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1 Tópicos em Comércio Internacional Washington J. de Brito Filho Doutor e Mestre em Direito Internacional e da Integração Econômica (UERJ) Doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário (USP) Professor Adjunto de Contabilidade Tributária (UFRJ) Bacharel em Direito (USP), Ciências Contábeis (UFRJ) e Ciências Econômicas (UERJ) Juiz Federal Pesquisa: Tributação Internacional / Relações entre Tributação e Regulação do comércio Programa 1) Introdução e Contextualização: Delimitação de escopo. Direito Internacional do Comércio e Direito do Comércio Internacional. Relevância do estudo. Relação das normas multilaterais e regionais com o Direito interno. Origem e evolução histórica da disciplina das relações comerciais internacionais. Instrumentos de política comercial. Marcos institucionais relevantes para a compreensão da dicotomia livre comércio X protecionismo (como o Tratado Cobden-Chevalier; o Zollverein; a Tarifa Smoot-Hawley). História institucional das políticas de comércio internacional. A OIC e o GATT/47. Rodadas de Negociação. Programa 2) A Organização Mundial do Comércio: Origens. O Tratado de Marrakech. Personalidade Jurídica. Mandato. Estrutura e governança institucional. Processo de Adesão e Acessão. Tomada de decisões. Acordos plurilaterais X multilaterais. Mecanismo de Revisão de Políticas Comerciais. Programa 3) O Sistema de Solução de Controvérsias: Histórico. Sistema anterior a 1994. Sistema atual. Natureza jurídica das suas decisões. Jurisdição e Competência. Processo de Consulta. Processo de Reclamação. O Órgão de Solução de Controvérsias (DSB). Grupos Especiais (Panels). O Órgão de Apelação (AB). Efetividade das suas decisões. Críticas. Casos práticos.

Tópicos em Comércio Internacional RI ParteI - ie.ufrj.br · X Direito multilateral Introdução ... (UCP 400, 500 and 600); as Rules on International Standby Practices (ISP98);

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Tópicos em Comércio Internacional

Washington J. de Brito Filho

Doutor e Mestre em Direito Internacional e da IntegraçãoEconômica (UERJ)Doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário (USP)Professor Adjunto de Contabilidade Tributária (UFRJ)Bacharel em Direito (USP), Ciências Contábeis (UFRJ) eCiências Econômicas (UERJ)Juiz Federal

Pesquisa: Tributação Internacional / Relações entreTributação e Regulação do comércio

Programa

1) Introdução e Contextualização:

Delimitação de escopo. Direito Internacional do Comércio eDireito do Comércio Internacional. Relevância do estudo.Relação das normas multilaterais e regionais com o Direitointerno. Origem e evolução histórica da disciplina dasrelações comerciais internacionais. Instrumentos de políticacomercial. Marcos institucionais relevantes para acompreensão da dicotomia livre comércio X protecionismo(como o Tratado Cobden-Chevalier; o Zollverein; a TarifaSmoot-Hawley). História institucional das políticas decomércio internacional. A OIC e o GATT/47. Rodadas deNegociação.

Programa

2) A Organização Mundial do Comércio:

Origens. O Tratado de Marrakech. PersonalidadeJurídica. Mandato. Estrutura e governança institucional.Processo de Adesão e Acessão. Tomada de decisões.Acordos plurilaterais X multilaterais. Mecanismo deRevisão de Políticas Comerciais.

Programa

3) O Sistema de Solução de Controvérsias:

Histórico. Sistema anterior a 1994. Sistema atual.Natureza jurídica das suas decisões. Jurisdição eCompetência. Processo de Consulta. Processo deReclamação. O Órgão de Solução de Controvérsias(DSB). Grupos Especiais (Panels). O Órgão deApelação (AB). Efetividade das suas decisões. Críticas.Casos práticos.

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Programa

4) O Acordo Geral e a disciplina tributária e regulatória docomércio de bens. Dos pilares do Sistema Multilateralde Regulação do Comércio Internacional.

• Do Princípio de Não-Discriminação: entre produtosestrangeiros - o Tratamento Geral de Nação MaisFavorecida (Art. I); e entre produto nacional eestrangeiro – o Tratamento Nacional (Art. III); Histórico,Modalidades, Enabling Clause, Críticas; Casospráticos.

• Do Princípio da Proteção Aduaneira Exclusiva – dasConcessões Tarifárias (Art. II); dos Emolumentos eFormalidades referentes à Importação e à Exportação(Art. VIII) e da Valoração Aduaneira (Art. VII); SistemaHarmonizado de classificação de mercadorias.

Programa

5) Exceções aos Pilares Fundamentais:

Das Exceções Gerais (Art. XX); Das Exceçõesreferentes à Segurança Nacional (Art. XXI); DosAcordos Comerciais Preferenciais (PTA) (Art. XXIV).Acordos de Livre Comércio e Uniões Aduaneiras. DasRegras de Origem (Art. IX). Questões controvertidas.Casos práticos.

Programa

6) Provisões não-tributárias (barreiras não-tarifárias):(racionalidade econômica, princípios normativos, casospráticos, estrutura básica dos AcordosComplementares específicos)

Das Restrições Quantitativas e das outras barreiras deacesso a mercados (MAB) (Art. XI e X). Dos DireitosAnti-Dumping (Art. VI). Dos Subsídios e DireitosCompensatórios (Art. XVI). Das Salvaguardas e outrasmedidas de ajuste doméstico (Art. XII e XIX). DasBarreiras Técnicas ao Comércio. Do Licenciamento dasImportações.

Programa

7) Outros aspectos relevantes – noções gerais:

• Agricultura;• Serviços (GATS);• Investimento internacional (TRIMs);• Propriedade Intelectual (TRIPS);• Saúde (SPS);• Meio ambiente;• Direitos humanos e trabalhistas;• Movimentos internacionais de pessoas.

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Programa

8) A Conferência das Nações Unidas em Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD):

• Histórico, natureza jurídica, funções. ODesenvolvimentismo de Raúl Prebisch. O movimentodos não-alinhados e o Grupo dos 77. Evolução.Aproximações e distanciamentos em relação aosistema GATT/OMC.

• Sistema Generalizado de Preferências (GSP).Comparação com as disposições do GATT referentes aPaíses em Desenvolvimento e Países menosdesenvolvidos (LDC). Waivers. Sistema Global dePreferências Comerciais (GSTP). Centro de ComércioInternacional (CCI).

