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7/25/2019 TN 18 - Artigo Do Dossi - Marcelo Badar-2
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Issn: 1808 - 799Xano 12, n 18 2014
TrabalhoNecessriowww.uff.br/trabalhonecessario; Ano 12, N 18/2014.
A FORMAO DA CLASSE OPERRIA INGLESA: HISTRIA EINTERVENO
Marcelo Badar Mattos1
Resumo
O artigo faz uma sinttica recuperao da ampla repercusso internacional e doprofundo impacto no Brasil da obra do historiador ingls Edward Thompson.
Analisando alguns escritos anteriores a 1963 e comparando-os s ideias-chavedo clssico A formao da classe operria inglesa, pretende-se demonstrar queas contribuies mais importantes de Thompson ao domnio especificamentehistrico/historiogrfico tiveram origem em suas intervenes no debate e namilitncia polticos.
Palavras-chave: E. P. Thompson; Teoria da Histria; Historiografia.
Abstract
The article makes a synthetic recovery of wide international repercussions andprofound impact on Brazil of the work of the English historian Edward Thompson.
Analyzing some of his writings, previous to 1963, and comparing them to the key
ideas of the classic The Making of the English working class, the article intendedto demonstrate that Thompsons most important contributions to thehistorical/historiograph domain had their origins in his interventions in politicaldebate and militancy.
Keywords: E. P. Thompson; Theory of History; Historiography
1Professor Titular de Histria do Brasil na Universidade Federal Fluminense e pesquisador do
CNPq.
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Um livro e suas repercusses
Em 1963 E. P. Thompson publicou The making of the English working class
(A formao da classe trabalhadora inglesa, no ttulo em portugus). A
encomenda do livro chegou a Thompson depois de ter sido passada pelo editor
atravs de Asa Briggs, que indicou John Saville para escrev-lo e este, recusandoa tarefa, repassou a indicao para Thompson, que a aceitou em 1959. Seu
motivo para aceitar a tarefa, como alegaria depois, era estar precisando de
dinheiro, mas claro que se pode argumentar que escrever o livro seria, em
grande medida, uma decorrncia dos cursos que ministrava havia mais de uma
dcada para as turmas de trabalhadores da WEA (a sigla em ingls da
Associao Educacional dos Trabalhadores). A proposta do editor era
originalmente muito distinta do resultado final. A ideia era escrever um livro
voltado para estudantes universitrios e de cursos livres, contando a histria da
classe trabalhadora inglesa entre as dcadas de 1830 e 1940. Thompson solicitou
ao editor incluir um captulo introdutrio sobre o perodo dos anos 1780 a 1830 e
esse acabou por se tornar o conjunto da obra2.
Quando o livro foi publicado, Thompson era uma figura conhecida apenas
pela intelectualidade de esquerda britnica por seu ativismo poltico. Em 1956
havia sido uma das mais destacadas lideranas da dissidncia do Partido
Comunista e, nos anos seguintes, um dos construtores do movimento poltico que
ganharia o nome de New Left (Nova Esquerda), tendo desde ento publicado uma
srie de escritos de polmica poltica com o estalinismo, em peridicos como The
New Reasoner (que fundara com John Saville e outros ativistas) e New Left
Review (que surgiu da fuso do anterior com a Universities and Left Review).
Embora j houvesse publicado uma obra de flego sobre a trajetria e as
2A esse respeito, ver SAVILLE, 2003, p. 119 e PALMER, 1996, p. 123.
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propostas de William Morris, no era conhecido em 1963 como historiador, nem
tampouco como professor universitrio, visto que desde o final dos anos 1940 se
dedicava ao ensino de adultos de origem trabalhadora, em cursos vinculados ao
Departamento Extra-Muros da Universidade de Leeds, quase sempre em
cooperao com a WEA.
Face falta de credenciais acadmicas de Thompson, a repercussopositiva do livro e sua rpida transformao em obra de referncia para a histria
da classe trabalhadora inglesa surpreendeu profundamente ao autor. Nas
palavras de sua companheira Dorothy Thompson: Ns ficamos surpresos com a
recepo que teve o livro de Edward. Ns no podamos acreditar que havia mais
pessoas a nossa volta que iriam produzir uma resenha favorvel(THOMPSON,
D., 2000, 8).
Em alguns anos o livro seria publicado em verso de bolso, com altas
tiragens, e comearia a ser traduzido para diversos idiomas, ganhando circulao
amplssima. Eric Hobsbawm, citando indexadores de lngua inglesa, afirma que A
formaofoi o livro de histria mais citado do sculo XX (HOBSBAWM, 1993).
Avaliaes de crticos, assim como de admiradores, so hoje quase
unnimes em reconhecer que a obra foi um marco. Bryan Palmer, em sua
biografia intelectual de Thompson, afirma que a grande virtude de A formao
reside na irrefutvel ruptura a que forou a literatura histrica, pois a partir
daquela obra no mais se poderia impor a formao das classes, tanto por
radicais como por reacionrios, como um reflexo mecnico de mudanas de
ordem econmica (PALMER, 1996, 127). J Marcel van der Linden, que defende
a necessidade de superao de limites da abordagem de Thompson em A
formao (especialmente por considerar que Thompson menospreza as ligaes
internacionais da formao do proletariado ingls), reconhece que a obra foi a
mais importante referncia da passagem de uma velha a uma nova histria do
trabalho, qualificando-a como uma revoluo intelectual(LINDEN, 2009, 3).
