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John-Paul Flintoff é autor, escritor e locutor. Fez treinamento como repórter investigativo e trabalhou durante anos no Financial Times, e depois no Sunday Times. Além disso, escreve para outros jornais e revistas do mundo. Seu trabalho lhe proporcionou muitos prêmios e influenciou diretamente mudanças na política governa- mental do Reino Unido. Para mais informações, acesse: www.flin- toff.org The school of life se dedica a explorar as questões fundamentais da vida: Como podemos desenvolver nosso potencial? O trabalho pode ser algo inspirador? Por que a comunidade importa? Rela- cionamentos podem durar uma vida inteira? Não temos todas as respostas, mas vamos guiá-lo na direção de uma variedade de ideias úteis – de filosofia a literatura, de psicologia a artes visuais – que vão estimular, provocar, alegrar e consolar.

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John-Paul Flintoff é autor, escritor e locutor. Fez treinamento

como repórter investigativo e trabalhou durante anos no Financial

Times, e depois no Sunday Times. Além disso, escreve para outros

jornais e revistas do mundo. Seu trabalho lhe proporcionou muitos

prêmios e influenciou diretamente mudanças na política governa-

mental do Reino Unido. Para mais informações, acesse: www.flin-

toff.org

The school of life se dedica a explorar as questões fundamentais

da vida: Como podemos desenvolver nosso potencial? O trabalho

pode ser algo inspirador? Por que a comunidade importa? Rela-

cionamentos podem durar uma vida inteira? Não temos todas as

respostas, mas vamos guiá-lo na direção de uma variedade de ideias

úteis – de filosofia a literatura, de psicologia a artes visuais – que vão

estimular, provocar, alegrar e consolar.

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Como mudar o mundoJohn-Paul Flintoff

Tradução: Débora Landsberg

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Copyright © The School of Life 2012Publicado primeiramente em 2102 por Macmillan, um selo da Pan Macmillan, uma divisão da Macmillan Publishers Limited.Todos os direitos reservados.

Todos os direitos desta edição reservados àEditora Objetiva Ltda.Rua Cosme Velho, 103Rio de Janeiro – RJ – Cep: 22241-090Tel.: (21) 2199-7824 – Fax: (21) 2199-7825www.objetiva.com.br

Título originalHow to Change the World

CapaAdaptação de Trio Studio sobre design original de Marcia Mihotich

Projeto gráficoAdaptação de Trio Studio sobre design de seagulls.net

RevisãoAna GrilloMariana FreireÉdio Pullig

Editoração eletrônicaTrio Studio

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

F642c

Flintoff, John-Paul Como mudar o mundo / John-Paul Flintoff; tradução de Débora Landsberg. - Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. (The school of life)

Tradução de: How to change the world

170p. ISBN 978-85-390-0392-1

1. Desenvolvimento social. 2. Mudança social. 3. Bem--estar social. I. Título. II. Série.

12-4812. CDD: 303.4 CDU: 316.733

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“A imperfeição é um fim. A perfeição é apenas um objetivo.”

– Ivor Cutler

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Sumário

I. Introdução 9

II. Como começar a fazer uma mudança 13

1. Superando o derrotismo 15

2. O que nos motiva? 27

3. Reflexões sobre estratégia 43

4. Dando testemunho 59

5. Do que você vai precisar 65

6. Dando o primeiro passo 71

III. O que precisa mudar e de que forma 81

1. Acrescente beleza – e diversão 83

2. Qual é o papel do dinheiro? 91

3. Torne-o atraente 103

4. O amor ajuda 113

5. Tenha em mente o Nobel da Paz 119

IV. Conclusão 135

Dever de casa 145

Apêndice: 198 maneiras de agir 151

V. Créditos das imagens 163

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I. Introdução

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Se você pudesse, mudaria o mundo? É claro que sim. Há coisas de

sobra que você mudaria neste momento, se ganhasse uma varinha

mágica.