Programa

9) Questões atuais e perspectivas futuras:

• PTAs X Sistema multilateral; • Disposições sobre Agricultura; • Mudanças Climáticas; • Perspectivas atuais e a Rodada Doha.

Programa

9) Questões atuais e perspectivas futuras:

• PTAs X Sistema multilateral; • Disposições sobre Agricultura; • Mudanças Climáticas; • Perspectivas atuais e a Rodada Doha.

DisciplinaO ensino das noções fundamentais de Direito Internacional doComércio tem por fito ministrar ao aluno conhecimentos teóricosbásicos da doutrina, legislação e jurisprudência arbitral no quetange à normatização do comércio internacional, assim como atreinar e habituar o aluno em formação nas RelaçõesInternacionais no entendimento da sistemática de interpretação esolução de controvérsias quando da sua aplicação na práticainternacional dos tratados internacionais que tratam das relaçõescomerciais entre os estados soberanos. Com isso, introduzi-lonessa problemática e nas suas questões e a instigá-lo a agregarmaior embasamento teórico futuramente. De se ressaltar que setrata de área do conhecimento muito esquecida na universidadebrasileira, malgrado o relativo destaque do Brasil na matéria.Observa-se que a visão crítica fundamental não será a de cunhojurídico, mas sim a de Economia Política.

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IntroduçãoDireito Internacional do Comércio

X

Direito do Comércio Internacional

Direito interno

X

Direito bilateral

X

Direito regional

X

Direito plurilateral

X

Direito multilateral

IntroduçãoDireito do Comércio Internacional: Os Contratos Internacionaisdo Comércio: função do Estado nos ContratosInternacionais; Classificação; Uniformização das PráticasNegociais e Contratuais - cláusulas: Obrigação eResponsabilidade das Partes; Aspectos Fiscais eImplicações Financeiras; Força Maior e Hardship;Jurisdição e Lei Aplicável; Rescisão e outras formas deExtinção; Cláusula Arbitral; Os Novos Instrumentos Criadospela Prática Comercial Internacional: a) As cartas deintenção, b) As confort letters, c) Os secrecy agreements,d) As garantias bancárias, etc.; Execução dos ContratosInternacionais; Garantias; Pagamento; Inexecução; ExameTeórico e Prático de Alguns Tipos de ContratosInternacionais.

Introdução• Direito do Comércio Internacional: Empresa Multinacional:

lei aplicável e direito material Internacional aplicável àEmpresa. Regime Internacional do Investimento.Instrumentos para regular o Comércio Internacional. Anova Lex Mercatoria; Príncípios do UNIDROIT. AConvenção de Viena sobre Compra e Venda deMercadorias (1980). UNCITRAL. INCOTERMS.Convenções Internacionais em Matéria Contratual:Convenção de Roma e Convenção do México.Arbitragem Comercial Internacional. FontesInternacionais da Arbitragem. Convenção de Arbitragem.Instituições e regras de Arbitragem, InternationalChamber of Commerce - ICC. Procedimento Arbitral.Regime da Sentença Arbitral e seu Controle pelo PoderJudiciário.

IntroduçãoUNCITRAL - The United Nations Commission onInternational Trade Law, estabelecida pela AssembleiaGeral das Nações Unidas pela Resolução 2205 (XXI) de17 de dezembro de 1966, possui o mandato de promovera progressiva harmonização e modernização do direito docomércio internacional (“law of international trade”), emáreas como resolução de conflitos, práticas de contratosinternacionais, transporte, insolvência, comércioeletrônico, pagamentos internacionais, transaçõesprotegidas, aquisição e venda de bens. Empregainstrumentos do direito internacional negociados medianteum processo internacional entre seus Estados-membrosou não-membros, e organizações intergovernamentais enão-governamentais convidadas.

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IntroduçãoUNCITRAL (textos convencionais)• Convention on the Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral

Awards (New York, 1958) (the “New York Convention”);• United Nations Convention on the Carriage of Goods by Sea (Hamburg,

1978) (the “Hamburg Rules”);• United Nations Convention on Contracts for the International Sale of

Goods (Vienna, 1980);• United Nations Convention on International Bills of Exchange and

International Promissory Notes (New York, 1988);• United Nations Convention on the Liability of Operators of Transport

Terminals in International Trade (Vienna, 1991)• United Nations Convention on Independent Guarantees and Stand-by

Letters of Credit (New York, 1995)• United Nations Convention on the Assignment of Receivables in

International Trade (New York, 2001)• United Nations Convention on the Use of Electronic Communications in

International Contracts (New York, 2005)• United Nations Convention on Contracts for the International Carriage of

Goods Wholly or Partly by Sea (New York, 2008) (the “Rotterdam Rules”)

IntroduçãoUNCITRAL (convenções-modelo)

• UNCITRAL Model Law on International Commercial Arbitration (1985);• UNCITRAL Model Law on International Commercial Arbitration (1985),

with amendments as adopted in 2006;• UNCITRAL Model Law on International Credit Transfers (1992);• UNCITRAL Model Law on Electronic Commerce with Guide to Enactment

(1996);• UNCITRAL Model Law on Cross-Border Insolvency with Guide to

Enactment (1997);• UNCITRAL Model Law on Electronic Signatures with Guide to Enactment

(2001).

IntroduçãoUNCITRAL (convenções-modelo)

• Quando entende apropriados, a UNCITRAL recomenda o uso ouadoção de instrumentos, relacionados ao direito do comérciointernacional, desenvolvidos por outras organizações.

• Por exemplo, já recomendou o uso de textos preparados pelaInternational Chamber of Commerce (Câmara de ComércioInternacional – CCI), incluindo as International Rules for theInterpretation of Trade Terms (Incoterms), Incoterms 2000 eIncoterms 2010; a Uniform Customs and Practice for DocumentaryCredits (UCP 400, 500 and 600); as Rules on InternationalStandby Practices (ISP98); as Uniform Rules for Contract Bonds;e a revisão de 2010 das Uniform Rules for Demand Guarantees(URDG 758).

• Também recomendou o uso dos UNIDROIT Principles ofInternational Commercial Contracts, 2004 e 2010 (Institutinternational pour l'unification du droit privé – UNIDROIT).

Introdução• Organizações Internacionais:

“As organizações internacionais são associações voluntárias deEstados estabelecidas por acordo internacional, dotadas de órgãospermanentes, próprios e independentes, encarregados de geririnteresses coletivos e capazes de expressar uma vontadejuridicamente distinta de seus membros.” (HEREDIA, José ManoelSobrinho. In: VELASCO. Manuel Diez de. Las OrganizacionesInternacionales. Madri: Editorial Tecnos S.A., 11ª Edição, 1999).

