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7
FESP FACULDADES
DIREÇÃO ACADÊMICA
COORDENAÇÃO DO CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
CLAUDIO ROMERO FILGUEIRAS BRONZEADO
TIPIFICAÇÃO DA PRÁTICA DE TORTURA NO BRASIL E
ANÁLISE COMPARATIVA DOS ASPECTOS CONCEITUAIS
FRENTE AO DIREITO INTERNACIONAL
João Pessoa
2009
7
CLAUDIO ROMERO FILGUEIRAS BRONZEADO
TIPIFICAÇÃO DA PRÁTICA DE TORTURA NO BRASIL E
ANÁLISE COMPARATIVA DOS ASPECTOS CONCEITUAIS
FRENTE AO DIREITO INTERNACIONAL
Monografia apresentada ao Curso de
Direito da Faculdade de Ensino Superior
– FESP Faculdades, como requisito
parcial à obtenção do grau de Bacharel
em Direito.
Orientador: Profº. Ms. Sérgio Cabral
dos Reis
Área: Direitos Humanos.
João Pessoa
2009
8
B869a Bronzeado, Claudio Romero Filgueiras.
Tipificação da prática de tortura no Brasil e Análise comparativa dos
aspectos conceituais frente ao Direito Internacional / Claudio Romero
Filgueiras Bronzeado – João Pessoa, 2009.
53f.
Orientador Ms. Profº Sérgio Cabral dos Reis
Monografia (Graduação em Direito) Faculdade de Ensino Superior
da Paraíba – FESP.
1. Direitos Humanos. 2. Tortura 3. Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanas e Degradantes I. Título.
BC/FESP CDU: 342.7(043)
7
CLAUDIO ROMERO FILGUEIRAS BRONZEADO
TIPIFICAÇÃO DA PRÁTICA DE TORTURA NO BRASIL E
ANÁLISE COMPARATIVA DOS ASPECTOS CONCEITUAIS FRENTE AO DIREITO INTERNACIONAL
Monografia apresentada à Banca Examinadora da Fesp Faculdades, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Aprovada em: ______ / ______ / 2009.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Prof°. Orientador: Ms.: Sérgio Cabral dos Reis FESP – FACULDADES
____________________________________________
Prof.ª Paula Gecislany Vieira Gomes
____________________________________________
Prof°. Alexandre Cavalcanti Andrade de Araújo
9
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Sérgio Cabral dos Reis, pelo apoio e orientação no decorrer do
trabalho.
Aos Professores do Curso de Direito, por compartilhares seus conhecimentos ao
longo do curso e que direcionaram nosso trabalho.
Aos funcionários da Fesp Faculdades, pela cooperação e dedicação durante o
curso.
Aos colegas e amigos que contribuíram, com incentivos, para a elaboração deste
trabalho.
“A coisa mais indispensável a um homem é reconhecer o uso que deve fazer do seu próprio conhecimento.”
(Platão)
7
RESUMO
O trabalho monográfico a ser apresentado tem como objetivo principal traçar um parâmetro comparativo da tipificação da prática de tortura entre o ordenamento jurídico brasileiro e o direito internacional, como também, analisar os elementos que diferenciam a tortura de outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes. Desse modo, a partir de um levantamento histórico, foi verificado que a prática acima citada sempre existiu, mas carecia de uma melhor conceituação. Inicialmente, o trabalho analisará o contexto histórico da prática de tortura no âmbito internacional, citando os pactos, as declarações e as convenções que influenciaram o Brasil na elaboração da lei que tipifica a tortura (Lei nº 9.455/97). Muitos são os instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos que trazem em seu bojo normas que visam à prevenção, à punição e à reparação de condutas que venham a violar esses direitos. A primeira definição legal que conceituaria a prática de tortura deu-se com a elaboração da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes (1984). Em seguida, é mister analisar o contexto histórico do Brasil, mostrando as arbitrariedades cometidas desde a época colonial, passando pela ditadura militar e verificando a necessidade, em cada fase estudada, de uma norma específica que combatesse a prática de tortura. No Brasil, essa prática foi tipificada com a elaboração da Lei nº 9.455/97. Por fim, a presente monografia analisa as diferenças conceituais, tanto no âmbito internacional, como no âmbito nacional, no que se refere à tipificação, abrangência e sujeitos ativos da prática desse crime.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Tortura. Tratamentos ou penas cruéis,
desumanas e degradantes.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10 CAPÍTULO I EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TORTURA NO ÂMBITO INTERNACIONAL......................................................................................................12 1.1 A tortura no contexto internacional .................................................................12
1.2 Os Instrumentos Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos no que concerne a tortura....................................................................................................15
1.2.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).........................................15
1.2.2 Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948)...................17
1.2.3 Convenção Européia para a Proteção de Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (1950).................................................................................................17
1.2.4 Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966)...............................18
1.2.5 Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes (1975)..........................19
CAPÍTULO II EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TORTURA NO ÂMBITO NACIONAL..22 2.1 A tortura no contexto do Brasil ........................................................................22
2.2 Os tratados Internacionais de Direitos Humanos Ratificados pelo Brasil...26
2.2.1 Convenção Americana Sobre Direitos Humanos..............................................27
2.2.2 Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984)..........................................................................28
2.2.3 Convenção Americana Para Prevenir e Punir a Tortura (1985)........................29
2.2.4 Convenção sobre os Direitos da Criança (1989)...............................................30
2.2.5 Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (1994) – Convenção de Belém do Pará......................................................31
CAPÍTULO III Lei nº. 9.455/97: TIPIFICAÇÃO DA PRÁTICA DE TORTURA NO BRASIL .....................................................................................................................33 3.1 Análise da Lei nº. 9.455/97.................................................................................33
3.1.1 Comentários ao art. 1º.......................................................................................34
3.1.2 Comentários ao art. 2º.......................................................................................40
CAPÍTULO IV ANÁLISE DOS ELEMENTOS QUE DIFERENCIAM A TORTURA ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O DIREITO NACIONAL..........................41 4.1 No Direito Internacional.....................................................................................41
9
4.1.1 Intensidade do sofrimento................................................................................41
4.1.2 Motivação..........................................................................................................42
4.1.3 Intencionalidade................................................................................................42
4.1.4 Crime próprio de agente público ......................................................................42
4.2 No Direito Nacional ...........................................................................................43 4.2.1 Emprego de violência ou grave ameaça...........................................................43
4.2.2 Sofrimento físico ou mental...............................................................................44
4.2.3 Motivação..........................................................................................................45
4.2.4 Crime comum....................................................................................................46
4.3 Elementos que distinguem á prática de tortura de outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes..............................................................47 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................49
REFERÊNCIAS..........................................................................................................51
10
INTRODUÇÃO
O trabalho monográfico a ser apresentado tem como objetivo principal traçar
um parâmetro comparativo da tipificação da prática de tortura entre o ordenamento
jurídico brasileiro e o direito internacional, como também, analisar os elementos que
diferenciam a tortura de outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas e
degradantes.
A importância de se distinguir o delito de tortura das demais formas de
tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes só apareceu quando a lei
elencou conseqüências legais distintas para cada uma dessas condutas, sendo a
tortura punida de modo mais severo.
A proposta é responder as seguintes perguntas: o que significa tortura no
âmbito nacional e internacional? Quais os elementos adotados por cada
ordenamento? Qual a diferença entre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis,
desumanas e degradantes?
Vários são os instrumentos internacionais que trazem em suas normas
vedações ao delito de tortura, por configurar grave violação aos direitos humanos e
à dignidade da pessoa humana.
Verificou-se, entretanto, que só a proibição à prática do delito da tortura não
foi suficiente para impedir que violações fossem se espalhando pelo mundo. Ficou
evidenciado que seria necessária a criação de uma convenção que tratasse
especificamente de combater tal prática atentatória aos Direitos Humanos e à
dignidade da pessoa humana. A Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos
ou Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes (1984), foi o primeiro instrumento
internacional específico para lutar contra tal abuso, definindo, já em seu art. 1º, a
conceituação do que vem a ser a prática de tortura. A convenção estabelece que os
Estados partes devem punir a prática dessa conduta dentro do seu território.
Visando a proteger o direito à vida e à integridade física e mental dos
indivíduos, a Constituição Federal de 1988 prevê em seu art. 5º, III, que “ninguém
será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante” e, em seu art.
5º, XLVII, e, que “não haverá penas cruéis”. A tipificação da prática de tortura no
Brasil foi definida com a elaboração da Lei nº 9.455/97 que teve sua criação
baseada em instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos e,
11
também em nossa Carta Magna. A lei supracitada é tida como um marco em defesa
dos direitos humanos, trazendo inovações importantíssimas, principalmente no que
diz respeito a sua abrangência ao agente do delito, pois, diferente da posição
adotada pela Convenção Contra a Tortura, que caracterizou a tortura como crime
próprio de agente público, restringindo a prática desse delito ao “funcionário público
ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com seu
consentimento ou aquiescência”, a lei brasileira ampliou o rol de sujeitos ativos,
incluindo todo e qualquer cidadão em suas relações particulares.
A presente pesquisa se fundamenta em levantamento bibliográfico, consultas
a artigos, livros, códigos, periódicos, revistas, manuais e sites de internet.
Inicialmente, o trabalho a ser apresentado aborda a evolução histórica e a
definição da conduta criminosa da prática de tortura na esfera internacional, citando
os pactos, as declarações e as convenções que influenciaram na criação de novas
normas internacionais.
Dando seqüência, o trabalho mostra a evolução histórica e a definição da
prática de tortura no direito nacional, desde a colonização, passando pela
implantação do Estado Novo, também conhecido como período ditatorial o qual se
iniciou, no ano de 1936, com o governo provisório de Getúlio Vargas, culminando
com o golpe de estado de 1937, e se prolongou até 1945. Aborda também a
redemocratização de 1946 e as imposições feitas pelo governo, para a ditadura de
1964, para o regime militar, para a legitimação dos atos inconstitucionais, para a
prática disseminada da tortura e para a redemocratização e a Constituição de 1988.