Afinal de contas, o mundo precisa desesperadamente de melho-

rias. Precisa tanto que de vez em quando passamos noites em claro,

nos revirando por horas a fio, preocupados com isso. Durante o dia,

nos irritamos e praguejamos diante de várias coisinhas que pare-

cem erradas. E nos momentos de alegria nos permitimos sonhar,

imaginando universos paralelos muito agradáveis.

Mas, independentemente de nosso estado de espírito, é comum

concluirmos que mudar o mundo ou daria muito trabalho ou seria

impossível. E, por isso, nem tentamos.

É uma pena, porque gerar ativamente mudanças também nos

beneficia como indivíduos: descobrimos fontes mais profundas de

empatia e oportunidades de exercitar nossa criatividade, além de

podermos cultivar o hábito de ser destemidos. Acima de tudo, nos

damos conta de que mudar o mundo dá uma sensação profunda e

duradoura de satisfação — não só quando “terminamos”, como se

isso fosse possível, mas também a cada passo que damos.

Se você leu até aqui, é por já estar interessado em mudar o

mundo. Talvez também esteja convencido de que pode fazer algo.

Mas nem todo mundo partilhará dessa convicção. Nesse caso, é bom

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12 Como mudar o mundo

lembrar que as ideias registradas neste livro são validadas pela sabe-

doria antiga e pelas últimas descobertas das pesquisas científicas. E

não são meramente teóricas, mas baseadas em fatos históricos: seus

êxitos são comprovados. Depois de terminar a leitura, você estará

mais preparado para fazer uma mudança, e também mais decidido

a fazê-la.

Este livro é cheio de relatos, de várias épocas e lugares do mundo,

para respaldar a análise que farei. Alguns têm uma grande impor-

tância histórica, mas também incluí acontecimentos da minha vida

e da vida de pessoas que conheço, exatamente para demonstrar que

mudar o mundo não cabe apenas a “grandes almas”, como Gandhi,

Madre Teresa e Nelson Mandela.

Não peço desculpas por usar essas histórias pessoais, pois

seria vergonhoso argumentar que todo mundo é capaz de promo-

ver mudanças se não mencionasse as minhas. A intenção não é de

que pareçam extraordinárias: por mero acaso essas experiências são

minhas. A teoria feminista ensina que “o pessoal é político”, e se é

este o caso, os indícios que o provam parecerão, quase por definição,

bastante desinteressantes. Mas são indícios ainda assim e demons-

tram que os pequenos atos cotidianos de indivíduos “comuns” têm o

poder de mudar o mundo.

O objetivo deste livro não é apenas apresentar algumas propos-

tas intelectuais a serem absorvidas. Aprendemos melhor por meio

de ações, e um livro como este será útil somente se colocado em

prática. À medida que o ler, pondere como isso se aplica à sua

própria situação.

Em seguida, tente.

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II. Como começar a fazer uma mudança

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1. Superando o derrotismo

Como eu, um indivíduo em um mundo de bilhões de pessoas, posso

ter a expectativa de mudar alguma coisa? Há muitas razões para esse

tipo de questionamento derrotista nos ocorrer com tamanha faci-

lidade. Dentre elas, a forma como nos criaram, as frustrações e os

desânimos que acumulamos ao longo da vida e as lembranças dolo-

rosas das tentativas fracassadas de Fazer Algo.

No entanto, o fato é que estamos fazendo a diferença o tempo

todo. O verdadeiro problema é que, se estamos afetando as coisas

somente de modo inconsciente, provavelmente não produzimos o

efeito que gostaríamos.

Certas pessoas podem achar difícil acreditar que fazem a dife-

rença o tempo todo. Nesse caso, talvez seja uma boa ideia abandonar

a perspectiva global por um instante e se concentrar nas interações

diárias — nas quais passamos todos os instantes ou decidindo o que

deve acontecer a seguir ou correspondendo aos planos de alguém.