“Organização internacional é uma associação voluntária de sujeitosde direito internacional, constituída por ato internacional edisciplinada nas relações entre as partes por normas de direitointernacional, que se realiza em. um ente de aspecto estável, quepossui um ordenamento jurídico interno próprio e é dotado de órgãose institutos próprios, por meio dos quais realiza as finalidades comunsde seus membros mediante funções particulares e o exercício depoderes que lhe foram conferidos” (SERENI, Angelo Piero. DirittoInternazionale . Vol. I. Milão: A. Giuffrè , 1962)

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Introdução• Organizações Internacionais:

a) Associação voluntária de sujeitos do Direito Internacional(Estados);

b) Instituição mediante tratado ou acordo internacional;

c) Personalidade jurídica internacional;d) Autonomia (ordenamento jurídico interno e criação de órgãos);

e) Estrutura orgânica e funcional próprias;f) Mandato internacional.

IntroduçãoIncorporação dos tratados em geral ao direito

brasileiro:No atual regime jurídico brasileiro atual, as normasjurídicas dos tratados em geral, para ingressarem naordem jurídica interna, com validade e eficácia, devem sersubmetidos a um procedimento de incorporação:a) negociação;b) assinatura;c) mensagem ao Congresso Nacional;d) aprovação parlamentar (decreto legislativo);e) ratificação (depósito ou troca de notas);f) promulgação do tratado em português (decreto) epublicação;g) registro no Secretariado da ONU.

Introdução

• Art. 49, CRFB. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ouatos internacionais que acarretem encargos oucompromissos gravosos ao patrimônio nacional; (...)

• Art. 84, CRFB. Compete privativamente ao Presidenteda República: (...)VII - manter relações com Estados estrangeiros eacreditar seus representantes diplomáticos;VIII - celebrar tratados, convenções e atosinternacionais, sujeitos a referendo do CongressoNacional;

Introdução

• Segundo o Ministro Celso de Mello (STF, ADI nº 1.480-3/DF, DJ 18/05/2001), a redação , promulgação epublicação de Decreto do Poder Executivo peloPresidente, embora não mencionados no textoconstitucional, acarretam três efeitos na ordem jurídicainterna :a) validade ao tratado;b) publicação oficial de seu texto em português;c) executoriedade do ato internacional que passa entãoa “vincular e obrigar no plano no plano do direitopositivo interno”, tal como uma lei ordinária.

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Introdução

• Observações :a) tratados em geral não podem versar temas afetos àlei complementar, pois possuem força de leis ordinárias(STF, ADI nº 1.480-3/DF, DJ 18/05/2001);b) tratados revogam leis ordinárias anteriores; porém,esses diplomas internacionais não são revogados porleis posteriores. Estas últimas apenas afastam suaaplicação enquanto vigorarem, no que se referem aosfatos com elementos de estraneidade. Caso revogadaa lei posterior incompatível, o tratado volta a produzirefeitos.

Introdução

• O conflito entre tratado e norma de produção interna:

“Embora sem emprego de linguagem direta, a Constituição brasileiradeixa claro que os tratados se encontram aqui sujeitos ao controle deconstitucionalidade, a exemplo dos demais componentesinfraconstitucionais do ordenamento jurídico. Tão firme é a convicçãode que a lei fundamental não pode sucumbir, em qualquer espécie deconfronto, que nos sistemas mais obsequiosos para com o Direitodas Gentes tornou-se encontrável o preceito segundo o qual todotratado conflitante com a constituição só pode ser concluído depoisde se promover a necessária reforma constitucional” (REZEK,Francisco. Parlamento e tratados: o modelo constitucional do Brasil.Revista de Informação Legislativa . Brasília, v. 41, n. 162, abr./jun.2004).

Introdução

• O conflito entre tratado e norma de produção interna:

“O sistema brasileiro se identifica àquele consagrado nos EstadosUnidos da América, sem contramarchas na jurisprudência nemobjeção doutrinária de maior vulto. Parte da “lei suprema da nação”, otratado ombreia com as leis federais votadas pelo Congresso esancionadas pelo presidente – embora seja ele próprio o fruto davontade presidencial somada à do Senado, e não à das duas casasdo parlamento americano. A supremacia significa que o tratadoprevalece sobre a legislação dos estados federados, tal como a leifederal ordinária. Não, porém, que seja superior a esta. De tal modo,em caso de conflito entre tratado internacional e lei do Congresso,prevalece nos Estados Unidos o texto mais recente. É certo, pois,que uma lei federal pode fazer “repelir” a eficácia jurídica de tratadoanterior, no plano interno.” (REZEK, Francisco. Parlamento etratados: o modelo constitucional do Brasil. Revista de InformaçãoLegislativa . Brasília, v. 41, n. 162, abr./jun. 2004).

“ ADIn 1.480-DF. RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO. DECISÃO: Trata-se de ação direta deinconstitucionalidade, ajuizada com o objetivo de questionar a validade jurídico-constitucionaldo Decreto Legislativo nº 68/92, que aprovou a Convenção nº 158 da OrganizaçãoInternacional do Trabalho (O.I.T.), e do Decreto nº 1.855/96, que promulgou esse mesmo atode direito internacional público. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -CONVENÇÃO Nº 158/OIT - PROTEÇÃO DO TRABALHADOR CONTRA A DESPEDIDAARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA - ARGÜIÇÃO DE ILEGITIMIDADE CONSTITUCIONALDOS ATOS QUE INCORPORARAM ESSA CONVENÇÃO INTERNACIONAL AO DIREITOPOSITIVO INTERNO DO BRASIL (DECRETO LEGISLATIVO Nº 68/92 E DECRETO Nº1.855/96) - POSSIBILIDADE DE CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DETRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DAREPÚBLICA - ALEGADA TRANSGRESSÃO AO ART. 7º, I, DA CONSTITUIÇÃO DAREPÚBLICA E AO ART. 10, I DO ADCT/88 - REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA DAPROTEÇÃO CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA, POSTA SOBRESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR - CONSEQÜENTEIMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE TRATADO OU CONVENÇÃO INTERNACIONAL ATUARCOMO SUCEDÂNEO DA LEI COMPLEMENTAR EXIGIDA PELA CONSTITUIÇÃO (CF, ART.7º, I) - CONSAGRAÇÃO CONSTITUCIONAL DA GARANTIA DE INDENIZAÇÃOCOMPENSATÓRIA COMO EXPRESSÃO DA REAÇÃO ESTATAL À DEMISSÃO ARBITRÁRIADO TRABALHADOR (CF, ART. 7º, I, C/C O ART. 10, I DO ADCT/88) - CONTEÚDOPROGRAMÁTICO DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT, CUJA APLICABILIDADE DEPENDE DAAÇÃO NORMATIVA DO LEGISLADOR INTERNO DE CADA PAÍS - POSSIBILIDADE DEADEQUAÇÃO DAS DIRETRIZES CONSTANTES DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT ÀSEXIGÊNCIAS FORMAIS E MATERIAIS DO ESTATUTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO -PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR DEFERIDO, EM PARTE, MEDIANTE INTERPRETAÇÃOCONFORME À CONSTITUIÇÃO. PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DEINCORPORAÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS”.