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Pode se dar alguma razo crtica de Van der Linden, mas se a
abordagem de Thompson sobre a classe trabalhadora inglesa , em certos
momentos, por demais insular, a avaliao de sua obra como uma
ruptura/revoluo intelectual extravasou em muito os limites do debate ingls. o
que percebe Rajanarayan Chandavarkar, em um artigo cujo objetivo era examinar
a influncia do trabalho de Thompson nos estudos sobre a classe trabalhadorana histria indiana. O artigo chama a ateno para alguns paradoxos levantados
pela grande influncia de Thompson entre os historiadores indianos. E um dos
mais interessantes justamente o que se explicita quando percebemos que os
escritos de Thompson eram caracterizados por seu foco exclusivo na Inglaterra,
porm para algum que estava to atento s especificidades de um contexto
social e cultural peculiar, notvel que a influncia de seu trabalho seja global
(CHANDAVARKAR, 1997, 177).
Chandavarkar tambm apresentou um interessante caminho de anlise
para estudar a recepo do historiador ingls na ndia (e que pode nos orientar na
discusso de outras recepes), procurando responder, basicamente, a trs
diferentes questes: como os historiadores indianos leram Thompson; o que
eles tiraram dessas leituras; e como exploraram as possibilidades e expectativas
abertas por sua teoria social quando confrontadas com as evidncias da histria
da classe trabalhadora indiana(CHANDAVARKAR, 1997, 177-178).
Outros autores encontraram uma explicao para o sucesso do livro em
regies do Globo nas intenes polticas explicitadas por Thompson no famoso
prefcio de A formao. Scott Hamilton, desde a Nova Zelndia, em um livro
recente e original, retoma uma passagem daquele prefcio quando Thompson
afirma que causas que foram perdidas na Inglaterra poderiam ser ganhas na
frica e na sia , para lembrar que ao escrever sobre o processo de formao
da classe trabalhadora nos primrdios da industrializao inglesa, Thompson
estava tratando de um processo anlogo ao vivido por boa parte do chamado
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Terceiro Mundo que, nos anos 1950-1960, dava os primeiros passos em direo
industrializao acelerada. Assim, segundo Hamilton, para muitos leitores,
Thompson no est s descrevendo a histria distante da primeira potncia
industrial do mundo; ele est dizendo alguma coisa sobre a situao de bilhes de
seus contemporneos(HAMILTON, 2011, 123).
No Brasil
Na historiografia brasileira, o impacto da obra de Thompson foi no mnimo
to profundo quanto o apontado por Chandavarkar para o caso indiano. A
hiptese de Hamilton tentadora. Afinal, o Brasil um pas do Terceiro Mundo, ou
melhor situando, uma periferia capitalista que se industrializou tardiamente em
relao aos pases de industrializao mais antiga. Nos anos 1960, entretanto,
quando Thompson publicou seu livro, a industrializao brasileira vivia um estgio
muito diferente daquela transio do artesanato maquinofatura do contexto
ingls a que se refere a obra. Apesar das caractersticas desiguais e combinadas
do desenvolvimento capitalista na periferia envolverem a combinao de relaes
de trabalho supostamente mais arcaicas com aquelas consideradas mais
modernas, o paralelo com a situao inglesa da virada do sculo XVIII para o
XIX s poderia ser vlido para as principais cidades brasileiras no incio do sculo
XX.
Ainda assim, importante tentar entender as condies que explicam
porque Thompson foi (e ) to influente na historiografia brasileira.3Com leitores
no Brasil desde o final dos anos 1960, Thompson comea a ser citado
sistematicamente pelos historiadores (e outros cientistas sociais) brasileiros a
partir de meados da dcada de 1970. A formao, porm, s foi publicado em
3 Desenvolvo um esforo mais sistemtico para discutir essa questo no quarto captulo deMATTOS, 2012.
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portugus em 1987. A recepo inicial do livro, incluindo sua traduo ao
portugus, portanto, correspondeu aos anos finais da ditadura militar instalada no
pas em 1964 e ao incio do processo de redemocratizao.
Naquele contexto, uma das marcas da luta contra a ditadura, foi a (re)
emergncia, a partir de 1978, do movimento sindical na cena poltica brasileira,
atravs de greves que enfrentavam os empresrios e a poltica salarial daditadura (ncleo de sua poltica econmica, que at ali fora o principal argumento
da busca de legitimidade do regime). Um novo sindicalismo, como ficou
conhecido na poca, que apresentava um discurso fortemente marcado pela
defesa da autonomia, dos sindicatos e da classe trabalhadora. Algo que foi
entendido como uma novidade, pois as primeiras pesquisas universitrias sobre a
temtica dos trabalhadores, nos anos 1960/70, tenderam a enxerg-los como
incapazes de uma ao poltica efetivamente autnoma, pois que limitados por
uma estrutura sindical corporativista e um quadro poltico dominado, primeiro,
pelo populismo e, depois, pelo autoritarismo ditatorial. No cabe aqui comentar os
limites daquelas interpretaes, mas o fato que Thompson, acentuando a
agncia da classe trabalhadora, foi tomado como referncia fundamental para
uma histria do trabalho, que comeava a enxergar os trabalhadores como
sujeitos de sua prpria histria.
