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-1- Ministério da Saúde Agência Nacional de Saúde Suplementar Fundação Oswaldo Cruz Escola Nacional de Saúde Pública Fundação Getúlio Vargas TÍTULO: Contrato de Gestão – Uma das formas de controle das agências reguladoras pelo Governo: o Caso da ANS Candidata: Márcia Regina Ungarette Orientador: Prof. Dr. Carlos Augusto Grabois Gadelha RIO DE JANEIRO 2004 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

TÍTULO: Contrato de Gestão – Uma das formas de controle ... · 1.1.2 O Estado e o Cidadão – formas de controle ..... 15 1.1.2.1 Mecanismos horizontais: checks and balance

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Ministério da Saúde

Agência Nacional de Saúde Suplementar

Fundação Oswaldo Cruz

Escola Nacional de Saúde Pública

Fundação Getúlio Vargas

TÍTULO: Contrato de Gestão – Uma das formas de

controle das agências reguladoras pelo Governo: o Caso

da ANS

Candidata: Márcia Regina Ungarette

Orientador: Prof. Dr. Carlos Augusto Grabois Gadelha

RIO DE JANEIRO2004

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, gostaria de agradecer à diretoria colegiada da Agência

Nacional de Saúde Suplementar pela iniciativa de aprovar e patrocinar em 2002 o

primeiro mestrado profissionalizante, conjuntamente com um MBA, em saúde

suplementar, iniciativa sem a qual esse trabalho não seria viabilizado.

Aos professores das duas instituições envolvidas nesse projeto, ENSP

e FGV/RJ.

Agradeço ao meu orientador, Gadelha, pela paciência e

disponibilidade.

Aos meus queridos amigos Roger, Samara, Margarete, Roberto e

Marísia, por me ajudarem a superar obstáculos, pelo incentivo e apoio para a finalização

dessa dissertação.

Finalmente,um agradecimento especial ao meu amigo Januario, quem

primeiro forneceu a idéia central que resultou nesse trabalho.

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RESUMO

Este trabalho constitui um esforço para a compreensão do contrato de

gestão como um instrumento válido de acompanhamento e avaliação do desempenho

das agências reguladoras, considerando a reforma do aparelho do Estado proposta (e

não completada) pelo governo FHC, a partir de meados dos anos 90, e segundo a

perspectiva da relação agente-principal e das formas de representação e controle da

sociedade sobre o Estado desenvolvidas por Adam Przeworski e, de modo mais restrito,

da relação de autoridade presente na teoria dos custos de transação de Williamson.

Para esse estudo foi realizada uma revisão da literatura disponível

sobre o tema e enfocada a experiência da Agência Nacional de Saúde Suplementar

(ANS), órgão regulador do setor de planos privados de saúde, com os contratos de

gestão 2000/2001 e 2002/2004. Ao final do trabalho, sugere-se a necessidade de um

enfoque alternativo às metas e aos objetivos do contrato de gestão da ANS, que

incorporem a dinâmica de transformação econômica e institucional do setor de saúde

suplementar.

ABSTRACT

This work contributes to the understanding of contract of management

such as a valid instrument of control and evaluation of regulatory agencies, taking in

account the reform of state proposed (and yet not fulfilled) by President FHC

administration, in the 90’ years. To this purpose, it was used the approach of agent-

principal relationship and society representation and control of the state, both developed

by Adam Przeworski, and in a restrict way the concept of authority relationship

presented in Williamson’s theory of transactions costs.

For the realization of this study a review of the available literature

about regulation was conducted. This study focus on the experience of the Agência

Nacional de Saúde Suplementar (ANS), the brazilian regulatory agency for the private

health market, and its contract of management in the periods 2000/2001 and 2002/2004.

In the final, it is suggested the need of an alternative approach about its targets and

objectives in order to incorporate the dynamics of economical and institutional

transformation of the private health market.

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SUMÁRIO

Apresentação: ............................................................................................................. 7Introdução: .................................................................................................................. 8Capítulo I: O Estado e seu Papel na Economia – Criação das AgênciasReguladoras na Experiência Brasileira....................................................................... 12

1.1 O Estado – Representatividade, Formas de Controle e Sociedade .................. 121.1.1 O Estado e a Representatividade ................................................................ 121.1.2 O Estado e o Cidadão – formas de controle ............................................ 15

1.1.2.1 Mecanismos horizontais: checks and balance ..................................... 181.1.2.2 Mecanismos verticais: eleições ............................................................ 221.1.2.3 Mecanismos verticais: democracia participativa.................................. 24

1.1.3 O Estado e a Desigualdade Social.............................................................. 251.2 O Papel do Estado .......................................................................................... 28

1.2.1 O Debate sobre o Papel do Estado ............................................................ 281.2.2 O Modelo do Aparelho de Estado brasileiro ............................................. 331.2.3 O Novo Papel do Estado – Reforma do Estado brasileiro ........................ 38

1.3 As agências na Atual Configuração do Aparelho de Estado .......................... 411.3.1 Criação das Agências................................................................................. 411.3.2. Inserção da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS no Modelo

de Agências Reguladoras ........................................................................................... 48Capítulo II: Contrato de Gestão como Mecanismo de Controle e Acompanhamento

das Ações das Agências Reguladoras: o caso da ANS.......................... 542.1 Sobre o Contrato de Gestão ............................................................................. 542.2 O Contrato de Gestão no âmbito da ANS ........................................................ 62

2.2.1 O Primeiro Contrato de Gestão da ANS – período 2000/2001 ................. 642.2.2 A Análise do Contrato de Gestão da ANS – 2000/2001 ........................... 74

2.3 Contrato de Gestão da ANS – 2002/2004 ....................................................... 792.3.1 Análise do Contrato de Gestão da ANS – 2002/2004 ............................... 84

Capítulo III: Considerações Finais e Subsídios à Estruturação do Contrato deGestão da ANS............................................................................................................ 86

3. 1 Subsídios à Estruturação do Contrato de Gestão da ANS: Perspectivas....... 86Bibliografia ................................................................................................................. 97

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LISTA DE SIGLAS

ABRAMGE – Associação Brasileira de Medicina de Grupo e Empresarial

AIH – Autorização de Internação Hospitalar

AMB – Associação Médica Brasileira

ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações

ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica

ANP – Agência Nacional do Petróleo

ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica

CG – Contrato de Gestão

CSS – Câmara de Saúde Suplementar

CLT – Consolidação da Leis Trabalhistas

CNS – Conselho Nacional de Saúde

CONASS – Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde

CONASEMS – Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde

CONSU – Conselho de Saúde Suplementar

CPT – Cobertura Parcial Temporária

DESAS – Departamento de Saúde Suplementar

DLP – Doença e lesão preexistente

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor

MF – Ministério da Fazenda

MP – Ministério Público

MS – Ministério da Saúde

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio

SAS – Secretaria de Atenção à Saúde

SUS – Sistema Único de Saúde

SUSEP – Superintendência de Seguros Privados

TUNEP – Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figuras:

Figura I: Gramáticas das Relações entre Estado e Sociedade

Figura II: Etapas Pré-Contrato de Gestão

Figura III – Etapas Pós-Assinatura do Contrato de Gestão

Figura IV – Fluxo de Aprovação do Contrato de Gestão ANS/MS pelo CONSU

Quadros:

Quadro I – Reforma do Aparelho do Estado: Setores, Formas de Propriedade e de

Administração

Quadro II – Agências Reguladoras no Brasil

Quadro III – Tipos de Contrato de Gestão no Modelo Francês

Quadro IV – Critérios de Execução de Metas do Contrato de Gestão 2000/2001

Quadro V – Diretrizes Estratégicas e Ações – CG 2000/2001

Quadro VI – Dimensões e Ações Prioritárias

Quadro VII – 2ª Dimensão: Ações de Regulamentação do Setor

Quadro VIII – 3ª e 4ª Dimensões: Organização, Infra-estrutura e Participação Social

Quadro IX – Ações e Metas do Grupo 1

Quadro X – Ações e Metas do Grupo 2

Quadro XI – Ações e Metas do Grupo 3

Quadro XII – Ações e Metas do Grupo 4

Quadro XIII – Ações e Metas do Grupo 5

Quadro XIV – Ações e Metas do Grupo 6

Quadro XV – Ações e Metas referentes a Indicadores Globais

Quadro XVI – Correlação: Ações e Metas do CG 2000/01 x Resoluções ANS (impacto

no mercado)

Quadro XVII – Indicadores da Consolidação do Modelo de Regulação (CG 2002/04)

Quadro XVIII – Indicadores de Monitoramento do Modelo de Regulação (CG 2002/04)

Quadro XIX – Indicadores da Consolidação da Infra-estrutura do Órgão Regulador (CG

2002/04)

Quadro XX – Critérios de Avaliação do Desempenho da ANS - 2002/04

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APRESENTAÇÃO

A criação da ANS, em 20001, representou a unificação do marco

regulatório no setor de planos privados de assistência à saúde, marco este que houvera

sido iniciado com a lei 9.656/98, porém, com as atribuições de regular e fiscalizar esse

setor partilhadas entre o Ministério da Saúde (DESAS/SAS e CSS) e parte ao Ministério

da Fazenda (SUSEP e CNSP). Diversamente das agências reguladoras que a

antecederam, a ANS surgiu para regular um setor que já se consolidara há pelo menos

quatro décadas, sem qualquer outro referencial senão as regras de mercado, ao mesmo

tempo em que, manteve e reforçou seu estreito vínculo com o Ministério da Saúde, dado

o estabelecimento entre ambos de um contrato de gestão.

Neste sentido, pareceu-me oportuno desenvolver a idéia da validade

ou não do contrato de gestão como um dos instrumentos de acompanhamento e

avaliação das agências reguladoras por parte dos Ministérios aos quais se vinculavam,

dentro do escopo da proposta de reforma do aparelho do Estado, elegendo a experiência

da ANS e do Ministério da Saúde nessa seara, sobretudo porque a administração

pública, ao meu ver, sempre manteve um distanciamento do controle da sociedade, e o

estabelecimento e a consecução de um contrato de gestão poderiam representar um

componente novo na relação entre órgãos públicos já vinculados.

1 Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000.

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INTRODUÇÃO

As administrações pública e privada compartilham algumas

características, destacando-se dentre outras, o acesso nem sempre uniforme a

informações por parte tanto de seu corpo gerencial como de seus funcionários e a

criação de mecanismos e instrumentos que possibilitem tornar suas ações mais

eficientes e eficazes. No entanto, existem diferenças marcantes entre ambas

especialmente quando relacionadas ao estabelecimento de critérios para avaliar a

efetividade de suas ações. Ao contrário do que ocorre na iniciativa privada, onde os

critérios de desempenho na maioria das vezes estão focados em aspectos quantitativos,

com os resultados medidos principalmente em termos monetários, na área pública, este

tipo de avaliação não se presta à tal finalidade.

Primeiro, pela própria natureza de um ente público cujas ações devem

estar voltadas para o interesse público. Segundo, a existência de interesses conflitantes

(público x privado) torna particularmente delicada a questão da avaliação das ações e do

impacto das atividades desses entes, sobretudo sob o aspecto de obtenção de sistemas de

avaliação e controle eficazes e eficientes.

Um terceiro ponto, ainda a ser observado, diz respeito às respostas de

questões como a definição de metas e objetivos a serem atingidos, a partir de diretrizes

gerais e específicas, que traduzam a efetividade das ações que foram atribuídas e/ou são

executadas por um determinado ente público; quais critérios e indicadores devem ser

escolhidos para essa aferição e o grau de transparência desejado.

Em uma democracia, a autoridade do Estado para regular

coercitivamente a vida da sociedade deriva a priori das eleições, segundo afirma Adam

Przeworski (1997). Muitas das funções e todos os serviços que o Estado presta aos

cidadãos são delegados a terceiros – especificamente à burocracia pública – pelos

representantes eleitos. Tal delegação levaria, por sua vez, a uma dificuldade básica de

relacionamento entre principal (políticos eleitos) e agent (burocracia pública), conforme

ressaltou o mesmo Przeworski (1998), tendo em vista que formular leis que fixassem

todas as ações dos agents e abrangessem os mais variados aspectos não seria uma tarefa

viável na prática.

Alguns entes públicos, dentre os quais as agências reguladoras,

preservariam, na visão de Przeworski (1998), um espaço considerável de autonomia em

suas decisões e, neste aspecto, haveria que se cuidar para que os objetivos dos

burocratas/dirigentes não viessem a se afastar ou a perder a identidade em relação

àqueles escolhidos pelos cidadãos, ao elegerem seus representantes políticos.

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Se não cabe discussão quanto à necessidade de uma agência

reguladora deter autonomia financeira e orçamentária, bem como estar dotada

capacidade para alcançar ou produzir as informações que lhe são imprescindíveis,

evitando ou minimizando a influência dos agentes afetados pela regulação, também não

se discute que uma agência deva ser capaz de processar as informações disponíveis de

forma eficiente e divulgá-las de forma eficaz, atendendo em primeiro plano ao interesse

público, sem que se transforme em um órgão insulado burocraticamente ou perder de

vista que a criação de uma agência reguladora quase sempre é um fator de desconfiança

para os agentes regulados, sobretudo quando se leva em conta a própria ação

regulatória.

A criação de agências reguladoras representou, sob certo ângulo, um

marco na Reforma Administrativa do Estado brasileiro, em função do grau de

independência de que foram dotadas pelo Poder Legislativo e, embora haja opiniões

discordantes, não significou a abdicação pelo Estado de duas de suas mais importantes

atribuições, quais sejam, a de intervir e de mediar os interesses conflitantes,

característicos das relações entre público e privado.

Destinando às agências poderes para expedir normas (legislar),

fiscalizar (exercer poder de polícia administrativa) e decidir definitivamente

(autonomia) no âmbito da Administração Pública, privilegiando a eficiência (ênfase nos

resultados) da atividade regulatória, a Reforma do Aparelho do Estado promovida a

partir de 1995 (Brasil. Presidência da República, 1995) buscou garantir-lhes

independência administrativa e financeira, mediante a fixação, por exemplo, de mandato

e estabilidade a favor de seus dirigentes e restringiu, assim, o próprio poder

discricionário do Chefe do Poder Executivo em relação à nomeação e exoneração dos

chamados cargos de confiança, numa clara sinalização ao mercado regulado de que a

estabilidade das regras e o respeito aos contratos pactuados seriam pontos sempre

observados, independentemente do grupo político instalado no poder.

Definido no Plano Diretor (Brasil. Presidência da República, 1995)

que a busca pela eficiência seria um dos principais aspectos considerados no novo

desenho do aparelho do Estado, inclusive com a adoção do modelo de agências

reguladoras, com a preponderância da otimização dos meios para atingir os resultados

esperados, surgiu então, a questão de como conciliar a autonomia desejada com o

controle pelo núcleo estratégico do Estado e pela sociedade daqueles entes, de modo a

assegurar que sua atuação não extrapolasse os limites dados pelas diretrizes gerais e

específicas do governo ou pelos cidadãos ao elegerem seus representantes.

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Como Bresser Pereira enfatizou no prefácio do livro “A Gramática

Política do Brasil”, de Edson Nunes (1999): Através das agências autônomas e das

organizações sociais o Estado brasileiro poderá contar com instituições muito mais

flexíveis, eficientes e voltadas para resultados. Instituições, entretanto, que não serão

caracterizadas principalmente pelo insulamento burocrático, mas pelo controle de uma

alta burocracia situada no núcleo estratégico do Estado, a qual responderá aos

políticos eleitos. À eficiência somar-se-á, assim, a demanda da responsabilização

(accountability). Por outro lado, o controle da ação das agências autônomas e das

organizações sociais não ocorrerá apenas através de contratos de gestão firmados com

os políticos e burocratas situados no núcleo estratégico, mas, de forma crescente,

através de mecanismos de participação social, em que os cidadãos controlem os

serviços prestados pelo Estado.

Em conjunto com a própria transformação por que passou o Estado

brasileiro na última década, este trabalho focalizará uma das formas de controle – o

contrato de gestão – a partir da análise de suas características como instrumento de

avaliação e controle dos órgãos reguladores, na tentativa de identificar em que medida

representa ou não ingerência e/ou perda de autonomia para as agências que se valeram

desse tipo de pacto. Especificamente, a análise estará centrada na experiência da

Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que possui um contrato de gestão com

o Ministério da Saúde desde sua criação em 2000.

Além disso, serão considerados outros aspectos como a validade ou

não do contrato de gestão como um mecanismo de superação para eventuais conflitos

entre entes reguladores e Governo, com uma abordagem dos principais fatores que

levaram à sua adoção no âmbito da ANS enquanto instrumento de acompanhamento e

avaliação, ações e do desempenho, bem como a evolução das metas e indicadores

propostos no primeiro contrato – biênio 2000/2001 – em relação ao segundo – biênio

2002/20042 e em que medida isto interferiu em sua autonomia vis a vis a própria noção

de independência que lhe é inerente.

Em linhas gerais, serão utilizados alguns dos conceitos referentes à

relação principal-agente na abordagem do contrato de gestão e das formas de

representação e controle da sociedade sobre o Estado, desenvolvida por Przeworski

2 O contrato de gestão 2002/2003 foi prorrogado de comum acordo entre Ministério da Saúde e ANS até 31/12/2004(Termo Aditivo assinado em 11/12/2003). Dentre outros fatores que motivaram essa prorrogação, dois merecemdestaque: a realização ao longo do segundo semestre de 2003 do Fórum de Saúde Suplementar (debate ampliado comos diferentes agentes que atuam no setor sobre suas diretrizes e perspectivas, em especial com a decisão do STF, quedeixou fora da égide da lei dos planos de saúde aqueles contratados antes de 1º de janeiro de 1999) e o término domandato de três dos cinco dirigentes da ANS entre fins de dezembro de 2003 e março de 2004 (não seria razoável queuma diretoria em transição viesse a fixar metas e objetivos para sua sucessora cumprir).

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(1998) como um mecanismo de fiscalização institucional e, de modo mais restrito, o

conceito de relação de autoridade da teoria dos custos de transação de Williamson (apud

Fiani, 2002; Pondé, Fagundes & Possas, 1997). No primeiro caso, a análise considerará

as questões envolvidas no controle institucional em razão da delegação de autoridade a

um agent e a necessidade de existir ao menos um outro agent com competência para

vetar a ação daquele, pois, embora a burocracia estatal preste serviços aos cidadãos,

normalmente ela presta contas a políticos ou a outras entidades cujos membros são

nomeados por políticos. Przeworski foi escolhido porque é o autor que mais

desenvolveu o referencial principal-agent dentro do contexto de reforma do Estado num

sistema capitalista de produção.

Já sob a ótica da teoria dos custos de transação e dentro da

classificação proposta por Williamson (apud Fiani, 2002), será considerado um tipo

específico de contrato, a chamada “relação de autoridade”, que pode ser, em princípio,

aplicável ao contrato de gestão, se for levada em conta sua própria definição: a relação

de autoridade se configura quando um agente detém a faculdade de estabelecer o que

um outro agente deverá executar, a partir de um conjunto de ações possíveis. No escopo

dessa teoria, um contrato de relação implica menos ênfase em pactos detalhados, ou

seja, os procedimentos a serem adotados não necessitam ser exauridos, ao contrário,

fixam-se metas e objetivos a serem alcançados e condições gerais de execução do

contrato, além de definir quem detém autoridade para agir e os limites para essas ações,

e os mecanismos de resolução de conflitos. Isto é o que Fiani (2002) denomina

governança específica de transação ou o arcabouço institucional existente no qual a

transação é realizada.

Serão considerados, ainda, alguns dos pontos apresentados na

proposta recém encaminhada pelo atual Governo ao Congresso Nacional, contendo as

novas diretrizes para as agências reguladoras, na qual o contrato de gestão ganha

importância como um dos mecanismos de controle e avaliação das agências por parte

dos órgãos centrais do governo (Brasil. Presidência da República, 2003).

Por fim, sem a pretensão de esgotar o tema e buscando atingir os

próprios objetivos do curso patrocinado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar,

serão apontadas algumas recomendações ou subsídios que podem contribuir para o

aperfeiçoamento do processo de acompanhamento e avaliação da ANS, através do

contrato de gestão.

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CAPÍTULO I: O ESTADO E SEU PAPEL NA ECONOMIA – A CRIAÇÃO DAS

AGÊNCIAS REGULADORAS NA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

1.1 O Estado – Representatividade, Formas de Controle e Sociedade

1.1.1 O Estado e a Representatividade

O Estado contemporâneo emergiu historicamente, segundo Cheibub e

Przeworski (1997), muito mais com a finalidade de superar os conflitos provenientes da

convivência entre os diferentes grupos de indivíduos, mediante a conquista do

monopólio da força, do que como resultado de um contrato social nos moldes da teoria

clássica de Hobbes. No mesmo sentido em relação ao monopólio da força (ou da

violência) do Estado e às suas conseqüências caminha Bobbio (2000), já que para ele é a

autoridade de império3 (potestà d’imperio) que se manifesta na titularidade e no

exercício do poder de tomar decisões coletivas (legislando, por exemplo), as quais

vinculam toda a sociedade ao serem impostas por meio da força.

É dentro deste contexto que Przeworski (1999) ousa afirmar que,

independentemente do regime político adotado pelo Estado, ditatorial ou democrático,

ele governa4, dado que, mesmo em uma sociedade democrática, as decisões tomadas

por uma maioria afetam indistintamente todos os indivíduos que nela convivem,

inclusive grupos minoritários que podem vir a ter seus interesses e opiniões

contrariados.

Bobbio (2000) defendeu a importância de se definir o significado de

representação de interesses, com o intuito de buscar uma melhor compreensão das

relações de poder que se estabelecem em sociedades democráticas, entendidas como

relações de troca ou relação entre iguais5. Em sua opinião (Bobbio, 2000), há vários

motivos pelos quais apreender o conteúdo da expressão representação de interesses

sempre se revestirá de importância e atualidade, merecendo destaque pelo menos três

desses motivos.

Primeiro, a interpretação econômica da democracia difundida

sobretudo nos Estados Unidos e segundo a qual, haveria um mercado político

interagindo com um mercado econômico, onde se daria uma relação permanente de

3 Bobbio, 2000: 4554 Przeworski, 1999: 326.5 Bobbio entende que, em sociedades de democracia pluralista, onde os principais sujeitos políticos estãorepresentados em grupos organizados e não por indivíduos isolados, as relações de poder são muito mais relações detroca do que relações de domínio (entre superiores e inferiores).

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troca (de bens) entre eleitores e eleitos, com o apoio (bem) figurando sob a forma de

voto dos primeiros e os benefícios (bem) de vários tipos, patrimoniais ou de status,

sendo a contrapartida oferecida pelos eleitos.

Segundo, a teoria da troca política – originária da Itália – onde o poder

(político) ou a capacidade de impor comportamentos a outros (o que em regimes

democráticos depende necessariamente de legitimação) transforma-se no objeto de troca

numa sociedade industrial desenvolvida, quando os conflitos surgidos são superados

não através dos mecanismos institucionais de representação política, mas sim por meio

de transações entre grandes organizações e o Estado, com ênfase especial nas questões

que envolvam o mercado de trabalho (estabelecimento ou retirada de benefícios

trabalhistas, por exemplo). Aqui, a troca é política não pelos sujeitos, mas pelo objeto

(poder) da troca6, conforme afirma Bobbio (2000: 455).

O terceiro motivo seria a importância destinada ao debate sobre o

neocorporativismo7 em Estados fortemente influenciados pelo ideário do estado social

ou do bem-estar, de acordo com Bobbio (2000), e que nenhuma relação guarda com as

velhas práticas do corporativismo estatatista dos fascistas ao colocar no centro da

discussão a negociação entre representantes de interesses contrastantes8. O surgimento

de grandes corporações tanto no âmbito da atividade econômica como na articulação da

sociedade civil (grandes organizações de natureza civil) pode ser explicado, dentre

outros fatores, pelo avanço do processo da divisão social do trabalho, a crescente

racionalização e institucionalização das ações coletivas e a intervenção reguladora do

Estado através das políticas públicas. O neocorporativismo reflete a presença

hegemônica das corporações, que definem a dinâmica de intermediação entre os

diferentes grupos de interesses na busca pela solução dos conflitos sociais, seja para

reparo de bens, rendas, benefícios ou privilégios.

Evidenciada, dessa forma, a importância da negociação entre os

representantes de interesses conflitantes que, para Bobbio (2000), se revestem de todas

as características da representação de interesses, têm-se a diferenciação e o

distanciamento desta da verdadeira representação política.

A grande transformação do Estado contemporâneo – na concepção de

Bobbio (2000) – reside na crescente extensão e expansão da produção de arcabouços

jurídicos, sob a forma de acordos entre os grandes grupos de interesses no interior do

6 Bobbio, 2000: 455.7 Bobbio, op. cit., utiliza a definição de neocorporativismo constante do trabalho de M. Maraffi (org.), La societàneo-corporativa, Bolonha, 1981.8 Bobbio, op. cit.: 457.

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Estado e entre esses grupos e o próprio Estado, este considerado como um parceiro por

aqueles grandes grupos que se expandiram na sociedade civil e estenderam suas

ramificações também para fora do Estado.

Essa transformação é, na visão do filósofo italiano (Bobbio, 2000),

resultante de uma das características da forma democrática de governo, qual seja, o

aumento de indivíduos que agem politicamente, colaborando direta ou indiretamente na

formação das decisões coletivas, fato que ampliou e dificultou a definição de espaço

político. É no bojo dessa transformação ou ampliação do espaço político que a cresce a

importância da representação dos interesses. Lembra Bobbio (2000) que Estado

representativo no seu sentido original significa um Estado no qual existe um órgão

encarregado da tomada de decisões coletivas e integrado por vários representantes, mas

que, paulatinamente, assume o significado também de Estado onde há um órgão

decisório que, através de seus componentes, representa as diferentes tendências, idéias e

os vários grupos de interesse da sociedade como um todo.

Como bem ressalta este autor, a transposição de um significado para

o outro somente vem a enfrentar um certo obstáculo quando surge, na Inglaterra em

meados do século XIX, a dificuldade de substituir o sistema eleitoral então vigente (de

colégios uninominais) pelo sistema proporcional, com base no argumento de que este

último se revestiria de uma maior representatividade em relação ao primeiro9. E é

justamente neste contexto que Bobbio enfatiza a importância do significado assumido

pelo termo representativo, empregado originalmente como derivativo em italiano de

rappresentazione (espelhamento, encenação) e não de rappresentanza (representação).

Assim, quando se busca depreender o significado da expressão democracia

representativa, deve-se atentar para o fato de que o adjetivo representativo já adquiriu

duplo sentido: uma democracia é representativa porque possui um órgão no qual as

decisões coletivas são tomadas por representantes, e porque espelha através desses

representantes os diferentes grupos de opinião ou de interesse que se formam na

sociedade (Bobbio, 2000).

Se a ambigüidade permeia o conceito de representação, por sua vez,

são a generalidade e a amplitude que caracterizam o conceito de interesse, segundo o

filósofo italiano (Bobbio, 2000). O termo interesse é um dentre muitos conceitos

intrínsecos ao mundo cultural humano, pois pode refletir tanto uma situação objetiva –

uma coisa, um ato, um evento do qual se possa extrair uma vantagem ou um benefício –

9 Bobbio, 2000, op. cit.: Na Itália, a unificação de 1861 trouxe a primeira Câmara de Deputados eleitos com base emcolégios uninominais, cujo eleitorado representava somente 2% de toda a população. Para Bobbio, isto constitui oexemplo mais nítido do desvio da representação proporcional.

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quanto um estado subjetivo, ou seja, uma disposição favorável em relação àquela coisa

ou ato ou evento.