Por fim, será feita uma análise das diferenças conceituais, tanto no âmbito
internacional, como no nacional, no que se refere à tipificação, abrangência e
sujeitos ativos da prática desse crime, como, traçando também um parâmetro
conceitual entre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas e
degradantes.
12
CAPÍTULO I EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TORTURA NO ÂMBITO
INTERNACIONAL
1.1 A tortura no Contexto Internacional
A tortura foi uma prática muito utilizada pelos detentores do poder como forma
de assegurar seu domínio, seja ele financeiro, religioso, ou político, subjugando as
pessoas mais fracas e oprimidas que não tinham meios para poder se defender
contra tal prática. (MAIA, 2001, p.43)
No plano internacional, a tortura era praticada em todas as épocas e nos mais
variados países. Na antiguidade, a tortura era o meio que alguns povos se utilizavam
para obter a confissão dos acusados. Na Grécia antiga, por exemplo, era uma arma
importantíssima para obter a prova forçada. Em Roma, as pessoas que não tinham a
cidadania romana e, também os escravos, sofriam com a prática da tortura quando
eram investigados pelo cometimento de algum crime. (MIRANDA, 2006, p.137)
Na Idade Média, a igreja deu uma forte colaboração para que a tortura se
espalhasse pelo mundo através dos procedimentos inquisitoriais, em que práticas
absurdas de tortura eram cometidas como método de investigação com o intuito de
se obter a confissão do réu.
Para poder apurar se uma pessoa era culpada ou inocente, surgiu um novo
pensamento na Europa, que era relacionado com a interferência divina que dizia se
alguém merecia a condenação ou a absolvição. Tal pensamento era conhecido
como Ordálias ou Juízos de Deus. Acreditava-se na força divina, no sobrenatural
para o esclarecimento da verdade. Um exemplo de como funcionava essa corrente,
era que, quando um homem acusado de algum crime era largado à correnteza de
um rio com os pés amarrados a uma das mãos, caso afundasse, seria culpado, se
flutuasse, seria inocente. A crença era de que Deus proclamava quem era inocente
ou culpado. (JURICIC, 2003, p.12)
Com o surgimento do jusnaturalismo moderno nos séculos XVII e XVIII, o
Estado e a sociedade tiveram que repensar sua estrutura e sua organização. Essa
corrente político-filosófica deu muita força para os movimentos revolucionistas
burgueses, colocando em foco as bases que permeiam a concepção dos direitos
naturais, quais sejam: “imutabilidade – que presume princípios que, por uma razão
ou outra, escapam à história e, por isso, podem ser vistos como intemporais;
13
universalidade destes princípios metatemporais; e o acesso que os homens têm a
estes direitos através da razão”. Sobre o tema, escreve o professor Eduardo
Rabenhorst: “O jusnaturalismo moderno é uma re-interpretação dos postulados
estóicos; é a utilização do postulado da existência de direitos naturais como
justificativa para a construção da moderna idéia de igualdade entre os homens”.
(RABENHORST, 2001, p.29)
Os direitos humanos se formaram com base e sustentação em princípios que
são naturais do ser humano, como o direito à vida e a liberdade, por exemplo, e que
esses princípios tem que ser protegidos pelo Estado, tornando-se este, o
responsável direto pela defesa contra abusos e violações à dignidade da pessoa
humana, como é o caso da prática do delito de tortura.
Para um melhor entendimento da conduta monstruosa da prática de tortura, é
importante ressaltar aqui a preciosa contribuição dada pelo jornalista Élio Gaspari.
Eis o seu comentário:
Na verdade, a tortura é um crime praticado por homens, o seu elemento desumano existe apenas aos olhos da vítima.” E mais. É um crime atraente, pois funciona. “O preso não quer falar, apanha e fala. É sobre essa simples constatação que se edifica a complexa justificativa da tortura pela funcionalidade. O que há de terrível nela é sua verdade. O que há de perverso nessa verdade é o sistema lógico que nela se apóia valendo-se da compreensão, num juízo aparentemente neutro, do conflito entre dois mundos: do torturador e o de sua vítima. Tudo se reduz à problemática da confissão. (GASPARI, 2002, p.37)
A proibição da prática de tortura e de qualquer outro tratamento ou pena
cruel, desumana e degradante, se consolidou com os movimentos revolucionistas
democráticos do final do século XVIII, garantindo vários direitos, chamados de
direitos de primeira geração, que protegia à vida, à propriedade e à liberdade. No
dizer do professor Heiner Bielefeldt:
A primeira ruptura histórica dos direitos humanos ocorreu com as grandes revoluções democráticas do final do século XVIII na América e na França, com a Declaração dos Direitos do Homem (1789) e a Virginia Bill Rights (1776), que marcaram a mudança para uma nova base de política e de direito, que passaria a ser parâmetro nos tempos modernos. (BIELEFELDT, 2000, p.39)
14
Essas revoluções trouxeram uma gama de proteções contra quaisquer dos
atos que atentassem contra a vida de um ser humano, na Europa, a tortura não era
mais o principal instrumento utilizado nos procedimentos de investigação criminal.
Foram extintas praticamente todas as punições corporais nos países europeus.
Com o desenvolvimento tecnológico do século XX, muitos pensavam que
essas atrocidades não iriam mais acontecer, mas com a ocorrência das duas
guerras mundiais (1914 – 1918/ 1939 – 1945) ficou evidente a fraqueza das
proteções trazidas pelos movimentos democráticos. A Alemanha nazista e a Itália
fascista capitanearam verdadeiros absurdos em termos de tortura e maus tratos,
sem falar na barbárie do genocídio contra o povo judeu, cometido pela Alemanha de
Hitler.
A incorporação decisiva dos direitos humanos ao direito internacional veio
com o fim da Segunda Guerra Mundial. O Estado nacional não passava qualquer
confiança no que diz respeito à proteção dos direitos humanos, pois na grande
maioria das vezes, era ele, o Estado, o primeiro a violar as regras de proteção.
(BIELEFELDT, 2000, p.41)
O art. 5º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, anota que “ninguém
será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis desumanos ou
degradantes”. A Declaração trouxe em suas normas a proibição da prática dessas
condutas, sem, no entanto, defini-las.
O primeiro órgão internacional que veio a esclarecer e diferenciar o crime de
tortura dos outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes foi a Comissão
Européia de Direitos Humanos. De acordo com essa comissão, a humilhação que
uma pessoa sofre perante outras, vindo a agir contra sua vontade ou consciência, se
encaixaria no conceito de tratamento degradante. Já a imposição de um grave
sofrimento, físico ou mental injustificável, caberia no conceito de tratamento
desumano. E por último, quando uma pessoa por alguma razão sofre uma forma
ainda mais grave de tratamento desumano, seria conceituado como tortura.
Mesmo com as proibições impostas, ficou evidenciado que a prática de tortura
ainda acontecia em vários países.
Com o objetivo de proteger, fiscalizar e punir os atos que violassem as regras
dos direitos humanos, várias organizações internacionais foram criadas. Estas
organizações são de fundamental importância na luta contra a prática do delito de
15
tortura e de outras formas de tratamentos ou penas cruéis, desumanas e
degradantes utilizadas pelos Estados membros.
Esta monografia analisa alguns dos tratados internacionais que tem em seu
bojo normas que visam à proteção e à punição desses atos tão cruéis.
1.2 Instrumentos Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos no que
concerne a tortura
Ora, essa convicção de que todos os seres humanos têm direito a serem igualmente respeitados, pelo simples fato de sua humanidade, nasce vinculada a uma instituição social de capital importância: a lei escrita, como regra geral e uniforme, igualmente aplicável a todos os indivíduos que vivem em uma sociedade organizada. (COMPARATO, 2005, p. 12)
Os instrumentos internacionais visam a defender e a detectar violações ou
omissões com relação a assuntos que envolvam os direitos humanos. Esses
instrumentos têm o poder de fiscalizar, proteger e supervisionar os Estados
membros, que são responsáveis primários, no que tange a proteção de direitos, e os
instrumentos internacionais, possuindo responsabilidade subsidiária.
Os instrumentos internacionais, quando andam juntos com o direito interno,
aumentam, fortificam e aperfeiçoam o regime de proteção dos direitos humanos
tornando-se peça fundamental e garantidora do princípio da dignidade da pessoa
humana.
1.2.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)
Esta declaração serviu de inspiração para a maioria dos tratados e
convenções e das leis nacionais no tocante aos direitos humanos. Foi elaborada em
razão das atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial, visando à proteção e
ao reconhecimento em todo o mundo das liberdades fundamentais e dos direitos
humanos.
A declaração de 1948 estabelece duas categorias de direitos: os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais. Combina, assim, o discurso liberal e o discurso social da cidadania,
16
conjugando o valor da liberdade com o valor da igualdade. (PIOVESAN, 2007, p. 131).
Os princípios da igualdade, fraternidade e da liberdade, são destacados em
seu art. 1º:
Art. 1º. Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito e fraternidade. (JURICIC, 2003, p.84)
Os direitos de liberdade e de igualdade, de acordo com esta declaração,
passaram a ter características de interdependência e indivisibilidade.
(COMPARATO, 2005, p.226)
A existência humana, com o advento da segunda Guerra Mundial, ficou muito
frágil, pois se pregava a existência de uma raça superior. O art. 2º da referida
declaração destacou e reconheceu a igualdade entre as pessoas.
Art. 2º. Toda pessoa tem capacidade, para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. (JURICIC, 2003, p.84)
O art. 5º foi elaborado com forte influência dos instrumentos internacionais.
Art. 5º.Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante (JURICIC, 2003, p.84)
De acordo com esta declaração, todos os povos são iguais e é garantido a
todos, o direito à dignidade da pessoa humana. Todo ser humano deve ser regido
pelo princípio da igualdade fundamental. O art. 7º, da referida declaração, garante
esta igualdade perante a lei.