Por outro lado, conforme o processo de redemocratizao avanou e a as
organizaes sindicais e partidrias originrias daquelas lutas contra a ditadura
foram se institucionalizando, os aportes tericos de Thompson sobre lei e direito
foram tomados como referncia para o desenvolvimento de toda uma discusso
que associava as lutas dos trabalhadores, ao longo do sculo XX brasileiro,
conquista e defesa de direitos, civis, polticos e sociais (mais especialmente
trabalhistas).
No se pode supor, porm, que a historiografia social inglesa em geral, e
Thompson em particular, estivessem sendo semeados em solo virgem. Os
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historiadores universitrios brasileiros, desde os formados pelas primeiras turmas
do curso nos anos 1930/40, foram fortemente influenciados pela historiografia
francesa. Assim, possvel entender que, se A misria da teoria recebida como
antdoto eficaz contra a rigidez do esquema estruturalista althusseriano, sua
leitura se faz em paralelo e combinada influncia da terceira gerao da escola
dos Annales, com sua nfase na dimenso mental colet iva da histria e suapredileo pelos temas microscpicos e marginais. Tambm no interior desse
quadro combinaram-se entre os leitores de Thompson no Brasil, sua influncia
com a de autores como Michel Foucault. Quando, a partir dos anos 1990, a
chamada histria cultural de matriz francesa passou a dominar a historiografia
brasileira, Thompson chegou a ser definido como uma espcie de verso
marxista da histria cultural, entendida como uma evoluo da histria das
mentalidades (VAINFAS, 1998, 155). Indo alm, um outro historiador ilustre
chegou a dizer que o trabalho de Thompson poderia estar na Nova Histria
(NOVAIS, 2002, 130).
Podemos dizer que hoje Thompson representa mais um autor na estante
das obras lidas em cursos universitrios de Histria no Brasil, sendo reconhecido
por alguns como um clssico e por outros como o equivalente ingls de
alguma nova moda intelectual francesa. Como clssico, perde-se a vitalidade de
seus trabalhos e acaba dominando uma viso de sua obra como coisa do
passado, mais uma etapa da histria da historiografia que se precisa conhecer por
mera erudio acadmica. Como equivalente a qualquer outra coisa, perde-se a
particularidade da filiao a uma determinada tradio terica, a qual Thompson
explicitamente reivindicou.
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Marxismo e compromisso poltico
Quanto a este ltimo aspecto, a relao entre a obra de Thompson e o
marxismo fica eludida, ou sua filiao terica mitigada por uma suposta
heterodoxia. Por certo que afirmar que Thompson era um marxista resolve muito
pouco diante dos diferentes entendimentos do que venha a ser o marxismo, oudos diferentes marxismos. Thompson, porm, foi claro em definir a herana que
reivindicava como a de crtica ativa e razo aberta do materialismo histrico,
apresentada em oposio ao marxismo como uma teologia vulgar e dogmtica
que havia dominado o cenrio desde a estalinizao do movimento comunista
mundial (com razes no pensamento marxista dominante na II Internacional).
Assim, em A misria da teoria, afirmou que existiam na verdade duas tradies
irreconciliveis do marxismo:
O fosso que se abriu no foi entre diferentes nfases ao vocabulrio de conceitos, entreesta analogia e aquela categoria, mas entre modos de pensar idealista e materialista,entre o marxismo como um fechamento e como uma tradio, derivada de Marx, deinvestigao e crtica abertas. O primeiro uma tradio de teologia. O segundo umatradio de razo ativa. Ambos podem buscar uma certa autorizao em Marx, embora osegundo tenha credenciais imensamente melhores quanto sua linhagem(THOMPSON, 1981, 208).
Por outro lado, Thompson no pode caber numa estante de obras
acadmicas cannicas petrificadas. Sua obra exemplo de explicitao do
compromisso entre pesquisa sistemtica sobre o passado e projeto de
sociedade.4Ou seja, o contedo de interveno presente em seus escritos no
pode ser menosprezado, j que Thompson era, assumidamente, um historiador
militante. Quando afirmo isso, acredito estar em sintonia com a prpria concepo
4Estou aqui concordando inteiramente com Josep Fontana (1998, 10) alis, editor de vriasobras de Thompson na Espanha , quando afirma que toda anlise do passado produzida peloshistoriadores comporta uma dada leitura da realidade presente quando da realizao de tal anlisee um certo projeto de futuro (ainda que implcito).
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de intelectual de esquerda explicitada por Thompson. Afinal, em meados dos anos
1960, quando dirigiu fortes interpelaes ao que comeava a ficar conhecido
como 2a. Gerao da Nova Esquerda britnica, apresentou o apartamento das
lutas sociais reais como principal motivo da debilidade de suas interpretaes.
