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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE ARQUITETURA FACULDADE DE BELAS-ARTES TIPOGRAFIA: NA FRONTEIRA ENTRE A ARTE E O DESIGN Joana Filipa Sota Frade Trabalho de Projeto Mestrado em Práticas Tipográficas e Editoriais Contemporâneas Trabalho de Projeto orientado pela Profª. Catedrática Maria João Gamito 2016

TIPOGRAFIA: NA FRONTEIRA ENTRE A ARTE E O DESIGN · Faculdade de Arquitetura e a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Nas duas vertentes do trabalho de projecto exploro

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Page 1: TIPOGRAFIA: NA FRONTEIRA ENTRE A ARTE E O DESIGN · Faculdade de Arquitetura e a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Nas duas vertentes do trabalho de projecto exploro

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE ARQUITETURA FACULDADE DE BELAS-ARTES

TIPOGRAFIA: NA FRONTEIRA ENTRE A ARTE E

O DESIGN

Joana Filipa Sota Frade

Trabalho de Projeto

Mestrado em Práticas Tipográficas e Editoriais Contemporâneas

Trabalho de Projeto orientado pela Profª. Catedrática Maria João Gamito

2016

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DECLARAÇÂO DE AUTORIA

Eu Joana Filipa Sota Frade, declaro que o presente trabalho de projeto de mestrado

intitulado “Tipografia: na fronteira entre a arte e o design”, é o resultado da minha

investigação pessoal e independente. O conteúdo é original e todas as fontes consultadas

estão devidamente mencionadas na bibliografia ou outras listagens de fontes documentais,

tal como todas as citações diretas ou indiretas têm devida indicação ao longo do trabalho

segundo as normas académicas.

O Candidato

Lisboa,

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I

RESUMO

Esta dissertação, de natureza teórico-artística e intitulada de “Tipografia: na

fronteira entre a arte e o design”, foi desenvolvida no âmbito do Mestrado em

Práticas Tipográficas e Editoriais Contemporâneas criado por protocolo entre a

Faculdade de Arquitetura e a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.

Nas duas vertentes do trabalho de projecto exploro a tipografia, entendida e

concretizada enquanto imagem e objeto, na fronteira entre design e arte,

estabelecendo a transição do conteúdo do espaço da página/plano (bidimensional)

para o espaço físico do observador (tridimensional). Adotando como

enquadramento teórico e crítico os conceitos de grelha, padrão, margem, moldura,

passagem e volume.

Desenvolvi três objetos que se interligam através de uma estrutura que

analisa a presença da tipografia aplicada aos conceitos de plano, espaço e portal.

Um primeiro objeto, correspondente à primeira letra do alfabeto tipográfico e à

utilização da grelha, A, concretiza-se num painel de azulejos. Um segundo, A

Graphic Line and a Sculptural Line aborda o limite enquanto margem e moldura e

consiste num conjunto de ‘molduras-objeto’ no espaço. Por último, utilizando a

letra Z, um terceiro objeto, Z, que corresponde à transição da tipografia para o

espaço físico do observador, onde a letra se torna um elemento estruturante da

permeabilidade do espaço e na transição entre espaços, uma espécie de portal para

o conteúdo do livro.

Para o desenvolvimento do projeto, cruzando as questões práticas do design

com as questões conceptuais da arte, procedi à análise de referências teóricas e

artísticas pertinentes no contexto do tema abordado, em simultâneo com a

concretização da parte prática e artística da dissertação.

Pretendo com este estudo desenvolver projetos artísticos introduzindo a

tipografia como elemento unificador entre arte e design, perceber a sua importância

enquanto elemento gráfico e plástico, e compreender a sua relevância na criação

artística contemporânea.

PALAVRAS-CHAVE:

Arte; Design; Espaço; Plano; Tipografia

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II

ABSTRACT

This theoretical and artistic thesis entitled "Typography: on the frontier

between art and design" was developed within the scope of the Master in

Contemporary Typographical and Editorial Practices created by a protocol between

Faculdade de Arquitetura and Faculdade de Belas-Artes of Universidade de Lisboa

In the two components of the project, I explore typography, understood

and concretized as image and object, in the border between design and art, that

establishes the transition from the content of the page space/ surface (two-

dimensional) to the observer’s physical space (three-dimensional). Adopting as

theoretical and critical framework the concepts of grid, pattern, margin, frame,

passage and volume.

Three objects were developed to interconnect through a structure that

analyzes the presence of the typography applied to the concepts of surface, space

and portal. A first object, corresponding to the first letter of the typographic

alphabet and the use of the grid, A, is materialized in a panel of tiles. A second, A

Graphic Line and a Sculptural Line explore the border as margin and frame. It consists

of a set of 'object frames' in space. Finally, using the letter Z, a third object, Z,

which corresponds to the transition of typography to the observer's physical space.

There the letter becomes a structuring element of the permeability of space and on

the transition between spaces, a kind of portal to the book’s contents.

For the development of the project, crossing the practical issues of design

with the conceptual issues of art, I proceeded to the analysis of pertinent theoretical

and artistic references in the context of the subject addressed, simultaneously with

the concretization of the practical and artistic part of this work.

This study aims to develop my artistic projects by introducing typography as

a unifying element between art and design. Furthermore, it will allow to understand

its importance as a graphic and plastic element and to comprehend its relevance in

contemporary artistic creation.

KEYWORDS

Art; Design; Space; Surface; Typography

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III

Aos meus pais.

À professora orientadora Maria João Gamito,

À Carlota, à Inês, e à Naldinha,

pela ajuda e carinho.

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IV

ÍNDICE GERAL

Introdução………………………………………………………………………1

1. Plano …………………………………………………………………….3

1.1 Grelha…………………………………………………………………….3

1.2 Padrão…………………………………………………………………….9

2. Espaço………………………………………………………………….14

2.1 Margem e Página………………………………………………….........14

2.2 Moldura e Imagem……………………………………………………...19

3. Portal…………………………………………………………………...24

3.1 Passagens……………………………………………………………….24

3.2 Volumes………………………………………………………………...29

4. Tipografia: na fronteira entre a arte e o design……………………..32

4.1 A………………………………………………………………………...32

4.2 A Graphic Line and a Sculptural Line………………………………….35

4.3 Z………………………………………………………………………...42

Conclusão………………………………………………………………………47

Bibliografia…………………………………………………………………….49

Anexos………………………………………………………………………….52

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V

ÍNDICE DE FIGURAS

1. Donald Judd, Untitled, 1990 - disponível em

http://www.tate.org.uk/whats-on/tate-modern/exhibition/donald-judd/donald-judd-

exhibition-guide/room-eight ....................................................................................8

2. Donald Judd, Untitled, 1966 – disponível em

http://whitney.org/Events/99ObjectsUntitledDonaldJudd ........................................8

3. Sol LeWitt, Incomplete Open Cubes, 1974 – disponível em

http://www.saatchigallery.com/aipe/sol_lewitt.htm..................................................9

4. Maria Keil, Estudo para revestimento Estação de Metro de Lisboa, Intendente,

1965 – disponível em https://aventar.eu/tag/azulejos/.............................................10

5. Eduardo Nery, Oscilações de Claro-Escuro I, 1967 – disponível em

https://www.wikiart.org/en/eduardo-nery/oscila-es-do-claro-escuro-i-1967..........10

6. Jasper Johns, White Numbers, 1958 – disponível em

http://anitarevel.com/encaustic-art/jasper-johns-white-numbers-1957-new-york-

moma/......................................................................................................................12

7. Robert Indiana, Love Rising, 1968 – disponível em

http://robertindiana.com/works/love-rising-black-and-white-love-wall/.................12

8. Andy Warhol, Two Hundred Campbell’s Soup Cans, 1962 – disponível em

http://www.tokyoweekender.com/2013/07/american-pop-art/................................13

9. Andy Warhol, Eighty Two-Dollar Bills, 1962 – disponível em

http://www.vulgart.be/?p=1431...............................................................................13

10. Andy Warhol, Brillo Box, 1964 – disponível em

http://wertical.com/daily-2/andy-warholbrillo-boxes/.............................................13

11. Stéphane Mallarmé, Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, 1897 – disponível

em http://www.theoriedesigngraphique.org/?p=349...............................................16

12. Apollinaire, O Retrato de Pablo Picasso, 1916 – disponível em

http://lenonrecensioni.blogspot.pt/2015/01/picasso-visto-da-guillaume-

apollinaire.html........................................................................................................16

13. José Loureiro, Sem Título, 2006 – disponível em

https://artmap.com/gritainsam/exhibition/jose-loureiro-2009.................................22

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VI

14. Helena Almeida, Sem Título, 1969 – disponível em

https://www.wikiart.org/en/helena-almeida/untitled-1969......................................23

15. Alexandre Estrela, Círculo Solar, 2011 – disponível em

https://makingarthappen.com/2012/06/28/2012-odisseia-kubrick/.........................23

16. Barbara Bloom, Goethe’s Corridor, 1977 – disponível em

http://pietmondriaan.com/2015/10/27/barbara-bloom-4/.........................................26

17. Barbara Kruger, Mary Boone Gallery, London, 1994 – disponível em

http://fotoinstalacao.blogspot.pt/2008/09/fotografia-e-prtica-da-instalao.html.......27

18. Barbara Kruger, Deitch Projects, New York, 1997 – disponível em

http://www.deitch.com/archive/power-pleasure-desire-disgust..............................27

19. Barbara Kruger, ACCA, Installation view, 2005 – disponível em

https://www.accaonline.org.au/exhibition/barbara-kruger-0...................................28

20. A (módulo três variações), 2016…………………………………………………..33

21. A (composição proposta), 2016……………………………………………………35

22. The Flat Physical Space (módulos), 2016………………………………………...36

23. The Flat Physical Space (módulos 3D), 2016…………………………………….36

24. Limites/ Margens (autocolantes para montras), 2016……………………………..38

25. A Graphic Line and a Sculptural Line (objetos), 2016……………………………39

26. A Graphic Line and a Sculptural Line (interiores das peças), 2016………………41

27. Z (outlines), 2016………………………………………………………………….42

28. Z (modelação 3D), 2016…………………………………………………………..43

29. A e Z (variações), 2016…………………………………………………………...43

30. Z (estudos para portal), 2016……………………………………………………..45

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1

Introdução

Esta dissertação teórico-prática inscreve-se no âmbito da realização do

Mestrado em Práticas Tipográficas e Editorais Contemporâneas, em associação

entre a Faculdade de Arquitetura e a Faculdade de Belas-Artes da Universidade

de Lisboa.