Art. 7º. Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente declaração e contra qualquer incitamento a tal descriminação. (JURICIC, 2003, p.85)
Sobre a elaboração teórica desta convenção, analisa Fábio Konder
Comparato:
17
A declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada unanimemente pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, condensou toda a riqueza dessa longa elaboração teórica, ao proclamar, em seu art. VI, que todo homem tem direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa. (COMPARATO, 2005, p. 32)
A democracia, o acato aos direitos humanos e o princípio da dignidade da
pessoa humana têm que ser respeitados pelos Estados, e o homem, merecedor de
todos esses direitos.
1.2.2 – Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948)
Todos os homens nascem livres e iguais em dignidades e direitos.
Art. 1º. Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa. (JURICIC, 2003, p.90)
A garantia internacional dos direitos humanos foi globalizada com a
elaboração da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem em
concordância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O indivíduo
começou a ser protegido como pessoa.
Art. 2°. Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os direitos e deveres consagrados nesta declaração, sem distinção de raça, língua, crença, ou qualquer outra. (JURICIC, 2003, p.90)
Cada cidadão tem que estar comprometido para que haja uma eficácia destes
direitos. Os direitos e deveres têm que andar juntos com o exercício da prática social
e política, pois, só assim estará assegurada a dignidade humana.
1.2.3 Convenção Européia para a Proteção de Direitos Humanos e das
Liberdades Fundamentais (1950)
Alguns dos direitos humanos assegurados pela União Européia estão
garantidos por esta convenção. Para que a proteção a dignidade da pessoa humana
fosse garantida de modo completo, esta convenção foi dividida em cinco capítulos.
São eles:
18
I – Descreve os direitos e liberdades protegidas;
II – Cria dois órgãos responsáveis pela tutela dos direitos humanos, que são: a
Comissão Européia de Direitos Humanos e a Corte Européia de Direitos Humanos;
III e IV – Tratam dos dois órgãos responsáveis pela tutela dos direitos humanos na
União Européia;
V – Trata de algumas questões administrativas e de competências que são
importantes.
Vários direitos e deveres foram garantidos por esta convenção, como
também, liberdades civis e políticas foram estabelecidas. É importante salientar que
várias normas européias sofreram influências das normas contidas nesta
convenção.
1.2.4 Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966)
O direito de não ser submetido à tortura, o direito à vida, à liberdade, à não
ser submetido à escravidão, estão entre os mais importantes direitos inderrogáveis
garantidos por esta convenção.
Art. 1º - 1 – Todos os povos tem direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural. 2 – Para a consecução de seus objetivos, todos os povos podem dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações decorrentes da cooperação econômica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo, e do direito internacional. Em caso algum, poderá um povo ser privado de seus meios de subsistência. 3 – Os Estados partes do presente pacto, inclusive aqueles que tenham a responsabilidade de administrar territórios não autônomos e territórios sob tutela, deverão promover o exercício do direito à autodeterminação e respeitar esse direito, em conformidade com as disposições da Carta das Nações Unidas (PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS – DHNET, 2009, p.1).
Fábio Konder Comparato, analisando o art. 7º deste pacto diz:
O art. 7º, do pacto, veda a prática de tortura, dos tratamentos e penas cruéis, desumanos ou degradantes e reforça que são praticados por submissão a alguém, sem sua autorização a experiências científicas e médicas. Além disso, compreendem os
19
tratamentos executados nos campos de concentração do Estado nazista e também engloba os tratos exercidos pelos Estados democráticos de desconhecimento dos pacientes e da população. (COMPARATO, 2005, p. 294)
Veja o que diz o referido artigo:
Art. 7º - Ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido, sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a experiências médicas cientificas. (PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS – DHNET, 2009, p.4)
A ONU adotou o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos no ano de
1966, mas só entrou em vigor no ano de 1976. Sua ratificação passou por muitos
atrasos em decorrência da guerra fria. Sua principal fonte de apoio é a Carta das
Nações Unidas.
1.2.5 Declaração Sobre a Proteção de Todas as Pessoas Contra a Tortura e
Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes (1975).
Essa declaração foi baseada na Carta das Nações Unidas, garantindo a
liberdade, a igualdade e a inalienabilidade dos direitos.
Art. 1º - 1 – Para efeitos da presente declaração, entende-se por tortura todo ato pelo qual um funcionário público, ou outrem por ele instigado, inflija intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos graves, físicos ou mentais, com o fim de obter dela ou de terceiro uma informação ou confissão, de a punir por um ato que tenha cometido ou se suspeite que cometeu, ou de intimidar essa ou outras pessoas. Não se consideram tortura as penas ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente da privação legítima de liberdade, inerentes a esta sanção ou por ela provocados, na medida em que estejam em consonância com as regras mínimas para o tratamento de reclusos. 2 - A tortura constitui uma forma agravada e deliberada de pena ou tratamento cruel, desumano ou degradante (DECLARAÇÃO SOBRE A PROTEÇÃO DE TODAS AS PESSOAS CONTRA A TORTURA E OUTROS TRATAMENTOS OU PENAS CRUEIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES – DHNET, 2009, p.1).
20
Os Estados membros, em caso algum, poderão permitir a prática de tortura
dentro do seu território, mesmo em casos considerados excepcionais, como são os
casos de conflitos e guerras.
Art. 3º. Nenhum Estado permitirá ou tolerará a tortura ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Não poderão ser invocadas circunstâncias excepcionais, tais como o estado de guerra ou ameaça de guerra, a instabilidade política interna ou qualquer emergência pública como justificação para a tortura ou de outras penas ou de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (DECLARAÇÃO SOBRE A PROTEÇÃO DE TODAS AS PESSOAS CONTRA A TORTURA E OUTROS TRATAMENTOS OU PENAS CRUEIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES – DHNET, 2009, p.2).
Se forem comprovados atos de tortura, os Estados membros devem garantir
quais medidas serão adotadas para que esses atos sejam penalmente punidos.
Art. 7º. Todos os Estados assegurarão que os atos de tortura definidos no art. 1º constituem crimes em face da sua legislação penal. O mesmo se aplicará aos atos que constituem participação, cumplicidade, incitamento ou tentativa de cometer tortura (DECLARAÇÃO SOBRE A PROTEÇÃO DE TODAS AS PESSOAS CONTRA A TORTURA E OUTROS TRATAMENTOS OU PENAS CRUEIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES – DHNET, 2009, p.3).
Importante citar aqui, a valiosa contribuição dada por Cesare Beccaria que
fala da inútil e repugnante prática do delito de tortura:
Direi ainda que é monstruoso e absurdo exigir que um homem acuse-se a si mesmo, e procurar fazer nascer a verdade por meio dos tormentos, como se a verdade estivesse nos músculos e nas fibras do infeliz! A lei que autoriza a tortura é a que afirma: „Homens, resisti à dor. A natureza dotou-vos de um amor invencível ao vosso ser, e o direito inalienável de vos defenderdes; porém eu desejo criar em vós um sentimento totalmente diverso; quero inspirar-vos um ódio a vós mesmos; ordeno-vos que sejais vossos próprios acusadores e finalmente digais a verdade em meio a torturas que vos partirão os ossos e dilacerarão os vossos músculos. (BECCARIA, 2001, p.38)
O bem jurídico protegido no crime de tortura é a dignidade da pessoa
humana. Nega-se ao torturado a sua condição de pessoa, transmudando-o em mero
objeto, numa flagrante degradação da vítima de sua condição humana. Torturar
22
CAPÍTULO II EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TORTURA NO ÂMBITO NACIONAL
2.1 A tortura no contexto do Brasil
A tortura e os tratamentos desumanos no Brasil atravessaram séculos. Tais
práticas eram utilizadas contra os povos indígenas que não aceitavam a ocupação e
dominação dos seus territórios; eram também utilizadas como forma de castigo e
disciplina contra os escravos negros quando tentavam escapar das senzalas; contra
anarquistas, socialistas e comunistas, ou seja, contra as classes menos favorecidas
que de alguma forma tentassem ir de encontro ao que era determinado pelas
pessoas detentoras do poder. (MIRANDA, 2006, p.138)
Podemos dizer que a prática de tortura e os tratamentos desumanos, no
Brasil, foram introduzidos e legalizados pelos portugueses. A Coroa Portuguesa
concedeu aos donatários, total poder sobre índios, peões e escravos, inclusive pena
de morte, para que, aqueles, se utilizassem da mão-de-obra desses, com o intuito
de fazer prosperar as Capitanias Hereditárias. (MAIA, 2001, p.43)
Com o surgimento da primeira constituição brasileira (1824), a tortura e os
tratamentos desumanos foram extintos, mas apenas para os homens livres. Os
escravos continuaram sofrendo todo tipo de tratamento desumano, como
mutilações, açoite e ferro quente. Foi nessa época do Brasil colonial, que o racismo
tomou corpo dentro da sociedade, impingindo a idéia de que os negros eram apenas
coisas, mercadorias. Em 1888, a escravidão era abolida no Brasil.
As constituições seguintes (1891, 1934 e 1946), trouxeram em seu corpo,
normas que proibiam a prática de penas corporais. O movimento iluminista exerceu
uma forte influência na elaboração do Código Penal de 1940, onde penas corporais
foram substituídas por perda de liberdade em prisões, que não eram só locais de
punição, mas também de reabilitação.
Com a revolução do Estado Novo, conceito dado ao período ditatorial no
contexto da história do Brasil, que ficou sob a responsabilidade do governo
provisório de Getúlio Vargas, teve início com o golpe de estado de 1937 e tinha o
objetivo de assegurar a permanência do presidente no poder. Deu-se início a criação
de inúmeros instrumentos que ficavam a cargo de controlar, reprimir e censurar a
imprensa, cinema e rádio, dando origem ao DIP (Departamento da Imprensa e
Propaganda) com o intuito primordial de exercer a censura total daqueles meios de
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comunicação. Havia, nesta época, um clima de total insegurança na sociedade, pois
qualquer indivíduo que era considerado perigoso para a ordem pública era torturado
e assassinado pela polícia secreta, que foi criada para conter os movimentos
ideológicos de insurreição.