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“ADIn 1.480-DF. RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO. (...) É na Constituição da República - enão na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas - que se deve buscar asolução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema dedireito positivo interno brasileiro. O exame da vigente Constituição Federal permite constatarque a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica internadecorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante daconjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve,definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais(CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos dedireito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - dacompetência para promulgá-los mediante decreto. O iter procedimental de incorporação dostratados internacionais - superadas as fases prévias da celebração da convençãointernacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado - conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam trêsefeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) apublicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, esomente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes.SUBORDINAÇÃO NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS À CONSTITUIÇÃO DAREPÚBLICA. (...) CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOSINTERNACIONAIS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO (...) PARIDADE NORMATIVAENTRE ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITOINTERNO (...) TRATADO INTERNACIONAL E RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEICOMPLEMENTAR (...)”.

Introdução

• O conflito entre tratado e norma de produção interna:

• Teoria Dualista: as normas de direito interno e de direitointernacional são ordenamentos jurídicos separados, quer quantoàs fontes, quer quanto à matéria que regulam. Para as normas dedireito interno entrarem em vigor internamente é necessário umatransformação da regra de direito internacional em direito interno;

• Teoria Monista: o direito interno e o direito internacional sãonormas de um único sistema; ou o direito internacional só existepara um determinado Estado na medida que o Estado aceita asnormas internacionais como suas.

Introdução

• O conflito entre tratado e norma de produção interna:

• Efeito direto: É o direito que qualquer pessoa possui de solicitarao juiz nacional que aplique as disposições dos tratados e o deverque o juiz tem de o aplicar qualquer que seja a legislação do paísa respeito. O fato de gozar do efeito implica uma rotura da teoriaclássica internacional de que um acordo entre Estados nunca criadireito para os particulares.

• Aplicabilidade imediata: Significa que, depois de regularmenteaprovada a norma de direito internacional, segundo as normas deeficácia e validade internacionais, a norma passa a vigorarimediatamente no território dos Estados vinculados semnecessidade de qualquer ato ou procedimento de recepção aoordenamento interno.

Introdução• Acordos Bilaterais:Modalidade de acordo internacional em que estão envolvidas apenasduas partes, podendo ser firmados entre Estados ou entre um Estadoe uma Organização Internacional, sob os mais variados temas comocomércio e segurança internacional, por exemplo.• Acordos Multilaterais:São acordos ou tratados internacionais firmados por três ou maissujeitos do Direito Internacional. Devido às muitas partes envolvidasno acordo, este só entrará em vigor a partir da ratificação pelosEstados. No âmbito da OMC, os Acordos Multilaterais são aquelesque têm como característica principal à obrigatoriedade de adesãopor todos os seus membros, contendo regras de observânciaobrigatória, como a do Tratamento Nacional e do Tratamento Geralda Nação mais favorecida.

• Acordos Plurilaterais:São acordos firmados entre os Estados-membros da OMC, tendocomo característica principal a adesão facultativa - são válidossomente entre seus signatários.

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IntroduçãoAcordos Multilaterais: No âmbito da OMC, são instrumentos jurídicos

conexos ao Acordo Constitutivo da OMC (Tratado de Marrakech) e sãovinculantes para todos os membros.

• Acordos multilaterais sobre o comércio de bens: Acordo Geral sobre Tarifase Comércio 1994 (GATT 94); Acordo sobre Agricultura; Acordo sobre aAplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias; Acordo sobre Têxteis eVestuário; Acordo sobre Barreiras Técnicos ao Comércio; Acordo sobreMedidas de Investimento Relacionadas ao Comércio; Acordo sobre aImplementação do Artigo VI do GATT (medidas antidumping); Acordo sobreImplementação do Artigo VII do GATT (valoração aduaneira); Acordo sobreInspeção Pré-embarque; Acordo sobre Regras de Origem; Acordo sobreProcedimentos para o Licenciamento de Importações; Acordo sobreSubsídios e Medidas Compensatórias e Acordo sobre Salvaguardas.• Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços – GATS.• Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade IntelectualRelacionados ao Comércio – TRIPS.• Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução deControvérsias• Mecanismo de Exame de Políticas Comerciais.

Introdução

Acordos Plurilaterais: de adesão voluntária.

• Acordo sobre Comércio de Aeronaves Civis.• Acordo sobre Compras Governamentais.• Acordo Internacional de Produtos Lácteos.• Acordo Internacional sobre Carne Bovina.

Introdução

• Trade facilitation

In December 2013, WTO members concluded negotiations on aTrade Facilitation Agreement at the Bali Ministerial Conference, aspart of a wider “Bali Package”. Since then, WTO members haveundertaken a legal review of the text.

Under the decision adopted in Bali, WTO members must draft aProtocol of Amendment to insert the new Agreement into Annex 1A ofthe WTO Agreement. The Trade Facilitation Agreement will enter intoforce once two-thirds of members have completed their domesticratification process.

The Trade Facilitation Agreement contains provisions for faster andmore efficient customs procedures through effective cooperationbetween customs and other appropriate authorities on tradefacilitation and customs compliance issues. It also contains provisionsfor technical assistance and capacity building in this area.

Introdução

• Trade facilitation (Bali Package, 7 December 2013: TradeFacilitation Agreement) - the Agreement has two sections:

Section I contains provisions for expediting the movement, releaseand clearance of goods. It clarifies and improves the relevantarticles (V, VIII and X) of the General Agreement on Tariffs andTrade (GATT) 1994.

Section II contains special and differential treatment provisions fordeveloping and least-developed countries aimed at helping themimplement the provisions of the agreement.