Este projeto explora a fronteira entre a arte e o design, através das

potencialidades da tipografia e do editorial. A tipografia é o elemento estrutural

que se desvincula da informação, quando aplicada no contexto do design, para se

assumir como forma autónoma plástica, produtora de uma espacialidade, bi ou

tridimensional, a partir dos conceitos de grelha, padrão, campo, margem e

moldura, página, passagem e volume.

Esta reflexão permite uma exploração plástica da letra aplicada às suas

características formais e fora do seu suporte convencional, de modo a criar

objetos tridimensionais aplicados a um espaço.

Para cumprir os objetivos do projeto adotei uma estrutura organizada em

quatro capítulos. Nos primeiros três capítulos “Plano”, “Espaço” e “Portal”,

analiso os conceitos referidos e apresento exemplos de obras que os

concretizam. O capítulo, “Plano”, aborda a dimensão bidimensional da grelha e

de uma das suas aplicações práticas, o padrão, através dos autores Josef Muller-

Brockmann e Rosalind Krauss. No segundo capítulo, “Espaço”, são analisados

os conceitos limites de margem e moldura, estabelecendo respetivamente o

paralelismo entre página e espaço, bidimensional e tridimensional, com base nos

autores Michael Camille, Ellen Lupton, Jacques Aumont e Andre Bazin. O

terceiro capítulo, “Portal”, através dos conceitos de passagem e volume dos

autores Georg Simmel e Edwin Abbott, concretiza a transição do conteúdo para

o espaço do observador e a materialização da tipografia como objeto. Por último

no quarto capítulo, “Tipografia: na fonteira entre a arte e o design”, procedo à

descrição e análise crítica do meu projeto e dos objetos desenvolvidos no

contexto dos conceitos abordados nos capítulos anteriores. Este capítulo é

dividido em três sub-capítulos correspondendo cada um aos três objetos

artísticos desenvolvidos: A, A Graphic Line and a Sculptural Line, e Z.

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A metodologia utilizada para a concretização do trabalho de projeto

previu dois momentos: primeiramente uma leitura da bibliografia apresentada e

a recolha e análise de obras artísticas relacionadas com os conceitos abordados;

e num segundo momento incidiu na análise e consolidação dos conceitos em

simultâneo com a concretização de estudos, esboços e testes conducentes à

concretização prática dos objetos propostos no último capítulo.

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3

1. Plano

O plano é uma superfície geométrica bidimensional e infinita. A grelha

pressupõe uma organização e um traçado infinitos no plano, que possibilitam a

construção e composição de vários elementos, mas no design editorial esse

carácter infinito confina-se a um presente perpétuo e a uma superfície limitada: a

página do livro.

No presente capítulo exploro o conceito de grelha, como estrutura de

criação no domínio visual e artístico, através da análise do ensaio “Grids” de

Rosalind Krauss e, enquanto grelha tipográfica aplicada ao design, através dos

sistemas de grelhas tipográficos de Josef Muller-Brockmann; abordo também o

conceito de padrão, através de obras de artistas portugueses, com obra no

domínio da azulejaria, bem como de exemplos encontrados na Pop Art.

1.1 Grelha

O modernismo foi uma manifestação ética e estética que via o mundo a

preto e branco e às vezes a vermelho (…)

(Heller, 2003, p. 86).1

O início do século XX é marcado por grandes mudanças nas artes visuais

e no design, que através do surgimento de movimentos artísticos como o

Cubismo, o Futurismo, e o Dadaísmo integraram nas suas obras elementos

tipográficos, letras ou palavras, que adquiriam cada vez mais um carácter visual.

Do mesmo modo, o Construtivismo e o De Stijl exploravam composições

artísticas e artefactos editoriais com elementos tipográficos que se organizavam

sobre estruturas semelhantes a grelhas, vindo também a contribuir para o

surgimento e definição de uma estrutura marcante na construção modernista, a

grelha, e mais tarde com o design, a grelha tipográfica (Krauss, 1979).

1 “Modernism was an ethical and aesthetic manifestation that viewed the world in black and white and

sometimes in red (…).”

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4

A grelha, apesar de atualmente ser utilizada no design enquanto elemento

tipográfico, é principalmente uma estrutura proveniente da criação artística, e

tem a sua génese nas explorações criativas de artistas ligados aos movimentos

acima referidos, como por exemplo Piet Mondrian, Theo van Doesburg e

Malevich, em áreas como a pintura e mesmo a arquitetura, é por isso importante

definir um paralelismo entre arte e design, no sentido em que a grelha, utilizada

inicialmente para organizar elementos figurativos, possibilitou a inserção da

tipografia em conjunto com as imagens, no contexto do design.

Rosalind Krauss, em “Grids”, aponta duas dimensões sobre as quais a

grelha declara a “modernidade da arte moderna”: uma temporal, e outra espacial.

A dimensão temporal corresponde à omnipresença da grelha que funciona como

uma espécie de marco temporal distinguindo o passado artístico de um novo

presente, resultado da arte desenvolvida por artistas como Mondrian ou

Malevich e que se prolongou a movimentos como a Minimal Art, ou ao design

suíço. Por sua vez, a dimensão espacial corresponde ao entendimento da grelha

enquanto superfície, “(…) achatada, geometrizada, ordenada, é anti-natural, anti-

mimética, irreal.” (Krauss, 1979, p. 50) 2

, resultado não da imitação, mas de um

processo do ponto de vista técnico que obedece à própria organização da

superfície.

Para Josef Muller-Brockmann, a criação de um sistema de grelhas

tipográfico tem como principal objetivo a unidade visual entre tipografia e

imagem. Esta nova forma de organização visual no design, cujo objetivo

primário é comunicacional e informativo, encontra a sua génese nas

composições puramente visuais da arte, e do interesse do seu criador no trabalho

e teorias de El Lissitzky, Moholy-Nagy ou Jan Tschichold, artistas relacionados

com os movimentos artísticos das primeiras décadas do século XX, que

influenciaram a definição de tipografia moderna.

A grelha, definida por Krauss, esclarece a organização espacial de um

plano, incidindo numa geometrização de nível racional quase matemático. Por

isso a grelha é adotada no design por Muller-Brockmann pois implica sobretudo

a vontade de sistematizar e clarificar, pressupõe um uso racional, que permite

2 “(…) flattened, geometricized, ordered, it is antinatural, antimimetic, antireal.”

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que a objetividade se sobreponha à subjetividade, determinando composições de

fácil compreensão, utilização e rigor, quer para o designer, quer para o leitor

(Muller-Brockmann). A grelha é uma estrutura infinita que, apesar disso, na arte

e no design quase sempre serviu para definir limites: os da tela, na arte, e os da

página, no design editorial. Desta sua utilização sobre o plano fechado da tela ou

da página resulta uma espécie de traçado, que permite uma organização

sistematizada de elementos compositivos como cor, formas, imagens e

tipografia.

A grelha divide o plano em espaços mais pequenos aos quais se dá o

nome de ‘campos’, e o espaço tridimensional em espaços, que tomam o nome de

‘compartimentos’, podendo em ambos os casos serem do mesmo ou diferentes

tamanhos. A criação de uma grelha tipográfica permite uma maior facilidade na

composição e organização na construção quer de peças bidimensionais quer

tridimensionais, tornando-se, por exemplo, uma ferramenta indispensável do

design gráfico suíço. O sistema de grelhas tipográfico é utilizado sobretudo na

resolução de problemas visuais em situações bidimensionais ou tridimensionais.

A possibilidade de organizar a superfície e o espaço de uma forma regular

conduz a uma visão objetiva e funcional, onde o tamanho dos elementos

colocados na grelha determina uma hierarquia, criando uma maior sensação de

coesão e legibilidade:

O poder mítico da grelha é que ele torna-nos capazes de pensar que estamos a

lidar com o materialismo (ou, por vezes, ciência ou lógica), ao mesmo tempo

que nos fornece uma possibilidade de crença (ou ilusão, ou ficção) (Krauss,

1979, p. 54).3

A grelha organiza o ‘espaço real’ e físico, sendo que as dimensões física

e estética estão diretamente relacionadas, coexistem no mesmo plano. Isto é, ao

contrário da perspetiva, a grelha não procura mapear ou projetar o espaço e os

seus elementos sobre a superfície da tela, mas sim mapear a própria superfície da

tela ou do espaço (Krauss, 1979). Por isso a autora define a grelha como infinita.

3 “The grid’s mythic power is that it makes us able to think we are dealing with materialism (or

sometimes, science, or logic) while at the same time it provides us with a release into belief (or illusion,

or fiction).”

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Ela estende-se em todas as direções do plano, no entanto admitindo dois

movimentos: centrífugo ou centrípeto. Quando a grelha atua do interior da

imagem para fora, para lá da moldura, temos o movimento centrífugo. Enquanto

que o centrípeto funciona a partir dos limites exteriores da moldura, para o

interior da imagem (Krauss, 1979).

Para além da materialidade espacial, a grelha é uma estrutura visual que

rejeita qualquer tipo de narrativa ou leitura sequencial (Krauss, 1979). Por isso,

permite perceber secções de uma continuidade implícita, assim como considerar-

se um todo. Em determinadas obras este contraste conduz a um olhar centrífugo,

como se a moldura fosse uma janela, através da qual olhamos e apercebemos

uma parte de um todo que continua para além da tela. É o carácter plástico e o

seu potencial de repetição infinita, impossível de circunscrever, que criam uma

espécie de não-limite virtual, no número de divisões possíveis e que permite à

grelha unir o exterior (o espaço real e físico) e o interior (a superfície da tela).

Estruturalmente, logicamente, axiomaticamente, a grelha só pode ser repetida.

E, como um ato de repetição ou replicação, qual ocasião ‘original’ da sua

utilização no âmbito da experiência de um dado artista, a prolongada vida da

grelha no processo evolutivo da obra desse artista será apenas uma instância de

ainda mais repetição, à medida que ele se envolve em atos repetidos de auto-

imitação (Krauss apud Lowry, 2008, p. 120).

Na origem das criações artísticas da Minimal Art, dos anos sessenta do

século XX, estão as características formais, estruturais e conceptuais da grelha:

linhas retas verticais e horizontais, formas geométricas organizadas em grelhas,

repetição do mesmo elemento e das suas características formais e, utilização de

novos materiais e processos de produção industriais, traduzindo-se sobretudo em

objetos e esculturas tridimensionais, e em instalações (Marzona, 2005).