O poder judiciário não realizou o seu papel, houve vários relatos de pessoas
que foram mantidas presas em cárcere ilegal, passando meses e até anos sob a
tutela dos militares, e o pior, sem que tivesse havido processo judicial ou acusação
formal. Muitas pessoas foram denunciadas mesmo sem serem oposicionistas. Veja o
que diz Adriana Dias Vieira em sua dissertação de mestrado:
O Brasil sofreu, ao longo do século XX, uma série de irrupções ditatoriais. Nestes momentos, em particular na ditadura de Vargas (1937 – 1945) e na ditadura militar (1964 – 1985), a prática de tortura foi sistematicamente utilizada contra os opositores do regime. Explica o professor Yves Michaud que a violência (tortura, desaparecimento etc) é utilizada como instrumento de “terrorismo de Estado”, entretanto não é declarada, pois seu caráter clandestino faz parte de sua eficiência: a clandestinidade cria/ produz o medo entre os cidadãos, o estado de insegurança generalizado e, por conseguinte, a despolitização da vida pública (VIEIRA, 2007, p.46).
Os direitos individuais foram reduzidos, era permitida a interferência do
presidente da república nas decisões do poder judiciário. Sobre a ditadura Vargas,
comenta Adriana Dias Vieira:
Na primeira metade do séc. XX, durante a ditadura de Vargas, foi promulgado o Código Penal de 1940. Os manuais jurídicos tendem a reproduzir a idéia de que este Código Penal reflete os ideais do direito penal moderno: consolida a pena privativa de liberdade como a mais importante sanção penal, em concorrência com outros dois tipos de sanção penal: pena privativa de direitos e multa. A violência que dantes era abertamente exercida nas ruas e praças (assim como na experiência européia) deve, em tese, passar a ser exercida nos cárceres brasileiros que, teoricamente, devem ser lugares de ressocialização do apenado. (VIEIRA, 2007, p. 46)
Com o fim do Estado Novo, o Brasil tentou aplicar um processo de
democratização. Foi aprovada, em 1946, uma Constituição de natureza liberal e
democrática. Esta nova constituição tinha como fundamento o predomínio dos
princípios liberais.
Com a ditadura militar (1964 – 1985), a prática de tortura ganhou força, ela
era utilizada contra as pessoas que lutavam do lado oposto ao do regime militar.
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Centros de detenção e tortura, como DOI-CODI (Departamento de Operações de
Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) e o DOPS (Departamento
de Ordem Política e Social, de âmbito Estadual), aplicavam uma sessão de
pancadaria nos prisioneiros políticos. Os opositores eram presos, torturados,
exilados ou mortos. Todas essas barbáries eram praticadas pelo regime militar com
o objetivo de aniquilar os movimentos sociais inconformados com a propagação de
tais abusos. (JURICIC, 2003, p.59)
O jornalista Percival de Souza comentando sobre a ditadura militar diz:
A cultura do pau ou sociologia do cacete era fruto de uma mentalidade segundo a qual prisioneiros acusados de crime não falam sem ser convenientemente espancados. „Não se trata bandido a pão-de-ló ou com bombons‟, costumava-se dizer e ainda se costuma dizer. Aí reside a cultura: não haveria outra forma de descobrir fatos, em especial os escabrosos. (SOUZA, 2000, p.31)
A tortura e os tratamentos desumanos têm que ser encarados como uma
arma política utilizada pelos poderosos para se manterem no poder e não só como
um mero ingrediente nos interrogatórios.
Sobre o tema, comenta Élio Gaspari:
Oficiais-generais, ministros e presidentes recorrem à tortura como medida de defesa do Estado enquanto podem se confundir com ele. Valem-se dela, em determinados momentos, contra determinadas ameaças, para atingir objetivos específicos. (GASPARI, 2002, p.25)
Com o fim da ditadura militar, ficou evidente a importância de se construir
normas, leis, instrumentos, ou seja, um verdadeiro arcabouço jurídico com um intuito
primordial de proteger os direitos humanos, abolindo toda e qualquer prática de
tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes.
Em 1985, José Sarney assinou a Convenção Internacional Contra a Tortura,
que foi ratificada pelo Congresso em 1989, e entrou em vigor com o Decreto n. 40,
em 1991.
Uma importante arma no processo de redemocratização do Brasil foi a
elaboração de uma nova constituição, que foi promulgada em 05 de outubro de
1988. Dentre as disposições contidas nessa nova constituição podemos destacar a
garantia dos direitos humanos contra a arbitrariedade do Estado, o racismo e a
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tortura como crimes inafiançáveis. O art. 5 º, da Constituição de 1988, diz que:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Diz também o inciso III do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988:
“Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento cruel, desumano e
degradante”.
O Brasil ratificou várias convenções internacionais relacionadas à prática de
tortura e à tipificação dos crimes contra os direitos humanos. Sobre os direitos
fundamentais de todo ser humano e de uma sociedade justa, analisa Norberto
Bobbio:
Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá paz estável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo. (BOBBIO, 1992, p. 34)
O Brasil firmou o compromisso com a comunidade internacional em lutar
contra atos que violassem os direitos fundamentais do indivíduo. É inegável o
progresso alcançado em relação aos direitos humanos ao redor do mundo,
especialmente no Brasil, em termos de normas, de proteções, de garantias e mesmo
de efetivo exercício.
Mas a tipificação do crime de tortura só surgiu após a elaboração de uma Lei
Ordinária (Lei 9.455/97) que esclareceu o que se configuraria o delito da prática de
tortura no Brasil.
No entanto, depois de adotarmos quase todos os instrumentos de proteção
dos direitos humanos e aqueles que especificamente protegem contra a prática de
tortura e outros tratamentos desumanos, essas condutas continuam a ser praticadas
com poucas condenações na justiça.
Uma questão importante a se comentar é que, dados afirmam que a maioria
das vítimas atingidas por essas monstruosas práticas são integrantes das camadas
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menos favorecidas da sociedade, ou seja, criminosos comuns, pobres e negros que
estão envolvidos em crimes de menor potencial ofensivo.
Edson Vidigal, que já foi Ministro do Superior Tribunal de Justiça, em
entrevista à CBN, em Manaus, dia 19 de fevereiro de 2006 disse: “Existe uma justiça
PPPV – Para Pobre, Puta, Preto e Veado”. (MIRANDA, 2006, p.142)
Tal fato é de menor importância se compreendermos que a tortura e os
tratamentos desumanos são crimes gravíssimos que atentam contra o Estado
Democrático de Direito. A maior consciência dos direitos inerentes à pessoa e à
consolidação da democracia se torna mais fortes não apenas frente ao Estado, mas
também frente às tradições culturais e sociais, muitas vezes discriminatórias ou
diminuidoras da liberdade individual.
2.2 Os tratados Internacionais de Direitos Humanos Ratificados pelo Brasil
Os instrumentos internacionais exercem um impacto significativo sobre os
Estados. Flávia Piovesan afirma:
Os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, ao consagrarem parâmetros mínimos a serem respeitados pelos Estados, apresentam um duplo impacto: são acionáveis perante as instâncias nacionais e internacionais. No campo nacional, os instrumentos internacionais conjugam-se com o Direito interno, ampliando, fortalecendo e aprimorando o sistema de proteção dos direitos humanos, sob o princípio da primazia da pessoa humana. No campo internacional, os instrumentos internacionais permitem invocar a tutela internacional, mediante a responsabilização do Estado, quando direitos humanos internacionalmente assegurados são violados. Para o Direito Internacional dos Direitos Humanos, o Estado tem a responsabilidade primária no tocante à proteção de direitos, tendo a comunidade internacional a responsabilidade subsidiária, quando as instituições nacionais se mostrarem falhas ou omissas na proteção de direitos. O objetivo maior da tutela internacional é propiciar avanços internos no regime de proteção dos direitos humanos. (PIOVESAN – DHNET, 2009, p.1)
Várias normas que se encontram dentro da Constituição Federal de 1988, no
que tange a proteção dos direitos humanos, foram baseadas na Declaração
Universal dos Direitos Humanos, que foi de fundamental importância no
desenvolvimento de projetos, na política e em ações que visavam o lado social.
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Com a ratificação da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos
Cruéis, Desumanos e Degradantes, deu-se o início da incorporação dos direitos
humanos pelo Brasil. Com o intuito primordial de proteger os direitos humanos,
depois de aceitar este acordo, o Brasil ratificou vários outros instrumentos
internacionais que visavam a assegurar e garantir a proteção do princípio da
dignidade da pessoa humana.
2.2.1 Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (1969)
Esta convenção tem como preceito fundamental atender aos princípios
básicos da dignidade da pessoa humana. Diz o seu art. 1º:
Art. 1º - 1 – Os Estados partes nesta convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita a sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. 2 – Para os efeitos desta convenção, pessoa é todo ser humano. (JURICIC, 2003, p. 132).
Sobre suas normas comenta Fábio Konder Comparato:
Em suas normas, nota-se a influencia e reprodução de vários preceitos que constam no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966). Um avanço em relação ao pacto foi a vedação da pena de morte nos países que já haviam abolido de suas normas, também se proibindo sua execução em crimes políticos ou comuns. Diferencia-se da Declaração Universal dos Direitos Humanos em alguns aspectos, entre eles: seu regulamento não tem apenas caráter material, estando também presente a designação dos órgãos competentes, para executar e fiscalizar o compromisso firmado pelos Estados participantes desta convenção. (COMPARATO, 2005, p. 362)
Em relação à tortura e aos tratamentos desumanos diz o art. 5º:
Art. 5º - 2 – Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano (JURICIC, 2003, p. 133).
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Conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, tem, como fundamentos,
o respeito aos direitos humanos essenciais, de acordo com instituições
democráticas, a liberdade pessoal e a justiça social.
2.2.2 Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes (1984).
A referida convenção foi adotada no ano de 1984, mas só entrou em vigor no
ano de 1987. Apresenta 3 (três) elementos fundamentais para que fique
caracterizada a prática de tortura, que são: sofrimento físico ou mental severo,
motivação e a condição de agente público. Observemos o que diz o art. 1º desta
convenção:
Art. 1º - 1 – Para fins da presente convenção, o termo “tortura” designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa, a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido, ou seja, suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções, ou delas decorram. 2 – O presente artigo não será interpretado de maneira a restringir qualquer instrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa conter dispositivos de alcance mais amplo (JURICIC, 2003, p. 96).