De qualquer forma, nossos atos são todos intencionais e todos têm

consequências. Você pode argumentar que nosso cotidiano dificil-

mente vira matéria-prima da história que é contada. Sem dúvida,

ele não se compara a Júlio César invadindo as Ilhas Britânicas, a

Gengis Khan saqueando Bagdá ou Cristóvão Colombo descobrindo

a América. É assim que a maioria das pessoas vê a história. “A

história mundial é apenas a biografia de grandes homens”, escre-

veu Thomas Carlyle. Mas a teoria da história fundamentada em

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“grandes homens” há anos está em baixa. Atualmente, sabemos

que esses homens não poderiam ter feito o que fizeram sozinhos. E

identificamos a importância histórica de episódios negligenciados

até agora.

O romancista russo Leon Tolstói foi um dos primeiros a observar que

seria mais correto considerar a história a combinação do efeito de

muitas pequenas coisas que pessoas comuns fazem todos os dias: “Um

número infinitamente colossal de atos infinitamente minúsculos.”

Segundo Tolstói, fazemos história desde que nos levantamos de

manhã até a hora em que vamos para a cama à noite. E não são apenas

as coisas que fazemos que entram para a história. São também as

que não fazemos. Isso é óbvio quando pensamos, por exemplo, na

atitude de votar ou não numa eleição. Mas, partindo para a conclusão

lógica, percebemos que estamos fazendo a diferença mesmo depois

de irmos para a cama, pois estamos dormindo em vez de, digamos,

passando a noite elaborando um manifesto político impactante ou

andando pelas ruas para dar de comer aos desabrigados.

A propósito, não há problema nisso: todo mundo precisa dormir.

Mas a constatação de Tolstói nos obriga a admitir que somos todos

responsáveis pela situação atual. “Cada um de nós é completamente

essencial, cada um é totalmente insubstituível”, diz o ativista indí-

gena americano Leonard Peltier. “Cada um é o voto de minerva na

batalha amarga pela eleição travada agora entre nossa melhor e pior

possibilidades.”

No entanto, é difícil nos desvencilharmos da noção inculcada no

decorrer dos anos escolares de que a história diz respeito às ações de

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indivíduos que estão no domínio. De fato parece que até nas demo-

cracias essa ideia é difundida de maneira positiva.

No vigésimo aniversário da queda do Muro de Berlim, “líderes

mundiais” foram à Alemanha a fim de discursar para multidões

de ouvintes.

Foi impressionante o fato de terem assumido o crédito por esse

acontecimento histórico em particular, já que líderes mundiais tive-

ram pouquíssima influência na queda do Muro. Na verdade, a barreira

entre Berlim Oriental e Berlim Ocidental foi destruída porque muitos

berlinenses comuns fizeram algo mínimo. Após testemunhar as

mudanças significativas que “o poder do povo” provocava em alguns

países vizinhos, e após os protestos em massa na Alemanha Oriental,

os berlinenses simplesmente foram até a fronteira para ver o que estava

acontecendo. Soldados no posto de controle, estupefatos e igualmente

cientes do que havia acontecido pouco antes em países vizinhos, abri-

ram caminho para que eles transitassem de um lado para o outro da

cidade. Logo depois, por já ter deixado de ser uma barreira efetiva, o

muro foi demolido. O fato de “líderes mundiais” assumirem o mérito

não desmerece a conquista, mas insinua que, ao mudar o mundo, não

podemos necessariamente esperar reconhecimento.

Quando falamos das frustrações que o mundo nos causa, em

geral usamos termos como “o sistema” ou “o status quo” e, dando

de ombros, reclamamos da nossa impotência. Agimos assim se um

muro é erguido no meio da nossa cidade, nos impedindo de ver

amigos e parentes, mas também diante de dificuldades bem menores.

Imagine por um instante que surja a vontade de promover uma festa

na rua, mas que sejamos impedidos por normas cívicas mesquinhas

formuladas com outro objetivo totalmente diferente: logo desistimos.

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O Muro de Berlim: quando um número suficiente de pessoas apareceu, os soldados tiveram de deixá-las passar.

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Com termos tão abstratos como “o sistema” e “o status quo”, é compli-

cado perceber que fazemos parte do problema. A verdade é que temos

escolha. Podemos tentar mudar as normas que nos impedem ou até

desconsiderá-las. A escolha é toda nossa.