Na questão da grelha aplicada a objetos tridimensionais destaco dois

artistas que definiram a Minimal Art: Donald Judd e Sol LeWitt.

Quando a estrutura e as imagens se tornam aparentes, parece haver demasiado

espaço, e mais acaso do que ordem. Os aspetos de neutralidade, redundância, e

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forma e imagem não podem co-existir sem a tridimensionalidade e sem o

material específico (Judd apud Meyer, 2000, p. 209).4

Donald Judd denomina as suas peças Specific Objects, pois são objetos

escultóricos, estruturas tridimensionais, que remetem para o carácter da pintura

por estarem expostas na parede da galeria (Meyer, 2000).

Em Untitled (1990, com uma primeira versão datada de 1965), o artista

repete verticalmente o mesmo elemento, uma forma tridimensional de 15 x 68,5

x 61 cm. Do mesmo modo, em Untitled (1966), volta a repetir o mesmo

elemento, o contorno de um retângulo que lembra uma moldura, ao longo de oito

unidades de 122 x 305 x 20 cm cada, distanciadas entre si 20 cm.

Em ambas as obras, Donald Judd usa a grelha como elemento de

repetição. O artista cria uma estrutura geométrica, repetida metodicamente,

intercalando cada elemento de repetição com um espaço vazio, exatamente com

as mesmas dimensões do elemento físico, criando um jogo entre

positivo/negativo. Apesar de existirem nas duas obras um número definido de

repetições do mesmo elemento estrutural, o observador facilmente pode

pressupor repetições infinitas em diferentes direções espaciais. Para além disso,

cada elemento corresponde às divisões infinitas que a grelha sugere.

As obras referidas estabelecem, pelo uso da grelha, uma forte relação

com o design. Em primeiro lugar a grelha permite um uso pragmático e racional

da forma e da cor sistematizada em direção à tridimensionalidade e a um espaço

real específico; e em segundo lugar a constante repetição do mesmo elemento

evoca o abandono do objeto manufaturado, anulando quaisquer marcas de

individualidade, para dar lugar à série, conceito indissociável da produção

industrial, e reforçando o facto de “(…) uma forma, um volume, uma cor, uma

superfície é alguma coisa em si, não deveria ser encoberta como parte de um

todo muito diferente (…)” (Marzona, 2005, p. 60).

4 “When the structure and imagery become apparent, there seems to be too much tin and space, more

chance and casualness than order. The aspects of neutrality, redundancy and form and imagery could not

be co-extensive without three-dimensions and without the particular material.”

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Por sua vez, em Sol LeWitt predomina a questão modular da grelha. A

partir de estruturas simples, o artista cria a passagem da parede para o espaço,

adotando uma moldura branca, que depois se torna modular entre o bi e o tri-

dimensional, dentro de um sistema geométrico de coordenadas existentes no

espaço real do observador, que são manifestações de sistemas geométricos e

matemáticos baseados em parâmetros pré-determinados pelo artista (Marzona,

2005). Com Incomplete Open Cubes, Lewitt apresenta um conjunto de

possibilidades de espacialidades definidas por um cubo, a partir dessa estrutura

que é a moldura, uma espécie de ‘esqueleto’ revestido de branco, que se constrói

desde o quadrado bidimensional até ao cubo tridimensional. O elemento de

repetição, o módulo, é um cubo com um volume de um metro cúbico (1 x 1 x 1),

que se apresenta ao longo de uma grelha, começando com as possibilidades de

criar uma estrutura tridimensional apenas com três arestas de um cubo, e

terminando no esqueleto cúbico completo, ao longo de 122 variações modulares

de diferentes composições das respetivas arestas.

1. Donald Judd, Untitled,

1990

2. Donald Judd, Untitled, 1966

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1.2 Padrão

A estrutura modular e repetitiva da grelha(..)

(Krauss, 1979, p. 57)5.

A grelha é uma estrutura modular que permite a reprodução de um

mesmo elemento, o módulo. A repetição previsível do módulo, segundo uma

grelha constitui o padrão. O que distingue a grelha do padrão, é que o padrão,

apesar de construído sobre a estrutura da grelha, admite um limite e um módulo.

Enquanto a grelha corresponde a uma superfície ilimitada no espaço, é infinita, o

padrão assume uma área e limites variáveis de acordo com o módulo, que sofre

transformações formais, relacionadas, com a cor, a forma, a posição ou tamanho,

sobre técnicas de ampliação, desdobramento ou rotação.

A artista Maria Keil cria painéis de azulejos que exploram a grelha

dentro da grelha. O próprio suporte da obra, o azulejo, é estruturalmente

organizado segundo uma grelha, cada azulejo correspondendo a um módulo de

repetição que pode ser reproduzido infinitamente, tantas vezes quantas as

5 “Into the modular and repetitive structure of the grid.”

3. Sol LeWitt, Incomplete Open Cubes, 1974

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divisões da grelha. O painel de azulejos desenhado por Maria Keil, para a

Estação de Metro do Intendente, reinventa a grelha dentro da ‘grelha

estruturante’ definida pela quadrícula dos azulejos, sugerindo uma sequência.

Nesta obra, a artista constrói formas geometrizadas ‘baseadas em lógicas visuais

e processuais’, de uma simplificação quase abstrata, sugerindo repetição,

simetria, assimetria e alternâncias dos módulos. Cada módulo corresponde à

exploração das divisões possíveis da grelha, quando aliada ao design gráfico. De

certo modo cada azulejo aproxima-se de um ‘layout’ de uma página editorial, e

dos seus respetivos campos, colunas, e margens tipográficas. Nesta composição

existem diferentes módulos que variam de acordo com a cor e motivos gráficos

representados.

Eduardo Nery, artista plástico fortemente influenciado pela Op Art,

constrói através de padrões, terceiras dimensões, em suportes não convencionais,

como é o caso dos azulejos. Em Oscilações de Claro-Escuro I (1967) é repetido

o mesmo elemento gráfico, um quadrado branco, representado

tridimensionalmente sobre um suporte bidimensional. O módulo é repetido e

disposto, mantendo a mesma distância entre cada repetição. No entanto, o que

transmite essa passagem do plano bidimensional para a tridimensionalidade do

objeto, é o ‘rasto’ preto pintado sobre o suporte, conferindo a passagem entre

planos e a ilusão de movimento, como se cada quadrado se movimentasse em

direções diferentes.

4. Maria Keil, Estudo para revestimento

Estação de Metro de Lisboa,

Intendente, 1965

5. Eduardo Nery, Oscilações de Claro-Escuro I,

1967

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11

No design e na arte, exemplos pertinentes da utilização do módulo e do

padrão são, sobretudo, as obras da arte minimalista e da Pop Art. Ambas

aparecem intimamente associadas ao design, principalmente no que diz respeito

aos materiais e técnicas de produção utilizados nos proccessos construtivos, que

cruzavam os do design, como é o caso da serialidade dos objetos produzidos.

As obras White Numbers (1958) de Japers Johns e Love Rising (1968) de

Robert Indiana, ambas relacionadas com a Pop Art, demonstram como o padrão

é aplicado sobre a grelha, do mesmo modo que recorrem fundamentalmente a

elementos tipográficos: números e letras. Nas duas obras, a grelha estrutura o

espaço da tela, e o padrão é limitado a esse espaço.

O primeiro exemplo, White Numbers, é constituído por uma sequência de

números do zero ao nove, sendo cada número um módulo do padrão e um campo

da grelha, que se repete sobre a mesma sequência que, por sua vez, também pode

representar um módulo. Neste caso o padrão é constituído pela sequência

invariável dos números que se repetem sobre toda a superfície da tela (James,

2003). Por sua vez, em Love Rising, o autor constrói quatro painéis, inserindo a

mesma palavra em cada um deles, ‘LOVE’. Nesta obra existe uma grelha que

divide a superfície da tela em quatro campos, sendo cada um, devido à

possibilidade de divisões infinitas da grelha, também dividido em quatro, a que

correspondem cada uma das letras que constituem a palavra ‘LOVE’. O módulo

é formado pela composição tipográfica da palavra ‘LOVE’ que define um

quadrado, estabelecendo um padrão através do desdobramento horizontal e

vertical do módulo, sobre a letra ‘O’, tornando-se facilmente percetível para o

observador imaginar uma continuidade deste padrão para lá dos limites do seu

suporte (Osterwold, 1994).

A utilização dos elementos tipográficos são a ‘matéria-prima’ das obras

acima referidas, assumindo um carácter formal em detrimento do

comunicacional, do mesmo modo que desafiam o carácter individual da obra,

para dar lugar à sua reprodutibilidade (James, 2003). As letras e números

utilizados enquanto padrão, que advém do uso da cor e da forma sobre a

composição tipográfica, tornam-se formas plásticas: imagens.

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12

Um outro exemplo importante em relação à utilização do padrão na arte,

é Andy Warhol. “(…) A maneira de trabalhar de Warhol assenta sobre um

processo de ação e de reação permanente, onde os limites entre produção,

produto e reprodução, entre imagem, a representação e o objeto representado

nunca param” (Osterwold, 1994, p. 167). As séries de Warhol correspondem à

repetição “(…) multiplicada por um número arbitrário (…)” (Osterwold, 1994,

p. 11) do mesmo elemento: imagens de objetos tipicamente ligados aos padrões

de consumo e publicitários do design, que o artista descontextualiza da sua

função e valor habituais, convertendo-os em objetos artísticos, expostos em

galeria e museus.

Em Two Hundred Campbell’s Soup Cans (1962) e Eighty Two-Dollar

Bills, da mesma data, a grelha bidimensional desenhada sobre o suporte ajusta-se

às dimensões e posição do objeto representado. A lata de sopa, o único módulo

representado, é reproduzido exaustivamente sem sofrer qualquer alteração,

enquanto as notas são representadas sobre um módulo, que varia numa

sequência de frente e verso, ou seja, preto e verde, do mesmo objeto.

6. Jasper Johns, White Numbers,

1958

7. Robert Indiana, Love Rising, 1968

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Na obra Brillo Box (1964) Warhol apropria-se dos mesmos elementos,

objetos industriais, com características do design de consumo para recriar um

padrão de repetição. Esse padrão é tridimensional, os campos da grelha tornam-

se ‘compartimentos’ cúbicos, preenchidos cada um por uma caixa igualmente

cúbica. No entanto a sua organização é desregrada, isto é, apesar de

estruturalmente obedecerem a uma grelha que organiza o espaço tridimensional,

nas suas três coordenadas, os módulos, isto é, as caixas, são dispostas e repetidas

desordenadamente.

