Upload
lyphuc
View
214
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
- 1 -
Ministério da Saúde
Agência Nacional de Saúde Suplementar
Fundação Oswaldo Cruz
Escola Nacional de Saúde Pública
Fundação Getúlio Vargas
TÍTULO: Contrato de Gestão – Uma das formas de
controle das agências reguladoras pelo Governo: o Caso
da ANS
Candidata: Márcia Regina Ungarette
Orientador: Prof. Dr. Carlos Augusto Grabois Gadelha
RIO DE JANEIRO2004
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 2 -
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, gostaria de agradecer à diretoria colegiada da Agência
Nacional de Saúde Suplementar pela iniciativa de aprovar e patrocinar em 2002 o
primeiro mestrado profissionalizante, conjuntamente com um MBA, em saúde
suplementar, iniciativa sem a qual esse trabalho não seria viabilizado.
Aos professores das duas instituições envolvidas nesse projeto, ENSP
e FGV/RJ.
Agradeço ao meu orientador, Gadelha, pela paciência e
disponibilidade.
Aos meus queridos amigos Roger, Samara, Margarete, Roberto e
Marísia, por me ajudarem a superar obstáculos, pelo incentivo e apoio para a finalização
dessa dissertação.
Finalmente,um agradecimento especial ao meu amigo Januario, quem
primeiro forneceu a idéia central que resultou nesse trabalho.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 3 -
RESUMO
Este trabalho constitui um esforço para a compreensão do contrato de
gestão como um instrumento válido de acompanhamento e avaliação do desempenho
das agências reguladoras, considerando a reforma do aparelho do Estado proposta (e
não completada) pelo governo FHC, a partir de meados dos anos 90, e segundo a
perspectiva da relação agente-principal e das formas de representação e controle da
sociedade sobre o Estado desenvolvidas por Adam Przeworski e, de modo mais restrito,
da relação de autoridade presente na teoria dos custos de transação de Williamson.
Para esse estudo foi realizada uma revisão da literatura disponível
sobre o tema e enfocada a experiência da Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS), órgão regulador do setor de planos privados de saúde, com os contratos de
gestão 2000/2001 e 2002/2004. Ao final do trabalho, sugere-se a necessidade de um
enfoque alternativo às metas e aos objetivos do contrato de gestão da ANS, que
incorporem a dinâmica de transformação econômica e institucional do setor de saúde
suplementar.
ABSTRACT
This work contributes to the understanding of contract of management
such as a valid instrument of control and evaluation of regulatory agencies, taking in
account the reform of state proposed (and yet not fulfilled) by President FHC
administration, in the 90’ years. To this purpose, it was used the approach of agent-
principal relationship and society representation and control of the state, both developed
by Adam Przeworski, and in a restrict way the concept of authority relationship
presented in Williamson’s theory of transactions costs.
For the realization of this study a review of the available literature
about regulation was conducted. This study focus on the experience of the Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS), the brazilian regulatory agency for the private
health market, and its contract of management in the periods 2000/2001 and 2002/2004.
In the final, it is suggested the need of an alternative approach about its targets and
objectives in order to incorporate the dynamics of economical and institutional
transformation of the private health market.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 4 -
SUMÁRIO
Apresentação: ............................................................................................................. 7Introdução: .................................................................................................................. 8Capítulo I: O Estado e seu Papel na Economia – Criação das AgênciasReguladoras na Experiência Brasileira....................................................................... 12
1.1 O Estado – Representatividade, Formas de Controle e Sociedade .................. 121.1.1 O Estado e a Representatividade ................................................................ 121.1.2 O Estado e o Cidadão – formas de controle ............................................ 15
1.1.2.1 Mecanismos horizontais: checks and balance ..................................... 181.1.2.2 Mecanismos verticais: eleições ............................................................ 221.1.2.3 Mecanismos verticais: democracia participativa.................................. 24
1.1.3 O Estado e a Desigualdade Social.............................................................. 251.2 O Papel do Estado .......................................................................................... 28
1.2.1 O Debate sobre o Papel do Estado ............................................................ 281.2.2 O Modelo do Aparelho de Estado brasileiro ............................................. 331.2.3 O Novo Papel do Estado – Reforma do Estado brasileiro ........................ 38
1.3 As agências na Atual Configuração do Aparelho de Estado .......................... 411.3.1 Criação das Agências................................................................................. 411.3.2. Inserção da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS no Modelo
de Agências Reguladoras ........................................................................................... 48Capítulo II: Contrato de Gestão como Mecanismo de Controle e Acompanhamento
das Ações das Agências Reguladoras: o caso da ANS.......................... 542.1 Sobre o Contrato de Gestão ............................................................................. 542.2 O Contrato de Gestão no âmbito da ANS ........................................................ 62
2.2.1 O Primeiro Contrato de Gestão da ANS – período 2000/2001 ................. 642.2.2 A Análise do Contrato de Gestão da ANS – 2000/2001 ........................... 74
2.3 Contrato de Gestão da ANS – 2002/2004 ....................................................... 792.3.1 Análise do Contrato de Gestão da ANS – 2002/2004 ............................... 84
Capítulo III: Considerações Finais e Subsídios à Estruturação do Contrato deGestão da ANS............................................................................................................ 86
3. 1 Subsídios à Estruturação do Contrato de Gestão da ANS: Perspectivas....... 86Bibliografia ................................................................................................................. 97
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 5 -
LISTA DE SIGLAS
ABRAMGE – Associação Brasileira de Medicina de Grupo e Empresarial
AIH – Autorização de Internação Hospitalar
AMB – Associação Médica Brasileira
ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações
ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica
ANP – Agência Nacional do Petróleo
ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CG – Contrato de Gestão
CSS – Câmara de Saúde Suplementar
CLT – Consolidação da Leis Trabalhistas
CNS – Conselho Nacional de Saúde
CONASS – Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde
CONASEMS – Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde
CONSU – Conselho de Saúde Suplementar
CPT – Cobertura Parcial Temporária
DESAS – Departamento de Saúde Suplementar
DLP – Doença e lesão preexistente
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor
MF – Ministério da Fazenda
MP – Ministério Público
MS – Ministério da Saúde
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio
SAS – Secretaria de Atenção à Saúde
SUS – Sistema Único de Saúde
SUSEP – Superintendência de Seguros Privados
TUNEP – Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 6 -
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figuras:
Figura I: Gramáticas das Relações entre Estado e Sociedade
Figura II: Etapas Pré-Contrato de Gestão
Figura III – Etapas Pós-Assinatura do Contrato de Gestão
Figura IV – Fluxo de Aprovação do Contrato de Gestão ANS/MS pelo CONSU
Quadros:
Quadro I – Reforma do Aparelho do Estado: Setores, Formas de Propriedade e de
Administração
Quadro II – Agências Reguladoras no Brasil
Quadro III – Tipos de Contrato de Gestão no Modelo Francês
Quadro IV – Critérios de Execução de Metas do Contrato de Gestão 2000/2001
Quadro V – Diretrizes Estratégicas e Ações – CG 2000/2001
Quadro VI – Dimensões e Ações Prioritárias
Quadro VII – 2ª Dimensão: Ações de Regulamentação do Setor
Quadro VIII – 3ª e 4ª Dimensões: Organização, Infra-estrutura e Participação Social
Quadro IX – Ações e Metas do Grupo 1
Quadro X – Ações e Metas do Grupo 2
Quadro XI – Ações e Metas do Grupo 3
Quadro XII – Ações e Metas do Grupo 4
Quadro XIII – Ações e Metas do Grupo 5
Quadro XIV – Ações e Metas do Grupo 6
Quadro XV – Ações e Metas referentes a Indicadores Globais
Quadro XVI – Correlação: Ações e Metas do CG 2000/01 x Resoluções ANS (impacto
no mercado)
Quadro XVII – Indicadores da Consolidação do Modelo de Regulação (CG 2002/04)
Quadro XVIII – Indicadores de Monitoramento do Modelo de Regulação (CG 2002/04)
Quadro XIX – Indicadores da Consolidação da Infra-estrutura do Órgão Regulador (CG
2002/04)
Quadro XX – Critérios de Avaliação do Desempenho da ANS - 2002/04
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 7 -
APRESENTAÇÃO
A criação da ANS, em 20001, representou a unificação do marco
regulatório no setor de planos privados de assistência à saúde, marco este que houvera
sido iniciado com a lei 9.656/98, porém, com as atribuições de regular e fiscalizar esse
setor partilhadas entre o Ministério da Saúde (DESAS/SAS e CSS) e parte ao Ministério
da Fazenda (SUSEP e CNSP). Diversamente das agências reguladoras que a
antecederam, a ANS surgiu para regular um setor que já se consolidara há pelo menos
quatro décadas, sem qualquer outro referencial senão as regras de mercado, ao mesmo
tempo em que, manteve e reforçou seu estreito vínculo com o Ministério da Saúde, dado
o estabelecimento entre ambos de um contrato de gestão.
Neste sentido, pareceu-me oportuno desenvolver a idéia da validade
ou não do contrato de gestão como um dos instrumentos de acompanhamento e
avaliação das agências reguladoras por parte dos Ministérios aos quais se vinculavam,
dentro do escopo da proposta de reforma do aparelho do Estado, elegendo a experiência
da ANS e do Ministério da Saúde nessa seara, sobretudo porque a administração
pública, ao meu ver, sempre manteve um distanciamento do controle da sociedade, e o
estabelecimento e a consecução de um contrato de gestão poderiam representar um
componente novo na relação entre órgãos públicos já vinculados.
1 Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 8 -
INTRODUÇÃO
As administrações pública e privada compartilham algumas
características, destacando-se dentre outras, o acesso nem sempre uniforme a
informações por parte tanto de seu corpo gerencial como de seus funcionários e a
criação de mecanismos e instrumentos que possibilitem tornar suas ações mais
eficientes e eficazes. No entanto, existem diferenças marcantes entre ambas
especialmente quando relacionadas ao estabelecimento de critérios para avaliar a
efetividade de suas ações. Ao contrário do que ocorre na iniciativa privada, onde os
critérios de desempenho na maioria das vezes estão focados em aspectos quantitativos,
com os resultados medidos principalmente em termos monetários, na área pública, este
tipo de avaliação não se presta à tal finalidade.
Primeiro, pela própria natureza de um ente público cujas ações devem
estar voltadas para o interesse público. Segundo, a existência de interesses conflitantes
(público x privado) torna particularmente delicada a questão da avaliação das ações e do
impacto das atividades desses entes, sobretudo sob o aspecto de obtenção de sistemas de
avaliação e controle eficazes e eficientes.
Um terceiro ponto, ainda a ser observado, diz respeito às respostas de
questões como a definição de metas e objetivos a serem atingidos, a partir de diretrizes
gerais e específicas, que traduzam a efetividade das ações que foram atribuídas e/ou são
executadas por um determinado ente público; quais critérios e indicadores devem ser
escolhidos para essa aferição e o grau de transparência desejado.
Em uma democracia, a autoridade do Estado para regular
coercitivamente a vida da sociedade deriva a priori das eleições, segundo afirma Adam
Przeworski (1997). Muitas das funções e todos os serviços que o Estado presta aos
cidadãos são delegados a terceiros – especificamente à burocracia pública – pelos
representantes eleitos. Tal delegação levaria, por sua vez, a uma dificuldade básica de
relacionamento entre principal (políticos eleitos) e agent (burocracia pública), conforme
ressaltou o mesmo Przeworski (1998), tendo em vista que formular leis que fixassem
todas as ações dos agents e abrangessem os mais variados aspectos não seria uma tarefa
viável na prática.
Alguns entes públicos, dentre os quais as agências reguladoras,
preservariam, na visão de Przeworski (1998), um espaço considerável de autonomia em
suas decisões e, neste aspecto, haveria que se cuidar para que os objetivos dos
burocratas/dirigentes não viessem a se afastar ou a perder a identidade em relação
àqueles escolhidos pelos cidadãos, ao elegerem seus representantes políticos.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 9 -
Se não cabe discussão quanto à necessidade de uma agência
reguladora deter autonomia financeira e orçamentária, bem como estar dotada
capacidade para alcançar ou produzir as informações que lhe são imprescindíveis,
evitando ou minimizando a influência dos agentes afetados pela regulação, também não
se discute que uma agência deva ser capaz de processar as informações disponíveis de
forma eficiente e divulgá-las de forma eficaz, atendendo em primeiro plano ao interesse
público, sem que se transforme em um órgão insulado burocraticamente ou perder de
vista que a criação de uma agência reguladora quase sempre é um fator de desconfiança
para os agentes regulados, sobretudo quando se leva em conta a própria ação
regulatória.
A criação de agências reguladoras representou, sob certo ângulo, um
marco na Reforma Administrativa do Estado brasileiro, em função do grau de
independência de que foram dotadas pelo Poder Legislativo e, embora haja opiniões
discordantes, não significou a abdicação pelo Estado de duas de suas mais importantes
atribuições, quais sejam, a de intervir e de mediar os interesses conflitantes,
característicos das relações entre público e privado.
Destinando às agências poderes para expedir normas (legislar),
fiscalizar (exercer poder de polícia administrativa) e decidir definitivamente
(autonomia) no âmbito da Administração Pública, privilegiando a eficiência (ênfase nos
resultados) da atividade regulatória, a Reforma do Aparelho do Estado promovida a
partir de 1995 (Brasil. Presidência da República, 1995) buscou garantir-lhes
independência administrativa e financeira, mediante a fixação, por exemplo, de mandato
e estabilidade a favor de seus dirigentes e restringiu, assim, o próprio poder
discricionário do Chefe do Poder Executivo em relação à nomeação e exoneração dos
chamados cargos de confiança, numa clara sinalização ao mercado regulado de que a
estabilidade das regras e o respeito aos contratos pactuados seriam pontos sempre
observados, independentemente do grupo político instalado no poder.
Definido no Plano Diretor (Brasil. Presidência da República, 1995)
que a busca pela eficiência seria um dos principais aspectos considerados no novo
desenho do aparelho do Estado, inclusive com a adoção do modelo de agências
reguladoras, com a preponderância da otimização dos meios para atingir os resultados
esperados, surgiu então, a questão de como conciliar a autonomia desejada com o
controle pelo núcleo estratégico do Estado e pela sociedade daqueles entes, de modo a
assegurar que sua atuação não extrapolasse os limites dados pelas diretrizes gerais e
específicas do governo ou pelos cidadãos ao elegerem seus representantes.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 10 -
Como Bresser Pereira enfatizou no prefácio do livro “A Gramática
Política do Brasil”, de Edson Nunes (1999): Através das agências autônomas e das
organizações sociais o Estado brasileiro poderá contar com instituições muito mais
flexíveis, eficientes e voltadas para resultados. Instituições, entretanto, que não serão
caracterizadas principalmente pelo insulamento burocrático, mas pelo controle de uma
alta burocracia situada no núcleo estratégico do Estado, a qual responderá aos
políticos eleitos. À eficiência somar-se-á, assim, a demanda da responsabilização
(accountability). Por outro lado, o controle da ação das agências autônomas e das
organizações sociais não ocorrerá apenas através de contratos de gestão firmados com
os políticos e burocratas situados no núcleo estratégico, mas, de forma crescente,
através de mecanismos de participação social, em que os cidadãos controlem os
serviços prestados pelo Estado.
Em conjunto com a própria transformação por que passou o Estado
brasileiro na última década, este trabalho focalizará uma das formas de controle – o
contrato de gestão – a partir da análise de suas características como instrumento de
avaliação e controle dos órgãos reguladores, na tentativa de identificar em que medida
representa ou não ingerência e/ou perda de autonomia para as agências que se valeram
desse tipo de pacto. Especificamente, a análise estará centrada na experiência da
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que possui um contrato de gestão com
o Ministério da Saúde desde sua criação em 2000.
Além disso, serão considerados outros aspectos como a validade ou
não do contrato de gestão como um mecanismo de superação para eventuais conflitos
entre entes reguladores e Governo, com uma abordagem dos principais fatores que
levaram à sua adoção no âmbito da ANS enquanto instrumento de acompanhamento e
avaliação, ações e do desempenho, bem como a evolução das metas e indicadores
propostos no primeiro contrato – biênio 2000/2001 – em relação ao segundo – biênio
2002/20042 e em que medida isto interferiu em sua autonomia vis a vis a própria noção
de independência que lhe é inerente.
Em linhas gerais, serão utilizados alguns dos conceitos referentes à
relação principal-agente na abordagem do contrato de gestão e das formas de
representação e controle da sociedade sobre o Estado, desenvolvida por Przeworski
2 O contrato de gestão 2002/2003 foi prorrogado de comum acordo entre Ministério da Saúde e ANS até 31/12/2004(Termo Aditivo assinado em 11/12/2003). Dentre outros fatores que motivaram essa prorrogação, dois merecemdestaque: a realização ao longo do segundo semestre de 2003 do Fórum de Saúde Suplementar (debate ampliado comos diferentes agentes que atuam no setor sobre suas diretrizes e perspectivas, em especial com a decisão do STF, quedeixou fora da égide da lei dos planos de saúde aqueles contratados antes de 1º de janeiro de 1999) e o término domandato de três dos cinco dirigentes da ANS entre fins de dezembro de 2003 e março de 2004 (não seria razoável queuma diretoria em transição viesse a fixar metas e objetivos para sua sucessora cumprir).
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 11 -
(1998) como um mecanismo de fiscalização institucional e, de modo mais restrito, o
conceito de relação de autoridade da teoria dos custos de transação de Williamson (apud
Fiani, 2002; Pondé, Fagundes & Possas, 1997). No primeiro caso, a análise considerará
as questões envolvidas no controle institucional em razão da delegação de autoridade a
um agent e a necessidade de existir ao menos um outro agent com competência para
vetar a ação daquele, pois, embora a burocracia estatal preste serviços aos cidadãos,
normalmente ela presta contas a políticos ou a outras entidades cujos membros são
nomeados por políticos. Przeworski foi escolhido porque é o autor que mais
desenvolveu o referencial principal-agent dentro do contexto de reforma do Estado num
sistema capitalista de produção.
Já sob a ótica da teoria dos custos de transação e dentro da
classificação proposta por Williamson (apud Fiani, 2002), será considerado um tipo
específico de contrato, a chamada “relação de autoridade”, que pode ser, em princípio,
aplicável ao contrato de gestão, se for levada em conta sua própria definição: a relação
de autoridade se configura quando um agente detém a faculdade de estabelecer o que
um outro agente deverá executar, a partir de um conjunto de ações possíveis. No escopo
dessa teoria, um contrato de relação implica menos ênfase em pactos detalhados, ou
seja, os procedimentos a serem adotados não necessitam ser exauridos, ao contrário,
fixam-se metas e objetivos a serem alcançados e condições gerais de execução do
contrato, além de definir quem detém autoridade para agir e os limites para essas ações,
e os mecanismos de resolução de conflitos. Isto é o que Fiani (2002) denomina
governança específica de transação ou o arcabouço institucional existente no qual a
transação é realizada.
Serão considerados, ainda, alguns dos pontos apresentados na
proposta recém encaminhada pelo atual Governo ao Congresso Nacional, contendo as
novas diretrizes para as agências reguladoras, na qual o contrato de gestão ganha
importância como um dos mecanismos de controle e avaliação das agências por parte
dos órgãos centrais do governo (Brasil. Presidência da República, 2003).
Por fim, sem a pretensão de esgotar o tema e buscando atingir os
próprios objetivos do curso patrocinado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar,
serão apontadas algumas recomendações ou subsídios que podem contribuir para o
aperfeiçoamento do processo de acompanhamento e avaliação da ANS, através do
contrato de gestão.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 12 -
CAPÍTULO I: O ESTADO E SEU PAPEL NA ECONOMIA – A CRIAÇÃO DAS
AGÊNCIAS REGULADORAS NA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA
1.1 O Estado – Representatividade, Formas de Controle e Sociedade
1.1.1 O Estado e a Representatividade
O Estado contemporâneo emergiu historicamente, segundo Cheibub e
Przeworski (1997), muito mais com a finalidade de superar os conflitos provenientes da
convivência entre os diferentes grupos de indivíduos, mediante a conquista do
monopólio da força, do que como resultado de um contrato social nos moldes da teoria
clássica de Hobbes. No mesmo sentido em relação ao monopólio da força (ou da
violência) do Estado e às suas conseqüências caminha Bobbio (2000), já que para ele é a
autoridade de império3 (potestà d’imperio) que se manifesta na titularidade e no
exercício do poder de tomar decisões coletivas (legislando, por exemplo), as quais
vinculam toda a sociedade ao serem impostas por meio da força.
É dentro deste contexto que Przeworski (1999) ousa afirmar que,
independentemente do regime político adotado pelo Estado, ditatorial ou democrático,
ele governa4, dado que, mesmo em uma sociedade democrática, as decisões tomadas
por uma maioria afetam indistintamente todos os indivíduos que nela convivem,
inclusive grupos minoritários que podem vir a ter seus interesses e opiniões
contrariados.
Bobbio (2000) defendeu a importância de se definir o significado de
representação de interesses, com o intuito de buscar uma melhor compreensão das
relações de poder que se estabelecem em sociedades democráticas, entendidas como
relações de troca ou relação entre iguais5. Em sua opinião (Bobbio, 2000), há vários
motivos pelos quais apreender o conteúdo da expressão representação de interesses
sempre se revestirá de importância e atualidade, merecendo destaque pelo menos três
desses motivos.
Primeiro, a interpretação econômica da democracia difundida
sobretudo nos Estados Unidos e segundo a qual, haveria um mercado político
interagindo com um mercado econômico, onde se daria uma relação permanente de
3 Bobbio, 2000: 4554 Przeworski, 1999: 326.5 Bobbio entende que, em sociedades de democracia pluralista, onde os principais sujeitos políticos estãorepresentados em grupos organizados e não por indivíduos isolados, as relações de poder são muito mais relações detroca do que relações de domínio (entre superiores e inferiores).
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 13 -
troca (de bens) entre eleitores e eleitos, com o apoio (bem) figurando sob a forma de
voto dos primeiros e os benefícios (bem) de vários tipos, patrimoniais ou de status,
sendo a contrapartida oferecida pelos eleitos.
Segundo, a teoria da troca política – originária da Itália – onde o poder
(político) ou a capacidade de impor comportamentos a outros (o que em regimes
democráticos depende necessariamente de legitimação) transforma-se no objeto de troca
numa sociedade industrial desenvolvida, quando os conflitos surgidos são superados
não através dos mecanismos institucionais de representação política, mas sim por meio
de transações entre grandes organizações e o Estado, com ênfase especial nas questões
que envolvam o mercado de trabalho (estabelecimento ou retirada de benefícios
trabalhistas, por exemplo). Aqui, a troca é política não pelos sujeitos, mas pelo objeto
(poder) da troca6, conforme afirma Bobbio (2000: 455).
O terceiro motivo seria a importância destinada ao debate sobre o
neocorporativismo7 em Estados fortemente influenciados pelo ideário do estado social
ou do bem-estar, de acordo com Bobbio (2000), e que nenhuma relação guarda com as
velhas práticas do corporativismo estatatista dos fascistas ao colocar no centro da
discussão a negociação entre representantes de interesses contrastantes8. O surgimento
de grandes corporações tanto no âmbito da atividade econômica como na articulação da
sociedade civil (grandes organizações de natureza civil) pode ser explicado, dentre
outros fatores, pelo avanço do processo da divisão social do trabalho, a crescente
racionalização e institucionalização das ações coletivas e a intervenção reguladora do
Estado através das políticas públicas. O neocorporativismo reflete a presença
hegemônica das corporações, que definem a dinâmica de intermediação entre os
diferentes grupos de interesses na busca pela solução dos conflitos sociais, seja para
reparo de bens, rendas, benefícios ou privilégios.
Evidenciada, dessa forma, a importância da negociação entre os
representantes de interesses conflitantes que, para Bobbio (2000), se revestem de todas
as características da representação de interesses, têm-se a diferenciação e o
distanciamento desta da verdadeira representação política.
A grande transformação do Estado contemporâneo – na concepção de
Bobbio (2000) – reside na crescente extensão e expansão da produção de arcabouços
jurídicos, sob a forma de acordos entre os grandes grupos de interesses no interior do
6 Bobbio, 2000: 455.7 Bobbio, op. cit., utiliza a definição de neocorporativismo constante do trabalho de M. Maraffi (org.), La societàneo-corporativa, Bolonha, 1981.8 Bobbio, op. cit.: 457.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 14 -
Estado e entre esses grupos e o próprio Estado, este considerado como um parceiro por
aqueles grandes grupos que se expandiram na sociedade civil e estenderam suas
ramificações também para fora do Estado.
Essa transformação é, na visão do filósofo italiano (Bobbio, 2000),
resultante de uma das características da forma democrática de governo, qual seja, o
aumento de indivíduos que agem politicamente, colaborando direta ou indiretamente na
formação das decisões coletivas, fato que ampliou e dificultou a definição de espaço
político. É no bojo dessa transformação ou ampliação do espaço político que a cresce a
importância da representação dos interesses. Lembra Bobbio (2000) que Estado
representativo no seu sentido original significa um Estado no qual existe um órgão
encarregado da tomada de decisões coletivas e integrado por vários representantes, mas
que, paulatinamente, assume o significado também de Estado onde há um órgão
decisório que, através de seus componentes, representa as diferentes tendências, idéias e
os vários grupos de interesse da sociedade como um todo.
Como bem ressalta este autor, a transposição de um significado para
o outro somente vem a enfrentar um certo obstáculo quando surge, na Inglaterra em
meados do século XIX, a dificuldade de substituir o sistema eleitoral então vigente (de
colégios uninominais) pelo sistema proporcional, com base no argumento de que este
último se revestiria de uma maior representatividade em relação ao primeiro9. E é
justamente neste contexto que Bobbio enfatiza a importância do significado assumido
pelo termo representativo, empregado originalmente como derivativo em italiano de
rappresentazione (espelhamento, encenação) e não de rappresentanza (representação).
Assim, quando se busca depreender o significado da expressão democracia
representativa, deve-se atentar para o fato de que o adjetivo representativo já adquiriu
duplo sentido: uma democracia é representativa porque possui um órgão no qual as
decisões coletivas são tomadas por representantes, e porque espelha através desses
representantes os diferentes grupos de opinião ou de interesse que se formam na
sociedade (Bobbio, 2000).
Se a ambigüidade permeia o conceito de representação, por sua vez,
são a generalidade e a amplitude que caracterizam o conceito de interesse, segundo o
filósofo italiano (Bobbio, 2000). O termo interesse é um dentre muitos conceitos
intrínsecos ao mundo cultural humano, pois pode refletir tanto uma situação objetiva –
uma coisa, um ato, um evento do qual se possa extrair uma vantagem ou um benefício –
9 Bobbio, 2000, op. cit.: Na Itália, a unificação de 1861 trouxe a primeira Câmara de Deputados eleitos com base emcolégios uninominais, cujo eleitorado representava somente 2% de toda a população. Para Bobbio, isto constitui oexemplo mais nítido do desvio da representação proporcional.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 15 -
quanto um estado subjetivo, ou seja, uma disposição favorável em relação àquela coisa
ou ato ou evento.
Portanto, serão os adjetivos atribuídos ao conceito de interesse que
especificarão o seu conteúdo e a sua extensão: o interesse poderá ser privado ou
público, particular ou geral, local ou nacional, individual ou coletivo, parcial ou global,
imediato ou mediato, presente ou futuro, e assim por diante. Logo, o significado de
interesse será definido muito mais pela oposição entre os tipos ou grupos de interesse
envolvidos numa determinada disputa, donde se pode deduzir que a palavra interesse
jamais deverá ser tomada em seu sentido genérico, mas sempre no seu sentido
específico ou qualificado de interesses privados, públicos, particulares, gerais, locais,
nacionais, individuais, coletivos, corporativos. Bobbio (2000) afirma que constitui mero
exercício de imaginação pretender que a representação política não traduza também
uma representação de interesses. Ambas as formas de representação são representações
de interesses: a diferença será marcada pelo conflito entre interesses parciais e interesses
gerais, entre interesse de grupos particulares e o interesse de toda uma nação ou geral.
É dessa diferença que nascerá o verdadeiro significado de
representação, ou seja, se ela espelhará cada um dos interesses organizados ou não-
organizados ou todos os interesses em torno de uma determinada questão.
Surge, desta forma, a questão de como assegurar que os interesses dos
cidadãos de uma dada sociedade venham a ser efetivamente representados e respeitados
pelos políticos eleitos e, em última instância, por aqueles aos quais foram ou serão
delegadas as tarefas de implementar o programa de governo vitorioso nas eleições.