A convenção contra a tortura, depois que foi ratificada pelo Brasil, passou a
ser considerada como uma lei investida de força vinculante. Entre seus objetivos
podemos destacar: o de revisar relatórios entregue pelos Estados; avaliar denúncias
feitas por um Estado membro, quando houver uma violação cometida por outro
Estado membro; também cuida da parte de investigação de denúncias, quando
houver suspeitas acerca da prática de condutas que são proibidas por esta
convenção. Os Estados partes devem elaborar medidas protetivas que vedem o
crime de tortura. Diz o art. 2º:
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Art. 2º - 1 – Cada Estado parte tomará medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de outra natureza, a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição. 2 – Em nenhum caso, poderão invocar-se circunstâncias excepcionais, tais como ameaça ou estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública como justificação para a tortura. 3 – A ordem de um funcionário superior ou de autoridade pública não poderá ser invocada como justificação para tortura (JURICIC, 2003, p. 97).
As petições individuais, as comunicações interestatais e os relatórios são os
meios de fiscalização adotados por esta convenção. Os Estados membros devem
assegurar que, penas justas serão aplicadas para os agentes que cometerem essas
práticas.
Art. 4º - 1 – Cada Estado parte assegurará que todos os atos de tortura sejam considerados crimes segundo a sua legislação penal. O mesmo aplicar-se-á à tentativa de tortura e a todo ato de qualquer pessoa que constitua cumplicidade ou participação na tortura. 2 – Cada Estado parte punirá estes crimes com penas adequadas que levem em conta a sua gravidade (JURICIC, 2003, p. 97).
Foi de fundamental importância a adoção desta convenção pela Organização
das Nações Unidas, para que o delito da tortura se tornasse, pelo mundo, uma
prática totalmente proibida.
2.2.3 Convenção Americana Para Prevenir e Punir a Tortura (1985)
O seu artigo primeiro garante a vedação da prática da tortura por seus
Estados membros.
Art. 1º. Os Estados partes obrigam-se a prevenir e a punir a tortura, nos termos desta convenção (CONVENÇÃO AMERICANA PARA PREVENIR E PUNIR A TORTURA) (NETO, 2003, p. 909)
A definição de tortura veio elencada em seu art. 2º.
Art. 2º. Para os efeitos desta convenção, entender-se-á por tortura todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou com qualquer outro fim. Entender-
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se-á também como tortura a aplicação, sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica. Não estarão compreendidos no conceito de tortura as penas ou sofrimentos físicos ou mentais que sejam unicamente conseqüência de medidas legais ou inerentes a ela, contanto que não incluam a realização dos atos ou a aplicação dos métodos a que se refere este artigo. (CONVENÇÃO AMERICANA PARA PREVENIR E PUNIR A TORTURA) (NETO, 2003, p. 909).
A prática do delito da tortura, em relação aos agentes, ficou restringida aos
funcionários e empregados públicos. É o que prega o art. 3º.
Art. 3º. Serão responsáveis pelo delito de tortura: a) os empregados ou funcionários públicos que, atuando nesse caráter, ordenem sua comissão ou instiguem ou induzam a ele, cometam-no diretamente ou, podendo impedi-lo, não o façam. b) as pessoas que, por instigação dos funcionários ou empregados públicos a que se refere a alínea a, ordenem sua comissão, instiguem ou induzam a ele, cometam-no diretamente ou nele sejam cúmplices (CONVENÇÃO AMERICANA PARA PREVENIR E PUNIR A TORTURA) (NETO, 2003, p. 910).
Em complemento ao proposto pelo artigo 3º desta Convenção, o artigo 4º.
assegura a responsabilidade penal do agente que cometeu o crime de tortura por
determinação de superiores hierárquicos.
Art. 4º. O fato de haver agido por ordens superiores não eximirá a responsabilidade penal correspondente (CONVENÇÃO AMERICANA PARA PREVENIR E PUNIR A TORTURA) (NETO, 2003, p. 910).
A prática em comento não deve ser cometida em hipótese alguma, nem
mesmo quando os superiores hierárquicos determinarem, pois, o agente não será
agraciado com a isenção da pena.
2.2.4 Convenção sobre os Direitos da Criança (1989)
Esta convenção apresenta o maior número de ratificações. O direito à vida, à
liberdade de pensamento, à nacionalidade, entre outros, principalmente no que se
refere à proteção contra a tortura e outros tratamentos cruéis e degradantes, são
assegurados pela referida convenção.
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Art. 2º - 2 - Os Estados partes tomarão todas as medidas apropriadas, para assegurar que a criança seja protegida contra todas as formas de discriminação ou punição baseadas na condição, nas atividades, opiniões ou crenças, de seus pais, representantes legais ou familiares (JURICIC, 2003, p. 112).
Os interesses da criança terão atenção primordial.
Art. 3º. Em todas as medidas relativas às crianças, tomadas por instituições de bem estar social públicas ou privadas, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão consideração primordial os interesses superiores da criança (JURICIC, 2003, p. 112).
Em relação a tortura e a outros tratamentos cruéis, desumanos ou
degradantes, o artigo 37, desta convenção, elenca que:
Art. 37º. Os Estados partes assegurarão que: a) Nenhuma criança será submetida a tortura nem a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Não será imposta a pena de morte, nem a prisão perpétua, sem possibilidade de livramento, por delitos cometidos por menores de dezoito anos de idade (JURICIC, 2003, p. 123).
O referido artigo assegura que nenhuma criança deverá ser torturada ou
submetida a nenhum tratamento cruel ou degradante. Ainda resguarda o menor de
18 (dezoito) anos, a não ser aplicada a pena de morte e prisão perpétua.
2.2.5 Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Contra a Mulher (1994) – Convenção de Belém do Pará.
O art. 1º desta convenção conceitua o que vem a ser violência contra a
mulher.
Art. 1º. Para efeitos desta convenção deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado (JURICIC, 2003, p. 163).
A garantia e proteção de todos os direitos humanos e a vedação ao delito de
tortura vêm dispostas no artigo 4º:
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Art. 4º. Toda mulher tem direito ao reconhecimento, gozo, exercício e proteção de todos os direitos humanos e às liberdades consagradas pelos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos. Estes direitos compreendem, entre outros: d) o direito a não ser submetida a tortura (JURICIC, 2003, p. 164).
O princípio da igualdade foi o fundamento principal que ajudou na elaboração
das normas dessa convenção. Mas não foi adotada por muitos países, pois
alegaram questões referentes à religião, cultura e costumes que impediriam a
adoção das normas elencadas nesta convenção. Portanto, a referida convenção
sofreu várias reservas.
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CAPÍTULO III Lei nº. 9.455/97: TIPIFICAÇÃO DA PRÁTICA DE TORTURA NO
BRASIL
3.1 Análise da Lei nº. 9.455/97
Sobre a tortura e o papel do Estado no combate a esse delito, analisa Flávia
Piovesan:
Como já disse o relator da ONU, a tortura é um „crime de oportunidade‟, que pressupõe a certeza da impunidade. A luta contra a tortura, portanto, centra-se na criação e manutenção de mecanismos que eliminem a "oportunidade" de torturar, garantindo a transparência das atividades de polícia. São necessárias medidas preventivas -transparência do sistema, garantia de livre acesso aos centros de detenção para grupos da sociedade civil, autoridades e mídia e treinamento de policiais e dos funcionários responsáveis pela custódia de pessoas- e repressivas-quando da denúncia de tortura, que o Estado cumpra com rigor o dever de investigar, processar e punir seus perpetradores. A tortura lança o Estado à delinquência, subvertendo a própria lógica do aparato estatal, que, de guardião da lei e assegurador de direitos, transforma-se em agente violador da lei e aniquilador de direitos. (PIOVESAN – DHNET, 2009, p.2)
A Constituição Federal de 1988, em seu título II, capítulo I, assegura como um
dos direitos individuais e coletivos, a garantia aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no país de não serem submetidos à tortura (Art. 5º, inciso III).
De Plácido e Silva analisando a tortura diz:
Tortura, é tido na mesma significação de tormento. É o sofrimento, ou a dor provocada por maus-tratos físicos ou morais. A tortura, outrora, era o meio judicial de que se usava na intenção de obter confissões. É ato desumano, que não se coaduna com as idéias da era presente, sendo atentário à dignidade humana. Nem mesmo como meio de correção, como castigos corpóreos, a tortura ou maus tratos merecem proteção legal. Bem ao contrário a lei não os permite, nem mesmo aos pais, como corretivo aos filhos. (SILVA, 2008, p. 1413).
Um episódio de elevada gravidade ocorrido na favela Naval, em Diadema -
São Paulo, foi de fundamental importância para que o nosso ordenamento jurídico
acordasse para a necessidade de apressar os legisladores para que estes tratassem
a tortura como crime autônomo. Sobre o episódio ocorrido, narra Paulo Jurucic:
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Neste episódio, ocorrido nas madrugadas dos dias 3, 5 e 7, de março de 1997, e gravado por um cinegrafista amador, treze pessoas foram revistadas e espancadas, gratuitamente, por policiais militares, cujas sessões de tortura duraram até oito minutos. Um homem negro leva tapas na cara e golpes de cassetete, sem resistir, e é conduzido para trás de um muro, sendo espancado novamente e, ao mesmo tempo um outro policial ri. Uma outra vítima recebe trinta e quatro golpes de cassetete nas costas e nas solas dos pés, enquanto é mantida deitada sobre o capô do carro. Por fim, o policial atira no veículo em movimento, atingindo, de modo fatal, um conferente. Um mês após o ocorrido, em meio a comoção social, em data de 7 de abril de 1997, foi sancionada a Lei nº. 9.455, definindo os crimes de tortura (JURICIC, 2003, p.1)
Mesmo o Brasil tendo ratificado várias convenções e tratados internacionais
que combatem a tortura, a referida prática não era observada de forma isolada. O
Estatuto da Criança e do Adolescente mencionava a tortura no art. 233, mas não
esclarecia exatamente o que seria tortura. No código penal, a tortura é mencionada
pelo art. 121, § 2º, III, como homicídio qualificado pela tortura, e para os demais
delitos, a tortura era tida, apenas, como uma circunstância agravante.