“International Convention on the simplification and harmonization ofCustoms procedures” (chamada Convenção de Kioto, entrada emvigor em 1974, revisada em 2000 e não assinada pelo Brasil, noâmbito do Conselho de Cooperação Aduaneira, a partir de 1986denominado Organização Mundial das Alfândegas – OMA, ou WCO,de World Customs Organization),

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Introdução

• Malgrado todo o arcabouço multilateral, material e institucional,para harmonização do sistema internacional de comércio, ospaíses permanecem com sua soberania para conceberem o quese costuma mencionar como a sua política comercial, emboraconsideravelmente reduzidos, especialmente desde a RodadaUruguai (BARRAL, 2002, p. 26).

• Política Comercial pode ser entendida como o conjunto deintervenções governamentais, a alterar o fluxo internacional demercadorias, que um Estado soberano pode lançar mão namedida em que em entenda que seja necessário para alcançaralgum objetivo doméstico (SALVATORE, 1993, p. 4).

• O problema é identificar realmente qual objetivo doméstico sejaesse...

Introdução

• Assim é que, na maioria dos casos, a política comercial acaba seconvertendo no conjunto de diversos instrumentos de intervençãopública sobre o comércio exterior, com o objetivo de favorecer oprodutor nacional frente aos concorrentes estrangeiros. Esseprocesso é denominado proteção e, embora predominantementevise a reduzir importações, pode incluir também mecanismos depromoção às exportações (CARVALHO; SILVA, 2004).

• Podemos definir protecionismo, por empréstimo das palavras deWelber Barral (2002, p. 14), como sendo “a utilização de medidasvisando à modificação de um fluxo comercial, geralmentebuscando favorecer produtores nacionais”.

Introdução

• Em trabalho de 1974, “Trade Policy and Economic Welfare”, W.Max Corden elaborou apropriadíssima formulação, embora nãopropriamente econômica, mas sim política e, por que não dizer,relacionada à antropologia cultural, que explica a persistência,ainda hoje, em pleno Século XXI, de políticas protecionistas empaíses desenvolvidos, da qual o exemplo mais emblemático é anefasta Política Agrícola Comum europeia, prevista no artigo 39ºdo “Tratado sobre o funcionamento da União Europeia” (Tratadode Lisboa), ex-artigo 33º do “Tratado que institui a ComunidadeEuropeia” (Tratado de Maastricht, na sua versão atualizada emAmsterdam), ex-artigo 39º na redação original do TratadoConstitutivo da Comunidade Económica Europeia (Tratado deRoma).

• Trata-se do conceito de “função de bem-estar conservador social”(“Conservative social welfare function”).

Introdução

• Entende Max Corden que muitos países possuem um problemanas suas políticas comerciais, que consiste no fato de que, diantede uma realidade que qualquer alteração na política comercialnecessariamente trará prejuízos para algum grupo específico, oobjetivo maior desse tipo de política pública acaba sendo o deevitar a qualquer custo qualquer redução absoluta significativa derenda real de qualquer significativo setor da sociedade, ainda queos benefícios reais agregados pudessem compensar essesprejuízos pontuais.

• Seria como se os países não quisessem sair do seu ótimo fraco dePareto, mesmo se a posição futura fosse um ponto de maioreficiência econômica sob o critério Kaldor-Hicks. Como afirmaCorden (1974, p. 107), tais países acabam, no jogo de suasponderações, atribuindo maior peso aos decréscimos do que aosacréscimos de renda oriundos de alterações nas políticascomerciais, dentro do que John Jackson denomina uma política demanutenção de rendas (2000, p. 20).

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Introdução

• Não se está negando aqui a relevância do debate, ao menos doponto de vista teórico, sobre os acréscimos de bem-estardecorrentes do comércio internacional, controvérsia essa queremonta à época da derrocada do mercantilismo e, do ponto devista quantitativo, ao Século XIX.

• Mais do que isso, é debate que pode ser entendido com um dosinauguradores da Economia Moderna, embora tenha ganhadocontornos mais avançados apenas na década de 50 do SéculoXX, com a obra de James Meade, “Trade and Welfare” (1955) etenha adquirido na mesma época relevância geopolítica, comouma reação ao colonialismo e dentro de um desejo deindustrialização por parte dos países em desenvolvimento(CORDEN, 1971, p. 2).

Introdução

• O principal instrumento de política comercial são as, comodenominadas pelos economistas, barreiras tarifárias; ou melhor,encargos aduaneiros. Consiste, fundamentalmente, no imposto deimportação incidente sobre uma mercadoria, cujo fato geradorserá a transposição das fronteiras de um país e cujas alíquotaspodem ser ad valorem, como uma percentagem do valor tributáveldefinido em lei ou em tratado internacional; específicas, como umvalor fixo por unidade de medida; ou mistas, aquelas que são acombinação das duas. Assim também reza a disciplina brasileira,no artigo 24 do Código Tributário Nacional.

• Bernard Hoekman e Michel Kostecki (2001, p. 147), aocomentarem as modalidades de alíquotas do imposto deimportação, afirmam que o GATT não dá preferência a nenhumdos tipos, sendo que os membros da OMC podem passar de umapara outra, como desejarem, desde que isso não impliqueinfringência aos compromissos tarifários.

Introdução

• Mas no conceito de encargos aduaneiros não se inclui apenas oimposto de importação, já que também assim se consideramoutros gravames a onerarem as importações, como taxas e preçospúblicos, e até preços privados, que podem ser exigidos para aconclusão do despacho aduaneiro de exportação.

• Tal assunto será abordado com maior atenção posteriormente,quando se estudar o espectro de aplicação do Princípio de Não-discriminação, particularmente o Tratamento Nacional, emcontraste com o Princípio da Proteção Aduaneira Exclusiva: maisespecificamente, a quais tributos internos (não se estaráabordando, por óbvio, o Imposto de Importação) aplicam-se osArtigos II e III do GATT, de forma mutuamente exclusiva.

Introdução

• A propósito, dessa discussão se estabelece a distinção entre oque sejam, no linguajar dos economistas, as tarifas, as paratarifase os tributos indiretos (HOEKMAN; KOSTECKI, 2001, p. 147).

• Sob a denominação de “Tarifas” podem ser relacionados oimposto de importação e os encargos aduaneiros em geral,exigidos em zona primária, aos quais se aplica o Princípio daProteção Aduaneira Exclusiva.