Portanto, serão os adjetivos atribuídos ao conceito de interesse que

especificarão o seu conteúdo e a sua extensão: o interesse poderá ser privado ou

público, particular ou geral, local ou nacional, individual ou coletivo, parcial ou global,

imediato ou mediato, presente ou futuro, e assim por diante. Logo, o significado de

interesse será definido muito mais pela oposição entre os tipos ou grupos de interesse

envolvidos numa determinada disputa, donde se pode deduzir que a palavra interesse

jamais deverá ser tomada em seu sentido genérico, mas sempre no seu sentido

específico ou qualificado de interesses privados, públicos, particulares, gerais, locais,

nacionais, individuais, coletivos, corporativos. Bobbio (2000) afirma que constitui mero

exercício de imaginação pretender que a representação política não traduza também

uma representação de interesses. Ambas as formas de representação são representações

de interesses: a diferença será marcada pelo conflito entre interesses parciais e interesses

gerais, entre interesse de grupos particulares e o interesse de toda uma nação ou geral.

É dessa diferença que nascerá o verdadeiro significado de

representação, ou seja, se ela espelhará cada um dos interesses organizados ou não-

organizados ou todos os interesses em torno de uma determinada questão.

Surge, desta forma, a questão de como assegurar que os interesses dos

cidadãos de uma dada sociedade venham a ser efetivamente representados e respeitados

pelos políticos eleitos e, em última instância, por aqueles aos quais foram ou serão

delegadas as tarefas de implementar o programa de governo vitorioso nas eleições.

1.1.2. O Estado e o Cidadão – Formas de Controle

A principal questão levantada por Przeworski (1999) em conseqüência

do surgimento do Estado, qual seja, a definição do momento em que a passagem do

estado de natureza (perigo horizontal) para o estado social (perigo vertical) ainda

significará uma boa alternativa para os indivíduos10, permeia todo o desenvolvimento

de sua tese em relação aos mecanismos de controle da sociedade sobre o Estado e centra

o foco nas garantias existentes para os cidadãos de que o Estado obedecerá à lei e irá

exercê-la ao mesmo tempo11. Przeworski defende a posição de que não basta ao Estado

se abster de matar, privar as pessoas de sua liberdade ou não atuar de forma arbitrária,

10 Przeworski, 1999: 327.11 Przeworski, 1999: 327.

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- 16 -

ele (o Estado) também deve agir com eficácia e eficiência para impedir que as pessoas

matem umas às outras. Assim, leis devem restringir a discricionariedade dos detentores

do poder porque é necessário que os governantes também sejam governados12, já que

existe uma descontinuidade inerente entre a intenção de não violar a lei e as ações

postas em prática que visam o seu cumprimento, agravada pelo círculo vicioso que se

instala no próprio aparelho do Estado com o intuito de suplantar esse descompasso.

Isto ocorre porque, de um lado, se as ações voltadas para manutenção

da ordem podem restringir a liberdade, de outro, a proteção da liberdade dos indivíduos

pode reduzir a capacidade do Estado para manter a própria ordem. E é partindo desta

premissa que Przeworski (1999) examina os mecanismos institucionais através dos

quais os direitos dos cidadãos podem ser exercidos e estar representados nas

democracias, dividindo-os em horizontais e verticais de acordo com a terminologia

empregada por O’Donnell (1999).

Este último13 distingue dois grandes grupos de mecanismos de

accountability: um, concernente à interação entre eleitores e mandatários, que chamou

de vertical accountability e, outro, decorrente dos mecanismos formais ou informais de

separação constitucional de poderes, checks and balances, de contenção e

responsabilização recíproca entre diferentes agentes governamentais, também

denominado de horizontal accountability.

É importante ressaltar, neste ponto, a distinção que existe entre a

representação política e o governo, considerando três de seus atributos ou dimensões,

que operam com certo grau de independência entre si14: responsibility, accountability e

responsiveness.

Responsibility é definido como um elemento essencial do mandato

representativo moderno, caracterizado por responsabilidade política independente e

autonomia para decidir e agir, baseadas em capacidade técnica e estratégica, para

consecução do interesse público. Accountability, por sua vez, tem um conteúdo

bidimensional, pois envolve tanto a capacidade de resposta como a capacidade de

punição. Além disso, pressupõe a necessidade de implementação de mecanismos de

controle de tal sorte que os detentores do poder sejam obrigados a exercê-lo de forma

transparente e devidamente motivado: não basta apenas informar as decisões e as ações

12 Przeworski, op. cit., cita S. Holmes (1995), Passions and Constraint: on the theory of Liberal Democracy.Chicago: University of Chicago Press.13 Segundo O’Donnell, mecanismos verticais pressupõem uma ação entre desiguais, cujo controle pode tanto assumira forma burocrática (de cima para baixo) como se dar através de eleições (de baixo para cima). Mecanismoshorizontais, por seu turno, pressupõem uma relação entre iguais, como ocorre na clássica tripartição de Poderes deMontesquieu – Executivo, Legislativo e Judiciário, na qual o controle ocorreria através de checks and balances.14 Tavares, 2002.

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- 17 -

aos cidadãos, mas devem ser explicitadas as razões que levaram à adoção de certos atos

de governo em detrimento de outros.

Schedler (1999) entende que a origem da accountability está na

capacidade do exercício do poder dentro de um contexto de informação imperfeita e

cujo eixo básico assenta-se no princípio da publicização, e identifica três formas

principais pelas quais a sociedade poderia coibir o denominado abuso do poder: a)

sujeição do poder a sanções; b) imposição da transparência como regra para o seu

exercício e c) obrigatoriedade para que os atos de governos sejam sempre justificados.

A primeira das formas Schedler denominou de enforcement (capacidade de punição), e

a associação das outras duas de capacidade de resposta.

Atrelada a accountability e a responsibility surge a responsiveness15,

que poderia ser definida como a capacidade de que está dotado um determinado

governo de responder continuamente a demandas, não raro contraditórias, dos diferentes

segmentos da sociedade, conciliando e negociando-as.

Em tese, Przeworski (1999) defende que os direitos dos cidadãos

deveriam ser exercidos e garantidos como resultado de um sistema de “checagem”,

instaurado nos diversos órgãos executores e realizado entre si e/ou de uns sobre os

outros, os quais seriam capacitados estrutural e institucionalmente com a finalidade

precípua de promover um sistema de pesos e contrapesos (Dallari, 2002), semelhante ao

que foi adotado pela Constituição brasileira de 1988 (checagem) para o processo

legislativo (produção de leis). Os mecanismos horizontais de controle ou checks and

balances seriam implementados com a criação de instâncias institucionais cuja

responsabilidade principal seria a realização de acompanhamento, controle e avaliação

recíprocos nos diferentes níveis de governo.

Em paralelo, os mecanismos verticais – representados basicamente

pelas eleições ou pelo voto – cumpririam o papel de permitir que os cidadãos

exercessem o controle sobre as ações do governo. Este tipo específico de mecanismo de

controle vertical se defronta, todavia, com uma dificuldade que lhe é inerente, segundo

Przeworski: fazer respeitar a lei pode não depender exclusivamente da estrutura

organizacional do Estado, mas das condições sociais e econômicas existentes na

sociedade16. Desta constatação surge um obstáculo a ser transposto, tanto na visão de

Przeworski (1999) como de Esping-Andersen (1996): talvez, numa sociedade com alto

nível de desigualdade, nenhuma instituição estatal possa vir a impor universalmente o

15 Não há termo ou expressão em português equivalente a essa palavra que, em termos gerais, pode ser interpretadacomo o nível ou grau de aproximação das ações dos governantes dos anseios da sociedade.16 Przeworski, 1999: 328.

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respeito às leis, ainda que presentes mecanismos institucionais verticais e/ou horizontais

desenhados e estruturados de forma adequada e eficiente para cumprirem esta

finalidade.

Assim, uma proposta de reforma de instituições do Estado mesmo que

amplamente concebida, em termos administrativos e políticos, pode não ser suficiente

tanto na ótica de Adam Przeworski quanto de Esping-Andersen (1996) para a superação

das desigualdades políticas, em especial, se for implementada num ambiente permeado

por graves desigualdades econômicas e sociais.

1.1.2.1 Mecanismos Horizontais: Checks and Balance

Todo governo é dividido em diversos órgãos com diversas funções e é

exatamente essa divisão, segundo Przeworski (1999), que se transforma num entrave

para aquilo que um governo pode vir a executar em favor de seus cidadãos. Num

governo dividido, qualquer ação necessita da cooperação entre vários órgãos

independentes, assim, se um indivíduo matar outro, primeiro, o legislativo deve ter

aprovado uma lei que tipifique esta ação como crime e, portanto, passível de punição;

segundo, o judiciário deve julgar o indivíduo que assim agiu como culpado; e terceiro,

cabe à burocracia (executivo) encarcerar o infrator-culpado. Um governo dividido e

limitado no que pode fazer para os seus cidadãos, também pode ser limitado naquilo

que ele pode fazer para si mesmo17, como no exemplo acima, não basta que o

legislativo e o judiciário cumpram seu papel, a cooperação da burocracia também é

fundamental. E é exatamente neste aspecto que reside, para Przeworski, a eterna tensão

entre a proteção dos direitos (dos cidadãos) e a efetiva governança18.

Sob esse prisma, verifica-se que há uma nítida distinção entre o

mecanismo horizontal de checks and balances e a separação de poderes concebida por

Montesquieu. Na separação de poderes, cada um dos níveis ou órgãos de governo

possui um caráter funcional, que lhe impõe realizar somente aquilo que

institucionalmente lhe foi atribuído: o Poder Legislativo legisla; o Poder Executivo

executa e só o Poder Judiciário julga. No nível dos órgãos de infra-estrutura, equivaleria

a que apenas as agências reguladoras, por suposto, estabeleceriam o preço nos mercados

dominados por monopólios naturais.

17 Idem, p. 328-329.18 Idem, op. cit., p. 329.

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O ponto crítico no modelo puro de separação de poderes (Przeworski,

1999) é dado pelo fato de ele não representar um sistema de iguais, uma vez que o

Poder Legislativo constitui um verdadeiro unchecked power ou poder sem controle ou

um poder situado acima dos demais, considerando que nenhuma decisão ou ação pode

ser legitimamente adotada ou realizada por qualquer outro nível de governo, exceto se

for anteriormente capacitada ou autorizada pelo Legislativo. É este o significado que

impregna a sua assertiva de que o parlamento não consiste apenas na expressão da

vontade popular, ele é a própria definição da vontade popular (Przeworski, 1999: 329).

Checks and balances, então, devem ser entendidos como dispositivos

limitadores dessa soberania legislativa e foram introduzidos nos Estados Unidos, no

século XIX, justamente com essa finalidade19. O Poder Legislativo ao aprovar uma lei,

sujeita-se a à revisão ou ao poder de veto do chefe do Poder Executivo, ou ainda ao

controle de constitucionalidade do Poder Judiciário. Mecanismo similar consta da atual

Constituição brasileira.

De todo modo, ainda que presente e em perfeito funcionamento esse

sistema de pesos e contra-pesos, sua eficiência como mecanismo de controle dependerá

em grande medida das garantias existentes de que nele não se incluam instâncias

controladoras que não são controladas, no dizer de Przeworski (1999: 330), como é

notório, segundo ele, a independência quase absoluta do Poder Judiciário em países

como Brasil, Espanha e, em menor grau, Itália; ou ainda, nos Estados Unidos, onde o

Office of Special Prosecutor (equivalente ao MP brasileiro) parece ter adquirido status

semelhante.

Como no sistema de separação de poderes, o Legislativo é o

unchecked power definido pelo próprio desenho constitucional, a possibilidade de

alguns órgãos adquirirem esse status pode também estar presente no sistema mútuo de

controle e avaliação ou no checks and balances. Num quadro institucional desse tipo,

Przeworski (1999) sustenta que há pelo menos uma questão que merecerá uma análise

mais acurada: a razão pela qual governos obedecem e impõem leis.

Se, hipoteticamente, o governo da lei representa uma situação de

equilíbrio, onde as ações dos indivíduos no presente dependem de ações realizadas no

passado por outros indivíduos e das expectativas acerca das reações futuras de outros, a

lei governará se nenhuma parte do governo apresentar vontade de violá-la ou de não a

executar, pelo medo das sanções decorrentes de outras partes do governo e,

19 Dallari, 2002.

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eventualmente, dos eleitores. Numa democracia, por conseqüência, as sanções serão

executadas em última instância pelos eleitores (Cheibub & Przeworski, 1997).

Contudo, permanece para Przeworski (1999) a questão de como

alcançar uma situação ideal, em que todas as instâncias e níveis de poder no governo

viessem mutuamente se controlar, e quais os instrumentos e incentivos deveriam ser

adotados para conferir ou autorizar poderes e estimular o controle. Obviamente, atingir

uma situação mais próxima da ideal dependeria do desenho institucional forjado para o

governo, de suas características principais, como o sistema de governo vigente

(parlamentarista ou presidencialista); a prática dominante em relação ao exercício do

poder de governar (por Medidas Provisórias, como no caso do Brasil pós-Constituição

de 1988); as formas de delegação de poder para a burocracia estatal e o modelo de

controle ou supervisão (aquilo que Przeworski denominou de oversight) dessa mesma

burocracia.

A implantação dessa sistemática de controle exigiria, segundo

Przeworski (1999), a superação de duas ordens de conflitos, que resultaram da reforma

do Estado no caso específico do Brasil promovida a partir de meados dos anos 1990.

Uma primeira relacionada ao controle das burocracias e, uma segunda, ao papel

destinado às agências independentes, inclusive daquelas responsáveis por aquilo que

ele denominou de supervisão cujo exemplo típico, no caso brasileiro, é o Ministério

Público.

Reforçando mais uma vez em sua análise que, embora sejam as

eleições que confiram autoridade ao Estado para regular coercitivamente a vida da

sociedade em estados democráticos de direito, Przeworski (1998 e 1999) conclui que o

processo de delegação é inevitável, pois sempre haverá resultados e metas a serem

buscados e alcançados, bem como que, em função desse movimento, surgirão

dificuldades naturais como produto das relações entre políticos eleitos e burocratas, uma

vez que a sociedade civil dispõe de poucos instrumentos ou meios ao seu alcance para

sancionar diretamente a burocracia.

É exatamente essa delegação (da representação) que traz implícita a

relação principal-agente desenvolvida por Przeworski (1998 e 1999), em razão de se

mostrar inviável na prática o detalhamento de todas as ações de toda a burocracia do

Estado, em quaisquer circunstâncias e a qualquer tempo. Concretamente, isto implica

conferir um alto grau de autonomia aos executores das ações ou aos órgãos que

integram a administração pública, cuja conseqüência imediata poderá ser a perda de

identidade entre os objetivos da burocracia e os dos cidadãos, estes representados pelos

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- 21 -

políticos eleitos. Um processo de perda de identidade pode vir a ser favorecido por

diversos fatores, mais um em especial merece destaque na visão de Przeworski (1998):

o privilégio sobre as informações que a máquina administrativa detém no

desenvolvimento de suas ações em relação aos cidadãos e, às vezes, aos próprios

políticos eleitos, que delegaram funções à burocracia estatal. Muitas dessas ações são

realizadas sem um efetivo controle ou acompanhamento direto, ou quando muito, por

aferição de resultados ou monitoramento. Na realidade, considerado o elevado grau de

autonomia e de discricionariedade que a burocracia pode vir a gozar, fórmulas devem

ser buscadas com o objetivo de superar tais obstáculos, minimizando a posição

desfavorável dos cidadãos em relação ao acesso a informações, perseguindo-se uma

situação de equilíbrio na relação principal-agente.

Esses obstáculos poderiam ser superados, segundo Przeworski (1999)

através de dois caminhos: 1) com a implantação de um sistema institucional integrado

por múltiplos principais e agentes com objetivos dissonantes, criando um movimento ou

sistema de oposição no interior do processo decisório do governo; e 2) mediante o

estabelecimento de mecanismos institucionais de controle horizontal dentro do processo

de delegação para que, quando a autoridade for delegada a um agente, haja pelo menos

um outro agente com autoridade para vetar ou bloquear as ações do primeiro.

Ambos os caminhos apontados, no entanto, trazem implícito um

componente de risco, como reconhece o próprio autor20, relacionado à definição de

quem ou a que órgão caberá a tarefa de supervisionar ou gerenciar as ações de outros

agentes, de modo que a independência ou autonomia a ele conferida não extrapole os

limites de suas atribuições, transformando-o em mais um órgão insulado

burocraticamente.

Há, por outro lado, ao menos um aspecto positivo para Przeworski

(1999) na questão da independência de órgãos públicos como as agências (embora

esteja tratando in casu das chamadas agências de supervisão) frente ao controle dos

políticos eleitos: o fato de sua independência resultar justamente da sua não sujeição ao

controle político-partidário, uma vez que seus membros seriam vitalícios (caso dos

membros do Ministério Público brasileiro) ou detentores de mandato (caso dos

dirigentes do Banco Central e das Agências Reguladoras).

Em última análise, qualquer modelo desenhado ou implementado para

órgãos públicos dotados de independência acarretará uma certa dose de risco, pois

questões como quem ou como serão fiscalizados esses órgãos persistirão, dado o fato de

20 Przeworski, 1999, op. cit.

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que, usufruir de autonomia e independência frente ao controle de outros órgãos do

governo ou ao controle dos cidadãos, poderá levar a que os mesmos se transformem em

órgãos unchecked power, à semelhança do que ocorre com o Poder Legislativo em

muitos países, inclusive no Brasil, conforme destacou o próprio Przeworski.

Um segundo aspecto a ser ponderado para Przeworski (1999) quanto

aos riscos inerentes à adoção de um modelo de órgãos públicos autônomos e

independentes, decorre do exercício efetivo ou não de seu papel como agentes

facilitadores do controle público sobre o governo, tema este diretamente ligado à

capacidade estrutural e institucional e à vontade política dos dirigentes ou membros

desses órgãos.

Neste contexto, Przeworski (1999), Bresser Pereira (1997) e Dallari

(2002) encaram a proteção dos direitos dos cidadãos por parte do Estado como um

objetivo a ser perseguido e alcançado em sociedades democráticas, condicionado à

existência de uma estrutura organizacional de instituições governamentais compatível e

de mecanismos de checagem (checks and balances) e de controle social, que assegurem

não apenas a supervisão ou monitoramento das ações de entes públicos autônomos, mas

também um controle efetivo por parte da sociedade sobre eles21.

1.1.2.2. Mecanismos Verticais: Eleições

O segundo mecanismo de controle sobre o governo, característico

também de regimes democráticos e exercido pelos cidadãos, acha-se representado pelas

eleições e assume basicamente duas formas, de acordo com Przeworski (1999). Uma,

pelo mandato, já que as eleições se prestariam à seleção ou escolha de propostas ou

políticos que, vitoriosos nas urnas, darão o tom e as diretrizes de governo durante um

período limitado de tempo (mandato). Duas, pela responsiveness (grau de proximidade

entre as ações dos eleitos e os anseios do público-alvo, no caso os eleitores), com o

resultado das eleições funcionando como espécie de aval ou voto de confiança dos

eleitores no governo eleito.

Para O’Donnell (1999), nas poliarquias22 modernas, a dimensão

democrática da accountability é garantida pelo mecanismo vertical de controle, isto é,

21 Sobre o tema, vale destacar o exemplo da OFTEL (espécie de ANATEL britânica), que presta contas aoParlamento Inglês, mais especificamente à Câmara dos Comuns, sendo por esta auditada periodicamente.22 Sociedades cujo desenho institucional compreende um elenco de direitos, garantias e valores básicos, que emergeme são institucionalizados em duas dimensões fundamentais da democracia: os direitos de oposição e de participaçãopolítica, de acordo com a definição de Robert Dahl em Polyarchy: Participation and Opposition, 1972.

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pelas eleições, mecanismo este que para Przeworski, como se verá mais adiante, não é

suficiente para garantir o efetivo controle da sociedade sobre os governantes.

Em ambas as formas de controle nas eleições, o mecanismo de

accountability – ou os procedimentos de cobrança e de prestação de contas, os meios de

controle externo, a transparência e a publicização dos atos de governo – emerge como

instrumento necessário a ser disponibilizado (ou que deveria ser) aos cidadãos, como

condição para o fortalecimento das relações do Estado com a sociedade e com as

instituições representativas, abrindo espaço para uma avaliação e um julgamento mais

criteriosos sobre o desempenho dos governos.

Como os cidadãos ao elegerem seus representantes não dispõem de

instrumentos que obriguem estes últimos a manter suas promessas de campanha, e a

avaliação dos resultados obtidos somente será possível ao longo da gestão ou após o

seu término, eventuais desvios de mandatos dos representantes eleitos somente poderão

ser sancionados a posteriori, ou seja, numa próxima eleição. Neste sentido, a

responsabilidade política é um mecanismo retrospectivo e os governantes são

responsáveis se a probabilidade de sua sobrevivência no governo depender de seu

desempenho.

Num cenário em que as decisões dos eleitores não são pautadas

apenas pelo componente da racionalidade, onde impera a assimetria de informações

entre os cidadãos e as expectativas geradas pelas promessas dos políticos somente

podem ser cotejadas com a realidade durante ou após a gestão dos eleitos, Przeworski

(1999) entende que a responsiveness por si só não bastaria para induzir e consolidar a

representatividade, já que, na ausência de mecanismos de accountability, o voto se

transforma num meio para escolha do melhor candidato e não para que os eleitores

avaliem e aprovem (ou não) o governante eleito.

É neste sentido que Adam Przeworski (1999) considera o mecanismo

da eleição como uma forma rudimentar de controle sobre os governos, corroborando de

certa forma com uma das teses de Bobbio (2000), para quem, o eleitor dispõe de uma

única decisão a tomar, tanto em sistemas parlamentaristas como presidencialistas de

governo: votar no programa de políticas governamentais que mais lhe convier. Logo e

inevitavelmente, como afirma Norberto Bobbio (2000), as eleições deixam uma grande

parcela da política fora do controle dos cidadãos23 sobretudo pelo fato de que o

controle através de eleições exige informação, tanto para instruir os governos sobre o

que desejam os cidadãos, como para julgar aquilo que os governos realizam.

23 Sobre a afirmação de Bobbio, vide nota nº 7.

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- 24 -

Cheibub e Przeworski (1997) – ao examinar a validade empírica24 de

que (1) a democracia é um regime político que se diferencia dos demais pela

responsabilidade dos governantes perante os governados e de que (2) é por meio de

eleições que esta responsabilidade é assegurada – sustentam que, ou os procedimentos

estatísticos por eles adotados foram falhos, ou bem os governantes não são responsáveis

politicamente perante o eleitorado25.

Governos são representativos na medida em que cidadãos podem

discernir se os governantes estão agindo de acordo com seus interesses e sancioná-los

adequadamente. Governantes são politicamente responsáveis se, escolhidos via eleições,

os eleitores os premiam com a reeleição, por exemplo. Contudo, a análise de Cheibub e

Przeworski (1997) apontou para uma conclusão diversa: a sobrevivência dos

governantes em regimes democráticos não depende necessariamente do quanto eles

(governantes) sejam responsáveis.

Com base em sua pesquisa, os autores concluíram que, se os eleitores

usam o voto com um sentido prospectivo, para escolher governos melhores, é possível

que estes sejam representativos simplesmente porque boas políticas ou políticos tenham

sido escolhidos, mas não porque a representação tenha sido induzida pelo medo da

sanção eleitoral26. Sob a ótica da relação principal-agente de Przeworski (1999), pode-

se interpretar que a representação política somente logrará ser efetiva na medida em

que os agentes dos cidadãos são os seus próprios governantes. Quando os cidadãos

designam governantes como seus agentes, delegam-lhes poderes para que digam o que

(os cidadãos) devem fazer e autoridade para que (os governantes) os coajam a fazê-lo.

E as regras que os agentes-governantes impõem, devem considerar o acesso à

informação e a autorização ou delegação para governar como fatores preponderantes na

condução de seus mandatos.

1.1.2.3. Mecanismos Verticais: Democracia Participativa

Em sua análise quanto ao mecanismo vertical da democracia

participativa, Przeworski (1999) aborda em princípio a questão da autorização para

governar. Autorização esta que, segundo ele, em regimes democráticos deriva única e

24 Os autores utilizaram uma amostra composta por 135 países, com algumas exceções, entre 1950 e 1990, num totalde 4060 anos, observando 99 democracias (1606 anos) e 123 ditaduras (2454 anos). Com base nessa amostra,buscaram estimar a probabilidade de sobrevivência no poder de líderes democráticos e autoritários dada a duração deseus governos e os resultados econômicos produzidos.25 Cheibub & Przeworski, 1997: 11.26 Cheibub & Przeworski, op. cit., p. 12.

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- 25 -

exclusivamente de eleições ou de votos, carecendo assim, de qualquer justificativa as

ações implementadas por qualquer governo, exceto se sua autoridade decorrer de um

pleito eleitoral.

No entanto, ainda que se promovam eleições de caráter universal em

países onde o aporte de recursos nas campanhas eleitorais seja legalmente regulado e o

pleito seja conduzido de forma transparente, o acesso e a participação (dos cidadãos)

nas decisões dos governantes não ocorrerão de forma equânime. Isto porque,

Przeworski (1999) considera que a mais perfeita das democracias, se existir, não coibirá

a troca de contribuições (ainda que no campo das idéias) por favores políticos, e gerará

distorções e algum tipo de ônus social, que fatalmente serão partilhados entre todos os

cidadãos.

Algumas desigualdades de acesso e de participação são legalmente

institucionalizadas, como no caso do corporativismo – presente nas instituições públicas

brasileiras desde a década de 193027 – cuja essência é o reconhecimento legal de alguns

interesses específicos em detrimento de outros. Todos os tipos de influência política

demandam recursos financeiros, humanos e materiais, que geralmente são distribuídos

de forma desigual e contribuem para a reprodução do status quo de (des)igualdade de

acesso, como bem ressaltaram Przeworski (1999) e Bresser Pereira (1997).

Por conseguinte, restará uma questão fundamental a ser respondida

por aqueles que se dedicam a desenvolver teorias sobre a participação popular e as

formas de controle que poderiam ser exploradas: como identificar a existência e a

efetividade dos mecanismos de participação popular? É sabido que instâncias de

participação podem se sujeitar à captura por parte de grupos de interesses que,

supostamente, deveriam controlar. Assim, para Przeworski (1999), mesmo na presença

de mecanismos de democracia participativa, não haverá garantias para um acesso

igualitário à participação dos cidadãos no controle do poder decisório.

1.1.3 O Estado e a Desigualdade Social

O Estado e sociedade formam um todo indivisível numa democracia.

O Estado tem competência e atuação definidos na Constituição e seu poder deriva da

legitimidade de outorga da cidadania via eleição (Dallari, 2002). A sociedade manifesta

suas demandas por canais formais ou informais de contato com as autoridades. O

diálogo democrático entre Estado e sociedade define as prioridades do Governo.

27 Nunes, 1999.

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- 26 -

O grau de controle que os cidadãos podem exercer sobre os governos,

via o instituto das eleições, contém um traço de fragilidade como já anteriormente

exposto, ao mesmo tempo em que os outros mecanismos participativos (checks and

balances) podem tanto exacerbar como reduzir as desigualdades políticas. O fato é que

uma vez eleito, um governo não necessita temer as sanções populares, embora haja

casos de países latino-americanos, como observa Przeworski (1999), onde instituições

como o Poder Legislativo, os tribunais, Ministério Público, partidos políticos e

imprensa independente exercem de certa maneira o papel de checks and balances sobre

o Poder Executivo e de umas sobre as outras.

O desrespeito desigual da lei em muitas democracias latino-

americanas não nasceu de suas estruturas institucionais, segundo Przeworski (1999),

mas do fato de serem sociedades altamente desiguais, onde o Estado independentemente

de sua estrutura demonstrou sua fraqueza para impor o respeito à lei de forma universal.