8. Andy Warhol, Two Hundred Campbell’s soup

Cans, 1962

9. Andy Warhol, Eighty Two-Dollar Bills,

1962

10. Andy Warhol, Brillo Box, 1964

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2. Espaço

O espaço bidimensional corresponde ao plano e tem duas dimensões,

comprimento e largura. O espaço real é tridimensional, sendo organizado em três

dimensões: altura, largura e comprimento (profundidade). O espaço é o intervalo

entre limites.

No capítulo anterior é analisado o plano enquanto superfície

bidimensional, na qual a grelha é um elemento organizador potencialmente

ilimitado. Neste capítulo, explora-se o espaço entre os limites. Na página

editorial do livro, os limites estabelecidos pela margem da página, e em termos

tridimensionais - no espaço do observador -, os limites impostos pela moldura,

que separa um interior de um exterior. A passagem entre bidimensionalidade e

tridimensionalidade concretiza-se nos conceitos de margem e moldura.

Estes conceitos são analisados enquanto limites de um campo, mas

também na sua autonomia, através de autores como Michael Camille, Ellen

Lupton, Jacques Aumont e Andre Bazin.

2.1 Margem e Página

A área tipográfica é invariavelmente cercada por uma zona marginal.

(Müller-Brockmann, 2007, p. 39)6.

A margem corresponde aos limites da mancha tipográfica numa página.

Para Ellen Lupton (2004), a construção da margem ou da moldura (quer se trate

de uma página, ou de um ecrã) é regulada pela grelha, que não funciona só como

organizador do seu conteúdo. A grelha definia apenas um campo, e por isso

construia uma margem que marcava os limites duma única divisão na página,

onde era composto um único e sólido bloco de texto. Na prática esta ideia é

6 “The type area is invariably surrounded by a marginal zone.”

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visível na maioria das publicações, e mantém-se como o formato mais comum

de paginação de um livro. É esta a forma mais simples de uma grelha, uma única

coluna rodeada por margens. A partir de então novas estruturas foram surgindo,

definindo margens entre os campos, como é exemplo, o sistema de duas colunas

da Bíblia de Gutenberg.

Nestas publicações de uma única coluna tipográfica, utilizadas sobretudo

na época medieval, as margens eram apropriadas pelo autor e tornavam-se locais

de exploração artística e de expressão individual (Camille, 1992). A nível

sociológico, Michael Camille analisa a margem enquanto espaço cultural de que

os artistas se apropriavam, tornando-a espaço de expressão de conflitos sociais e

psicológicos. O limite gráfico que inicialmente servia para isso mesmo, marcar

um limite vazio entre o interior e o exterior, delimitando e relevando um

conteúdo, ia aos poucos desaparecendo dando lugar a ilustrações e citações,

atribuindo novas dimensões à página que, dado o seu grau cada vez maior de

apuramento, questionava a autoridade da mancha tipográfica, embora nunca se

sobrepusesse a ela (Camille, 1992). A exploração das margens sobre a mancha

tipográfica parecia antever um pouco o papel da moldura, da zona limite que

constrói esse ‘entre’, que separa o interior do exterior, aquilo que Derrida define

como, “uma forma que parece estar separada da obra (...) Uma moldura ou um

pedestal eleva o trabalho, removendo-o do reino do comum. O trabalho depende

assim da moldura para o seu estatuto e visibilidade” (Derrida apud Lupton,

2004, p. 153)7.

É através desta apropriação da margem e diluição dos seus limites que

alguns designers e artistas, de movimentos artísticos do início do século XX,

passaram a construir grelhas cujos limites se estendiam para lá dos do suporte

(da tela ou da página), e aos poucos a margem convencional foi-se reduzindo,

sendo ocupada pelo próprio texto, que perdia também, a sua orientação

tipicamente horizontal para dar lugar a composições verticais e horizontais. A

estrutura da página tornou-se uma extensão infinita que passou a ser “mapeada e

7 “The philosopher Jacques Derrida has described the frame in Western art as a form that seems to be

separate from the work (…) A frame or pedestal elevates the work, removing it from the realm of the

ordinary. The work thus depends on the frame for its status and visibility.”

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articulada” para lá da margem (Lupton, 2004). Estes artistas e designers

desenvolviam, em paralelo com obras puramente visuais, ensaios e publicações

que se foram fundido, criando assim, obras que utilizavam a tipografia e o

espaço da página de modo artístico: "(...) é permitido ao suporte - o papel -

assumir uma dimensão material. Uma página não era simplesmente uma área da

superfície para ser impressa; ela tornou-se parte da composição visual" (Arnar,

2011, p. 214) 8

. Dois exemplos paradigmáticos desta abordagem da tipografia e

da página, enquanto prática experimental modernista são, em primeira instância

Un coup de dés jamais n’abolira le hasard (1897), de Mallarmé, e também, O

Retrato de Pablo Picasso (1916), de Apollinaire.

Stéphane Mallarmé é uma das figuras de referência na compreensão da

relação entre texto e leitor, que se estabelece através do uso de diferentes

tipografias e composições de página.

Para melhor entender estas características, o seu poema Un coup de dés

jamais n’abolira le hasard é uma peça chave. O poema de Mallarmé levanta e

explora questões relativas a um novo entendimento espacial da página e a

importância da escolha tipográfica. A paginação é vital para a conceção do

poema, desde a disposição das palavras na própria página até ao sentido do olhar

8 “(…) but it allowed the support - the paper – to assume a material dimension. A page was not simply a

surface to be printed on; it became a part of the visual composition.”

12. Apollinaire,O Retrato de

Pablo Picasso, 1916

11. Stéphane Mallarmé, Un coup de dés jamais

n’abolira le hasard, 1897

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do observador, relacionando forma e conteúdo e atribuindo-lhe expressão visual

(Arnar, 2011).

Do ponto de vista da página, Mallarmé rompe com o uso do sistema de

grelhas tradicional, de um ou dois blocos de texto, assim como dos utilizados nas

páginas dos jornais da época e da presença das margens que advém deste sistema

de grelhas. Ele surge com um texto que se ‘decompõe’ em duas páginas,

causando tensões que criam uma maior espacialidade mas também um maior

desafio na sua leitura. Esta ‘estranheza’, não convencional, é resultado de frases

que são agora abruptamente cortadas pela própria configuração das páginas e

seus limites, e existe uma espécie de sintonia entre o que se lê e como se compõe

em termos tipográficos e formais. Existem frases e fragmentos das mesmas,

palavras soltas que obrigam o leitor a mapear as palavras entre as páginas e entre

si mesmas, conferindo-lhes dinâmica, em vez do aspeto estático do bloco de

texto. O único elemento estrutural que se mantém é constituído pelas linhas de

texto horizontais que se leem de cima para baixo, preservando a orientação

convencional da página (Arnar, 2011).

Em relação à tipografia, Mallarmé cria no texto tensões e hierarquias

visuais, entre caixas altas, caixas baixas e itálicos, rompendo com as barreiras da

página criando o que designa por “linhas de força” (Arnar, 2011, p. 217)9, como

é exemplo a palavra ‘Si’ que em negrito e caixa alta, cria uma tensão contra o

branco da página. Este jogo tipográfico adivinha um estudo e uma preocupação

na leitura, criando por isso diferentes níveis de composição e por ênfase no que

está escrito, onde as palavras se tornam elementos ativos de composição visual e

plástica (Arnar, 2011).

Todo este conjunto de atributos e inovações na composição da página de

Mallarmé é fruto do seu interesse pelo trabalho do leitor aquando da leitura, a

possibilidade de viajar pela página, acelerar a leitura, e o seu inverso, o que faz

dele uma figura ativa podendo seguir as pistas do autor, ao mesmo tempo que

circular pelo texto de acordo com o que ele lhe sugere.

Para além do referido, surge um forte contraste de preto e branco entre o

que está escrito e os imensos espaços brancos entre frases e palavras, sendo esta

9 “lines of force.”

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composição decisiva para ver o espaço branco não como um elemento inútil na

composição, apenas com a função de margem, mas como elemento compositivo

na organização formal do texto, em que a margem deixa de existir enquanto si

mesma, e se torna mutável e preenchida (Arnar, 2011).

A mesma utilização do espaço branco é também visível na obra de

Apollinaire. Do ponto de vista formal, o Retrato de Pablo Picasso revela

experimentações diferentes da mancha de texto habitual, criando novas espécies

de ‘margens/molduras’, apesar de ainda estar inserida numa única coluna. O

texto escrito descreve o trabalho do pintor, conjugando na perfeição a

significação visual e verbal através de frases que estão dispostas sobre a página,

sem obedecerem aos limites de forma reta e quadrada. O próprio poema,

assumido enquanto imagem, é ‘emoldurado’ adquirindo características visuais

para lá da leitura. Enquanto as palavras evocam características mais sensoriais,

como a textura, as suas características visuais constroem formas que parecem ter

sido destacadas. Estes espaços brancos, vazios, têm as formas de uma garrafa,

uma pera e maçãs, e o elemento descrito está ausente visualmente e literalmente

(Drucker, 1994). O espaço branco tradicional das margens entra pela mancha de

texto para fazer parte da mesma, ao atribuir-lhe características físicas e formais

do que é dito verbalmente, e funcionando como uma espécie de ilustração.

Foi na sequência desta desconstrução das margens e da grelha, que os

racionalistas suíços rejeitaram por completo os modelos tradicionais da página

enquanto margem/moldura do próprio conteúdo, para a tornar um contínuo

espaço arquitetónico, construindo o sistema de grelhas modular que permitia

organizar diferentes tipo de informação (texto e imagem). "Ao descrever a

expansão do espaço em todas as direções, a grelha tipográfica moderna

ultrapassou a moldura clássica da página. (...) A estrutura de proteção tornou-se

um campo contínuo" (Lupton, 2004, p. 163)10

. Muller-Brockmann defende que

as construções quer das margens das páginas, quer dos campos, dependem não

só do formato como também da legibilidade da informação. A existência de

margens bem calculadas, através da ‘Secção de Ouro’, determinam o tamanho da

10 “By describing the expansion of space in all directions, the modern grid slipped past the classical frame

of the page. (…) The protective frame became a continuous field.”

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área tipográfica, e por isso respetivamente, dos seus campos, e da largura de

coluna.