1.1.2. O Estado e o Cidadão – Formas de Controle
A principal questão levantada por Przeworski (1999) em conseqüência
do surgimento do Estado, qual seja, a definição do momento em que a passagem do
estado de natureza (perigo horizontal) para o estado social (perigo vertical) ainda
significará uma boa alternativa para os indivíduos10, permeia todo o desenvolvimento
de sua tese em relação aos mecanismos de controle da sociedade sobre o Estado e centra
o foco nas garantias existentes para os cidadãos de que o Estado obedecerá à lei e irá
exercê-la ao mesmo tempo11. Przeworski defende a posição de que não basta ao Estado
se abster de matar, privar as pessoas de sua liberdade ou não atuar de forma arbitrária,
10 Przeworski, 1999: 327.11 Przeworski, 1999: 327.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 16 -
ele (o Estado) também deve agir com eficácia e eficiência para impedir que as pessoas
matem umas às outras. Assim, leis devem restringir a discricionariedade dos detentores
do poder porque é necessário que os governantes também sejam governados12, já que
existe uma descontinuidade inerente entre a intenção de não violar a lei e as ações
postas em prática que visam o seu cumprimento, agravada pelo círculo vicioso que se
instala no próprio aparelho do Estado com o intuito de suplantar esse descompasso.
Isto ocorre porque, de um lado, se as ações voltadas para manutenção
da ordem podem restringir a liberdade, de outro, a proteção da liberdade dos indivíduos
pode reduzir a capacidade do Estado para manter a própria ordem. E é partindo desta
premissa que Przeworski (1999) examina os mecanismos institucionais através dos
quais os direitos dos cidadãos podem ser exercidos e estar representados nas
democracias, dividindo-os em horizontais e verticais de acordo com a terminologia
empregada por O’Donnell (1999).
Este último13 distingue dois grandes grupos de mecanismos de
accountability: um, concernente à interação entre eleitores e mandatários, que chamou
de vertical accountability e, outro, decorrente dos mecanismos formais ou informais de
separação constitucional de poderes, checks and balances, de contenção e
responsabilização recíproca entre diferentes agentes governamentais, também
denominado de horizontal accountability.
É importante ressaltar, neste ponto, a distinção que existe entre a
representação política e o governo, considerando três de seus atributos ou dimensões,
que operam com certo grau de independência entre si14: responsibility, accountability e
responsiveness.
Responsibility é definido como um elemento essencial do mandato
representativo moderno, caracterizado por responsabilidade política independente e
autonomia para decidir e agir, baseadas em capacidade técnica e estratégica, para
consecução do interesse público. Accountability, por sua vez, tem um conteúdo
bidimensional, pois envolve tanto a capacidade de resposta como a capacidade de
punição. Além disso, pressupõe a necessidade de implementação de mecanismos de
controle de tal sorte que os detentores do poder sejam obrigados a exercê-lo de forma
transparente e devidamente motivado: não basta apenas informar as decisões e as ações
12 Przeworski, op. cit., cita S. Holmes (1995), Passions and Constraint: on the theory of Liberal Democracy.Chicago: University of Chicago Press.13 Segundo O’Donnell, mecanismos verticais pressupõem uma ação entre desiguais, cujo controle pode tanto assumira forma burocrática (de cima para baixo) como se dar através de eleições (de baixo para cima). Mecanismoshorizontais, por seu turno, pressupõem uma relação entre iguais, como ocorre na clássica tripartição de Poderes deMontesquieu – Executivo, Legislativo e Judiciário, na qual o controle ocorreria através de checks and balances.14 Tavares, 2002.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 17 -
aos cidadãos, mas devem ser explicitadas as razões que levaram à adoção de certos atos
de governo em detrimento de outros.
Schedler (1999) entende que a origem da accountability está na
capacidade do exercício do poder dentro de um contexto de informação imperfeita e
cujo eixo básico assenta-se no princípio da publicização, e identifica três formas
principais pelas quais a sociedade poderia coibir o denominado abuso do poder: a)
sujeição do poder a sanções; b) imposição da transparência como regra para o seu
exercício e c) obrigatoriedade para que os atos de governos sejam sempre justificados.
A primeira das formas Schedler denominou de enforcement (capacidade de punição), e
a associação das outras duas de capacidade de resposta.
Atrelada a accountability e a responsibility surge a responsiveness15,
que poderia ser definida como a capacidade de que está dotado um determinado
governo de responder continuamente a demandas, não raro contraditórias, dos diferentes
segmentos da sociedade, conciliando e negociando-as.
Em tese, Przeworski (1999) defende que os direitos dos cidadãos
deveriam ser exercidos e garantidos como resultado de um sistema de “checagem”,
instaurado nos diversos órgãos executores e realizado entre si e/ou de uns sobre os
outros, os quais seriam capacitados estrutural e institucionalmente com a finalidade
precípua de promover um sistema de pesos e contrapesos (Dallari, 2002), semelhante ao
que foi adotado pela Constituição brasileira de 1988 (checagem) para o processo
legislativo (produção de leis). Os mecanismos horizontais de controle ou checks and
balances seriam implementados com a criação de instâncias institucionais cuja
responsabilidade principal seria a realização de acompanhamento, controle e avaliação
recíprocos nos diferentes níveis de governo.
Em paralelo, os mecanismos verticais – representados basicamente
pelas eleições ou pelo voto – cumpririam o papel de permitir que os cidadãos
exercessem o controle sobre as ações do governo. Este tipo específico de mecanismo de
controle vertical se defronta, todavia, com uma dificuldade que lhe é inerente, segundo
Przeworski: fazer respeitar a lei pode não depender exclusivamente da estrutura
organizacional do Estado, mas das condições sociais e econômicas existentes na
sociedade16. Desta constatação surge um obstáculo a ser transposto, tanto na visão de
Przeworski (1999) como de Esping-Andersen (1996): talvez, numa sociedade com alto
nível de desigualdade, nenhuma instituição estatal possa vir a impor universalmente o
15 Não há termo ou expressão em português equivalente a essa palavra que, em termos gerais, pode ser interpretadacomo o nível ou grau de aproximação das ações dos governantes dos anseios da sociedade.16 Przeworski, 1999: 328.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 18 -
respeito às leis, ainda que presentes mecanismos institucionais verticais e/ou horizontais
desenhados e estruturados de forma adequada e eficiente para cumprirem esta
finalidade.
Assim, uma proposta de reforma de instituições do Estado mesmo que
amplamente concebida, em termos administrativos e políticos, pode não ser suficiente
tanto na ótica de Adam Przeworski quanto de Esping-Andersen (1996) para a superação
das desigualdades políticas, em especial, se for implementada num ambiente permeado
por graves desigualdades econômicas e sociais.
1.1.2.1 Mecanismos Horizontais: Checks and Balance
Todo governo é dividido em diversos órgãos com diversas funções e é
exatamente essa divisão, segundo Przeworski (1999), que se transforma num entrave
para aquilo que um governo pode vir a executar em favor de seus cidadãos. Num
governo dividido, qualquer ação necessita da cooperação entre vários órgãos
independentes, assim, se um indivíduo matar outro, primeiro, o legislativo deve ter
aprovado uma lei que tipifique esta ação como crime e, portanto, passível de punição;
segundo, o judiciário deve julgar o indivíduo que assim agiu como culpado; e terceiro,
cabe à burocracia (executivo) encarcerar o infrator-culpado. Um governo dividido e
limitado no que pode fazer para os seus cidadãos, também pode ser limitado naquilo
que ele pode fazer para si mesmo17, como no exemplo acima, não basta que o
legislativo e o judiciário cumpram seu papel, a cooperação da burocracia também é
fundamental. E é exatamente neste aspecto que reside, para Przeworski, a eterna tensão
entre a proteção dos direitos (dos cidadãos) e a efetiva governança18.
Sob esse prisma, verifica-se que há uma nítida distinção entre o
mecanismo horizontal de checks and balances e a separação de poderes concebida por
Montesquieu. Na separação de poderes, cada um dos níveis ou órgãos de governo
possui um caráter funcional, que lhe impõe realizar somente aquilo que
institucionalmente lhe foi atribuído: o Poder Legislativo legisla; o Poder Executivo
executa e só o Poder Judiciário julga. No nível dos órgãos de infra-estrutura, equivaleria
a que apenas as agências reguladoras, por suposto, estabeleceriam o preço nos mercados
dominados por monopólios naturais.
17 Idem, p. 328-329.18 Idem, op. cit., p. 329.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 19 -
O ponto crítico no modelo puro de separação de poderes (Przeworski,
1999) é dado pelo fato de ele não representar um sistema de iguais, uma vez que o
Poder Legislativo constitui um verdadeiro unchecked power ou poder sem controle ou
um poder situado acima dos demais, considerando que nenhuma decisão ou ação pode
ser legitimamente adotada ou realizada por qualquer outro nível de governo, exceto se
for anteriormente capacitada ou autorizada pelo Legislativo. É este o significado que
impregna a sua assertiva de que o parlamento não consiste apenas na expressão da
vontade popular, ele é a própria definição da vontade popular (Przeworski, 1999: 329).
Checks and balances, então, devem ser entendidos como dispositivos
limitadores dessa soberania legislativa e foram introduzidos nos Estados Unidos, no
século XIX, justamente com essa finalidade19. O Poder Legislativo ao aprovar uma lei,
sujeita-se a à revisão ou ao poder de veto do chefe do Poder Executivo, ou ainda ao
controle de constitucionalidade do Poder Judiciário. Mecanismo similar consta da atual
Constituição brasileira.
De todo modo, ainda que presente e em perfeito funcionamento esse
sistema de pesos e contra-pesos, sua eficiência como mecanismo de controle dependerá
em grande medida das garantias existentes de que nele não se incluam instâncias
controladoras que não são controladas, no dizer de Przeworski (1999: 330), como é
notório, segundo ele, a independência quase absoluta do Poder Judiciário em países
como Brasil, Espanha e, em menor grau, Itália; ou ainda, nos Estados Unidos, onde o
Office of Special Prosecutor (equivalente ao MP brasileiro) parece ter adquirido status
semelhante.
Como no sistema de separação de poderes, o Legislativo é o
unchecked power definido pelo próprio desenho constitucional, a possibilidade de
alguns órgãos adquirirem esse status pode também estar presente no sistema mútuo de
controle e avaliação ou no checks and balances. Num quadro institucional desse tipo,
Przeworski (1999) sustenta que há pelo menos uma questão que merecerá uma análise
mais acurada: a razão pela qual governos obedecem e impõem leis.
Se, hipoteticamente, o governo da lei representa uma situação de
equilíbrio, onde as ações dos indivíduos no presente dependem de ações realizadas no
passado por outros indivíduos e das expectativas acerca das reações futuras de outros, a
lei governará se nenhuma parte do governo apresentar vontade de violá-la ou de não a
executar, pelo medo das sanções decorrentes de outras partes do governo e,
19 Dallari, 2002.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 20 -
eventualmente, dos eleitores. Numa democracia, por conseqüência, as sanções serão
executadas em última instância pelos eleitores (Cheibub & Przeworski, 1997).
Contudo, permanece para Przeworski (1999) a questão de como
alcançar uma situação ideal, em que todas as instâncias e níveis de poder no governo
viessem mutuamente se controlar, e quais os instrumentos e incentivos deveriam ser
adotados para conferir ou autorizar poderes e estimular o controle. Obviamente, atingir
uma situação mais próxima da ideal dependeria do desenho institucional forjado para o
governo, de suas características principais, como o sistema de governo vigente
(parlamentarista ou presidencialista); a prática dominante em relação ao exercício do
poder de governar (por Medidas Provisórias, como no caso do Brasil pós-Constituição
de 1988); as formas de delegação de poder para a burocracia estatal e o modelo de
controle ou supervisão (aquilo que Przeworski denominou de oversight) dessa mesma
burocracia.
A implantação dessa sistemática de controle exigiria, segundo
Przeworski (1999), a superação de duas ordens de conflitos, que resultaram da reforma
do Estado no caso específico do Brasil promovida a partir de meados dos anos 1990.
Uma primeira relacionada ao controle das burocracias e, uma segunda, ao papel
destinado às agências independentes, inclusive daquelas responsáveis por aquilo que
ele denominou de supervisão cujo exemplo típico, no caso brasileiro, é o Ministério
Público.
Reforçando mais uma vez em sua análise que, embora sejam as
eleições que confiram autoridade ao Estado para regular coercitivamente a vida da
sociedade em estados democráticos de direito, Przeworski (1998 e 1999) conclui que o
processo de delegação é inevitável, pois sempre haverá resultados e metas a serem
buscados e alcançados, bem como que, em função desse movimento, surgirão
dificuldades naturais como produto das relações entre políticos eleitos e burocratas, uma
vez que a sociedade civil dispõe de poucos instrumentos ou meios ao seu alcance para
sancionar diretamente a burocracia.
É exatamente essa delegação (da representação) que traz implícita a
relação principal-agente desenvolvida por Przeworski (1998 e 1999), em razão de se
mostrar inviável na prática o detalhamento de todas as ações de toda a burocracia do
Estado, em quaisquer circunstâncias e a qualquer tempo. Concretamente, isto implica
conferir um alto grau de autonomia aos executores das ações ou aos órgãos que
integram a administração pública, cuja conseqüência imediata poderá ser a perda de
identidade entre os objetivos da burocracia e os dos cidadãos, estes representados pelos
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 21 -
políticos eleitos. Um processo de perda de identidade pode vir a ser favorecido por
diversos fatores, mais um em especial merece destaque na visão de Przeworski (1998):
o privilégio sobre as informações que a máquina administrativa detém no
desenvolvimento de suas ações em relação aos cidadãos e, às vezes, aos próprios
políticos eleitos, que delegaram funções à burocracia estatal. Muitas dessas ações são
realizadas sem um efetivo controle ou acompanhamento direto, ou quando muito, por
aferição de resultados ou monitoramento. Na realidade, considerado o elevado grau de
autonomia e de discricionariedade que a burocracia pode vir a gozar, fórmulas devem
ser buscadas com o objetivo de superar tais obstáculos, minimizando a posição
desfavorável dos cidadãos em relação ao acesso a informações, perseguindo-se uma
situação de equilíbrio na relação principal-agente.
Esses obstáculos poderiam ser superados, segundo Przeworski (1999)
através de dois caminhos: 1) com a implantação de um sistema institucional integrado
por múltiplos principais e agentes com objetivos dissonantes, criando um movimento ou
sistema de oposição no interior do processo decisório do governo; e 2) mediante o
estabelecimento de mecanismos institucionais de controle horizontal dentro do processo
de delegação para que, quando a autoridade for delegada a um agente, haja pelo menos
um outro agente com autoridade para vetar ou bloquear as ações do primeiro.
Ambos os caminhos apontados, no entanto, trazem implícito um
componente de risco, como reconhece o próprio autor20, relacionado à definição de
quem ou a que órgão caberá a tarefa de supervisionar ou gerenciar as ações de outros
agentes, de modo que a independência ou autonomia a ele conferida não extrapole os
limites de suas atribuições, transformando-o em mais um órgão insulado
burocraticamente.
Há, por outro lado, ao menos um aspecto positivo para Przeworski
(1999) na questão da independência de órgãos públicos como as agências (embora
esteja tratando in casu das chamadas agências de supervisão) frente ao controle dos
políticos eleitos: o fato de sua independência resultar justamente da sua não sujeição ao
controle político-partidário, uma vez que seus membros seriam vitalícios (caso dos
membros do Ministério Público brasileiro) ou detentores de mandato (caso dos
dirigentes do Banco Central e das Agências Reguladoras).
Em última análise, qualquer modelo desenhado ou implementado para
órgãos públicos dotados de independência acarretará uma certa dose de risco, pois
questões como quem ou como serão fiscalizados esses órgãos persistirão, dado o fato de
20 Przeworski, 1999, op. cit.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 22 -
que, usufruir de autonomia e independência frente ao controle de outros órgãos do
governo ou ao controle dos cidadãos, poderá levar a que os mesmos se transformem em
órgãos unchecked power, à semelhança do que ocorre com o Poder Legislativo em
muitos países, inclusive no Brasil, conforme destacou o próprio Przeworski.
Um segundo aspecto a ser ponderado para Przeworski (1999) quanto
aos riscos inerentes à adoção de um modelo de órgãos públicos autônomos e
independentes, decorre do exercício efetivo ou não de seu papel como agentes
facilitadores do controle público sobre o governo, tema este diretamente ligado à
capacidade estrutural e institucional e à vontade política dos dirigentes ou membros
desses órgãos.
Neste contexto, Przeworski (1999), Bresser Pereira (1997) e Dallari
(2002) encaram a proteção dos direitos dos cidadãos por parte do Estado como um
objetivo a ser perseguido e alcançado em sociedades democráticas, condicionado à
existência de uma estrutura organizacional de instituições governamentais compatível e
de mecanismos de checagem (checks and balances) e de controle social, que assegurem
não apenas a supervisão ou monitoramento das ações de entes públicos autônomos, mas
também um controle efetivo por parte da sociedade sobre eles21.
1.1.2.2. Mecanismos Verticais: Eleições
O segundo mecanismo de controle sobre o governo, característico
também de regimes democráticos e exercido pelos cidadãos, acha-se representado pelas
eleições e assume basicamente duas formas, de acordo com Przeworski (1999). Uma,
pelo mandato, já que as eleições se prestariam à seleção ou escolha de propostas ou
políticos que, vitoriosos nas urnas, darão o tom e as diretrizes de governo durante um
período limitado de tempo (mandato). Duas, pela responsiveness (grau de proximidade
entre as ações dos eleitos e os anseios do público-alvo, no caso os eleitores), com o
resultado das eleições funcionando como espécie de aval ou voto de confiança dos
eleitores no governo eleito.
Para O’Donnell (1999), nas poliarquias22 modernas, a dimensão
democrática da accountability é garantida pelo mecanismo vertical de controle, isto é,
21 Sobre o tema, vale destacar o exemplo da OFTEL (espécie de ANATEL britânica), que presta contas aoParlamento Inglês, mais especificamente à Câmara dos Comuns, sendo por esta auditada periodicamente.22 Sociedades cujo desenho institucional compreende um elenco de direitos, garantias e valores básicos, que emergeme são institucionalizados em duas dimensões fundamentais da democracia: os direitos de oposição e de participaçãopolítica, de acordo com a definição de Robert Dahl em Polyarchy: Participation and Opposition, 1972.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 23 -
pelas eleições, mecanismo este que para Przeworski, como se verá mais adiante, não é
suficiente para garantir o efetivo controle da sociedade sobre os governantes.
Em ambas as formas de controle nas eleições, o mecanismo de
accountability – ou os procedimentos de cobrança e de prestação de contas, os meios de
controle externo, a transparência e a publicização dos atos de governo – emerge como
instrumento necessário a ser disponibilizado (ou que deveria ser) aos cidadãos, como
condição para o fortalecimento das relações do Estado com a sociedade e com as
instituições representativas, abrindo espaço para uma avaliação e um julgamento mais
criteriosos sobre o desempenho dos governos.
Como os cidadãos ao elegerem seus representantes não dispõem de
instrumentos que obriguem estes últimos a manter suas promessas de campanha, e a
avaliação dos resultados obtidos somente será possível ao longo da gestão ou após o
seu término, eventuais desvios de mandatos dos representantes eleitos somente poderão
ser sancionados a posteriori, ou seja, numa próxima eleição. Neste sentido, a
responsabilidade política é um mecanismo retrospectivo e os governantes são
responsáveis se a probabilidade de sua sobrevivência no governo depender de seu
desempenho.
Num cenário em que as decisões dos eleitores não são pautadas
apenas pelo componente da racionalidade, onde impera a assimetria de informações
entre os cidadãos e as expectativas geradas pelas promessas dos políticos somente
podem ser cotejadas com a realidade durante ou após a gestão dos eleitos, Przeworski
(1999) entende que a responsiveness por si só não bastaria para induzir e consolidar a
representatividade, já que, na ausência de mecanismos de accountability, o voto se
transforma num meio para escolha do melhor candidato e não para que os eleitores
avaliem e aprovem (ou não) o governante eleito.
É neste sentido que Adam Przeworski (1999) considera o mecanismo
da eleição como uma forma rudimentar de controle sobre os governos, corroborando de
certa forma com uma das teses de Bobbio (2000), para quem, o eleitor dispõe de uma
única decisão a tomar, tanto em sistemas parlamentaristas como presidencialistas de
governo: votar no programa de políticas governamentais que mais lhe convier. Logo e
inevitavelmente, como afirma Norberto Bobbio (2000), as eleições deixam uma grande
parcela da política fora do controle dos cidadãos23 sobretudo pelo fato de que o
controle através de eleições exige informação, tanto para instruir os governos sobre o
que desejam os cidadãos, como para julgar aquilo que os governos realizam.
23 Sobre a afirmação de Bobbio, vide nota nº 7.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 24 -
Cheibub e Przeworski (1997) – ao examinar a validade empírica24 de
que (1) a democracia é um regime político que se diferencia dos demais pela
responsabilidade dos governantes perante os governados e de que (2) é por meio de
eleições que esta responsabilidade é assegurada – sustentam que, ou os procedimentos
estatísticos por eles adotados foram falhos, ou bem os governantes não são responsáveis
politicamente perante o eleitorado25.
Governos são representativos na medida em que cidadãos podem
discernir se os governantes estão agindo de acordo com seus interesses e sancioná-los
adequadamente. Governantes são politicamente responsáveis se, escolhidos via eleições,
os eleitores os premiam com a reeleição, por exemplo. Contudo, a análise de Cheibub e
Przeworski (1997) apontou para uma conclusão diversa: a sobrevivência dos
governantes em regimes democráticos não depende necessariamente do quanto eles
(governantes) sejam responsáveis.
Com base em sua pesquisa, os autores concluíram que, se os eleitores
usam o voto com um sentido prospectivo, para escolher governos melhores, é possível
que estes sejam representativos simplesmente porque boas políticas ou políticos tenham
sido escolhidos, mas não porque a representação tenha sido induzida pelo medo da
sanção eleitoral26. Sob a ótica da relação principal-agente de Przeworski (1999), pode-
se interpretar que a representação política somente logrará ser efetiva na medida em
que os agentes dos cidadãos são os seus próprios governantes. Quando os cidadãos
designam governantes como seus agentes, delegam-lhes poderes para que digam o que
(os cidadãos) devem fazer e autoridade para que (os governantes) os coajam a fazê-lo.
E as regras que os agentes-governantes impõem, devem considerar o acesso à
informação e a autorização ou delegação para governar como fatores preponderantes na
condução de seus mandatos.
1.1.2.3. Mecanismos Verticais: Democracia Participativa
Em sua análise quanto ao mecanismo vertical da democracia
participativa, Przeworski (1999) aborda em princípio a questão da autorização para
governar. Autorização esta que, segundo ele, em regimes democráticos deriva única e
24 Os autores utilizaram uma amostra composta por 135 países, com algumas exceções, entre 1950 e 1990, num totalde 4060 anos, observando 99 democracias (1606 anos) e 123 ditaduras (2454 anos). Com base nessa amostra,buscaram estimar a probabilidade de sobrevivência no poder de líderes democráticos e autoritários dada a duração deseus governos e os resultados econômicos produzidos.25 Cheibub & Przeworski, 1997: 11.26 Cheibub & Przeworski, op. cit., p. 12.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 25 -
exclusivamente de eleições ou de votos, carecendo assim, de qualquer justificativa as
ações implementadas por qualquer governo, exceto se sua autoridade decorrer de um
pleito eleitoral.
No entanto, ainda que se promovam eleições de caráter universal em
países onde o aporte de recursos nas campanhas eleitorais seja legalmente regulado e o
pleito seja conduzido de forma transparente, o acesso e a participação (dos cidadãos)
nas decisões dos governantes não ocorrerão de forma equânime. Isto porque,
Przeworski (1999) considera que a mais perfeita das democracias, se existir, não coibirá
a troca de contribuições (ainda que no campo das idéias) por favores políticos, e gerará
distorções e algum tipo de ônus social, que fatalmente serão partilhados entre todos os
cidadãos.
Algumas desigualdades de acesso e de participação são legalmente
institucionalizadas, como no caso do corporativismo – presente nas instituições públicas
brasileiras desde a década de 193027 – cuja essência é o reconhecimento legal de alguns
interesses específicos em detrimento de outros. Todos os tipos de influência política
demandam recursos financeiros, humanos e materiais, que geralmente são distribuídos
de forma desigual e contribuem para a reprodução do status quo de (des)igualdade de
acesso, como bem ressaltaram Przeworski (1999) e Bresser Pereira (1997).
Por conseguinte, restará uma questão fundamental a ser respondida
por aqueles que se dedicam a desenvolver teorias sobre a participação popular e as
formas de controle que poderiam ser exploradas: como identificar a existência e a
efetividade dos mecanismos de participação popular? É sabido que instâncias de
participação podem se sujeitar à captura por parte de grupos de interesses que,
supostamente, deveriam controlar. Assim, para Przeworski (1999), mesmo na presença
de mecanismos de democracia participativa, não haverá garantias para um acesso
igualitário à participação dos cidadãos no controle do poder decisório.
1.1.3 O Estado e a Desigualdade Social
O Estado e sociedade formam um todo indivisível numa democracia.
O Estado tem competência e atuação definidos na Constituição e seu poder deriva da
legitimidade de outorga da cidadania via eleição (Dallari, 2002). A sociedade manifesta
suas demandas por canais formais ou informais de contato com as autoridades. O
diálogo democrático entre Estado e sociedade define as prioridades do Governo.
27 Nunes, 1999.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 26 -
O grau de controle que os cidadãos podem exercer sobre os governos,
via o instituto das eleições, contém um traço de fragilidade como já anteriormente
exposto, ao mesmo tempo em que os outros mecanismos participativos (checks and
balances) podem tanto exacerbar como reduzir as desigualdades políticas. O fato é que
uma vez eleito, um governo não necessita temer as sanções populares, embora haja
casos de países latino-americanos, como observa Przeworski (1999), onde instituições
como o Poder Legislativo, os tribunais, Ministério Público, partidos políticos e
imprensa independente exercem de certa maneira o papel de checks and balances sobre
o Poder Executivo e de umas sobre as outras.
O desrespeito desigual da lei em muitas democracias latino-
americanas não nasceu de suas estruturas institucionais, segundo Przeworski (1999),
mas do fato de serem sociedades altamente desiguais, onde o Estado independentemente
de sua estrutura demonstrou sua fraqueza para impor o respeito à lei de forma universal.
Sob esse ponto de vista, nenhuma reforma do Estado seria suficiente para preservar os
direitos civis (ou ditos republicanos) de todos os seus cidadãos, especialmente porque o
Estado não dispõe de recursos suficientes para promover esses direitos. Logo, o limite
imposto à atuação do Estado nessa seara é de ordem fiscal e não somente institucional,
no dizer de Przeworski (1996 e 1998), o que fornece um dos principais argumentos para
a proposta de Reforma do Aparelho do Estado brasileiro apresentada em 1995, embora
com a ressalva de que o propósito da reforma do Estado é descobrir mecanismos
institucionais que permitam ao Estado distinguir e devidamente sancionar as ações
privadas que são coletivamente desejáveis, bem como instituições que permitam aos
cidadãos punir os governos que abusam do poder de intervir28.
Em síntese, para Przeworski (1999), a diferença marcante no caso dos
países da América Latina em relação aos países desenvolvidos quanto à implementação
de um programa de reforma do aparelho de Estado reside no grau de desigualdade
econômica e social. A democracia é um sistema de direitos políticos positivos, mas a
democracia por si só não gera condições sociais e econômicas necessárias para que
esses direitos sejam efetivamente exercidos. O século XIX contornou esse dilema
circunscrevendo o exercício do direito da cidadania àqueles que desfrutavam de
condições sócio-econômicas para tanto. No século XX, os direitos políticos se tornaram
universais em todas as democracias, porém, em muitas delas, parcelas consideráveis de
indivíduos não detêm as condições de exercê-los. Logo, o final do século XX e o início
28 Przeworski, 1996: 22.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 27 -
deste estão testemunhando um novo tipo de regime político, no dizer de Przeworski
(1999) e Esping-Andersen (1996): democracia sem cidadania efetiva.
Partindo do pressuposto que a capacidade do Estado para diminuir as
desigualdades sociais e econômicas é reduzida em sociedades onde a desigualdade é
elevada, conclui Przeworski (1999) que, esta desigualdade leva o Estado a ser pobre e o
Estado pobre não pode reduzir a desigualdade, gerando um círculo vicioso. Para ele, a
camada mais pobre da população está simplesmente fora da responsabilidade do Estado
porque não possui renda para ser taxada e, simultaneamente, tem poucos serviços
públicos à sua disposição: são politicamente inefetivos porque não desfrutam de
condições para o exercício efetivo de seus direitos políticos; porque eles são
politicamente inefetivos, eles permanecem pobres. O resultado é um Estado pobre e
uma sociedade injusta29.
Pode-se inferir, em linhas gerais, que Przeworski (1999) e Bresser
Pereira (1997) defendem a idéia de que a crise do Estado nos anos noventa,
especialmente nos países em desenvolvimento, tem uma de suas origens no
desequilíbrio fiscal, que restringe a capacidade de intervenção do Estado através da
implementação de políticas públicas voltadas para o social e colabora para perpetuar
uma situação de desigualdade econômica e social, cujos reflexos se farão sentir no
campo político através do desequilíbrio de forças, quando em jogo a representatividade
dos diversos grupos de interesses.