Sob esse ponto de vista, nenhuma reforma do Estado seria suficiente para preservar os

direitos civis (ou ditos republicanos) de todos os seus cidadãos, especialmente porque o

Estado não dispõe de recursos suficientes para promover esses direitos. Logo, o limite

imposto à atuação do Estado nessa seara é de ordem fiscal e não somente institucional,

no dizer de Przeworski (1996 e 1998), o que fornece um dos principais argumentos para

a proposta de Reforma do Aparelho do Estado brasileiro apresentada em 1995, embora

com a ressalva de que o propósito da reforma do Estado é descobrir mecanismos

institucionais que permitam ao Estado distinguir e devidamente sancionar as ações

privadas que são coletivamente desejáveis, bem como instituições que permitam aos

cidadãos punir os governos que abusam do poder de intervir28.

Em síntese, para Przeworski (1999), a diferença marcante no caso dos

países da América Latina em relação aos países desenvolvidos quanto à implementação

de um programa de reforma do aparelho de Estado reside no grau de desigualdade

econômica e social. A democracia é um sistema de direitos políticos positivos, mas a

democracia por si só não gera condições sociais e econômicas necessárias para que

esses direitos sejam efetivamente exercidos. O século XIX contornou esse dilema

circunscrevendo o exercício do direito da cidadania àqueles que desfrutavam de

condições sócio-econômicas para tanto. No século XX, os direitos políticos se tornaram

universais em todas as democracias, porém, em muitas delas, parcelas consideráveis de

indivíduos não detêm as condições de exercê-los. Logo, o final do século XX e o início

28 Przeworski, 1996: 22.

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- 27 -

deste estão testemunhando um novo tipo de regime político, no dizer de Przeworski

(1999) e Esping-Andersen (1996): democracia sem cidadania efetiva.

Partindo do pressuposto que a capacidade do Estado para diminuir as

desigualdades sociais e econômicas é reduzida em sociedades onde a desigualdade é

elevada, conclui Przeworski (1999) que, esta desigualdade leva o Estado a ser pobre e o

Estado pobre não pode reduzir a desigualdade, gerando um círculo vicioso. Para ele, a

camada mais pobre da população está simplesmente fora da responsabilidade do Estado

porque não possui renda para ser taxada e, simultaneamente, tem poucos serviços

públicos à sua disposição: são politicamente inefetivos porque não desfrutam de

condições para o exercício efetivo de seus direitos políticos; porque eles são

politicamente inefetivos, eles permanecem pobres. O resultado é um Estado pobre e

uma sociedade injusta29.

Pode-se inferir, em linhas gerais, que Przeworski (1999) e Bresser

Pereira (1997) defendem a idéia de que a crise do Estado nos anos noventa,

especialmente nos países em desenvolvimento, tem uma de suas origens no

desequilíbrio fiscal, que restringe a capacidade de intervenção do Estado através da

implementação de políticas públicas voltadas para o social e colabora para perpetuar

uma situação de desigualdade econômica e social, cujos reflexos se farão sentir no

campo político através do desequilíbrio de forças, quando em jogo a representatividade

dos diversos grupos de interesses.

Este foi um dos argumentos utilizados em defesa da implementação

do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Brasil. Presidência da República,

1995), pelo que se depreende do trecho extraído de sua Exposição de Motivos30:

........ A crise brasileira da última década (1980) foi

também uma crise do Estado. Em razão do modelo de

desenvolvimento que Governos anteriores adotaram, o

Estado desviou-se de suas funções básicas para ampliar

sua presença no setor produtivo, o que acarretou, além da

gradual deterioração dos serviços públicos, a que recorre,

em particular, a parcela menos favorecida da população,

o agravamento da crise fiscal e, por conseqüência, da

inflação. Nesse sentido, a reforma do Estado passou a ser

instrumento indispensável para consolidar a estabilização

29 Przeworski, 1999: 355-356.30 Exposição de Motivos ao Plano Diretor enviado ao Congresso Nacional, subscrita pelo Presidente FernandoHenrique Cardoso.

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- 28 -

e assegurar o crescimento sustentado da economia.

Somente assim será possível promover a correção das

desigualdades sociais e regionais.

Frise-se, entretanto, que essa proposta de ruptura com o modelo

anterior de Estado intervencionista embora tenha dado início à restruturação da ordem

econômica e a um movimento de reformulação dos papéis do Estado e da própria

sociedade, foi sobrepujada pela questão fiscal e demonstrou uma nítida falta de fôlego

para atingir os seus principais objetivos. Tratou-se, por exemplo, o fenômeno da

globalização, uma das justificativas para promover a reforma, sob uma ótica

reducionista, um movimento puramente econômico, relegando-se a um plano inferior

outra de suas facetas mais importante: a política.

A globalização regida unicamente pelas leis econômicas deixa de lado

a questão de que os Estados nacionais passam a integrar cada vez mais um sistema de

poder supranacional, como bem observado por Diniz (2001: 14), relevando que as

opções das elites dirigentes nacionais – suas coalizões de apoio político – tiveram e têm

um papel importante na escolha das formas de inserção (do país) no sistema

internacional e na definição das políticas (de governo) a serem implementadas.

A globalização não produziu apenas modernidade, como muitos

sustentam, mas trouxe conseqüências que, longe de serem suplantadas, conduziram a

um sistema internacional marcado por grandes contrastes e polaridades, reproduzindo e

aprofundando as desigualdades já existentes entre os países desenvolvidos e os países

periféricos31.

1.2. O Papel do Estado

1.2.1. O Debate sobre o Papel do Estado

O debate sobre o papel do Estado e o grau de sua intervenção na

economia acompanhou, ao longo do tempo e com intensidade variada, as

transformações políticas e econômicas no cenário mundial, passando ao centro das

discussões principalmente no período compreendido entre o final da 2ª Grande Guerra e

os anos 90. Na prática, isto representou uma clara tendência a uma drástica

transformação do papel do Estado como interventor na economia, concomitantemente à

busca por uma maior eficiência nas áreas em que sua presença foi considerada

31 Diniz, op. cit.: p. 15

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- 29 -

relevante. Assim, o foco da discussão volta-se para a tese de que a perda de

legitimidade, o permanente desequilíbrio fiscal e a incapacidade para suprir as

crescentes demandas sociais forjaram a grave crise do Estado e apontaram para a

necessidade de sua transformação.

A Primeira Grande Guerra Mundial e a Grande Depressão de 1929

foram os marcos iniciais da crise de mercado e do Estado Liberal, com a conseqüente

depressão da economia norte-americana e mundial, levando a que se adotasse um

modelo de Estado “Desenvolvimentista”, com a função de promover o desenvolvimento

econômico e social e a coordenação da economia capitalista, voltado para a correção das

distorções do mercado e para assegurar uma distribuição de renda mais justa e

equânime.

Num sistema capitalista, Estado e mercado interagem direta ou

indiretamente na coordenação dos sistemas econômicos, dessa forma, se um desses

atores enfrenta qualquer tipo de dificuldade em seu funcionamento, o resultado poderá

ser o início de uma crise. Assim ocorreu nas décadas de 1920 e 1930, onde o mau

funcionamento do mercado trouxe em seu bojo uma crise econômica sem precedentes

que, por sua vez, exigia uma resposta à altura do Estado. Nos anos 1980, foi a

confluência de uma crise econômica com uma crise política (do Estado) que colocou em

xeque o modelo econômico vigente, produzindo nos anos 1990 um Estado e uma

economia fragilizados32.

O fracasso de experimentos de estabilização econômica levados a

efeito em diversos países em desenvolvimento, a partir dos anos 1980, reforçou a

percepção da ineficácia dos governos no tratamento de problemas críticos, como a

inflação crescente e endividamento externo, gerando desconfiança e perda de

credibilidade das autoridades e instituições governamentais. No Brasil, um dos

exemplos típicos desse fracasso é o Plano Cruzado (governo Sarney - 1986). Essa

desordem econômica e, de certa forma, institucional foi interpretada por alguns autores,

dentre eles Bresser Pereira (1997) e Przeworski (1999), como uma demonstração da

incapacidade do Estado em administrar as crescentes expectativas geradas em função

das políticas de bem-estar social adotadas com relativo sucesso no período pós-Guerra.

É importante ressaltar que a redefinição do papel do Estado, objeto de

debates recorrentes e de alcance universal nos anos 1990, ganhou importância no Brasil

sobretudo pela elevada participação do Estado na economia nacional, e forneceu

32 Para Diniz, op. cit., o que houve não foi propriamente o enfraquecimento do Estado, mas um fortalecimentodesproporcional do Poder Executivo, com a concentração de poder decisório e sua sujeição a um controle cada vezmaior pela alta tecnocracia, resultando no enfraquecimento dos mecanismos institucionais da democracia.

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- 30 -

argumento (aos governantes) para levar adiante a proposta de reforma durante o

primeiro mandato de FHC.

O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Brasil.

Presidência da República, 1995) debitava a responsabilidade pela crise instalada dentro

do Estado, cujo ápice ocorrera na segunda metade dos anos 1980, à perda de fôlego do

modelo desenvolvimentista ao longo de toda a década anterior. De acordo ainda com

seus formuladores, a crise fora produto de fatores internos, como a concentração e a

centralização de funções, o formalismo de procedimentos (excesso de leis e regras) e a

histórica tendência de cooptação do Estado por vários grupos de interesses, associados a

uma conjuntura externa adversa, de globalização da economia mundial, de crescente

avanço tecnológico e competição por mercados entre as nações.

Apenas para recapitular, os anos 80 ou a década perdida da economia

brasileira foram marcados pela queda das taxas de crescimento do PIB com a

correspondente ampliação da vulnerabilidade do balanço de pagamentos, em razão da

elevação das taxas de juros e dos gastos com importação de petróleo, e com o

recrudescimento do processo inflacionário que se espalhou por toda a economia através

dos vários mecanismos de indexação, já então generalizados. Somou-se a esse quadro a

maxidesvalorização cambial (30%) promovida em dezembro de 1979, como forma de

enfrentar o déficit em conta corrente e compensar o corte nos incentivos fiscais e

creditícios às exportações.

Ao longo de 1980, os preços e a renda sofreram os efeitos das

mudanças de rumo na política cambial, com a maxidesvalorização, depois com a

prefixação da correção do câmbio e, finalmente, com a reversão da política de

prefixação cambial (e monetária). Na tentativa de controlar os impactos negativos do

cenário mundial, a política econômica brasileira somente logrou acelerar o crescimento

dos déficits em conta corrente do balanço de pagamentos e das taxas de inflação,

reduzir significativamente os gastos públicos, via o controle das importações do setor

governamental, e desacelerar a economia, lançando-a num processo recessivo com

queda acentuada do PIB, da renda e do emprego, que alcançou seu ponto mais crítico

em setembro de 1982 com a moratória mexicana e a crise da dívida externa (Beluzzo &

Almeida, 2002).

A política econômica alicerçada na obtenção de constantes superávites

na balança comercial e na escassez de divisas (dólares) foi determinante para o

agravamento da situação financeira do setor público, que expandiu seu financiamento

através da dívida pública interna de curto prazo e a taxas de juros reais elevadas, muito

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- 31 -

superiores à taxa de crescimento do PIB e das receitas públicas (Beluzzo & Almeida,

2002). As tentativas de estabilização ao longo dos anos 80 foram sistematicamente

derrotadas pela incapacidade do Estado em compatibilizar o ajuste do balanço de

pagamentos e a reordenação das finanças públicas, enfrentando simultaneamente a

resistência à mudança por parte dos segmentos mais favorecidos da população, como

destacaram Beluzzo & Almeida (2002) e, com o foco no aspecto político, Diniz (2001).

Na visão do governo FHC (Brasil. Presidência da República, 1995), a

crise da economia brasileira era fruto de uma crise de soberania do Estado e, diante

dessa percepção, é que se pretendia levar a cabo os objetivos de ajuste fiscal, de

implementação de uma política industrial e tecnológica com vistas à concorrência no

mercado interno e externo (embora jamais colocada em prática), de reforma do regime

previdenciário, de inovação dos instrumentos de política social e, principalmente, de

uma reforma do aparelho do Estado33.

Definido o aparelho do Estado como administração pública lato sensu

ou a organização e divisão do Estado entre os Poderes Executivo, Legislativo e

Judiciário (horizontal) e nos três níveis de governo: federal, estadual e municipal

(vertical ou federação), o Plano Diretor (Brasil. Presidência da República, 1995)

objetivava, em última instância, que o Estado-produtor de bens e serviços diretamente

responsável pelo desenvolvimento econômico e social deveria ser substituído pelo

Estado-agente ou promotor e regulador das atividades privadas e das ações

descentralizadas para o setor público não-estatal, tais como saúde, educação e cultura, a

partir de uma profunda reforma no aparato estatal, com alterações no arcabouço

constitucional-legal (via emendas à Constituição), adoção de princípios da

administração gerencial mais afetos ao setor privado, descentralização de decisões e

ações para a esfera dos estados e municípios e políticas de capacitação e incentivo ao

funcionalismo público, dentre outros aspectos, além da retomada do processo de

privatização das atividades produtivas de bens e serviços ainda em mãos do Estado.

A proposta de reforma identificava quatro setores no âmbito do

aparelho do Estado34: 1) núcleo estratégico (núcleo central decisório) onde leis e

políticas públicas seriam definidas e decisões tomadas; 2) atividades exclusivas ou

serviços que somente o Estado poderia prestar; 3) serviços não-exclusivos ou áreas onde

o Estado atuava em conjunto com organizações públicas não-estatais e privadas (caso de

hospitais, universidades, centros de pesquisa) e 4) produção de bens e serviços para o

33 Brasil. Presidência da República, 1995. Na Introdução do Plano Diretor esses objetivos constam como“inadiáveis”.34 Brasil. Presidência da República, op. cit.

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- 32 -

mercado ou as atividades econômicas voltadas para o lucro integrantes do setor estatal

(na área de infra-estrutura, por exemplo); e, ainda, definia os objetivos globais da

reforma: 1) aumento da governança (capacidade de governar) do Estado; 2) restringir a

ação estatal àquelas funções que lhe fossem inerentes, destinando os serviços não-

exclusivos para instituições públicas não-estatais e a produção de bens e serviços para a

iniciativa privada; e 3) transferência da União para Estados e municípios de ações de

caráter regional ou local. O Quadro I sintetiza a divisão de setores do Estado e os

objetivos da reforma do seu aparelho, com base nas formas de propriedade e de

administração que foram definidas.

Quadro I – Reforma do Aparelho do Estado: Setores, Formas de

Propriedade e de AdministraçãoSetores Formas de Propriedade Formas de Administração

Estatal Pública não-estatal Privada Burocrática Gerencial

Núcleo

Estratégico

x x x

Atividades

Exclusivas

x x

Serviços Não-

exclusivos

Publicização x x

Produção bens

e serviços

Privatização x x

Fonte: Brasil. Presidência da República, 1995

No caso da produção de bens e serviços, pretendia-se que o processo

de transferência de propriedade do Estado para a iniciativa privada (privatização) fosse

acompanhado pela reformulação do “sistema de regulação” vigente, tornando-o mais

rígido para monopólios naturais e seguro de uma maneira geral35, promovendo sua

reorganização e fortalecimento. Para tanto, o poder regulador do Estado deveria migrar

do âmbito da administração pública direta (leia-se Ministérios) para novos órgãos

integrantes da estrutura organizacional do Estado, porém, autônomos e independentes,

dentro de uma nova concepção de gestão pública: as agências reguladoras. Ademais, as

atribuições desses novos órgãos deveriam ser ampliadas em relação aos seus

35 Brasil. Presidência da República, 1995: os itens 5.1 – Setores do Estado e 5.3 – Setores do Estado e Formas dePropriedade, do Plano Diretor trazem referências à necessidade da gestão privada – tendente a ser mais adequada parao setor de produção de bens e serviços – vir acompanhada por uma regulamentação rígida (no caso específico dosmonopólios naturais) e por um “seguro sistema de regulação”, ambos sob responsabilidade do Estado.

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- 33 -

antecessores, a partir do aperfeiçoamento do sistema jurídico-legal e da implementação

de um novo marco regulatório.

Na esteira das privatizações, nasceram as agências reguladoras do

setor de infra-estrutura. A elas, por exemplo, foram transferidas e incrementadas as

atribuições de órgãos como o DNAEE e o DNC, pertencentes à estrutura do MME, com

a criação da ANEEL e da ANP, respectivamente.

É importante destacar que, embora o Plano Diretor apresentasse um

desenho excepcionalmente bem-justificado e claramente exposto para a reforma do

aparelho do Estado, como afirmou Przeworski (1998: 52-14), o cenário negativo

sobretudo na economia, interna e externa, levou à priorização da questão fiscal em

detrimento de outros pontos relevantes, os quais poderiam contribuir para a

implementação de uma reforma mais abrangente do aparato estatal. A experiência

brasileira mostrou, de fato, um contraste entre a teoria (Plano Diretor) e a prática, ao não

avançarem propostas como a formulação de uma política industrial e tecnológica de

enfrentamento da nova ordem econômica mundial ou como a adesão dos servidores

públicos ao novo modelo de administração pública, neste último caso, determinada pela

ausência de incentivos do Poder Executivo e por fatores conjunturais adversos.

1.2.2 O Modelo do Aparelho de Estado Brasileiro

A administração pública burocrática surgiu no século XIX com o

Estado liberal, como instrumento de defesa da res publica contra o patrimonialismo, e

evoluiu através de quatro modelos básicos no Brasil, segundo Edson Nunes ( 1999) –

clientelismo, corporativismo, insulamento burocrático e universalismo de

procedimentos. Estes modelos ou gramáticas (Figura I), como Nunes denomina, se

sucederam no tempo e na história brasileira, convivendo mutuamente e sem deixar,

contudo, de existirem por completo, e tendo alguns de seus traços característicos

assegurado sua sobrevivência no corpo do aparelho estatal até os dias atuais.

Figura I – Gramáticas das Relações entre Estado e SociedadeTIPOS DE

GRAMÁTICAS CLIENTELISMO CORPORATIVISMO INSULAMENTOBUROCRÁTICO

UNIVERSALISMOPROCEDIMENTOS

RELAÇÕES

ESTADO X

SOCIEDADE

Pessoal

Impessoal >

Indivíduos não são

iguais participantes

Impessoal

Impessoal > Todos

os indivíduos são

iguais participantes

Fonte: Edson Nunes, 1999: 42

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- 34 -

A Revolução de 1930 inaugurou um longo período de state building

no Brasil, intensificado após o Estado Novo (1937) e marcado pela pesada intervenção

do Estado na economia e pela centralização política e administrativa. Em paralelo,

emergiu um modelo de administração, onde as agências e órgãos reguladores então

recém-criados desempenharam um papel decisivo na colocação em prática de uma nova

sistemática em termos de relações entre o Estado e a sociedade.

Tais relações foram pautadas, durante o período compreendido entre

1930 e 1945, por três tipos de gramáticas, segundo Nunes (1999): implementação de

uma legislação e de instituições corporativistas; início de um processo de insulamento

burocrático com a criação de agências como a SUMOC e de empresas estatais; e

tentativa de reformar os serviços públicos com a implantação de um sistema de

meritocracia, ou o denominado universalismo de procedimentos. Essas novas

gramáticas continuaram a interagir com o clientelismo, presente nas instituições formais

do Estado por intermédio de um sistema político que privilegiava interesses de

determinados grupos locais, regionais ou vinculados a determinadas atividades

econômicas. Com a aceleração da industrialização brasileira durante o primeiro governo

de Getúlio Vargas, o Estado assumiu um papel decisivo como investidor no setor

produtivo de bens e serviços e, para enfrentar esse novo desafio, intentou levar adiante

uma reforma na administração pública, inspirada em princípios da racionalização e que

se converteu na criação das primeiras carreiras do serviço público e no estabelecimento,

pela primeira vez, da figura do concurso público. A implantação da administração

pública burocrática coincidiu, portanto, com a emergência de um capitalismo moderno

no país.

A legislação corporativista dos anos 1930, cuja finalidade era criar

condições para o estabelecimento de uma rede de solidariedade social e acomodar as

relações entre grupos e classes em conflito, funcionou como um poderoso instrumento

de controle e atrelamento do trabalho ao Estado. O Estado Novo (1937-45) procurou

alterar as bases tradicionais do Estado brasileiro através da reforma do serviço público

baseada no universalismo de procedimentos, com a criação de um corpo técnico isolado

das disputas políticas, que o auxiliasse na formulação de políticas públicas. O período

democrático de 1946 emergiu com o corporativismo em pleno funcionamento ao lado

do clientelismo, e num cenário em que a burocracia insulada surgia como solução para

implementar um modelo de desenvolvimento sem ingerência política.

A partir da década de 1950, clientelismo, corporativismo, insulamento

burocrático e universalismo de procedimentos desempenharam, através de diferentes

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- 35 -

formas institucionais, um papel fundamental na vida política do país36. Uma nova ordem

se instalou em função da ausência de uma classe dominante e hegemônica: o Estado

moderno que começou a ser moldado nos anos 30 e seguintes, o “Estado de

compromisso”, não se caracterizava pela supremacia de um ator ou facção sobre os

demais (Nunes, 1999). A industrialização brasileira coincidiu, portanto, com um período

marcado pelo enfraquecimento das oligarquias, depressão mundial, surgimento de uma

elite estatal crescentemente forte e existência de conflito entre os diversos grupos

sociais.

A criação de burocracias insuladas e posteriormente a adoção do

universalismo de procedimentos – modelos que não se sujeitariam, em princípio, a

pressões fisiológicas e clientelistas – representaram tentativas de superação do

clientelismo e do personalismo. Observe-se que, o universalismo de procedimentos está

associado, de forma geral, à noção de cidadania plena e igualdade perante a lei, ao

impersonalismo e ao sistema de checks and balances, ou seja, configura um meio de

refrear e desafiar as relações calcadas em favores pessoais.

Não obstante a tentativa de alterar o seu desenho e estruturas, as

instituições formais do Estado brasileiro ficaram altamente impregnadas por um

processo de troca de favores, com a burocracia aliando-se ao clientelismo e todo o

conjunto de relações assentado no contato pessoal. Num sistema de troca como esse, o

controle do fluxo de recursos financeiros e materiais na sociedade garantiu a

sobrevivência política do “corretor local” (Nunes, 1999: 33).

Formalizado em leis, o corporativismo reflete uma racionalidade e

organização frente à natureza informal do clientelismo e determina os limites da

participação dos grupos sociais, sendo o exemplo mais típico o contrato de trabalho.

Clientelismo e corporativismo representam mecanismos focados no esvaziamento de

conflitos sociais, como destaca Nunes (1999: 41): o primeiro porque atravessa

fronteiras de classes, de grupos e categorias profissionais (opera em todos os sentidos

dentro do tecido social); o segundo, porque organiza camadas horizontais de categorias

profissionais arrumadas em estruturas formais e hierárquicas.

No Brasil, o Estado teve de concorrer com os diferentes grupos sociais

e, simultaneamente, manter seu monopólio sobre a autoridade, ocorrendo aquilo que

36 Conforme destaca Lucia Hipólito em “Os companheiros ocupam a máquina”, artigo publicado no jornal O Globo,de 17/07/2003, p. 7: Para implementar o Plano de Metas, Juscelino Kubitschek reforçou a proteção de certas áreasestratégicas de governo contra o assédio clientelista dos políticos (insulamento burocrático). Durante a ditadura, aexacerbação do insulamento burocrático gerou uma tecnocracia arrogante, que geria empresas que se tornaramverdadeiros Estados dentro do Estado.....e, pior que tudo, com interesses nem sempre coincidentes com o interessenacional.

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- 36 -

Durkheim37 descreveu como uma sociedade onde o Estado é considerado um inimigo

potencial para indivíduos e grupos, na qual corporações sociais emergem como uma

resposta ao seu poder e operaram como estruturas de intermediação de interesses, sob os

auspícios do próprio Estado.

A tentativa de implementar o insulamento burocrático como estratégia

de superação do clientelismo, através da racionalização de procedimentos e da

especialização técnica, visava unicamente a proteção do núcleo técnico do Estado contra

a interferência do público ou de outros grupos intermediárias. Exemplos típicos de uma

burocracia insulada são o SNI (1967), agência federal de informações que atuava

liberada de qualquer controle sobre suas atividades em quaisquer níveis de governo, e o

extinto DASP – Departamento de Administração do Serviço Público (1938).

A adoção da administração pública gerencial no âmbito do aparelho

do Estado, segundo o Plano Diretor (Brasil. Presidência da República, 1995), se

justificaria pela necessidade do Estado dispor de instrumentos para enfrentar os desafios

decorrentes da expansão de suas funções econômicas e sociais, associada ao crescente

desenvolvimento tecnológico e à globalização da economia mundial. Embora esse novo

modelo de gestão não abandonasse totalmente os princípios da administração pública

burocrática, ele representou alguns avanços e, num certo sentido, um rompimento com o

modelo anterior. Notadamente, quanto às formas de controle propostas, focalizadas em

objetivos a serem buscados e alcançados pelo administrador público, garantindo-lhe

autonomia na gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis para

execução dessa finalidade, e exigindo como contrapartida a apresentação de resultados

(cobrança a posteriori).

Ressalte-se que, a reforma operada pelo decreto-lei nº 200, em 1967,

já constituíra um marco na tentativa de superação da rigidez burocrática, podendo ser

considerada como uma primeira incursão da administração gerencial na esfera pública

brasileira. Com o decreto-lei, várias atividades da administração direta foram

transferidas para autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia

mista, com o intuito de imprimir um maior dinamismo operacional na gestão da coisa

pública via descentralização de funções. Com base na concepção da racionalidade

administrativa, foram introduzidos instrumentos como planejamento, orçamento,

desconcentração/descentralização de chefias executivas superiores, com o intento de

reunir competência e informação no processo decisório, sistematizar, coordenar e

controlar as ações da administração pública.

37 Apud Nunes, 1999: 38

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- 37 -

O paradigma gerencial moderno impõe formas flexíveis de gestão,

horizontalização de estruturas, descentralização de funções, incentivos à criatividade

(Fiani, 2002) e representa um contraponto ao formalismo e ao rigor técnico da

burocracia tradicional. Da mesma forma, exige avaliação sistemática, recompensa pelo

desempenho e capacitação permanente de quadros, orientada para o atendimento do

cidadão-cliente, via controle de resultados. Todavia, o modelo gerencial aplicado à

administração pública não pode ser confundido com a administração empresarial, ainda

que busque nela sua fonte de inspiração, porque a administração pública está sujeita ao

controle da sociedade e seu objetivo final é atender ao interesse público.

Uma opção por um Estado-regulador implica o aprimoramento do seu

aparato e a adoção de instrumentos que visem atender aos objetivos que se propõe a

perseguir e a ampliar a eficiência na sua consecução. A regulação, por seu turno,

pressupõe a predominância das regras públicas sobre as regras privadas e não pode

tratar apenas da simples constituição de um conjunto de normas impostas à atividade

econômica, mas, deve cuidar para que mecanismos regulatórios sejam estabelecidos

com clareza e transparência, a fim de assegurar uma adequada prestação de serviços

públicos ou não por parte dos agentes privados.

É dentro desse escopo que a reforma do aparelho do Estado ganha

interesse no desenvolvimento desse trabalho: na transferência de algumas atividades

estatais para o setor privado e, como conseqüência disto, dotando alguns órgãos estatais

descentralizados (agências) de um maior grau de independência e autonomia,

destinando-lhes a responsabilidade pela regulação econômica e, simultaneamente,

proporcionando-lhes uma blindagem contra a ingerência política.

Aqui, cabe uma breve referência à diferenciação entre agências

executivas e agências reguladoras. É por intermédio de decreto presidencial específico

que autarquias e fundações públicas responsáveis por atividades e serviços exclusivos

do Estado se qualificam como agência executiva, desde que preenchidos alguns pré-

requisitos38, e cuja autonomia depende da assinatura de um contrato de gestão com um

Ministério supervisor. Portanto, é no setor de atividades exclusivas do Estado que se

inserem as agências executivas.