2.2 Moldura e Imagem

A imagem é um objeto finito com dimensões mensuráveis: tem um tamanho. A

grande maioria das imagens são objetos que podem ser isolados

perceptualmente, se não sempre, substancialmente, do seu ambiente. A

limitada, e muitas vezes destacável, e até portátil natureza da imagem é também

uma das características essenciais que definem o poder da imagem. Não existe

um conceito que encarna estas características melhores do que a moldura

(Aumont, 1997, p. 106).11

A moldura é o objeto que delimita e destaca a obra artística do espaço

que a circunda. Ela estabelece a fronteira palpável entre o que está no seu

interior e o que está no seu exterior, marcando sobretudo o seu carácter finito,

restringindo o conteúdo a um determinado espaço.

Todas as imagens pressupõem uma base material, quer ela seja concreta

ou abstrata, o seu suporte. Para definir os limites da imagem Aumont aponta dois

conceitos: ‘moldura-limite’ e ‘moldura-objeto’. ‘Moldura-limite’ corresponde ao

espaço percetível da imagem, o seu enquadramento; por sua vez ‘moldura-

objeto’, corresponde à ‘moldura-limite’, mais o limite visível imposto pela

moldura. No entanto a presença da ‘moldura-objeto’ nem sempre é utilizada,

como se verifica em muitas obras do século XX que nunca foram emolduradas

(Aumont, 1997). Ao estabelecer um limite que contribui para o visionamento da

obra, a moldura representa e executa notáveis funções em relação à imagem e ao

espaço: no campo visual, a moldura “separa a imagem do seu ambiente

percetual” (Aumont, 1997), adquire um efeito percetual que isola um segmento

11 “The image is a finite object with measurable dimensions: it has a size. The vast majority of images are

objects that can be isolated perceptually, if not always materially, from their environment. The limited,

often detachable, even portable nature of the image is also one of the essential characteristics that defines

the image-apparatus. There is no concept that incarnates these characteristics better than the frame.”

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do campo visual que melhora a sua perceção; contribui para a transição entre

interior e exterior da imagem, assim como para a organização dos aspetos

plásticos da obra, relacionados com a sua composição; em termos simbólicos a

presença de uma moldura ao isolar a imagem, confere-lhe valor e por isso, ‘diz’

ao espectador para o que deve olhar e como.

Em relação às funções representativas e narrativas, a moldura é vista

como metáfora de uma ‘janela para o mundo’, isto porque a ‘moldura-limite’

define onde a imagem termina, estabelecendo o campo e por isso também, o

fora-de-campo, e pode-se dizer que é também a margem/moldura que estabelece

não só o tamanho, como também a forma e por isso o formato (Aumont, 1997).

No fundo a presença de uma moldura confina a imagem figurativa a um

fragmento, um ‘campo’, daquilo que se presume ser um espaço ilimitado. Por

isso moldura e campo são conceitos diretamente relacionados. Neste sentido

distinguem-se dois campos – o campo visual e o campo representativo que

isolam o conteúdo presente no interior do respetivo campo, reforçado muitas

vezes pela moldura (Aumont, 1997).

O conceito de ‘campo’ possui a versatilidade de ser utilizado em

diferentes contextos imagéticos e verbais, para ele confluindo conceitos que

acabam por se cruzar no que se refere a composição, representação e dimensões

espaciais, como se verifica na pintura ou no design. ‘Campo’ é um fragmento

limitado de um espaço infinito, um elemento da grelha organizadora da

superfície, que se pode multiplicar tanto quanto mais forem as divisões da

grelha.

A moldura, e por consequência o campo são formas de organização

espacial que, apesar de funcionarem como limites, remetem sempre para um

espaço para lá das suas fronteiras. Esta definição expõe a diferença que existe

entre ‘dentro-de-campo’ e ‘fora-de-campo’, pois o campo é apenas uma secção

do espaço, percebida pelo olhar do observador organizado pelo seu ponto de

vista: “Um campo é um pedaço ‘cortado’ e uma espaço profundo de uma

superfície plana que se prolonga” (Aumont, 1997, p. 168)12

.

12 “The field is a deep space represented on a flat surface.”

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Bazin expõe a metáfora da moldura enquanto janela, numa organização

espacial, sobre as superfícies planas da tela da pintura e da tela de cinema.

Na pintura a moldura é centrípeta. Para o autor, a moldura tem como

função salientar a heterogeneidade entre representação pictórica e espaço do

observador (espaço real), por isso quando aplicada à pintura, ela causa uma certa

‘desorientação’ do espaço, pois em vez de dar continuidade, conduz o olhar do

observador apenas e exclusivamente para o interior do quadro.

Na tela de cinema a moldura é centrífuga. Bazin designa a moldura de

‘máscara’, por essa sua enorme capacidade de desmascarar uma parte da

realidade, que supostamente, se prolonga infinitamente no espaço, para lá dos

limites da tela (Bazin, 1991). Por esse motivo a palavra ‘campo’ é aplicada

sobretudo em contexto cinematográfico, e é através do cinema que se estabelece

a maior relação entre moldura, e campo, ou, por antítese, o fora-de-campo. No

cinema, o campo corresponde ao espaço tridimensional representado na tela, é

uma janela para o mundo porque fornece a sensação de profundidade e por isso

leva-nos a crer que aquele espaço visível se expande para lá dos limites do ecrã e

do campo visível, o ‘fora-de-campo’ (Aumont, 1997).

O ‘fora-de campo’ está diretamente relacionado com o poder retórico da

moldura, que é uma espécie de ‘declaração’ e validação da sua autoridade, ou

seja, de certa forma a moldura adquire um maior significado que a própria obra,

ou é tão importante quanto a obra, sendo por vezes a moldura, a própria obra,

como é exemplo o trompe-l’oeil de uma falsa moldura (Aumont, 1997). Do

mesmo modo, também a criação contemporânea insiste na valorização da

moldura enquanto objeto artístico. Isto é, cada vez mais existe um desejo de

descentralização e anulação do conteúdo interno do campo. O tradicional

conceito de composição que se baseia em reforçar os elementos primordiais no

centro, começa a deslocá-los muitas vezes para o seu ‘fora-de-campo’. Apesar

de abstrato, este processo que Aumont designa por deframing está sobretudo

ligado à ‘moldura-limite’, pois a informação concentra-se nos seus limites

(Aumont, 1997).

Os ‘quadros-objeto’ de José Loureiro são pinturas que aglutinam

inúmeros conceitos aqui já abordados, grelha, módulo, campo e moldura. Estes

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objetos, utilizando as ideias modernistas da grelha, transmitem uma sensação de

construção regrada e reprodutível com o recurso a moldes, fragmentando o

espaço da tela em figuras geométricas: os ‘campos’ da grelha. Em contraposto

ao rigor da grelha, estão sobrepostas as mesmas figuras geométricas, mas

pintadas manualmente e dispostas ao acaso. Os campos da grelha

desfragmentam-se e parecem deslocar-se das posições estabelecidas pela grelha,

ou vice-versa, explorando tanto o espaço perspético como a supressão de

profundidade (Nicolau, 2009). Por sua vez, cada pintura é também um ‘campo’

do espaço físico, um fragmento do espaço, de uma grelha que se estende para lá

dos seus limites, mas cada ‘campo’ representado na tela é por si só uma

moldura, como se dentro da moldura dos ‘quadro-objeto’ estivessem

representadas tantas outras molduras. As molduras e os ‘campos’ são a obra, o

seu conteúdo.

A questão da descentralização do conteúdo da obra e da moldura como

objeto artístico e parte integrante da obra é visível nas obras Sem Título (1969),

de Helena Almeida e Círculo Solar (2011), de Alexandre Estrela.

Em ambas as obras distinguem-se dois elementos, embora na realidade a

obra seja o conjunto das duas. Na tela de pintura de Helena Almeida a moldura

parece desistir de emoldurar e o conteúdo está fora do campo estabelecido pela

moldura; no entanto, neste caso, o observador consegue ver o conteúdo para lá

dos limites da moldura e o espaço por trás do conteúdo da tela (Ramos 2015). Já

em Círculo Solar existe um descentralizar do conteúdo através da recriação de

13. José Loureiro, Sem Título, 2006

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uma moldura na tela de cinema e da definição de duas peças afastadas

espacialmente. Apesar de posições espaciais diferentes, a moldura e o seu

interior formam uma única peça ao passarem a mesma informação em

simultâneo e corresponderem ao mesmo enquadramento. Existe uma ideia física

de moldura que, refutada pelo facto de possuir a mesma informação que o seu

‘conteúdo’, faz dela a obra.

14. Helena Almeida, Sem Título, 1969 15. Alexandre Estrela, Círculo Solar, 2011

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3. Portal

O conceito de portal está instrinsecamente ligado à ideia de espaço

concreto, pois significa na maioria das vezes a possibilidade de aceder a outro

espaço, transpondo uma passagem. No entanto, mais recentemente, esse

conceito é utilizado para significar um mundo virtual, por exemplo um domínio

na Internet.

Neste capítulo abordo as últimas questões relativas à passagem entre

bidimensional e tridimensional. Aqui o material tipográfico e editorial,

tipicamente plano e delimitado, é transposto para o domínio tridimensional sem

qualquer barreira que separe o interior do exterior: a moldura e a margem

tornam-se inexistentes, e o conteúdo pertencente ao espaço físico do observador.

Os conceitos de portal, passagem e porta são analisados através do ensaio

de Georg Simmel, “A Ponte e a Porta”, sendo o volume abordado através da

obra do artista português João Vieira e do romance de Edwin Abbott, Flatland

(1884).

3.1. Passagens

O finito onde estamos todos situados de certo modo está ligado ao infinito do

ser físico e metafísico.

(Georg Simmel, 1909)

O conceito de portal subentende o conceito de passagem que, por sua

vez, pressupõe uma ligação entre espaços físicos.

No ensaio de Georg Simmel, “A Ponte e a Porta” (1909), o autor expõe

aquelas que são as estruturas físicas que definem os conceitos de ligação e

separação. Para o autor, só o homem tem a capacidade de ‘associar’ ou

‘dissociar’ objetos, ou seja, estabelecer uma relação entre eles que é

materializada através de estruturas de que são exemplo, a ponte e a porta.

