os colonos se entregavam aos trabalhos diapenas em tirar para si todo o proveito, uma vez que no

tinham esperana de poder considerar algum dia como sua a terra quecultivavam.

Vrios proprietrios distanciaram-se ainda mais do primitivo modelo das colnias de parceria e ensaiaram-se assim novos sistemas que em muitos casos no deram melhor proveito. Algumas das colnias queLaranjal,

no abandonaram o regime antigo, caram em rpido declnio como a do em Campinas, pertencente a Luciano Teixeira Nogueira ou a de Boa Vista, em Amparo, propriedade de Joo Leite de Morais Cunha. Houve proprietrios que desprezaram quase por completo a experincia proporcionada pelo sistema Vergueiro e estabeleceram o pagamento mensal ao colono de

um

salrio fixado previamente,

alm de lhe fornecerem

sustento ou terra para a cultura dos mantimentos, exigindo que o

mesmo

colono se prestasse a fazer todos os servios da fazenda.contrato, a que se

Esse tipo denacionais,

conformavam geralmente os trabalhadores

no oferecia muitas garantias ao estrangeiro ignorante das condies reinantes no Brasil e habituado a um padro de vida relativamente elevado em comparao com o das nossas populaes rurais. Devia repugnar especialmente a suos e alemes, que forneciam o maior contingente de colonos aos estabelecimentos de parceria.sultados

com trabalhadores portugueses na

colnia de

Deu porm bons reNova Lous, per-

tencente ao comendador Jos Elisrio de Carvalho Monte-Negro.

O

xito dessa experincia foi atribudo, verdade, ao fato do proprietrio,

portugus de nascimento, ter podido escolher pessoalmente seus empre^ gados entre camponeses morigerados e de boa conduta.

No seriam

altos os jornais desses

homens e o prprio comendador

Monte-Negro argumenta com o princpio do ordenado suprfluo para mostrar o inconveniente dos salrios muito elevados. Normalmente o

MEMRIAS DE

UM

COLONO NO BRASIL

33sit

imigrante que vencesse 14|000 por ms poderia dvida contrada com o proprietrio (27).

em

cinco meses saldar

A-pesar-do xito obtido com a colnia de Nova Lous, o comendador Monte-Negro no teve muitos imitadores. E a razo est no s na alta dos jornais, que se acentuou sobretudo com o malogro do sistema Vergueiro em 1857 e com o clebre "rescrito Heidt", pouco posterior, proibindo a emigrao de prussianos para o Brasil, como na circunstncia de serem os portugueses, de resto pouco propensos s atividades agrcolas, quase os nicos imigrantes que se sujeitavam de bom grado ao regime dos salrios. Durante longos anos foi quase impossvel aos fazendeiros obterem mo de obra na Alemanha e na Sua, os pases que se tinham mostrado mais acessveis antes do regime de parceria cair em descrdito. Ainda em 1873 o visconde de Indaiatuba tentou em vo fazer vir certo nmero de famlias de Holstein para sua clebre colnia de Sete Quedas, mas foram inteis os esforos nesse sentido, tais os empeciRecorreu-se por algum tempo aos lhos opostos pelo governo alemo.,

tiroleses e aos italianos do norte. Em alguns casos recorreu-se tambm a imigrantes j instalados em Santa Catarina ou mesmo nas repblicas do Prata. Todavia deve ter sido mais considervel do que o fazem crer as estatsticas oficiais o nmero de imigrantes que afluram para S. Paulo vindos diretamente da Europa e em particular da prpria Alemanha. Assim que, segundo tais estatsticas, entraram nada mais do que 83 imigrantes, sem distino de nacionalidades, durante o ano de 1871. A verdade que segundo informaes dignas de f apenas na j citada

colnia de Sete

Quedas entraram em princpios desse ano dezesseis fa-

i)elo proprietrio do estabelecimento, num de 107 pessoas (28). Faltam-nos dados absolutamente exatos para julgar do nmero de colonos que serviram nas fazendas de caf em S. Paulo antes de iniciar-se em ritmo regular a imigrao italiana. No ano de 1887 calculava A. W. Sellin em 12.000 ou 15.000 os alemes estabelecidos ento na provncia, e nesse total entrariam muitos dos trabalhadores introduzidos pela companhia Vergueiro (29).

mlias trazidas do Holstein

total

(27)

Colmbia(28)

Joo Elisrio de Carvalho Monte-Negro Relatrio apresentado ao exmo. sr.V. Campos SalesII.