Este foi um dos argumentos utilizados em defesa da implementação
do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Brasil. Presidência da República,
1995), pelo que se depreende do trecho extraído de sua Exposição de Motivos30:
........ A crise brasileira da última década (1980) foi
também uma crise do Estado. Em razão do modelo de
desenvolvimento que Governos anteriores adotaram, o
Estado desviou-se de suas funções básicas para ampliar
sua presença no setor produtivo, o que acarretou, além da
gradual deterioração dos serviços públicos, a que recorre,
em particular, a parcela menos favorecida da população,
o agravamento da crise fiscal e, por conseqüência, da
inflação. Nesse sentido, a reforma do Estado passou a ser
instrumento indispensável para consolidar a estabilização
29 Przeworski, 1999: 355-356.30 Exposição de Motivos ao Plano Diretor enviado ao Congresso Nacional, subscrita pelo Presidente FernandoHenrique Cardoso.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 28 -
e assegurar o crescimento sustentado da economia.
Somente assim será possível promover a correção das
desigualdades sociais e regionais.
Frise-se, entretanto, que essa proposta de ruptura com o modelo
anterior de Estado intervencionista embora tenha dado início à restruturação da ordem
econômica e a um movimento de reformulação dos papéis do Estado e da própria
sociedade, foi sobrepujada pela questão fiscal e demonstrou uma nítida falta de fôlego
para atingir os seus principais objetivos. Tratou-se, por exemplo, o fenômeno da
globalização, uma das justificativas para promover a reforma, sob uma ótica
reducionista, um movimento puramente econômico, relegando-se a um plano inferior
outra de suas facetas mais importante: a política.
A globalização regida unicamente pelas leis econômicas deixa de lado
a questão de que os Estados nacionais passam a integrar cada vez mais um sistema de
poder supranacional, como bem observado por Diniz (2001: 14), relevando que as
opções das elites dirigentes nacionais – suas coalizões de apoio político – tiveram e têm
um papel importante na escolha das formas de inserção (do país) no sistema
internacional e na definição das políticas (de governo) a serem implementadas.
A globalização não produziu apenas modernidade, como muitos
sustentam, mas trouxe conseqüências que, longe de serem suplantadas, conduziram a
um sistema internacional marcado por grandes contrastes e polaridades, reproduzindo e
aprofundando as desigualdades já existentes entre os países desenvolvidos e os países
periféricos31.
1.2. O Papel do Estado
1.2.1. O Debate sobre o Papel do Estado
O debate sobre o papel do Estado e o grau de sua intervenção na
economia acompanhou, ao longo do tempo e com intensidade variada, as
transformações políticas e econômicas no cenário mundial, passando ao centro das
discussões principalmente no período compreendido entre o final da 2ª Grande Guerra e
os anos 90. Na prática, isto representou uma clara tendência a uma drástica
transformação do papel do Estado como interventor na economia, concomitantemente à
busca por uma maior eficiência nas áreas em que sua presença foi considerada
31 Diniz, op. cit.: p. 15
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 29 -
relevante. Assim, o foco da discussão volta-se para a tese de que a perda de
legitimidade, o permanente desequilíbrio fiscal e a incapacidade para suprir as
crescentes demandas sociais forjaram a grave crise do Estado e apontaram para a
necessidade de sua transformação.
A Primeira Grande Guerra Mundial e a Grande Depressão de 1929
foram os marcos iniciais da crise de mercado e do Estado Liberal, com a conseqüente
depressão da economia norte-americana e mundial, levando a que se adotasse um
modelo de Estado “Desenvolvimentista”, com a função de promover o desenvolvimento
econômico e social e a coordenação da economia capitalista, voltado para a correção das
distorções do mercado e para assegurar uma distribuição de renda mais justa e
equânime.
Num sistema capitalista, Estado e mercado interagem direta ou
indiretamente na coordenação dos sistemas econômicos, dessa forma, se um desses
atores enfrenta qualquer tipo de dificuldade em seu funcionamento, o resultado poderá
ser o início de uma crise. Assim ocorreu nas décadas de 1920 e 1930, onde o mau
funcionamento do mercado trouxe em seu bojo uma crise econômica sem precedentes
que, por sua vez, exigia uma resposta à altura do Estado. Nos anos 1980, foi a
confluência de uma crise econômica com uma crise política (do Estado) que colocou em
xeque o modelo econômico vigente, produzindo nos anos 1990 um Estado e uma
economia fragilizados32.
O fracasso de experimentos de estabilização econômica levados a
efeito em diversos países em desenvolvimento, a partir dos anos 1980, reforçou a
percepção da ineficácia dos governos no tratamento de problemas críticos, como a
inflação crescente e endividamento externo, gerando desconfiança e perda de
credibilidade das autoridades e instituições governamentais. No Brasil, um dos
exemplos típicos desse fracasso é o Plano Cruzado (governo Sarney - 1986). Essa
desordem econômica e, de certa forma, institucional foi interpretada por alguns autores,
dentre eles Bresser Pereira (1997) e Przeworski (1999), como uma demonstração da
incapacidade do Estado em administrar as crescentes expectativas geradas em função
das políticas de bem-estar social adotadas com relativo sucesso no período pós-Guerra.
É importante ressaltar que a redefinição do papel do Estado, objeto de
debates recorrentes e de alcance universal nos anos 1990, ganhou importância no Brasil
sobretudo pela elevada participação do Estado na economia nacional, e forneceu
32 Para Diniz, op. cit., o que houve não foi propriamente o enfraquecimento do Estado, mas um fortalecimentodesproporcional do Poder Executivo, com a concentração de poder decisório e sua sujeição a um controle cada vezmaior pela alta tecnocracia, resultando no enfraquecimento dos mecanismos institucionais da democracia.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 30 -
argumento (aos governantes) para levar adiante a proposta de reforma durante o
primeiro mandato de FHC.
O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Brasil.
Presidência da República, 1995) debitava a responsabilidade pela crise instalada dentro
do Estado, cujo ápice ocorrera na segunda metade dos anos 1980, à perda de fôlego do
modelo desenvolvimentista ao longo de toda a década anterior. De acordo ainda com
seus formuladores, a crise fora produto de fatores internos, como a concentração e a
centralização de funções, o formalismo de procedimentos (excesso de leis e regras) e a
histórica tendência de cooptação do Estado por vários grupos de interesses, associados a
uma conjuntura externa adversa, de globalização da economia mundial, de crescente
avanço tecnológico e competição por mercados entre as nações.
Apenas para recapitular, os anos 80 ou a década perdida da economia
brasileira foram marcados pela queda das taxas de crescimento do PIB com a
correspondente ampliação da vulnerabilidade do balanço de pagamentos, em razão da
elevação das taxas de juros e dos gastos com importação de petróleo, e com o
recrudescimento do processo inflacionário que se espalhou por toda a economia através
dos vários mecanismos de indexação, já então generalizados. Somou-se a esse quadro a
maxidesvalorização cambial (30%) promovida em dezembro de 1979, como forma de
enfrentar o déficit em conta corrente e compensar o corte nos incentivos fiscais e
creditícios às exportações.
Ao longo de 1980, os preços e a renda sofreram os efeitos das
mudanças de rumo na política cambial, com a maxidesvalorização, depois com a
prefixação da correção do câmbio e, finalmente, com a reversão da política de
prefixação cambial (e monetária). Na tentativa de controlar os impactos negativos do
cenário mundial, a política econômica brasileira somente logrou acelerar o crescimento
dos déficits em conta corrente do balanço de pagamentos e das taxas de inflação,
reduzir significativamente os gastos públicos, via o controle das importações do setor
governamental, e desacelerar a economia, lançando-a num processo recessivo com
queda acentuada do PIB, da renda e do emprego, que alcançou seu ponto mais crítico
em setembro de 1982 com a moratória mexicana e a crise da dívida externa (Beluzzo &
Almeida, 2002).
A política econômica alicerçada na obtenção de constantes superávites
na balança comercial e na escassez de divisas (dólares) foi determinante para o
agravamento da situação financeira do setor público, que expandiu seu financiamento
através da dívida pública interna de curto prazo e a taxas de juros reais elevadas, muito
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 31 -
superiores à taxa de crescimento do PIB e das receitas públicas (Beluzzo & Almeida,
2002). As tentativas de estabilização ao longo dos anos 80 foram sistematicamente
derrotadas pela incapacidade do Estado em compatibilizar o ajuste do balanço de
pagamentos e a reordenação das finanças públicas, enfrentando simultaneamente a
resistência à mudança por parte dos segmentos mais favorecidos da população, como
destacaram Beluzzo & Almeida (2002) e, com o foco no aspecto político, Diniz (2001).
Na visão do governo FHC (Brasil. Presidência da República, 1995), a
crise da economia brasileira era fruto de uma crise de soberania do Estado e, diante
dessa percepção, é que se pretendia levar a cabo os objetivos de ajuste fiscal, de
implementação de uma política industrial e tecnológica com vistas à concorrência no
mercado interno e externo (embora jamais colocada em prática), de reforma do regime
previdenciário, de inovação dos instrumentos de política social e, principalmente, de
uma reforma do aparelho do Estado33.
Definido o aparelho do Estado como administração pública lato sensu
ou a organização e divisão do Estado entre os Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário (horizontal) e nos três níveis de governo: federal, estadual e municipal
(vertical ou federação), o Plano Diretor (Brasil. Presidência da República, 1995)
objetivava, em última instância, que o Estado-produtor de bens e serviços diretamente
responsável pelo desenvolvimento econômico e social deveria ser substituído pelo
Estado-agente ou promotor e regulador das atividades privadas e das ações
descentralizadas para o setor público não-estatal, tais como saúde, educação e cultura, a
partir de uma profunda reforma no aparato estatal, com alterações no arcabouço
constitucional-legal (via emendas à Constituição), adoção de princípios da
administração gerencial mais afetos ao setor privado, descentralização de decisões e
ações para a esfera dos estados e municípios e políticas de capacitação e incentivo ao
funcionalismo público, dentre outros aspectos, além da retomada do processo de
privatização das atividades produtivas de bens e serviços ainda em mãos do Estado.
A proposta de reforma identificava quatro setores no âmbito do
aparelho do Estado34: 1) núcleo estratégico (núcleo central decisório) onde leis e
políticas públicas seriam definidas e decisões tomadas; 2) atividades exclusivas ou
serviços que somente o Estado poderia prestar; 3) serviços não-exclusivos ou áreas onde
o Estado atuava em conjunto com organizações públicas não-estatais e privadas (caso de
hospitais, universidades, centros de pesquisa) e 4) produção de bens e serviços para o
33 Brasil. Presidência da República, 1995. Na Introdução do Plano Diretor esses objetivos constam como“inadiáveis”.34 Brasil. Presidência da República, op. cit.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 32 -
mercado ou as atividades econômicas voltadas para o lucro integrantes do setor estatal
(na área de infra-estrutura, por exemplo); e, ainda, definia os objetivos globais da
reforma: 1) aumento da governança (capacidade de governar) do Estado; 2) restringir a
ação estatal àquelas funções que lhe fossem inerentes, destinando os serviços não-
exclusivos para instituições públicas não-estatais e a produção de bens e serviços para a
iniciativa privada; e 3) transferência da União para Estados e municípios de ações de
caráter regional ou local. O Quadro I sintetiza a divisão de setores do Estado e os
objetivos da reforma do seu aparelho, com base nas formas de propriedade e de
administração que foram definidas.
Quadro I – Reforma do Aparelho do Estado: Setores, Formas de
Propriedade e de AdministraçãoSetores Formas de Propriedade Formas de Administração
Estatal Pública não-estatal Privada Burocrática Gerencial
Núcleo
Estratégico
x x x
Atividades
Exclusivas
x x
Serviços Não-
exclusivos
Publicização x x
Produção bens
e serviços
Privatização x x
Fonte: Brasil. Presidência da República, 1995
No caso da produção de bens e serviços, pretendia-se que o processo
de transferência de propriedade do Estado para a iniciativa privada (privatização) fosse
acompanhado pela reformulação do “sistema de regulação” vigente, tornando-o mais
rígido para monopólios naturais e seguro de uma maneira geral35, promovendo sua
reorganização e fortalecimento. Para tanto, o poder regulador do Estado deveria migrar
do âmbito da administração pública direta (leia-se Ministérios) para novos órgãos
integrantes da estrutura organizacional do Estado, porém, autônomos e independentes,
dentro de uma nova concepção de gestão pública: as agências reguladoras. Ademais, as
atribuições desses novos órgãos deveriam ser ampliadas em relação aos seus
35 Brasil. Presidência da República, 1995: os itens 5.1 – Setores do Estado e 5.3 – Setores do Estado e Formas dePropriedade, do Plano Diretor trazem referências à necessidade da gestão privada – tendente a ser mais adequada parao setor de produção de bens e serviços – vir acompanhada por uma regulamentação rígida (no caso específico dosmonopólios naturais) e por um “seguro sistema de regulação”, ambos sob responsabilidade do Estado.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 33 -
antecessores, a partir do aperfeiçoamento do sistema jurídico-legal e da implementação
de um novo marco regulatório.
Na esteira das privatizações, nasceram as agências reguladoras do
setor de infra-estrutura. A elas, por exemplo, foram transferidas e incrementadas as
atribuições de órgãos como o DNAEE e o DNC, pertencentes à estrutura do MME, com
a criação da ANEEL e da ANP, respectivamente.
É importante destacar que, embora o Plano Diretor apresentasse um
desenho excepcionalmente bem-justificado e claramente exposto para a reforma do
aparelho do Estado, como afirmou Przeworski (1998: 52-14), o cenário negativo
sobretudo na economia, interna e externa, levou à priorização da questão fiscal em
detrimento de outros pontos relevantes, os quais poderiam contribuir para a
implementação de uma reforma mais abrangente do aparato estatal. A experiência
brasileira mostrou, de fato, um contraste entre a teoria (Plano Diretor) e a prática, ao não
avançarem propostas como a formulação de uma política industrial e tecnológica de
enfrentamento da nova ordem econômica mundial ou como a adesão dos servidores
públicos ao novo modelo de administração pública, neste último caso, determinada pela
ausência de incentivos do Poder Executivo e por fatores conjunturais adversos.
1.2.2 O Modelo do Aparelho de Estado Brasileiro
A administração pública burocrática surgiu no século XIX com o
Estado liberal, como instrumento de defesa da res publica contra o patrimonialismo, e
evoluiu através de quatro modelos básicos no Brasil, segundo Edson Nunes ( 1999) –
clientelismo, corporativismo, insulamento burocrático e universalismo de
procedimentos. Estes modelos ou gramáticas (Figura I), como Nunes denomina, se
sucederam no tempo e na história brasileira, convivendo mutuamente e sem deixar,
contudo, de existirem por completo, e tendo alguns de seus traços característicos
assegurado sua sobrevivência no corpo do aparelho estatal até os dias atuais.
Figura I – Gramáticas das Relações entre Estado e SociedadeTIPOS DE
GRAMÁTICAS CLIENTELISMO CORPORATIVISMO INSULAMENTOBUROCRÁTICO
UNIVERSALISMOPROCEDIMENTOS
RELAÇÕES
ESTADO X
SOCIEDADE
Pessoal
Impessoal >
Indivíduos não são
iguais participantes
Impessoal
Impessoal > Todos
os indivíduos são
iguais participantes
Fonte: Edson Nunes, 1999: 42
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 34 -
A Revolução de 1930 inaugurou um longo período de state building
no Brasil, intensificado após o Estado Novo (1937) e marcado pela pesada intervenção
do Estado na economia e pela centralização política e administrativa. Em paralelo,
emergiu um modelo de administração, onde as agências e órgãos reguladores então
recém-criados desempenharam um papel decisivo na colocação em prática de uma nova
sistemática em termos de relações entre o Estado e a sociedade.
Tais relações foram pautadas, durante o período compreendido entre
1930 e 1945, por três tipos de gramáticas, segundo Nunes (1999): implementação de
uma legislação e de instituições corporativistas; início de um processo de insulamento
burocrático com a criação de agências como a SUMOC e de empresas estatais; e
tentativa de reformar os serviços públicos com a implantação de um sistema de
meritocracia, ou o denominado universalismo de procedimentos. Essas novas
gramáticas continuaram a interagir com o clientelismo, presente nas instituições formais
do Estado por intermédio de um sistema político que privilegiava interesses de
determinados grupos locais, regionais ou vinculados a determinadas atividades
econômicas. Com a aceleração da industrialização brasileira durante o primeiro governo
de Getúlio Vargas, o Estado assumiu um papel decisivo como investidor no setor
produtivo de bens e serviços e, para enfrentar esse novo desafio, intentou levar adiante
uma reforma na administração pública, inspirada em princípios da racionalização e que
se converteu na criação das primeiras carreiras do serviço público e no estabelecimento,
pela primeira vez, da figura do concurso público. A implantação da administração
pública burocrática coincidiu, portanto, com a emergência de um capitalismo moderno
no país.
A legislação corporativista dos anos 1930, cuja finalidade era criar
condições para o estabelecimento de uma rede de solidariedade social e acomodar as
relações entre grupos e classes em conflito, funcionou como um poderoso instrumento
de controle e atrelamento do trabalho ao Estado. O Estado Novo (1937-45) procurou
alterar as bases tradicionais do Estado brasileiro através da reforma do serviço público
baseada no universalismo de procedimentos, com a criação de um corpo técnico isolado
das disputas políticas, que o auxiliasse na formulação de políticas públicas. O período
democrático de 1946 emergiu com o corporativismo em pleno funcionamento ao lado
do clientelismo, e num cenário em que a burocracia insulada surgia como solução para
implementar um modelo de desenvolvimento sem ingerência política.
A partir da década de 1950, clientelismo, corporativismo, insulamento
burocrático e universalismo de procedimentos desempenharam, através de diferentes
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 35 -
formas institucionais, um papel fundamental na vida política do país36. Uma nova ordem
se instalou em função da ausência de uma classe dominante e hegemônica: o Estado
moderno que começou a ser moldado nos anos 30 e seguintes, o “Estado de
compromisso”, não se caracterizava pela supremacia de um ator ou facção sobre os
demais (Nunes, 1999). A industrialização brasileira coincidiu, portanto, com um período
marcado pelo enfraquecimento das oligarquias, depressão mundial, surgimento de uma
elite estatal crescentemente forte e existência de conflito entre os diversos grupos
sociais.
A criação de burocracias insuladas e posteriormente a adoção do
universalismo de procedimentos – modelos que não se sujeitariam, em princípio, a
pressões fisiológicas e clientelistas – representaram tentativas de superação do
clientelismo e do personalismo. Observe-se que, o universalismo de procedimentos está
associado, de forma geral, à noção de cidadania plena e igualdade perante a lei, ao
impersonalismo e ao sistema de checks and balances, ou seja, configura um meio de
refrear e desafiar as relações calcadas em favores pessoais.
Não obstante a tentativa de alterar o seu desenho e estruturas, as
instituições formais do Estado brasileiro ficaram altamente impregnadas por um
processo de troca de favores, com a burocracia aliando-se ao clientelismo e todo o
conjunto de relações assentado no contato pessoal. Num sistema de troca como esse, o
controle do fluxo de recursos financeiros e materiais na sociedade garantiu a
sobrevivência política do “corretor local” (Nunes, 1999: 33).
Formalizado em leis, o corporativismo reflete uma racionalidade e
organização frente à natureza informal do clientelismo e determina os limites da
participação dos grupos sociais, sendo o exemplo mais típico o contrato de trabalho.
Clientelismo e corporativismo representam mecanismos focados no esvaziamento de
conflitos sociais, como destaca Nunes (1999: 41): o primeiro porque atravessa
fronteiras de classes, de grupos e categorias profissionais (opera em todos os sentidos
dentro do tecido social); o segundo, porque organiza camadas horizontais de categorias
profissionais arrumadas em estruturas formais e hierárquicas.
No Brasil, o Estado teve de concorrer com os diferentes grupos sociais
e, simultaneamente, manter seu monopólio sobre a autoridade, ocorrendo aquilo que
36 Conforme destaca Lucia Hipólito em “Os companheiros ocupam a máquina”, artigo publicado no jornal O Globo,de 17/07/2003, p. 7: Para implementar o Plano de Metas, Juscelino Kubitschek reforçou a proteção de certas áreasestratégicas de governo contra o assédio clientelista dos políticos (insulamento burocrático). Durante a ditadura, aexacerbação do insulamento burocrático gerou uma tecnocracia arrogante, que geria empresas que se tornaramverdadeiros Estados dentro do Estado.....e, pior que tudo, com interesses nem sempre coincidentes com o interessenacional.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 36 -
Durkheim37 descreveu como uma sociedade onde o Estado é considerado um inimigo
potencial para indivíduos e grupos, na qual corporações sociais emergem como uma
resposta ao seu poder e operaram como estruturas de intermediação de interesses, sob os
auspícios do próprio Estado.
A tentativa de implementar o insulamento burocrático como estratégia
de superação do clientelismo, através da racionalização de procedimentos e da
especialização técnica, visava unicamente a proteção do núcleo técnico do Estado contra
a interferência do público ou de outros grupos intermediárias. Exemplos típicos de uma
burocracia insulada são o SNI (1967), agência federal de informações que atuava
liberada de qualquer controle sobre suas atividades em quaisquer níveis de governo, e o
extinto DASP – Departamento de Administração do Serviço Público (1938).
A adoção da administração pública gerencial no âmbito do aparelho
do Estado, segundo o Plano Diretor (Brasil. Presidência da República, 1995), se
justificaria pela necessidade do Estado dispor de instrumentos para enfrentar os desafios
decorrentes da expansão de suas funções econômicas e sociais, associada ao crescente
desenvolvimento tecnológico e à globalização da economia mundial. Embora esse novo
modelo de gestão não abandonasse totalmente os princípios da administração pública
burocrática, ele representou alguns avanços e, num certo sentido, um rompimento com o
modelo anterior. Notadamente, quanto às formas de controle propostas, focalizadas em
objetivos a serem buscados e alcançados pelo administrador público, garantindo-lhe
autonomia na gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis para
execução dessa finalidade, e exigindo como contrapartida a apresentação de resultados
(cobrança a posteriori).
Ressalte-se que, a reforma operada pelo decreto-lei nº 200, em 1967,
já constituíra um marco na tentativa de superação da rigidez burocrática, podendo ser
considerada como uma primeira incursão da administração gerencial na esfera pública
brasileira. Com o decreto-lei, várias atividades da administração direta foram
transferidas para autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia
mista, com o intuito de imprimir um maior dinamismo operacional na gestão da coisa
pública via descentralização de funções. Com base na concepção da racionalidade
administrativa, foram introduzidos instrumentos como planejamento, orçamento,
desconcentração/descentralização de chefias executivas superiores, com o intento de
reunir competência e informação no processo decisório, sistematizar, coordenar e
controlar as ações da administração pública.
37 Apud Nunes, 1999: 38
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 37 -
O paradigma gerencial moderno impõe formas flexíveis de gestão,
horizontalização de estruturas, descentralização de funções, incentivos à criatividade
(Fiani, 2002) e representa um contraponto ao formalismo e ao rigor técnico da
burocracia tradicional. Da mesma forma, exige avaliação sistemática, recompensa pelo
desempenho e capacitação permanente de quadros, orientada para o atendimento do
cidadão-cliente, via controle de resultados. Todavia, o modelo gerencial aplicado à
administração pública não pode ser confundido com a administração empresarial, ainda
que busque nela sua fonte de inspiração, porque a administração pública está sujeita ao
controle da sociedade e seu objetivo final é atender ao interesse público.
Uma opção por um Estado-regulador implica o aprimoramento do seu
aparato e a adoção de instrumentos que visem atender aos objetivos que se propõe a
perseguir e a ampliar a eficiência na sua consecução. A regulação, por seu turno,
pressupõe a predominância das regras públicas sobre as regras privadas e não pode
tratar apenas da simples constituição de um conjunto de normas impostas à atividade
econômica, mas, deve cuidar para que mecanismos regulatórios sejam estabelecidos
com clareza e transparência, a fim de assegurar uma adequada prestação de serviços
públicos ou não por parte dos agentes privados.
É dentro desse escopo que a reforma do aparelho do Estado ganha
interesse no desenvolvimento desse trabalho: na transferência de algumas atividades
estatais para o setor privado e, como conseqüência disto, dotando alguns órgãos estatais
descentralizados (agências) de um maior grau de independência e autonomia,
destinando-lhes a responsabilidade pela regulação econômica e, simultaneamente,
proporcionando-lhes uma blindagem contra a ingerência política.
Aqui, cabe uma breve referência à diferenciação entre agências
executivas e agências reguladoras. É por intermédio de decreto presidencial específico
que autarquias e fundações públicas responsáveis por atividades e serviços exclusivos
do Estado se qualificam como agência executiva, desde que preenchidos alguns pré-
requisitos38, e cuja autonomia depende da assinatura de um contrato de gestão com um
Ministério supervisor. Portanto, é no setor de atividades exclusivas do Estado que se
inserem as agências executivas.
As agências reguladoras, por sua vez, são órgãos autônomos e
independentes por definição legal, independentemente do preenchimento de quaisquer
requisitos e ainda que não possuam contrato de gestão com os respectivos Ministérios
38 A lei nº 9.649, de 27/05/1998 estabelece os requisitos para que uma instituição se qualifique como agênciaexecutiva: existência de um plano estratégico de reestruturação e desenvolvimento institucional em andamento e serfirmado um contrato de gestão com o Ministério supervisor.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 38 -
supervisores – casos da ANATEL e da ANP39 - com competência, também legal, para o
exercício de atividades administrativo-normativas (poder de regular e de legislar) e de
fiscalização (controle) sobre os setores econômicos cujas atividades estão sujeitas às
regras de interesse público: energia elétrica, telecomunicações, petróleo e combustíveis,
planos de saúde. As agências reguladoras foram criadas, como já afirmado, no rastro das
privatizações promovidas no setor estatal de produção de bens e serviços.
O modelo constante do Plano Diretor (Brasil. Presidência da
República, 1995) aproximou os dois tipos de agências e, em linhas gerais, buscou
incorporar algumas das experiências de países como França (contrato de gestão) e
Inglaterra (controle sobre órgãos independentes, embora no modelo inglês esta
responsabilidade recaia sobre o Parlamento).
Como enfatizou Burlamaqui (1998: 242), ao analisar o papel do
governo numa perspectiva schumpeteriana de evolução, há uma distinção fundamental a
ser observada quando da definição do papel que se pretende atribuir ao Estado em toda
e qualquer reforma: um Estado forte de um governo grande. Um Estado forte significa
uma estrutura e um aparato capazes de coordenar e moldar estratégias e estabelecer as
prioridades na agenda nacional, além de ser dotado de uma burocracia com
credibilidade e à altura do desafio. Diversamente de um governo grande, que quase
sempre se traduz em empresas produtivas de propriedade estatal ou uma burocracia
insulada (isolada) da sociedade.
1.2.3 O Novo Papel do Estado – Reforma do Estado Brasileiro
Consoante as justificativas contidas no Plano Diretor (Brasil.
Presidência da República, 1995), a reforma do Estado proposta somente poderia ser
entendida dentro do contexto da própria redefinição do papel do Estado, que deixaria de
ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção
de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse
desenvolvimento.
No plano econômico, o Estado funciona como um importante
instrumento de transferências de renda e sua existência é essencial frente à limitação da
capacidade para alocação de recursos por parte do mercado. No exercício dessa função
de redistribuidor de recursos, o Estado coleta impostos e os destina aos objetivos
39 As leis de criação de ambas as agências não impuseram a figura do contrato de gestão, ao contrário do que ocorrecom a ANS.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 39 -
clássicos de garantia da ordem interna e da segurança externa, aos objetivos sociais de
maior justiça ou igualdade e aos objetivos econômicos de estabilização e
desenvolvimento (Bresser Pereira, 1999). No século XX, para alcançar esses dois
últimos objetivos, o Estado tendeu a assumir o papel de executor direto de ações no
campo social e na economia e, na visão dos formuladores do Plano Diretor (Brasil.
Presidência da República, 1995), ao assumir esse papel, o Estado gerou distorções e
ineficiências que tornaram clara a necessidade de reformular o aparelho estatal.
Uma das opções de governo foi, exatamente, transferir do Estado para
o setor privado as atividades de produção de bens e serviços, as quais, segundo o Plano
Diretor, poderiam e deveriam ser controladas pelo mercado. Paralelamente à
privatização, pretendia-se descentralizar para o setor público não-estatal as atividades
não-exclusivas do Estado (serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica)
que, no entanto, deveriam continuar a ser subsidiadas por ele, num processo
denominado de publicização e no qual se inseriam as agências executivas.