As agências reguladoras, por sua vez, são órgãos autônomos e

independentes por definição legal, independentemente do preenchimento de quaisquer

requisitos e ainda que não possuam contrato de gestão com os respectivos Ministérios

38 A lei nº 9.649, de 27/05/1998 estabelece os requisitos para que uma instituição se qualifique como agênciaexecutiva: existência de um plano estratégico de reestruturação e desenvolvimento institucional em andamento e serfirmado um contrato de gestão com o Ministério supervisor.

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- 38 -

supervisores – casos da ANATEL e da ANP39 - com competência, também legal, para o

exercício de atividades administrativo-normativas (poder de regular e de legislar) e de

fiscalização (controle) sobre os setores econômicos cujas atividades estão sujeitas às

regras de interesse público: energia elétrica, telecomunicações, petróleo e combustíveis,

planos de saúde. As agências reguladoras foram criadas, como já afirmado, no rastro das

privatizações promovidas no setor estatal de produção de bens e serviços.

O modelo constante do Plano Diretor (Brasil. Presidência da

República, 1995) aproximou os dois tipos de agências e, em linhas gerais, buscou

incorporar algumas das experiências de países como França (contrato de gestão) e

Inglaterra (controle sobre órgãos independentes, embora no modelo inglês esta

responsabilidade recaia sobre o Parlamento).

Como enfatizou Burlamaqui (1998: 242), ao analisar o papel do

governo numa perspectiva schumpeteriana de evolução, há uma distinção fundamental a

ser observada quando da definição do papel que se pretende atribuir ao Estado em toda

e qualquer reforma: um Estado forte de um governo grande. Um Estado forte significa

uma estrutura e um aparato capazes de coordenar e moldar estratégias e estabelecer as

prioridades na agenda nacional, além de ser dotado de uma burocracia com

credibilidade e à altura do desafio. Diversamente de um governo grande, que quase

sempre se traduz em empresas produtivas de propriedade estatal ou uma burocracia

insulada (isolada) da sociedade.

1.2.3 O Novo Papel do Estado – Reforma do Estado Brasileiro

Consoante as justificativas contidas no Plano Diretor (Brasil.

Presidência da República, 1995), a reforma do Estado proposta somente poderia ser

entendida dentro do contexto da própria redefinição do papel do Estado, que deixaria de

ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção

de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse

desenvolvimento.

No plano econômico, o Estado funciona como um importante

instrumento de transferências de renda e sua existência é essencial frente à limitação da

capacidade para alocação de recursos por parte do mercado. No exercício dessa função

de redistribuidor de recursos, o Estado coleta impostos e os destina aos objetivos

39 As leis de criação de ambas as agências não impuseram a figura do contrato de gestão, ao contrário do que ocorrecom a ANS.

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- 39 -

clássicos de garantia da ordem interna e da segurança externa, aos objetivos sociais de

maior justiça ou igualdade e aos objetivos econômicos de estabilização e

desenvolvimento (Bresser Pereira, 1999). No século XX, para alcançar esses dois

últimos objetivos, o Estado tendeu a assumir o papel de executor direto de ações no

campo social e na economia e, na visão dos formuladores do Plano Diretor (Brasil.

Presidência da República, 1995), ao assumir esse papel, o Estado gerou distorções e

ineficiências que tornaram clara a necessidade de reformular o aparelho estatal.

Uma das opções de governo foi, exatamente, transferir do Estado para

o setor privado as atividades de produção de bens e serviços, as quais, segundo o Plano

Diretor, poderiam e deveriam ser controladas pelo mercado. Paralelamente à

privatização, pretendia-se descentralizar para o setor público não-estatal as atividades

não-exclusivas do Estado (serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica)

que, no entanto, deveriam continuar a ser subsidiadas por ele, num processo

denominado de publicização e no qual se inseriam as agências executivas.

É sobejamente conhecido que um processo de reforma do aparelho do

Estado depende da conjuntura política e econômica vigente e envolve múltiplos

aspectos, sendo o ajuste fiscal apenas um deles. No caso brasileiro, uma das premissas

básicas que orientava a proposta de reforma era a de devolver ao Estado a capacidade de

definir, formular e implementar as políticas públicas (via privatizações e transferência

dos serviços não-exclusivos) e que, para tanto, deveria ter reduzido seu papel como

executor e prestador direto de serviços, mantidas, contudo, suas funções de regulador,

provedor ou promotor de atividades em áreas como saúde e educação, dada a

prevalência do investimento em capital humano.

Neste ponto, é importante destacar que, desde meados dos anos 80

constata-se que na área de saúde um processo de inovação organizacional inédito em

relação às políticas sociais no Brasil (corroborado pela implementação do SUS),

capitaneado pelo Estado, que opera como regulador e promotor das ações em saúde

(Gadelha, 2003). Na contramão da evolução do aparelho do Estado, o governo federal

assumiu um papel de promoção, coordenação e normatização, evidenciado pela

implementação das normas de assistência à saúde, pela criação de agências

reguladoras (ANVISA e ANS) e pela montagem de todo um aparato institucional de

planejamento e programação entre os diferentes níveis da Federação, vinculado ao

estabelecimento de fluxos de recursos da União para os Estados e municípios (Gadelha,

2003: 527).

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- 40 -

No setor saúde, a forte presença do poder público estabeleceu uma

dinâmica cuja abrangência dificilmente é encontrada em outra cadeia produtiva40, e

aponta, ao mesmo tempo, para a necessidade de o Estado atuar na articulação entre a

forma de operação e organização do sistema de saúde e a dinâmica dos setores de

atividade (acumulação de capital) e sobretudo das inovações (Gadelha, 2003).

O processo vivenciado na área da saúde reflete outra premissa básica

da proposta de reforma do aparelho do Estado (Brasil. Presidência da República, 1995):

a manutenção do Estado-promotor de atividades nas áreas sociais, associada ao

desenvolvimento de mecanismos de controle social direto e de participação da

sociedade41.

Em termos gerais, o eixo principal da proposta de reforma girava em

torno do fortalecimento das funções de regulação e de coordenação do Estado,

particularmente no nível federal, e da progressiva descentralização vertical (níveis

estadual e municipal) das ações de prestação de serviços sociais e de infra-estrutura,

buscando consolidar uma tendência de governança do Estado.

O Plano Diretor (Brasil. Presidência da República, 1995) propugnava

criar condições para a reconstrução da administração pública em bases modernas e

racionais, e poderia ter suas principais justificativas assim sintetizadas:

§ A experiência de governos anteriores demonstrando que,

mesmo com a tentativa e os avanços obtidos na implementação

de uma administração racional-burocrática em contraposição

ao patrimonialismo e ao clientelismo, esses modelos ainda

permaneciam enraizados no bojo da administração pública;

§ A utilização de padrões hierárquicos rígidos e o foco no

controle de processos e não de resultados revelaram-se

incapazes de fazer frente à complexidade dos desafios surgidos

com a globalização econômica; e

§ O agravamento do quadro de crise do Estado a partir do início

da década de 1990, com a conseqüente desorganização dos

sistemas de produção e manutenção de informações vitais para

o processo decisório do governo.

40 Gadelha, 2003: 525. Essa cadeia produtiva compreende a compra de bens e serviços, o repasse de recursos aprestadores de serviços, o investimento na indústria e na rede assistencial e a implementação de um amplo conjuntode atividades regulatórias que delimitam as estratégias dos agentes econômicos.41 Gadelha, op. cit., ainda tratando do setor saúde, afirma: Pelo caráter diretamente social da destinação da produçãoem saúde,a atuação da sociedade civil organizada também se destaca, sendo certamente uma das atividadeseconômicas em que os grupos de interesse e as políticas públicas incidem de modo mais acentuado.

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- 41 -

Identificou-se, assim, uma necessidade de avançar no processo de

reforma da administração pública, norteada pela eficiência, controle de resultados e

descentralização, para lograr êxito no seu objetivo primordial de alcançar o cidadão:

quem confere, numa democracia, a legitimidade a instituições e a quem se destinam,

em última instância, os serviços prestados pelo Estado (Cheibub e Przeworski, 1997).

O diagnóstico e o quadro teórico contidos no Plano Diretor

forneceram a base das propostas de Emendas Constitucionais apresentadas ao

Congresso Nacional, com o objetivo de viabilizar uma administração pública gerencial

(reforma administrativa) – com a definição de tetos remuneratórios para servidores

públicos ativos e inativos, a flexibilização da estabilidade e a permissão para regimes

jurídicos (criação de carreiras típicas de Estado) distintos – e um regime previdenciário

que assegurasse aposentadorias com base na idade e no tempo de contribuição dos

servidores públicos.

Embora os objetivos do Plano Diretor não tenham sido totalmente

alcançados, em especial, por uma conjuntura econômica adversa e pela preponderância

da questão fiscal sobre todos os demais aspectos abordados, obteve-se êxito na

aprovação e promulgação das Emendas Constitucionais 19 e 20, ainda que sem superar

temas como a cobrança de contribuição dos servidores públicos inativos ou a fixação do

teto de remuneração no âmbito do Estado.

1.3 As Agências Reguladoras na Atual Configuração do Aparelho de Estado

1.3.1 Criação das Agências Reguladoras

A responsabilização por resultados e a autonomia na gestão dos

recursos disponíveis inspiraram a formulação da proposta de reforma do aparelho do

Estado (Brasil. Presidência da República, 1995), onde um dos objetivos – criação de

agências reguladoras – foi atingido graças, também, ao processo de privatização do

setor de produção de bens e serviços.

Segundo Figueiredo (2000), as agências governamentais autônomas,

entendidas como entes fracionários do aparelho administrativo do Estado, não

constituem propriamente um tema novo, já que haviam sido anteriormente objeto de

estudos sob vários aspectos – políticos, técnicos e jurídicos – e, mais notadamente,

quanto à sua natureza jurídica de executoras de atividades estatais por delegação de

competências. Tampouco é novo o conceito de regulação enquanto exercício de

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- 42 -

competência administrativo-normativa que sujeita atividades a regras de interesse

público, com a função secundária de controle. A novidade, de acordo com Figueiredo

(2000), residiu muito mais no ressurgimento da importância desses órgãos, rebatizados

de agências reguladoras, para desempenharem essas funções na disciplina

administrativa de serviços públicos ou de atividades econômicas privadas, modeladas

sob a forma de autarquias especiais.

Com a atividade administrativa assumindo papel preponderante sobre

as atividades de interesse geral e diante da incapacidade de o Estado satisfazer todas as

necessidades dos seus cidadãos, a orientação e o acompanhamento da forma como tais

necessidades seriam atendidas pelos agentes privados surgiriam como parte integrante

da chamada regulação. Regulação como atividade, importante destacar, que não se

confunde com a formulação das políticas públicas, esta sim, atribuição exclusiva dos

órgãos centrais de direção do Estado.

Às agências reguladoras independentes, estabelecidas com base em

diretrizes gerais fixadas em lei, foi atribuída uma gama de poderes normativos,

propriamente ditos ou de natureza concreta, na busca de solução para conflitos de

interesses, na função de fomentadores de investimentos e/ou no exercício de atividades

fiscalizatórias, preventivas ou repressivas.

Um desenho estrutural desse tipo resultou, principalmente, de um

processo que Aragão (2002) denominou de deslegalização, cuja base consistiria não na

transferência de poderes legislativos, mas na adoção de uma política legislativa por

meio da qual se delega a outra sede normativa a regulação de determinadas matérias42.

Quadro II – Agências Reguladoras no BrasilMINISTÉRIO

SETORIAL AGÊNCIA REGULADORA LEGISLAÇÃO

Minas e Energia § Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL

§ Agência Nacional do Petróleo – ANP

§ Lei n.º 9.427, 26.12.96

§ Lei n.º 9.478, 6.8.97

Comunicações § Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL § Lei n.º 9.472, 16.7.97

Saúde § Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA

§ Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS

§ Lei n.º 9.782, 26.1.99

§ Lei n.º 9.961, 28.1.00

Meio Ambiente § Agência Nacional de Águas – ANA § Lei n.º 9.984, 17.7.00

Transportes § Agência Nacional de Transportes Aquaviários –

ANTAQ

§ Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT

§ Lei n.º 10.233, 5.6.01

§ Lei n.º 10.233, 5.6.01

42 Segundo Aragão, 2002, op. cit., a “deslegalização” está implícita no amplo poder normativo conferido pelas leisinstituidoras às agências reguladoras para exercer as suas competências, regulando determinado setor da economia,principalmente em seus aspectos técnicos, observada a política pública fixada pela Lei e pela Administração Central.

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- 43 -

Casa Civil § Agência Nacional de Cinema – ANCINE § Medida Provisória n.º

2.228, 6.9.01

Fonte: Elaborado a partir da página oficial na Internet. Presidência da República, fevereiro de 2004

No desenrolar do processo de criação das agências reguladoras, o

Governo cuidou da confecção de um arcabouço legal que as viabilizasse e,

simultaneamente, buscou colocar em prática alguns dos novos conceitos e princípios.

Bresser Pereira, ao apresentar a proposta de reforma no Senado

(novembro/1995), enfatizou a necessidade de serem criados órgãos autônomos e

independentes, agências reguladoras, e de se dotar alguns já existentes (autarquias e

fundações públicas) de um maior grau de autonomia, agências executivas. Essa

autonomia significava, na prática, mais liberdade na gestão dos recursos disponíveis

(humanos, materiais e financeiros), e teria como contrapartida a responsabilização por

resultados, observadas as diretrizes gerais e específicas de governo, incluindo-se aqui a

questão orçamentária.

A proposta contemplava, ainda, 1) estabelecimento de um instrumento

de supervisão e acompanhamento das agências: contrato de gestão, obrigatório no caso

das agências executivas, e facultativo para as agências reguladoras, já que sua adoção

dependeria de disposição contida nas respectivas leis de criação; 2) escolha dos

dirigentes das reguladoras segundo critérios técnicos e profissionais, mas não

necessariamente entre integrantes dos quadros do Estado, e que deveriam ser

submetidos à prévia sabatina no Senado; 3) mandatos fixos e não-coincidentes para os

dirigentes; e 4) autonomia de gestão administrativa e financeira desde que cumpridas

metas e resultados, traduzidos em indicadores de desempenho, previamente acordados

com os órgãos supervisores (Ministérios).

Um dos pontos mais defendidos por Bresser Pereira, na sua fala ao

Senado (1995), dizia respeito a que a crise do Estado e o irrealismo da proposta

neoliberal de Estado mínimo, tornaram inadiáveis a reforma do Estado ........ e

significava melhorar não apenas a organização e a qualificação dos quadros de

pessoal do Estado, mas também suas finanças e todo o seu sistema institucional-legal,

de modo a permitir uma relação mais direta com a sociedade civil: A reforma do Estado

possibilitará que seu núcleo estratégico tome decisões mais corretas e efetivas, e que

seus serviços – tanto os exclusivos, que funcionam diretamente sob seu comando,

quanto os competitivos .... operem muito mais eficientemente43.

43 Brasil. Presidência da República, 1995.

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- 44 -

No caso do setor de atividades ou serviços não-exclusivos do Estado,

onde se inseriam as agências executivas, delineou-se um programa de publicização, que

consistiria na transferência para o setor público não-estatal dessas atividades, e na

transformação das fundações públicas existentes em organizações sociais. Nesse

modelo, foram destinados os papéis de financiador, executor e fiscalizador,

respectivamente, ao Estado, à organização social e à sociedade civil.

Reconhecendo que a Constituição de 1988 ampliara as liberdades

democráticas e os direitos sociais, mas deixara à margem questões político-

institucionais, Bresser Pereira em sua apresentação ao Senado (1995), também,

defendeu a reforma com o argumento de que democracia política não era

obrigatoriamente sinônimo de democracia econômica e social, mesmo que isto

representasse o espírito da Constituição.

Dentre as várias dificuldades enfrentadas para transformar a teoria em

fato concreto, uma – que exigiria atenção imediata – foi relevada: a criação de

condições institucionais para a superação de alguns modelos recorrentes na

administração pública (como patrimonialismo e corporativismo), graças em parte à

ausência de partidos políticos programáticos e à adoção de uma representação

proporcional distorcida, onde a luta pelo poder leva quase sempre ao embate entre o

Legislativo e o Executivo, na busca de sustentação parlamentar e social por parte de

governos que enfrentam condições adversas ou enfraquecidos.

Um cenário assim foi brilhantemente sintetizado por Roberto DaMatta

(1993), ao comparar o Brasil a uma sala de cirurgia teórica e conceitual, onde tudo

estaria real e simbolicamente fora de lugar, com uma sociedade de classes mantendo

um estranho acasalamento com mandonismo, clientelismo, sindicalismo, insulamentos

burocráticos e corporativismo.

Numa rápida retrospectiva da evolução das instituições brasileiras

desde 1988, pode-se notar a ênfase destinada às reformas econômicas em detrimento de

outras, tão ou mais fundamentais, como as reformas sociais e as reformas políticas. Esse

predomínio das questões econômicas na agenda de reformas de governo após governo

pode ser atribuído, em parte e como frisou Serra (2001), ao comportamento das elites

brasileiras, alternando sua preferência ora ao livre mercado, ora ao intervencionismo do

Estado. Há farta literatura e diversas experiências práticas de outros países que

corroboram o fato de que as livres forças de mercado não bastam por si só para

solucionar todos os problemas de uma sociedade, ou para assegurar todas as demais

liberdades implícitas num regime democrático de direito. Em verdade, a existência e o

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- 45 -

funcionamento do próprio mercado estão condicionados pela existência de um marco

institucional e legal, sem o qual ele (mercado) não é capaz de proporcionar liberdade

política nem regras razoáveis de operação em um regime democrático, ou sequer de

superar os principais problemas econômicos e sociais enfrentados por determinadas

sociedades. Daí, ser indispensável uma ação governamental positiva e eficaz, que

complemente, corrija e induza os movimentos do mercado no sentido de rumos mais

produtivos e menos injustos (Serra, 2001).

De todo modo, a regulação – independentemente do modelo que se

adote (agências reguladoras ou regulação direta por parte de órgãos da administração

direta) – é uma decorrência da presença de falhas de mercado, que resultam dentre

outros fatores: 1) monopólio natural; 2) externalidades, quando custos ou benefícios não

são devidamente internalizados pelas empresas; 3) existência de bens públicos; e 4)

assimetria de informações.

Se a opção de um governo for pela privatização de serviços essenciais,

este processo deve ser necessariamente precedido da constituição de um aparato

regulador, de tal sorte que sejam evitadas perdas de bem-estar econômico, isto é,

desperdício de recursos econômicos, decorrentes da ação independente ou sem controle

dos agentes envolvidos (Przeworski, 1998).

O Estado, como primeiro detentor do monopólio da força coercitiva,

representa um fator-chave no desenvolvimento das nações capitalistas contemporâneas.

A industrialização e a mobilização social geraram um espaço público, onde os

indivíduos passaram a interagir entre si e com o Estado de maneira impessoal e

individualizada. Este espaço, resultado do funcionamento do livre mercado econômico,

onde os agentes funcionam como eleitores, checks and balances do poder do Estado e

cidadãos, tende a ser regulado por normas e instituições baseadas no universalismo de

procedimentos que, na definição de Nunes (1999), é uma das gramáticas que permeiam

as relações entre Estado e sociedade, regida pela impessoalidade e onde todos são tidos

como iguais participantes.

É nesse contexto que assume destaque a criação das primeiras

agências brasileiras no início da década de 1950, insuladas, tecnicamente competentes

(caso da SUMOC) e pautadas por claras opções políticas. Protegidas pelo insulamento

burocrático, estas agências tenderam a manter procedimentos técnicos e uma certa dose

de universalismo de procedimentos no recrutamento de seu corpo funcional (Nunes,

1999).

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- 46 -

A discussão sobre os limites da necessária independência e autonomia

das agências reguladoras e quais as formas de conciliar a ambas com as diretrizes gerais

e as políticas públicas definidas no âmbito do Governo ganha relevância na mesma

proporção que os mecanismos de controle que este e a sociedade devem exercer frente

ao novo papel do Estado regulador. Admitindo-se que a independência das agências

reguladoras é necessária porque, dentre outros fatores, permite reduzir o impacto da

regulação dos mercados, deve-se admitir também que a alternância no poder gera

incertezas e resulta em um maior custo de capital, na medida em que a instabilidade de

regras encarece as inversões produtivas e inibe o crescimento econômico.

Todavia, esta independência não deve se dar de forma absoluta ou

servir de justificativa para o poder discricionário da burocracia do Estado ou amparar a

inércia e a ineficiência. É imperativo o rigor no controle institucional e legal desses

reguladores, do mesmo modo que esta independência não deve ser confundida com a

ação dos governos eleitos, já que o Executivo continua tendo um papel essencial na

escolha dos titulares dessas agências, bem como na formulação das políticas

governamentais. Além disso, a independência de um regulador não impede a

implementação de determinados programas aprovados pelo voto popular: nas

sociedades democráticas coexistem os órgãos de Estado e os de governo, como

ressaltou Bobbio (2000) e Przeworski (1999).

Sob a ótica da independência das agências reguladoras em relação aos

agentes regulados, também é fundamental considerar o risco de captura dos reguladores

pelos regulados, em vista da relativa escassez de profissionais especializados em áreas

técnicas e da histórica defasagem da remuneração do setor público em relação ao setor

privado. Minimizar esses riscos implica, em primeiro lugar, garantir o controle da

sociedade sobre as agências reguladoras, mediante uma atuação pautada pela máxima

transparência, através de mecanismos como audiências e consultas públicas, para citar

alguns exemplos.

Em segundo lugar, uma sistemática prestação de contas à sociedade é

essencial para o controle democrático desses organismos, a exemplo do que ocorre nos

EUA onde o Congresso desempenha um papel decisivo nesse controle. Por conseguinte,

o Legislativo brasileiro deve se aparelhar para exercer uma função que só a ele compete

nesta seara.

Em terceiro lugar, a definição dos limites das competências dos

reguladores não pode ser relevada, sob pena de se transformarem em meros produtores

de normas e insegurança nos investidores, com o conseqüente desestímulo dos

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- 47 -

investimentos nas áreas produtivas. Neste aspecto, uma outra forma importante de

controle que pode ser exercida pelo governo sobre as agências reguladoras, acha-se

representada no contrato de gestão. Um pacto firmado entre órgãos reguladores e

governo que estabeleça um sistema de avaliação e acompanhamento de metas e

desempenho, com base em indicadores previamente fixados.

Num cenário de agências reguladoras, o Estado moderno tende a

esvaziar suas funções de executor e, simultaneamente, a inflar seu papel de coordenador

das ações públicas, num contexto que, em última instância, busca dar visibilidade e

confiabilidade aos diversos agentes que atuam no mercado.

No Brasil, deu-se um fenômeno muito particular, na medida em que a

importância das agências regulatórias cresceu na esteira de um processo de privatização

de bens e serviços públicos, à exceção da área da saúde, onde duas agências – Agência

Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e Agência Nacional de Saúde Suplementar

(ANS) – foram criadas para regular relações de consumo em que o setor privado já

estava presente (Serra, 2001; Montone, 2003). Em setores de grande impacto social e

com um dinamismo próprio, como é o caso da saúde, há um consenso maior em torno

da necessidade da presença do Estado (Gadelha, 2003). No entanto, isto não afasta a

questão de como coibir a captura do agente regulador pelos regulados ou por interesses

político-partidários. Daí ser fundamental a construção de um processo de avaliação da

atuação de um órgão regulador, que contemple instrumentos, dentre outros, que

permitam: a) estimar seu impacto sobre os interesses dos diversos atores envolvidos; b)

aferir sua eficiência em relação a outros organismos com atribuições semelhantes; e c)

estabelecer um conjunto de mecanismos de avaliação, acompanhamento e divulgação de

resultados.

Além da experiência brasileira em regulação ser relativamente recente

quando comparada a de outros países (EUA e Inglaterra, mais especificamente), a

prática de avaliação do impacto social de políticas públicas é pouco consolidada. Sob

esta ótica, há uma dificuldade natural em implementar sistemas e procedimentos de

avaliação e controle que sejam capazes de efetivamente orientar o processo de

formulação e revisão das políticas e ações regulatórias, e que criem condições para

tornar uma prática permanente o processo de avaliação das agências, com a conseqüente

aferição entre o grau de compatibilidade das diretrizes gerais emanadas do núcleo

estratégico do Estado e as ações realizadas pelos reguladores.

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- 48 -

1.3.2 Inserção da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS no Modelo de

Agências Reguladoras

O sistema brasileiro de saúde reformulado pela Constituição de 1988

consagrou o Sistema Único de Saúde – SUS, público, gratuito, de atendimento universal

e aberto a todos os cidadãos e, por outro lado, também convalidou um sistema de saúde

suplementar, privado, pré-existente desde a década de 1960, estabelecendo a

necessidade de sua regulamentação, a partir do novo papel definido para o Estado

dentro do escopo da reforma proposta em meados dos anos 1990. A idéia por trás desta

reforma era o esgotamento do modelo de desenvolvimento econômico adotado ao

longo das décadas antecedentes, que levara o Estado a desviar-se de suas funções

básicas, ao se fazer presente maciçamente na esfera produtiva.

O desenvolvimento do setor de saúde suplementar – construído sobre

convênios com empresas, planos de seguros e cooperativas – deu-se atrelado e como

resultado das próprias insuficiências do sistema público de saúde. Buscava-se suprir a

demanda gerada por parte da sociedade por um atendimento diferenciado, ao mesmo

tempo em que, seu crescimento e funcionamento permaneciam à margem de qualquer

ação fiscalizatória ou regulatória pelo Estado, já que submetido unicamente às regras e

exigências para formação de empresas ou do mercado.

Neste ponto é importante destacar que, enquanto a regulamentação das

atribuições do sistema público de saúde (SUS) foi aprovada pelo Congresso Nacional de

forma relativamente rápida (lei nº 8.080, de 1990), dois anos após a Constituição de

1988, o regramento da saúde suplementar veio a se constituir em desafio mais complexo

(Montone, 2003), demandando uma década de discussões e debates, até a edição da lei

nº 9.656, de 3 de junho de 1998, introduzindo profundas mudanças neste mercado. A

nova legislação, como destacou Montone (2003), não deixou de representar uma

inovação, ao tratar do setor privado de saúde, tanto sob o aspecto econômico, com o

estabelecimento de critérios objetivos para reajuste das mensalidades dos planos e de

exigências quanto à sanidade econômico-financeira das operadoras, por exemplo,

quanto pela ótica da assistência à saúde stricto sensu, ao fixar normas relativas a

garantias assistenciais e a qualidade dos serviços prestados (padronização dos serviços

ofertados – plano referência, garantia de cobertura assistencial mínima), dentre outros

fatores a ponderar.

O modelo brasileiro de regulação do setor de saúde suplementar

erigido em 1998, trouxe a opção de focalizar a regulação no produto oferecido, ou seja

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na assistência à saúde, com a proibição da seleção de risco e do rompimento unilateral

dos contratos sem, necessariamente, copiar padrões vigentes em outros países, já que

estes, em sua maioria, optaram por um modelo de regulação baseado na atividade

econômica em si, com as regras de mercado operando e garantindo as condições de

solvência e de competitividade. No Brasil, além disso, a regulamentação do setor

imposta pela Constituição de 1988 surgiu somente depois de dez anos (1998), enquanto

o sistema público de saúde (SUS) avançava, paulatinamente, em um processo de

definição e organização, com a implementação de alguns marcos importantes (Montone,

2001): Lei Orgânica da Saúde (Lei n° 8080/90), extinção do INAMPS, edição das

Normas Operacionais Básicas (NOB) de 1993 e de 1996 e a implantação do Piso da

Atenção Básica (PAB) em 1998.

Até a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em

janeiro de 2000 (lei nº 9.961), os planos privados de saúde eram regulados sob o aspecto

assistencial pelo DESAS, órgão subordinado à Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) do

Ministério da Saúde, e pelo Conselho de Saúde Suplementar (CONSU)44 – instância de

caráter consultivo e deliberativo – ao passo que, no âmbito econômico-financeiro,

sujeitava-se às regras emanadas da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e do

Conselho Nacional de Seguros Privados (CNPS), ambos vinculados ao Ministério da

Fazenda.