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Através de forma visível e sensível, a ponte estabelece a junção entre

termos dissociados; enquanto a porta representa a separação do mundo do

homem, mas também, a sua reaproximação, abolindo a barreira entre interior e

exterior. Essa ligação é também garantida pela janela, embora em menor grau de

aproximação, porque apesar da janela ser transparente, e por isso possibilitar a

ligação interior/ exterior, privilegia um sentido que é o do olhar para fora. Em

suma, a janela constituí uma barreira que separa um interior de um exterior e

confina o olhar numa única direção, impossibilitando o contacto físico entre

quem vê e o que vê. Enquanto a porta permite a possibilidade de ligação entre

um finito particular do homem, e um infinito espacial, apesar de, através da sua

versatilidade, se poder tornar uma barreira entre eles.

No contexto do meu projeto, a ideia de portal funciona como a entrada

no espaço tipográfico e editorial, transpondo as suas características

bidimensionais para o espaço tridimensional. Não pretende uma exploração das

suas características aplicadas ao design expositivo, mas sim uma apropriação e

exploração conceptual desses mesmos conceitos aplicados às suas respetivas

representações tridimensionais. Como tal, a estrutura física que me interessa

explorar é a porta e, por isso, nos exemplos que se seguem esta estrutura é

utilizada de modo a possibilitar a passagem para novos mundos e espaços

físicos.

Em “A Porta no Muro” (1911), de H.G. Wells, a personagem principal

materializa a ligação entre dois mundos, o real e o imaginário, através de uma

porta verde sobre uma parede branca. O homem é o único elemento de ligação

entre estes dois mundos, com o poder exclusivo de projetar aquela porta que lhe

permite o acesso e o contacto com um mundo que desconhece, mas que é

igualmente o elemento de separação destes dois mundos aparentemente

incompatíveis e impenetráveis.

Do mesmo modo, na obra Goethe’s Corridor (1977), de Barbara Bloom,

a artista representa na tela um conjunto de portas que se abrem

interminavelmente, causando um efeito em abismo. Por estarem abertas

permitem ao observador ver uma espécie de corredor infinito, onde elas próprias

são portais para novos espaços permitindo a passagem e o acesso entre eles. No

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entanto, a moldura da obra é a metáfora da janela para este corredor, que permite

ver mas não permite entrar, embora as portas representadas sejam uma alusão ao

portal, e por isso funcionem como convite ao observador para entrar na imagem

e nos espaços representados.

É a ideia de instalação que vem quebrar a barreira espacial que separa o

observador da obra, sendo a moldura o agente dessa separação. Na instalação o

observador interage com a obra e entra nela.

Na arte conceptual os artistas exploravam as conexões apenas entre

elementos textuais, ou elementos textuais e as suas representações, que

resultavam muitas vezes em instalações. Por isso, Barbara Kruger marca o

discurso artístico contemporâneo, não só pela forte mensagem do conteúdo do

seu trabalho, mas sobretudo pela abolição de barreiras entre a arte e o design, e o

modo inovador e distinto como os uniu ao abandonar as barreiras existentes

entre o conteúdo das suas obras e o leitor/observador, como é o caso da moldura.

Kruger utiliza a tipografia como matéria-prima para criar instalações que são

verdadeiros portais para o interior das suas mensagens, como são exemplo as

instalações na Mary Boone Gallery, London (1994), Deitch Projects, New York

(1997) ou ACCA (2005) (Kruger, 2008).

16. Barbara Bloom, Goethe’s Corridor, 1977

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Estes trabalhos, a princípio cartazes, foram adquirindo formatos cada vez

maiores tornando-se ‘billboards’ de grandes dimensões, dispersos pela cidade,

para mais tarde começarem a preencher totalmente as paredes, o chão e o teto

das salas onde eram expostos, esteticamente apropriando-se do discurso

publicitário do design, através de composições tipográficas aliadas ao uso da cor

vermelha, preta e branca e do negrito, para produzir peças artísticas com fortes

mensagens em relação à sociedade de consumo e às relações sociais

experienciadas no dia a dia (Linker, 1990).

No entanto, a descontextualização destas mensagens, que passam a ser

exibidas num espaço tradicionalmente artístico, como a galeria, faz com que o

grafismo utilizado e o conteúdo adquiram novos significados. A artista explora a

tipografia e as imagens para lá do contexto do design editorial, confinado à

página, ou de design expositivo aplicado a um espaço. Pelo contrário, as suas

obras são o próprio espaço que aqui coincide com a obra:

Começando no início de 1990, Kruger levaria o espaço mental de fantasia como

descrito acima para a escala da arquitetura em instalações que abrangem todas

as superfícies do espaço de uma galeria - paredes, piso e teto - envolvendo

plenamente os espectadores dentro de suas composições visuais e físicas,

equivalentes ao estar rodeadas por sons (Kruger, 2008 , p. 232)13.

13 “Beginning in the early 1990’s, Kruger would take the mental space of fantasy as described above to

the scale of architecture in installations covering all surfaces on a gallery space –walls, floor, and ceiling

– fully enveloping the viewers inside her compositions in a visual and physical equivalent of surround

sound.”

17. Barbara Kruger, Mary Boone Gallery, London, 1994 18. Barbara Kruger, Deitch Projects, New York, 1997

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O texto ocupa todo o espaço, sem existir um princípio e um fim, ou uma

direção na leitura como é habitual num livro. Para além disso, como é exemplo a

instalação na ACCA, a artista, apesar de ainda trabalhar num formato

bidimensional, trabalha a dimensão tridimensional do espaço: as palavras saem

do livro e cartazes e moldam-se ao espaço físico, avançando sobre os seus

elementos construtores, como escadas, colunas ou portas. As instalações da

artista situam o espetador no seu próprio espetáculo, e por isso, constituem

também, uma espécie de portal para a sua própria realidade (Kruger, 2000).

O processo expositivo de Kruger resulta numa metáfora sobre a ideia de

portal em dois sentidos: sobre a entrada do leitor no conteúdo bidimensional do

livro e do cartaz que se transforma em instalação, ultrapassando a moldura e

corrompendo as noções de interior e exterior. E por outro lado, o facto da artista

não restringir a obra a uma só sala, mas utilizar vários espaços e os elementos

que o estruturam, obrigando o leitor/observador a deslocar-se por diversas salas,

através de portas que aqui se concretizam também como metáfora, pois são elas

que permitem ao observador entrar num novo espaço como se estivesse a folhear

um livro, página a página, neste caso sala a sala.

19. Barbara Kruger, ACCA, Installation view, 2005

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3.2 Volumes

Bem, então se um ponto movendo-se três polegadas, faz uma

linha de três polegadas representada por três; E se uma linha reta de três

polegadas, movendo-se paralela a si mesma, faz um quadrado de três

polegadas, representada por três a-segundo; então um quadrado de três

polegadas em todos os sentidos, movendo-se de alguma forma paralelo a si

mesmo (mas eu não vejo como) deve fazer outra coisa (mas eu não vejo o que)

de três polegadas em todos os sentidos (...)

(Edwin Abbott, 1884)14

O volume corresponde à dimensão de um corpo tridimensional no

espaço, definido através de unidades de medida cúbicas e coordenadas. Na

questão do volume está implícita uma passagem de imagem para objeto,

relacionada diretamente com o volume palpável desse mesmo objeto num

espaço, e por isso com questões de perspetiva e profundidade.

No sub-capítulo anterior, o portal corresponde à passagem da

bidimensionalidade para a tridimensionalidade do espaço físico, abolindo a

barreira entre observador e obra. Neste capítulo, o volume simboliza a

materialização e tridimensionalização da tipografia, quando transferida do livro

para o espaço, tornando-se objeto. O artista português João Vieira na instalação

O Espírito da Letra (1970), na Galeria Judite da Cruz, recria um labirinto de

objetos que são a tradução plástica e material da letra e da palavra. Nesta

instalação o artista distribui ao acaso sobre o espaço da galeria um conjunto de

letras de grandes dimensões, à escala humana, multicolores e de um material

identificado como espuma de borracha, atribuindo uma nova expressividade aos

caracteres. Eles traduzem-se em peças escultóricas que levantam questões

relacionadas com a possibilidade de tocar e usar o objeto artístico, uma vez que a

letra já não é apenas para ser vista/ lida, mas é igualmente para ser tocada pelo

observador, agora também construtor da obra artística, “(…) a espuma cedia

14

“Well, then, if a point by moving three inches, makes a line of three inches represented by three; and if

a straight line of three inches, moving parallel to itself, makes a square of three inches every way,

represented by three-to-the-second; it must be that a square of three inches every way, moving somehow

parallel to itself (but I don’t see how) must make something else (but I don´t see what) of three inches

every way(…)”

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sobre o peso dos visitantes, sentados, reclinados, aconchegados na projeção das

letras.” (José Augusto França, 1985, p. 20).

Com a obra de João Vieira assiste-se à passagem do plano bidimensional

da tipografia impressa, para a tridimensionalidade do objeto escultórico:

“Primeiramente era a escrita sobre um fundo que sobra nas margens como uma

folha de papel (…) É a possibilidade material da palavra, da frase, que define o

seu próprio espaço” (Castro, 1971, p. 25). Para perceber a possibilidade material

e o carácter espacial da letra é necessário entender o valor plástico que o artista

lhe atribuiu, e de como, aos poucos, a letra se tornou imagem e elemento

plástico:

A neutralidade do alfabeto é inexistente. O desenho, as dimensões relativas, a

posição, a disposição no espaço, a bi ou tridimensionalidade, a cor e as cores

das letras têm cargas semânticas e estéticas que é preciso associar à escrita, para

aumentar o seu teor significativo, a sua temperatura informacional, a sua ação

estética (Castro, 1971, p. 18).

O processo de trabalho de João Vieira passou por várias fases;

inicialmente o artista apropria-se da letra presente nos livros e transfere-a para

um novo suporte e limites espaciais, a tela, e depois da tela para o espaço físico.

O valor comunicacional da letra é preterido em nome das suas qualidades

formais. E, quando as letras se transformam em imagem e objeto, instala-se um

jogo constante entre legibilidade e ilegibilidade, entre o que é para ser lido e o

que é para ser visto, o que está escrito e o que se lê. Uma outra situação

desencadeada por esta obra é a passagem do leitor a observador e agente, porque

os caracteres, mais do que para serem lidos, são para serem vistos e tocados.

Para esta mudança de códigos, do literário para o icónico, cada caractere é

trabalhado de acordo com um código definido pelo artista (no quadro abaixo).