"Colniasdr.

Nova Lous

e

Nova

presidente da Provncia."

S. Paulo, 1875.

para 1872. Ano(29)

"Colnia Sete Quedas", in Almanaque de Campinas Campinas, 1871. Pg. 91. V. Anurio da Provncia do Rio Grande do Sul para o ano de 1888. Por-

to Alegre, 1887.

34

THOMASDAVATZem

Conquanto essas cifras dm, quando muito, uma ideia apenas aproximada e talvez exagerada dos fatos, o certo que no deixam de mereconta que, alm dos portugueses e nacionais, foi sobretudo entre alemes e suos que se recrutaram os trabalhadores livres para a lavoura do caf quando esta comeou a ganhar incrementocer interesse, tendo-se

na provncia.sil,

A-pesar-das medidas restritivas da imigrao para o Braadotadas a partir de 1859 pelos governos germnicos, no cessou de todo a onda de colonos alemes destinados a So Paulo e a outras provncias. Mas ela estava longe de atender s necessidades do momento e os fazendeiros paulistas tiveram de esperar mais quinze ou vinte anos

por

uma nova

raa de trabalhadores mais

em

correspondncia

com suas

necessidades.

Praticamente extinto em sua forma primitiva, o sistema ideado por Vergueiro continuou a influir direta ou indiretamente sobre as vrias formas de organizao do trabalho rural adotadas durante essa pausa. Alguns dos traos dominantes do sistema chegaram a encorporar-se, de certo modo em carter definitivo, ao regime das fazendas de caf, servindo para suavizar a transio do trabalho escravo para o trabalho

a situao de independncia tudo quanto diz respeito sua vida domstica, seu emem prego quase exclusivo na colheita do caf sua faculdade de dispor dos gneros alimentcios que produza alm do servio nos cafezais, e de aufelivre.

Podem

ser lembrados, entre outros,

dos colonos

;

rir lucros

da venda desses produtos. Todos esses traos, j apontados em 1870 por Carvalho de Morais como caractersticos do sistema de parceria mantiveram-se e deram benefcios, mesmo quando abandonado o sistema. indiscutvel que, encarado sob esse aspecto o plano Vergueiro foi extremamente fecundo, e como tal merece ser estudado com toda a ateno e enaltecido. Quanto sua aplicao prtica ela pode ser e tem sido discutida de vrios pontos de vista, to vrios quanto os interesses que ps em jogo. Mas essa mesma variedade encerra para ns uma vantagem preciosa, servindo para dar realce aos problemas culturais, sociais e econmicos que ficariam obscurecidos, em muitos pontos, se nos fossem propostas sob uma forma unilateral e incolor. Ela faz fixar melhor as divergncias, medir, calcular seus motivos, ajudando a no aceitar sem crtica as opinies parciais. dessas opinies que se faz a histria em grande parte e a histria do Brasil em quase tudo. Para estudar o passado de um povo, de uma instituio, de uma classe, no basta aceitar ao p da letra tudo quanto nos deixou a simples tradio escrita. preciso fazer falar a multido imensa dos figurantes mudos que enchem o

MEMRIAS DE IJM COLONO NO BRASILpanorama dahistria e so muitas vezes

35

mais interessantes e mais importantes do que os outros, os que apenas escrevem a histria. Exerccio difcil e cheio de- sedues perigosas onde faltam pontos de apoio seguros, levar facilmente a aceitar seus resultados como a nica verdade digna de respeito. Seria difcil, por exemplo, imaginar-se a escravido no Brasil descrita do ponto de vista de suas vtimas, se estas tivessem voz articulada, e no do ponto de vista dos escravocratas, dos governos, doa abolicionistas Mais difcil, porm, seria acreditar que para muitos essa descrio, se existisse, no passaria a valer por si, constituindo matria prima de apologias ou de invectivas..