Sua crtica se dirigia ao que considerava um marxismo muito sofisticado, mas
preso a um carter teolgico, importado do continente por intelectuais ingleses,que se combinava ao desenho negativo do contexto em que se davam essas
transies intelectuais desafortunadas:
Isto foi seguido por um perodo especialmente castigado, em finais dos anos sessenta,em que existia um movimento intelectual de esquerda divorciado dos mais amplosmovimentos populares, e que de algum modo convertia esse isolamento em virtude eno tomava medidas para travar contato com o movimento operrio e outros movimentospopulares de grandes dimenses (THOMPSON, 1979, 300).
O que no significa dizer que possamos reduzir sua obra a uma ilustraocom exemplos histricos de teses j previamente desenhadas para interveno
no presente. Pelo contrrio, repudiando a ideia de que toda histria ideolgica,
de direita ou de esquerda, Thompson afirmava o imperativo do mtodo para o
exerccio apropriado da disciplina:
O que se intenta fazer aproximar-se de problemas objetivos muito complexos doprocesso histrico (isto o que fazia Marx). Isto supe uma disciplina precisa quecongrega o distanciamento e a objetivao ser consciente das prprias inclinaes,
consciente das perguntas que est produzindo e em grande parte do trabalho comohistoriador intenta-se ou bem fazer patente a intruso das prprias atitudes e valores, se que esto influindo, ou manter a distncia e evitar que essa intruso ocorra. De outromodo o que se faz supor que o processo histrico no apresenta problemas para osquais as prprias convices no tenham resposta. E isto no certo (THOMPSON,1979, 297).
As origens de A formao
Tenho insistido em afirmar, para um pblico oriundo de uma formao
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universitria cada vez mais distante das lutas sociais das classes subalternas, na
qual o discurso dominante no campo das Cincias Humanas e Sociais costuma
estigmatizar qualquer tipo de militncia como uma contaminao da pureza
cientfica do trabalho intelectual, que as contribuies mais importantes de
Thompson ao domnio especificamente histrico/historiogrfico tiveram origem em
suas intervenes no debate e na militncia polticos.Comeo meu esforo para comprovar essa hiptese afirmando que a
definio de classe apresentada em A formao da classe operria inglesa foi
construda nas suas intervenes no debate poltico na virada da dcada de 1950
para 1960.
Para corretamente avaliar tal debate necessrio situar o contexto de seu
surgimento numa poca em que a diminuio das disparidades na distribuio de
renda e a ampliao no poder de consumo da classe operria dos pases
industrializados europeus levaram alguns cientistas sociais a proclamarem o fim
da classe operria e a homogeneizao das sociedades de capitalismo avanado,
com a afirmao de uma onipresente "classe mdia".
Vrios questionamentos tese do "aburguesamento" operrio foram mais
tarde levantados, tendo por base estudos sobre a classe operria no mundo do
trabalho, na esfera da produo, e no apenas no mbito do mercado de
consumo (GOLDTHORPE et alli, 1968). Nessa mesma linha de questionamentos
tese da afluncia operria, teve grande repercusso o estudo sociolgico
coletivo Coal is our life, em que se procurava estudar o impacto da nacionalizao
das minas de carvo e de outras reformas sociais promovidas pelos governos de
maioria trabalhista do ps-guerra sobre a vida dos mineiros britnicos. As
constataes do trabalho, que inspiraria toda uma srie de estudos de
comunidades operrias, enfatizavam que, apesar de todas as mudanas da
nova era, as divises de classe mantiveram-se e sua percepo pelos mineiros
havia mudado muito pouco. A partir de uma perspectiva de classe muito ntida,
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construda no apenas no espao de trabalho, mas tambm na vida comunitria
cotidiana, os mineiros de carvo continuavam a manifestar um profundo
antagonismo contra os administradores das mineradoras e contra os privilegiados
da sociedade em geral. Havia, entretanto, mudanas perceptveis nas relaes
dos mineiros com o Partido Trabalhista, que apesar de bem votado nas
comunidades mineiras parecia ter cada vez menos presena no cotidiano dascomunidades.5
Algumas das contribuies mais ricas para esta discusso viriam, porm,
de uma abordagem que destacava as matrizes culturais do comportamento
operrio. Por esta poca, Raymond Williams lanava as bases para o campo que
viria a ser denominado dos estudos culturais. Em suas obras de fins dos anos
1950 e incios da dcada seguinte, Williams propunha uma abordagem, crtica em
relao tanto concepo empobrecida do marxismo (que ele inicialmente
percebia como o marxismo) que remetia a cultura para o reino da
superestrutura , quanto viso idealista de cultura, tomada como produto das
mentes educadas dos artistas e literatos.6
Richard Hoggart, em obra fundamental lanada em 1957, que contribui
para que fosse apontado como fundador dos estudos culturais, reconhecia a
tendncia a transformaes profundas na cultura da classe operria, decorrentes
da fora dos produtos da chamada indstria cultural. Porm, destacou a
persistncia de padres de comportamento e valores tradicionais de classe,
atravs da observao ativa da vida numa comunidade operria, algo que lhe era
muito prximo, pois remetia a sua prpria origem social (HOGGART, s.d.). O
centro de suas preocupaes no livro era a anlise da circulao e repercusso
5DENNIS, HENRIQUES & SLAUGHTER, 1969. (1a. ed. 1956). Um bom comentrio sobre o livroem seu contexto pode ser encontrado em SAVAGE & MILES, 1994, 4-5.