É sobejamente conhecido que um processo de reforma do aparelho do
Estado depende da conjuntura política e econômica vigente e envolve múltiplos
aspectos, sendo o ajuste fiscal apenas um deles. No caso brasileiro, uma das premissas
básicas que orientava a proposta de reforma era a de devolver ao Estado a capacidade de
definir, formular e implementar as políticas públicas (via privatizações e transferência
dos serviços não-exclusivos) e que, para tanto, deveria ter reduzido seu papel como
executor e prestador direto de serviços, mantidas, contudo, suas funções de regulador,
provedor ou promotor de atividades em áreas como saúde e educação, dada a
prevalência do investimento em capital humano.
Neste ponto, é importante destacar que, desde meados dos anos 80
constata-se que na área de saúde um processo de inovação organizacional inédito em
relação às políticas sociais no Brasil (corroborado pela implementação do SUS),
capitaneado pelo Estado, que opera como regulador e promotor das ações em saúde
(Gadelha, 2003). Na contramão da evolução do aparelho do Estado, o governo federal
assumiu um papel de promoção, coordenação e normatização, evidenciado pela
implementação das normas de assistência à saúde, pela criação de agências
reguladoras (ANVISA e ANS) e pela montagem de todo um aparato institucional de
planejamento e programação entre os diferentes níveis da Federação, vinculado ao
estabelecimento de fluxos de recursos da União para os Estados e municípios (Gadelha,
2003: 527).
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 40 -
No setor saúde, a forte presença do poder público estabeleceu uma
dinâmica cuja abrangência dificilmente é encontrada em outra cadeia produtiva40, e
aponta, ao mesmo tempo, para a necessidade de o Estado atuar na articulação entre a
forma de operação e organização do sistema de saúde e a dinâmica dos setores de
atividade (acumulação de capital) e sobretudo das inovações (Gadelha, 2003).
O processo vivenciado na área da saúde reflete outra premissa básica
da proposta de reforma do aparelho do Estado (Brasil. Presidência da República, 1995):
a manutenção do Estado-promotor de atividades nas áreas sociais, associada ao
desenvolvimento de mecanismos de controle social direto e de participação da
sociedade41.
Em termos gerais, o eixo principal da proposta de reforma girava em
torno do fortalecimento das funções de regulação e de coordenação do Estado,
particularmente no nível federal, e da progressiva descentralização vertical (níveis
estadual e municipal) das ações de prestação de serviços sociais e de infra-estrutura,
buscando consolidar uma tendência de governança do Estado.
O Plano Diretor (Brasil. Presidência da República, 1995) propugnava
criar condições para a reconstrução da administração pública em bases modernas e
racionais, e poderia ter suas principais justificativas assim sintetizadas:
§ A experiência de governos anteriores demonstrando que,
mesmo com a tentativa e os avanços obtidos na implementação
de uma administração racional-burocrática em contraposição
ao patrimonialismo e ao clientelismo, esses modelos ainda
permaneciam enraizados no bojo da administração pública;
§ A utilização de padrões hierárquicos rígidos e o foco no
controle de processos e não de resultados revelaram-se
incapazes de fazer frente à complexidade dos desafios surgidos
com a globalização econômica; e
§ O agravamento do quadro de crise do Estado a partir do início
da década de 1990, com a conseqüente desorganização dos
sistemas de produção e manutenção de informações vitais para
o processo decisório do governo.
40 Gadelha, 2003: 525. Essa cadeia produtiva compreende a compra de bens e serviços, o repasse de recursos aprestadores de serviços, o investimento na indústria e na rede assistencial e a implementação de um amplo conjuntode atividades regulatórias que delimitam as estratégias dos agentes econômicos.41 Gadelha, op. cit., ainda tratando do setor saúde, afirma: Pelo caráter diretamente social da destinação da produçãoem saúde,a atuação da sociedade civil organizada também se destaca, sendo certamente uma das atividadeseconômicas em que os grupos de interesse e as políticas públicas incidem de modo mais acentuado.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 41 -
Identificou-se, assim, uma necessidade de avançar no processo de
reforma da administração pública, norteada pela eficiência, controle de resultados e
descentralização, para lograr êxito no seu objetivo primordial de alcançar o cidadão:
quem confere, numa democracia, a legitimidade a instituições e a quem se destinam,
em última instância, os serviços prestados pelo Estado (Cheibub e Przeworski, 1997).
O diagnóstico e o quadro teórico contidos no Plano Diretor
forneceram a base das propostas de Emendas Constitucionais apresentadas ao
Congresso Nacional, com o objetivo de viabilizar uma administração pública gerencial
(reforma administrativa) – com a definição de tetos remuneratórios para servidores
públicos ativos e inativos, a flexibilização da estabilidade e a permissão para regimes
jurídicos (criação de carreiras típicas de Estado) distintos – e um regime previdenciário
que assegurasse aposentadorias com base na idade e no tempo de contribuição dos
servidores públicos.
Embora os objetivos do Plano Diretor não tenham sido totalmente
alcançados, em especial, por uma conjuntura econômica adversa e pela preponderância
da questão fiscal sobre todos os demais aspectos abordados, obteve-se êxito na
aprovação e promulgação das Emendas Constitucionais 19 e 20, ainda que sem superar
temas como a cobrança de contribuição dos servidores públicos inativos ou a fixação do
teto de remuneração no âmbito do Estado.
1.3 As Agências Reguladoras na Atual Configuração do Aparelho de Estado
1.3.1 Criação das Agências Reguladoras
A responsabilização por resultados e a autonomia na gestão dos
recursos disponíveis inspiraram a formulação da proposta de reforma do aparelho do
Estado (Brasil. Presidência da República, 1995), onde um dos objetivos – criação de
agências reguladoras – foi atingido graças, também, ao processo de privatização do
setor de produção de bens e serviços.
Segundo Figueiredo (2000), as agências governamentais autônomas,
entendidas como entes fracionários do aparelho administrativo do Estado, não
constituem propriamente um tema novo, já que haviam sido anteriormente objeto de
estudos sob vários aspectos – políticos, técnicos e jurídicos – e, mais notadamente,
quanto à sua natureza jurídica de executoras de atividades estatais por delegação de
competências. Tampouco é novo o conceito de regulação enquanto exercício de
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 42 -
competência administrativo-normativa que sujeita atividades a regras de interesse
público, com a função secundária de controle. A novidade, de acordo com Figueiredo
(2000), residiu muito mais no ressurgimento da importância desses órgãos, rebatizados
de agências reguladoras, para desempenharem essas funções na disciplina
administrativa de serviços públicos ou de atividades econômicas privadas, modeladas
sob a forma de autarquias especiais.
Com a atividade administrativa assumindo papel preponderante sobre
as atividades de interesse geral e diante da incapacidade de o Estado satisfazer todas as
necessidades dos seus cidadãos, a orientação e o acompanhamento da forma como tais
necessidades seriam atendidas pelos agentes privados surgiriam como parte integrante
da chamada regulação. Regulação como atividade, importante destacar, que não se
confunde com a formulação das políticas públicas, esta sim, atribuição exclusiva dos
órgãos centrais de direção do Estado.
Às agências reguladoras independentes, estabelecidas com base em
diretrizes gerais fixadas em lei, foi atribuída uma gama de poderes normativos,
propriamente ditos ou de natureza concreta, na busca de solução para conflitos de
interesses, na função de fomentadores de investimentos e/ou no exercício de atividades
fiscalizatórias, preventivas ou repressivas.
Um desenho estrutural desse tipo resultou, principalmente, de um
processo que Aragão (2002) denominou de deslegalização, cuja base consistiria não na
transferência de poderes legislativos, mas na adoção de uma política legislativa por
meio da qual se delega a outra sede normativa a regulação de determinadas matérias42.
Quadro II – Agências Reguladoras no BrasilMINISTÉRIO
SETORIAL AGÊNCIA REGULADORA LEGISLAÇÃO
Minas e Energia § Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL
§ Agência Nacional do Petróleo – ANP
§ Lei n.º 9.427, 26.12.96
§ Lei n.º 9.478, 6.8.97
Comunicações § Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL § Lei n.º 9.472, 16.7.97
Saúde § Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA
§ Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS
§ Lei n.º 9.782, 26.1.99
§ Lei n.º 9.961, 28.1.00
Meio Ambiente § Agência Nacional de Águas – ANA § Lei n.º 9.984, 17.7.00
Transportes § Agência Nacional de Transportes Aquaviários –
ANTAQ
§ Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT
§ Lei n.º 10.233, 5.6.01
§ Lei n.º 10.233, 5.6.01
42 Segundo Aragão, 2002, op. cit., a “deslegalização” está implícita no amplo poder normativo conferido pelas leisinstituidoras às agências reguladoras para exercer as suas competências, regulando determinado setor da economia,principalmente em seus aspectos técnicos, observada a política pública fixada pela Lei e pela Administração Central.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 43 -
Casa Civil § Agência Nacional de Cinema – ANCINE § Medida Provisória n.º
2.228, 6.9.01
Fonte: Elaborado a partir da página oficial na Internet. Presidência da República, fevereiro de 2004
No desenrolar do processo de criação das agências reguladoras, o
Governo cuidou da confecção de um arcabouço legal que as viabilizasse e,
simultaneamente, buscou colocar em prática alguns dos novos conceitos e princípios.
Bresser Pereira, ao apresentar a proposta de reforma no Senado
(novembro/1995), enfatizou a necessidade de serem criados órgãos autônomos e
independentes, agências reguladoras, e de se dotar alguns já existentes (autarquias e
fundações públicas) de um maior grau de autonomia, agências executivas. Essa
autonomia significava, na prática, mais liberdade na gestão dos recursos disponíveis
(humanos, materiais e financeiros), e teria como contrapartida a responsabilização por
resultados, observadas as diretrizes gerais e específicas de governo, incluindo-se aqui a
questão orçamentária.
A proposta contemplava, ainda, 1) estabelecimento de um instrumento
de supervisão e acompanhamento das agências: contrato de gestão, obrigatório no caso
das agências executivas, e facultativo para as agências reguladoras, já que sua adoção
dependeria de disposição contida nas respectivas leis de criação; 2) escolha dos
dirigentes das reguladoras segundo critérios técnicos e profissionais, mas não
necessariamente entre integrantes dos quadros do Estado, e que deveriam ser
submetidos à prévia sabatina no Senado; 3) mandatos fixos e não-coincidentes para os
dirigentes; e 4) autonomia de gestão administrativa e financeira desde que cumpridas
metas e resultados, traduzidos em indicadores de desempenho, previamente acordados
com os órgãos supervisores (Ministérios).
Um dos pontos mais defendidos por Bresser Pereira, na sua fala ao
Senado (1995), dizia respeito a que a crise do Estado e o irrealismo da proposta
neoliberal de Estado mínimo, tornaram inadiáveis a reforma do Estado ........ e
significava melhorar não apenas a organização e a qualificação dos quadros de
pessoal do Estado, mas também suas finanças e todo o seu sistema institucional-legal,
de modo a permitir uma relação mais direta com a sociedade civil: A reforma do Estado
possibilitará que seu núcleo estratégico tome decisões mais corretas e efetivas, e que
seus serviços – tanto os exclusivos, que funcionam diretamente sob seu comando,
quanto os competitivos .... operem muito mais eficientemente43.
43 Brasil. Presidência da República, 1995.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 44 -
No caso do setor de atividades ou serviços não-exclusivos do Estado,
onde se inseriam as agências executivas, delineou-se um programa de publicização, que
consistiria na transferência para o setor público não-estatal dessas atividades, e na
transformação das fundações públicas existentes em organizações sociais. Nesse
modelo, foram destinados os papéis de financiador, executor e fiscalizador,
respectivamente, ao Estado, à organização social e à sociedade civil.
Reconhecendo que a Constituição de 1988 ampliara as liberdades
democráticas e os direitos sociais, mas deixara à margem questões político-
institucionais, Bresser Pereira em sua apresentação ao Senado (1995), também,
defendeu a reforma com o argumento de que democracia política não era
obrigatoriamente sinônimo de democracia econômica e social, mesmo que isto
representasse o espírito da Constituição.
Dentre as várias dificuldades enfrentadas para transformar a teoria em
fato concreto, uma – que exigiria atenção imediata – foi relevada: a criação de
condições institucionais para a superação de alguns modelos recorrentes na
administração pública (como patrimonialismo e corporativismo), graças em parte à
ausência de partidos políticos programáticos e à adoção de uma representação
proporcional distorcida, onde a luta pelo poder leva quase sempre ao embate entre o
Legislativo e o Executivo, na busca de sustentação parlamentar e social por parte de
governos que enfrentam condições adversas ou enfraquecidos.
Um cenário assim foi brilhantemente sintetizado por Roberto DaMatta
(1993), ao comparar o Brasil a uma sala de cirurgia teórica e conceitual, onde tudo
estaria real e simbolicamente fora de lugar, com uma sociedade de classes mantendo
um estranho acasalamento com mandonismo, clientelismo, sindicalismo, insulamentos
burocráticos e corporativismo.
Numa rápida retrospectiva da evolução das instituições brasileiras
desde 1988, pode-se notar a ênfase destinada às reformas econômicas em detrimento de
outras, tão ou mais fundamentais, como as reformas sociais e as reformas políticas. Esse
predomínio das questões econômicas na agenda de reformas de governo após governo
pode ser atribuído, em parte e como frisou Serra (2001), ao comportamento das elites
brasileiras, alternando sua preferência ora ao livre mercado, ora ao intervencionismo do
Estado. Há farta literatura e diversas experiências práticas de outros países que
corroboram o fato de que as livres forças de mercado não bastam por si só para
solucionar todos os problemas de uma sociedade, ou para assegurar todas as demais
liberdades implícitas num regime democrático de direito. Em verdade, a existência e o
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 45 -
funcionamento do próprio mercado estão condicionados pela existência de um marco
institucional e legal, sem o qual ele (mercado) não é capaz de proporcionar liberdade
política nem regras razoáveis de operação em um regime democrático, ou sequer de
superar os principais problemas econômicos e sociais enfrentados por determinadas
sociedades. Daí, ser indispensável uma ação governamental positiva e eficaz, que
complemente, corrija e induza os movimentos do mercado no sentido de rumos mais
produtivos e menos injustos (Serra, 2001).
De todo modo, a regulação – independentemente do modelo que se
adote (agências reguladoras ou regulação direta por parte de órgãos da administração
direta) – é uma decorrência da presença de falhas de mercado, que resultam dentre
outros fatores: 1) monopólio natural; 2) externalidades, quando custos ou benefícios não
são devidamente internalizados pelas empresas; 3) existência de bens públicos; e 4)
assimetria de informações.
Se a opção de um governo for pela privatização de serviços essenciais,
este processo deve ser necessariamente precedido da constituição de um aparato
regulador, de tal sorte que sejam evitadas perdas de bem-estar econômico, isto é,
desperdício de recursos econômicos, decorrentes da ação independente ou sem controle
dos agentes envolvidos (Przeworski, 1998).
O Estado, como primeiro detentor do monopólio da força coercitiva,
representa um fator-chave no desenvolvimento das nações capitalistas contemporâneas.
A industrialização e a mobilização social geraram um espaço público, onde os
indivíduos passaram a interagir entre si e com o Estado de maneira impessoal e
individualizada. Este espaço, resultado do funcionamento do livre mercado econômico,
onde os agentes funcionam como eleitores, checks and balances do poder do Estado e
cidadãos, tende a ser regulado por normas e instituições baseadas no universalismo de
procedimentos que, na definição de Nunes (1999), é uma das gramáticas que permeiam
as relações entre Estado e sociedade, regida pela impessoalidade e onde todos são tidos
como iguais participantes.
É nesse contexto que assume destaque a criação das primeiras
agências brasileiras no início da década de 1950, insuladas, tecnicamente competentes
(caso da SUMOC) e pautadas por claras opções políticas. Protegidas pelo insulamento
burocrático, estas agências tenderam a manter procedimentos técnicos e uma certa dose
de universalismo de procedimentos no recrutamento de seu corpo funcional (Nunes,
1999).
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 46 -
A discussão sobre os limites da necessária independência e autonomia
das agências reguladoras e quais as formas de conciliar a ambas com as diretrizes gerais
e as políticas públicas definidas no âmbito do Governo ganha relevância na mesma
proporção que os mecanismos de controle que este e a sociedade devem exercer frente
ao novo papel do Estado regulador. Admitindo-se que a independência das agências
reguladoras é necessária porque, dentre outros fatores, permite reduzir o impacto da
regulação dos mercados, deve-se admitir também que a alternância no poder gera
incertezas e resulta em um maior custo de capital, na medida em que a instabilidade de
regras encarece as inversões produtivas e inibe o crescimento econômico.
Todavia, esta independência não deve se dar de forma absoluta ou
servir de justificativa para o poder discricionário da burocracia do Estado ou amparar a
inércia e a ineficiência. É imperativo o rigor no controle institucional e legal desses
reguladores, do mesmo modo que esta independência não deve ser confundida com a
ação dos governos eleitos, já que o Executivo continua tendo um papel essencial na
escolha dos titulares dessas agências, bem como na formulação das políticas
governamentais. Além disso, a independência de um regulador não impede a
implementação de determinados programas aprovados pelo voto popular: nas
sociedades democráticas coexistem os órgãos de Estado e os de governo, como
ressaltou Bobbio (2000) e Przeworski (1999).
Sob a ótica da independência das agências reguladoras em relação aos
agentes regulados, também é fundamental considerar o risco de captura dos reguladores
pelos regulados, em vista da relativa escassez de profissionais especializados em áreas
técnicas e da histórica defasagem da remuneração do setor público em relação ao setor
privado. Minimizar esses riscos implica, em primeiro lugar, garantir o controle da
sociedade sobre as agências reguladoras, mediante uma atuação pautada pela máxima
transparência, através de mecanismos como audiências e consultas públicas, para citar
alguns exemplos.
Em segundo lugar, uma sistemática prestação de contas à sociedade é
essencial para o controle democrático desses organismos, a exemplo do que ocorre nos
EUA onde o Congresso desempenha um papel decisivo nesse controle. Por conseguinte,
o Legislativo brasileiro deve se aparelhar para exercer uma função que só a ele compete
nesta seara.
Em terceiro lugar, a definição dos limites das competências dos
reguladores não pode ser relevada, sob pena de se transformarem em meros produtores
de normas e insegurança nos investidores, com o conseqüente desestímulo dos
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 47 -
investimentos nas áreas produtivas. Neste aspecto, uma outra forma importante de
controle que pode ser exercida pelo governo sobre as agências reguladoras, acha-se
representada no contrato de gestão. Um pacto firmado entre órgãos reguladores e
governo que estabeleça um sistema de avaliação e acompanhamento de metas e
desempenho, com base em indicadores previamente fixados.
Num cenário de agências reguladoras, o Estado moderno tende a
esvaziar suas funções de executor e, simultaneamente, a inflar seu papel de coordenador
das ações públicas, num contexto que, em última instância, busca dar visibilidade e
confiabilidade aos diversos agentes que atuam no mercado.
No Brasil, deu-se um fenômeno muito particular, na medida em que a
importância das agências regulatórias cresceu na esteira de um processo de privatização
de bens e serviços públicos, à exceção da área da saúde, onde duas agências – Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS) – foram criadas para regular relações de consumo em que o setor privado já
estava presente (Serra, 2001; Montone, 2003). Em setores de grande impacto social e
com um dinamismo próprio, como é o caso da saúde, há um consenso maior em torno
da necessidade da presença do Estado (Gadelha, 2003). No entanto, isto não afasta a
questão de como coibir a captura do agente regulador pelos regulados ou por interesses
político-partidários. Daí ser fundamental a construção de um processo de avaliação da
atuação de um órgão regulador, que contemple instrumentos, dentre outros, que
permitam: a) estimar seu impacto sobre os interesses dos diversos atores envolvidos; b)
aferir sua eficiência em relação a outros organismos com atribuições semelhantes; e c)
estabelecer um conjunto de mecanismos de avaliação, acompanhamento e divulgação de
resultados.
Além da experiência brasileira em regulação ser relativamente recente
quando comparada a de outros países (EUA e Inglaterra, mais especificamente), a
prática de avaliação do impacto social de políticas públicas é pouco consolidada. Sob
esta ótica, há uma dificuldade natural em implementar sistemas e procedimentos de
avaliação e controle que sejam capazes de efetivamente orientar o processo de
formulação e revisão das políticas e ações regulatórias, e que criem condições para
tornar uma prática permanente o processo de avaliação das agências, com a conseqüente
aferição entre o grau de compatibilidade das diretrizes gerais emanadas do núcleo
estratégico do Estado e as ações realizadas pelos reguladores.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 48 -
1.3.2 Inserção da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS no Modelo de
Agências Reguladoras
O sistema brasileiro de saúde reformulado pela Constituição de 1988
consagrou o Sistema Único de Saúde – SUS, público, gratuito, de atendimento universal
e aberto a todos os cidadãos e, por outro lado, também convalidou um sistema de saúde
suplementar, privado, pré-existente desde a década de 1960, estabelecendo a
necessidade de sua regulamentação, a partir do novo papel definido para o Estado
dentro do escopo da reforma proposta em meados dos anos 1990. A idéia por trás desta
reforma era o esgotamento do modelo de desenvolvimento econômico adotado ao
longo das décadas antecedentes, que levara o Estado a desviar-se de suas funções
básicas, ao se fazer presente maciçamente na esfera produtiva.
O desenvolvimento do setor de saúde suplementar – construído sobre
convênios com empresas, planos de seguros e cooperativas – deu-se atrelado e como
resultado das próprias insuficiências do sistema público de saúde. Buscava-se suprir a
demanda gerada por parte da sociedade por um atendimento diferenciado, ao mesmo
tempo em que, seu crescimento e funcionamento permaneciam à margem de qualquer
ação fiscalizatória ou regulatória pelo Estado, já que submetido unicamente às regras e
exigências para formação de empresas ou do mercado.
Neste ponto é importante destacar que, enquanto a regulamentação das
atribuições do sistema público de saúde (SUS) foi aprovada pelo Congresso Nacional de
forma relativamente rápida (lei nº 8.080, de 1990), dois anos após a Constituição de
1988, o regramento da saúde suplementar veio a se constituir em desafio mais complexo
(Montone, 2003), demandando uma década de discussões e debates, até a edição da lei
nº 9.656, de 3 de junho de 1998, introduzindo profundas mudanças neste mercado. A
nova legislação, como destacou Montone (2003), não deixou de representar uma
inovação, ao tratar do setor privado de saúde, tanto sob o aspecto econômico, com o
estabelecimento de critérios objetivos para reajuste das mensalidades dos planos e de
exigências quanto à sanidade econômico-financeira das operadoras, por exemplo,
quanto pela ótica da assistência à saúde stricto sensu, ao fixar normas relativas a
garantias assistenciais e a qualidade dos serviços prestados (padronização dos serviços
ofertados – plano referência, garantia de cobertura assistencial mínima), dentre outros
fatores a ponderar.
O modelo brasileiro de regulação do setor de saúde suplementar
erigido em 1998, trouxe a opção de focalizar a regulação no produto oferecido, ou seja
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 49 -
na assistência à saúde, com a proibição da seleção de risco e do rompimento unilateral
dos contratos sem, necessariamente, copiar padrões vigentes em outros países, já que
estes, em sua maioria, optaram por um modelo de regulação baseado na atividade
econômica em si, com as regras de mercado operando e garantindo as condições de
solvência e de competitividade. No Brasil, além disso, a regulamentação do setor
imposta pela Constituição de 1988 surgiu somente depois de dez anos (1998), enquanto
o sistema público de saúde (SUS) avançava, paulatinamente, em um processo de
definição e organização, com a implementação de alguns marcos importantes (Montone,
2001): Lei Orgânica da Saúde (Lei n° 8080/90), extinção do INAMPS, edição das
Normas Operacionais Básicas (NOB) de 1993 e de 1996 e a implantação do Piso da
Atenção Básica (PAB) em 1998.
Até a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em
janeiro de 2000 (lei nº 9.961), os planos privados de saúde eram regulados sob o aspecto
assistencial pelo DESAS, órgão subordinado à Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) do
Ministério da Saúde, e pelo Conselho de Saúde Suplementar (CONSU)44 – instância de
caráter consultivo e deliberativo – ao passo que, no âmbito econômico-financeiro,
sujeitava-se às regras emanadas da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e do
Conselho Nacional de Seguros Privados (CNPS), ambos vinculados ao Ministério da
Fazenda.
A unificação do marco regulatório, portanto, apenas veio a se efetivar
com a criação de um órgão regulador – a ANS, levando para o âmbito do Ministério da
Saúde a definição das diretrizes e políticas para o setor de saúde suplementar, mantido o
CONSU como instância consultiva e deliberativa encarregada do estabelecimento das
diretrizes gerais. Aliada ao processo de unificação da regulação do setor, e não menos
importante, vislumbrou-se pela primeira vez a possibilidade concreta de implementar a
lei dos planos, através do poder de legislar conferido à ANS, consolidando o papel do
órgão regulador em consonância com os princípios e diretrizes norteadores do Plano
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995).
Dentro deste contexto, inclusive, foi delineado o primeiro contrato de
gestão da Agência – biênio 2000/2001 – cujas diretrizes estratégicas abarcavam a
ampliação da capacidade efetiva de participação dos consumidores (estimados em 38,7
milhões, segundo dados da PNAD/IBGE 1998) no setor, a redução da assimetria de
informações (disponibilização e divulgação de dados e informações) entre os diferentes
44 O CONSU é um órgão de caráter consultivo e deliberativo, integrado pelos titulares dos Ministérios da Justiça (queo preside), Saúde, Fazenda e Planejamento, Orçamento e Gestão, nos termos do art. 35-B da Lei n.º 9.656/98,alterado pelo Decreto n.º 4.044, de 06/12/01.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 50 -
agentes envolvidos e assegurar o equilíbrio e a manutenção da estabilidade do mercado,
mediante o fortalecimento do papel regulador do Estado.
A previsão legal do estabelecimento de um contrato de gestão entre a
ANS e o Ministério da Saúde (art. 14 da lei n.º 9.961/00), representou um fator
diferencial em relação às demais Agências Reguladoras, até então criadas, à exceção da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (órgão regulador também
vinculado ao Ministério da Saúde) e da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL
(vinculada ao Ministério das Minas e Energia).
Assim, pode-se entender que, a contrapartida exigida pela autonomia
administrativa e financeira conferida à ANS foi a obrigatoriedade de constituição de um
instrumento permanente de acompanhamento de seu desempenho por parte do órgão ao
qual se vinculava (MS), contemplando metas e critérios de avaliação das atividades
desenvolvidas: um contrato de gestão, cujo descumprimento poderia ensejar a perda de
mandato dos dirigentes da Agência.
A existência de um contrato de gestão ganha significado na medida
em que a) possibilita o monitoramento das ações da ANS pelo órgão ao qual se acha
vinculada – o Ministério da Saúde – a partir da fixação de metas a serem cumpridas; e
b) representa a garantia de que haverá consonância entre as diretrizes adotadas pela
Agência no desenrolar de suas atribuições e aquelas de caráter geral emanadas pelo
órgão central responsável pela política nacional de saúde.
No momento em que o debate em torno do modelo institucional das
Agências Reguladoras ressurge com força na mídia, questionando-se sua suposta
independência e autonomia em relação ao governo central, é importante lembrar que os
principais objetivos perseguidos quando da adoção deste modelo foram justamente
afastar a ingerência política, dotar o setor regulado de regras claras e transparentes e
proporcionar segurança jurídica aos contratos firmados entre agentes privados e o Poder
Público, este último principalmente nos casos das agências reguladoras de infra-
estrutura.
De todo modo, é difícil conceber órgãos que integrem a esfera pública
federal atuando em dissonância com as diretrizes gerais emanadas do Poder Central,
quando se leva em conta fatores como aqueles a seguir expostos e que se referem
especificamente ao caso da ANS.
Embora possuam receitas próprias (taxas de saúde suplementar e
multas decorrentes da aplicação de penalidades a operadoras, no caso da ANS), as
agências integram o Orçamento Geral da União (e nem poderia ser diferente, já que são
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 51 -
órgãos públicos da administração pública federal indireta), tanto que foram alcançadas
pelo corte determinado pela área econômica do governo na busca do atingimento de um
superávit primário de 4,25% do PIB em 2003, obrigadas a ajustar suas despesas aos
patamares que foram definidos pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Fato que deverá se repetir em 2004.
Em meados de 2002, todos os órgãos jurídicos (procuradorias) dos
órgãos públicos federais passaram a ser vinculados à Advocacia-Geral da União (AGU),
fato que, na prática, significou que o provimento de cargos de procuradores e a
designação dos Procuradores-Gerais deixaram de ser prerrogativa dos dirigentes
máximos das agências.