O legislador ordinário acertou em decretar a lei da tortura, proibindo essa
prática repugnante, que se arrasta ao longo dos tempos, desde a mais remota
antiguidade.
3.1.1 Comentários ao art. 1º:
Art. 1º. Constitui crime de tortura: I – Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental; a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa. (LEI n.º.9.455/97)
De acordo com o art. 1º, I, para que possa estar caracterizado o crime de
tortura, exige-se a demonstração dos seguintes elementos: constrangimento ou
submissão da pessoa; uso de violência ou grave ameaça; sofrimento físico ou
mental, e finalidade especial de agir.
No dizer de Fernando Capez, no art. 1º, I, da referida lei, estão previstos três
crimes:
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[...]
a) Primeiro crime: tortura-persecutória ou tortura-prova. Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vitima ou de terceira pessoa; b) Segundo crime: tortura-crime. Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) Terceiro crime: tortura-racismo: Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, em razão de discriminação mental ou religiosa (CAPEZ, 2009, p. 698 e 699).
O bem jurídico que é tutelado por este artigo é a integridade corporal e a
saúde física e psicológica das pessoas. Se o crime for praticado por agente público,
protege-se também, de maneira secundária, a Administração Pública, pois, foram
violados os seus objetivos de legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência.
O crime de tortura tipificado nesta lei é considerado crime comum, podendo
ser cometido por qualquer pessoa. O sujeito passivo também pode ser qualquer
pessoa independente de idade, no entanto, no que se refere à grave ameaça, há a
necessidade de que a criança tenha certo entendimento, que ela tenha condição de
compreender os fatos e se sentir intimidada.
O crime é consumado no instante em que são aplicados os meios que
venham a causar violência ou a grave ameaça (choques, breves afogamentos, etc).
Em relação à letra “c”, I, do art. 1º, da referida lei, a mesma não faz referência
a outras formas de discriminação, pois, fala apenas em discriminação racial ou
religiosa, deixando de fora a etnia, origem, cor, portanto, pecando por omissão.
Sobre a violência empregada, exigem-se os seguintes elementos: idoneidade:
capacidade para vencer ou inibir a resistência do ofendido; irresistibilidade: violência
que a vítima não pode opor seja pela força ou pelo próprio constrangimento; e
constância: repetição dos atos.
Art. 1º, II – Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. (LEI n.º.9.455/97)
Este inciso do referido artigo protege a integridade corporal ou a saúde mental
da pessoa sujeita a guarda, poder ou autoridade de alguém. O sujeito ativo deste
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crime somente poderá ser a pessoa que detenha autoridade, vigilância ou poder
sobre a vítima, ou seja, pelo tutor, curador, pai, diretor do colégio, hospital, etc. O
sujeito passivo somente poderá ser a pessoa que esteja sobre a guarda autoridade
ou poder do sujeito ativo, por exemplo, o tutelado, o filho, o internado, o paciente,
etc.
O crime se perfaz no instante em que a vítima é submetida a intenso
sofrimento físico ou mental. A pena é de reclusão, de dois a oito anos.
Art. 1º, § 1º - Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. (LEI n.º.9.455/97)
No tipo penal acima descrito, a vítima está legalmente detida em flagrante ou
por determinação judicial e também, os sujeitos à medida de segurança.
Analisa o tema, Fernando Capez:
Mesmo o homem desfigurado pela prática do crime e afastado do convívio da sociedade, mediante recolhimento ao cárcere, merece ter sua integridade física e sua dignidade preservadas. A pena imposta limita-se à privação da liberdade, não podendo ser acompanhada de outras medidas aflitivas, nem de humilhações. Nosso ordenamento é bastante claro e enfático com relação a isso: „É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral‟ (CF, art. 5º, XLIX) (CAPEZ, 2009, p. 708).
Objetiva-se proteger a integridade corporal ou a saúde mental da pessoa
legalmente detida ou submetida à medida de segurança. Trata-se de crime próprio,
pois, só pode ser cometido por uma pessoa que tenha poder sobre a outra que está
presa ou submetida à medida de segurança. É um crime bastante comum no
sistema prisional, onde, carcereiros e autoridades policiais são os agentes que mais
cometem este delito. O sujeito passivo é a pessoa que está presa ou submetida à
medida de segurança. O crime é consumado quando é infligido sofrimento físico ou
mental sobre a vítima.
Art. 1º, § 2º - Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos. (LEI n.º.9.455/97)
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Neste tipo penal verificam-se duas condutas de crimes omissivos: a) a
omissão praticada por quem tinha o dever de evitar a tortura; b) omissão praticada
por quem tinha o dever de apurar a prática da tortura. No primeiro caso, a pessoa
que tem o dever de proteger a vítima, só será responsável pelo crime se tiver plena
ciência da situação e tiver plenas condições de evitar o resultado. No segundo caso,
a omissão é caracterizada quando a pessoa que deveria investigar a prática
criminosa, não o faz. Diz Capez que:
Pratica o crime em tela todo aquele que tem o dever jurídico de apurar a prática de tortura, por exemplo, policial, delegado de polícia, agente penitenciário, etc. O legista que intencionalmente, em seu laudo, omite a prática de tortura também comete esse crime. (CAPEZ, 2009, p. 712).
O crime é consumado com a omissão do agente que deixa de tomar as
medidas cabíveis para apurar a prática de tortura
Art. 1º, § 3º - Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos. (LEI n.º.9.455/97).
No parágrafo terceiro do artigo acima descrito, estão previstas circunstâncias
que qualificam o crime, e que, se agregadas aos tipos fundamentais, aumentam a
sanção penal. São condições de maior punibilidade.
Art. 1º, § 4º, I – se o crime é cometido por agente público. (LEI n.º.9.455/97)
Qualquer pessoa que exerça emprego, cargo ou função pública mesmo sem
ter remuneração, ou que seja de caráter transitório, terá a pena aumentada de 1/6
até 1/3. O crime deve guardar alguma relação com a função mesmo o agente não
estando no exercício da mesma.
Art. 1º, § 4º, II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos. (LEI n.º.9.455/97)
Criança é a pessoa que possui menos de 12 (doze) anos de idade e
adolescente aquela entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade. Se a prática de
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tortura contra estes resultar morte, a conduta será enquadrada no art. 121, § 2º, III,
do Código Penal (homicídio qualificado pelo emprego de tortura), também terá
aumento de pena prevista no art. 121, § 4º, 2a parte, se a vítima for menor de 14
(quatorze anos). No que se refere à gestante, a incidência dessa causa de aumento
de pena afasta a agravante prevista no art. 61, II, h, do Código Penal. Se o agente
também tiver a intenção de provocar o aborto, responderá pelo crime de aborto em
concurso com o delito de tortura simples, sem a incidência daquela majorante.
(CAPEZ, 2009, p. 714 e 715)
A tortura praticada contra a pessoa portadora de deficiência, seja mental ou
física, também terá a sua pena agravada.
Art. 1º, § 4º, III – se o crime é cometido mediante seqüestro. (LEI n.º.9.455/97)
A causa de aumento de pena somente será aplicada quando a vítima ficar
privada de sua liberdade por um longo tempo, tempo esse, totalmente
desnecessário, ou com seu deslocamento para um local distante. Se o seqüestro
tiver a duração somente necessária para realização da tortura restará por esta
absorvido. (CAPEZ, 2009, p. 715)
Segundo o entendimento de Paulo Juricic, no que diz respeito ao seqüestro,
temos:
Define-se seqüestro, no sentido penal, como ato de privação da liberdade de locomoção da vítima, não importando o fim a que se destina. No tocante ao seqüestro a lei prevê uma causa de aumento de um sexto a um terço para aquele que pratica o crime de tortura em tal situação. A prática do seqüestro consistirá num crime autônomo, em concurso com a tortura, denotando, também, uma causa especial de aumento de pena deste último crime. Faz-se necessário, pois, realizar uma interpretação limitativa, diferenciando-se a causa de aumento de pena ao crime de tortura, do seqüestro praticado com esse único propósito. Se houver a intenção de se obter o preço do resgate, na extorsão mediante seqüestro, ou se existir fim libidinoso, no rapto, configurar-se-á o concurso de crimes, mas não circunstância agravante especial (JURICIC, 2003, p. 76 e 77).
Analisaremos logo abaixo os efeitos da condenação previstos pela LEI
n.º.9.455/97:
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Art. 1º, § 5º - a condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. (LEI n.º.9.455/97)
O principal efeito do parágrafo quinto é a perda automática do cargo, função
ou emprego público sendo desnecessária a declaração em sentença do juiz,
entrando em vigor após o trânsito em julgado da decisão condenatória. A contagem
começa a partir da perda do cargo, e o prazo, é o dobro da condenação. Depois que
a pena for cumprida, o agente infrator poderá reempossar em novo cargo, função ou
emprego público, sendo que fica proibida a reintegração na situação anterior.
No dizer de Capez:
Trata-se de efeito extrapenal secundário genérico e automático, o qual, ao contrário do art. 92 do CP, independerá de expressa motivação na sentença. Haverá, assim, automaticamente, a perda do cargo, função ou emprego público + a interdição para o seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. Vejam que a lei n. 9.455/97 não impôs para perda do cargo, função ou emprego público qualquer limite de pena, diferentemente do art. 92 do CP. (CAPEZ, 2003, p.717 e 718).
A referida lei ainda dispõe que:
O art. 1º, § 6º - o crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. (LEI n.º.9.455/97)
O legislador repetiu os preceitos dados pela Constituição Federal de 1988,
que diz em seu art. 5º, XLIII:
A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitem. (CF/88).