A unificação do marco regulatório, portanto, apenas veio a se efetivar

com a criação de um órgão regulador – a ANS, levando para o âmbito do Ministério da

Saúde a definição das diretrizes e políticas para o setor de saúde suplementar, mantido o

CONSU como instância consultiva e deliberativa encarregada do estabelecimento das

diretrizes gerais. Aliada ao processo de unificação da regulação do setor, e não menos

importante, vislumbrou-se pela primeira vez a possibilidade concreta de implementar a

lei dos planos, através do poder de legislar conferido à ANS, consolidando o papel do

órgão regulador em consonância com os princípios e diretrizes norteadores do Plano

Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995).

Dentro deste contexto, inclusive, foi delineado o primeiro contrato de

gestão da Agência – biênio 2000/2001 – cujas diretrizes estratégicas abarcavam a

ampliação da capacidade efetiva de participação dos consumidores (estimados em 38,7

milhões, segundo dados da PNAD/IBGE 1998) no setor, a redução da assimetria de

informações (disponibilização e divulgação de dados e informações) entre os diferentes

44 O CONSU é um órgão de caráter consultivo e deliberativo, integrado pelos titulares dos Ministérios da Justiça (queo preside), Saúde, Fazenda e Planejamento, Orçamento e Gestão, nos termos do art. 35-B da Lei n.º 9.656/98,alterado pelo Decreto n.º 4.044, de 06/12/01.

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agentes envolvidos e assegurar o equilíbrio e a manutenção da estabilidade do mercado,

mediante o fortalecimento do papel regulador do Estado.

A previsão legal do estabelecimento de um contrato de gestão entre a

ANS e o Ministério da Saúde (art. 14 da lei n.º 9.961/00), representou um fator

diferencial em relação às demais Agências Reguladoras, até então criadas, à exceção da

Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (órgão regulador também

vinculado ao Ministério da Saúde) e da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL

(vinculada ao Ministério das Minas e Energia).

Assim, pode-se entender que, a contrapartida exigida pela autonomia

administrativa e financeira conferida à ANS foi a obrigatoriedade de constituição de um

instrumento permanente de acompanhamento de seu desempenho por parte do órgão ao

qual se vinculava (MS), contemplando metas e critérios de avaliação das atividades

desenvolvidas: um contrato de gestão, cujo descumprimento poderia ensejar a perda de

mandato dos dirigentes da Agência.

A existência de um contrato de gestão ganha significado na medida

em que a) possibilita o monitoramento das ações da ANS pelo órgão ao qual se acha

vinculada – o Ministério da Saúde – a partir da fixação de metas a serem cumpridas; e

b) representa a garantia de que haverá consonância entre as diretrizes adotadas pela

Agência no desenrolar de suas atribuições e aquelas de caráter geral emanadas pelo

órgão central responsável pela política nacional de saúde.

No momento em que o debate em torno do modelo institucional das

Agências Reguladoras ressurge com força na mídia, questionando-se sua suposta

independência e autonomia em relação ao governo central, é importante lembrar que os

principais objetivos perseguidos quando da adoção deste modelo foram justamente

afastar a ingerência política, dotar o setor regulado de regras claras e transparentes e

proporcionar segurança jurídica aos contratos firmados entre agentes privados e o Poder

Público, este último principalmente nos casos das agências reguladoras de infra-

estrutura.

De todo modo, é difícil conceber órgãos que integrem a esfera pública

federal atuando em dissonância com as diretrizes gerais emanadas do Poder Central,

quando se leva em conta fatores como aqueles a seguir expostos e que se referem

especificamente ao caso da ANS.

Embora possuam receitas próprias (taxas de saúde suplementar e

multas decorrentes da aplicação de penalidades a operadoras, no caso da ANS), as

agências integram o Orçamento Geral da União (e nem poderia ser diferente, já que são

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- 51 -

órgãos públicos da administração pública federal indireta), tanto que foram alcançadas

pelo corte determinado pela área econômica do governo na busca do atingimento de um

superávit primário de 4,25% do PIB em 2003, obrigadas a ajustar suas despesas aos

patamares que foram definidos pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Fato que deverá se repetir em 2004.

Em meados de 2002, todos os órgãos jurídicos (procuradorias) dos

órgãos públicos federais passaram a ser vinculados à Advocacia-Geral da União (AGU),

fato que, na prática, significou que o provimento de cargos de procuradores e a

designação dos Procuradores-Gerais deixaram de ser prerrogativa dos dirigentes

máximos das agências.

No caso da ANS, as matérias que envolvam fixação de índices anuais

de reajuste de preços ou reequilíbrio econômico-financeiro (revisão técnica) de planos

de saúde devem ser estabelecidas em conjunto com os Ministérios da Saúde e da

Fazenda, antes que qualquer normativo seja editado (art. 4, inciso XVII, da lei n.º

9.961/00), assim como, devem ser observadas as diretrizes gerais estabelecidas pelo

CONSU no que tange à regulação do setor de saúde suplementar nos aspectos

econômicos, financeiros, contábeis, atuariais, dentre outros (art. 35-A, inciso IV, da lei

n.º 9.656/98).

Com a finalidade de constituir-se num fórum permanente de discussão

em torno das questões de saúde suplementar, foi criada ainda, juntamente com a ANS,

uma instância de participação e de caráter consultivo, a Câmara de Saúde Suplementar –

CSS45. Integrada por representantes dos diversos segmentos que atuam no setor

(entidades de consumidores, prestadores de serviços e operadoras), de instâncias como

os Conselhos Nacional de Saúde, de Secretários Estaduais (CONASS) e de Secretários

Municipais (CONASEMS) de Saúde, de órgãos do governo (Ministérios da Saúde,

Fazenda, Justiça, Previdência e Assistência Social, Trabalho) e de sindicatos patronais e

de empregados, dela derivam as denominadas Câmaras Técnicas, instaladas com

atribuições de analisar e propor regras e normas sobre temas específicos no âmbito da

saúde suplementar.

Finalmente, por força de dispositivo legal (art. 14 da lei n.º 9.961/00),

a administração da ANS deverá ser submetida a um contrato de gestão, firmado junto ao

Ministério da Saúde, que espelhe suas ações e possibilite uma avaliação de seu

desempenho.

45 A Câmara de Saúde Suplementar – CSS foi criada e teve definida sua composição pela lei n.º 9.961/00, art. 13.

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- 52 -

A agência reguladora pode ser considerada como um dos braços de

atuação do Estado, por meio do qual ele exerce muitas de suas funções, tais como a de

regular setores da economia, definir prioridades, direcionar e fomentar investimentos e

gerir a coisa pública. No entanto, isto não implica necessariamente que o Estado

abdique de seu papel de formulador e condutor das diretrizes gerais e das políticas

públicas, nacionais ou setoriais.

No Brasil, a discussão sobre o modelo de agências sempre girou em

torno da independência e da autonomia de que foram dotadas, permeada pelo temor de

que se enfrentasse uma situação limite, com total descolamento entre as diretrizes de

governo e as ações postas em prática pelos órgãos reguladores.

No entanto, não se pode negar algumas vantagens inerentes a esse

modelo de regulação (agilidade na atuação decorrente da autonomia administrativa e

financeira; estabilidade para os agentes regulados, etc.), assim como não se pode

responsabilizar as agências pela eventual ausência de políticas por parte do governo

para os setores que regulam.

Para o setor de saúde suplementar, mesmo reconhecendo os inúmeros

desafios que ainda devam ser superados (Montone, 2003: 58-62), como a migração dos

contratos antigos (anteriores a 1º de janeiro de 1999), portabilidade de carência, garantia

da continuidade de atendimento, integração ao SUS, segurança regulatória, dentre

outros, a criação da ANS e a conseqüente unificação do marco regulatório trouxeram

alguns avanços significativos.

Pela ótica da assistência à saúde, definiu-se i) plano de referência (art.

12 da lei n.º 9.656/98), ii) rol de procedimentos médicos, odontológicos e de alta

complexidade, iii) regras para credenciamento ou descredenciamento da rede de

prestadores de serviços das operadoras, iv) regulamentação do acesso nos casos de

doença e lesão preexistente (DLP) e v) registro provisório de produtos (planos). No

aspecto econômico-financeiro, merecem destaque a definição de regras sobre entrada,

funcionamento e saída de operadoras, englobando i) estabelecimento de procedimentos

para concessão de registro provisório de operadoras; ii) instituição do Plano de Contas

Padrão; iii) exigência de garantias financeiras para assegurar a cobertura assistencial aos

beneficiários; iv) regulamentação das seguradoras especializadas em saúde (lei n.º

10.185/01); v) normatização sobre transferência de carteira e transferência de controle

societário; e vi) regulamentação dos regimes de intervenção da ANS nas operadoras

(Direção Fiscal e Técnica e Liquidação Extrajudicial).

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- 53 -

No âmbito da regulação de preço, cabe à ANS controlar os reajustes

dos planos individuais e familiares e estabelecer, em conjunto com os Ministérios da

Saúde e da Fazenda, a política anual de reajuste para esses planos (fixando o índice

máximo), além de monitorar os reajustes praticados nos planos coletivos.

Foram criados ainda, instrumentos e indicadores para aferição das

ações de fiscalização direta e indireta do setor regulado (Montone, 2003). A fiscalização

direta compreende tanto a apuração de denúncias dos consumidores, recebidas em sua

maioria por intermédio do DISQUE ANS (serviço 0800 mantido pela agência), como as

ações de fiscalização programada em operadoras, considerados o número de

beneficiários, a área de atuação e o índice de reclamações. As ações de fiscalização

indireta envolvem uma gama de instrumentos: i) termo de compromisso de ajuste de

conduta (TCAC), aplicável a operadoras com elevada incidência de denúncias e multas;

ii) planos de recuperação, exigidos sempre que detectada a necessidade de ajuste nas

condições de operação da empresa regulada, podendo resultar inclusive no aporte

obrigatório de capital; iii) instauração de regimes especiais de intervenção da ANS nas

operadoras; iv) alienação compulsória de carteira e leilão.

Além disso, ao longo de seus quatro anos de existência, a ANS logrou

formar uma base importante de dados sobre o setor, que pode contribuir para a

continuidade do processo de regulação e a definição e o aprimoramento das políticas

setoriais: DISQUE ANS (100 mil atendimentos até março/2003), índice de reclamações,

cadastro de beneficiários, sistemas de informações periódicas (DIOPS, FIP, SIP).

Portanto, qualquer debate ou embate sobre a manutenção ou não do

atual status quo das agências reguladoras, deve considerar todos os aspectos envolvidos,

desde políticos e econômicos até a configuração que se pretende conferir à própria

administração pública, passando por uma avaliação crítica sobre a conveniência da

retomada pelo Estado de sua condição de produtor direto de bens e serviços hoje

pertencentes à esfera privada.

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- 54 -

CAPÍTULO II: CONTRATO DE GESTÃO COMO MECANISMO DE

CONTROLE E ACOMPANHAMENTO DAS AÇÕES DAS

AGÊNCIAS REGULADORAS – O CASO DA ANS

2.1 Sobre o Contrato de Gestão

A reforma administrativa no Brasil, cujos princípios foram expostos

no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Brasil. Presidência da República,

1995), pretendia alterar de forma significativa o modelo de gestão do setor público no

país. Com base nesse modelo, a idéia central girava em torno de inovar a Administração

Pública brasileira, dotando-a de novas estruturas institucionais, instrumentos de gestão e

formas de controle.

A reforma buscava a instalação de um processo de aprendizado

político e organizacional, que visasse tornar as instituições públicas mais capazes de

exercer a governança, conceito utilizado como sinônimo de aumento da capacidade de

governo (Bresser Pereira, 1997), por meio da implementação de princípios típicos da

administração gerencial. Os princípios reformadores então propostos objetivavam

contribuir para o incremento da eficiência das instituições públicas (obtenção de

resultados) e para uma maior transparência (informação), um dos mais importantes

pilares da accountability democrática (Przeworski, 1998). Obviamente, não se pretendia

esgotar todas as possibilidades apenas com a colocação em prática de todos os aspectos

abrangidos naquela proposta de reforma, uma vez que é condição sine qua non a busca

pelo aperfeiçoamento contínuo dos instrumentos de gestão das instituições públicas

dotados de uma certa flexibilidade, na medida da necessidade para fazer frente a um

cenário de contínuas mutações tanto no campo político como econômico, interna e

externamente.

Um dos instrumentos que, em nosso entender, assumiu importância no

exercício do novo papel do Estado como regulador é o contrato de gestão, como

mecanismo de acompanhamento e avaliação de resultados no âmbito específico que se

trata aqui, qual seja, das agências reguladoras. Isto porque o contrato de gestão constitui

um instrumento do qual se pode lançar mão para o acompanhamento e avaliação de

outros entes da administração pública indireta (autarquias, fundações, sociedades de

economia mista e empresas públicas), órgãos da administração pública direta e com

pessoas jurídicas de direito privado, qualificadas como organizações sociais. Portanto, a

análise que se pretende desenvolver se restringirá apenas à aplicação dos contratos de

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- 55 -

gestão no caso das agências reguladoras, e mais restritamente, na Agência Nacional de

Saúde Suplementar.

O Contrato de Gestão foi introduzido pela Emenda Constitucional n°

19, de 1998 (art. 37, § 8º CF), tinha o propósito específico de permitir uma maior

autonomia para o administrador público, balizada pelo compromisso com os resultados

a serem alcançados e pela transparência das informações sobre desempenho

institucional, e pretendia deslocar o foco de controle da nova administração pública:

não compreenderia exclusivamente os processos, mas fundamentalmente seus

resultados.

Sob o aspecto jurídico, como ressaltou Maria Sylvia Zanella Di Pietro

(1999), o contrato de gestão representava um tema em que a aplicação prática

antecedia o labor legislativo..., na medida em que, na realidade, a sua utilização já vinha

acontecendo no âmbito infra-constitucional, inicialmente com base no decreto nº 137,

de 27 de maio de 1991, que instituiu o Programa de Gestão das Empresas Estatais, e em

seguida pelos decretos nos 2.487 e 2.488, ambos de 2 de fevereiro de 1998, que previam

a figura do contrato de gestão para autarquias e fundações públicas, que pretendessem

se qualificar como agências executivas.

O artigo 4º, inciso IV, do Decreto no 2.487 estabeleceu que o contrato

de gestão contemplaria as medidas legais e administrativas a serem adotadas pelos

signatários e partes intervenientes com a finalidade de assegurar maior autonomia de

gestão orçamentária, financeira, operacional e administrativa e a disponibilidade de

recursos orçamentários e financeiros imprescindíveis ao cumprimento dos objetivos e

metas. Esse dispositivo possibilitou, em tese, ao contrato de gestão ampliar a autonomia

de autarquias e fundações públicas, o que em princípio confrontaria o ordenamento

jurídico vigente, na opinião de Di Pietro (1999), já que a legislação não se estendera a

tanto.

Objetivando corrigir essa inadequação legal foi consignada num dos

itens da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que depois viria a ser promulgada

como EC nº 19, de 1998, a modificação do artigo 37 da Constituição Federal. Embora o

dispositivo (§ 8º do art. 37, CF), após sua aprovação e inserção no texto constitucional,

não contivesse menção expressa ao contrato de gestão, para Di Pietro (1998) era a este

instrumento que o citado dispositivo se referia.

Na concepção de Di Pietro (1999), a finalidade de um contrato de

gestão é conferir maior autonomia a órgãos e entidades da Administração, permitindo a

consecução de metas previamente pactuadas e que deveriam ser atingidas no prazo

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- 56 -

fixado para vigência do contrato, além de prever um controle de resultados com a

função de orientar a Administração Pública quanto à conveniência ou não de manter,

rescindir ou alterar o contrato.

A lei n.º 9.649, de 1998, sancionada poucos dias antes da promulgação

da Emenda Constitucional nº 19, autorizava o Poder Executivo a qualificar como

agência executiva a autarquia ou fundação pública que houvesse celebrado contrato de

gestão com o respectivo ministério ao qual fosse vinculada (órgão supervisor), contendo

objetivos e metas que deveriam cumprir. No seu artigo 5º, a mencionada lei dispunha

sobre os requisitos a serem observados pela autarquia ou fundação, os quais

possibilitariam sua qualificação como agência executiva, decretada por ato do

Presidente da República: a existência de um plano estratégico de reestruturação e de

desenvolvimento institucional, voltado para a melhoria da qualidade da gestão e para a

redução de custos, já concluído ou em andamento, e a existência de um contrato de

gestão com o respectivo Ministério supervisor.

O contrato assim firmado deveria conter 1) as metas a serem atingidas,

2) a compatibilidade dos planos anuais com o seu orçamento e os meios necessários à

sua consecução, 3) as medidas legais e administrativas a serem adotadas para assegurar

maior autonomia de gestão orçamentária, financeira e administrativa, 4) as penalidades

aplicáveis em caso de descumprimento das metas, 5) as condições para revisão,

renovação e rescisão do contrato, e 6) o prazo de sua vigência. Celebrado o contrato de

gestão com o Ministério supervisor, o reconhecimento como agência executiva ou de

um regime jurídico especial se daria por meio de decreto presidencial, conferindo um

tratamento diferenciado à fundação pública ou à autarquia, sobretudo quanto a sua

autonomia na gestão e gerenciamento de seus recursos.

Neste contexto, figura como traço característico do contrato de gestão

a concessão de maior autonomia à agência executiva que, por esta razão, poderia vir a

atuar de forma mais independente, dado o seu tratamento diferenciado com relação aos

demais órgãos da Administração Pública, embora essa independência não fosse

extensiva àquilo que se referisse ao controle propriamente dito dessas agências.

Os instrumentos contratuais insertos nesta modalidade, quando

firmados entre a Administração central e a indireta, tinham como mote compatibilizar a

atuação das agências executivas com as premissas e diretrizes contidas nos planos e

políticas públicas nacionais e, portanto, adequá-las com as diretrizes gerais e políticas

do governo.

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- 57 -

Para que essa maior autonomia vingasse, a contrapartida exigida era a

consecução de metas previamente estabelecidas através de um contrato de gestão, que

contemplasse o modus operandi da citada autonomia, as metas que seriam cumpridas

pela agência executiva e o prazo em que as mesmas seriam alcançadas, além das formas

de controle sobre seus resultados (Di Pietro, 1999).

No caso específico das agências reguladoras, seria relevante

mencionar que as mesmas foram definidas como autarquias especiais porque o

legislador lhes conferiu, desde o momento da sua constituição, um conjunto de garantias

suficientes que caracterizavam um particular alargamento da autonomia decisória,

administrativa ou financeira em relação às demais autarquias existentes, como o

mandato fixo dos diretores ou dirigentes desses órgãos sob a condição de sua prévia

sabatina e aprovação pelo Senado Federal.

Desta forma, Di Pietro (1999) encara o contrato de gestão como um

instrumento de pouca valia em termos de dotar ou amplificar a autonomia das agências

reguladoras ou das autarquias. Para ela, esse tipo de contrato se prestaria tão somente às

funções de controle da atuação administrativa do órgão sob supervisão e de avaliação de

desempenho, sobrepondo-se em certa medida ao controle já exercido por outros órgãos

da Administração Pública, como o Tribunal de Contas da União (TCU), a Secretaria

Federal de Controle (SFC), ou através de mecanismos outros de acompanhamento de

resultados e gerenciamento das ações, como no caso do Plano Plurianual (PPA), sob a

coordenação do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão.

Marçal Justen (2002), por sua vez, destaca que o modelo de contrato

de gestão – instrumento difundido e amplamente utilizado na França – foi transplantado

para a realidade brasileira (como outras experiências) sem uma análise mais acurada

sobre suas características, finalidades e operacionalização, além de carecer de amparo

na Constituição46, principalmente, quando se considera o contexto e a conotação que

caracterizaram a proposta para sua implementação na esfera da Administração Pública

Federal (Brasil. Presidência da República, 1995). Isto porque, segundo Justen (2002),

um contrato pactuado nos moldes convencionais (expressão da vontade entre partes)

não se configura um instrumento jurídico capaz por si só de estender competências ou

atribuições e/ou conferir ou ampliar autonomia de agências reguladoras, exceto se

houver previsão legal específica para tanto.

46 M. Justen entende que a redação do § 8º, art. 37 da CF/88, alude a um instrumento de natureza contratual,destinado a disciplinar a autonomia e competência de órgãos da Administração Pública. Para ele, no caso dasAgências Reguladoras, com autonomia gerencial, orçamentária e financeira, deveria haver lei específicaregulamentando a matéria e não apenas previsão em um contrato.

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No modelo francês, lembra Justen (2002), transportou-se para as

organizações estatais todo um aparato formal próprio das relações jurídicas

estabelecidas entre entidades privadas, precedido da criação dos instrumentos legais

necessários, e que resultou em quatro tipos básicos de contratos no âmbito da

administração pública:

Quadro III – Tipos de Contrato de Gestão no Modelo Francês

TIPOS DE CONTRATO DE GESTÃO ESPECIFICAÇÃO

Contratos internos de gestão ou de performance Firmados no âmbito interno de uma mesma

estrutura administrativa entre dois níveis

hierárquicos distintos. Vinculam a ambos.

Contratos individuais de performance anual Firmados entre um agente individual e seu superior

hierárquico, podendo ter reflexos financeiros na

remuneração do agente.

Contratos de trabalho Visam substituir parcial ou totalmente o tipo de

vínculo empregatício (estatutário) de agentes

públicos.

Contratos-qualidade Firmados com organizações de prestação de

serviços públicos, sujeitando-as ao atingimento de

certos parâmetros objetivos de desempenho, sob

pena de sanções ou penalidades.

Fonte: Elaboração a partir de Justen (2002), op. cit.

A característica fundamental desse modelo, independentemente do

tipo de contrato aplicável, é dada pela relativa condição de igualdade que se estabelece

entre as partes contratantes, primeiro, pela imposição (legal, no caso francês) de

negociação e formulação conjuntas dos critérios, parâmetros e metas de desempenho; e,

segundo, pela necessidade de definição objetiva e transparente dos resultados a atingir.

Além disso, o desempenho das autoridades públicas deve ser suscetível do pleno

conhecimento de toda a sociedade (transparência e superação da assimetria de

informações) e, ao mesmo tempo, objeto de fiscalização quanto ao cumprimento das

metas escolhidas. Disto decorre, na opinião de Justen (2002), uma razoável estabilidade

e equidade na eleição dos objetivos a atingir e a eliminação de traços de personalismo

que porventura pudessem marcar as relações contratuais, sobretudo no âmbito da

Administração Pública.

Dentro dessa concepção, a sistemática dos contratos de gestão

abrange, portanto, uma total ou parcial substituição de métodos tradicionais de controle

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– de natureza apriorística – por sistemas de avaliação de desempenho, com verificação

do atingimento de resultados e ampliação da margem de autonomia da autoridade

administrativa no que se refere à seleção dos meios que melhor se adaptam ao

cumprimento dos objetivos fixados.

Há algumas vantagens resultantes da adoção do modelo francês de

contratualização, de acordo com Justen (2002). De um lado, assegura-se uma maior

flexibilidade na atuação das autoridades e agentes públicos em prol do interesse

coletivo, atrelada à ampliação de responsabilidades, e possibilita-se uma participação

mais direta da sociedade no controle das ações desenvolvidas pelo Poder Público. De

outro, o estabelecimento de contratos nesses moldes caracteriza, em última análise, a

adoção de um instrumento de coordenação para evitar que a pluralidade de instâncias

administrativas se traduza em ações contraditórias ou desordenadas.

É por essa razão que Justen (2002) classifica os contratos de gestão

como instrumentos de natureza consensual e não contratual, já que não reproduzem

acordos de vontades destinados a gerar direitos e obrigações para uma ou ambas as

partes neles envolvidas, porque na Administração Pública essas partes são sujeitos que

integram uma mesma órbita jurídica, sem qualquer contraposição ou dissociação de

interesses. Desta forma, a relevância do contrato de gestão está muito mais afeta ao

campo político do que ao jurídico, por ser ele ao mesmo tempo um instrumento de

transparência governamental, ampliação da racionalidade estatal e definição de metas e

estratégias de políticas setoriais ou gerais.

Um contrato de gestão, nos termos acima conceituados, funcionaria

como um instrumento de avaliação do potencial de uma Administração, a partir da

seleção de metas concretas e de critérios objetivos de desempenho, que norteassem a

atuação dos entes públicos e refletissem a coerência entre as decisões pretéritas e os

compromissos futuros.

Sobre o tema, vale destacar também o entendimento do atual Governo,

expresso no Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial (Brasil. Presidência

da República, 2003), ao ratificar o modelo de agências, considerando-o essencial para

o bom funcionamento da maior parte dos setores encarregados da provisão de serviços

públicos, com reflexos positivos no resto da economia, bem como que o

desenvolvimento de instrumentos de controle social das agências é um avanço

imprescindível para o bom funcionamento do modelo, propondo, de um lado, o

aperfeiçoamento de mecanismos de participação e controle social como: 1) a

obrigatoriedade de consultas públicas para fins de coleta de subsídios, críticas e

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propostas acerca dos temas cuja regulamentação esteja a cargo das agências (princípios

da motivação e transparência); 2) ampliação do papel das entidades de defesa do

consumidor nos processos de acompanhamento de consulta pública e de outras

atividades desenvolvidas pelas agências (propõe-se, aqui, que as despesas das entidades

decorrentes dessa ampliação sejam custeadas com recursos públicos); 3) criação de

ouvidorias no âmbito de todos os entes reguladores (prevista em sua lei de criação, a

Ouvidoria da ANS foi efetivamente instalada em dezembro de 2002); 4) incrementar a

transparência das regras, em especial quanto à regulação de contratos entre regulados e

reguladores; e 5) instituição de mecanismos de prestação de contas ao Poder

Legislativo.

De outra parte, a proposta do grupo de trabalho (Brasil. Presidência da

República, 2003) incorpora a tese de que a adoção de contratos de gestão ou

desempenho operaria como um mecanismo complementar aos instrumentos de controle

social, tendo por finalidade principal o monitoramento da implementação de metas de

transparência para melhoria da eficiência regulatória, transformando as metas

relacionadas ao exercício propriamente dito do poder fiscalizatório das agências em

objetivo secundário em um contrato de gestão. Em outros termos, a implementação das

metas de transparência (Brasil. Presidência da República, 2003:7) deve eleger como

objetivo primeiro a fixação de prazos para instalação de ouvidorias, padronização das

consultas públicas, implantação de projetos de atendimento aos consumidores e agentes

(regulados), e o estabelecimento de regras quanto à forma e periodicidade dos relatórios

submetidos ao Poder Legislativo. Sem maiores aprofundamentos, surge ainda como

outro aspecto a ser abordado no contrato de gestão, no entendimento do grupo de

trabalho, a formalização da relação entre a Administração direta e as agências no que

tange à questão do fluxo de recursos orçamentários e financeiros.

Ainda sobre contrato de gestão e as agências reguladoras, em artigo

publicado no jornal Folha de São Paulo em dezembro de 2003, um dos integrantes do

Grupo de Trabalho47 afirma que é um contra-senso acreditar que sua autonomia (das

agências) possa ser reduzida com a assinatura de um contrato de gestão, pois o alcance

dessa autonomia e a forma de exercê-la são dados pela própria legislação. O artigo

parece ser uma resposta a uma série de críticas que a proposta formulada pelo governo

(na forma do Relatório do Grupo de Trabalho e de Projeto de Lei colocados em consulta

pública, diga-se de passagem por um prazo exíguo, dada a complexidade do tema) vem

47 Santos, Luiz Alberto (subchefe de Coordenação da Ação Governamental da Casa Civil), 05/12/2003, “Contratos deGestão e Agências Reguladoras”, publicado no jornal Folha de São Paulo: A-3.