6 WILLIAMS, 1969 (1a. ed. Inglesa, 1958). Para uma sntese da contribuio de RaymondWilliams ver CEVASCO, 2001. A trajetria dos estudos culturais estudada pela mesma autoraem CEVASCO, 2003.
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de livros e peridicos ditos populares, mas a obra de Hoggart foi alm desse
recorte e produziu uma rica descrio etnogrfica da vida familiar e comunitria
do operariado britnico, em que procura mostrar a leitura de classe a que so
submetidas as novas situaes sociais.
Nos anos anteriores, o Grupo de Historiadores do Partido Comunista
Britnico do qual participavam Maurice Dobb, Eric Hobsbawm, Cristopher Hill,Dona Torr e Victor Kiernan entre outros , produzia uma srie de contribuies
que avanava em sentido anlogo. Aqueles historiadores propunham, no interior
dos marcos conceituais do marxismo, uma Histria no apenas econmica do
capitalismo ingls, embora valorizassem a Histria Econmica. Forando os
limites da interpretao marxista dominante na poca, ressaltavam a importncia
e a autonomia relativa de outros nveis de anlise (poltico, social, cultural),
destacando a relevncia de estudos historicamente localizados em que tais nveis
pudessem ser observados na sua dinmica inter-relao.7
A partir de debates como os deste grupo e de sua experincia na militncia
poltica e na educao de jovens e adultos de origem operria, E. P. Thompson
comps, com seu A formao da classe operria, um estudo que, pela nfase na
dimenso cultural da classe e pela riqueza de uma anlise que reconstitua
importantes aspectos da vida comunitria dos trabalhadores "pr-industriais",
pode ser lido a partir de vrios paralelos com outros trabalhos, como o estudo de
Hoggart, a produo de Raymond Williams, ou as anlises de Coal is our life,
apesar das diferenas significativas quanto aos marcos conceituais.8
A produo de A formao da classe operria respondia a um duplo
comprometimento do autor com a polmica, como ele prprio admite ao afirmar
que a obra ataca duas ortodoxias ao mesmo tempo, a histria econmica
7 Sobre esse grupo, ver SCHWARTZ, 1982. Ver tambm, HOBSBAWM, 2002, 191 e ss. EKAYE,1984.
8 A comparao com o trabalho de Hoggart foi sugerida por vrios autores, como por exemplo,LEVE, et alli, 1992.
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quantitativa e o marxismo dogmtico(THOMPSON, 1997, 172).
Tratava-se, de um lado, da rejeio s teses da histria econmica de
matriz liberal, pautada pelo quantitativismo a-histrico, pela definio da
capacidade de consumo como o centro da dimenso econmica da classe, pela
nfase nas escolhas individuais e pela recusa a admitir a explorao de classes.
Um debate que naquele momento ganhava dimenses polticas evidentes, vistoque o grupo de Mont Plrin, origem do chamado pensamento neoliberal,
liderado por Friedrich Hayek, havia tomado alguns anos antes a historiografia
crtica sobre a revoluo industrial e a situao da classe trabalhadora como alvo
de seu ataque. Um seminrio do grupo foi transformado em livro, em que se
destacam artigos de T. S. Ashton, agregando uma introduo de Hayek. Na
Introduo ele sustenta existir uma convergncia entre a oposio dos Tories
(conservadores) do sculo XIX ao industrialismo e a crtica dos socialistas dos
sculos XIX e XX (que denunciavam a pauperizao e as condies de vida
deterioradas dos primeiros trabalhadores industriais). Hayek, com isso,
contestava a cientificidade da anlise dos socialistas, pois que para ele
cientfica, claro, era a avaliao positiva dos progressos trazidos pela indstria.
Thompson menciona o livro em seu captulo sobre Explorao, deplorando a
mistura de teoria econmica e defesa especial da sociedade livre ali
apresentada e dirige o raciocnio central dos captulos seguintes a uma refutao
daqueles argumentos.9
De outro lado, apresentava-se a recusa ao marxismo vulgar, que derivava
diretamente a conscincia e a ao coletiva da classe de seu lugar nas relaes
de produo, sem qualquer mediao, algo que Thompson procurar superar pela
nfase no conceito de experincia.
9 HAYEK, 1954. THOMPSON, 1987, 35 e ss. Esse debate destacado por FORTES, 2006, 209-210. Agradeo a Demian Melo por ter me chamado a ateno para essas referncias equestes.