No caso da ANS, as matérias que envolvam fixação de índices anuais
de reajuste de preços ou reequilíbrio econômico-financeiro (revisão técnica) de planos
de saúde devem ser estabelecidas em conjunto com os Ministérios da Saúde e da
Fazenda, antes que qualquer normativo seja editado (art. 4, inciso XVII, da lei n.º
9.961/00), assim como, devem ser observadas as diretrizes gerais estabelecidas pelo
CONSU no que tange à regulação do setor de saúde suplementar nos aspectos
econômicos, financeiros, contábeis, atuariais, dentre outros (art. 35-A, inciso IV, da lei
n.º 9.656/98).
Com a finalidade de constituir-se num fórum permanente de discussão
em torno das questões de saúde suplementar, foi criada ainda, juntamente com a ANS,
uma instância de participação e de caráter consultivo, a Câmara de Saúde Suplementar –
CSS45. Integrada por representantes dos diversos segmentos que atuam no setor
(entidades de consumidores, prestadores de serviços e operadoras), de instâncias como
os Conselhos Nacional de Saúde, de Secretários Estaduais (CONASS) e de Secretários
Municipais (CONASEMS) de Saúde, de órgãos do governo (Ministérios da Saúde,
Fazenda, Justiça, Previdência e Assistência Social, Trabalho) e de sindicatos patronais e
de empregados, dela derivam as denominadas Câmaras Técnicas, instaladas com
atribuições de analisar e propor regras e normas sobre temas específicos no âmbito da
saúde suplementar.
Finalmente, por força de dispositivo legal (art. 14 da lei n.º 9.961/00),
a administração da ANS deverá ser submetida a um contrato de gestão, firmado junto ao
Ministério da Saúde, que espelhe suas ações e possibilite uma avaliação de seu
desempenho.
45 A Câmara de Saúde Suplementar – CSS foi criada e teve definida sua composição pela lei n.º 9.961/00, art. 13.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 52 -
A agência reguladora pode ser considerada como um dos braços de
atuação do Estado, por meio do qual ele exerce muitas de suas funções, tais como a de
regular setores da economia, definir prioridades, direcionar e fomentar investimentos e
gerir a coisa pública. No entanto, isto não implica necessariamente que o Estado
abdique de seu papel de formulador e condutor das diretrizes gerais e das políticas
públicas, nacionais ou setoriais.
No Brasil, a discussão sobre o modelo de agências sempre girou em
torno da independência e da autonomia de que foram dotadas, permeada pelo temor de
que se enfrentasse uma situação limite, com total descolamento entre as diretrizes de
governo e as ações postas em prática pelos órgãos reguladores.
No entanto, não se pode negar algumas vantagens inerentes a esse
modelo de regulação (agilidade na atuação decorrente da autonomia administrativa e
financeira; estabilidade para os agentes regulados, etc.), assim como não se pode
responsabilizar as agências pela eventual ausência de políticas por parte do governo
para os setores que regulam.
Para o setor de saúde suplementar, mesmo reconhecendo os inúmeros
desafios que ainda devam ser superados (Montone, 2003: 58-62), como a migração dos
contratos antigos (anteriores a 1º de janeiro de 1999), portabilidade de carência, garantia
da continuidade de atendimento, integração ao SUS, segurança regulatória, dentre
outros, a criação da ANS e a conseqüente unificação do marco regulatório trouxeram
alguns avanços significativos.
Pela ótica da assistência à saúde, definiu-se i) plano de referência (art.
12 da lei n.º 9.656/98), ii) rol de procedimentos médicos, odontológicos e de alta
complexidade, iii) regras para credenciamento ou descredenciamento da rede de
prestadores de serviços das operadoras, iv) regulamentação do acesso nos casos de
doença e lesão preexistente (DLP) e v) registro provisório de produtos (planos). No
aspecto econômico-financeiro, merecem destaque a definição de regras sobre entrada,
funcionamento e saída de operadoras, englobando i) estabelecimento de procedimentos
para concessão de registro provisório de operadoras; ii) instituição do Plano de Contas
Padrão; iii) exigência de garantias financeiras para assegurar a cobertura assistencial aos
beneficiários; iv) regulamentação das seguradoras especializadas em saúde (lei n.º
10.185/01); v) normatização sobre transferência de carteira e transferência de controle
societário; e vi) regulamentação dos regimes de intervenção da ANS nas operadoras
(Direção Fiscal e Técnica e Liquidação Extrajudicial).
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 53 -
No âmbito da regulação de preço, cabe à ANS controlar os reajustes
dos planos individuais e familiares e estabelecer, em conjunto com os Ministérios da
Saúde e da Fazenda, a política anual de reajuste para esses planos (fixando o índice
máximo), além de monitorar os reajustes praticados nos planos coletivos.
Foram criados ainda, instrumentos e indicadores para aferição das
ações de fiscalização direta e indireta do setor regulado (Montone, 2003). A fiscalização
direta compreende tanto a apuração de denúncias dos consumidores, recebidas em sua
maioria por intermédio do DISQUE ANS (serviço 0800 mantido pela agência), como as
ações de fiscalização programada em operadoras, considerados o número de
beneficiários, a área de atuação e o índice de reclamações. As ações de fiscalização
indireta envolvem uma gama de instrumentos: i) termo de compromisso de ajuste de
conduta (TCAC), aplicável a operadoras com elevada incidência de denúncias e multas;
ii) planos de recuperação, exigidos sempre que detectada a necessidade de ajuste nas
condições de operação da empresa regulada, podendo resultar inclusive no aporte
obrigatório de capital; iii) instauração de regimes especiais de intervenção da ANS nas
operadoras; iv) alienação compulsória de carteira e leilão.
Além disso, ao longo de seus quatro anos de existência, a ANS logrou
formar uma base importante de dados sobre o setor, que pode contribuir para a
continuidade do processo de regulação e a definição e o aprimoramento das políticas
setoriais: DISQUE ANS (100 mil atendimentos até março/2003), índice de reclamações,
cadastro de beneficiários, sistemas de informações periódicas (DIOPS, FIP, SIP).
Portanto, qualquer debate ou embate sobre a manutenção ou não do
atual status quo das agências reguladoras, deve considerar todos os aspectos envolvidos,
desde políticos e econômicos até a configuração que se pretende conferir à própria
administração pública, passando por uma avaliação crítica sobre a conveniência da
retomada pelo Estado de sua condição de produtor direto de bens e serviços hoje
pertencentes à esfera privada.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 54 -
CAPÍTULO II: CONTRATO DE GESTÃO COMO MECANISMO DE
CONTROLE E ACOMPANHAMENTO DAS AÇÕES DAS
AGÊNCIAS REGULADORAS – O CASO DA ANS
2.1 Sobre o Contrato de Gestão
A reforma administrativa no Brasil, cujos princípios foram expostos
no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Brasil. Presidência da República,
1995), pretendia alterar de forma significativa o modelo de gestão do setor público no
país. Com base nesse modelo, a idéia central girava em torno de inovar a Administração
Pública brasileira, dotando-a de novas estruturas institucionais, instrumentos de gestão e
formas de controle.
A reforma buscava a instalação de um processo de aprendizado
político e organizacional, que visasse tornar as instituições públicas mais capazes de
exercer a governança, conceito utilizado como sinônimo de aumento da capacidade de
governo (Bresser Pereira, 1997), por meio da implementação de princípios típicos da
administração gerencial. Os princípios reformadores então propostos objetivavam
contribuir para o incremento da eficiência das instituições públicas (obtenção de
resultados) e para uma maior transparência (informação), um dos mais importantes
pilares da accountability democrática (Przeworski, 1998). Obviamente, não se pretendia
esgotar todas as possibilidades apenas com a colocação em prática de todos os aspectos
abrangidos naquela proposta de reforma, uma vez que é condição sine qua non a busca
pelo aperfeiçoamento contínuo dos instrumentos de gestão das instituições públicas
dotados de uma certa flexibilidade, na medida da necessidade para fazer frente a um
cenário de contínuas mutações tanto no campo político como econômico, interna e
externamente.
Um dos instrumentos que, em nosso entender, assumiu importância no
exercício do novo papel do Estado como regulador é o contrato de gestão, como
mecanismo de acompanhamento e avaliação de resultados no âmbito específico que se
trata aqui, qual seja, das agências reguladoras. Isto porque o contrato de gestão constitui
um instrumento do qual se pode lançar mão para o acompanhamento e avaliação de
outros entes da administração pública indireta (autarquias, fundações, sociedades de
economia mista e empresas públicas), órgãos da administração pública direta e com
pessoas jurídicas de direito privado, qualificadas como organizações sociais. Portanto, a
análise que se pretende desenvolver se restringirá apenas à aplicação dos contratos de
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 55 -
gestão no caso das agências reguladoras, e mais restritamente, na Agência Nacional de
Saúde Suplementar.
O Contrato de Gestão foi introduzido pela Emenda Constitucional n°
19, de 1998 (art. 37, § 8º CF), tinha o propósito específico de permitir uma maior
autonomia para o administrador público, balizada pelo compromisso com os resultados
a serem alcançados e pela transparência das informações sobre desempenho
institucional, e pretendia deslocar o foco de controle da nova administração pública:
não compreenderia exclusivamente os processos, mas fundamentalmente seus
resultados.
Sob o aspecto jurídico, como ressaltou Maria Sylvia Zanella Di Pietro
(1999), o contrato de gestão representava um tema em que a aplicação prática
antecedia o labor legislativo..., na medida em que, na realidade, a sua utilização já vinha
acontecendo no âmbito infra-constitucional, inicialmente com base no decreto nº 137,
de 27 de maio de 1991, que instituiu o Programa de Gestão das Empresas Estatais, e em
seguida pelos decretos nos 2.487 e 2.488, ambos de 2 de fevereiro de 1998, que previam
a figura do contrato de gestão para autarquias e fundações públicas, que pretendessem
se qualificar como agências executivas.
O artigo 4º, inciso IV, do Decreto no 2.487 estabeleceu que o contrato
de gestão contemplaria as medidas legais e administrativas a serem adotadas pelos
signatários e partes intervenientes com a finalidade de assegurar maior autonomia de
gestão orçamentária, financeira, operacional e administrativa e a disponibilidade de
recursos orçamentários e financeiros imprescindíveis ao cumprimento dos objetivos e
metas. Esse dispositivo possibilitou, em tese, ao contrato de gestão ampliar a autonomia
de autarquias e fundações públicas, o que em princípio confrontaria o ordenamento
jurídico vigente, na opinião de Di Pietro (1999), já que a legislação não se estendera a
tanto.
Objetivando corrigir essa inadequação legal foi consignada num dos
itens da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que depois viria a ser promulgada
como EC nº 19, de 1998, a modificação do artigo 37 da Constituição Federal. Embora o
dispositivo (§ 8º do art. 37, CF), após sua aprovação e inserção no texto constitucional,
não contivesse menção expressa ao contrato de gestão, para Di Pietro (1998) era a este
instrumento que o citado dispositivo se referia.
Na concepção de Di Pietro (1999), a finalidade de um contrato de
gestão é conferir maior autonomia a órgãos e entidades da Administração, permitindo a
consecução de metas previamente pactuadas e que deveriam ser atingidas no prazo
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 56 -
fixado para vigência do contrato, além de prever um controle de resultados com a
função de orientar a Administração Pública quanto à conveniência ou não de manter,
rescindir ou alterar o contrato.
A lei n.º 9.649, de 1998, sancionada poucos dias antes da promulgação
da Emenda Constitucional nº 19, autorizava o Poder Executivo a qualificar como
agência executiva a autarquia ou fundação pública que houvesse celebrado contrato de
gestão com o respectivo ministério ao qual fosse vinculada (órgão supervisor), contendo
objetivos e metas que deveriam cumprir. No seu artigo 5º, a mencionada lei dispunha
sobre os requisitos a serem observados pela autarquia ou fundação, os quais
possibilitariam sua qualificação como agência executiva, decretada por ato do
Presidente da República: a existência de um plano estratégico de reestruturação e de
desenvolvimento institucional, voltado para a melhoria da qualidade da gestão e para a
redução de custos, já concluído ou em andamento, e a existência de um contrato de
gestão com o respectivo Ministério supervisor.
O contrato assim firmado deveria conter 1) as metas a serem atingidas,
2) a compatibilidade dos planos anuais com o seu orçamento e os meios necessários à
sua consecução, 3) as medidas legais e administrativas a serem adotadas para assegurar
maior autonomia de gestão orçamentária, financeira e administrativa, 4) as penalidades
aplicáveis em caso de descumprimento das metas, 5) as condições para revisão,
renovação e rescisão do contrato, e 6) o prazo de sua vigência. Celebrado o contrato de
gestão com o Ministério supervisor, o reconhecimento como agência executiva ou de
um regime jurídico especial se daria por meio de decreto presidencial, conferindo um
tratamento diferenciado à fundação pública ou à autarquia, sobretudo quanto a sua
autonomia na gestão e gerenciamento de seus recursos.
Neste contexto, figura como traço característico do contrato de gestão
a concessão de maior autonomia à agência executiva que, por esta razão, poderia vir a
atuar de forma mais independente, dado o seu tratamento diferenciado com relação aos
demais órgãos da Administração Pública, embora essa independência não fosse
extensiva àquilo que se referisse ao controle propriamente dito dessas agências.
Os instrumentos contratuais insertos nesta modalidade, quando
firmados entre a Administração central e a indireta, tinham como mote compatibilizar a
atuação das agências executivas com as premissas e diretrizes contidas nos planos e
políticas públicas nacionais e, portanto, adequá-las com as diretrizes gerais e políticas
do governo.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 57 -
Para que essa maior autonomia vingasse, a contrapartida exigida era a
consecução de metas previamente estabelecidas através de um contrato de gestão, que
contemplasse o modus operandi da citada autonomia, as metas que seriam cumpridas
pela agência executiva e o prazo em que as mesmas seriam alcançadas, além das formas
de controle sobre seus resultados (Di Pietro, 1999).
No caso específico das agências reguladoras, seria relevante
mencionar que as mesmas foram definidas como autarquias especiais porque o
legislador lhes conferiu, desde o momento da sua constituição, um conjunto de garantias
suficientes que caracterizavam um particular alargamento da autonomia decisória,
administrativa ou financeira em relação às demais autarquias existentes, como o
mandato fixo dos diretores ou dirigentes desses órgãos sob a condição de sua prévia
sabatina e aprovação pelo Senado Federal.
Desta forma, Di Pietro (1999) encara o contrato de gestão como um
instrumento de pouca valia em termos de dotar ou amplificar a autonomia das agências
reguladoras ou das autarquias. Para ela, esse tipo de contrato se prestaria tão somente às
funções de controle da atuação administrativa do órgão sob supervisão e de avaliação de
desempenho, sobrepondo-se em certa medida ao controle já exercido por outros órgãos
da Administração Pública, como o Tribunal de Contas da União (TCU), a Secretaria
Federal de Controle (SFC), ou através de mecanismos outros de acompanhamento de
resultados e gerenciamento das ações, como no caso do Plano Plurianual (PPA), sob a
coordenação do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão.
Marçal Justen (2002), por sua vez, destaca que o modelo de contrato
de gestão – instrumento difundido e amplamente utilizado na França – foi transplantado
para a realidade brasileira (como outras experiências) sem uma análise mais acurada
sobre suas características, finalidades e operacionalização, além de carecer de amparo
na Constituição46, principalmente, quando se considera o contexto e a conotação que
caracterizaram a proposta para sua implementação na esfera da Administração Pública
Federal (Brasil. Presidência da República, 1995). Isto porque, segundo Justen (2002),
um contrato pactuado nos moldes convencionais (expressão da vontade entre partes)
não se configura um instrumento jurídico capaz por si só de estender competências ou
atribuições e/ou conferir ou ampliar autonomia de agências reguladoras, exceto se
houver previsão legal específica para tanto.
46 M. Justen entende que a redação do § 8º, art. 37 da CF/88, alude a um instrumento de natureza contratual,destinado a disciplinar a autonomia e competência de órgãos da Administração Pública. Para ele, no caso dasAgências Reguladoras, com autonomia gerencial, orçamentária e financeira, deveria haver lei específicaregulamentando a matéria e não apenas previsão em um contrato.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 58 -
No modelo francês, lembra Justen (2002), transportou-se para as
organizações estatais todo um aparato formal próprio das relações jurídicas
estabelecidas entre entidades privadas, precedido da criação dos instrumentos legais
necessários, e que resultou em quatro tipos básicos de contratos no âmbito da
administração pública:
Quadro III – Tipos de Contrato de Gestão no Modelo Francês
TIPOS DE CONTRATO DE GESTÃO ESPECIFICAÇÃO
Contratos internos de gestão ou de performance Firmados no âmbito interno de uma mesma
estrutura administrativa entre dois níveis
hierárquicos distintos. Vinculam a ambos.
Contratos individuais de performance anual Firmados entre um agente individual e seu superior
hierárquico, podendo ter reflexos financeiros na
remuneração do agente.
Contratos de trabalho Visam substituir parcial ou totalmente o tipo de
vínculo empregatício (estatutário) de agentes
públicos.
Contratos-qualidade Firmados com organizações de prestação de
serviços públicos, sujeitando-as ao atingimento de
certos parâmetros objetivos de desempenho, sob
pena de sanções ou penalidades.
Fonte: Elaboração a partir de Justen (2002), op. cit.
A característica fundamental desse modelo, independentemente do
tipo de contrato aplicável, é dada pela relativa condição de igualdade que se estabelece
entre as partes contratantes, primeiro, pela imposição (legal, no caso francês) de
negociação e formulação conjuntas dos critérios, parâmetros e metas de desempenho; e,
segundo, pela necessidade de definição objetiva e transparente dos resultados a atingir.
Além disso, o desempenho das autoridades públicas deve ser suscetível do pleno
conhecimento de toda a sociedade (transparência e superação da assimetria de
informações) e, ao mesmo tempo, objeto de fiscalização quanto ao cumprimento das
metas escolhidas. Disto decorre, na opinião de Justen (2002), uma razoável estabilidade
e equidade na eleição dos objetivos a atingir e a eliminação de traços de personalismo
que porventura pudessem marcar as relações contratuais, sobretudo no âmbito da
Administração Pública.
Dentro dessa concepção, a sistemática dos contratos de gestão
abrange, portanto, uma total ou parcial substituição de métodos tradicionais de controle
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 59 -
– de natureza apriorística – por sistemas de avaliação de desempenho, com verificação
do atingimento de resultados e ampliação da margem de autonomia da autoridade
administrativa no que se refere à seleção dos meios que melhor se adaptam ao
cumprimento dos objetivos fixados.
Há algumas vantagens resultantes da adoção do modelo francês de
contratualização, de acordo com Justen (2002). De um lado, assegura-se uma maior
flexibilidade na atuação das autoridades e agentes públicos em prol do interesse
coletivo, atrelada à ampliação de responsabilidades, e possibilita-se uma participação
mais direta da sociedade no controle das ações desenvolvidas pelo Poder Público. De
outro, o estabelecimento de contratos nesses moldes caracteriza, em última análise, a
adoção de um instrumento de coordenação para evitar que a pluralidade de instâncias
administrativas se traduza em ações contraditórias ou desordenadas.
É por essa razão que Justen (2002) classifica os contratos de gestão
como instrumentos de natureza consensual e não contratual, já que não reproduzem
acordos de vontades destinados a gerar direitos e obrigações para uma ou ambas as
partes neles envolvidas, porque na Administração Pública essas partes são sujeitos que
integram uma mesma órbita jurídica, sem qualquer contraposição ou dissociação de
interesses. Desta forma, a relevância do contrato de gestão está muito mais afeta ao
campo político do que ao jurídico, por ser ele ao mesmo tempo um instrumento de
transparência governamental, ampliação da racionalidade estatal e definição de metas e
estratégias de políticas setoriais ou gerais.
Um contrato de gestão, nos termos acima conceituados, funcionaria
como um instrumento de avaliação do potencial de uma Administração, a partir da
seleção de metas concretas e de critérios objetivos de desempenho, que norteassem a
atuação dos entes públicos e refletissem a coerência entre as decisões pretéritas e os
compromissos futuros.
Sobre o tema, vale destacar também o entendimento do atual Governo,
expresso no Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial (Brasil. Presidência
da República, 2003), ao ratificar o modelo de agências, considerando-o essencial para
o bom funcionamento da maior parte dos setores encarregados da provisão de serviços
públicos, com reflexos positivos no resto da economia, bem como que o
desenvolvimento de instrumentos de controle social das agências é um avanço
imprescindível para o bom funcionamento do modelo, propondo, de um lado, o
aperfeiçoamento de mecanismos de participação e controle social como: 1) a
obrigatoriedade de consultas públicas para fins de coleta de subsídios, críticas e
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 60 -
propostas acerca dos temas cuja regulamentação esteja a cargo das agências (princípios
da motivação e transparência); 2) ampliação do papel das entidades de defesa do
consumidor nos processos de acompanhamento de consulta pública e de outras
atividades desenvolvidas pelas agências (propõe-se, aqui, que as despesas das entidades
decorrentes dessa ampliação sejam custeadas com recursos públicos); 3) criação de
ouvidorias no âmbito de todos os entes reguladores (prevista em sua lei de criação, a
Ouvidoria da ANS foi efetivamente instalada em dezembro de 2002); 4) incrementar a
transparência das regras, em especial quanto à regulação de contratos entre regulados e
reguladores; e 5) instituição de mecanismos de prestação de contas ao Poder
Legislativo.
De outra parte, a proposta do grupo de trabalho (Brasil. Presidência da
República, 2003) incorpora a tese de que a adoção de contratos de gestão ou
desempenho operaria como um mecanismo complementar aos instrumentos de controle
social, tendo por finalidade principal o monitoramento da implementação de metas de
transparência para melhoria da eficiência regulatória, transformando as metas
relacionadas ao exercício propriamente dito do poder fiscalizatório das agências em
objetivo secundário em um contrato de gestão. Em outros termos, a implementação das
metas de transparência (Brasil. Presidência da República, 2003:7) deve eleger como
objetivo primeiro a fixação de prazos para instalação de ouvidorias, padronização das
consultas públicas, implantação de projetos de atendimento aos consumidores e agentes
(regulados), e o estabelecimento de regras quanto à forma e periodicidade dos relatórios
submetidos ao Poder Legislativo. Sem maiores aprofundamentos, surge ainda como
outro aspecto a ser abordado no contrato de gestão, no entendimento do grupo de
trabalho, a formalização da relação entre a Administração direta e as agências no que
tange à questão do fluxo de recursos orçamentários e financeiros.
Ainda sobre contrato de gestão e as agências reguladoras, em artigo
publicado no jornal Folha de São Paulo em dezembro de 2003, um dos integrantes do
Grupo de Trabalho47 afirma que é um contra-senso acreditar que sua autonomia (das
agências) possa ser reduzida com a assinatura de um contrato de gestão, pois o alcance
dessa autonomia e a forma de exercê-la são dados pela própria legislação. O artigo
parece ser uma resposta a uma série de críticas que a proposta formulada pelo governo
(na forma do Relatório do Grupo de Trabalho e de Projeto de Lei colocados em consulta
pública, diga-se de passagem por um prazo exíguo, dada a complexidade do tema) vem
47 Santos, Luiz Alberto (subchefe de Coordenação da Ação Governamental da Casa Civil), 05/12/2003, “Contratos deGestão e Agências Reguladoras”, publicado no jornal Folha de São Paulo: A-3.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 61 -
recebendo desde que se tornou pública em meados de setembro de 2003. Santos48, em
realidade, defende que a proposta apresentada pelo atual governo (Brasil. Presidência da
República, 2003) foi produto de uma avaliação criteriosa e de um cuidadoso
diagnóstico da situação, visando o fortalecimento das próprias agências, dado que sua
finalidade última é tornar claras as competências no âmbito da regulação, da
fiscalização e da implementação das políticas públicas nos vários setores regulados, e
reflete o reconhecimento de que, no exercício de suas atribuições, as agências devem
contar com meios que ainda não lhe foram proporcionados.
Um desse meios seria exatamente o contrato de gestão, surgindo como
um instrumento adicional de controle social e de aperfeiçoamento da gestão e
desempenho das agências, para assegurar a compatibilidade entre meios e fins e
viabilizar melhores condições operacionais às próprias agências.
Ressaltando que a figura do contrato de gestão não constitui
propriamente uma inovação (§ 8º, artigo 37 da Constituição Federal, inserto pela
Emenda Constitucional nº 19/98) e que algumas agências reguladoras já estão obrigadas
(por força de suas leis de criação) a firmar contratos de gestão – casos da ANEEL,
ANA, ANVISA e ANS – com os ministérios aos quais se acham vinculadas, Santos (v.
notas de rodapé: 40 e 41) sustenta que os referidos contratos não representaram
cerceamento da autonomia dessas agências, nem tampouco se tornaram garrotes à sua
ação. Avançando em sua tese, Santos argumenta que o contrato de gestão é o meio
capaz de permitir uma análise da adequação entre a autonomia das agências (essencial
para os investidores, em razão da estabilidade e confiabilidade do marco regulatório) e o
custo-benefício para os contribuintes e usuários de serviços decorrente da existência de
agências reguladoras (transparência na sua gestão e compromisso com o atendimento do
interesse público).
O contrato de gestão, na visão de Santos, somente se tornará uma
alternativa concreta para o aperfeiçoamento da gestão pública se conseguir superar a
tendência ao formalismo reinante na administração pública brasileira, assim como a
avaliação de desempenho e o aperfeiçoamento da accountability das instituições
públicas requer mais do que instrumentos normativos e técnicas.
A eficácia do contrato de gestão como instrumento de avaliação de
todas as agências reguladoras gera, ainda, a manifesta desconfiança ou descrença entre
integrantes de entidades representativas do setor privado, especificamente da área de
48 Santos, Luiz Alberto, idem.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 62 -
infra-estrutura, como demonstra o artigo de Adriano Pires49, ao afirmar que outro ponto
preocupante, ainda no que se refere ao contrato de gestão, é o fato de ser avaliado por
uma comissão de acompanhamento que terá como supervisor o ministério ao qual a
agência estiver vinculada. Isso caracteriza uma submissão das agências aos
ministérios. Caso o governo queira realmente implantar o contrato de gestão, o ideal é
que este fosse supervisionado pelo Congresso, em especial pelo Senado, que é o
responsável pela sabatina dos diretores das agências. Entretanto estou convencido de
que os contratos de gestão não são o melhor mecanismo para controlar a atuação das
agências reguladoras.
Dentro dessa concepção, Pires (2003) entende que o poder regulador
será retirado das agências e passará para a esfera da administração direta federal,
dificultando a existência de mercados competitivos e reforçará o poder de mercado das
empresas estatais e definitivamente afastará investimentos privados, sobretudo no setor
de infra-estrutura.
2.2 O Contrato de Gestão no Âmbito da ANS
A Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, autarquia sob
regime especial, criada pela lei n.º 9.961 (28/01/2000) e vinculada ao Ministério da
Saúde (MS), tem por finalidade promover a defesa do interesse público na assistência
suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às relações
com prestadores de serviços e consumidores e, para tanto, foram-lhe conferidas as
atribuições de regular, normatizar, controlar e fiscalizar o setor de saúde suplementar.
Objetivando o cumprimento dessas atividades, a ANS foi dotada de
autonomia administrativa no gerenciamento de seus recursos financeiros, materiais e
humanos, e de independência na tomada de decisões técnicas, com seus cinco
dirigentes detentores de mandatos fixos e não coincidentes, dentro do modelo de
administração pública gerencial desenhado e implementado com a reforma do aparelho
do Estado brasileiro, a partir de meados dos anos 1990. Contudo, por força de
dispositivo legal (art. 14 da lei nº 9.961), a ANS deve ter sua administração regida por
um contrato de gestão, firmado com o Ministério da Saúde e sujeito à prévia aprovação
do Conselho de Saúde Suplementar – CONSU (art. 35-A, inciso II, da lei n.º 9.656/98,
49 Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura e o artigo “O risco regulatório continua alto” foipublicado no jornal “O Globo”, de 03/10/2003, p. 7.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 63 -
com redação da Medida Provisória n.º 2.177-44, de 2001). O esboço da fase pré-
assinatura do contrato de gestão da ANS está demonstrado na Figura II.
Figura II – Etapas Pré-Contrato de Gestão
O contrato de gestão pretende operar como um instrumento de
avaliação objetiva da atuação e do desempenho da Agência, a partir de parâmetros
claros e preestabelecidos, traduzidos em um conjunto de metas e indicadores para
aferição de resultados.
Superadas todas as fases necessárias à celebração do contrato de
gestão, o primeiro passo foi sistematizar um processo de acompanhamento e avaliação
do desempenho da ANS, que refletisse uma análise objetiva das reais condições de
execução e apurasse os resultados alcançados, de tal sorte que, permitisse ao órgão
supervisor (MS) dispor de todas as informações necessárias para avaliar e referendar ou
não a atuação do órgão regulador, corrigindo eventuais desvios na condução das
diretrizes gerais estabelecidas para o setor, visando guardar consonância com aquelas
fixadas dentro da política nacional para o sistema de saúde como um todo.