• “Paratarifas” são os ajustes fiscais de fronteira, as incidênciascompensatórias dos tributos indiretos internos, tanto dos gerais euniversais, quanto dos seletivos, do tipo excise tax, que são objetodo Tratamento Nacional e que também são exigidos comorequisito ao desembaraço aduaneiro, última fase do despachoaduaneiro de importação.

• “Tributos indiretos” é, por exclusão, a denominação genérica paraas demais incidências que oneram apenas as operações internas.

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Introdução• A tarifa, ou melhor, o imposto de importação, é uma das formas mais

antigas de tributação e, no passado, era utilizada como importantefonte de receita de governos. Ainda hoje, em muitos países menosdesenvolvidos, representa parcela expressiva da receita pública -como é o caso, por exemplo, de Belize, Guiné ou Lesoto, naçõesnas quais cerca de metade das receitas do governo corresponde atributos sobre o comércio (CARVALHO; SILVA, 2004).

• Essa participação elevada se deve, em grande parte, à maiorfacilidade de arrecadação relativamente a outras formas detributação, pois, para arrecadar esse imposto, basta controlar osingressos de mercadoria nos portos e fronteiras, em regra empoucas localidades do país, enquanto a tributação da renda ou a doconsumo, por exemplo, exigem um aparato burocrático expressivo,inclusive mediante recursos tecnológicos.

• O imposto de importação, no entender de Bernard Hoekman eMichel Kostecki (2001, p. 147) e de Giancarlo Gandolfo (1998, p.147), é o principal objeto de proteção autorizado pelo GATT. Nisso,fundamentalmente, consiste o Princípio da Proteção AduaneiraExclusiva.

Introdução• Para os países com participação expressiva no comércio, o principal

objetivo dos encargos aduaneiros é o de, na teoria, realizar umcontrole sobre o comércio exterior e, subsidiariamente, emboraindevidamente, na prática oferecer alguma vantagem ao produtordoméstico frente à concorrência estrangeira.

• Além disso, há também as barreiras que são fiscais, mas nãorelacionadas aos impostos de importação do produto em examepropriamente dito – as conhecidas medidas paratarifárias, jámencionadas. Segundo Giancarlo Gandolfo (1998, p. 174),caracterizam-se por meio de manipulação dos ajustes fiscais defronteira, os tributos indiretos que visam à equalização da cargatributária consolidada entre o produto nacional e o importado, de modoa que, em lugar de limitar-se aos estritos montantes rigorosamenteaptos a proceder a essa compensação, sobrepujá-los de modo aconsistirem em encargo aduaneiro disfarçado.

• É exatamente em direção a essas incidências que o GATT reserva adisciplina do Tratamento Nacional, como se verá.

• No Brasil: IPI e ICMS vinculados à importação; Contribuições aoPIS/COFINS sobre importações; CIDE/Combustíveis.

Introdução• Inicialmente supondo a análise em equilíbrio parcial (em que se está

tomando apenas um produto de consumo e a sua respectiva indústriade produção, ignorando quaisquer reações fora desse espectro, comopolíticas governamentais e a possibilidade de consumo de produtossubstitutos, tipicamente) e uma estrutura de produção verticalmenteintegrada de um produto homogêneo, em um mercado internoperfeitamente competitivo, que pode ser tanto produzidodomesticamente quanto importado (chamado doravante produtoimportável), teremos a situação refletida na seguinte figura, em setratando de um gráfico relacionando a quantidade de importáveisdessa mercadoria com o preço da mercadoria.

• Na análise em equilíbrio parcial, ignoram-se os efeitos dos preços dosbens substitutos e complementares do bem cujo mercado se estáanalisando em relação às suas condições de equilíbrio, preço equantidade, assim como a influência de outros fatores, como oacréscimo de renda nas mãos dos consumidores e como todos essesaspectos influenciarão a dinâmica dos mercados envolvidos.(VARIAN, 2006, p. 603).

Introdução

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Introdução• A curva de demanda doméstica do produto é DD´ (por produtos

nacionais e importados), a de oferta do produto importado é SS´, e osegmento de reta OS será o preço em livre comércio dos produtosimportados. HH´ é a curva de oferta do produto domesticamenteproduzido, a partir dos custos marginais da produção nacional. Esseproduto é concorrente do importado e perfeitamente a ele equivalente,de forma que a produção doméstica é OA e o consumo total é OB.Assim, o volume de importações corresponderá a AB.

• Suponha-se que o consumidor nacional primeiramente adquirirá oproduto nacional, só se voltando à aquisição do importado quandonão houver mais disponibilidade de produto nacional à venda nomercado – corresponde à assunção de que o produto nacional émarginalmente de melhor qualidade ou mais convenientementedisponível do que o importado, o que geraria uma diferenciaçãomarginal que justificaria a preferência mesmo em havendo preçosidênticos.

Introdução• Suponha-se que agora a isenção do tributo aduaneiro na importação

seja revogada. No momento em que impõe um imposto de importaçãoST/OS (ad valorem) ou ST (específica) ao produto importado, suacurva de oferta passa a ser TT´, subindo no eixo dos preços namesma proporção. Com isso, a produção doméstica cresce e passa aser OA´, o consumo total é reduzido a OB´ e o volume importadopassará para A´B´. Haverá reduções da importação tanto do lado doconsumo quanto do lado da produção, representadas pelas setashorizontais na figura. O valor das importações cai no montante dasoma das áreas AKFA´ e B´GLB. A receita do tributo aduaneiroaumenta consoante a área FJVG sombreada.

• Importante se notar que, se OB´ for menor que OA´, ou seja, se ascurvas HH´e DD´ se encontrarem em um ponto ao qual correspondaum preço que seja menor que OT, a imposição do tributo aduaneiro iráeliminar toda a importação do produto em exame.

Introdução• W. Max Corden (1971, p. 7) ensina que podem ser identificados os

seguintes efeitos:– Efeito protetivo ou efeito na produção – aumento da produção doméstica de AA´;

– Efeito no consumo – queda de BB´;

– Efeito no balanço de pagamentos ou nas importações – soma dos dois efeitosanteriores, que é a redução nas quantidades importadas;

– Efeito na receita tributária – incremento na receita do tributo aduaneiro consoante aárea FJVG sombreada;

– Efeito redistributivo – há transferência de renda dos consumidores domésticos (queconsumirão menos a um preço maior) para os produtores nacionais (queproduzirão mais a um preço maior), no montante de STJF.

• Importa perceber que haverá uma perda de bem-estar do consumidortotal equivalente a STVG, que é a soma da receita transferida aosprodutores, STJF, com o acréscimo de receita tributária aduaneiraFJVG.