.

.

do sculo passado, temos

em meiados depoimento dessa natureza. No livro de Thomas Davatz, hoje publicado em traduo brasileira, o historiador futuro ter um elemento imprecindvel para o estudo do trabalho agrcola em S.Paulo durante a poca do Imprio. intil insistir muito na inteno polmica em que foi composto. Livro de partido, mas tambm de boa f, le a expresso e o prolongamento da vida de um pobre colono perdido num mundo hostil s suas aspiraes. Consideradas nesse aspecto que as memrias de Davatz podero ser apreciadas em seuPara o caso dascolnias de parceria, que floresceram

um

justo valor.

SRGIO BUARQUE DE

HOLANDA

INTRODUOFATO notrio que desde h alguns anos a questo da emigrao entrou na ordem do dia e transformou-se em um problema vital

para as populaes pobres de muito pas europeu. Se entre numerosas pessoas des^^ categoria ganhou vulto a opinio de que ^^^^^^^^^/i I ^^ nas atuais circunstancias, onde tudo parece conspirar para engrandecer os poderosos e amesquinhar a

^

1

existncia dos humildes, j impossvel a estes permanecerem em sua velha ptria, no faltaram razes que a tanto os induMuitos ousaram dar o passo decisivo, buscando melhozisse. o resultado que res dias em terras distantes, ultramarinas. aquela opinio to generalizada, por justificvel que fosse at

E

sonho. Lindas descries, relatos atraentes dos pases que a imaginao entreviu; quadros pintados de modo parcial e inexato, em que a realidade por vezes deliberadamente falseada, cartas ou informes sedutores e fascinantes de amigos, de parentes; a eficcia de tantos prospectos de propaganda e tambm, sobretudo, a atividade infatigvel dos agentes de emigrao, mais empenhados em recheiar os prprios bolsos do que em suavizar a existncia do pobre ... tudo isso e mais alguma coisa contribuiu para que a questo da emigrao atingisse um grau verdadeiramente doentio, tornando-se uma legtima febre de emigrao que j contaminou muita gente. E assim como na febre fsica dissipa-se a reflexo tranquila, o juzo claro, coisa parecida ocorre nas febres de emigrao. Aquele a quem ela contagiou, sonha com o pas idealizado durante o sono e durante a

certo ponto, acabou esvaindo-se

como

um

MEMRIAS DEviglia,

UM

COLONO NO BRASIL

37

no trabalho e no descanso; agarra-se a prospectos e folhetos que tratam do seu tema favorito, dando-lhes o maior crdito (em regra, porm, quando afagam as suas aspiraes). Ao mesmo passo, no entanto, desprezam geralmente as advertncias e conselhos dos homens sensatos e, logo que se oferea oportunidade, decidem-se com frequncia a realizar os seus projetos at o dia em que quantas vezes! nada restar seno confessar o triste engano. "Fui ludibriado!", ou: "Desta vez estou perdido!", "Tenho de aguentar a brincadeira e fazer das tripas corao!", "Arrependo-me amargamente do dia em que

resolvi embarcar,

mas agora

suportar tudo

em

silncio.

Fu-

lano avisou-me em tempo mas tarde para confessar-lhe o erro!" No fao meras conjeturas; limito-me a reproduzir o que, desgraadamente, tenho escutado, e muitas vezes, com estes ouvidos.