Deste modo, editou-se uma Portaria Conjunta do Ministério da Saúde
e da ANS (nº 119, de 29 de agosto de 2001), detalhando a Sistemática de
Acompanhamento e Avaliação do Desempenho da ANS e constituindo uma Comissão
de Acompanhamento e Avaliação, com a finalidade de subsidiar o órgão supervisor,
Ministério da Saúde, na análise e decisão quanto à execução e cumprimento dos termos
do contrato de gestão.
A comissão, integrada por dois representantes do Ministério da Saúde
(um da Secretaria Executiva e com a função de coordenação, e outro da Secretaria de
Atenção à Saúde/SAS); um representante do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão e um representante da ANS – este último sem direito a voto quando os temas
tratados se referirem à avaliação sobre o cumprimento ou não das metas e resultados do
contrato de gestão – tem como objetivo principal promover a análise da execução das
Elaboração das metas e Aprovação dos Assinatura do Contrato dedos indicadores de termos do Gestão com a ANS edesempenho e Aprovação Contrato de Acompanhamento de suapela Diretoria Colegiada Gestão Execução
ANS CONSU MINISTÉRIODA SÁUDE
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 64 -
metas e dos indicadores globais, bem como a avaliação do desempenho da ANS, com
base na comparação entre os quantitativos pactuados e os resultados verificados.
A Agência deve disponibilizar à comissão todas as informações, dados
e subsídios entendidos como imprescindíveis para o exercício de suas funções e
atribuições. A análise, as recomendações e as conclusões da comissão devem ser
consignadas em relatório que, em caso de parecer favorável, conterá certificação de
cumprimento contratual do desempenho técnico-administrativo da ANS. Observe-se
que compete, exclusivamente, ao Ministério da Saúde a palavra final sobre o
cumprimento ou não do contrato de gestão (Figura III).
Figura III – Etapas Pós-Assinatura do Contrato de Gestão
É na Sistemática de Acompanhamento que estão definidos os critérios
quali-quantitativos, que subsidiam a análise da comissão quanto à execução das metas
consideradas individualmente, bem como no tocante à certificação ou não do
cumprimento do contrato de gestão (conjunto das metas).
2.2.1 O primeiro contrato de gestão da ANS – período 2000/2001
O primeiro Contrato de Gestão, biênio 2000/2001, foi assinado entre a
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e o Ministério da Saúde (MS) em 21 de
dezembro de 2000, após a aprovação de seus termos pelo CONSU, e se propunha a
avaliar o desempenho da Agência a partir de metas preestabelecidas, traduzidas em
indicadores, com os quais se buscava qualificar as ações propostas e quantificar os
resultados a serem obtidos.
Dentro deste escopo é que foram sistematizados critérios de
acompanhamento e avaliação do desempenho da Agência, formalizados com a edição
Execução das metas Monitoramento das Parecer final sobre oPropostas no Contrato metas e indicadores do Contrato de Gestãode Gestão e Contrato de Gestão e da ANS – aprovação ouElaboração de Elaboração de Pareceres não aprovaçãoRelatórios
COMISSÃO DEACOMPANHAMENTO E
AVALIAÇÃO
MINISTÉRIODA SAÚDE
ANS
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 65 -
de uma portaria conjunta do Ministério da Saúde e da ANS (nº 119, de 2001), conforme
já ressaltado anteriormente.
No caso do contrato 2000/2001, os percentuais de execução das metas
individualmente consideradas e as respectivas definições quanto ao seu cumprimento ou
não foram estabelecidos conforme o Quadro IV.
Quadro IV - Critérios de Execução de Metas do Contrato de Gestão 2000/2001PERCENTUAL DE EXECUÇÃO CUMPRIMENTO DE METAS
superior a 81% plenamente cumpridas
entre 51% e 80% parcialmente cumpridas
inferior a 50% não cumpridasFonte: Portaria Conjunta n.º 119/MS/ANS, de 2001
A emissão do certificado de cumprimento do contrato, por parte da
comissão de acompanhamento e avaliação, exigia um índice global (para o conjunto das
metas) mínimo de 75% (setenta e cinco por cento) de metas plena e/ou parcialmente
cumpridas.
No primeiro instrumento contratual de avaliação do desempenho da
ANS, correspondente aos dois primeiros anos de sua atuação, pode-se notar que as
principais referências consideradas para consecução de seus objetivos, e que
transpareciam ao longo de todo o contrato de gestão, estavam intimamente relacionadas
ao marco regulatório, definido pelo conjunto formado pela lei n° 9.656/98 (lei dos
planos de saúde), Medida Provisória n° 1.665/98 (atual Medida Provisória n° 2.177-44,
de 24/08/01), lei n° 9.961/00 (criação da ANS) e a lei n° 10.185/01 (transformação das
seguradoras em seguradoras especializadas em saúde).
Parece claro, ao se analisar o teor do contrato, que o processo de
avaliação da ação da ANS na regulamentação e dos impactos mais gerais da regulação
no setor de saúde suplementar não prescindiu das diretrizes gerais definidas nos
respectivos marcos legais.
Vale relembrar que, antes da criação da ANS em 2000, as atividades
do setor de saúde suplementar achavam-se reguladas sob o aspecto econômico-
financeiro (incluindo reajuste de preços dos planos) pelo Ministério da Fazenda, via
SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) e CNSP (Conselho Nacional de
Seguros Privados), cabendo ao Ministério da Saúde/DESAS (Departamento de Saúde
Suplementar da Secretaria de Assistência à Saúde) e ao CONSU (Conselho de Saúde
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 66 -
Suplementar) a regulação da atividade de assistência à saúde, quer quanto aos produtos
ou planos (autorização para sua comercialização) quer quanto a sua fiscalização. A
regulação do setor de saúde suplementar somente foi unificada com a criação de um
órgão regulador, a ANS (Montone, 2003).
Este primeiro instrumento contratual foi delineado, portanto, tendo em
conta que as ações da ANS, na medida em que se desenvolvessem, produziriam
impactos sobre o mercado regulado, como reflexo das incertezas presentes entre os
diversos agentes do setor – consumidores de planos de saúde, operadoras, prestadores
de serviços – e de outros atores como órgãos ou organizações não governamentais de
defesa do consumidor, conselhos de classe (categorias de profissionais em saúde) e,
ainda, de entidades representativas das empresas e dos prestadores de serviços do setor
de saúde suplementar.
Nem poderia ser diferente, quando se imagina as dificuldades
inerentes à adaptação dos agentes de um determinado segmento do mercado a regras
que objetivem alterar o seu modus operandi, sobretudo no caso do setor de saúde
suplementar, que cresceu à margem de qualquer diretriz ou normatização, seguindo as
próprias leis de mercado.
As diretrizes estratégicas visavam, por conseqüência, traçar a
dimensão dos limites iniciais de atuação da ANS, os critérios de avaliação de seu
desempenho e os impactos e perspectivas da regulação num sentido mais amplo. Mais,
foram definidas a partir da realidade de um setor que se desenvolveu ao longo de mais
de trinta anos sem se sujeitar a qualquer regulamentação específica (ANS. Relatório do
Contrato de Gestão, 2000/2001) e, neste contexto, o primeiro Contrato de Gestão
buscou contemplar três aspectos considerados fundamentais: as diretrizes estratégicas
para gestão da ANS, as ações prioritárias e respectivas metas, e os indicadores globais e
as ações necessárias para sua consecução.
Sob o aspecto das diretrizes estratégicas, foram estabelecidos os
parâmetros de atuação da ANS no desenvolvimento de suas ações e na busca do
atingimento das metas fixadas, a partir de uma análise elaborada pelas áreas internas –
as cinco Diretorias Executivas (executoras das ações) – e aprovadas, em última
instância no âmbito da Agência, pela sua Diretoria Colegiada50 (ANS. Relatório do
Contrato de Gestão, 2000/2001).
50 Composta pelos cinco diretores da ANS: Desenvolvimento Setorial, Fiscalização, Gestão, Normas e Habilitaçãodas Operadoras e Normas e Habilitação dos Produtos.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 67 -
Assim, o conjunto de regras básicas norteadoras de todo o processo
inicial de regulação do setor (ANS. Relatório do Contrato de Gestão, 2000/2001)
traduziu-se em um termo de compromisso, a ser pactuado entre a Agência e o respectivo
Ministério supervisor (da Saúde), cujo descumprimento poderia ensejar até mesmo a
perda do mandato dos dirigentes do ente regulador (ANS). O Quadro (V) abaixo
sintetiza e relaciona as diretrizes estratégicas e as ações necessárias à sua efetivação.
Quadro V – Diretrizes Estratégicas e Ações – CG 2000/2001DIRETRIZES ESTRATÉGICAS AÇÕES DECORRENTES
1. Ampliação da capacidade efetiva de participação
dos consumidores no setor
Assegurar e aperfeiçoar as coberturas ofertadas,
impedindo ou restringindo, de fato, a vinculação da
assistência e dos preços às condições de saúde e
idade.
2. Equilíbrio na disponibilização e divulgação das
informações a todos os atores do setor
Garantir as condições de acesso equânime a
operadoras, prestadores de serviço, agentes do
Sistema Único de Saúde e, principalmente,
consumidores.
3. Garantir o equilíbrio e a manutenção da
estabilidade do setor
Estipular e controlar os padrões de entrada,
operação e saída das operadoras; assegurar aos
consumidores o acesso, o direito e a defesa dos seus
interesses relativos à assistência privada à saúde.
Fonte: Relatório do Contrato de Gestão ANS – 2000/2001
O passo seguinte da construção do primeiro contrato de gestão
envolveu a organização e subdivisão das ações prioritárias (que se traduziriam nas
metas) em quatro dimensões, apresentadas no Quadro VI.
Quadro VI – Dimensões e Ações PrioritáriasDIMENSÕES AÇÕES PRIORITÁRIAS
1. Regulação da cobertura assistencial e das condiçõesde acesso para os contratos novos
Caracterizar plano referência;Revisar rol de procedimentos odontológicos emédicos;Redefinir procedimentos de alta complexidade(cobertura parcial temporária)
2. Regulamentação infra-legal de dispositivosconstantes da lei de planos de saúde (edição denormativos pela ANS)
Uniformizar as regras para Registro Provisório:Operadoras e Produtos;Sistematizar envio periódico de informaçõeseconômicas, financeiras e assistenciais pelasOperadoras;Regulamentar as condições para intervenção daANS nas Operadoras;
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 68 -
Implementar a segmentação e as condições deentrada, operação e saída no setor dasOperadoras.
3. Estruturação organizacional, inclusive quanto àampliação e ao aperfeiçoamento da participação dediferentes setores da sociedade na construção doarcabouço normativo
Definir as atribuições de cada diretoria e aorganização e o funcionamento da DiretoriaColegiada da ANS;Modelar, sistematizar e implementar osprocedimentos de coleta, manutenção edivulgação de informações do setor;Implementar canais de atendimento direto aosconsumidores e aos agentes regulados;Reestruturar a CSS, inclusive com a criação deCâmaras Técnicas específicas;Implementar processo de Consultas Públicas.
4. Instalação física Dotar de recursos humanos e materiaisnecessários a sede da ANS – Rio de Janeiro – eos escritórios regionais de São Paulo e Brasília.
Fonte: Relatório do Contrato de Gestão ANS – 2000/2001
Na primeira dimensão, foram contemplados os aspectos da regulação
da cobertura assistencial e das condições de acesso para os contratos novos51,
abrangendo desde a caracterização do plano referência (art. 10 da Lei nº 9.656),
passando pela revisão do rol de procedimentos odontológicos e médicos, até a
redefinição dos procedimentos de alta complexidade para fins de cobertura parcial
temporária52.
Em segundo lugar, agruparam-se os aspectos relativos à
regulamentação propriamente dita (Quadro VII) decorrente do poder de legislar
remetido à ANS nos vários dispositivos constantes da lei dos planos de saúde (lei nº
9.656/98). Este arcabouço normativo53 deveria abranger:
51 Os planos de saúde contratados pelos consumidores a partir de 1º de janeiro de 1999 acham-se sob a égide da Leinº 9.656, de 1998, e são denominados como “planos novos” ou”contratos novos”, para distingui-los dos planoscontratados anteriormente àquela data (planos/contratos antigos).52 Cobertura parcial e temporária: o artigo 11, Lei n.º 9.656/98, veda a exclusão de cobertura a doenças e lesõespreexistentes após 24 meses da data de contratação do plano e foi regulamentado pela Resolução Normativa - RN 20(art. 2º, I, “a”).53 Resoluções de Diretoria Colegiada (antes da alteração do Regimento Interno, representadas por RDC e, após aResolução – RDC nº 95, de 28/02/02, desdobradas em Resoluções Normativas (RN), Operacionais (RO) ouAdministrativas (RA)) constituem instrumentos legais ao alcance da ANS para regular o setor de assistênciasuplementar à saúde, por meio dos quais determina, dispõe, institui ou estabelece normas e procedimentos para osetor.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 69 -
Quadro VII – Segunda Dimensão: Ações de Regulamentação do Setor
ÓTICA DAS OPERADORAS ÓTICA DOS PRODUTOS OU PLANOS DESAÚDE
Revisão e uniformização das normas e
procedimentos para Registro Provisório das
Operadoras
Revisão e uniformização das normas e
procedimentos para Registro Provisório dos
Produtos/Planos (Nota Técnica Atuarial para
Registro de Produtos - NTRP)
Instituição de Plano de Contas Padrão e de Sistema
de Análise e Tratamento das Informações
Periódicas (DIOPS) para acompanhamento
econômico–financeiro das operadoras
Definição de critérios quanto a alienação
compulsória e transferência voluntária de carteiras
de planos das operadoras
Monitoramento dos aspectos técnico-assistenciais
das operadoras (Plano de Recuperação)
Acompanhamento e avaliação da prestação de
serviços aos consumidores de planos de saúde
(Sistema de Informações dos Produtos – SIP)
Normatização dos procedimentos de intervenção da
ANS em operadoras (Regimes especiais de Direção
Técnica, Direção Fiscal e Liquidação Extrajudicial)
Definição de critérios para a aplicação e
monitoramento dos índices de reajustes de preços
dos planos
Segmentação das operadoras (seguradoras,
medicinas de grupo, cooperativas, autogestão, etc.)
Reorganização e unificação dos procedimentos de
fiscalização dos aspectos assistenciais
Regulamentação das condições para operação das
Seguradoras Especializadas em Saúde
Regulamentação do Termo de Compromisso de
Ajuste de Conduta (TCAC) 54
Reorganização e unificação dos procedimentos de
fiscalização dos aspectos econômico-financeiros
Revisão das normas sobre penalidades às
operadoras por infringência da lei 9.656/98
Fonte: Relatório do Contrato de Gestão ANS – 2000/2001
A terceira e quarta dimensões (Quadro VIII) deveriam considerar as
ações afetas tanto a dotar a Agência de meios para seu funcionamento (instalação física)
e estruturação organizacional, quanto à ampliação e ao aperfeiçoamento da participação
de diferentes setores da sociedade na construção do próprio arcabouço normativo
definido na segunda dimensão:
54 TCAC é um instrumento por meio do qual uma operadora se compromete formalmente perante à ANS a corrigirfalhas ou procedimentos em suas ações, com flagrante descumprimento da legislação de planos de saúde, com vistasa evitar ou suspender eventual processo administrativo instaurado para aplicação de penalidades.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 70 -
Quadro VIII – Terceira e Quarta Dimensões: Organização, Infra-estrutura e
Participação Social
ESTRUTURAÇÃOORGANIZACIONAL
INSTALAÇÃO FÍSICA(FUNCIONAMENTO)
AMPLIAÇÃO EAPERFEIÇOAMENTO DAPARTICIPAÇÃO SOCIAL
Estruturação da Diretoria
Colegiada e das Diretorias
Executivas
Implantação do Sistema de
Arrecadação das Taxas de Saúde
Suplementar (TSS)
Implantação do serviço de
atendimento a operadoras (Atende
Operadoras)
Edição do Regimento Interno,
com definição das atribuições
das áreas de cada Diretoria
Sede da ANS no Rio de Janeiro e
dos escritórios regionais do
Distrito Federal e de São Paulo
Implantação do serviço de
atendimento a consumidores,
gratuito e de abrangência nacional
Implementação de processo de
Planejamento Estratégico
Definição, seleção e contratação de
recursos humanos para suprir o
Quadro de Pessoal Temporário
Reorganização da Câmara de
Saúde Suplementar - CSS55
Desenho e modelagem de um
Sistema de Informação
Manutenção e atualização do
banco de dados cadastrais do setor,
(Cadastro de Beneficiários, das
Operadoras e dos Produtos)
Instalação de Câmaras Técnicas
(5), como subproduto da CSS
Elaboração e implementação
do Contrato de Gestão
Implementação de Consultas
Públicas (4) sobre normativos
Fonte: Contrato de Gestão ANS – 2000/2001
A fim de que as quatro dimensões pudessem ser viabilizadas e
proporcionassem uma forma de mensuração para fins de avaliação do desempenho da
ANS e de cumprimento do contrato de gestão, foram estabelecidas as ações prioritárias
no âmbito de cada uma e os respectivos indicadores globais. Essas ações foram
agrupadas em seis blocos conforme seus objetivos gerais (ANS. Contrato de Gestão,
2000/2001).
Do Grupo 1 (Quadro IX) constaram as ações voltadas ao desenho e à
constituição de uma política nacional para o setor de saúde suplementar, as diretrizes
gerais e específicas para revisão, adequação e aperfeiçoamento das normas para registro
de operadoras e produtos. A ANS propôs a execução da totalidade (100%) das metas, de
acordo com o Contrato de Gestão 2000/2001.
55 A CSS, criada pela Lei nº 9.961/00 (art. 13), constitui uma instância de caráter consultivo que conta com aparticipação de representantes do poder público, da iniciativa privada, de órgãos de defesa dos direitos dosconsumidores, de entidades de classe, sindicatos patronais e de trabalhadores.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 71 -
Quadro IX – Ações e Metas do Grupo 1AÇÕES METAS
Definição da política nacional de saúde suplementar Submeter propostas (diretrizes) ao CONSU sobre:
§ Garantir cobertura assistencial
§ Criar mecanismos de controle de preços
abusivos
§ Definir condições de ingresso, operação e saída
de empresas do setor
§ Assegurar integração do setor com o SUS
Revisão da regulamentação § Normatizar registro de operadoras
§ Normatizar registro de produtos
Fonte: Contrato de Gestão 2000/2001.
O conseqüente acompanhamento e monitoramento dos aspectos
econômico-financeiros, assistenciais e de qualidade relativos a operadoras e aos
produtos, com o desenvolvimento de metodologia e de sistematização, foi expresso no
Grupo 2 (Quadro X), com cinco metas fixadas (agrupadas em duas para fins da presente
análise) e cujo cumprimento proposto também foi integral (100%).
Quadro X – Ações e Metas do Grupo 2AÇÕES METAS
Acompanhamento e monitoramento de operadoras e
produtos
§ Definir Planos de Conta Padrão
§ Sistematizar e implantar metodologia de coleta
e análise de informações econômico-
financeiras, assistenciais e de qualidade dos
planos ofertados.
Fonte: Contrato de Gestão 2000/2001
O Grupo 3 (Quadro XI) abrangia especificamente as ações na área de
ressarcimento ao SUS, tendo por principal objetivo a avaliação e a revisão do rol e dos
valores de procedimentos constantes da Tabela Única Nacional de Equivalência de
Procedimentos – TUNEP56, com meta de atingimento de 100% ao final do biênio
considerado.
56 TUNEP: tabela que contém os procedimentos médico-hospitalares sujeitos à cobrança junto às operadoras, e osrespectivos valores, para efeito de ressarcimento ao Sistema Único de Saúde, todas as vezes que um consumidor deplano de saúde for atendido pelo sistema público num procedimento que possuir cobertura contratual.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 72 -
Quadro XI – Ações e Metas do Grupo 3
AÇÕES METAS
Implantação, aprimoramento e controle do
ressarcimento ao SUS (art. 32, da Lei n.º 9.656/98)
§ Revisão da TUNEP
§ Aferição da possibilidade de regionalização da
TUNEP
Fonte: Contrato de Gestão 2000/2001
As ações de fiscalização e de apoio à defesa do consumidor foram
focalizadas no Grupo 4 (Quadro XII), com metas (também de 100%) atinentes tanto à
execução de atividades voltadas para a orientação, divulgação de informações e
estabelecimento de canais institucionais de comunicação com os consumidores de
planos privados de saúde (Programa Cidadania Ativa), como para a implementação de
uma fiscalização sistematizada e planejada das operadoras (Programa Olho Vivo).
Quadro XII – Ações e Metas do Grupo 4
AÇÕES METAS
Apoio à defesa dos consumidores de planos de
saúde
§ Implantar central de atendimento gratuito
(0800) em todo o território nacional
§ Implementar diretrizes de atendimento em
todas as unidades estaduais (num total de
27) de fiscalização
§ Firmar parceria com os órgãos de defesa
do consumidor
Fiscalização § Revisar e melhorar os procedimentos
fiscalizatórios herdados do DESAS/MS
Fonte: Contrato de Gestão 2000/2001.
O diagnóstico do setor regulado constou do Grupo 5 (Quadro XIII) de
ações e contemplou a realização de pesquisas, estudos e eventos focalizados nos vários
atores do setor regulado pela ANS (operadoras, consumidores e prestadores de serviço),
visando aferir e ampliar o conhecimento do próprio setor e a identificar os seus
principais componentes e características.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 73 -
Quadro XIII – Ações e Metas do Grupo 5AÇÕES METAS
Diagnóstico do setor, via produção e difusão do
conhecimento
§ Realizar pesquisas, estudos e eventos dirigidos
a todos os agentes do setor
Fonte: Contrato de Gestão 2000/2001
O Grupo 6 (Quadro XIV) considerou as áreas de gestão
administrativa, financeira e de informação: estruturação de sistemas de informação,
desenvolvimento de modelo de gestão orientado para resultados (planejamento
estratégico, indicadores de desempenho) e estruturação organizacional e instalação da
ANS.
Quadro XIV – Ações e Metas do Grupo 6AÇÕES METAS
Estruturar e sistematizar as informações e dados
sobre o setor
§ Modelar sistema de informações
§ Atualizar dados do cadastro de
beneficiários, de operadoras e de produtos
Implementar modelo de gestão e gerenciamento § Implementar planejamento estratégico e
definir processos organizacionais
Estruturar fisicamente a Agência § Sede (Rio de Janeiro) e unidades de São
Paulo e DF: suporte logístico, patrimonial
e de informática
§ Dimensionar, suprir e capacitar os recursos
humanos*
§ Definir e implantar modelo de gestão de
documentação
§ Implantar o sistema de arrecadação da TSS
Fonte: Contrato de Gestão 2000/2001.* A capacitação de recursos humanos, inserta nesta meta, foi projetada para alcançar 30% do total do quadro de
pessoal da ANS, ao final de 2001. Todas as demais metas tiveram seu cumprimento proposto em 100%.
O contrato de gestão 2000/2001, ainda, abarcou a construção de
“indicadores globais” (Quadro XV), cujo objetivo era mensurar o grau de conhecimento
dos consumidores de planos de saúde acerca de seus direitos e sobre a atuação da
própria ANS (sua criação, a confiabilidade em suas ações e a qualidade do atendimento
prestado ao público do setor de saúde suplementar), a partir da realização de pesquisa de
opinião, adotando-se um plano de ação com base nos resultados obtidos e elaborando-se
uma proposta de padrões mínimos de desempenho.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 74 -
uadro XV – Ações e Metas referentes a Indicadores Globais
AÇÕES METAS
Confeccionar e implementar indicadores globais § Realizar e divulgar pesquisa de opinião
§ Elaborar e adotar um plano de ação com
base nos resultados obtidos
§ Propor padrões de desempenho
Fonte: Contrato de Gestão 2000/2001
2.2.2 Análise do Contrato de Gestão da ANS – 2000/2001
Pretende-se, aqui, tecer alguns comentários sobre o comportamento
dos indicadores do primeiro contrato de gestão da Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS), tendo como pano de fundo o Relatório Final do Contrato de Gestão
- 2000/2001 (março/2002), aprovado pela Comissão de Acompanhamento e Avaliação e
referendado pelo Ministério da Saúde.
De pronto, observa-se uma nítida opção pelas ações e diretrizes – com
a conseqüente construção de metas e indicadores – que espelhassem a consolidação do
papel da ANS como órgão regulador do setor de assistência suplementar à saúde.
Numa análise preliminar, constata-se a adoção de uma conduta
voltada para a superação de alguns desafios iniciais, condicionados, todavia, a eventos
futuros e incertos, como a conversão em lei das Medidas Provisórias que foram
alterando o marco regulatório ao longo do tempo (44 no total, desde a edição da lei n.º
9.656/98). Portanto, não seria de todo incorreto afirmar que o marco regulatório pesou
na definição de várias ações, metas e indicadores de desempenho do contrato de gestão
(casos daqueles constantes dos Quadros IX e X, respectivamente dos Grupos 1 e 2) e se
sobrepôs aos demais.
Nessa direção aponta a ênfase destinada ao processo de
regulamentação das condições de ingresso, funcionamento e saída das operadoras de
planos de saúde do setor, especialmente em relação às regras sobre a constituição de
garantias financeiras (como contrapartida da garantia à cobertura assistencial), a
concessão de autorização definitiva (registro) de funcionamento de operadoras e de
comercialização de produtos e a viabilização do processo de transferência voluntária ou
compulsória de carteira (consumidores) de operadoras, sob regime de liquidação
extrajudicial da ANS ou cujas atividades viessem a ser encerradas (ANS. Relatório
Final, março/2002).
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 75 -
Como justificativa para o não atingimento de algumas das metas
constantes do contrato de gestão, foram elencados alguns obstáculos principalmente de
natureza externa. De ordem legal – como as sucessivas edições de Medidas Provisórias,
alterando o marco regulatório; de ordem orçamentário-financeira, com o atraso na
aprovação e liberação do orçamento da Agência em 2000 (lei específica somente foi
aprovada pelo Congresso em outubro daquele ano); e de ordem jurídica, afetando a
questão de recursos humanos, quer pela legislação eleitoral (pleito municipal), quer pela
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) impetrada no Supremo Tribunal Federal
(STF) contra a lei (n.º 9.986, de 2000) de gestão de recursos humanos das agências
reguladoras, contribuindo para a suspensão temporária e o atraso na composição do
quadro de pessoal (ainda que em caráter temporário) da ANS.
O processo de avaliação do desempenho da ANS consistiu na análise
das metas estabelecidas vis a vis os respectivos resultados obtidos, resultante da
comparação entre os percentuais fixados para cumprimento e aqueles efetivamente
alcançados.
Em que pese os fatores adversos apontados pela ANS como causas
para o não cumprimento de algumas das metas estabelecidas para o biênio 2000/2001, o
Relatório da Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Contrato de Gestão (2002)
recomendou ao Ministério da Saúde que aprovasse o desempenho do órgão regulador,
uma vez que, de acordo com os critérios estabelecidos na Sistemática de Avaliação
(Quadro IV), cerca de 81% (oitenta e um por cento) do conjunto de metas obtiveram
índices de execução iguais ou superiores a 90% (noventa por cento), significando que,
sob a ótica quantitativa, poderia ser atestado o cumprimento satisfatório pela ANS
daquilo que fora avençado no contrato de gestão (Relatório Final, março/2002: 32).
Do total de metas propostas (Quadros IX a XV; ANS. Relatório Final,
março/2002: 33), duas não foram cumpridas, segundo Relatório da Comissão de
Acompanhamento e Avaliação do Contrato de Gestão (idem, 2002): a meta que tratava
da capacitação dos recursos humanos da ANS (apenas 30% de execução) e aquela que
propunha definir e implantar um modelo de gestão de documentação (50% executada),
ambas integrantes do Grupo 6 (Quadro XIV).
Quatro metas foram avaliadas como parcialmente cumpridas
(execução entre 51% e 80%): implantação da metodologia de avaliação da qualidade
dos serviços prestados pelas operadoras (Quadro IX: Grupo 1); instalação física da sede
(Rio de Janeiro) da Agência, implantação do suporte logístico, patrimonial e de
informática e contratação de recursos humanos (Quadro XIV: Grupo 6).
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 76 -
Considerado o conjunto de 32 (trinta e duas) metas fixadas pelo
Contrato de Gestão 2000/2001 (ANS. Relatório Final, março/2002: 33), tem-se que 26
(vinte e seis) metas ou 81% (oitenta e um por cento) do total obteve um índice de
execução igual ou superior a 90% (noventa por cento), sendo que dessas últimas, 9
(nove) metas foram cumpridas na íntegra (100%).