Este código é descrito como:

A mão O gesto A escrita

O sinal A letra Os olhos

O ritmo O objeto O espaço

A cor O volume O clima

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A combinação A probabilidade O ar

A origem A biografia O futuro

A destruição O saber A invenção

O ter O ser A mão

O artista descreve as principais componentes do seu trabalho na construção

plástica da letra e nas possibilidades de leitura da letra: a textual e a formal,

abertas à interpretação do leitor/observador. A criação, recriação e leituras

possíveis dos caracteres, combinam a criação do objeto, que incorpora o gesto

manual, a cor, o ritmo, a forma e o volume, com as possibilidades de recriação e

leitura da obra pelo observador, que variam com o espaço onde a obra é inserida,

o conhecimento e aproximação do observador à obra. De acordo com Castro

(1971) a sua obra serve para escrever, ler, escrever a leitura, ler a escrita da

leitura, escrever a escrita da leitura, ver, ver a leitura e ver a escrita, onde artista e

observador deslocam-se entre variantes que acabam por se interligar.

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4. Tipografia: na fronteira entre a arte e o design

Neste capítulo apresento o projeto desenvolvido na vertente prática da

dissertação, onde a construção de vários objetos se estrutura a partir dos

conceitos abordados nos capítulos anteriores, estabelecendo uma ligação

constante entre design e arte e explorando os conceitos que definem um percurso

desde a bidimensionalidade até à tridimensionalidade, quer espacial, quer

tipográfica. Os objetos produzidos procuram reinventar os elementos estruturais

da tipografia e do editorial abordados nas suas características formais e plásticas,

sobretudo enquanto imagens e objetos.

4.1. A

O objeto A corresponde à produção de um painel de azulejos. A criação

de um painel de azulejos está associada ao desejo de criar objetos com valor

plástico que abordassem as questões da tipografia, tradicionalmente restritas à

página e ao suporte de papel, em estruturas pouco comuns. O melhor exemplo de

uma estrutura aplicada à grelha e por consequência ao padrão, é o azulejo. Cada

azulejo é uma das possibilidades infinitas de divisões da grelha e representa um

módulo do padrão.

Cada módulo, aplicado a cada azulejo, corresponde à letra A, uma

apropriação da tipografia, aplicada a uma utilização e suporte pouco habituais,

enaltecendo a qualidade física e formal da letra em detrimento do seu carácter

puramente comunicativo e informativo. Após vários estudos, a tipografia

escolhida é a ‘Stencil Gothic Regular’, pois representa uma das tipografias mais

usadas em espaços públicos, numa alusão ao stencil do graffiti e, é também ela,

uma fonte modular que permite estabelecer a ligação entre aspeto tipográfico

(em relação à leitura), e, gráfico e formal, enquanto desenho da letra e por isso

também imagem. Não existe uma leitura imediata da letra A, porque o desenho

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da tipografia escolhida assemelha-se a figuras geométricas. O módulo é

construído sobre uma desconstrução da letra. Cada módulo contém dois AA

simétricos, de diferentes dimensões, e adquire três variações visuais. Uma

exclusivamente construída pelos ‘outlines’ da letra A, onde se percebe a

construção da composição, e outras duas preenchidas correspondentes ao

positivo e negativo do mesmo elemento.

O padrão é construído pela utilização das três variações modulares e

recorre a processos compositivos de repetição, rotação, simetria e assimetria,

possibilitando diferentes ligações entre os módulos. As diferentes composições

entre azulejos, aliadas ao preto e branco, produzem uma ilusão de

tridimensionalidade, embora num suporte plano, e provocam efeitos de

continuidade em muito semelhantes aos efeitos óticos da Op Art.

Apesar de uma experiência inicial de pintura manual sobre o azulejo, o

painel foi produzido com recurso à serigrafia aplicada sobre papel de decalque e

depois transferida para os azulejos, conferindo-lhes um aspeto industrial e

fabricado, como desejado, e alusivo à reprodutibilidade técnica associada à

20. A (módulo três variações), 2016

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Minimal Art. Do mesmo modo que me possibilitou explorar e aprender uma

técnica de impressão muito utilizada no design, a serigrafia.

Para este objeto pensei numa amostra de vinte e cinco azulejos pintados,

ou seja, um metro quadrado de azulejos, de vinte centímetros de lado cada um.

No entanto, numa segunda análise, acrescentei aos vinte e cinco azulejos, dez

azulejos brancos simples, com as mesmas dimensões, para uma maior harmonia

e ‘respiração’ entre as formas, conferindo-lhes alguns espaços ‘vazios’. Os

azulejos produzidos e as suas respetivas ligações são apenas um exemplo de um

conjunto de possibilidades de montagem de A. Uma vez que se trata de uma

estrutura modular, o meu padrão não obedece a uma construção regrada porque

esta não impossibilita a sua leitura; o objetivo é fazer tantas ligações e

combinações quantas as possíveis e desejadas, recorrendo aos mecanismos

tradicionais da construção de um padrão. Tal como a grelha sugere, não existe

um sentido narrativo e sequencial em A; ao invés são permitidas construções

algo aleatórias.

No entanto, prevê-se que em termos de apresentação, seja a composição

proposta enquadrada num canto de uma sala, paredes adjacentes e chão,

realçando essa capacidade ilusória de tridimensionalidade, que ocupa largura,

comprimento e altura num espaço físico.

Conceptualmente este objeto corresponde ao primeiro estágio da minha

exploração projetual. Em primeiro lugar, o A está diretamente ligado ao primeiro

capítulo do projeto, o plano; em segundo, o painel de azulejos utiliza o primeiro

elemento estrutural da superfície ilimitada, a grelha, que se traduz num objeto

bidimensional aplicado sobre uma superfície; e por último, este objeto intitula-se

A, por ser precisamente a primeira letra do alfabeto latino, o início. Para além

destas questões existe um paralelismo entre o objeto produzido e a página do

livro: em ambos existe uma superfície plana, uma grelha modular, e um

conteúdo confinado ao campo, com limites visíveis; no caso do livro, a margem,

no caso do painel, as dimensões de cada azulejo.

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4.2 A Graphic Line and a Sculptural Line

A Graphic Line and a Sculptural Line é um conjunto de objetos que

materializa o limite.

No estudo para esta peça comecei por abordar os campos definidos pela

grelha mas com a particularidade de trabalhar a informação fora-de-campo. A

partir da frase ‘The flat physical space’, coloquei cada letra em cada campo da

grelha que previamente defini, ampliando-as e enquadrado-as para lá dos limites

de cada divisão. Depois de eliminada a grelha, a frase transformava-se num

conjunto de formas abstratas, que eram fragmentos da frase escrita, funcionando

como formas visuais do que está escrito.

Para lhes atribuir qualidade objetual, as formas adquiriam diferentes

relevos de acordo com as dimensões de cada peça.

21. A (composição proposta), 2016

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22. The Flat Physical Space (módulos), 2016

23. The Flat Physical Space (módulos 3D ), 2016

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À semelhança de A, interessou-me explorar a possibilidade do texto se

tornar imagem. Habitualmente o texto é colocado dentro dos limites

estabelecidos pelas margens, para a sua total leitura; ao invés, nestes objetos o

texto está para lá do limite que permite uma leitura óbvia, está dentro, mas

também fora-de-campo, sem nunca ser possível uma leitura integral de cada

letra, embora, recorrendo à memória visual se consigam identificar e completar

algumas letras possibilitando a leitura, e ficando no ‘limbo’ entre o visual e o

verbal. No entanto, apesar destes objetos permitirem explorar o texto como

imagem, não havia uma referência direta ao limite enquanto margem e moldura

e como foco de criação e exploração criativa.

Para reforçar o conceito de limite, pensei na necessidade de materializar

o conceito de margem bidimensional, estabelecendo o constante paralelismo

entre a questão editorial do design e a criação artística. Comecei por resumir e

recriar termos e declarações que representam os princípios conceptuais e

plásticos do meu projeto e trabalho artístico. Do mesmo modo que são uma

metáfora da representação de todas as letras do alfabeto contidas entre A e Z.

Criei composições onde o texto era o seu próprio limite, formando uma linha

contínua fechada, conseguida pela junção das letras, como se se tratasse de um

recorte de uma página sobre o limite exterior de todas as letras.

É novamente essa ideia de letra enquanto forma desconstruída que me

interessa, quando transformo as letras em recortes. O olhar do leitor/observador,

desloca-se do centro do campo, para se direcionar e focar nos seus limites. É

uma constante dualidade entre funções, a tipografia é para ser lida, mas também

para ser vista, e essa constante impossibilidade de decifrar rapidamente o

conteúdo, que ora é tipografia, ora uma forma gráfica e geométrica.

Ao pensar na possibilidade de transferir esta ‘margem tipográfica’, e de

algum modo topográfica também, para o espaço tridimensional, pensei em duas

explorações práticas. Primeiro, na relação direta entre a margem/moldura como

‘janela para o mundo’, e no poder da montra em representar esta ligação. A

montra é também uma moldura para o interior da loja, ou exterior, de acordo

com o ponto de vista, no entanto, o vidro transparente continua a separar dois

espaços a que se acedem através de uma passagem, que é a porta.

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Os recortes são aplicados sobre a montra, e para proporcionar o efeito

ilusório de tridimensionalidade, algumas ‘margens tipográficas’ apresentam

deformações em relação à sua perspetiva e posição, embora aplicadas sobre o

plano bidimensional do vidro da montra.

Uma outra exploração consiste na atribuição de volume às planificações,

o que resulta em estruturas tridimensionais semelhantes a molduras que os

recortes das letras ornamentam.

Todos os objetos foram tecnicamente produzidos através do corte de

CNC, o que me permitiu compreender as possibilidades de transferência de

mecanismos do design de equipamento, como o maquinar, a modelação 3D e a

perceção espacial para a concretização gráfica e plástica de objetos artísticos. O

material utilizado foi MDF de dezasseis milímetros, para que a espessura fosse

considerável, de modo a parecer uma moldura, e para posteriormente ser

pintado.

Os objetos que criei pressupõem os conceitos abordados até aqui e as

frases utilizadas são as seguintes: ‘The flat physical space of the printted page’,

‘This connection between a line (which is flat) and the volumetric architectural

spaces’, ‘A graphic line and a sculptural line’, ‘words as image’, ‘images as

object’, ‘frame space’, ‘limit page’, ‘field off- screen’, ‘book cube’. A opção de

serem escritas em inglês pressupõe uma maior divulgação do conteúdo para

diferentes públicos. No entanto o meu interesse ia para lá da mera ilustração ao

24. Limites/ Margens (autocolantes para montras), 2016

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conceber apenas molduras de formato convencional. Assim, pensei nas

possibilidades de construção e de como elas poderiam ‘interagir’ com as

características de um espaço físico. O primeiro objeto é visualmente próximo de

uma moldura. Outros dois objetos são posicionados no espaço como se fizessem

parte dele e estivessem ‘fora-de-campo’ em relação aos limites estabelecidos

pelas paredes e chão. E por último, o objeto cubo é composto pela conjugação de

várias molduras, de modo a permitir a sua leitura de diferentes perspetivas.