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Demonstrando a explorao de classes e sua apreenso pela conscincia
da classe trabalhadora em formao nas primeiras dcadas do sculo XIX,
Thompson estava insistindo em contestar as teses liberais, explicando como as
posies de classe se estabelecem a partir da produo (no do consumo) e
como a classe trabalhadora se conscientiza da sua explorao pelos capitalistas
tendo em conta seus prprios valores (e no os clculos matemticos de padrode vida dos economistas liberais). Mas, a anlise dos valores e tradies culturais
que, confrontados com uma experincia singular, geraram uma dada conformao
da conscincia de classe, distanciava-o tambm do marxismo vulgar. Lies
sobre o passado fundamentais para a crtica noo de afluncia operria no
momento em que a obra foi escrita.
O resultado foi sistematizado na definio de classe, como processo e
relao, que apresentou no Prefcio de A formao, e que , por certo, a mais
conhecida passagem de seus escritos:
A classe acontece quando alguns homens, como resultado de experincias comuns(herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, econtra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opem) dos seus. Aexperincia de classe determinada, em grande medida, pelas relaes de produoem que os homens nasceram ou entraram involuntariamente. A conscincia de classe a forma como essas experincias so tratadas em termos culturais: encarnadas emtradies, sistemas de valores, ideias e formas institucionais. Se a experincia aparececomo determinada, o mesmo no ocorre com a conscincia de classe (THOMPSON, I,1987, 10).
O fazer-se dos conceitos
Thompson j havia explicitado essas propostas tericas alguns poucos
anos antes. Em 1960, no primeiro ano de existncia da New Left Review,
Thompson organizou uma coletnea de ensaios sobre o tema da apatia da
classe trabalhadora inglesa, explicada quase sempre como resultante da
afluncia. O ltimo captulo do livro, de autoria do historiador, foi publicado
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previamente no terceiro nmero da revista, com o ttulo de Revolution!. Uma
srie de comentrios foi publicada no nmero seguinte e, no nmero 6, Thompson
publicaria sua trplica, com o ttulo de Revolution again! Or shut your ears and
run. Nesse ltimo artigo, encontramos praticamente toda a discusso sobre
classe como processo e relao, no como uma categoria esttica, que se
define a si mesma tanto quanto definida, cuja conscincia se constri naidentificao de interesses comuns e opostos aos de outra classe que ser
resumida no prefcio de A formao.
Rebatendo as crticas ao seu primeiro artigo, tanto do que denominava
como marxistas sectrios, quanto dos antimarxistas, e especificamente
nominando seus crticos do peridico trotskista International Socialist e o
socilogo estadunidense C. Wright Mills, Thompson explicava que:
Ns deveramos notar o caminho atravs do qual um tipo de reducionismo econmicodesabilita a discusso de classe, tanto entre antimarxistas quanto entre marxistassectrios. Na verdade, as ideologias prevalecentes tanto no Leste quanto no Oeste sodominadas por uma caricatura aviltante do marxismo; muito embora, no primeiro caso,ns temos um retrato dos meios de produo espontaneamente gerando conscincia eatividade revolucionria, com a classe trabalhadora aparecendo no como o agente, mascomo intermediria de leis objetivas; ao passo que no segundo espao a imagem emmuito similar, mas o motor da mudana foi retirado, e ns vemos todos os homens(exceto os 'intelectuais') como prisioneiros dos seus interesses econmicos, de sua'estrutura' social, e do seu status. () Ambos argumentam a partir de uma noo estticade classe trabalhadora e de sua conscincia caracterstica () Ambos argumentam queo capitalismo 'afluente' est enxugando algumas das demandas da classe e erodindo aconscincia de classe tradicional (THOMPSON, 1960, 23-24).
Na sequncia do artigo, Thompson recupera justamente o momento de
formao da classe que ele estava abordando na redao do que viria a ser A
formao, ou seja, o perodo dos anos 1780 a 1830, para chamar ateno para o
fato de que a conscincia de classe se formara num momento em que a maior
parte da classe trabalhadora militante no era majoritariamente composta por
operrios fabris tpicos. Afirmava ento, como reiteraria trs anos depois no livro,
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que para um historiador, uma classe aquela que se define como tal por sua
agncia histrica (THOMPSON, 1960, 24). E recorreu discusso de Marx no 18
Brumrio sobre os camponeses detentores de parcela na Frana para afirmar
que:
Para Marx, uma classe define a si mesma em termos histricos, no porque foi feita por
pessoas com relaes comuns com os meios de produo e uma experincia de vidacomum, mas porque essas pessoas tornam-se conscientesdos seus interesses comunse desenvolvem formas apropriadas de organizao e ao comuns.(THOMPSON, 1960,24)
Ainda no mesmo artigo, Thompson tambm apresentava sua
argumentao sobre o carter relacional atravs do qual a conscincia de classe
se definia, no terreno da luta de classes:
o conceito histrico de classe ou classes implica a noo de relaocom outra classe ou
classes; o que se evidencia no so apenas os interesses comuns no interior de umaclasse, mas interesses comuns contraoutra classe. E esse processo de definio no apenas uma srie de exploses espontneas em um ponto da produo (considerandoque isso uma parte importante); trata-se de um processo complexo, contraditrio,sempre mutvel e nunca esttico em nossa vida poltica e cultural, no qual a agnciahumana est implicada em cada nvel (THOMPSON, 1960, 24).