O mesmo Relatório Final (março/2002: 73) traz a ressalva de que, a
meta proposta (Quadro XV) para efeito de cumprimento da confecção e implantação de
indicadores globais resultou (75%) da somatória de 50% relativos à divulgação dos
resultados da pesquisa de opinião realizada no período de 13 de outubro a 4 de
novembro de 2001, com 4.004 consumidores de planos de saúde em todo o país (grau
de conhecimento de direitos básicos e sobre a ANS, de satisfação com os planos e de
confiabilidade na ação do órgão regulador), e de 25% (vinte e cinco por cento) em razão
do estabelecimento de um plano mínimo de ação para melhoria dos resultados
decorrentes da pesquisa, com a disponibilização do serviço de atendimento a operadoras
(Atende Operadoras) e com a entrada em operação da Central de Atendimento Gratuito
(0800 – DISQUE ANS) aos consumidores de planos de saúde, respectivamente, no
primeiro trimestre e no mês de julho de 2001.
Neste contexto e na avaliação da comissão de acompanhamento57, o
órgão supervisor, Ministério da Saúde, deveria aprovar o Relatório Final do Contrato de
Gestão 2000/2001 (março/2002) e certificar formalmente o cumprimento das metas
pactuadas naquele instrumento, dando por encerrado o primeiro contrato de gestão da
ANS.
Ainda sobre o tema e na tentativa de clarificar como operou a
execução do contrato de gestão, foi elaborado o Quadro XVI, onde se pretendeu
correlacionar algumas das ações e metas propostas no contrato de gestão (previstas nos
Grupos 1 a 4) com a regulamentação de dispositivos legais, tanto da lei n.º 9.656 como
da n.º 9.961, através de normativos que foram sendo editados pela ANS, ao longo dos
dois primeiros anos de sua existência.
57 Conforme as atribuições que lhe foram conferidas pelo art. 12, inciso V, do Anexo à Portaria Conjunta ANS/MSn.º 119, de 2001 (Sistemática de Acompanhamento e Avaliação do Desempenho da ANS, 2000/2001) e com base nosarts. 9º, § 2º, e 10 do seu Regimento Interno.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 77 -
Quadro XVI – Correlação: Ações e Metas do CG 2000/01 x Resoluções ANS
GR
UPO
SAÇÕES METAS NORMATIVOS EDITADOS PELA ANS
(RDC)58
I
Definição da política
nacional de saúde
suplementar
Submeter propostas (diretrizes
gerais) ao CONSU sobre:
§ Cobertura assistencial
§ Mecanismos de controle
de preços abusivos
§ Condições de ingresso,
operação e saída de
empresas do setor
§ Integração com o SUS
N.º 3 (24/01/00) – Fornecimentoobrigatório e periódico de informaçõessobre cadastro de beneficiários dasoperadoras
N.º 7 (22/02/00) – Plano Referência
N.º 27 (26/06/00) – Revisão técnica –Equilíbrio Econômico-financeiro dosPlanos
N.º 29 (26/06/00) – Normas reajustesde preços – 2000/2001
N.º 39 (27/10/00) – Segmentação deoperadoras
N.º 66 (03/05/01) – Normas reajustespreços – 2001/2002
N.º 67 (08/05/01) – Atualização RolProcedimentos Médicos eOdontológicos
N.º 83 (16/08/01) – Regras deTransferência Controle Societário dasoperadoras
IRevisão da
regulamentação
§ Normatizar registro
de operadoras
§ Normatizar registro
de produtos
N.º 4 (22/02/00) – Novosprocedimentos para registro provisóriode produtos
N.º 5 (22/02/00) – Novosprocedimentos para registro provisóriode operadoras
N.º 81 (15/08/01) – Classificação doRol estabelecido pela RDC 67
58 Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) – instrumento normativo vigente até 04/02/2002, por meio do qual eramexpressas as decisões da instância máxima da ANS (Colegiado), com reflexos externos ou internos. Alterado quandoda edição do novo Regimento Interno da agência: Resolução – RDC n.º 95 (05/02/02).
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 78 -
Continuação do Quadro XVI
II
Instituição de mecanismos
de acompanhamento e
monitoramento de
operadoras e produtos
§ Definir Planos de Conta
Padrão
§ Sistematizar e implantar
metodologia de coleta e
análise de informações
econômico-financeiras,
assistenciais e de qualidade
dos planos ofertados.
N.º 20 (28/04/00) – Instituição daNota Técnica Registro Produto(NTRP)
N.º 22 (30/03/00) – Estabeleceinstrumentos de acompanhamentoeconômico-financeiro dasoperadoras (DIOPS)
N.º 25 (19/06/00), 43 (19/12/00),82 ( 16/08/01) e 84 (20/09/01) –Normas para alienação voluntária,compulsória e determinada decarteiras pelas operadoras
N.º 38 (30/10/00) – Instituição dePlano Contas Padrão para OPS
N.º 40 (12/12/00) e 47 (03/01/01)– Regimes Especiais de DireçãoFiscal, Técnica e LiquidaçãoExtrajudicial
N.º 57 (05/03/01) – Institui TCAC
N.º 85 (21/09/01) – Institui SIP
II
Implantar, aprimorar e
controlar ressarcimento ao
SUS (art. 32, da Lei n.º
9.656/98)
§ Revisão da TUNEP
§ Aferição da possibilidade de
regionalização da TUNEP
N.º 17 (04/04/00) – Edição daTabela TUNEP
N.º 18 (05/04/00) –Regulamentação do Ressarcimentoao SUS
N.º 62 (29/03/01) –Regulamentação do Ressarcimentoao SUS
IV Fiscalização
§ Revisar e melhorar os
procedimentos
fiscalizatórios anteriores à
ANS
N.º 24 (16/06/00) – Impõe sanções
a operadoras por infração à lei dos
planos
Fonte: Contrato de Gestão ANS 2000/2001 e homepage da ANS na Internet
No âmbito do contrato de gestão 2000/2001, 11 (onze) metas
propostas relacionaram-se com a regulação do setor de saúde suplementar, e resultaram
em 25 (vinte e cinco) normativos aprovados pela Diretoria Colegiada da ANS,
produzindo impacto direto sobre o mercado. Nota-se a presença de uma diretriz geral,
permeando essas metas, centrada no reconhecimento do papel da Agência como órgão
regulador, via a regulamentação infra-legal de dispositivos dos dois principais marcos
legais do setor: as leis 9.656 e 9.961. Aliado a este esforço, buscou-se dotar a ANS da
estrutura organizacional e física necessária para fazer frente às suas finalidades
institucionais, com o estabelecimento das outras metas.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 79 -
2.3 Contrato de Gestão da ANS - 2002/2004
O Contrato de Gestão 2002/2004 novamente estabeleceu as diretrizes
estratégicas e elegeu os indicadores de desempenho a fim de serem mensuradas as ações
destinadas a: 1) consolidação do modelo de regulação do setor e da infra-estrutura do
órgão de regulação; e 2) acompanhamento e fiscalização do cumprimento da
regulamentação (monitoramento do modelo de regulação). Com o objetivo principal de
promover a avaliação do desempenho da ANS no triênio, o contrato foi celebrado junto
ao Ministério da Saúde em 10 de abril de 2002, considerando que sua aprovação pelo
Conselho de Saúde Suplementar (CONSU) somente ocorreu no dia 2 de abril do mesmo
ano, com a edição e publicação da Resolução CONSU n.º 2/2002. Quatro foram as
diretrizes estratégicas ou os princípios norteadores da atuação técnico-administrativa da
ANS para o biênio considerado:
• Regular o setor para a prestação de serviços de qualidade, com
garantias assistenciais, a um preço justo, estimulando a
ampliação das coberturas ofertadas e possibilitando o acesso à
saúde suplementar;
• Promover a competitividade saudável, zelando pela
manutenção da estabilidade do setor e estabelecendo e
controlando padrões de entrada, operação e saída das
operadoras;
• Elevar a confiabilidade e a credibilidade institucional,
promovendo o acesso, o direito e a defesa dos interesses dos
usuários, no tocante à assistência privada à saúde; e
• Contribuir para o fortalecimento do SUS, visando a melhoria
das condições de saúde da população.
Dessas diretrizes estratégicas institucionais derivaram dezessete59
indicadores de desempenho selecionados para a avaliação da Agência e suas respectivas
59 Em 22/11/2002, foi assinado o 1º Termo Aditivo ao CG 2002/04, conforme recomendação da Comissão de
Acompanhamento, visando a incorporação de duas ordens de alterações: 1) repactuação das metas anuais de 3
indicadores (Taxa de migração de registro definitivo de produtos; Grau de regulação das operadoras; e Grau de
ressarcimento ao SUS I) e 2) inclusão do indicador Grau de Ressarcimento ao SUS II.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 80 -
metas anuais, divididos em três blocos: 1º) três indicadores relativos à consolidação do
modelo de regulação para o setor; 2º) sete indicadores operacionais destinados ao
monitoramento do modelo regulatório adotado; e 3º) sete indicadores relacionados à
consolidação da infra-estrutura do órgão regulador, dotando-o de condições físicas e
materiais para seu pleno funcionamento.
No âmbito da Agência, a Secretaria Geral da Presidência (SEGER) foi
designada como o órgão responsável pela coleta e consolidação das informações
obtidas junto às áreas executoras das ações, centralizando o acompanhamento mensal da
performance dos indicadores de desempenho e cuidando de sua análise e incorporação a
um banco de dados que, posteriormente, serviria de base para a elaboração de relatórios
para a Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Desempenho da ANS, constituída
pela Portaria MS n.º 2007 (de 30/10/2002) e com a mesma composição daquela que
realizou o acompanhamento do Contrato de Gestão 2000/2001.
Os Quadros XVII a XIX contêm os indicadores de desempenho do
Contrato de Gestão da ANS, a fórmula de cálculo (métrica) para a mensurar os
resultados e as respectivas metas pactuadas para o triênio 2002/2004.
Observe-se que algumas dessas metas estão representadas em termos
percentuais, caso de todos os indicadores de consolidação do modelo de regulação
(Quadro XVII). Outras foram simplesmente expressas em unidades, casos (Quadros
XVIII e XIX) do número de fiscalizações pró-ativas, da quantidade de horas de
treinamento do quadro funcional da agência (indicadores de monitoramento do modelo),
ou da realização de pesquisa de opinião (um levantamento a cada ano) junto a usuários,
operadoras e prestadores de serviços para aferir a imagem da ANS e o grau de
satisfação dos consumidores com os seus respectivos planos de saúde.
Sobre os indicadores constantes do Quadro XVII, tem-se um primeiro
– taxa de migração, cujo conceito foi amplificado porque se propõe a quantificar a
parcela do mercado definida como planos de saúde adaptados – total de planos privados
de saúde anteriores a 1º de janeiro de 1999, não regulamentados pela Lei n.º 9.656/98, e
que à ela foram adaptados, somado aos planos contratados após aquela data, isto é, já
sob a égide da nova legislação. O segundo indicador reflete as ações referentes a revisão
e aperfeiçoamento da regulamentação para registro de planos de saúde (produtos) ou o
chamado Sistema de Registro de Produtos (RPS). Para aferir o grau de implementação
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 81 -
das normas atinentes a concessão de registro definitivo às operadoras de planos de
saúde (autorização definitiva de funcionamento), foi estabelecido o terceiro indicador.
Quadro XVII - Indicadores de Consolidação do Modelo de Regulação
META/ANODEFINIÇÃO MÉTRICA2002/3 2004
IMPACTO DAS NORMAS DEREGULAÇÃO NO ESTÍMULO ÀADAPTAÇÃO DOSCONTRATOS
TAXA ANUAL DE MIGRAÇÃO DE PLANOS ANTIGOS PARA PLANOS NOVOSNÚMERO DE PARTICIPANTES DE PLANOS NOVOS X 100TOTAL DE PARTICIPANTES DE PLANOS
35% 45%
TAXA DE MIGRAÇÃO DE REGISTRO PROVISÓRIO DE PRODUTOS PARAREGISTRO DEFINITIVO DE PRODUTOS
NÚMERO DE REGISTROS DEFINITIVOS X 100TOTAL DE REGISTROS PROVISÓRIOS
- 50%CONSOLIDAÇÃO DO MODELODE REGULAÇÃO DOMERCADO DE SAÚDESUPLEMENTAR GRAU DE REGULAÇÃO DE OPERADORAS
NÚMERO DE REGISTROS DEFINITIVOS X 100TOTAL DE REGISTROS PROVISÓRIOS
- 50%
FONTE: Anexo do 2º Termo Aditivo ao Contrato de Gestão 2002/2004
No Quadro XVIII, tem-se um conjunto de indicadores que pretendem
refletir as ações de fiscalização direta e indireta realizadas pela ANS (Montone, 2003),
assim como, a efetividade da cobrança do ressarcimento ao SUS e do cumprimento das
regras relativas ao funcionamento do mercado, em face do modelo regulatório vigente.
Nas ações de fiscalização direta incluem-se as atividades que visam a apuração de
denúncias (originadas pelos consumidores) e representações (iniciadas no âmbito da
própria ANS) – Programa Cidadania Ativa – e diligências programadas nas operadoras
(Programa Olho Vivo).
A fiscalização indireta, por sua vez, compreende as atividades de
acompanhamento e monitoramento das operadoras, a partir de informações coletadas
periodicamente – assistenciais, econômico-financeiras e cadastrais – e do cruzamento
sistemático de todas as informações disponíveis, inclusive a incidência de reclamações e
a aplicação de multas. Como exemplos desse tipo de ação fiscalizatória, pode-se citar os
Planos de Recuperação, os Regimes Especiais de Intervenção da ANS (direção fiscal,
direção técnica e liquidação extrajudicial), a Alienação Compulsória de Carteiras e os
Termos de Compromisso de Ajuste de Conduta (TCAC). Como ressaltou Montone
(2003: 41), os instrumentos de ação da fiscalização indireta, e as ações dela
decorrentes, estão na esfera da regulamentação do setor e, em geral, produzem impacto
protetor sobre todos os usuários da operadora.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 82 -
Quadro XVIII – Indicadores de Monitoramento do Modelo de Regulação
META/ANODEFINIÇÃO MÉTRICA
2002/3 2004
PERCENTUAL DE ACOMPANHAMENTOS DERIVADOS DE ANÁLISE TÉCNICA,POR SEGMENTO DE OPERADORA
NÚMERO DE OPERADORAS ACOMPANHADAS X 100TOTAL DE OPERADORAS
80% 100%FISCALIZAÇÕES EACOMPANHAMENTOSREALIZADOS EM GARANTIA AOCUMPRIMENTO DA LEI
N.º DE FISCALIZAÇÕES PRÓ-ATIVAS (PROGRAMA OLHO VIVO)
NÚMERO DE OPERADORAS SUBMETIDAS À FISCALIZAÇÃO PRÓ-ATIVA400 250
APURAÇÃO DE DENÚNCIAS
GRAU DE APURAÇÃO (PROGRAMA CIDADANIA ATIVA)DENÚNCIAS APURADAS X 100
TOTAL DE DENÚNCIAS FORMALIZADAS100% 100%
ACOMPANHAMENTO DOSPADRÕES DE ENTRADA,OPERAÇÃO E SAÍDA DASOPERADORAS DO SETOR
GRAU DE CUMPRIMENTO
NÚMERO DE OPERADORAS COM GARANTIAS FINANCEIRAS x 100
TOTAL DE OPERADORASNÚMERO DE OPERADORAS ADOTANDO CONTABILIDADE PADRÃO X 100
TOTAL DE OPERADORAS
50%
80%
80%
90%
RESSARCIMENTO AO SUS
GRAU DE RESSARCIMENTO
(I) AVISOS DE BENEFICIÁRIOS IDENTIFICADOS (ABIS) RECEBIDOS X 100AVISOS DE BENEFICIÁRIOS IDENTIFICADOS (ABIS) COBRADOS
(II) AVISOS DE BENEFICIÁRIOS IDENTIFICADOS (ABIS) ANALISADOS X 100AVISOS DE BENEFICIÁRIOS IDENTIFICADOS (ABIS) IDENTIFICADOS
35%
76%
40%
80%
FONTE: Anexo do 2º Termo Aditivo ao Contrato de Gestão 2002/2004
O Quadro XIX contempla, de um lado, um pool de indicadores
voltados para a aferição do desempenho da ANS no tocante à continuidade do processo
de consolidação da infra-estrutura propriamente dita, iniciado em 2000 (capacitação e
treinamento do corpo técnico-funcional e gerencial aliada a dotar de condições de pleno
funcionamento unidades descentralizadas de fiscalização e atendimento ao público em
diversos Estados-membros) e, de outro lado, a construção e sistematização de canais de
comunicação e de informação para os agentes envolvidos, como parte fundamental do
processo de regulação do setor (produção e difusão de conhecimento em saúde
suplementar e a realização de pesquisa de opinião sobre a imagem da ANS junto ao
público alvo e sobre o grau de satisfação dos consumidores com os serviços prestados
pelas operadoras).
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 83 -
Quadro XIX - Indicadores de Consolidação da Infra-estrutura do ÓrgãoRegulador
META/ANODEFINIÇÃO MÉTRICA2002/3 2004
SISTEMA DE INFORMAÇÕESEPIDEMIOLÓGICAS DOSUSUÁRIOS DE PLANOS DE SAÚDE
IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA 100% -
IMPLANTAÇÃO DE ESTRUTURADE TECNOLOGIA DAINFORMAÇÃO
GRAU DE IMPLANTAÇÃO DA ESTRUTURA DE TECNOLOGIA DAINFORMAÇÃO 100% -
IMPLANTAÇÃO DE NÚCLEOSREGIONAIS
NÚMERO DE NÚCLEOS COM CAPACIDADE INSTALADA PARA ATENDIMENTOE FISCALIZAÇÃO 4 4
CAPACITAÇÃO DO QUADRO DEPESSOAL
EVENTOS DE AFERIÇÃO:− NÚMERO DE FUNCIONÁRIOS TREINADOS POR PERÍODO (ANUAL)− NÚMERO DE HORAS DE TREINAMENTO POR PERÍODO (ANUAL)
90021.600
45010.800
PRODUÇÃO E DIFUSÃO DOCONHECIMENTO EM SAÚDESUPLEMENTAR
NÚMERO DE SEMINÁRIOS, PALESTRAS E PUBLICAÇÕES REALIZADAS NOPERÍODO 84 30
IMAGEM DA ANS JUNTO AOSUSUÁRIOS, OPERADORAS EPRESTADORES
LEVANTAMENTO DE OPINIÃO 2 1
SATISFAÇÃO DO USUÁRIO COMOS SERVIÇOS PRESTADOS PELASOPERADORAS
LEVANTAMENTO PARA MEDIR:
GRAU DE CONHECIMENTO DOS USUÁRIOS SOBRE SEUS DIREITOS BÁSICOS/GRAU DE SATISFAÇÃO DO USUÁRIO C/ SERVIÇOS PRESTADOS P/ OPERADORAS
2 1
FONTE: Anexo do 2º Termo Aditivo ao Contrato de Gestão 2002/2004
Para este novo contrato de gestão, alterou-se a sistemática relativa ao
período 2000/2001 de acompanhamento e avaliação do desempenho da ANS, com a
introdução (Portaria Conjunta MS/ANS n.º 6, de 23/10/2002) de metodologia,
parâmetros, critérios e procedimentos um pouco diferenciados daqueles anteriormente
aplicados. Em primeiro lugar, fixou-se uma periodicidade menor para apresentação de
relatórios de execução à comissão de acompanhamento e avaliação: três relatórios
parciais (trimestrais, preferencialmente) e um relatório final (englobando o último
trimestre de cada ano).
Um segundo aspecto a ser considerado diz respeito aos critérios de
avaliação do desempenho da Agência, buscando-se possibilitar um exame analítico da
execução dos indicadores, na forma constante do artigo 11 do Anexo à Portaria
Conjunta MS/ANS n.º 119, de 2001, que trata da Sistemática de Acompanhamento e
Avaliação. O Quadro XX sintetiza esses critérios.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 84 -
Quadro XX - Critérios de Avaliação do Desempenho da ANS - 2002/2004
AVALIAÇÃO DA EXECUÇÃO DOS INDICADORES DE DESEMPENHO
ÍNDICE REALIZADO CONCEITO RESULTADO
> 71% DA META PACTUADA “A” (SUFICIENTE) META CUMPRIDA
< 71% DA META PACTUADA “B” (INSUFICIENTE) META NÃO CUMPRIDA
AVALIAÇÃO DA EXECUÇÃO DO CONTRATO DE GESTÃO 2002/2003
IGUAL OU ACIMA DE 75% DOS INDICADORES COM CONCEITO “A” CUMPRIMENTO SATISFATÓRIO
ABAIXO DE 75% DOS INDICADORES COM CONCEITO “A” DESCUMPRIMENTO
FONTE: Art. 11, Anexo Port. MS/ANS n.º 6/02 (Sistemática de Acompanhamento – C. Gestão 2002/2004)
2.3.1. Análise do Contrato de Gestão da ANS – 2002/2004
É importante destacar que o contrato de gestão 2002/2004 não foi
avaliado pela Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Desempenho da ANS,
instituída pela Portaria MS/ANS n.º 6/2002, já que não houve designação formal dos
seus novos integrantes, tanto pelo Ministério da Saúde como pelo Ministério do
Orçamento, Planejamento e Gestão. Desta forma, embora haja um Relatório Parcial
elaborado pela ANS, aprovado por sua Diretoria Colegiada, o mesmo não foi objeto de
avaliação pela comissão ou divulgação oficial por parte da Agência, ficando prejudicada
a análise sobre a evolução dos indicadores e metas do referido instrumento de gestão.
Algumas observações, todavia, podem ser apresentadas apenas com
base no próprio contrato de gestão firmado em 2002 e prorrogado até 2004. Uma
primeira constatação sobre o novo contrato se relaciona à definição das metas, critérios
e indicadores de desempenho, mais concisos e enfatizando a consolidação e o
monitoramento do modelo regulador adotado, sem abandonar de todo a questão da
infra-estrutura organizacional, mas a ela destinando um peso menor em relação ao
contrato 2000/2001. Com efeito, no contrato anterior, as metas relativas à infra-estrutura
corresponderam a 47% (15 em 32 metas) do total, ao passo que no contrato 2002/2004
respondem por 41% (7 de 17 metas).
Um segundo aspecto diz respeito à forma de apuração dos indicadores
(métricas), os quais, em sua maioria (casos daqueles constantes dos Quadros XVI e
XVII), estão expressos em termos comparativos ou relativos, diversamente do que
ocorreu com o contrato 2000/2001. Isto, obviamente, pode ser explicado pelo fato de
que a execução do primeiro contrato coincidiu com o processo de instalação da ANS, e
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 85 -
pelo acúmulo de informações após dois anos de funcionamento, facilitando a construção
de indicadores mais objetivos e passíveis de mensuração.
Por último, e não menos relevante, no atual contrato de gestão foi
reproduzida a meta de adaptação ou migração dos planos anteriores à lei n.º 9.656,
questão que se tornou premente face à decisão do Supremo Tribunal Federal (ADIN n.º
1931-8), em meados de agosto passado, julgando inconstitucional o artigo 35-E60 da lei
dos planos e, portanto, sua inaplicabilidade aos contratos antigos (firmados antes de 1º
de janeiro de 1999), decisão que, na prática, implicou o reconhecimento de que
passaram a valer as cláusulas pactuadas entre consumidores e operadoras naqueles
contratos, alcançadas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), mas afastadas do
poder regulatório da ANS.
60 O art. 35-E da Lei n.º 9.656/98 estabeleceu regras para os planos anteriores a 01/01/99: reajustes decontraprestações pecuniárias para consumidores com mais de 60 anos de idade e para planos individuais e familiaresdependiam de prévia autorização da ANS; vedação ao rompimento unilateral dos contratos e da interrupção deinternação hospitalar, além de regular as questões sobre DLP.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 86 -
CAPÍTULO III:CONSIDERAÇÕES FINAIS – SUBSÍDIOS À ESTRUTURAÇÃO
DO CONTRATO DE GESTÃO DA ANS
3.1 Subsídios à Estruturação do Contrato de Gestão da ANS: Perspectivas
Partindo da premissa de que a estrutura organizacional do aparelho de
Estado está dividida em diversos órgãos com variadas funções, bem como que a
interação e integração desses órgãos constituem um dos principais entraves ao
funcionamento de um Governo, na tentativa de superar conflitos e fazer fluir as ações
governamentais que atendam às expectativas da sociedade (refletidas pelo resultado dos
pleitos eleitorais), Adam Przeworski (1999) desenvolveu os conceitos e tipos de
mecanismos de controle que poderiam ser adotados para corrigir rotas e preservar a
relação entre o que prometeram os eleitos e o que esperam os eleitores.
Neste prisma, entende-se que o contrato de gestão, nos moldes do que
foi adotado pela ANS, representa um mecanismo de controle horizontal ou checks and
balances, na medida em que opera como um dispositivo limitador das ações da agência,
sujeita na fase pré-contrato61 a análise e aprovação das diretrizes, metas e indicadores de
desempenho pelo CONSU e na fase de execução do contrato a supervisão e controle do
Ministério da Saúde.
Na relação estabelecida pelo contrato de gestão, o órgão supervisor
(MS) é o principal e a ANS, o agent, atuando aquele instrumento como um sistema de
pesos e contrapesos para assegurar, de um lado, a obtenção dos resultados propostos e,
de outro, que as ações do agent sejam desenvolvidas em consonância com as políticas e
diretrizes gerais e específicas fixadas pelo principal para a área de saúde como um todo,
pública e privada.
O Ministério da Saúde deve supervisionar a ANS, mediante um
mecanismo institucional de controle horizontal, o contrato de gestão, dentro do
processo de delegação de autoridade, inexorável em sociedades democráticas como
sustenta Przeworski (1999), podendo intervir, respaldar ou vetar as ações do órgão
supervisionado, determinando, inclusive, a perda do mandato dos dirigentes da ANS,
caso o contrato não seja cumprido.
Há que se reconhecer que a relação principal-agente implícita no
contrato de gestão, embora não garanta por si só o controle social – no sentido mais
amplo defendido por Przeworski (1999) – sobre as ações da ANS, representa um fator
limitador a sua autonomia e independência, sem que isto signifique necessariamente a
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 87 -
perda de seu poder regulador, ao contrário, apenas impõe que no exercício desse poder,
a agência mantenha a relação de afinidade com as diretrizes gerais e específicas
emanadas do órgão central (principal) de formulação de políticas de saúde.
No caso da ANS, formam-se ainda dois outros tipos de relações
principal-agente afora aquela representada pelo contrato de gestão: a política anual de
reajuste de preços para os planos individuais e familiares somente pode ser estabelecida
pela agência em conjunto com os Ministérios da Saúde e da Fazenda; e a
regulamentação de matérias que envolvam aspectos econômicos, financeiros e contábeis
devem observar as diretrizes gerais fixadas pelo CONSU.
Portanto, na fixação da política anual de reajustes de planos de saúde,
os Ministérios da Fazenda e da Saúde operam como principais da ANS, função também
destinada ao CONSU em relação ao regramento do mercado de saúde suplementar
quanto aos seus aspectos econômicos em sentido amplo. Mais, no caso deste último,
quando se considera que o próprio conteúdo do contrato de gestão acha-se sujeito à sua
prévia aprovação, antes de sua assinatura pelo Ministério da Saúde e pela Agência.
Aqui, surgem duas questões que parecem relevantes: 1) o tempo
demandado para que se promova as consultas obrigatórias (legalmente impostas)
àqueles órgãos, com vistas à obtenção de sua concordância com as propostas elaboradas
pela ANS ou para a realização de eventuais ajustes, anteriormente à edição de novas
normas; 2) se estes órgãos encontram-se devidamente aparelhados para fazer frente a
essas funções.
No que diz respeito à primeira questão, a experiência62 tem
demonstrado que o exame e a manifestação dos Ministérios da Fazenda e da Saúde no
tocante à política anual de reajuste dos planos de saúde demandam, ao menos, quatro
meses até a formalização do posicionamento oficial daqueles órgãos. Somente após
ultrapassada essa formalidade é que a ANS pode editar o respectivo normativo,
estabelecendo as regras e o percentual máximo de reajuste permitido para os planos
individuais e familiares. Na prática, como as regras devem estar disponibilizadas
impreterivelmente entre os meses de abril e maio de cada ano, isto implica que o
processo de consulta a ambos os ministérios deve ser iniciado no máximo em janeiro de
cada exercício, sob pena de não ser implementada a política anual de reajuste para o
setor.