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recebendo desde que se tornou pública em meados de setembro de 2003. Santos48, em

realidade, defende que a proposta apresentada pelo atual governo (Brasil. Presidência da

República, 2003) foi produto de uma avaliação criteriosa e de um cuidadoso

diagnóstico da situação, visando o fortalecimento das próprias agências, dado que sua

finalidade última é tornar claras as competências no âmbito da regulação, da

fiscalização e da implementação das políticas públicas nos vários setores regulados, e

reflete o reconhecimento de que, no exercício de suas atribuições, as agências devem

contar com meios que ainda não lhe foram proporcionados.

Um desse meios seria exatamente o contrato de gestão, surgindo como

um instrumento adicional de controle social e de aperfeiçoamento da gestão e

desempenho das agências, para assegurar a compatibilidade entre meios e fins e

viabilizar melhores condições operacionais às próprias agências.

Ressaltando que a figura do contrato de gestão não constitui

propriamente uma inovação (§ 8º, artigo 37 da Constituição Federal, inserto pela

Emenda Constitucional nº 19/98) e que algumas agências reguladoras já estão obrigadas

(por força de suas leis de criação) a firmar contratos de gestão – casos da ANEEL,

ANA, ANVISA e ANS – com os ministérios aos quais se acham vinculadas, Santos (v.

notas de rodapé: 40 e 41) sustenta que os referidos contratos não representaram

cerceamento da autonomia dessas agências, nem tampouco se tornaram garrotes à sua

ação. Avançando em sua tese, Santos argumenta que o contrato de gestão é o meio

capaz de permitir uma análise da adequação entre a autonomia das agências (essencial

para os investidores, em razão da estabilidade e confiabilidade do marco regulatório) e o

custo-benefício para os contribuintes e usuários de serviços decorrente da existência de

agências reguladoras (transparência na sua gestão e compromisso com o atendimento do

interesse público).

O contrato de gestão, na visão de Santos, somente se tornará uma

alternativa concreta para o aperfeiçoamento da gestão pública se conseguir superar a

tendência ao formalismo reinante na administração pública brasileira, assim como a

avaliação de desempenho e o aperfeiçoamento da accountability das instituições

públicas requer mais do que instrumentos normativos e técnicas.

A eficácia do contrato de gestão como instrumento de avaliação de

todas as agências reguladoras gera, ainda, a manifesta desconfiança ou descrença entre

integrantes de entidades representativas do setor privado, especificamente da área de

48 Santos, Luiz Alberto, idem.

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infra-estrutura, como demonstra o artigo de Adriano Pires49, ao afirmar que outro ponto

preocupante, ainda no que se refere ao contrato de gestão, é o fato de ser avaliado por

uma comissão de acompanhamento que terá como supervisor o ministério ao qual a

agência estiver vinculada. Isso caracteriza uma submissão das agências aos

ministérios. Caso o governo queira realmente implantar o contrato de gestão, o ideal é

que este fosse supervisionado pelo Congresso, em especial pelo Senado, que é o

responsável pela sabatina dos diretores das agências. Entretanto estou convencido de

que os contratos de gestão não são o melhor mecanismo para controlar a atuação das

agências reguladoras.

Dentro dessa concepção, Pires (2003) entende que o poder regulador

será retirado das agências e passará para a esfera da administração direta federal,

dificultando a existência de mercados competitivos e reforçará o poder de mercado das

empresas estatais e definitivamente afastará investimentos privados, sobretudo no setor

de infra-estrutura.

2.2 O Contrato de Gestão no Âmbito da ANS

A Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, autarquia sob

regime especial, criada pela lei n.º 9.961 (28/01/2000) e vinculada ao Ministério da

Saúde (MS), tem por finalidade promover a defesa do interesse público na assistência

suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às relações

com prestadores de serviços e consumidores e, para tanto, foram-lhe conferidas as

atribuições de regular, normatizar, controlar e fiscalizar o setor de saúde suplementar.

Objetivando o cumprimento dessas atividades, a ANS foi dotada de

autonomia administrativa no gerenciamento de seus recursos financeiros, materiais e

humanos, e de independência na tomada de decisões técnicas, com seus cinco

dirigentes detentores de mandatos fixos e não coincidentes, dentro do modelo de

administração pública gerencial desenhado e implementado com a reforma do aparelho

do Estado brasileiro, a partir de meados dos anos 1990. Contudo, por força de

dispositivo legal (art. 14 da lei nº 9.961), a ANS deve ter sua administração regida por

um contrato de gestão, firmado com o Ministério da Saúde e sujeito à prévia aprovação

do Conselho de Saúde Suplementar – CONSU (art. 35-A, inciso II, da lei n.º 9.656/98,

49 Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura e o artigo “O risco regulatório continua alto” foipublicado no jornal “O Globo”, de 03/10/2003, p. 7.

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com redação da Medida Provisória n.º 2.177-44, de 2001). O esboço da fase pré-

assinatura do contrato de gestão da ANS está demonstrado na Figura II.

Figura II – Etapas Pré-Contrato de Gestão

O contrato de gestão pretende operar como um instrumento de

avaliação objetiva da atuação e do desempenho da Agência, a partir de parâmetros

claros e preestabelecidos, traduzidos em um conjunto de metas e indicadores para

aferição de resultados.

Superadas todas as fases necessárias à celebração do contrato de

gestão, o primeiro passo foi sistematizar um processo de acompanhamento e avaliação

do desempenho da ANS, que refletisse uma análise objetiva das reais condições de

execução e apurasse os resultados alcançados, de tal sorte que, permitisse ao órgão

supervisor (MS) dispor de todas as informações necessárias para avaliar e referendar ou

não a atuação do órgão regulador, corrigindo eventuais desvios na condução das

diretrizes gerais estabelecidas para o setor, visando guardar consonância com aquelas

fixadas dentro da política nacional para o sistema de saúde como um todo.

Deste modo, editou-se uma Portaria Conjunta do Ministério da Saúde

e da ANS (nº 119, de 29 de agosto de 2001), detalhando a Sistemática de

Acompanhamento e Avaliação do Desempenho da ANS e constituindo uma Comissão

de Acompanhamento e Avaliação, com a finalidade de subsidiar o órgão supervisor,

Ministério da Saúde, na análise e decisão quanto à execução e cumprimento dos termos

do contrato de gestão.

A comissão, integrada por dois representantes do Ministério da Saúde

(um da Secretaria Executiva e com a função de coordenação, e outro da Secretaria de

Atenção à Saúde/SAS); um representante do Ministério do Planejamento, Orçamento e

Gestão e um representante da ANS – este último sem direito a voto quando os temas

tratados se referirem à avaliação sobre o cumprimento ou não das metas e resultados do

contrato de gestão – tem como objetivo principal promover a análise da execução das

Elaboração das metas e Aprovação dos Assinatura do Contrato dedos indicadores de termos do Gestão com a ANS edesempenho e Aprovação Contrato de Acompanhamento de suapela Diretoria Colegiada Gestão Execução

ANS CONSU MINISTÉRIODA SÁUDE

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- 64 -

metas e dos indicadores globais, bem como a avaliação do desempenho da ANS, com

base na comparação entre os quantitativos pactuados e os resultados verificados.

A Agência deve disponibilizar à comissão todas as informações, dados

e subsídios entendidos como imprescindíveis para o exercício de suas funções e

atribuições. A análise, as recomendações e as conclusões da comissão devem ser

consignadas em relatório que, em caso de parecer favorável, conterá certificação de

cumprimento contratual do desempenho técnico-administrativo da ANS. Observe-se

que compete, exclusivamente, ao Ministério da Saúde a palavra final sobre o

cumprimento ou não do contrato de gestão (Figura III).

Figura III – Etapas Pós-Assinatura do Contrato de Gestão

É na Sistemática de Acompanhamento que estão definidos os critérios

quali-quantitativos, que subsidiam a análise da comissão quanto à execução das metas

consideradas individualmente, bem como no tocante à certificação ou não do

cumprimento do contrato de gestão (conjunto das metas).

2.2.1 O primeiro contrato de gestão da ANS – período 2000/2001

O primeiro Contrato de Gestão, biênio 2000/2001, foi assinado entre a

Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e o Ministério da Saúde (MS) em 21 de

dezembro de 2000, após a aprovação de seus termos pelo CONSU, e se propunha a

avaliar o desempenho da Agência a partir de metas preestabelecidas, traduzidas em

indicadores, com os quais se buscava qualificar as ações propostas e quantificar os

resultados a serem obtidos.

Dentro deste escopo é que foram sistematizados critérios de

acompanhamento e avaliação do desempenho da Agência, formalizados com a edição

Execução das metas Monitoramento das Parecer final sobre oPropostas no Contrato metas e indicadores do Contrato de Gestãode Gestão e Contrato de Gestão e da ANS – aprovação ouElaboração de Elaboração de Pareceres não aprovaçãoRelatórios

COMISSÃO DEACOMPANHAMENTO E

AVALIAÇÃO

MINISTÉRIODA SAÚDE

ANS

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- 65 -

de uma portaria conjunta do Ministério da Saúde e da ANS (nº 119, de 2001), conforme

já ressaltado anteriormente.

No caso do contrato 2000/2001, os percentuais de execução das metas

individualmente consideradas e as respectivas definições quanto ao seu cumprimento ou

não foram estabelecidos conforme o Quadro IV.

Quadro IV - Critérios de Execução de Metas do Contrato de Gestão 2000/2001PERCENTUAL DE EXECUÇÃO CUMPRIMENTO DE METAS

superior a 81% plenamente cumpridas

entre 51% e 80% parcialmente cumpridas

inferior a 50% não cumpridasFonte: Portaria Conjunta n.º 119/MS/ANS, de 2001

A emissão do certificado de cumprimento do contrato, por parte da

comissão de acompanhamento e avaliação, exigia um índice global (para o conjunto das

metas) mínimo de 75% (setenta e cinco por cento) de metas plena e/ou parcialmente

cumpridas.

No primeiro instrumento contratual de avaliação do desempenho da

ANS, correspondente aos dois primeiros anos de sua atuação, pode-se notar que as

principais referências consideradas para consecução de seus objetivos, e que

transpareciam ao longo de todo o contrato de gestão, estavam intimamente relacionadas

ao marco regulatório, definido pelo conjunto formado pela lei n° 9.656/98 (lei dos

planos de saúde), Medida Provisória n° 1.665/98 (atual Medida Provisória n° 2.177-44,

de 24/08/01), lei n° 9.961/00 (criação da ANS) e a lei n° 10.185/01 (transformação das

seguradoras em seguradoras especializadas em saúde).

Parece claro, ao se analisar o teor do contrato, que o processo de

avaliação da ação da ANS na regulamentação e dos impactos mais gerais da regulação

no setor de saúde suplementar não prescindiu das diretrizes gerais definidas nos

respectivos marcos legais.

Vale relembrar que, antes da criação da ANS em 2000, as atividades

do setor de saúde suplementar achavam-se reguladas sob o aspecto econômico-

financeiro (incluindo reajuste de preços dos planos) pelo Ministério da Fazenda, via

SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) e CNSP (Conselho Nacional de

Seguros Privados), cabendo ao Ministério da Saúde/DESAS (Departamento de Saúde

Suplementar da Secretaria de Assistência à Saúde) e ao CONSU (Conselho de Saúde

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- 66 -

Suplementar) a regulação da atividade de assistência à saúde, quer quanto aos produtos

ou planos (autorização para sua comercialização) quer quanto a sua fiscalização. A

regulação do setor de saúde suplementar somente foi unificada com a criação de um

órgão regulador, a ANS (Montone, 2003).

Este primeiro instrumento contratual foi delineado, portanto, tendo em

conta que as ações da ANS, na medida em que se desenvolvessem, produziriam

impactos sobre o mercado regulado, como reflexo das incertezas presentes entre os

diversos agentes do setor – consumidores de planos de saúde, operadoras, prestadores

de serviços – e de outros atores como órgãos ou organizações não governamentais de

defesa do consumidor, conselhos de classe (categorias de profissionais em saúde) e,

ainda, de entidades representativas das empresas e dos prestadores de serviços do setor

de saúde suplementar.

Nem poderia ser diferente, quando se imagina as dificuldades

inerentes à adaptação dos agentes de um determinado segmento do mercado a regras

que objetivem alterar o seu modus operandi, sobretudo no caso do setor de saúde

suplementar, que cresceu à margem de qualquer diretriz ou normatização, seguindo as

próprias leis de mercado.

As diretrizes estratégicas visavam, por conseqüência, traçar a

dimensão dos limites iniciais de atuação da ANS, os critérios de avaliação de seu

desempenho e os impactos e perspectivas da regulação num sentido mais amplo. Mais,

foram definidas a partir da realidade de um setor que se desenvolveu ao longo de mais

de trinta anos sem se sujeitar a qualquer regulamentação específica (ANS. Relatório do

Contrato de Gestão, 2000/2001) e, neste contexto, o primeiro Contrato de Gestão

buscou contemplar três aspectos considerados fundamentais: as diretrizes estratégicas

para gestão da ANS, as ações prioritárias e respectivas metas, e os indicadores globais e

as ações necessárias para sua consecução.

Sob o aspecto das diretrizes estratégicas, foram estabelecidos os

parâmetros de atuação da ANS no desenvolvimento de suas ações e na busca do

atingimento das metas fixadas, a partir de uma análise elaborada pelas áreas internas –

as cinco Diretorias Executivas (executoras das ações) – e aprovadas, em última

instância no âmbito da Agência, pela sua Diretoria Colegiada50 (ANS. Relatório do

Contrato de Gestão, 2000/2001).

50 Composta pelos cinco diretores da ANS: Desenvolvimento Setorial, Fiscalização, Gestão, Normas e Habilitaçãodas Operadoras e Normas e Habilitação dos Produtos.

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Assim, o conjunto de regras básicas norteadoras de todo o processo

inicial de regulação do setor (ANS. Relatório do Contrato de Gestão, 2000/2001)

traduziu-se em um termo de compromisso, a ser pactuado entre a Agência e o respectivo

Ministério supervisor (da Saúde), cujo descumprimento poderia ensejar até mesmo a

perda do mandato dos dirigentes do ente regulador (ANS). O Quadro (V) abaixo

sintetiza e relaciona as diretrizes estratégicas e as ações necessárias à sua efetivação.

Quadro V – Diretrizes Estratégicas e Ações – CG 2000/2001DIRETRIZES ESTRATÉGICAS AÇÕES DECORRENTES

1. Ampliação da capacidade efetiva de participação

dos consumidores no setor

Assegurar e aperfeiçoar as coberturas ofertadas,

impedindo ou restringindo, de fato, a vinculação da

assistência e dos preços às condições de saúde e

idade.

2. Equilíbrio na disponibilização e divulgação das

informações a todos os atores do setor

Garantir as condições de acesso equânime a

operadoras, prestadores de serviço, agentes do

Sistema Único de Saúde e, principalmente,

consumidores.

3. Garantir o equilíbrio e a manutenção da

estabilidade do setor

Estipular e controlar os padrões de entrada,

operação e saída das operadoras; assegurar aos

consumidores o acesso, o direito e a defesa dos seus

interesses relativos à assistência privada à saúde.

Fonte: Relatório do Contrato de Gestão ANS – 2000/2001

O passo seguinte da construção do primeiro contrato de gestão

envolveu a organização e subdivisão das ações prioritárias (que se traduziriam nas

metas) em quatro dimensões, apresentadas no Quadro VI.

Quadro VI – Dimensões e Ações PrioritáriasDIMENSÕES AÇÕES PRIORITÁRIAS

1. Regulação da cobertura assistencial e das condiçõesde acesso para os contratos novos

Caracterizar plano referência;Revisar rol de procedimentos odontológicos emédicos;Redefinir procedimentos de alta complexidade(cobertura parcial temporária)

2. Regulamentação infra-legal de dispositivosconstantes da lei de planos de saúde (edição denormativos pela ANS)

Uniformizar as regras para Registro Provisório:Operadoras e Produtos;Sistematizar envio periódico de informaçõeseconômicas, financeiras e assistenciais pelasOperadoras;Regulamentar as condições para intervenção daANS nas Operadoras;

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Implementar a segmentação e as condições deentrada, operação e saída no setor dasOperadoras.

3. Estruturação organizacional, inclusive quanto àampliação e ao aperfeiçoamento da participação dediferentes setores da sociedade na construção doarcabouço normativo

Definir as atribuições de cada diretoria e aorganização e o funcionamento da DiretoriaColegiada da ANS;Modelar, sistematizar e implementar osprocedimentos de coleta, manutenção edivulgação de informações do setor;Implementar canais de atendimento direto aosconsumidores e aos agentes regulados;Reestruturar a CSS, inclusive com a criação deCâmaras Técnicas específicas;Implementar processo de Consultas Públicas.

4. Instalação física Dotar de recursos humanos e materiaisnecessários a sede da ANS – Rio de Janeiro – eos escritórios regionais de São Paulo e Brasília.

Fonte: Relatório do Contrato de Gestão ANS – 2000/2001

Na primeira dimensão, foram contemplados os aspectos da regulação

da cobertura assistencial e das condições de acesso para os contratos novos51,

abrangendo desde a caracterização do plano referência (art. 10 da Lei nº 9.656),

passando pela revisão do rol de procedimentos odontológicos e médicos, até a

redefinição dos procedimentos de alta complexidade para fins de cobertura parcial

temporária52.

Em segundo lugar, agruparam-se os aspectos relativos à

regulamentação propriamente dita (Quadro VII) decorrente do poder de legislar

remetido à ANS nos vários dispositivos constantes da lei dos planos de saúde (lei nº

9.656/98). Este arcabouço normativo53 deveria abranger:

51 Os planos de saúde contratados pelos consumidores a partir de 1º de janeiro de 1999 acham-se sob a égide da Leinº 9.656, de 1998, e são denominados como “planos novos” ou”contratos novos”, para distingui-los dos planoscontratados anteriormente àquela data (planos/contratos antigos).52 Cobertura parcial e temporária: o artigo 11, Lei n.º 9.656/98, veda a exclusão de cobertura a doenças e lesõespreexistentes após 24 meses da data de contratação do plano e foi regulamentado pela Resolução Normativa - RN 20(art. 2º, I, “a”).53 Resoluções de Diretoria Colegiada (antes da alteração do Regimento Interno, representadas por RDC e, após aResolução – RDC nº 95, de 28/02/02, desdobradas em Resoluções Normativas (RN), Operacionais (RO) ouAdministrativas (RA)) constituem instrumentos legais ao alcance da ANS para regular o setor de assistênciasuplementar à saúde, por meio dos quais determina, dispõe, institui ou estabelece normas e procedimentos para osetor.

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Quadro VII – Segunda Dimensão: Ações de Regulamentação do Setor

ÓTICA DAS OPERADORAS ÓTICA DOS PRODUTOS OU PLANOS DESAÚDE

Revisão e uniformização das normas e

procedimentos para Registro Provisório das

Operadoras

Revisão e uniformização das normas e

procedimentos para Registro Provisório dos

Produtos/Planos (Nota Técnica Atuarial para

Registro de Produtos - NTRP)

Instituição de Plano de Contas Padrão e de Sistema

de Análise e Tratamento das Informações

Periódicas (DIOPS) para acompanhamento

econômico–financeiro das operadoras

Definição de critérios quanto a alienação

compulsória e transferência voluntária de carteiras

de planos das operadoras

Monitoramento dos aspectos técnico-assistenciais

das operadoras (Plano de Recuperação)

Acompanhamento e avaliação da prestação de

serviços aos consumidores de planos de saúde

(Sistema de Informações dos Produtos – SIP)

Normatização dos procedimentos de intervenção da

ANS em operadoras (Regimes especiais de Direção

Técnica, Direção Fiscal e Liquidação Extrajudicial)

Definição de critérios para a aplicação e

monitoramento dos índices de reajustes de preços

dos planos

Segmentação das operadoras (seguradoras,

medicinas de grupo, cooperativas, autogestão, etc.)

Reorganização e unificação dos procedimentos de

fiscalização dos aspectos assistenciais

Regulamentação das condições para operação das

Seguradoras Especializadas em Saúde

Regulamentação do Termo de Compromisso de

Ajuste de Conduta (TCAC) 54

Reorganização e unificação dos procedimentos de

fiscalização dos aspectos econômico-financeiros

Revisão das normas sobre penalidades às

operadoras por infringência da lei 9.656/98

Fonte: Relatório do Contrato de Gestão ANS – 2000/2001

A terceira e quarta dimensões (Quadro VIII) deveriam considerar as

ações afetas tanto a dotar a Agência de meios para seu funcionamento (instalação física)

e estruturação organizacional, quanto à ampliação e ao aperfeiçoamento da participação

de diferentes setores da sociedade na construção do próprio arcabouço normativo

definido na segunda dimensão:

54 TCAC é um instrumento por meio do qual uma operadora se compromete formalmente perante à ANS a corrigirfalhas ou procedimentos em suas ações, com flagrante descumprimento da legislação de planos de saúde, com vistasa evitar ou suspender eventual processo administrativo instaurado para aplicação de penalidades.

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Quadro VIII – Terceira e Quarta Dimensões: Organização, Infra-estrutura e

Participação Social

ESTRUTURAÇÃOORGANIZACIONAL

INSTALAÇÃO FÍSICA(FUNCIONAMENTO)

AMPLIAÇÃO EAPERFEIÇOAMENTO DAPARTICIPAÇÃO SOCIAL

Estruturação da Diretoria

Colegiada e das Diretorias

Executivas

Implantação do Sistema de

Arrecadação das Taxas de Saúde

Suplementar (TSS)

Implantação do serviço de

atendimento a operadoras (Atende

Operadoras)

Edição do Regimento Interno,

com definição das atribuições

das áreas de cada Diretoria

Sede da ANS no Rio de Janeiro e

dos escritórios regionais do

Distrito Federal e de São Paulo

Implantação do serviço de

atendimento a consumidores,

gratuito e de abrangência nacional

Implementação de processo de

Planejamento Estratégico

Definição, seleção e contratação de

recursos humanos para suprir o

Quadro de Pessoal Temporário

Reorganização da Câmara de

Saúde Suplementar - CSS55

Desenho e modelagem de um

Sistema de Informação

Manutenção e atualização do

banco de dados cadastrais do setor,

(Cadastro de Beneficiários, das

Operadoras e dos Produtos)

Instalação de Câmaras Técnicas

(5), como subproduto da CSS

Elaboração e implementação

do Contrato de Gestão

Implementação de Consultas

Públicas (4) sobre normativos

Fonte: Contrato de Gestão ANS – 2000/2001

A fim de que as quatro dimensões pudessem ser viabilizadas e

proporcionassem uma forma de mensuração para fins de avaliação do desempenho da

ANS e de cumprimento do contrato de gestão, foram estabelecidas as ações prioritárias

no âmbito de cada uma e os respectivos indicadores globais. Essas ações foram

agrupadas em seis blocos conforme seus objetivos gerais (ANS. Contrato de Gestão,

2000/2001).

Do Grupo 1 (Quadro IX) constaram as ações voltadas ao desenho e à

constituição de uma política nacional para o setor de saúde suplementar, as diretrizes

gerais e específicas para revisão, adequação e aperfeiçoamento das normas para registro

de operadoras e produtos. A ANS propôs a execução da totalidade (100%) das metas, de

acordo com o Contrato de Gestão 2000/2001.

55 A CSS, criada pela Lei nº 9.961/00 (art. 13), constitui uma instância de caráter consultivo que conta com aparticipação de representantes do poder público, da iniciativa privada, de órgãos de defesa dos direitos dosconsumidores, de entidades de classe, sindicatos patronais e de trabalhadores.

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Quadro IX – Ações e Metas do Grupo 1AÇÕES METAS

Definição da política nacional de saúde suplementar Submeter propostas (diretrizes) ao CONSU sobre:

§ Garantir cobertura assistencial

§ Criar mecanismos de controle de preços

abusivos

§ Definir condições de ingresso, operação e saída

de empresas do setor

§ Assegurar integração do setor com o SUS

Revisão da regulamentação § Normatizar registro de operadoras

§ Normatizar registro de produtos

Fonte: Contrato de Gestão 2000/2001.

O conseqüente acompanhamento e monitoramento dos aspectos

econômico-financeiros, assistenciais e de qualidade relativos a operadoras e aos

produtos, com o desenvolvimento de metodologia e de sistematização, foi expresso no

Grupo 2 (Quadro X), com cinco metas fixadas (agrupadas em duas para fins da presente

análise) e cujo cumprimento proposto também foi integral (100%).

Quadro X – Ações e Metas do Grupo 2AÇÕES METAS

Acompanhamento e monitoramento de operadoras e

produtos

§ Definir Planos de Conta Padrão

§ Sistematizar e implantar metodologia de coleta

e análise de informações econômico-

financeiras, assistenciais e de qualidade dos

planos ofertados.

Fonte: Contrato de Gestão 2000/2001

O Grupo 3 (Quadro XI) abrangia especificamente as ações na área de

ressarcimento ao SUS, tendo por principal objetivo a avaliação e a revisão do rol e dos

valores de procedimentos constantes da Tabela Única Nacional de Equivalência de

Procedimentos – TUNEP56, com meta de atingimento de 100% ao final do biênio

considerado.

56 TUNEP: tabela que contém os procedimentos médico-hospitalares sujeitos à cobrança junto às operadoras, e osrespectivos valores, para efeito de ressarcimento ao Sistema Único de Saúde, todas as vezes que um consumidor deplano de saúde for atendido pelo sistema público num procedimento que possuir cobertura contratual.

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Quadro XI – Ações e Metas do Grupo 3

AÇÕES METAS

Implantação, aprimoramento e controle do

ressarcimento ao SUS (art. 32, da Lei n.º 9.656/98)

§ Revisão da TUNEP

§ Aferição da possibilidade de regionalização da

TUNEP

Fonte: Contrato de Gestão 2000/2001

As ações de fiscalização e de apoio à defesa do consumidor foram

focalizadas no Grupo 4 (Quadro XII), com metas (também de 100%) atinentes tanto à

execução de atividades voltadas para a orientação, divulgação de informações e

estabelecimento de canais institucionais de comunicação com os consumidores de

planos privados de saúde (Programa Cidadania Ativa), como para a implementação de

uma fiscalização sistematizada e planejada das operadoras (Programa Olho Vivo).

Quadro XII – Ações e Metas do Grupo 4

AÇÕES METAS

Apoio à defesa dos consumidores de planos de

saúde

§ Implantar central de atendimento gratuito

(0800) em todo o território nacional

§ Implementar diretrizes de atendimento em

todas as unidades estaduais (num total de

27) de fiscalização

§ Firmar parceria com os órgãos de defesa

do consumidor

Fiscalização § Revisar e melhorar os procedimentos

fiscalizatórios herdados do DESAS/MS

Fonte: Contrato de Gestão 2000/2001.

O diagnóstico do setor regulado constou do Grupo 5 (Quadro XIII) de

ações e contemplou a realização de pesquisas, estudos e eventos focalizados nos vários

atores do setor regulado pela ANS (operadoras, consumidores e prestadores de serviço),

visando aferir e ampliar o conhecimento do próprio setor e a identificar os seus

principais componentes e características.

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Quadro XIII – Ações e Metas do Grupo 5AÇÕES METAS

Diagnóstico do setor, via produção e difusão do

conhecimento

§ Realizar pesquisas, estudos e eventos dirigidos

a todos os agentes do setor

Fonte: Contrato de Gestão 2000/2001

O Grupo 6 (Quadro XIV) considerou as áreas de gestão

administrativa, financeira e de informação: estruturação de sistemas de informação,

desenvolvimento de modelo de gestão orientado para resultados (planejamento

estratégico, indicadores de desempenho) e estruturação organizacional e instalação da

ANS.