Influenciada pela redação acima citada, a Lei nº.9.455/97, vedou
expressamente o instituto da graça e da anistia.
O regime inicial previsto para o agente que pratica a tortura, de acordo com o
art. 1º, § 7º, desta lei, é o regime fechado, exceto na hipótese do § 2º.
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Art. 1º, § 7º - o condenado por crime previsto nesta lei, salvo a hipótese do §2°, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. (LEI n.º.9.455/97)
A hipótese do parágrafo segundo se refere aos casos em que o réu é um
agente público omissivo, tendo este, o direito a execução da pena em regime aberto
ou semi-aberto.
Portanto, de acordo com esse dispositivo, o agente que, tendo o dever de
agir, não o fizer, ou seja, deixar de apurar a prática do crime de tortura, não cumprirá
pena inicial no regime fechado.
3.1.2 Comentários ao art. 2º
A lei de tortura, em seu artigo segundo, adota o princípio da
extraterritorialidade ao dispor que:
Art. 2º - O disposto nesta lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira. (LEI n.º.9.455/97)
Sobre o assunto, analisa Fernando Capez:
Assim, temos duas hipóteses em que a lei nacional aplicar-se-á ao cidadão que comete crime de tortura no estrangeiro: a) quando a vítima for brasileira: trata-se aqui da extraterritorialidade incondicionada, pois não se exige qualquer condição para que a lei atinja um crime cometido fora do território nacional, ainda que o agente se encontre em território estrangeiro. Basta somente que a vítima seja brasileira; b) quando o agente encontra-se em território brasileiro: trata-se da extraterritorialidade condicionada, pois, nesse caso a lei nacional só se aplica ao crime de tortura cometido no estrangeiro se o torturador adentrar o território nacional (CAPEZ, 2009, p. 720).
O referido artigo trata da aplicação da lei brasileira aos casos cometidos fora
do território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local
sob jurisdição brasileira.
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CAPÍTULO IV ANÁLISE DOS ELEMENTOS QUE DIFERENCIAM A TORTURA
ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O DIREITO NACIONAL
4.1 No Direito Internacional
Mesmo com a proibição das Organizações das Nações Unidas, os
tratamentos desumanos e a tortura continuaram a se espalhar por muitos países do
mundo. Então, para combater tais práticas, a ONU, elaborou uma convenção que
cuida especificamente de proteger os indivíduos dessas condutas, a Convenção das
Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas
e Degradantes (1984). Esta convenção estabeleceu um conceito legal internacional
de tortura, facilitando a compreensão em todo o mundo, nas mais diferentes
culturas, sobre o que constitui a prática de tortura. E também, serviu de base para a
elaboração das normas dos inúmeros tratados e convenções que viriam a tratar do
delito da tortura e de outros tratamentos desumanos e degradantes.
Então, na esfera internacional, a tipificação da prática de tortura abrange todo
e qualquer ato, praticado por agente público ou quem esteja investido na função,
que inflija severo sofrimento, físico ou mental, a alguém em razão de determinado
motivo. Falaremos agora dos elementos essenciais que caracterizam a tortura no
direito internacional.
4.1.1 Intensidade do sofrimento
Para que um crime seja caracterizado como sendo de tortura, faz-se
necessário verificar se houve um grave sofrimento infligido a alguém.
É responsabilidade dos tribunais, avaliar e decidir se a tortura ocorreu ou não,
pois, nem o conceito de “sofrimento”, nem muito menos de intensidade desse
sofrimento não veio conceituado em norma alguma. Então, os juízes, analisando o
caso concreto deverão dar uma importância elevada ao depoimento da vítima, pois,
ninguém melhor para mensurar a intensidade da dor sofrida do que a própria
pessoa.
Várias são as formas de violência física e psicológica dentre as quais citamos:
ameaça de cortar membro, ameaça de matar a família, queimaduras de cigarro, etc.
42
4.1.2 Motivação
Desde a antiguidade, a tortura era usada como meio de obter a confissão do
acusado, para a obtenção de prova com o intuito de solucionar crimes, como forma
de punição, ódio, vingança e os mais diversos motivos. Portanto, essas situações
seriam a justificativa, as razões para a prática da tortura, a motivação. Várias razões
podem ensejar a prática de tortura, o rol de motivações não é taxativo.
A discriminação de qualquer natureza foi inserida no rol das motivações que
ensejam a prática de tortura, pois qualquer ato discriminatório é uma violação aos
direitos humanos.
4.1.3 Intencionalidade
Intencionalidade é a vontade do agente de praticar um severo sofrimento a
uma determinada pessoa. Os sofrimentos ocorridos em razão de acidentes não
configuram tortura.
Existe a possibilidade de prática de tortura por omissão. A omissão é
resultado de terceiro que teria meios de evitar o crime, e não evitou, como também
de apurar o ocorrido, e não apurou.
4.1.4 Crime próprio de agente público
A prática de tortura, para as convenções internacionais, ficou restringida ao
agente público, portanto, caracteriza-se como crime próprio de “funcionário público
ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com seu
consentimento ou aquiescência”, é o que diz a convenção contra a tortura. O
professor Luciano Mariz Maia, assim comenta:
[...] esse aspecto tem merecido variadas críticas, por juristas internacionais, Boulesbaa observa que, durante os trabalhos preparatórios da convenção o representante da França insistiu para que a convenção também mencionasse a questão da tortura praticada por indivíduos privados. O governo federal da Alemanha propôs, na discussão acerca do conceito de “agente público”, que a expressão se referisse não apenas para aqueles investidos de autoridade pública por um órgão do estado, mas também abrangesse
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pessoas que, em certas regiões, ou sob condições particulares, efetivamente detivessem e exercessem autoridade sobre outras pessoas, e cuja autoridade fosse comparável à autoridade governamental, ou que, ainda que temporariamente, substituísse a autoridade governamental, ou cuja autoridade derivasse daquelas autoridades estatais. (MAIA, 2001, p. 48)
Essa restrição tem uma vantagem, qual seja: não deixar que um agente
público que praticou tal delito se esconda por traz do corporativismo estatal, pois, em
relação as grandes empresas, esse corporativismo é muito grande. Por outro lado
existe a desvantagem de indivíduos privados ficarem de fora das normas elencadas
pela convenção contra a tortura.
4.2 No Direito Nacional
A Constituição Federal de 1988, no tocante a tortura, limitou-se somente em
proibir essa prática, sem no entanto, conceituá-la ou tipificá-la. A criminalização da
tortura no direito brasileiro deu-se apenas com a elaboração da Lei no 9.455/97.
Antes dessa lei a tortura era prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
que previa como crime em seu art. 233 “submeter criança ou adolescente sob sua
autoridade, guarda ou vigilância, a tortura”.
Como se pode verificar, este instrumento falava do crime de tortura somente
em relação às crianças e adolescentes, mas não definia o que seria tortura, era um
artigo muito limitado. Portanto, a Lei no 9.455/97 é a lei que define a tortura dentro do
ordenamento jurídico brasileiro.
Ao elaborar a citada lei, os nossos legisladores não seguiram totalmente os
padrões internacionais de conceituação da prática de tortura. Para podermos
identificar o conceito e o que constitui tortura perante o nosso ordenamento jurídico,
torna-se importante encontrar cada elemento que caracteriza tal prática.
4.2.1 Emprego de violência ou grave ameaça
A violência ou grave ameaça são requisitos fundamentais para que reste
comprovada a prática de tortura perante a lei brasileira. Violência consiste na força
física empregada sobre a vítima, a fim de tirar-lhe a liberdade de escolha e obter o
44
fim almejado, mediante práticas como tapas, chutes, choques elétricos, breves
afogamentos, ferro em brasa etc.
A grave ameaça é a chamada violência moral. Consiste na promessa de mal
iminente, injusto e grave exercendo poder de intimidação sobre a vítima ou contra
pessoas de sua relação. Temos como exemplo de grave ameaça: a roleta russa; a
vítima ser obrigada a presenciar a simulação da execução de um ente familiar; a
ameaça reiterada, realizada por enfermeiro, de aplicar injeção com substância
venenosa em paciente que se encontra imobilizado em uma cama, sem meios de
defesa etc. São meios de tortura psicológica.
Nestes casos existe uma dificuldade em se provar que tais atos aconteceram,
pois, os mesmos não podem ser comprovados através de perícia, sendo ainda mais
difícil pelo medo de represálias por parte das testemunhas e vítimas.
4.2.2 Sofrimento físico ou mental
Importante destacar que não é qualquer violência ou grave ameaça que
caracteriza a prática de tortura. Faz-se necessário, para que fique configurada a
prática de tortura, que seja infligido, um intenso sofrimento físico ou mental sobre a
vítima. Portanto, intenso sofrimento, são aquelas situações extremadas, sofrimento
exagerado, acentuado, forte, que ultrapasse os limites do suportável.
Em relação a estas situações, tem que ser analisado o caso concreto, pois, a
condição pessoal da vítima tem que ser levada em conta. O nosso ordenamento
jurídico seguiu os padrões internacionais de conceituação de tortura no tocante a
intensidade do sofrimento. Tema ainda bastante discutido é a questão da
mensuração da dor, sendo analisado e decidido caso a caso pelos tribunais.
No que se refere a “intenso sofrimento”, importante analisarmos a
insegurança das decisões tomadas nos tribunais. Observemos logo abaixo, em
recente julgado que aconteceu no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a
desclassificação do crime da prática de tortura para o crime de maus tratos, veja
decisão:
EMENTA: APELAÇÃO CRIME. TORTURA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. CRIME DE MAUS TRATOS. ART. 136 FO CP. DESCLASSIFICAÇÃO OPERADA. Os responsáveis por criança de tenra idade, que abusam ou excedem os castigos corporais,
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culminando em lhe produzir lesões corporais, praticam o delito de maus tratos, que se caracteriza, exatamente, pelo excesso no animus corrigendi. Por seu turno, o delito de tortura distingue-se pelo causar profundo sofrimento, desnecessário e intencional, por puro sadismo imotivado. Por sua vez, o agente que se omite, quando tinha o dever legal de agir, responde por omissão penalmente relevante (art. 13, § 2º, letra “a”, do Código Penal). (APELAÇÃO CRIME Nº 70008077323, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, TRINUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DANÚBIO EDON FRANCO, JULGADO EM 17/06/2004).