Explicando em termos que até uma criança seria capaz de enten-

der: pense por um momento que o status quo é um rei poderoso.

Feche os olhos e tente imaginá-lo. Como você sabe que ele é um rei

poderoso? É por ter uma coroa grande? Um trono de ouro? Não. Esses

objetos nos dizem apenas que ele é o rei. Como sabemos que ele

é poderoso? Pelas pessoas que o cercam, deitadas de rosto no chão,

trêmulas. É o comportamento delas que nos dá a impressão de que

o rei é poderoso, e não o dele. Se elas se levantassem, lhe dessem

as costas e começassem a contar piadas, ou a fumar um cigarro, ou

tirassem um cochilo, o mesmo rei imaginário, com a mesma coroa

enorme e trono de ouro, não mais pareceria poderoso. Agora pense

que o rei poderoso é um ator no palco e que os sujeitos prostrados

diante dele também são atores. Um ator deitado de rosto no chão

perante um rei aparentemente poderoso sabe que tem opção: a qual-

quer instante, pode se levantar e ir fazer outra coisa, provocando uma

tremenda repercussão. Na vida real também podemos nos desone-

rar do nosso papel habitual e fazer outra coisa, mas é comum nos

esquecermos disso — se é que um dia soubemos dessa alternativa.

Isso se deve em parte à sabedoria convencional e ao estilo de história

sobre reis, rainhas e presidentes ensinada às crianças desde a mais

tenra idade, que defende que o poder compete aos que estão no topo.

Assim como fez o Mágico de Oz, pais e professores incentivam as

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crianças a acreditar que eles e outras figuras “no papel de autoridade”

são todo-poderosos. À medida que nos tornamos adultos, somos leva-

dos a crer que patrões e governantes também são todo-poderosos.

Enquanto acreditarmos nisso, eles de fato serão.

Talvez pareça bizarro comparar fatos corriqueiros a dar as costas

a um rei poderoso, mas muitas pessoas mundo afora realmente se

sentem indefesas diante de valentões — sejam eles governantes ou

patrões ou até amigos e parentes — e pode ser libertador lembrar

que, apesar das consequências, a obediência é uma escolha que só

cabe a nós.

Tolstói ficava perplexo por as pessoas não entenderem isso. Não

compreendia por que os camponeses russos, após se juntarem ao

exército do Czar, estavam dispostos a matar outros camponeses

russos, talvez até seus pais e irmãos — simplesmente para cumprir

as ordens do Czar. Confuso com essa e outras questões referentes

à justiça social, Tolstói abriu mão de sua vida refinada e se mudou

para a fazenda que tinha. Quando estava lá, foi contatado por um

jovem indiano politicamente ativo que na época morava na África

do Sul. Tolstói respondeu à sua carta e depois publicou A Letter to a

Hindu (Carta para um hindu).

Descrevendo a opressão da Índia pela Companhia Britânica das

Índias Orientais, Tolstói escreveu: “Uma empresa comercial escra-

vizou Uma nação composta de 200 milhões de pessoas. Diga isso a

um homem sem superstições e ele não vai nem entender o sentido

de tais palavras. O que significa 30 mil pessoas, não atletas, e sim

pessoas comuns e fracas, escravizarem 200 milhões de pessoas

vigorosas, inteligentes, capazes, que amam a liberdade? Os números

não deixam claro que… os indianos escravizaram a si mesmos?”

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O jovem hindu a quem Tolstói escreveu era Mohandas K. Gandhi,

que viera de uma família privilegiada assim como ele. Entretanto,

Gandhi sentiu na pele a humilhação de ser alvo de uma injustiça

quando foi expulso de um trem na África do Sul por ter a pele morena.

Daquele momento em diante, dedicou-se a lutar contra a opressão. Ao

voltar a seu país de origem, a Índia, na época sob o domínio da Grã-

-Bretanha, deu início a uma campanha não violenta pela liberdade.