A pintura a duas cores, branco e cinzento, corresponde à ideia de luz e

sombra, onde o que está pintado a branco representa uma ‘deslocação’ da forma

plana do objeto, que se prolonga para o fora-de-campo dos limites físicos do

objeto.

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A partir do recorte destes objetos foi possível retirar de alguns deles o

interior criado pela moldura das letras. Estes objetos são também eles o recorte

do recorte das letras, e por isso também, o interior criado pela moldura. Não são

tipografia, mas são formas criadas através da tipografia: o seu negativo. Apesar

de não responderem diretamente aos objetos propostos, considerei-os

importantes enquanto elemento plástico para futuras explorações artísticas.

25. A Graphic Line and a Sculptural Line (objetos), 2016

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Este conjunto de ‘molduras-objeto’ relaciona-se com os conceitos

abordados no Capítulo 2 desta dissertação, ao mesmo tempo que surge como a

continuação do objeto A. Em A predominavam as questões relacionadas com a

superfície, a grelha, a bidimensionalidade, e o conteúdo delimitado pelo campo

(o que está dentro). Por sua vez, A Graphic Line and a Sculptural Line

corresponde precisamente ao limite entre o bidimensional e tridimensional, entre

interior e exterior, e toda a informação contida ente os limites do A e do Z, no

alfabeto, ou seja na escrita. Aliada a esta impossibilidade da leitura integral do

texto, é a produção tridimensional que faz a margem tornar-se moldura, e por

isso, o seu conteúdo é transformado não só em imagem, porque é ‘emoldurado’,

mas também em objeto, porque texto/imagem funde-se com a moldura e são um

só objeto. O texto objetifica-se, ele é a moldura, é a palavra, é a imagem e o

objeto. Conceptualmente, já não existe uma barreira que separa na totalidade o

conteúdo do leitor/observador; agora a informação transita para fora-de-campo,

estabelecendo-se no limite do campo e da margem/moldura, objetificando-se. O

título A Graphic Line and a Sculptural Line é uma alusão à abordagem concreta,

26. A Graphic Line and a Sculptural Line (interiores das peças), 2016

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física e prática de conceitos normalmente abstratos do design; daí essa alusão à

linha construída pelo contorno das letras, ou seja, o limite, e a passagem de

gráfica (normalmente bidimensional), para escultórica (tridimensional), ou seja

de margem para moldura, de texto para objeto.

4.3. Z

Z encerra o ciclo de transição entre a bidimensionalidade e a

tridimensionalidade.

Sem a possibilidade de desenvolver uma peça prática concreta,

desenvolvi alguns estudos que ilustram diferentes abordagens da letra enquanto

objeto e as suas possibilidades plásticas abordando os diferentes conceitos do

meu desenvolvimento projetual. Comecei por criar ZZ bidimensionais,

conferindo-lhes tridimensionalidade através da alteração da sua forma, como se

algumas partes da letra estivessem dobradas, e por isso fora do plano da restante

letra. Para além disso, cada Z é constituído por dois elementos, o seu conteúdo

(preenchimento), e a sua moldura (outline). Apesar do Z representado pelo

outline, não sofrer qualquer alteração na sua forma, está como que a deslocar-se

do seu preenchimento, criando um efeito ótico de movimento. E, neste caso, é o

preenchimento da letra, o ‘interior’ a definir o campo e o fora-de-campo, uma

vez que só é possível ver a ‘moldura’ do Z quando esta está sobre o conteúdo.

Cabe ao observador completar a forma da letra.

27. Z (outlines), 2016

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Os ZZ anteriores ilustravam a possibilidade tridimensional do objeto

plano, enquanto os próximos exemplos são resultado da própria exploração

volumétrica da letra. Optei pela utilização da fonte ‘Stencil Gothic Regular’ por

ser uma fonte modular e possibilitar uma fácil desconstrução do desenho da

letra, para poder a partir dos seus módulos criar outros objetos, como se fosse

uma alusão às peças de lego que podem ser utilizadas de diferentes formas para

construir diferentes objetos.

Sobre as explorações que se seguem tentei criar algumas composições

que reunissem as características do volume e do outline, mas também que

produzissem algum sentido de espacialidade, entre diferentes elementos e planos

de representação. Nestes estudos exploro sobretudo o jogo de projeções entre os

objetos e as suas relações com e no espaço. Sobre qual é o objeto, qual é a

sombra, e qual é o fundo.

28. Z (modelação 3D), 2016

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Através da ligação dos elementos explorados nos exemplos anteriormente

referidos projetei uma série de ZZ que reúnem as características visuais e

formais trabalhadas aplicadas não só ao objeto, mas também, ao espaço em que é

inserido.

Por um lado a letra é elemento estrutural do espaço, é uma viga ou um

banco, por outro circula sobre o espaço. Não existe um enquadramento limitado

pela sala ou pelas suas paredes, uma parte do corpo da letra está num lugar, a

outra parte, noutro lugar, como se as barreiras impostas pela arquitetura fossem

inexistentes e a letra um ‘fantasma’ que atravessa paredes. Dentro dos limites

espaciais da sala, a letra tanto está dentro de campo como fora-de-campo, e tanto

se vê uma parte como o todo; mesmo fragmentada, é vários objetos mas também

uma só letra.

Plasticamente a letra é fragmentada, distendida, comprimida, afastando-

se por completo das proporções da sua forma convencional. E em primeira

29. A e Z (variações), 2016

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análise, proponho a sua construção de acordo com os materiais de construção

constituintes do espaço em que se insere, como se estivesse ‘camuflada’.

30. Z (estudos para portal), 2016

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Conceptualmente o Z é a última letra do alfabeto e por isso representa no

meu projeto, a última fase, o portal e o volume. É portal porque deixa de haver

qualquer limite físico entre o leitor/observador e o conteúdo: a informação está

para lá dos limites da margem/moldura. E é volume porque o conteúdo se torna

tridimensional, o texto é agora um objeto situado no espaço físico do observador

e com o qual ele se relaciona de forma utilitária. O livro torna-se e edifica o

espaço, sem qualquer barreira entre mundo real e fictício; o leitor ‘entra’ e faz

parte do conteúdo tipográfico do livro, da moldura, do objeto e do espaço,

tornando-se também, conteúdo. É a passagem para o interior das questões

editoriais, agora aplicadas a conceitos físicos como a porta, a janela ou a

perspetiva. O Z comporta todos os conceitos abordados, para no fim representar

o conjunto deles todos. Em Z, procuro abordar a letra totalmente enquanto

imagem e objeto, desconstruindo-a, fragmentando-a, criando ilusões espaciais de

luz, sombra, perspetiva, e sobretudo explorar o seu carácter escultórico. Ao

atribuir características inteiramente plásticas e formais à letra, ela passa

facilmente de informação textual para informação visual, tornando-se imagem e

objeto.

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Conclusão

Este projeto surgiu do meu interesse pela questão tipográfica enquanto

forma plástica, por isso a sua concretização ajudou-me a consolidar as minhas

competências inscritas no domínio artístico através da aprendizagem de

conteúdos e metodologias inerentes ao design.

Com esta aprendizagem compreendi também que ao longo do meu

processo criativo houve sempre uma intenção plástica relativamente aos objetos

produzidos. Deste modo, a criação destes objetos revelou uma perspetiva

experimental na apropriação da tipografia através da sua utilização em novos

suportes e materiais e na fronteira entre a arte e o design, o que me possibilitou o

contacto e conhecimento de novas áreas e técnicas artísticas e do design, como a

serigrafia, a cerâmica, o design de equipamento, ou o design de interiores.

Sem qualquer sobranceria, considero que esta dissertação se desenvolve

em torno de uma abordagem inovadora do uso da tipografia, não só pela sua

leitura plástica, enquanto imagem e objeto, como também na sua utilização

prática atribuindo-lhe novas leituras e funções no modo como se relaciona com o

leitor/observador, e com o espaço físico; pelo descontextualizar do seu suporte

tradicional, mostrando como a tipografia e os conceitos de design podem ser

utilizados no domínio artístico; e para além disso, e apesar da insistência em

diferenciar arte e design, penso que o meu projeto os consegue unir,

apresentando soluções versáteis, que tanto se revelam como objeto artístico,

como respondem a um problema de natureza funcional. Do meu ponto de vista,

esta última questão necessita de maior atenção e desenvolvimento, por exemplo

no contexto da possibilidade de construção de mobiliário para jardins de infância

a partir da forma plástica da letra Z, ou das restantes letras, ligando o lado lúdico

ao educativo.

O projeto tornou-se uma experiência muito enriquecedora, porque além

de consolidar aquisições e competências indispensáveis ao meu processo de

trabalho, deu-me um enorme incentivo para continuar a produzir objetos a partir

dos conceitos e das técnicas abordados, tendo cada vez mais confiança nos meus

projetos e ideias. Em conclusão, o projeto serviu para criar uma linguagem

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formal a que pretendo dar continuidade em duas vertentes: a produção de objetos

artísticos para espaços públicos; e a exploração das suas potencialidades

didáticas, mediante o desenvolvimento plástico do alfabeto aplicado a projetos

com crianças do primeiro ciclo escolar.

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Anexos

A

31. Estudos para o padrão utilizando a fonte tipográfica ‘Bodoni’

32. Desconstrução a partir da fonte modular ‘Stencil Gothic Regular’

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33. Estudos para o padrão utilizando a fonte tipográfica ‘Stencil Gothic Regular’

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34. Processo de concretização dos azulejos (serigrafia e decalque)

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A Graphic Line and a Sculptural Line

35. Outras possibilidades de apresentação e composição de A

36. Primeiro estudo para a utilização da margem

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37. Estudo do fora-de-campo utilizando a letra A aplicada aos campos da grelha

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38. Estudos para as ‘molduras-objeto’

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39. Estudos para as ‘molduras-objeto’ no contexto do espaço físico

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A Graphic Line and a Sculptural Line

40. Processo de construção das ‘molduras-objeto’ (corte CNC e pintura)

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A Graphic Line and a Sculptural Line

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Z

41. Diferentes perspetivas das ‘molduras-objeto’

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42. Estudos de possibilidades plásticas para Z