61 Vide Figura II.62 Para fixação da política de reajuste anual nos exercícios de 2001, 2002 e 2003, os processos de consulta aosMinistérios da Fazenda e da Saúde foram iniciados em janeiro de cada ano, gerando as Resoluções RDC n.º 66, de04/05/2001; RN n.º 8, de 27/05/2002 e RN n.º 36 de 17/04/2003.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 88 -
Sobre a questão de tempo demandado, merece atenção também a
análise e a aprovação prévias pelo CONSU dos termos do contrato de gestão: o
instrumento atualmente vigente (período 1º/1/2002 a 31/12/2004) apenas foi aprovado e
considerado apto para ser celebrado entre o Ministério da Saúde e a ANS com a
publicação da Resolução CONSU n.º 2 em 3 de abril de 2002, ou seja, após decorridos
três meses do início previsto para vigência do contrato, 1º de janeiro de 2002, embora o
encaminhamento formal da proposta por parte da Agência àquele Conselho tenha se
dado em outubro de 2001. A Figura abaixo contém a esquematização dos passos
necessários para deliberação pelo CONSU sobre o contrato de gestão da ANS.
Figura V – Esquema de Aprovação do Contrato de Gestão ANS/MS pelo CONSU
O processo de deliberação na esfera do CONSU sobre o contrato de
gestão se inicia com o encaminhamento simultâneo da proposta elaborada pela ANS,
após aprovação de sua Diretoria Colegiada, aos titulares de cada uma das quatro pastas
que integram o Conselho.
A tramitação do processo em cada Ministério segue um padrão
bastante similar, com a realização pelas respectivas áreas técnicas (normalmente, a
cargo das Secretarias Executivas, como nos Ministérios da Saúde e da Justiça) e
jurídicas (Consultorias Jurídicas de cada Ministério, vinculadas à Advocacia-Geral da
União) da análise dos aspectos relacionados às diretrizes gerais e estratégicas e às
questões de caráter legal. A exceção corre por conta do Ministério da Fazenda, onde o
contrato de gestão é submetido ao seu órgão jurídico (Procuradoria Geral da Fazenda
Nacional, no caso), porém, há a exigência ainda do exame de seus termos pela
Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) e pela Secretaria do Tesouro
ANS CONSU
Min. daSaúde
Min. daFazenda
Min. doPlanejamento
Min. daJustiça
ANS
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 89 -
Nacional (STN), antes da manifestação final do titular da pasta. Esse rito se aplica a
qualquer matéria que dependa da posição oficial do Ministério da Fazenda, mesmo
quando inexistam implicações de ordem financeira, como por exemplo o
comprometimento de recursos da União com a execução do contrato de gestão.
A razão principal desse exame minucioso por parte da Fazenda, órgão
que mais tempo demandou para se posicionar, pode ser explicada por duas das diretrizes
estratégicas que compõem a peça inicial do contrato de gestão 2002/2004 da ANS:
regular o setor para prestação de serviços de qualidade, com garantias assistenciais, a
um preço justo, estimulando a ampliação de coberturas ofertadas e possibilitando o
acesso à saúde suplementar (grifo nosso). A Secretaria de Acompanhamento
Econômico do Ministério da Fazenda entendeu que a expressão grifada remetia à
política anual de reajuste estabelecida pela Agência, contudo, sem deixar claro que isto
dependeria da anuência prévia do Ministério da Fazenda, nos termos do artigo 4º, inciso
XVII, da Lei n.º 9.961/2000.
A segunda diretriz estratégica, promover a competitividade saudável,
zelando pela manutenção da estabilidade do setor e estabelecendo e controlando
padrões de entrada, operação e saída das operadoras, também mereceu a ressalva da
SEAE, embora menos enfática vis a vis a primeira, por não estar mencionado
explicitamente que deveriam ser observadas as regras da Lei n.º 8.884, de 11 de junho
de 1994, que regulamenta a ordem econômica nos aspectos afetos à defesa da
concorrência, conforme previsto na própria lei de criação da ANS (Lei n.º 9.961/2000,
art. 4º, inciso XXII).
O tempo decorrido apenas para a manifestação do Ministério da
Fazenda sobre o contrato de gestão 2002/2004, quando se considera que a consulta foi
iniciada, concomitantemente a todos os membros do CONSU, em outubro de 2001 e a
posição do Ministro da Fazenda apenas foi formalizada à Presidência do CONSU
(Ministro da Justiça) em fins de março de 2002, aponta, sem dúvida, para a necessidade
de serem revisados e melhor planejados alguns prazos na tramitação da proposta de
contrato de gestão da ANS, tanto no âmbito da Agência como na esfera dos Ministérios
envolvidos. Isto porque o CONSU – sendo um conselho integrado exclusivamente por
Ministros de Estado – obviamente, não conta e nem deveria contar com uma estrutura
administrativa ou técnica que lhe fornecesse o suporte necessário para a análise e
deliberação sobre questões como o contrato de gestão da ANS. Logo, torna-se quase um
processo natural que seus integrantes se valham das correspondentes estruturas
administrativas e técnicas de suas pastas para firmar um posicionamento.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 90 -
Assim, uma primeira medida que objetive agilizar a tramitação e o
exame do contrato de gestão pelo CONSU e contribuir para sua aprovação em tempo
hábil (anterior à vigência do contrato), não deve dispensar a sistematização e
formalização pela ANS dos procedimentos internos necessários à elaboração e
aprovação (pela Diretoria Colegiada) da proposta de contrato de gestão, semelhante à
sistemática de acompanhamento e avaliação do desempenho da Agência implementada
na fase pós-assinatura do contrato, fixando-se prazos para cada etapa desenvolvida,
inclusive quanto à data limite para envio da proposta ao CONSU que, como demonstrou
o trâmite para aprovação do atual contrato de gestão, demanda ao menos cinco meses
para deliberar sobre o tema.
O passo inicial seria, tal como se deu nos contratos 2000/2001 e
2002/2004, a definição pela Diretoria Colegiada da ANS das diretrizes estratégicas que
norteariam as ações do órgão no período abrangido pelo contrato de gestão, a partir das
quais se construiriam as metas e os indicadores de desempenho. A inovação ficaria por
conta da constituição de um grupo permanente de trabalho, formado por técnicos de
todas as cinco diretorias da Agência, com atribuições formalmente estabelecidas que
contemplassem, além da elaboração e apresentação da proposta final do contrato à
Diretoria Colegiada, a coleta de informações e o acompanhamento de todas as fases que
envolvessem a confecção do contrato e, após sua assinatura junto ao Ministério da
Saúde, a sua execução. Neste último caso, o objetivo principal seria promover um
acompanhamento interno da execução do contrato de gestão, centralizando-se a
produção e o fornecimento de todas as informações e relatórios tanto à Diretoria da
Agência quanto à Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Desempenho do
Contrato de Gestão. Portanto, a criação deste grupo de trabalho não importaria qualquer
ingerência ou sobreposição de funções em relação àquela comissão, cuja tarefa é
auxiliar o Ministério da Saúde no exercício de sua atribuição de supervisor (principal)
da ANS (agente) via o contrato de gestão.
Uma segunda medida, tão ou mais importante que aquela que se refere
a prazos, diz respeito ao estabelecimento de mecanismos que auxiliem na superação de
certas dificuldades encontradas, no âmbito do CONSU e do Ministério da Saúde,
relacionadas ao próprio significado e função de um contrato de gestão. Pode-se afirmar
que, pelo menos três ocorrências corroboram essas dificuldades: 1) a alteração da
composição do CONSU em 200163, com a retirada da Casa Civil da Presidência da
63 O decreto 4.044, de 2001, alterou a composição do CONSU, antes integrado por cinco Ministros de Estado e quepassou a contar com apenas quatro.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 91 -
República, cujo titular o presidia; 2) a exigência de manifestação da STN no Ministério
da Fazenda quando não há recursos do Tesouro envolvidos na execução do contrato de
gestão da ANS, que nada mais representa do que um pacto de metas e resultados; 2) a
não constituição, por parte do Ministério da Saúde, da Comissão de Acompanhamento e
Avaliação do Desempenho do Contrato de Gestão 2002/2004, embora a Sistemática
tenha sido estabelecida com a edição da Portaria Conjunta MS/ANS n.º 6, de 2002.
Neste caso, não se constatou qualquer movimento do órgão supervisor no sentido de
reconduzir ou substituir seus integrantes, ou até mesmo reformular a composição da
comissão ou as regras de acompanhamento ou avaliação da Agência.
A modificação da composição do CONSU, em 6 de dezembro de
2001, contribuiu em parte para o retardamento da conclusão do processo de análise e
deliberação sobre o contrato de gestão 2002/2004. De um lado, o processo já havia sido
iniciado em outubro daquele ano e encaminhado à Casa Civil; de outro, sempre fora a
Casa Civil que centralizava e conduzia todos os assuntos e procedimentos afetos ao
CONSU, inclusive, realizando a interface necessária com os demais Ministérios. Por
conseguinte, o que poderia parecer um ganho num primeiro momento, representado pela
redução do número de integrantes do CONSU, na prática, se mostrou mais um
obstáculo a ser transposto.
A análise pela STN, antes do posicionamento formal do Ministro da
Fazenda, pode ser entendida quando se considera o fato de que, contratos de gestão
eram normalmente firmados entre órgãos da administração direta federal e organizações
sociais (OSCIP) e, portanto, implicavam desembolso de recursos do Tesouro Nacional.
Deste modo e com o intuito de superar essas dificuldades, a ANS
poderia tomar a iniciativa de propor ao CONSU e ao Ministério da Saúde que, também,
fossem sistematizados e formalizados os procedimentos relativos às etapas pré e pós-
contrato de gestão, além de, no caso deste último, reforçar-se o papel da Comissão de
Acompanhamento e Avaliação, principalmente, quando a intenção manifesta do atual
Governo é lançar mão do contrato de gestão como mecanismo complementar de
controle social sobre todas as agências reguladoras.
Sob a ótica da teoria dos custos de transação formulada por
Williamson (apud Fiani, 2002), o contrato de gestão não deixa de representar uma
relação de autoridade, configurada no vínculo que se instala entre dois agentes públicos,
um dos quais detém autoridade para fixar um conjunto de ações a ser executado pelo
outro agente, espelhadas em metas e objetivos que serão acompanhados e avaliados ao
longo da execução do pacto. No contexto da teoria de Williamson, o Ministério da
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 92 -
Saúde é o agente detentor da autoridade e a ANS o agente executor, e todo e qualquer
conflito deverá ser superado no decorrer da relação estabelecida.
Na visão de Fiani (2002), a relação de autoridade constitui uma
relação de governança específica de transação, que pode ser traduzida como a
capacidade de governo do Estado. É nesse tipo de arcabouço institucional que será
desenvolvida a relação ou transação entre os agentes envolvidos.
Como ressaltou Przeworski (1999), é o modelo institucional e
estrutural do aparato do Estado (produto da vontade política) que definirá, em última
instância, o grau de controle e participação social que se pretende implementar em
relação aos órgãos públicos, evitando que os mesmos se transformem em unchecked
power e permitindo que operem como agentes facilitadores do controle público sobre as
ações de governo.
Claro está que, embora mecanismos de controle como o contrato de
gestão, representem um importante instrumento de checks and balances, na medida em
que se prestem a supervisionar e monitorar as ações dos órgãos públicos, sobretudo
quando estes gozam de autonomia, outros mecanismos de controle social devem ser
buscados para que a sociedade exerça um controle mais efetivo sobre as ações
governamentais.
Além disso, os órgãos supervisores devem estar aparelhados e
capacitados para exercer suas funções de principal ou de autoridade. Sobre isto, como já
se apontou, é revelador o fato de que o Ministério da Saúde não tenha instalado ainda a
Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Contrato de Gestão 2002/2004,
sobretudo e, reafirme-se, em função da ênfase destinada aos mecanismos de
participação e controle social, como o contrato de gestão, no Relatório do Grupo de
Trabalho Interministerial (Brasil. Presidência da República, 2003).
Apesar do enfático posicionamento contido no citado Relatório, no
geral, a implementação de instrumentos de participação e controle social nas agências
reguladoras não traz grandes inovações, se considerado o caso da ANS,
especificamente.
Primeiro, desde sua criação a agência está submetida a um contrato de
gestão junto ao Ministério da Saúde; segundo, porque dois dos instrumentos
propugnados – consultas públicas e criação de ouvidoria – também lograram ser
efetivados no âmbito da ANS. O decreto n.º 3.327, de 2000, instituiu o Regulamento da
agência e estabeleceu a consulta pública como um instrumento (art. 35) de participação
da sociedade em geral nos temas relativos a saúde suplementar, objetivando a coleta de
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 93 -
sugestões e propostas sobre matérias reguladas pela ANS, antes de sua normatização. A
estrutura organizacional da ANS conta com uma ouvidoria, conforme art. 5º da lei n.º
9.961/00, em funcionamento desde fins de 2002.
Em terceiro lugar, a ampliação do papel das entidades de defesa do
consumidor nos processos de acompanhamento de consultas públicas e de outras
atividades desenvolvidas pelos órgãos reguladores, ainda que meritória, não parece
suficientemente tratada quando se considera o teor do Relatório do Grupo de Trabalho
(Brasil. Presidência da República, 2003) quer sob o ponto de vista da operacionalização,
quer com referência à forma como serão custeadas as despesas das entidades como
decorrência das novas atribuições. Destinar recursos públicos para financiamento de
entidades privadas e representativas de parcela dos agentes econômicos de determinado
setor regulado, com a contratação de especialistas (expert) que as representem e
acompanhem o desenrolar das consultas públicas (Presidência da República, 2003: 6),
pode significar, na prática, precedente para que outras entidades reivindiquem
tratamento isonômico, além de privilegiar determinadas instituições (em geral, mais
organizadas por conta do conhecimento e experiência acumulados desde 1990, com a
edição do CDC) em detrimento de outras. Ressalte-se que a Câmara de Saúde
Suplementar (CSS), criada juntamente com a ANS, foi configurada como uma instância
consultiva e permanente de participação, onde o peso das entidades representativas dos
consumidores (entidades de defesa dos direitos dos consumidores, de usuários de planos
de saúde, de portadores de patologias especiais, sindicatos e centrais de trabalhadores) é
de 27% na sua composição total (art. 13 da lei n.º 9.961/00).
A proposta de incremento da transparência das regras de regulação,
como um quarto mecanismo de controle social, poderia se valer tanto do fortalecimento
de instrumentos como consultas públicas quanto da criação de instâncias participativas
e, no caso das já existentes, com ampliação de suas atribuições e representatividade.
O quinto instrumento de controle social (Brasil. Presidência da
República, 2003), instituir a prestação periódica de contas ao Poder Legislativo, parece
ser a principal inovação proposta, embora pudesse ser aprimorada se, ao invés de
apenas tornar obrigatória e definir a periodicidade da prestação de contas, funcionasse
como uma espécie de mecanismo vertical de controle, incorporando a tese de
Przeworski (1999). Neste sentido, poderia ser proposta a criação de uma ou mais
comissões permanentes no Congresso com a tarefa de controlar e fiscalizar a atuação
das agências reguladoras, argumentando-se, desde logo, que esse procedimento não se
caracterizaria como ingerência política, afinal os dirigentes dos órgãos reguladores
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 94 -
detêm mandato, cuja eficácia depende de nomeação pelo Chefe do Poder Executivo,
mas se sujeita à prévia aprovação (sabatina) do Senado.
O mecanismo de controle vertical, por excelência, para O’Donnell
(1999) são as eleições, ainda que representem uma forma insuficiente de controle sobre
os governos e políticos eleitos, segundo Przeworski e Cheibub (1997), e resultem em
dotar de elevado grau de autonomia os agentes públicos aos quais compete executar as
ações que visem atender as demandas e expectativas dos eleitores. É o mecanismo
vertical de controle (eleições) que garante a dimensão democrática da accountability, de
acordo com O’Donnell.
Assim, o Parlamento poderia atuar com duplo papel: de fiscalizador
em relação às agências e de fiscalizado em relação aos eleitores, implementando-se
procedimentos de cobrança e de prestação de contas, de transparência e de publicização,
reduzindo-se, em paralelo, a assimetria de informações em favor da sociedade.
Com efeito, como indica o próprio Relatório do Grupo de Trabalho
Interministerial (Brasil. Presidência da República, 2003) o contrato de gestão constitui
apenas um dos instrumentos de que pode lançar mão a Administração Pública Federal
no intuito de implementar um tipo de controle sobre as agências reguladoras.
Tendo como base a experiência da ANS, é possível notar uma
evolução na construção das metas e indicadores de desempenho do primeiro
(2000/2001) para o atual contrato de gestão (2002/2004), refletindo, em princípio, as
opções no segundo contrato pelas ações centradas muito mais na questão da regulação
propriamente dita, na tentativa de consolidar o modelo adotado para regular o setor de
saúde suplementar.
Não obstante, pode-se apontar também duas ordens de desafios que se
colocam quanto aos futuros contratos de gestão da ANS: um primeiro relacionado com
o órgão supervisor, o MS, que deve se aparelhar para exercer o papel de principal e
monitorar mais de perto a execução das atividades e das metas propostas no contrato,
independentemente das funções e atribuições da comissão de acompanhamento e
avaliação. Um segundo, evidentemente, engloba a seleção de metas e a correspondente
construção de indicadores, processo este que deve ser aperfeiçoado, considerando a
experiência e conhecimento acumulados após quatro anos de criação.
Neste segundo aspecto, parece bastante nítido o fato de que, após 4
anos de ações voltadas para a implantação e consolidação da infra-estrutura da ANS, as
metas relacionadas à atividade-meio já se esgotaram, à exceção da questão – urgente ao
que parece – da formação do quadro de recursos humanos, relacionada diretamente com
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 95 -
a necessidade de realização de concurso público (uma vez definido pelo governo atual
que os quadros das agências reguladoras serão supridos por cargos e não por empregos
públicos, conforme Medida Provisória nº 155, de 2003) e com a implementação de um
programa de capacitação associado não mais a uma situação na qual o corpo técnico-
funcional da ANS tenha caráter transitório (contratos temporários de trabalho), mas
vinculado a um processo de profissionalização de médio e longo prazos.
Ainda, em relação ao estabelecimento de metas, seria importante um
esforço no sentido da construção de indicadores focados no acompanhamento do
desenvolvimento do setor de saúde suplementar, em vista do conhecimento e das
informações acumuladas pela ANS ao longo desses 4 anos, por exemplo, como taxas de
crescimento e de sustentabilidade do setor, considerados aspectos como a inovação
tecnológica cuja dinâmica no complexo industrial da saúde assume especial relevância,
conforme ressaltou Gadelha (2003: 534), reconhecendo-se, em última análise, a
natureza capitalista da área de saúde, a produção em massa, a lógica empresarial e
financeira e, sobretudo, a dinâmica das inovações como fatores essenciais para atenuar
o descolamento inerente do sistema capitalista entre a busca do lucro e de mercados e
o atendimento às necessidades sociais e individuais.
É dentro da perspectiva de compreensão da lógica de funcionamento
desse setor (Gadelha, 2003) e do formato organizacional da ANS, que podem ser
viabilizados o fortalecimento dos atuais mecanismos de proteção aos direitos dos
consumidores de planos de saúde e o aperfeiçoamento do aparato regulatório.
De todo modo, avanços foram obtidos ao longo do processo de
implantação e consolidação da ANS enquanto órgão regulador da saúde suplementar,
dentro de um modelo de gestão de recursos com autonomia e independência e,
simultaneamente, integrado com as diretrizes gerais do núcleo estratégico do Estado
(MS, MF, CONSU), utilizando a terminologia do Plano Diretor (Brasil. Presidência da
República, 1995), via um contrato de gestão, dentre outros fatores. Prova disso é o
estágio atual do marco regulatório do setor, embora ainda existam importantes desafios
a ser superados (Montone, 2003).
Sob a ótica administrativa, ainda há aspectos que podem ser
aperfeiçoados. Alguns dependem da superação de entraves burocráticos, como a
formação e capacitação do quadro permanente de recursos humanos cuja definição
constantemente adiada, sem dúvida, acarreta prejuízos à ANS, de um lado, porque
impede a constituição e aperfeiçoamento de um corpo técnico próprio e, de outro,
porque pode favorecer a captura dos atuais reguladores pelos agentes regulados, face à
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 96 -
certeza, dos primeiros, de que há um prazo para o término do vínculo de trabalho coma
agência. Outros dependem de vontade política: aprofundamento do modelo gerencial
associado à agilização de procedimentos administrativos internos, na tentativa de
reverter a fragmentação das diretorias, que funcionam como compartimentos estanques
dentro de uma mesma estrutura, tendo em mente, inclusive, que no desenho atual, o
processo decisório se dá no âmbito de uma diretoria colegiada. O incremento de
consultas públicas e a consolidação do processo de divulgação e disponibilização de
informações sobre o setor constituem outros dois aspectos que podem contribuir para a
ampliação e tornar mais efetiva a participação da sociedade.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 97 -
BIBLIOGRAFIA
Referência Legal
Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. Lei n.º 9.472, de 26/12/1996.
Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL. Lei n.º 9.472, de 16/07/1997.
Agência Nacional do Petróleo – ANP. Lei n.º 9.478, de 06/08/1997.
Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Lei n.º 9.782, de 26/01/1999.
Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS.
§ Lei n.º 9.656, de 03/06/1998;
§ Lei n.º 9.961, de 28/01/2000;
§ Lei n.º 10.185, de 2001;
§ Decreto n.º 3.327, de 05/01/2000 (Regulamento Interno da
ANS);
§ Resoluções da Diretoria Colegiada da ANS;
§ Contratos de Gestão – biênios 2000/2001 e 2002/2004;
§ Relatório Final do Contrato de Gestão – 2000/2001:
março/2002;
Agência Nacional de Águas – ANA. Lei n.º 9.984, de 27/07/2000.
Ministério da Saúde.
§ Portaria Conjunta ANS/MS n.º 119, de 28/08/2001;
§ Portaria Conjunta ANS/MS n.º 6, de 23/10/2002;
§ Regimento Interno da Comissão de Acompanhamento e Avaliação do
Desempenho do Contrato de Gestão da ANS;
§ Relatório Final da Comissão de Acompanhamento e Avaliação do
Contrato de Gestão – 2000/2001.
Referência Bibliográfica
ARAGÃO, Alexandre Santos. (2002), As Agências Reguladoras e a Evolução do
Direito Administrativo Econômico. São Paulo, Forense.
BELUZZO, Luiz Gonzaga & ALMEIDA, Júlio Gomes. (2002), Depois da Queda. Rio
de Janeiro, Editora Civilização Brasileira.
BOBBIO, Norberto. (2000), Teoria Geral da Política: a filosofia e as lições dos
clássicos. Org.: Michelangelo Bovero: capítulo 8. Rio de Janeiro, Editora Campus
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 98 -
BOTELHO, Antonio José Junqueira. (junho de 2002), “Globalização, Regulação e
Neonacionalismo: Uma análise das Agências Reguladoras”, in Revista de Sociologia
Política 18. Curitiba.
BRASIL. Presidência da República (1995), Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado.
BRASIL. Presidência da República (2003), Relatório do Grupo de Trabalho
Interministerial: “Análise e Avaliação do Papel das Agências Reguladoras no Atual
Arranjo Institucional Brasileiro”.
CARNEIRO, Carla B. L. & COSTA, Bruno L. D. (2001), “Inovação institucional e
accountability: o caso dos conselhos setoriais”, trabalho apresentado no VI Congresso
Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública.
Buenos Aires, Argentina.
CHEIBUB, José Antônio & PRZEWORSKI, Adam. (1997), “Democracia, Eleições e
Responsabilidade Política”, in Revista Brasileira de Ciências Sociais, 12 (35), São
Paulo.
COSTA, Nilson R. & RIBEIRO, José M. & SILVA, Pedro L. B. & MELO, Marcos A.
(2002), “As Agências de Regulação Independentes”, in Regulação & Saúde: estrutura,
evolução e perspectivas de assistência médica suplementar. Rio de Janeiro, Eds.
Ministério da Saúde & Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
DALLARI, Dalmo de Abreu. (2002), O Poder dos Juizes. 2ª edição. São Paulo, Editora
Saraiva.
DAMATTA, Roberto. (1993), “Para uma antropologia da tradição brasileira (ou: a
virtude está no meio)”, in Conta de Mentiroso – Sete Ensaios de Antropologia
Brasileira. Rio de Janeiro, Editora Rocco.
DINIZ, Eli. (2001), “Globalização, Reforma do Estado e Teoria Democrática
Contemporânea”, in Revista São Paulo em Perspectiva: 13-22.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.
§ (1999), Parcerias na Administração Pública. São Paulo, Editora
Atlas.
§ (1998), Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Editora Atlas.
ESPING-ANDERSEN, Gosta (1996). Welfare States in Transition - National
Adaptations in Global Economies. United Nations – Research Institute for Social
Development: capítulo 1. Londres, Sage Publications Ltd.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 99 -
FIANI, R. (2002). “Teoria dos Custos de Transação” in Economia Industrial:
Fundamentos e Práticas no Brasil: Orgs. D. Kupfer & L. Hasenclever. Rio de Janeiro,
Editora Campus.
FIGUEIREDO, Diogo de. (2000), Mutações do Direito Administrativo. 2ª edição, São
Paulo, Editora Renovar.
GADELHA, Carlos Augusto G. (2003), “O Complexo Industrial da Saúde e a
Necessidade de um Enfoque Dinâmico na Economia da Saúde” in Ciência & Saúde
Coletiva, 8 (2): 521-535, Rio de Janeiro.
JUSTEN Fº, Marçal. (2002), O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São
Paulo, Dialética.
MELO, Marcos André. (junho de 2001), “A Política da Ação Regulatória:
responsabilização, credibilidade e delegação”, in Revista Brasileira de Ciências Sociais,
vol. 16, n.º 46, São Paulo.
MONTONE, Januario.
§ (2000), Prefácio ao Caderno Publicado contendo o Primeiro
Contrato de Gestão firmado entre o Ministério da Saúde e a ANS.
Rio de Janeiro, ANS.
§ (2001), “Integração do setor de saúde suplementar ao sistema de
saúde brasileiro (3 anos da lei 9.656)”, in Série ANS n.º 2. Rio de
Janeiro, ANS.
§ (2003), “Evolução e Desafios da Regulação do Setor de Saúde
Suplementar - Subsídios ao Fórum de Saúde Suplementar”, in
Série ANS n.º 4. Rio de Janeiro, ANS.
NUNES, Edson. (1999), A Gramática Política do Brasil – Clientelismo e Insulamento
Burocrático. 2ª edição, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor.
O’DONNEL, Guilhermo. (1999), “Horizontal Accountability in New Democracies”, in
The Self-Restraining State: Power and Accountability in New Democracies: Orgs.
Andreas Schedler & Larry Diamond & Mark Plattner. London, Lynne Rienner
Publishers.
PEREIRA, L. C. Bresser e GRAU, Nuria Cunill. (1999). “Entre o Estado e o Mercado:
o Público Não-Estatal”, in O Público Não-Estatal na Reforma do Estado: Orgs. Luiz
Carlos Bresser Pereira & Nuria Curill Grau. Rio de Janeiro, Editora FGV.
PIRES, Adriano. (03/10/2003). “O Risco Regulatório Continua Alto”, artigo publicado
no jornal O Globo: p. 7.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
- 100 -
PONDÉ, J.L.; FAGUNDES, J. e POSSAS, M. (julho/dezembro de 1997), “Custos de
Transação e Política de Defesa da Concorrência”, in Revista de Economia
Contemporânea n.º 2. Rio de Janeiro, PUC – RJ.
PORTER, M.E. (1993), A Vantagem Competitiva das Nações: capítulos 1 e 2. Rio de
Janeiro, Editora Campus.
PRZEWORSKI, Adam.
§ (1996). “Reforma do Estado: Responsabilidade Política e
Intervenção Econômica”, in Revista Brasileira de Ciências
Sociais, n.º 32, a.11: 18-40.
§ (1998). “Sobre o desenho do Estado: uma perspectiva agent x
principal”, in Reforma do Estado e Administração Pública
Gerencial: Orgs. Luiz Carlos Bresser Pereira e Peter Kevin Spink.
Rio de Janeiro, Editora FGV.
§ (1999). “O Estado e o Cidadão”, in Sociedade e Estado em
Transformação: Orgs. Luiz Carlos Bresser Pereira, Jorge Wilheim
& Lourdes Sola. São Paulo, Editora UNESP.
SANTOS, Luiz Alberto. (05/12/2003). “Contrato de Gestão e Agências Reguladoras”,
artigo publicado no jornal Folha de São Paulo: p. 3.
SERRA, José. (24/06/2001). ”As Reformas Esquecidas”, artigo publicado no Jornal do
Brasil: p. 13.
SCHEDLER, Andréas. (1999), “Conceptualizing accountability”, in The self-
Restraining State. Power and Accountability in New Democracies. London, Lynne
Rienner Publishers.
SCHUMPETER, Joseph. (1975). Capitalism, Socialism and Democracy. New York,
Harper Perennial.
SILVA, Fernando Quadros. (2002). Agências Reguladoras – A sua Independência e o
Princípio do Estado Democrático. Curitiba, Juruá Editora.
TAVARES, José Antônio Giusti. (2002). “A Mediação dos Partidos na Democracia
Representativa Brasileira”. Trabalho apresentado no Helen Kellog Institute for
International Studies of University Notre Dame, Inglaterra.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com