Gandhi salientava a importância da mudança de vontade como

pré-requisito para que se mudasse o padrão de obediência e coope-

ração. Era necessário (1) uma mudança psicológica, acabando com a

submissão passiva para dar lugar ao autorrespeito e à coragem, (2)

a admissão por parte do súdito de que seu auxílio tornava o regime

possível e (3) o desenvolvimento da resolução de revogar a coopera-

ção e a obediência. Gandhi achava que tais mudanças poderiam ser

empreendidas por meio da influência consciente, e se propôs a levá-

-las a cabo.

Meus discursos têm como objetivo criar a “insatisfação” a

ponto de fazer o povo considerar uma vergonha ajudar ou

cooperar com um governo que lhe faltou com qualquer grau

de respeito ou apoio.

No momento em que o escravo resolve não ser mais

escravo, seus grilhões caem. Ele se liberta e mostra o cami-

nho aos outros. Liberdade e escravidão são estados de espí-

rito. Portanto, o primeiro passo é dizer a si mesmo: “Não

vou mais aceitar o papel de escravo. Não vou mais obedecer

a ordens e sim desobedecê-las quando entrarem em conflito

com a minha consciência.”

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Naturalmente, os britânicos ficaram ultrajados. Ainda hoje, algumas

pessoas têm dificuldade de aceitar a legitimidade da desobediência

civil. Algumas pessoas acreditam que a lei deve ser respeitada. Mas

assumir tal posição é deduzir que, quando o regime de Hitler subiu

ao poder, era dever de todos os alemães se curvar totalmente a ele.

Poucas pessoas creem nisso atualmente. A maioria, pelo contrário,

acredita que, sob certas circunstâncias, a desobediência e a rebeldia

são totalmente justificáveis.

A realidade do dia a dia é que a obediência nunca é praticada

por toda a população. Muitas pessoas desobedecem às leis de vez

em quando, ou quebram normas de pouca importância, e algumas

agem assim com frequência. Algumas o fazem por motivos egoístas

e outras por razões mais nobres. Exemplos drásticos de desobediên-

cia em massa são apenas provas mais visíveis dessa verdade geral

e cotidiana.

Se você pegou este livro por já ter uma ideia que ajude a mudar

o mundo, que envolva, digamos, a manufatura de sapatos baratos e

confortáveis, é provável que esteja espantado com a reviravolta que o

assunto teve: o discurso de Gandhi sobre escravidão mental e minha

própria referência a Hitler. O que isso tem a ver com você? Bem, é

verdade que não precisamos acreditar que somos escravos ou que

vivemos sob uma ditadura para contribuirmos com a mudança do

mundo. Só precisamos acreditar que algo está muito errado (o custo

e o desconforto dos sapatos à venda hoje em dia?) e decidir que não

estamos dispostos a continuar aturando essa situação.

Ainda assim, tenho minhas razões para citar a Alemanha

nazista. Meu intuito é afirmar que, mesmo se achar que seus esfor-

ços não serão fundamentais, é crucial que você tente.

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Os céticos dizem sempre que esforços políticos não violentos por

parte de pessoas comuns não poderiam ter derrubado os nazistas.

Teriam razão? Hipóteses estão além da possibilidade de comprova-

ção, de uma forma ou de outra. Em vez de se ater a um debate sobre

a probabilidade de que a não violência “poderia” ter vencido os nazis-

tas, Gene Sharp nos instiga a ponderar como os nazistas sofreram

de fato uma oposição não violenta, tanto dentro da Alemanha como

nos países ocupados.

Professor titular de Oxford e Harvard, Sharp publicou sua

primeira obra em 1960, com prefácio de Albert Einstein. No primeiro

volume de sua obra grandiosa, The Politics of Non-Violent Action

(A política da ação não violenta), Sharp pede que tiremos nossos

óculos de proteção e reconheçamos que o poder político é o nosso

próprio poder — e que ele não está apenas nas urnas eleitorais. Nesse

livro e em outros meios de comunicação, Sharp oferece um relato

incrivelmente abrangente a respeito da resistência não violenta aos

nazistas, muitas vezes omitida por historiadores militares.

Há exemplos demais para listá-los aqui, mas os parágrafos a

seguir dão pistas da variedade de abordagens.