Introdução• A inserção de um tributo aduaneiro pode ser comparado, em termos

de mesmo efeito no aumento da receita tributária, com mecanismosalternativos de proteção da indústria doméstica do produto importável,mediante a criação de subsídios aos produtores por unidadeproduzida (na figura, hh´, pois implica translação para baixo da curvade oferta do produto nacional), ou de redução do consumo doméstico,mediante a imposição de um tributo sobre o consumo, ou indireto,meramente interno (na figura, dd´, pois implica translação para baixoda curva de demanda do produto, nacional ou importado).

• Nessa segunda hipótese teríamos a imposição do tributo interno,incidente unicamente sobre o consumo. Admitindo-se que fossecalibrado a ponto de ter o mesmo efeito no consumo que o aumentodo tributo aduaneiro, sem que ele seja aplicado, teríamos exatamentea curva dd´, com o mesmo acréscimo de receita tributária STVG. Oconsumo se reduzirá para OB´. Como OS não mudaria, já que o preçoaos produtores não seria influenciado por tributo sobre o consumo,não teríamos efeito protetivo. Tal é evidente, pois estaríamos apenasonerando o lado do consumo. Não haveria, portanto, transferência derenda aos produtores.

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Introdução• Outras formas de proteção manipulável pelos Estados nacionais são

listadas por Giancarlo Gandolfo (1998, p. 163 - 175) – BARREIRASNÃO-TARIFÁRIAS.

• Primeiramente, as quotas de importação. Por quotas entendem-se asrestrições quantitativas impostas sobre o volume ou o valor dasimportações. Podem ser fixadas em acordos entre países ou seremresultado de decisão unilateral. As quotas se classificam em não-tarifárias e tarifárias.

• A quota tarifária caracteriza-se por estipular um determinado volumede importações a partir do qual será cobrada uma alíquota do impostode importação maior do que a cobrada até aquele volume.

• As quotas não-tarifárias determinam quantidades específicas demercadorias a serem autorizadas à exportação. Normalmente, sãoimplantadas por intermédio de mecanismos burocráticos, comolicenças para importar concedidas a determinados grupos deindivíduos ou empresas, em quantidades pré-estabelecidas.

Introdução

• As quotas podem ser utilizadas com vistas a suprir um déficit deprodução nacional, ou à promoção direcionada do desenvolvimentoindustrial, procurando inibir o ingresso de bens de consumo não-essenciais e daqueles que tivessem similar nacional, facilitando, poroutro lado, as importações de bens de capital, matérias-primas ecombustível, como já foi a política empreendida pelo Brasil na décadade 70 do século passado.

• É um equívoco pensar que esse sistema é preferível ao imposto deimportação, mesmo que, à primeira vista, não eleve os preços dasmercadorias sobre as quais incide. Sempre que são impostasrestrições quantitativas, a insuficiência de oferta resultante provocaalta de preço do mesmo modo que os encargos aduaneiros tarifas,gerando distorções microeconômicas semelhantes.

Introdução• Segundo Bernard Hoekman e Michel Kostecki (2001, p. 148), a

prioridade dada ao GATT à proteção pela via do imposto deimportação é consistente com a teoria econômica, pelas razões querelacionam, especialmente comparando-o com as restriçõesquantitativas:

- mantém uma ligação automática entre preços domésticos eestrangeiros, assegurando que o mais eficiente fornecedor continue aestar apto a servir ao mercado, ligação essa que é perdida com asquotas de importação;- é fácil assegurar a não-discriminação entre fornecedoresestrangeiros entre si; com as quotas, é mais difícil, já que a locaçãodas quotas depende do juízo discricionário e nem sempre técnico dasautoridades aduaneiras;- é mais transparente, já que, uma vez fixadas as alíquotas, osagentes econômicos saberão o preço do acesso àquele mercado; nocaso das quotas, as condições de acesso a mercados dependem daordem cronológica de chegada, desempenho passado ou até defatores exógenos com o a corrupção dos responsáveis pelolicenciamento das importações;

Introdução- é mais transparente, já que o nível de proteção efetiva é maisfacilmente calculado para as alíquotas do imposto de importação,mesmo se específicas ou mistas, do que é o cálculo da alíquotaefetiva equivalente da quota;- geram receitas para os Estados, mesmo que seja o objetivosubsidiário, enquanto que, sob o regime de quotas, o equivalente aoimposto é apropriado para os exportadores ou para os intermediários,dependendo de como o sistema é desenhado legalmente – a receitaextra oriunda da imposição do regime de restrição quantitativa, porconta do aumento de preço decorrente da diminuição da demanda, éabsorvida pelos detentores do direito às quotas;- reduz as pressões por incentivos e privilégios setoriais, por parte dedeterminadas indústrias no mercado, já que as alíquotas sãoigualitariamente aplicáveis a todos os produtores.

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Introdução• A quota tarifária é instrumento de controle das importações é utilizado

principalmente pelos países desenvolvidos para proteger o setoragrícola. A quota tarifária foi implementada a partir de 1995 emsubstituição à quota não-tarifária, cuja utilização foi proibida na RodadaUruguai.

• A cota tarifária é baseada em três medidas: a) quota; b) tarifa intra-quota, geralmente reduzida, incidente nas importações até aquantidade fixada pela cota; e c) tarifa extra-quota, usualmenteelevada, incidente nas importações acima da quantidade fixada pelacota.

• A princípio, a quota tarifária deveria ser um instrumento menos restritivoque a quota. A quota não permite a importação acima da quantidadefixada. A quota tarifária permite desde que a tarifa extra- quota sejapaga. No entanto, como a tarifa extra- quota foi fixada em nível muitoalto, a importação acima da quota tornou-se praticamente proibitiva.

• Como há três instrumentos, qual deles efetivamente controla asimportações? Essa é uma questão importante, por exemplo, nasnegociações comerciais. Devemos pedir uma redução da tarifa intra-quota? Um aumento da quota? Ou uma redução da tarifa extra- quota?

Introdução• Considere um país exportador com custo marginal constante (oferta

perfeitamente elástica) e que sofre a imposição de uma quota tarifáriacom quantidade Q1, tarifa intraquota (tI) e tarifa extraquota (tE).

• Se a demanda no país importador for D0, o preço será P(1 + tI) equantidade exportada Q0. A receita tarifária do país importador seráQ0tIP. A restrição às importações é dada pela tarifa intra- quota.

Introdução• Se a demanda for D1, o preço será P(1 + tI) mais a renda da quota (R)

e as importações serão limitadas pela quota.