Quadro XIV – Ações e Metas do Grupo 6AÇÕES METAS

Estruturar e sistematizar as informações e dados

sobre o setor

§ Modelar sistema de informações

§ Atualizar dados do cadastro de

beneficiários, de operadoras e de produtos

Implementar modelo de gestão e gerenciamento § Implementar planejamento estratégico e

definir processos organizacionais

Estruturar fisicamente a Agência § Sede (Rio de Janeiro) e unidades de São

Paulo e DF: suporte logístico, patrimonial

e de informática

§ Dimensionar, suprir e capacitar os recursos

humanos*

§ Definir e implantar modelo de gestão de

documentação

§ Implantar o sistema de arrecadação da TSS

Fonte: Contrato de Gestão 2000/2001.* A capacitação de recursos humanos, inserta nesta meta, foi projetada para alcançar 30% do total do quadro de

pessoal da ANS, ao final de 2001. Todas as demais metas tiveram seu cumprimento proposto em 100%.

O contrato de gestão 2000/2001, ainda, abarcou a construção de

“indicadores globais” (Quadro XV), cujo objetivo era mensurar o grau de conhecimento

dos consumidores de planos de saúde acerca de seus direitos e sobre a atuação da

própria ANS (sua criação, a confiabilidade em suas ações e a qualidade do atendimento

prestado ao público do setor de saúde suplementar), a partir da realização de pesquisa de

opinião, adotando-se um plano de ação com base nos resultados obtidos e elaborando-se

uma proposta de padrões mínimos de desempenho.

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- 74 -

uadro XV – Ações e Metas referentes a Indicadores Globais

AÇÕES METAS

Confeccionar e implementar indicadores globais § Realizar e divulgar pesquisa de opinião

§ Elaborar e adotar um plano de ação com

base nos resultados obtidos

§ Propor padrões de desempenho

Fonte: Contrato de Gestão 2000/2001

2.2.2 Análise do Contrato de Gestão da ANS – 2000/2001

Pretende-se, aqui, tecer alguns comentários sobre o comportamento

dos indicadores do primeiro contrato de gestão da Agência Nacional de Saúde

Suplementar (ANS), tendo como pano de fundo o Relatório Final do Contrato de Gestão

- 2000/2001 (março/2002), aprovado pela Comissão de Acompanhamento e Avaliação e

referendado pelo Ministério da Saúde.

De pronto, observa-se uma nítida opção pelas ações e diretrizes – com

a conseqüente construção de metas e indicadores – que espelhassem a consolidação do

papel da ANS como órgão regulador do setor de assistência suplementar à saúde.

Numa análise preliminar, constata-se a adoção de uma conduta

voltada para a superação de alguns desafios iniciais, condicionados, todavia, a eventos

futuros e incertos, como a conversão em lei das Medidas Provisórias que foram

alterando o marco regulatório ao longo do tempo (44 no total, desde a edição da lei n.º

9.656/98). Portanto, não seria de todo incorreto afirmar que o marco regulatório pesou

na definição de várias ações, metas e indicadores de desempenho do contrato de gestão

(casos daqueles constantes dos Quadros IX e X, respectivamente dos Grupos 1 e 2) e se

sobrepôs aos demais.

Nessa direção aponta a ênfase destinada ao processo de

regulamentação das condições de ingresso, funcionamento e saída das operadoras de

planos de saúde do setor, especialmente em relação às regras sobre a constituição de

garantias financeiras (como contrapartida da garantia à cobertura assistencial), a

concessão de autorização definitiva (registro) de funcionamento de operadoras e de

comercialização de produtos e a viabilização do processo de transferência voluntária ou

compulsória de carteira (consumidores) de operadoras, sob regime de liquidação

extrajudicial da ANS ou cujas atividades viessem a ser encerradas (ANS. Relatório

Final, março/2002).

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- 75 -

Como justificativa para o não atingimento de algumas das metas

constantes do contrato de gestão, foram elencados alguns obstáculos principalmente de

natureza externa. De ordem legal – como as sucessivas edições de Medidas Provisórias,

alterando o marco regulatório; de ordem orçamentário-financeira, com o atraso na

aprovação e liberação do orçamento da Agência em 2000 (lei específica somente foi

aprovada pelo Congresso em outubro daquele ano); e de ordem jurídica, afetando a

questão de recursos humanos, quer pela legislação eleitoral (pleito municipal), quer pela

Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) impetrada no Supremo Tribunal Federal

(STF) contra a lei (n.º 9.986, de 2000) de gestão de recursos humanos das agências

reguladoras, contribuindo para a suspensão temporária e o atraso na composição do

quadro de pessoal (ainda que em caráter temporário) da ANS.

O processo de avaliação do desempenho da ANS consistiu na análise

das metas estabelecidas vis a vis os respectivos resultados obtidos, resultante da

comparação entre os percentuais fixados para cumprimento e aqueles efetivamente

alcançados.

Em que pese os fatores adversos apontados pela ANS como causas

para o não cumprimento de algumas das metas estabelecidas para o biênio 2000/2001, o

Relatório da Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Contrato de Gestão (2002)

recomendou ao Ministério da Saúde que aprovasse o desempenho do órgão regulador,

uma vez que, de acordo com os critérios estabelecidos na Sistemática de Avaliação

(Quadro IV), cerca de 81% (oitenta e um por cento) do conjunto de metas obtiveram

índices de execução iguais ou superiores a 90% (noventa por cento), significando que,

sob a ótica quantitativa, poderia ser atestado o cumprimento satisfatório pela ANS

daquilo que fora avençado no contrato de gestão (Relatório Final, março/2002: 32).

Do total de metas propostas (Quadros IX a XV; ANS. Relatório Final,

março/2002: 33), duas não foram cumpridas, segundo Relatório da Comissão de

Acompanhamento e Avaliação do Contrato de Gestão (idem, 2002): a meta que tratava

da capacitação dos recursos humanos da ANS (apenas 30% de execução) e aquela que

propunha definir e implantar um modelo de gestão de documentação (50% executada),

ambas integrantes do Grupo 6 (Quadro XIV).

Quatro metas foram avaliadas como parcialmente cumpridas

(execução entre 51% e 80%): implantação da metodologia de avaliação da qualidade

dos serviços prestados pelas operadoras (Quadro IX: Grupo 1); instalação física da sede

(Rio de Janeiro) da Agência, implantação do suporte logístico, patrimonial e de

informática e contratação de recursos humanos (Quadro XIV: Grupo 6).

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- 76 -

Considerado o conjunto de 32 (trinta e duas) metas fixadas pelo

Contrato de Gestão 2000/2001 (ANS. Relatório Final, março/2002: 33), tem-se que 26

(vinte e seis) metas ou 81% (oitenta e um por cento) do total obteve um índice de

execução igual ou superior a 90% (noventa por cento), sendo que dessas últimas, 9

(nove) metas foram cumpridas na íntegra (100%).

O mesmo Relatório Final (março/2002: 73) traz a ressalva de que, a

meta proposta (Quadro XV) para efeito de cumprimento da confecção e implantação de

indicadores globais resultou (75%) da somatória de 50% relativos à divulgação dos

resultados da pesquisa de opinião realizada no período de 13 de outubro a 4 de

novembro de 2001, com 4.004 consumidores de planos de saúde em todo o país (grau

de conhecimento de direitos básicos e sobre a ANS, de satisfação com os planos e de

confiabilidade na ação do órgão regulador), e de 25% (vinte e cinco por cento) em razão

do estabelecimento de um plano mínimo de ação para melhoria dos resultados

decorrentes da pesquisa, com a disponibilização do serviço de atendimento a operadoras

(Atende Operadoras) e com a entrada em operação da Central de Atendimento Gratuito

(0800 – DISQUE ANS) aos consumidores de planos de saúde, respectivamente, no

primeiro trimestre e no mês de julho de 2001.

Neste contexto e na avaliação da comissão de acompanhamento57, o

órgão supervisor, Ministério da Saúde, deveria aprovar o Relatório Final do Contrato de

Gestão 2000/2001 (março/2002) e certificar formalmente o cumprimento das metas

pactuadas naquele instrumento, dando por encerrado o primeiro contrato de gestão da

ANS.

Ainda sobre o tema e na tentativa de clarificar como operou a

execução do contrato de gestão, foi elaborado o Quadro XVI, onde se pretendeu

correlacionar algumas das ações e metas propostas no contrato de gestão (previstas nos

Grupos 1 a 4) com a regulamentação de dispositivos legais, tanto da lei n.º 9.656 como

da n.º 9.961, através de normativos que foram sendo editados pela ANS, ao longo dos

dois primeiros anos de sua existência.

57 Conforme as atribuições que lhe foram conferidas pelo art. 12, inciso V, do Anexo à Portaria Conjunta ANS/MSn.º 119, de 2001 (Sistemática de Acompanhamento e Avaliação do Desempenho da ANS, 2000/2001) e com base nosarts. 9º, § 2º, e 10 do seu Regimento Interno.

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- 77 -

Quadro XVI – Correlação: Ações e Metas do CG 2000/01 x Resoluções ANS

GR

UPO

SAÇÕES METAS NORMATIVOS EDITADOS PELA ANS

(RDC)58

I

Definição da política

nacional de saúde

suplementar

Submeter propostas (diretrizes

gerais) ao CONSU sobre:

§ Cobertura assistencial

§ Mecanismos de controle

de preços abusivos

§ Condições de ingresso,

operação e saída de

empresas do setor

§ Integração com o SUS

N.º 3 (24/01/00) – Fornecimentoobrigatório e periódico de informaçõessobre cadastro de beneficiários dasoperadoras

N.º 7 (22/02/00) – Plano Referência

N.º 27 (26/06/00) – Revisão técnica –Equilíbrio Econômico-financeiro dosPlanos

N.º 29 (26/06/00) – Normas reajustesde preços – 2000/2001

N.º 39 (27/10/00) – Segmentação deoperadoras

N.º 66 (03/05/01) – Normas reajustespreços – 2001/2002

N.º 67 (08/05/01) – Atualização RolProcedimentos Médicos eOdontológicos

N.º 83 (16/08/01) – Regras deTransferência Controle Societário dasoperadoras

IRevisão da

regulamentação

§ Normatizar registro

de operadoras

§ Normatizar registro

de produtos

N.º 4 (22/02/00) – Novosprocedimentos para registro provisóriode produtos

N.º 5 (22/02/00) – Novosprocedimentos para registro provisóriode operadoras

N.º 81 (15/08/01) – Classificação doRol estabelecido pela RDC 67

58 Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) – instrumento normativo vigente até 04/02/2002, por meio do qual eramexpressas as decisões da instância máxima da ANS (Colegiado), com reflexos externos ou internos. Alterado quandoda edição do novo Regimento Interno da agência: Resolução – RDC n.º 95 (05/02/02).

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- 78 -

Continuação do Quadro XVI

II

Instituição de mecanismos

de acompanhamento e

monitoramento de

operadoras e produtos

§ Definir Planos de Conta

Padrão

§ Sistematizar e implantar

metodologia de coleta e

análise de informações

econômico-financeiras,

assistenciais e de qualidade

dos planos ofertados.

N.º 20 (28/04/00) – Instituição daNota Técnica Registro Produto(NTRP)

N.º 22 (30/03/00) – Estabeleceinstrumentos de acompanhamentoeconômico-financeiro dasoperadoras (DIOPS)

N.º 25 (19/06/00), 43 (19/12/00),82 ( 16/08/01) e 84 (20/09/01) –Normas para alienação voluntária,compulsória e determinada decarteiras pelas operadoras

N.º 38 (30/10/00) – Instituição dePlano Contas Padrão para OPS

N.º 40 (12/12/00) e 47 (03/01/01)– Regimes Especiais de DireçãoFiscal, Técnica e LiquidaçãoExtrajudicial

N.º 57 (05/03/01) – Institui TCAC

N.º 85 (21/09/01) – Institui SIP

II

Implantar, aprimorar e

controlar ressarcimento ao

SUS (art. 32, da Lei n.º

9.656/98)

§ Revisão da TUNEP

§ Aferição da possibilidade de

regionalização da TUNEP

N.º 17 (04/04/00) – Edição daTabela TUNEP

N.º 18 (05/04/00) –Regulamentação do Ressarcimentoao SUS

N.º 62 (29/03/01) –Regulamentação do Ressarcimentoao SUS

IV Fiscalização

§ Revisar e melhorar os

procedimentos

fiscalizatórios anteriores à

ANS

N.º 24 (16/06/00) – Impõe sanções

a operadoras por infração à lei dos

planos

Fonte: Contrato de Gestão ANS 2000/2001 e homepage da ANS na Internet

No âmbito do contrato de gestão 2000/2001, 11 (onze) metas

propostas relacionaram-se com a regulação do setor de saúde suplementar, e resultaram

em 25 (vinte e cinco) normativos aprovados pela Diretoria Colegiada da ANS,

produzindo impacto direto sobre o mercado. Nota-se a presença de uma diretriz geral,

permeando essas metas, centrada no reconhecimento do papel da Agência como órgão

regulador, via a regulamentação infra-legal de dispositivos dos dois principais marcos

legais do setor: as leis 9.656 e 9.961. Aliado a este esforço, buscou-se dotar a ANS da

estrutura organizacional e física necessária para fazer frente às suas finalidades

institucionais, com o estabelecimento das outras metas.

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- 79 -

2.3 Contrato de Gestão da ANS - 2002/2004

O Contrato de Gestão 2002/2004 novamente estabeleceu as diretrizes

estratégicas e elegeu os indicadores de desempenho a fim de serem mensuradas as ações

destinadas a: 1) consolidação do modelo de regulação do setor e da infra-estrutura do

órgão de regulação; e 2) acompanhamento e fiscalização do cumprimento da

regulamentação (monitoramento do modelo de regulação). Com o objetivo principal de

promover a avaliação do desempenho da ANS no triênio, o contrato foi celebrado junto

ao Ministério da Saúde em 10 de abril de 2002, considerando que sua aprovação pelo

Conselho de Saúde Suplementar (CONSU) somente ocorreu no dia 2 de abril do mesmo

ano, com a edição e publicação da Resolução CONSU n.º 2/2002. Quatro foram as

diretrizes estratégicas ou os princípios norteadores da atuação técnico-administrativa da

ANS para o biênio considerado:

• Regular o setor para a prestação de serviços de qualidade, com

garantias assistenciais, a um preço justo, estimulando a

ampliação das coberturas ofertadas e possibilitando o acesso à

saúde suplementar;

• Promover a competitividade saudável, zelando pela

manutenção da estabilidade do setor e estabelecendo e

controlando padrões de entrada, operação e saída das

operadoras;

• Elevar a confiabilidade e a credibilidade institucional,

promovendo o acesso, o direito e a defesa dos interesses dos

usuários, no tocante à assistência privada à saúde; e

• Contribuir para o fortalecimento do SUS, visando a melhoria

das condições de saúde da população.

Dessas diretrizes estratégicas institucionais derivaram dezessete59

indicadores de desempenho selecionados para a avaliação da Agência e suas respectivas

59 Em 22/11/2002, foi assinado o 1º Termo Aditivo ao CG 2002/04, conforme recomendação da Comissão de

Acompanhamento, visando a incorporação de duas ordens de alterações: 1) repactuação das metas anuais de 3

indicadores (Taxa de migração de registro definitivo de produtos; Grau de regulação das operadoras; e Grau de

ressarcimento ao SUS I) e 2) inclusão do indicador Grau de Ressarcimento ao SUS II.

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- 80 -

metas anuais, divididos em três blocos: 1º) três indicadores relativos à consolidação do

modelo de regulação para o setor; 2º) sete indicadores operacionais destinados ao

monitoramento do modelo regulatório adotado; e 3º) sete indicadores relacionados à

consolidação da infra-estrutura do órgão regulador, dotando-o de condições físicas e

materiais para seu pleno funcionamento.

No âmbito da Agência, a Secretaria Geral da Presidência (SEGER) foi

designada como o órgão responsável pela coleta e consolidação das informações

obtidas junto às áreas executoras das ações, centralizando o acompanhamento mensal da

performance dos indicadores de desempenho e cuidando de sua análise e incorporação a

um banco de dados que, posteriormente, serviria de base para a elaboração de relatórios

para a Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Desempenho da ANS, constituída

pela Portaria MS n.º 2007 (de 30/10/2002) e com a mesma composição daquela que

realizou o acompanhamento do Contrato de Gestão 2000/2001.

Os Quadros XVII a XIX contêm os indicadores de desempenho do

Contrato de Gestão da ANS, a fórmula de cálculo (métrica) para a mensurar os

resultados e as respectivas metas pactuadas para o triênio 2002/2004.

Observe-se que algumas dessas metas estão representadas em termos

percentuais, caso de todos os indicadores de consolidação do modelo de regulação

(Quadro XVII). Outras foram simplesmente expressas em unidades, casos (Quadros

XVIII e XIX) do número de fiscalizações pró-ativas, da quantidade de horas de

treinamento do quadro funcional da agência (indicadores de monitoramento do modelo),

ou da realização de pesquisa de opinião (um levantamento a cada ano) junto a usuários,

operadoras e prestadores de serviços para aferir a imagem da ANS e o grau de

satisfação dos consumidores com os seus respectivos planos de saúde.

Sobre os indicadores constantes do Quadro XVII, tem-se um primeiro

– taxa de migração, cujo conceito foi amplificado porque se propõe a quantificar a

parcela do mercado definida como planos de saúde adaptados – total de planos privados

de saúde anteriores a 1º de janeiro de 1999, não regulamentados pela Lei n.º 9.656/98, e

que à ela foram adaptados, somado aos planos contratados após aquela data, isto é, já

sob a égide da nova legislação. O segundo indicador reflete as ações referentes a revisão

e aperfeiçoamento da regulamentação para registro de planos de saúde (produtos) ou o

chamado Sistema de Registro de Produtos (RPS). Para aferir o grau de implementação

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- 81 -

das normas atinentes a concessão de registro definitivo às operadoras de planos de

saúde (autorização definitiva de funcionamento), foi estabelecido o terceiro indicador.

Quadro XVII - Indicadores de Consolidação do Modelo de Regulação

META/ANODEFINIÇÃO MÉTRICA2002/3 2004

IMPACTO DAS NORMAS DEREGULAÇÃO NO ESTÍMULO ÀADAPTAÇÃO DOSCONTRATOS

TAXA ANUAL DE MIGRAÇÃO DE PLANOS ANTIGOS PARA PLANOS NOVOSNÚMERO DE PARTICIPANTES DE PLANOS NOVOS X 100TOTAL DE PARTICIPANTES DE PLANOS

35% 45%

TAXA DE MIGRAÇÃO DE REGISTRO PROVISÓRIO DE PRODUTOS PARAREGISTRO DEFINITIVO DE PRODUTOS

NÚMERO DE REGISTROS DEFINITIVOS X 100TOTAL DE REGISTROS PROVISÓRIOS

- 50%CONSOLIDAÇÃO DO MODELODE REGULAÇÃO DOMERCADO DE SAÚDESUPLEMENTAR GRAU DE REGULAÇÃO DE OPERADORAS

NÚMERO DE REGISTROS DEFINITIVOS X 100TOTAL DE REGISTROS PROVISÓRIOS

- 50%

FONTE: Anexo do 2º Termo Aditivo ao Contrato de Gestão 2002/2004

No Quadro XVIII, tem-se um conjunto de indicadores que pretendem

refletir as ações de fiscalização direta e indireta realizadas pela ANS (Montone, 2003),

assim como, a efetividade da cobrança do ressarcimento ao SUS e do cumprimento das

regras relativas ao funcionamento do mercado, em face do modelo regulatório vigente.

Nas ações de fiscalização direta incluem-se as atividades que visam a apuração de

denúncias (originadas pelos consumidores) e representações (iniciadas no âmbito da

própria ANS) – Programa Cidadania Ativa – e diligências programadas nas operadoras

(Programa Olho Vivo).

A fiscalização indireta, por sua vez, compreende as atividades de

acompanhamento e monitoramento das operadoras, a partir de informações coletadas

periodicamente – assistenciais, econômico-financeiras e cadastrais – e do cruzamento

sistemático de todas as informações disponíveis, inclusive a incidência de reclamações e

a aplicação de multas. Como exemplos desse tipo de ação fiscalizatória, pode-se citar os

Planos de Recuperação, os Regimes Especiais de Intervenção da ANS (direção fiscal,

direção técnica e liquidação extrajudicial), a Alienação Compulsória de Carteiras e os

Termos de Compromisso de Ajuste de Conduta (TCAC). Como ressaltou Montone

(2003: 41), os instrumentos de ação da fiscalização indireta, e as ações dela

decorrentes, estão na esfera da regulamentação do setor e, em geral, produzem impacto

protetor sobre todos os usuários da operadora.

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- 82 -

Quadro XVIII – Indicadores de Monitoramento do Modelo de Regulação

META/ANODEFINIÇÃO MÉTRICA

2002/3 2004

PERCENTUAL DE ACOMPANHAMENTOS DERIVADOS DE ANÁLISE TÉCNICA,POR SEGMENTO DE OPERADORA

NÚMERO DE OPERADORAS ACOMPANHADAS X 100TOTAL DE OPERADORAS

80% 100%FISCALIZAÇÕES EACOMPANHAMENTOSREALIZADOS EM GARANTIA AOCUMPRIMENTO DA LEI

N.º DE FISCALIZAÇÕES PRÓ-ATIVAS (PROGRAMA OLHO VIVO)

NÚMERO DE OPERADORAS SUBMETIDAS À FISCALIZAÇÃO PRÓ-ATIVA400 250

APURAÇÃO DE DENÚNCIAS

GRAU DE APURAÇÃO (PROGRAMA CIDADANIA ATIVA)DENÚNCIAS APURADAS X 100

TOTAL DE DENÚNCIAS FORMALIZADAS100% 100%

ACOMPANHAMENTO DOSPADRÕES DE ENTRADA,OPERAÇÃO E SAÍDA DASOPERADORAS DO SETOR

GRAU DE CUMPRIMENTO

NÚMERO DE OPERADORAS COM GARANTIAS FINANCEIRAS x 100

TOTAL DE OPERADORASNÚMERO DE OPERADORAS ADOTANDO CONTABILIDADE PADRÃO X 100

TOTAL DE OPERADORAS

50%

80%

80%

90%

RESSARCIMENTO AO SUS

GRAU DE RESSARCIMENTO

(I) AVISOS DE BENEFICIÁRIOS IDENTIFICADOS (ABIS) RECEBIDOS X 100AVISOS DE BENEFICIÁRIOS IDENTIFICADOS (ABIS) COBRADOS

(II) AVISOS DE BENEFICIÁRIOS IDENTIFICADOS (ABIS) ANALISADOS X 100AVISOS DE BENEFICIÁRIOS IDENTIFICADOS (ABIS) IDENTIFICADOS

35%

76%

40%

80%

FONTE: Anexo do 2º Termo Aditivo ao Contrato de Gestão 2002/2004

O Quadro XIX contempla, de um lado, um pool de indicadores

voltados para a aferição do desempenho da ANS no tocante à continuidade do processo

de consolidação da infra-estrutura propriamente dita, iniciado em 2000 (capacitação e

treinamento do corpo técnico-funcional e gerencial aliada a dotar de condições de pleno

funcionamento unidades descentralizadas de fiscalização e atendimento ao público em

diversos Estados-membros) e, de outro lado, a construção e sistematização de canais de

comunicação e de informação para os agentes envolvidos, como parte fundamental do

processo de regulação do setor (produção e difusão de conhecimento em saúde

suplementar e a realização de pesquisa de opinião sobre a imagem da ANS junto ao

público alvo e sobre o grau de satisfação dos consumidores com os serviços prestados

pelas operadoras).

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- 83 -

Quadro XIX - Indicadores de Consolidação da Infra-estrutura do ÓrgãoRegulador

META/ANODEFINIÇÃO MÉTRICA2002/3 2004

SISTEMA DE INFORMAÇÕESEPIDEMIOLÓGICAS DOSUSUÁRIOS DE PLANOS DE SAÚDE

IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA 100% -

IMPLANTAÇÃO DE ESTRUTURADE TECNOLOGIA DAINFORMAÇÃO

GRAU DE IMPLANTAÇÃO DA ESTRUTURA DE TECNOLOGIA DAINFORMAÇÃO 100% -

IMPLANTAÇÃO DE NÚCLEOSREGIONAIS

NÚMERO DE NÚCLEOS COM CAPACIDADE INSTALADA PARA ATENDIMENTOE FISCALIZAÇÃO 4 4

CAPACITAÇÃO DO QUADRO DEPESSOAL

EVENTOS DE AFERIÇÃO:− NÚMERO DE FUNCIONÁRIOS TREINADOS POR PERÍODO (ANUAL)− NÚMERO DE HORAS DE TREINAMENTO POR PERÍODO (ANUAL)

90021.600

45010.800

PRODUÇÃO E DIFUSÃO DOCONHECIMENTO EM SAÚDESUPLEMENTAR

NÚMERO DE SEMINÁRIOS, PALESTRAS E PUBLICAÇÕES REALIZADAS NOPERÍODO 84 30

IMAGEM DA ANS JUNTO AOSUSUÁRIOS, OPERADORAS EPRESTADORES

LEVANTAMENTO DE OPINIÃO 2 1

SATISFAÇÃO DO USUÁRIO COMOS SERVIÇOS PRESTADOS PELASOPERADORAS

LEVANTAMENTO PARA MEDIR:

GRAU DE CONHECIMENTO DOS USUÁRIOS SOBRE SEUS DIREITOS BÁSICOS/GRAU DE SATISFAÇÃO DO USUÁRIO C/ SERVIÇOS PRESTADOS P/ OPERADORAS

2 1

FONTE: Anexo do 2º Termo Aditivo ao Contrato de Gestão 2002/2004

Para este novo contrato de gestão, alterou-se a sistemática relativa ao

período 2000/2001 de acompanhamento e avaliação do desempenho da ANS, com a

introdução (Portaria Conjunta MS/ANS n.º 6, de 23/10/2002) de metodologia,

parâmetros, critérios e procedimentos um pouco diferenciados daqueles anteriormente

aplicados. Em primeiro lugar, fixou-se uma periodicidade menor para apresentação de

relatórios de execução à comissão de acompanhamento e avaliação: três relatórios

parciais (trimestrais, preferencialmente) e um relatório final (englobando o último

trimestre de cada ano).

Um segundo aspecto a ser considerado diz respeito aos critérios de

avaliação do desempenho da Agência, buscando-se possibilitar um exame analítico da

execução dos indicadores, na forma constante do artigo 11 do Anexo à Portaria

Conjunta MS/ANS n.º 119, de 2001, que trata da Sistemática de Acompanhamento e

Avaliação. O Quadro XX sintetiza esses critérios.

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- 84 -

Quadro XX - Critérios de Avaliação do Desempenho da ANS - 2002/2004

AVALIAÇÃO DA EXECUÇÃO DOS INDICADORES DE DESEMPENHO

ÍNDICE REALIZADO CONCEITO RESULTADO

> 71% DA META PACTUADA “A” (SUFICIENTE) META CUMPRIDA

< 71% DA META PACTUADA “B” (INSUFICIENTE) META NÃO CUMPRIDA

AVALIAÇÃO DA EXECUÇÃO DO CONTRATO DE GESTÃO 2002/2003

IGUAL OU ACIMA DE 75% DOS INDICADORES COM CONCEITO “A” CUMPRIMENTO SATISFATÓRIO

ABAIXO DE 75% DOS INDICADORES COM CONCEITO “A” DESCUMPRIMENTO

FONTE: Art. 11, Anexo Port. MS/ANS n.º 6/02 (Sistemática de Acompanhamento – C. Gestão 2002/2004)

2.3.1. Análise do Contrato de Gestão da ANS – 2002/2004

É importante destacar que o contrato de gestão 2002/2004 não foi

avaliado pela Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Desempenho da ANS,

instituída pela Portaria MS/ANS n.º 6/2002, já que não houve designação formal dos

seus novos integrantes, tanto pelo Ministério da Saúde como pelo Ministério do

Orçamento, Planejamento e Gestão. Desta forma, embora haja um Relatório Parcial

elaborado pela ANS, aprovado por sua Diretoria Colegiada, o mesmo não foi objeto de

avaliação pela comissão ou divulgação oficial por parte da Agência, ficando prejudicada

a análise sobre a evolução dos indicadores e metas do referido instrumento de gestão.