Eugrar.

prprio fui vtima,

em dado momento, damas sem

febre de emi-

Por longo tempo

cogitei,

resultado,

em

dirigir-

me

aos Estados Unidos da Amrica do Norte. Por fim certas circunstncias vieram facilitar uma colocao nas colnias da provncia brasileira de So Paulo. companhia de numerosos outros emigrantes embarquei na primavera de 1855 para essa terra mas no tardei em chegar s convices que de tantos outros arrancaram aqueles lamentos.

Em

"Desta vez estou perdido!" O mais triste quando se chega a descobrir isso, quando percebemos que uma nova escravido nos submergiu e que dessa escravido mais difcil eseapar-se do que tradicional, que de h longa data jungiu os ne medida em que essa concluso se formava gros africanos. em meu esprito, cresciam tambm em mim o desejo e a deliberao de me socorrer e aos meus pobres companheiros, com a ajuda e a merc de Deus. Graas ao Senhor estamos enfim livres, eu e minha famlia. Mas h muita gente ainda, da Sua, de vrios Estados da Alemanha, do Holstein, etc., que nela se encontra. Ao separar-me dessa gente, numa despedida penosa sob muitos aspectos, promet-lhes firmemente que faria o possvel, sobretudo chegando Ptria, para que ao cabo fossem libertados como eu prprio fui. No faltou, tanto entre parentes dos colonos como entre homens de corao, alguns dos quais

38

THOMASDAVATZSua,

membros de administraes cantonais da

quem me

recla-

masse encarecidamente o cumprimento da minha promessa de fazer imprimir um quadro fiel da situao e das atribulaesdaqueles colonos.

Atendo a esse empenho e o meu maior objetivo contribuir com todas as minhas foras para que os pobres colonos ali perdidos, e

comum

que me so hoje to caros, depois do que sofremos em e da fiel assistncia que me dispensaram em meus esforos, possam ser amparados devidamente para se salvarem das condies deplorveis em que esto. segundo objetivo e esse tambm da maior importncia, o de advertir tanto quanto possvel contra a leviandade das emigraes e trabalhar ima pouco para que se acalme a febre de emigrar, mesmo quando ela dirige a outros centros (Amrica do Norte, Austrlia, etc.), poupando a muita gente amargas desiluses. Possa finalmente a publicao destas notas trazer-me tambm a mim, que s pude chegar a tais concluses e opinies atravs de caminhos rudes, difceis e perigosos e s quais agora pode chegar qualquer pessoa, por pouco dinheiro e sem deixar o seu aposento confortvel e seguro, uma vantagem econmica por menor que seja. Assim terei logrado realizar um terceiro objetivo ajudando a manter-se uma famlia numerosa e abalada pelas provaes, o que me leva a conservar os direitos autorais deste livrinho de modo a aproveitar-me dos eventuais lucros que de sua venda

Um

possam

resultar.

Para conseguir atingir semelhantes objetivos de modo seguro, pretendo descrever o tratamento proporcionado aos emigrantes nas colnias da provncia de So Paulo, no Brasil, mostrando como foram tratados logo depois de sua chegada a Santos, e em seguida como lhes foram fornecidos habitao, alimento, trabalho, etc.: em smna procurarei oferecer ao mesmo seguida tentarei tempo um quadro da vida dos colonos. mostrar como se procurou remediar a situao e em que redundaram os esforos nesse sentido. No possvel, porm, obterse uma viso clara do tratamento dispensado aos colonos, sem uma noo dos aspectos, das condies, dos usos e costumes dessa terra que foi o cenrio das minhas narrativas, pois distanciam-

Em

88 consideravelmente do que conhecemos

na Sua

e

na Alem-

MEMEIAS DEnha.

UM

COLONO NO BRASIL

39

necessrio descrever tais pormenores seco preliminar. E assim o meu livro consta de trs partes, a saber:

Por conseguinte

em uma

Ll.

ESCLARECIMENTOS PRVIOS E NECESSRIOS SOBRE CERTAS CONDIES BRASILEIRAS