Ao analisarmos essa decisão, podemos observar que algumas fórmulas
excessivamente genéricas geram insegurança no meio social, ficando a cargo do
julgador uma perigosa e larga margem de discricionariedade. A lei deve ser clara e
certa, pois, um fato só será punido como crime se tiver uma total correspondência
entre ele e a norma que o tipifica.
4.2.3 Motivação
Para que seja caracterizado o crime de tortura, não basta que haja o emprego
de violência ou grave ameaça, e que eles venham a causar sofrimento mental ou
físico à pessoa. Deve-se levar em conta, neste tipo penal, a importante existência de
um elemento especializante, qual seja a motivação. A motivação se refere ao
objetivo almejado pelo torturador ao torturar alguém.
A coação deve ser praticada: a) com o fim de obter informação, declaração ou
confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de
natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa.
A Lei 9.455/97 não foi feliz quando restringiu na alínea “c”, os tipos de
discriminação, quando deveria seguir o que fez a Convenção Contra a Tortura, que
deixou em aberto os tipos de discriminação. Portanto, várias modalidades de
discriminação (gênero, étnica, em razão de orientação sexual, etc.) deixaram de ser
protegidas pela lei. Neste caso, o direito brasileiro sofrerá um impacto das normas
contidas nas convenções ratificadas, pois, as mesmas possuem importantes
mecanismos internacionais de monitoramento e garantia desses direitos. Esses
mecanismos exigem que os Estados-parte apresentem relatórios que comprovem a
maneira pelo qual os dispositivos contidos nas declarações estão sendo cumpridos.
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Portanto, o Brasil, pode perfeitamente ser responsabilizado no plano
internacional pelo descumprimento de normas convencionais, ainda que busque
estribar-se em lei ou norma constitucional interna.
4.2.4 Crime comum
Diferente dos padrões internacionais, que restringiram a prática de tortura ao
agente público, a lei brasileira estendeu o alcance da norma para enquadrar o
particular como sujeito ativo do crime em tela. Portanto, toda e qualquer pessoa
pode ser punida por crime de tortura. No que se refere ao agente público quando
comete este crime, a pena é aumentada de um sexto a um terço, segundo o art. 1º,
§ 4, I. Veja o que diz Fernando Capez sobre esse inciso:
A lei previu uma causa de aumento de pena para o crime praticado por aquele que se encontra investido de função estatal, ou seja, visou reprimir de forma mais grave aquele que, tendo por dever legal coibir a violência, como o policial, por exemplo, utiliza-se da tortura para obter informações, declarações, confissões, etc., abusando, assim, de seu desempenho funcional, sob o pretexto de estar exercendo atividade de repressão criminal. (CAPEZ, 2009, p.701)
Sobre o art. 1º, inciso II, existe uma condição pessoal ao agente do tipo. É
crime próprio, pois, a prática de tortura de acordo com este inciso do art. 1º, da Lei
9.455/97, só poderá ser praticado pela pessoa que possuir guarda, autoridade ou
poder sobre a vítima, por exemplo, o pai, o curador, tutor, diretor ou funcionário de
hospital, colégio, etc.
Tem que existir, entre o torturador e a sua vítima, um vínculo, um laço de
poder que uma parte detém sobre a outra. Vejamos agora um julgado que
desclassificou o crime de maus tratos para o crime da prática de tortura, pois, ficou
comprovada a agressão, muito além do uso dos meios normais de correção.
EMENTA: MAUS TRATOS; ESPANCAMENTO; AGRESSÃO SISTEMÁTICA A MENOR SOB GUARDA; CONFIGURAÇÃO DO DELITO DE TORTURA; ART. 1º, § 4º, DA LEI 9.455/97. Quem expõe menores a sessão de agressões físicas de duração de uma hora, consistindo em espancamento com relho e xingamentos, produzindo sinais de violência por todo o corpo, pratica o delito de tortura e não de maus tratos. A intenção de causar sofrimento está comprovada pela sistemática e indiscriminada agressão, muito além do pretenso uso dos meios de correção. IMPROVIDO O APELO DEFENSIVO.
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PROVIDO O APELO MINISTERIAL. (APELAÇÃO CRIME Nº. 70008272668, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, TRINUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ELBA APARECIDA NICOLLI BASTOS, JULGADO EM 13/05/2004).
A menção ao julgado faz-se importante pela coerência e respeito aos
princípios relacionados a proteção aos direitos humanos, pois, essa corrente na
jurisprudência brasileira está adotando o posicionamento no sentido de acatar a
prática de tortura, quando ficar comprovada que houve excessiva violência, na
hipótese do art. 1º, II, sem mesmo verificar se houve motivação.
4.3 Elementos que distinguem a prática de tortura de outros tratamentos ou
penas cruéis, desumanas e degradantes.
Faz-se necessário e importante destacar e diferenciar tortura de outros
tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes.
A primeira grande diferença é a intensidade do sofrimento, pois a tortura é
uma forma mais grave de tratamento cruel, porque impõe um severo sofrimento a
vítima.
A segunda grande diferença diz respeito à motivação. A tortura requer uma
motivação específica, ou seja, tem o objetivo de obter confissão, informação ou
qualquer outra finalidade específica, já o tratamento cruel normalmente não possui
nenhuma motivação específica. As penas cruéis, desumanas e degradantes são
verificadas no âmbito do regime prisional, sendo exemplos claros destas condutas:
privação de atendimento médico, superlotação das celas, falta de higiene, etc. Estas
situações não podem ser admitidas, pois violam o princípio da dignidade da pessoa
humana.
A intencionalidade é a terceira grande distinção. Para que seja configurado o
crime de tortura, tem que existir o dolo, ou seja, tem que ser observada se houve a
vontade do agente de praticar tal delito. Já os tratamentos ou penas cruéis podem
ser cometidos a título culposo, ou seja, não sendo necessário comprovar a vontade
do agente.
A última distinção entre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis se refere
ao alcance dessas condutas. O tratamento cruel, desumano e degradante se produz
por meio de vários atos e circunstâncias, que combinadas atingirão sem distinção as
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pessoas submetidas aos regimes prisionais. Já a prática de tortura se produz por
meio de inúmeros atos voltados contra um indivíduo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tortura, no âmbito internacional, foi uma prática utilizada em todas as
épocas e nos mais diversos países. Na idade média, a Igreja deu uma forte
contribuição para que a tortura se espalhasse pelo mundo através da inquisição.
Práticas absurdas de tortura eram cometidas como métodos de investigação com o
objetivo de se obter a confissão do réu. Em meados do século XVII e XVIII, o
Estado e a sociedade, baseados no movimento jusnaturalista, que era uma corrente
política filosófica que influenciou os movimentos revolucionistas burgueses que
colocaram em cheque as bases que norteiam a concepção dos direitos naturais,
tiveram que repensar sua estrutura e sua organização.
Com base e sustentação nesses princípios naturais do ser humano, como o
direito à vida e à liberdade, por exemplo, os direitos humanos se formaram. A
incorporação decisiva desses direitos humanos ao direito internacional passou a
existir com o término da 2ª grande Guerra Mundial. Várias organizações
internacionais surgiram para proteger os indivíduos de práticas que desintegraram
quase que por completo a liberdade e a vida, que são os marcos fundamentais de
todo ser humano.
No Brasil, a tortura e os tratamentos desumanos foram práticas legalizadas e
muito utilizadas pela coroa portuguesa contra os índios que resistiram à sua
dominação. Empregada também para disciplinar os escravos negros que,
insatisfeitos com os trabalhos forçados tentavam fugir. Com a ditadura militar, esta
prática ganhou força, era utilizada contra as pessoas que lutavam contra o regime
opressor dos militares.
Mais do que dor, a tortura causa indignação, ela levanta questões morais que
afetam o sentimento da sociedade. Fruto do processo de redemocratização, a
Constituição Federal de 1988 ratificou e concordou com o sistema global de
proteção aos direitos humanos, assinando e ratificando os mais diversos tratados,
convenções e declarações que tem como objetivo a fiscalização, proteção e punição
das violações que atentam contra o princípio da dignidade humana.
A Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanas e Degradantes foi o primeiro instrumento internacional específico para
lutar contra tais abusos, trazendo em seu art. 1º a conceituação do que vem a ser a
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prática de tortura, que até então não era definida em nenhuma norma. No Brasil, a
tipificação da prática de tortura foi definida com a elaboração da lei 9.455/97,
conhecida como “lei contra a tortura”. Essa lei é tida como uma resposta às
obrigações internacionais que o nosso país contraiu, no intuito de criar normas de
prevenção e punição à prática de tortura.
Este trabalho buscou abrir um caminho para uma melhor compreensão do
conceito de tortura, analisando os elementos caracterizadores dessa prática tanto no
âmbito internacional como no âmbito nacional. Buscou-se também, analisar as
vantagens e desvantagens do legislador nacional, ao elaborar a lei que tipifica a
tortura no Brasil (Lei nº 9.455/97), comparando-a com o direito internacional. Esta
monografia traçou uma distinção entre tortura e outro tratamento ou pena cruel,
desumana e degradante, pois o conceito destes últimos é bastante lacunoso. Este
conceito lacunoso atrapalha a garantia que se pretende dar, pois como impedir que
sejam aplicados tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes quando
não há uma certeza do que venha a constituir tais condutas?
É importante observar que estas práticas estão relacionadas e ambas, tortura
e tratamentos cruéis, configuram graves violações aos direitos humanos e ao
princípio da dignidade da pessoa humana.
De fato, a tortura tem que ser encarada como um problema social e político
exigindo medidas públicas mais enérgicas. Apesar de existir uma punição garantida,
através de uma lei específica que assegura a proibição dessa prática, analisando a
realidade atual, constatamos que está distante o momento em que a sociedade não
será mais vítima do delito da tortura.
REFERÊNCIAS
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