Algumas observações, todavia, podem ser apresentadas apenas com

base no próprio contrato de gestão firmado em 2002 e prorrogado até 2004. Uma

primeira constatação sobre o novo contrato se relaciona à definição das metas, critérios

e indicadores de desempenho, mais concisos e enfatizando a consolidação e o

monitoramento do modelo regulador adotado, sem abandonar de todo a questão da

infra-estrutura organizacional, mas a ela destinando um peso menor em relação ao

contrato 2000/2001. Com efeito, no contrato anterior, as metas relativas à infra-estrutura

corresponderam a 47% (15 em 32 metas) do total, ao passo que no contrato 2002/2004

respondem por 41% (7 de 17 metas).

Um segundo aspecto diz respeito à forma de apuração dos indicadores

(métricas), os quais, em sua maioria (casos daqueles constantes dos Quadros XVI e

XVII), estão expressos em termos comparativos ou relativos, diversamente do que

ocorreu com o contrato 2000/2001. Isto, obviamente, pode ser explicado pelo fato de

que a execução do primeiro contrato coincidiu com o processo de instalação da ANS, e

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- 85 -

pelo acúmulo de informações após dois anos de funcionamento, facilitando a construção

de indicadores mais objetivos e passíveis de mensuração.

Por último, e não menos relevante, no atual contrato de gestão foi

reproduzida a meta de adaptação ou migração dos planos anteriores à lei n.º 9.656,

questão que se tornou premente face à decisão do Supremo Tribunal Federal (ADIN n.º

1931-8), em meados de agosto passado, julgando inconstitucional o artigo 35-E60 da lei

dos planos e, portanto, sua inaplicabilidade aos contratos antigos (firmados antes de 1º

de janeiro de 1999), decisão que, na prática, implicou o reconhecimento de que

passaram a valer as cláusulas pactuadas entre consumidores e operadoras naqueles

contratos, alcançadas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), mas afastadas do

poder regulatório da ANS.

60 O art. 35-E da Lei n.º 9.656/98 estabeleceu regras para os planos anteriores a 01/01/99: reajustes decontraprestações pecuniárias para consumidores com mais de 60 anos de idade e para planos individuais e familiaresdependiam de prévia autorização da ANS; vedação ao rompimento unilateral dos contratos e da interrupção deinternação hospitalar, além de regular as questões sobre DLP.

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- 86 -

CAPÍTULO III:CONSIDERAÇÕES FINAIS – SUBSÍDIOS À ESTRUTURAÇÃO

DO CONTRATO DE GESTÃO DA ANS

3.1 Subsídios à Estruturação do Contrato de Gestão da ANS: Perspectivas

Partindo da premissa de que a estrutura organizacional do aparelho de

Estado está dividida em diversos órgãos com variadas funções, bem como que a

interação e integração desses órgãos constituem um dos principais entraves ao

funcionamento de um Governo, na tentativa de superar conflitos e fazer fluir as ações

governamentais que atendam às expectativas da sociedade (refletidas pelo resultado dos

pleitos eleitorais), Adam Przeworski (1999) desenvolveu os conceitos e tipos de

mecanismos de controle que poderiam ser adotados para corrigir rotas e preservar a

relação entre o que prometeram os eleitos e o que esperam os eleitores.

Neste prisma, entende-se que o contrato de gestão, nos moldes do que

foi adotado pela ANS, representa um mecanismo de controle horizontal ou checks and

balances, na medida em que opera como um dispositivo limitador das ações da agência,

sujeita na fase pré-contrato61 a análise e aprovação das diretrizes, metas e indicadores de

desempenho pelo CONSU e na fase de execução do contrato a supervisão e controle do

Ministério da Saúde.

Na relação estabelecida pelo contrato de gestão, o órgão supervisor

(MS) é o principal e a ANS, o agent, atuando aquele instrumento como um sistema de

pesos e contrapesos para assegurar, de um lado, a obtenção dos resultados propostos e,

de outro, que as ações do agent sejam desenvolvidas em consonância com as políticas e

diretrizes gerais e específicas fixadas pelo principal para a área de saúde como um todo,

pública e privada.

O Ministério da Saúde deve supervisionar a ANS, mediante um

mecanismo institucional de controle horizontal, o contrato de gestão, dentro do

processo de delegação de autoridade, inexorável em sociedades democráticas como

sustenta Przeworski (1999), podendo intervir, respaldar ou vetar as ações do órgão

supervisionado, determinando, inclusive, a perda do mandato dos dirigentes da ANS,

caso o contrato não seja cumprido.

Há que se reconhecer que a relação principal-agente implícita no

contrato de gestão, embora não garanta por si só o controle social – no sentido mais

amplo defendido por Przeworski (1999) – sobre as ações da ANS, representa um fator

limitador a sua autonomia e independência, sem que isto signifique necessariamente a

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- 87 -

perda de seu poder regulador, ao contrário, apenas impõe que no exercício desse poder,

a agência mantenha a relação de afinidade com as diretrizes gerais e específicas

emanadas do órgão central (principal) de formulação de políticas de saúde.

No caso da ANS, formam-se ainda dois outros tipos de relações

principal-agente afora aquela representada pelo contrato de gestão: a política anual de

reajuste de preços para os planos individuais e familiares somente pode ser estabelecida

pela agência em conjunto com os Ministérios da Saúde e da Fazenda; e a

regulamentação de matérias que envolvam aspectos econômicos, financeiros e contábeis

devem observar as diretrizes gerais fixadas pelo CONSU.

Portanto, na fixação da política anual de reajustes de planos de saúde,

os Ministérios da Fazenda e da Saúde operam como principais da ANS, função também

destinada ao CONSU em relação ao regramento do mercado de saúde suplementar

quanto aos seus aspectos econômicos em sentido amplo. Mais, no caso deste último,

quando se considera que o próprio conteúdo do contrato de gestão acha-se sujeito à sua

prévia aprovação, antes de sua assinatura pelo Ministério da Saúde e pela Agência.

Aqui, surgem duas questões que parecem relevantes: 1) o tempo

demandado para que se promova as consultas obrigatórias (legalmente impostas)

àqueles órgãos, com vistas à obtenção de sua concordância com as propostas elaboradas

pela ANS ou para a realização de eventuais ajustes, anteriormente à edição de novas

normas; 2) se estes órgãos encontram-se devidamente aparelhados para fazer frente a

essas funções.

No que diz respeito à primeira questão, a experiência62 tem

demonstrado que o exame e a manifestação dos Ministérios da Fazenda e da Saúde no

tocante à política anual de reajuste dos planos de saúde demandam, ao menos, quatro

meses até a formalização do posicionamento oficial daqueles órgãos. Somente após

ultrapassada essa formalidade é que a ANS pode editar o respectivo normativo,

estabelecendo as regras e o percentual máximo de reajuste permitido para os planos

individuais e familiares. Na prática, como as regras devem estar disponibilizadas

impreterivelmente entre os meses de abril e maio de cada ano, isto implica que o

processo de consulta a ambos os ministérios deve ser iniciado no máximo em janeiro de

cada exercício, sob pena de não ser implementada a política anual de reajuste para o

setor.

61 Vide Figura II.62 Para fixação da política de reajuste anual nos exercícios de 2001, 2002 e 2003, os processos de consulta aosMinistérios da Fazenda e da Saúde foram iniciados em janeiro de cada ano, gerando as Resoluções RDC n.º 66, de04/05/2001; RN n.º 8, de 27/05/2002 e RN n.º 36 de 17/04/2003.

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- 88 -

Sobre a questão de tempo demandado, merece atenção também a

análise e a aprovação prévias pelo CONSU dos termos do contrato de gestão: o

instrumento atualmente vigente (período 1º/1/2002 a 31/12/2004) apenas foi aprovado e

considerado apto para ser celebrado entre o Ministério da Saúde e a ANS com a

publicação da Resolução CONSU n.º 2 em 3 de abril de 2002, ou seja, após decorridos

três meses do início previsto para vigência do contrato, 1º de janeiro de 2002, embora o

encaminhamento formal da proposta por parte da Agência àquele Conselho tenha se

dado em outubro de 2001. A Figura abaixo contém a esquematização dos passos

necessários para deliberação pelo CONSU sobre o contrato de gestão da ANS.

Figura V – Esquema de Aprovação do Contrato de Gestão ANS/MS pelo CONSU

O processo de deliberação na esfera do CONSU sobre o contrato de

gestão se inicia com o encaminhamento simultâneo da proposta elaborada pela ANS,

após aprovação de sua Diretoria Colegiada, aos titulares de cada uma das quatro pastas

que integram o Conselho.

A tramitação do processo em cada Ministério segue um padrão

bastante similar, com a realização pelas respectivas áreas técnicas (normalmente, a

cargo das Secretarias Executivas, como nos Ministérios da Saúde e da Justiça) e

jurídicas (Consultorias Jurídicas de cada Ministério, vinculadas à Advocacia-Geral da

União) da análise dos aspectos relacionados às diretrizes gerais e estratégicas e às

questões de caráter legal. A exceção corre por conta do Ministério da Fazenda, onde o

contrato de gestão é submetido ao seu órgão jurídico (Procuradoria Geral da Fazenda

Nacional, no caso), porém, há a exigência ainda do exame de seus termos pela

Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) e pela Secretaria do Tesouro

ANS CONSU

Min. daSaúde

Min. daFazenda

Min. doPlanejamento

Min. daJustiça

ANS

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Nacional (STN), antes da manifestação final do titular da pasta. Esse rito se aplica a

qualquer matéria que dependa da posição oficial do Ministério da Fazenda, mesmo

quando inexistam implicações de ordem financeira, como por exemplo o

comprometimento de recursos da União com a execução do contrato de gestão.

A razão principal desse exame minucioso por parte da Fazenda, órgão

que mais tempo demandou para se posicionar, pode ser explicada por duas das diretrizes

estratégicas que compõem a peça inicial do contrato de gestão 2002/2004 da ANS:

regular o setor para prestação de serviços de qualidade, com garantias assistenciais, a

um preço justo, estimulando a ampliação de coberturas ofertadas e possibilitando o

acesso à saúde suplementar (grifo nosso). A Secretaria de Acompanhamento

Econômico do Ministério da Fazenda entendeu que a expressão grifada remetia à

política anual de reajuste estabelecida pela Agência, contudo, sem deixar claro que isto

dependeria da anuência prévia do Ministério da Fazenda, nos termos do artigo 4º, inciso

XVII, da Lei n.º 9.961/2000.

A segunda diretriz estratégica, promover a competitividade saudável,

zelando pela manutenção da estabilidade do setor e estabelecendo e controlando

padrões de entrada, operação e saída das operadoras, também mereceu a ressalva da

SEAE, embora menos enfática vis a vis a primeira, por não estar mencionado

explicitamente que deveriam ser observadas as regras da Lei n.º 8.884, de 11 de junho

de 1994, que regulamenta a ordem econômica nos aspectos afetos à defesa da

concorrência, conforme previsto na própria lei de criação da ANS (Lei n.º 9.961/2000,

art. 4º, inciso XXII).

O tempo decorrido apenas para a manifestação do Ministério da

Fazenda sobre o contrato de gestão 2002/2004, quando se considera que a consulta foi

iniciada, concomitantemente a todos os membros do CONSU, em outubro de 2001 e a

posição do Ministro da Fazenda apenas foi formalizada à Presidência do CONSU

(Ministro da Justiça) em fins de março de 2002, aponta, sem dúvida, para a necessidade

de serem revisados e melhor planejados alguns prazos na tramitação da proposta de

contrato de gestão da ANS, tanto no âmbito da Agência como na esfera dos Ministérios

envolvidos. Isto porque o CONSU – sendo um conselho integrado exclusivamente por

Ministros de Estado – obviamente, não conta e nem deveria contar com uma estrutura

administrativa ou técnica que lhe fornecesse o suporte necessário para a análise e

deliberação sobre questões como o contrato de gestão da ANS. Logo, torna-se quase um

processo natural que seus integrantes se valham das correspondentes estruturas

administrativas e técnicas de suas pastas para firmar um posicionamento.

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Assim, uma primeira medida que objetive agilizar a tramitação e o

exame do contrato de gestão pelo CONSU e contribuir para sua aprovação em tempo

hábil (anterior à vigência do contrato), não deve dispensar a sistematização e

formalização pela ANS dos procedimentos internos necessários à elaboração e

aprovação (pela Diretoria Colegiada) da proposta de contrato de gestão, semelhante à

sistemática de acompanhamento e avaliação do desempenho da Agência implementada

na fase pós-assinatura do contrato, fixando-se prazos para cada etapa desenvolvida,

inclusive quanto à data limite para envio da proposta ao CONSU que, como demonstrou

o trâmite para aprovação do atual contrato de gestão, demanda ao menos cinco meses

para deliberar sobre o tema.

O passo inicial seria, tal como se deu nos contratos 2000/2001 e

2002/2004, a definição pela Diretoria Colegiada da ANS das diretrizes estratégicas que

norteariam as ações do órgão no período abrangido pelo contrato de gestão, a partir das

quais se construiriam as metas e os indicadores de desempenho. A inovação ficaria por

conta da constituição de um grupo permanente de trabalho, formado por técnicos de

todas as cinco diretorias da Agência, com atribuições formalmente estabelecidas que

contemplassem, além da elaboração e apresentação da proposta final do contrato à

Diretoria Colegiada, a coleta de informações e o acompanhamento de todas as fases que

envolvessem a confecção do contrato e, após sua assinatura junto ao Ministério da

Saúde, a sua execução. Neste último caso, o objetivo principal seria promover um

acompanhamento interno da execução do contrato de gestão, centralizando-se a

produção e o fornecimento de todas as informações e relatórios tanto à Diretoria da

Agência quanto à Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Desempenho do

Contrato de Gestão. Portanto, a criação deste grupo de trabalho não importaria qualquer

ingerência ou sobreposição de funções em relação àquela comissão, cuja tarefa é

auxiliar o Ministério da Saúde no exercício de sua atribuição de supervisor (principal)

da ANS (agente) via o contrato de gestão.

Uma segunda medida, tão ou mais importante que aquela que se refere

a prazos, diz respeito ao estabelecimento de mecanismos que auxiliem na superação de

certas dificuldades encontradas, no âmbito do CONSU e do Ministério da Saúde,

relacionadas ao próprio significado e função de um contrato de gestão. Pode-se afirmar

que, pelo menos três ocorrências corroboram essas dificuldades: 1) a alteração da

composição do CONSU em 200163, com a retirada da Casa Civil da Presidência da

63 O decreto 4.044, de 2001, alterou a composição do CONSU, antes integrado por cinco Ministros de Estado e quepassou a contar com apenas quatro.

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República, cujo titular o presidia; 2) a exigência de manifestação da STN no Ministério

da Fazenda quando não há recursos do Tesouro envolvidos na execução do contrato de

gestão da ANS, que nada mais representa do que um pacto de metas e resultados; 2) a

não constituição, por parte do Ministério da Saúde, da Comissão de Acompanhamento e

Avaliação do Desempenho do Contrato de Gestão 2002/2004, embora a Sistemática

tenha sido estabelecida com a edição da Portaria Conjunta MS/ANS n.º 6, de 2002.

Neste caso, não se constatou qualquer movimento do órgão supervisor no sentido de

reconduzir ou substituir seus integrantes, ou até mesmo reformular a composição da

comissão ou as regras de acompanhamento ou avaliação da Agência.

A modificação da composição do CONSU, em 6 de dezembro de

2001, contribuiu em parte para o retardamento da conclusão do processo de análise e

deliberação sobre o contrato de gestão 2002/2004. De um lado, o processo já havia sido

iniciado em outubro daquele ano e encaminhado à Casa Civil; de outro, sempre fora a

Casa Civil que centralizava e conduzia todos os assuntos e procedimentos afetos ao

CONSU, inclusive, realizando a interface necessária com os demais Ministérios. Por

conseguinte, o que poderia parecer um ganho num primeiro momento, representado pela

redução do número de integrantes do CONSU, na prática, se mostrou mais um

obstáculo a ser transposto.

A análise pela STN, antes do posicionamento formal do Ministro da

Fazenda, pode ser entendida quando se considera o fato de que, contratos de gestão

eram normalmente firmados entre órgãos da administração direta federal e organizações

sociais (OSCIP) e, portanto, implicavam desembolso de recursos do Tesouro Nacional.

Deste modo e com o intuito de superar essas dificuldades, a ANS

poderia tomar a iniciativa de propor ao CONSU e ao Ministério da Saúde que, também,

fossem sistematizados e formalizados os procedimentos relativos às etapas pré e pós-

contrato de gestão, além de, no caso deste último, reforçar-se o papel da Comissão de

Acompanhamento e Avaliação, principalmente, quando a intenção manifesta do atual

Governo é lançar mão do contrato de gestão como mecanismo complementar de

controle social sobre todas as agências reguladoras.

Sob a ótica da teoria dos custos de transação formulada por

Williamson (apud Fiani, 2002), o contrato de gestão não deixa de representar uma

relação de autoridade, configurada no vínculo que se instala entre dois agentes públicos,

um dos quais detém autoridade para fixar um conjunto de ações a ser executado pelo

outro agente, espelhadas em metas e objetivos que serão acompanhados e avaliados ao

longo da execução do pacto. No contexto da teoria de Williamson, o Ministério da

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Saúde é o agente detentor da autoridade e a ANS o agente executor, e todo e qualquer

conflito deverá ser superado no decorrer da relação estabelecida.

Na visão de Fiani (2002), a relação de autoridade constitui uma

relação de governança específica de transação, que pode ser traduzida como a

capacidade de governo do Estado. É nesse tipo de arcabouço institucional que será

desenvolvida a relação ou transação entre os agentes envolvidos.

Como ressaltou Przeworski (1999), é o modelo institucional e

estrutural do aparato do Estado (produto da vontade política) que definirá, em última

instância, o grau de controle e participação social que se pretende implementar em

relação aos órgãos públicos, evitando que os mesmos se transformem em unchecked

power e permitindo que operem como agentes facilitadores do controle público sobre as

ações de governo.

Claro está que, embora mecanismos de controle como o contrato de

gestão, representem um importante instrumento de checks and balances, na medida em

que se prestem a supervisionar e monitorar as ações dos órgãos públicos, sobretudo

quando estes gozam de autonomia, outros mecanismos de controle social devem ser

buscados para que a sociedade exerça um controle mais efetivo sobre as ações

governamentais.

Além disso, os órgãos supervisores devem estar aparelhados e

capacitados para exercer suas funções de principal ou de autoridade. Sobre isto, como já

se apontou, é revelador o fato de que o Ministério da Saúde não tenha instalado ainda a

Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Contrato de Gestão 2002/2004,

sobretudo e, reafirme-se, em função da ênfase destinada aos mecanismos de

participação e controle social, como o contrato de gestão, no Relatório do Grupo de

Trabalho Interministerial (Brasil. Presidência da República, 2003).

Apesar do enfático posicionamento contido no citado Relatório, no

geral, a implementação de instrumentos de participação e controle social nas agências

reguladoras não traz grandes inovações, se considerado o caso da ANS,

especificamente.

Primeiro, desde sua criação a agência está submetida a um contrato de

gestão junto ao Ministério da Saúde; segundo, porque dois dos instrumentos

propugnados – consultas públicas e criação de ouvidoria – também lograram ser

efetivados no âmbito da ANS. O decreto n.º 3.327, de 2000, instituiu o Regulamento da

agência e estabeleceu a consulta pública como um instrumento (art. 35) de participação

da sociedade em geral nos temas relativos a saúde suplementar, objetivando a coleta de

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sugestões e propostas sobre matérias reguladas pela ANS, antes de sua normatização. A

estrutura organizacional da ANS conta com uma ouvidoria, conforme art. 5º da lei n.º

9.961/00, em funcionamento desde fins de 2002.

Em terceiro lugar, a ampliação do papel das entidades de defesa do

consumidor nos processos de acompanhamento de consultas públicas e de outras

atividades desenvolvidas pelos órgãos reguladores, ainda que meritória, não parece

suficientemente tratada quando se considera o teor do Relatório do Grupo de Trabalho

(Brasil. Presidência da República, 2003) quer sob o ponto de vista da operacionalização,

quer com referência à forma como serão custeadas as despesas das entidades como

decorrência das novas atribuições. Destinar recursos públicos para financiamento de

entidades privadas e representativas de parcela dos agentes econômicos de determinado

setor regulado, com a contratação de especialistas (expert) que as representem e

acompanhem o desenrolar das consultas públicas (Presidência da República, 2003: 6),

pode significar, na prática, precedente para que outras entidades reivindiquem

tratamento isonômico, além de privilegiar determinadas instituições (em geral, mais

organizadas por conta do conhecimento e experiência acumulados desde 1990, com a

edição do CDC) em detrimento de outras. Ressalte-se que a Câmara de Saúde

Suplementar (CSS), criada juntamente com a ANS, foi configurada como uma instância

consultiva e permanente de participação, onde o peso das entidades representativas dos

consumidores (entidades de defesa dos direitos dos consumidores, de usuários de planos

de saúde, de portadores de patologias especiais, sindicatos e centrais de trabalhadores) é

de 27% na sua composição total (art. 13 da lei n.º 9.961/00).

A proposta de incremento da transparência das regras de regulação,

como um quarto mecanismo de controle social, poderia se valer tanto do fortalecimento

de instrumentos como consultas públicas quanto da criação de instâncias participativas

e, no caso das já existentes, com ampliação de suas atribuições e representatividade.

O quinto instrumento de controle social (Brasil. Presidência da

República, 2003), instituir a prestação periódica de contas ao Poder Legislativo, parece

ser a principal inovação proposta, embora pudesse ser aprimorada se, ao invés de

apenas tornar obrigatória e definir a periodicidade da prestação de contas, funcionasse

como uma espécie de mecanismo vertical de controle, incorporando a tese de

Przeworski (1999). Neste sentido, poderia ser proposta a criação de uma ou mais

comissões permanentes no Congresso com a tarefa de controlar e fiscalizar a atuação

das agências reguladoras, argumentando-se, desde logo, que esse procedimento não se

caracterizaria como ingerência política, afinal os dirigentes dos órgãos reguladores

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detêm mandato, cuja eficácia depende de nomeação pelo Chefe do Poder Executivo,

mas se sujeita à prévia aprovação (sabatina) do Senado.

O mecanismo de controle vertical, por excelência, para O’Donnell

(1999) são as eleições, ainda que representem uma forma insuficiente de controle sobre

os governos e políticos eleitos, segundo Przeworski e Cheibub (1997), e resultem em

dotar de elevado grau de autonomia os agentes públicos aos quais compete executar as

ações que visem atender as demandas e expectativas dos eleitores. É o mecanismo

vertical de controle (eleições) que garante a dimensão democrática da accountability, de

acordo com O’Donnell.

Assim, o Parlamento poderia atuar com duplo papel: de fiscalizador

em relação às agências e de fiscalizado em relação aos eleitores, implementando-se

procedimentos de cobrança e de prestação de contas, de transparência e de publicização,

reduzindo-se, em paralelo, a assimetria de informações em favor da sociedade.

Com efeito, como indica o próprio Relatório do Grupo de Trabalho

Interministerial (Brasil. Presidência da República, 2003) o contrato de gestão constitui

apenas um dos instrumentos de que pode lançar mão a Administração Pública Federal

no intuito de implementar um tipo de controle sobre as agências reguladoras.

Tendo como base a experiência da ANS, é possível notar uma

evolução na construção das metas e indicadores de desempenho do primeiro

(2000/2001) para o atual contrato de gestão (2002/2004), refletindo, em princípio, as

opções no segundo contrato pelas ações centradas muito mais na questão da regulação

propriamente dita, na tentativa de consolidar o modelo adotado para regular o setor de

saúde suplementar.

Não obstante, pode-se apontar também duas ordens de desafios que se

colocam quanto aos futuros contratos de gestão da ANS: um primeiro relacionado com

o órgão supervisor, o MS, que deve se aparelhar para exercer o papel de principal e

monitorar mais de perto a execução das atividades e das metas propostas no contrato,

independentemente das funções e atribuições da comissão de acompanhamento e

avaliação. Um segundo, evidentemente, engloba a seleção de metas e a correspondente

construção de indicadores, processo este que deve ser aperfeiçoado, considerando a

experiência e conhecimento acumulados após quatro anos de criação.

Neste segundo aspecto, parece bastante nítido o fato de que, após 4

anos de ações voltadas para a implantação e consolidação da infra-estrutura da ANS, as

metas relacionadas à atividade-meio já se esgotaram, à exceção da questão – urgente ao

que parece – da formação do quadro de recursos humanos, relacionada diretamente com

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a necessidade de realização de concurso público (uma vez definido pelo governo atual

que os quadros das agências reguladoras serão supridos por cargos e não por empregos

públicos, conforme Medida Provisória nº 155, de 2003) e com a implementação de um

programa de capacitação associado não mais a uma situação na qual o corpo técnico-

funcional da ANS tenha caráter transitório (contratos temporários de trabalho), mas

vinculado a um processo de profissionalização de médio e longo prazos.

Ainda, em relação ao estabelecimento de metas, seria importante um

esforço no sentido da construção de indicadores focados no acompanhamento do

desenvolvimento do setor de saúde suplementar, em vista do conhecimento e das

informações acumuladas pela ANS ao longo desses 4 anos, por exemplo, como taxas de

crescimento e de sustentabilidade do setor, considerados aspectos como a inovação

tecnológica cuja dinâmica no complexo industrial da saúde assume especial relevância,

conforme ressaltou Gadelha (2003: 534), reconhecendo-se, em última análise, a

natureza capitalista da área de saúde, a produção em massa, a lógica empresarial e

financeira e, sobretudo, a dinâmica das inovações como fatores essenciais para atenuar

o descolamento inerente do sistema capitalista entre a busca do lucro e de mercados e

o atendimento às necessidades sociais e individuais.

É dentro da perspectiva de compreensão da lógica de funcionamento

desse setor (Gadelha, 2003) e do formato organizacional da ANS, que podem ser

viabilizados o fortalecimento dos atuais mecanismos de proteção aos direitos dos

consumidores de planos de saúde e o aperfeiçoamento do aparato regulatório.

De todo modo, avanços foram obtidos ao longo do processo de

implantação e consolidação da ANS enquanto órgão regulador da saúde suplementar,

dentro de um modelo de gestão de recursos com autonomia e independência e,

simultaneamente, integrado com as diretrizes gerais do núcleo estratégico do Estado

(MS, MF, CONSU), utilizando a terminologia do Plano Diretor (Brasil. Presidência da

República, 1995), via um contrato de gestão, dentre outros fatores. Prova disso é o

estágio atual do marco regulatório do setor, embora ainda existam importantes desafios

a ser superados (Montone, 2003).

Sob a ótica administrativa, ainda há aspectos que podem ser

aperfeiçoados. Alguns dependem da superação de entraves burocráticos, como a

formação e capacitação do quadro permanente de recursos humanos cuja definição

constantemente adiada, sem dúvida, acarreta prejuízos à ANS, de um lado, porque

impede a constituição e aperfeiçoamento de um corpo técnico próprio e, de outro,

porque pode favorecer a captura dos atuais reguladores pelos agentes regulados, face à

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certeza, dos primeiros, de que há um prazo para o término do vínculo de trabalho coma

agência. Outros dependem de vontade política: aprofundamento do modelo gerencial

associado à agilização de procedimentos administrativos internos, na tentativa de

reverter a fragmentação das diretorias, que funcionam como compartimentos estanques

dentro de uma mesma estrutura, tendo em mente, inclusive, que no desenho atual, o

processo decisório se dá no âmbito de uma diretoria colegiada. O incremento de

consultas públicas e a consolidação do processo de divulgação e disponibilização de

informações sobre o setor constituem outros dois aspectos que podem contribuir para a

ampliação e tornar mais efetiva a participação da sociedade.

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