Quando prisioneiros começaram a fugir de uma cadeia polo-

nesa, uma jovem telegrafista arriscou a própria vida ao deixar de

passar uma mensagem pedindo reforço.

Na Noruega, cidadãos fingiam não perceber soldados alemães,

como se eles não existissem, e se recusavam a se sentar ao lado deles

nos transportes públicos. Pode até soar como um ato sem importân-

cia, mas perturbou bastante os alemães: virou ofensa permanecer

de pé nos bondes quando havia assento vago. Quem seria capaz de

imaginar que o moral nazista era tão frágil?

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25 Superando o derrotismo

Na Dinamarca, o rei usou uma estrela amarela em solidariedade

aos judeus, que eram forçados a usar esse símbolo. Quando oficiais

dinamarqueses foram instruídos a arrebanhar judeus para deportá-

-los, deixaram a informação escapar, dando bastante tempo para que

as pessoas se escondessem. Muitos dinamarqueses simplesmente

ignoravam o toque de recolher imposto pelos nazistas, ficando na

rua durante a noite pelo tempo que desejassem.

Na Holanda, cerca de 25 mil judeus obtiveram êxito ao se escon-

der, muitos deles com a ajuda de não judeus.

Na Alemanha, um grupo de cidadãos não judeus protestou

publicamente depois que seus maridos e esposas judeus foram leva-

dos embora. O protesto aconteceu no auge da guerra, no centro de

Berlim. Por incrível que pareça, os protestantes conseguiram o que

queriam: seus cônjuges voltaram para casa e ficaram a salvo até o

fim da guerra.

Em duas ocasiões, marechais de campo alemães deixaram

Hitler falando sozinho em reuniões.

Médicos que não gostavam do regime dispensavam rapazes do

serviço militar. (Passaram a ser conhecidos como doutores “Guten

Tag”,* pois era assim que cumprimentavam pacientes, em vez de

falar “Heil Hitler”.)

Músicos alemães sabotaram a proibição ao jazz americano

criando nomes alemães para as canções de que gostavam.

A oposição mais famosa a Hitler foi organizada pelo movimento

Rosa Branca, que produzia propaganda antinazista enviada pelos

correios a casas de todo o país, escolhidas aleatoriamente através

do catálogo telefônico. Os panfletos surgiram em 1942, quando a

* Bom dia, em alemão.

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guerra ainda ia bem para a Alemanha. “Não seremos silenciados!”,

lia-se em um deles. “Somos a sua consciência pesada!” Os panfletos

foram encontrados por todos os cantos do país. Ninguém suspei-

tou de que o Rosa Branca fosse um grupinho de poucos amigos de

Munique. O último panfleto foi contrabandeado para além das fron-

teiras e milhões de cópias foram jogadas sobre a Alemanha pelos

aviões aliados. A notícia chegou até mesmo aos campos de concen-

tração. “Quando soubemos o que estava acontecendo em Munique”,

um prisioneiro relembraria mais tarde, “nos abraçamos e aplaudi-

mos. Afinal, ainda havia seres humanos na Alemanha”.

Alguns desses atos foram de uma trivialidade risível: tocar jazz

americano! Mas, como veremos, até os atos mais triviais de subver-

são têm o potencial de inspirar os outros.

Se não fosse por esses pequenos obstáculos, o regime de Hitler

poderia ter sido ainda pior do que foi. Em outras palavras: se mais

pessoas tivessem tido a audácia de resistir, as piores atrocidades

nazistas poderiam ter sido evitadas.

Afirmar algo assim não é apenas criticar pessoas que viveram

muito tempo atrás. É nos desafiar, neste exato momento. Porque

é fácil imaginar que teríamos sido corajosos se estivéssemos na

Alemanha daquela época. Mas a questão genuína é perguntar se

não há nada que poderíamos fazer hoje, a respeito de algo que esteja

acontecendo agora. Nos questionarmos se houve momentos em que

sabíamos que devíamos agir, mas não agimos, e nos lembrarmos de

como nos sentimos péssimos. E em seguida decidir fazer tudo o que

pudermos para evitar essa mesma sensação.