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Toma Lá Poesia Folhetos De PromoçãO Do Concurso LiteráRio Prof.ª ConceiçãO Ludovino 19 1 A 23 1 09

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Anelo

Só aos sábios o revelesPois o vulgo zomba logo:Quero louvar o viventeQue aspira à morte no fogo

Na noite – em que te geraram,Em que geraste – sentiste,Se calma a luz que alumiava,Um desconforto bem triste.

Não sofres ficar nas trevasOnde a sombra se condensa.E te fascina o desejoDe comunhão mais intensa.

Não te detêm as distâncias,Ó mariposa! E nas tardes,Ávida de luz e chama,Voa para a luz em que ardes.

“Morre e transmuta-te”: enquantoNão cumpres esse destino,És sobre a terra sombriaQual sombrio peregrino.

Como vem da cana o sumoQue os paladares adoça,Flua assim da minha pena,Flua o amor o quanto possa.

Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832)Tradução de Manuel Bandeira

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Ode ao Tejo e à Memória de Álvaro de Campos

E aqui estou eu, ausente diante desta mesa - e ali fora o Tejo. Entrei sem lhe dar um só olhar.

Passei, e não me lembrei de voltar a cabeça, e saudá-lo deste canto da praça: "Olá, Tejo! Aqui estou eu outra vez!" Não, não olhei. Só depois que a sombra de Álvaro de Campos se sentou a meu lado

me lembrei que estavas aí, Tejo. Passei e não te vi. Passei e vim fechar-me dentro das quatro paredes, Tejo!

Não veio nenhum criado dizer-me se era esta a mesa em que Fernando Pessoa se sentava, contigo e os outros invisíveis à sua volta, inventando vidas que não queria ter. Eles ignoram-no como eu te ignorei agora, Tejo.

Tudo são desconhecidos, tudo é ausência no mundo, tudo indiferença e falta de resposta. Arrastas a tua massa enorme como um cortejo de glória, e mesmo eu que sou poeta passo a teu lado de olhos fechados,

Tejo que não és da minha infância, mas que estás dentro de mim como uma presença indispensável, majestade sem par nos monumentos dos homens, imagem muito minha do eterno, porque és real e tens forma, vida, ímpeto, porque tens vida, sobretudo, meu Tejo sem corvetas nem memórias do passado... Eu que me esqueci de te olhar!

Adolfo Casais Monteiro (1908-1972)

À Memória de Fernando Pessoa

Se eu pudesse fazer com que viesses Todos os dias, como antigamente, Falar-me nessa lúcida visão— Estranha, sensualíssima, mordente; Se eu pudesse contar-te e tu me ouvisses, Meu pobre e grande e genial artista, O que tem sido a vida — esta boémia Coberta de farrapos e de estrelasTristíssima, pedante, e contrafeita, Desde que estes meus olhos numa névoaDe lágrimas te viram num caixão; Se eu pudesse, Fernando, e tu me ouvisses, Voltávamos à mesma: Tu, lá onde Os astros e as divinas madrugadas Noivam na luz eterna de um sorriso; E eu, por aqui, vadio da descrença Tirando o meu chapéu aos homens de juízo. . . Isto por cá vai indo como dantes; O mesmo arremelgado idiotismo Nuns senhores que tu já conhecias — Autênticos patifes bem falantes. . . E a mesma intriga; as horas, os minutos, As noites sempre iguais, os mesmos dias, Tudo igual! Acordando e adormecendo Na mesma cor, do mesmo lado, sempreO mesmo ar e em tudo a mesma posição De condenados, hirtos, a viver— Sem estímulo, sem fé, sem convicção...

Poetas, escutai-me: transformemos A nossa natural angústia de pensar— Num cântico de sonho!, e junto dele, Do camarada raro que lembramos, Fiquemos uns momentos a cantar!

António Botto (1897-1959)