Agncia, traduo comumente adotada no Brasil para o termo agency,
associado noo de que os homens so sujeitos de sua prpria histria, embora
em condies que no escolhem, seria uma das mais fortes influncias
historiogrficas que a obra de Thompson legou. Conforme percebe-se por essacitao, esta era outra ideia que j estava muito bem delimitada nas formulaes
polticas de Thompson, nos anos precedentes redao de A formao. Alis,
nesse caso, tratamos de uma ideia j desenvolvida quatro anos antes do debate
sobre a Revoluo! nas pginas da New Left Review.
Em 1956, no primeiro nmero de The New Reasoner, Thompson
apresentou a proposta do humanismo socialista, base poltica em torno da qual
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se agregaria a primeira gerao da Nova Esquerda inglesa. No artigo, Thompson
definia o humanismo socialista como a possvel afirmao positiva de todo o
movimento que, no Oeste ou no Leste, configurava-se em oposio ideologia
estalinista que havia dominado o movimento comunista internacional.
Ele humanista porque coloca uma vez mais homens e mulheres reais no centro dateoria e da aspirao socialista, ao invs de retumbantes abstraes o Partido,Marxismo-Leninismo-Stalinismo, os Dois Campos, a Vanguarda da classe trabalhadorato caras ao Stalinismo. Ele socialista porque reafirma a perspectiva revolucionria docomunismo, a confiana nas potencialidades revolucionrias no apenas da RaaHumana ou da Ditadura do Proletariado, mas dos homens e mulheres reais(THOMPSON, 1957, 109).
Desenvolvendo o argumento, Thompson se ope ao stalinismo defendendo
a agncia humana negada pelo que j ali ele definia como o irracionalismo
daquela ortodoxia (algo que retomaria com maior nfase em seu Misria da
Teoria). Segundo seu argumento, A primeira caracterstica do stalinismo, ento, o anti-intelectualismo, o desprezo pela agncia humana consciente no fazer
histrico; e a revolta contra isso no a revolta de uma nova ideologia mas a
revolta da razo contra o irracionalismo(THOMPSON, 1957, 115).
O artigo gerou polmicas, que Thompson responderia alguns nmeros
depois na revista, num artigo sintomaticamente intitulado Agency and choice1.
Neste, reafirmava a crtica ao stalinismo e a importncia da agncia. Definindo o
filistinismo como a aceitao da inevitabilidade do mundo tal qual ele se
apresenta, como uma capitulao ao senso comum, afirmava:
Hoje, esse filistinismo infectou os ncleos tanto da ideologia social-democrata quanto dacomunista. Apesar das formas da infeco serem muito diferentes, ela produz em ambosum sintoma comum: a negao da agncia criativa dos homens, quando consideradosno como unidades polticas ou econmicas numa cadeia de circunstnciasdeterminadas, mas como seres morais e intelectuais, no fazer-se de suas prpriashistrias; em outras palavras, a negao de que os homens podem, por um atovoluntrio de vontade social, superar em alguma medida significativa as limitaesimpostas pelas 'circunstncias' ou pela 'necessidade histrica`(THOMPSON, 1957, 109).
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Tendo conhecimento dessas intervenes polticas de Thompson no
contexto dos anos 1950/60, entendemos melhor a origem das questes postas
em A formao. Por isso, seu estudo histrico tratava de explicar como a
conscincia de classe constri-se historicamente atravs de formas especficas,
conforme as peculiaridades que definem a experincia de classe em cada
situao localizada. E o fazia para contrapor-se ao economicismo dos quecreditavam afluncia, vista em termos de acesso a mais bens de consumo, um
limite conscincia operria, assim como ortodoxia da II Internacional e da III
Internacional sob Stlin, que afirmavam a derivao direta entre as contradies
econmicas e a conscincia de classe, transferindo a tarefa da revoluo
socialista para algum mecanismo natural, independente da agncia humana.
Experincia educativa
Experincia era uma chave nova apresentada por Thompson em A
formao para apresentar a sua discusso sobre a classe. Mas tambm nesse
caso importante perceber que tal noo no se formou fora da interveno
militante do historiador, como se brotasse da reflexo solitria do intelectual na
elaborao de seu livro mais conhecido, em algum tipo de iluminao
acadmica. Aqui, porm, o espao de desenvolvimento do conceito no foi
propriamente a polmica poltica direta, mas o engajamento no movimento de
educao de adultos. Dorothy Thompson chama a ateno no apenas para a
relao entre a redao do livro e a prtica educativa de Thompson, mas tambm
para a dimenso poltica que tal relao conferia ao livro. Segundo ela, o livro:
era baseado no tipo de docncia que Edward esteve exercitando por dez anos. E o tipode docncia que fizemos o tempo todo. O que eu acho que produziu um tal avano, e fezas pessoas verem o livro como to revelador, foi que ele partia da perspectiva de que oque as pessoas comuns fazem digno de interesse e ateno. Hoje isso toamplamente aceito que no visto como revolucionrio. Isso basicamente uma
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questo fortemente poltica de fato. (THOMPSON, D., 2000, 8)
Peter Searby recuperou relatrios de Thompson como tutor de cursos do
Departamento de Educao Extra Muros da Universidade de Leeds, muitos deles
em convnio com a Associao Educacional de Trabalhadores (WEA), alm de ter
recolhido depoimentos de alguns dos seus estudantes entre 1948 e 1965
(SEARBY, 1993). Em documento de discusso interna no Departamento, em
1950, Thompson expressava seu acordo com os objetivos poltico-educacionais
da WEA, em termos que demonstram como a ligao entre a experincia de vida
dos trabalhadores e as manifestaes de sua conscincia de classe era um
elemento presente na forma como Thompson entendia seu trabalho docente:
Em primeiro lugar, eles [a WEA] esto limitados por sua definio e estatutos polticos auma nfase nas necessidades educacionais de uma classe na sociedade qual, por
circunstncias econmicas ou ambientais, negado o acesso integral ao uso de outrasinstituies de ensino superior. Em segundo lugar, eles so dirigidos por uma nfaseespecfica'educao para propsitos sociais' em fazer essa parcela da classe maisefetiva em atividades sociais. Em terceiro lugar, atravs do movimento de educaotutorial, eles esto especificamente preocupados em superar o divrcio entre asinstituies de ensino superior e os centros de experincia social entre 'ostrabalhadores manuais e intelectuais' existente em nossa sociedade. () Elesdemandaram conhecimento com o objetivo de agir com maior eficincia em relaoquelas questes que sua experincia de vida solicita como mais urgentes. Sua atitudefoi uma atitude de classe consciente, o que significa que foram conscientes o tempotodo, na busca da verdade e da ao social a favor dos interesses de sua prpria classeem sua luta pela emancipao social (SEARBY, 1993, 5-6).
O respeito experincia dos trabalhadores, alis, uma chavefundamental para entendermos de que forma a atividade de Thompson como
professor de Literatura Inglesa e Histria foi um elemento central de seu
aprendizado prvio redao de A formao.Assim, em um relatrio sobre uma
de suas turmas, de 1948-1949, quando Thompson tinha 24-25 anos, ele esclarece
de que forma a experincia tutorial era importante para sua formao:
De modo geral, o tutor acredita ter aprendido mais o que ele transmitiu e apesar de
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alguns erros iniciais, a classe aprendeu a trabalhar no esprito desejado na WEA nocomo o tutor e a audincia passiva, mas como um grupo combinando diversos talentos efundindo diferentes conhecimentos e experincias para um fim comum (SEARBY, 1993,14).
Os depoimentos de seus ex-alunos so ricos em elogios forma como
Thompson os cativava em seus cursos, estimulando-os leitura e participao
em classe, atravs de uma nfase em apresent-los ao contedo histrico eliterrio como algo que lhes pertencia e faz-los perceberem-se como parte ativa
da histria que aprendiam, tanto quanto faziam. Segundo Peter Thorton, um dos
que com ele estudaram no incio dos anos 1950:
As aulas de Edward Thompson tinham esse efeito de fazer com que voc percebesseque a histria no era algo separado e a parte; ela era uma progresso da qual voc eraparte. Eu sempre sentia isso. E quando ele tratava de coisas como os teceles manuaisde Yorkshire, os ludistas, o desenvolvimento social da revoluo industrial nesta parte domundo, voc muito rapidamente percebia o quanto voc e a sua gente eram parte
daquilo (SEARBY, 1993, 17).
A militncia educacional na WEA era um dos elementos comuns s
trajetrias de Thompson, Raymond Williams e Richard Hoggart. Alm disso, a
confluncia, no isenta de tenso, entre os trabalhos daqueles intelectuais, na
poca, se dava tambm pelo caminho da militncia comum no mesmo campo
poltico da Nova Esquerda, constitudo em aliana com movimentos sociais (como
setores do movimento sindical, a esquerda do Partido Trabalhista e o movimento
anti-nuclear, por exemplo). Os principais polos de aglutinao dessa militnciaeram peridicos, caracterizados no apenas pelos escritos de interveno como
tambm por algumas das mais lcidas e instigantes anlises das sociedades
contemporneas e pretritas.10
10 Sobre o movimento da nova esquerda e seus peridicos a fuso do New reasonercom aThe university and left review, gerando a New left reviewver a entrevista do fundador e editorda revista nos primeiros anos Stuart Hall, 2003. Hall e uma srie de outros protagonistasdaqueles primeiros anos da Nova Esquerda registraram seus depoimentos em ACHER, 1989.
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Aps a recepo surpreendentemente consagradora de A formao,
Thompson ainda se envolveria em inmeras polmicas no campo do marxismo,
viveria uma fase de intenso ativismo antinuclear e voltaria a escrever importantes
obras no campo da histria. Uma produo cujas marcas principais foram a
recusa s explicaes simplistas e dogmticas, s quais opunha a complexidade
e conflitividade do processo histrico; o ardor do polemista em face das opespolticas e tericas que considerava atravancarem as lutas da classe trabalhadora
e a indissocivel relao entre produo do conhecimento sobre a histria e
interveno poltica militante. Obra polmica, mas sobretudo instigante, capaz de
expressar vrias das mais ricas contribuiesassim como alguns dos impasses
mais significativosdo marxismo no sculo XX.
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