• Se a demanda for D2, o preço será P(1 + tE) e as importações serãolimitadas pela tE. As importações até o volume da quota terão umarenda da quota igual à diferença entre P(1 + tE) e P(1 + tI).

• Assim, é importante conhecer onde se localiza a demanda paraverificar qual instrumento está restringindo as importações.

• A apropriação da renda da quota é determinada pela administração daquota. Assim, se a concessão da quota é feita pelo país importador, osimportadores serão beneficiados pela renda da quota. Eles importarãoao preço P e venderão ao preço vigente no mercado interno. Se aadministração da quota é feita pelo país exportador, as firmasexportadoras capturarão a renda da quota. (KUME, 2012)

Introdução• Medidas não-tarifárias (classificação UNCTAD 2012) :

– Medidas sanitárias e fitossanitárias;

– Barreiras técnicas ao comércio;

– Inspeções pré-embarque e outras formalidades;

– Medidas protetivas ao comércio de natureza contingencial;

– Licenciamento não-automático, quotas, proibições e medidas de controlequantitativo que não por razões TBT ou SPS;

– Medidas de controle de preços, incluindo taxas e encargos adicionais;

– Medidas financeiras;

– Medidas concorrenciais;

– Medidas de investimento relacionadas ao comércio;

– Restrições à distribuição;

– Restrições aos serviços pós-vendas;

– Subsídios (exceto subsídios à exportação);

– Restrições referentes a compras governamentais;

– Direitos de Propriedade Intellectual relacionados ao comércio;

– Regras de origem;

– Medidas relacionadas às exportações.

Glossário: Medidas Técnicas; Medidas Não-técnicas.

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Introdução

• TRAINS (Trade Analysis and Information System)

TRAINS is a comprehensive database at the most disaggregatedlevel of Harmonized System (HS), covering tariff and non-tariffmeasures as well as import flows by origin for more than 150countries. Tariff information contains not only applied MFN tariff rates,but also to the extent possible, various preferential regimes includingGSP, RTA and PTA rates as well as many bilateral agreement rates.Imports flow is drawn from UN COMTRADE whenever the flow hasbeen reported therein. However, for a country/year for which importsflow is not reported in COMTRADE, mirror trade is used instead. Non-tariff measures (NTMs) are collected and classified according to theNTM classification system developed for this purpose. A newclassification system was introduced in 2009 and the NTM data fromthat year onward are classified accordingly.

Introdução

• WITS (World Integrated Trade Solution)

WITS is an application software developed by the World Bank withclose collaboration with UNCTAD. It is aimed at integrating under oneapplication such trade-related databases as UNCTAD-TRAINS (seebelow) and WTO IDB and CTS databases, as well as UNCOMTRADE. The application offers a user-friendly data view interfacethat provides access to the databases covering imports, exports andprotection data (tariff and non-tariff measures) over time. Users mayobtain detailed data for individual countries. They may also createtheir own country and product aggregation. Building on these dataextraction facilities, WITS also contains a simulation 'toolkit' thatassesses the impact of various trade policy scenarios in terms oftrade and welfare effects, among various other economic indicators.

Fonte: http://www.unctad.info/en/Trade-Analysis-Branch/Data-And-Statistics/TRAINSWITS/

Introdução

O TRAINS (TRade Analysis and INformation System) é um banco dedados, mantido e alimentado pela UNCTAD, que proporciona acessoonline a indicadores de medidas de política comercial nacionais(como mencionado no sítio, tarifas, paratarifas e medidas nãotarifárias, ou, juridicamente falando, encargos aduaneiros, ajustesfiscais de fronteira e impostos seletivos, e medidas regulatórias),assim como dados sobre importações por fornecedor, discriminadospor classificação de seis dígitos no Sistema Harmonizado, para centoe cinquenta países do mundo.

Também provê notas explicativas por país, discorrendo sobreregimes comerciais de aproximadamente quarenta países emdesenvolvimento, descrevendo condições de acesso a mercado, deacordo com a classificação do “UNCTAD Coding System of TradeControl Measures”. Não deve ser confundido com o WITS (WorldIntegrated Trade Solution), elaborado em conjunto com o BancoMundial, que compreende também séries temporais.

Introdução

• Um conceito mais restrito de barreiras não-tarifárias corresponde arestrições impostas pelo funcionamento normal da burocracia eque não se caracterizam pela incidência majorada do imposto deimportação nem nenhum ônus direto ao preço da mercadoria.

• O termo barreiras não-tarifárias, nessa acepção, tem sidoempregado para designar restrições relacionadas a regulamentossanitários e de saúde, normas técnicas, padrões de segurança,dificuldades relativas ao licenciamento, à documentação, inspeçãoe outras práticas que podem dificultar ou mesmo impedir ocomércio.

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Introdução

• Os Estados podem também se fazer valer de controles cambiais.Correspondem a restrições administrativas sobre transações queenvolvam divisas. Podem ser realizados por meio da exigência delicenças para compra de moeda estrangeira. Também peloemprego de taxas múltiplas de câmbio: quanto maior o interesseem proteger determinado produto, maior a taxa de câmbio fixadapara sua importação. Ambos os procedimentos integraram apolítica de substituição de importações brasileira.

• Pode ser também realizada a proibição de importações, que,quando se dá por razões políticas, é denominado embargocomercial. Pode se dar para evitar a aquisição por estrangeiros deequipamentos sensíveis, por exemplo, forma mais comum dessarestrição comercial hoje em dia. É a forma mais direta de controlee pode ser seletiva em função da mercadoria ou do país deorigem.

Introdução

• Os Estados também podem constituir monopólios estatais,situações em que o próprio governo centraliza a importação dedeterminado produto e impede a atuação de outros agentes nessemercado. Assim, controla-se o volume importado não pela via domercado, mas por meio de decisão administrativa.

• Alternativamente, o governo pode baixar leis de compras visandoa impedir a importação de determinado produto, caso existaprodução de similar nacional, julgado como tal por órgãoadministrativo com essa atribuição específica. Podem serunicamente aplicáveis aos órgãos estatais, ou também seremestendidas aos adquirentes privados.

Introdução

• As compras governamentais também são instrumentos que podemse constituir em barreiras ao livre comércio. Como se intui, osgovernos costumam ser grandes adquirentes de mercadorias e deserviços. Se houver uma política governamental, ditada ou não pornorma legal (pode ser por infralegal), de modo a que, em havendoo mesmo preço, ou até se o preço do produto doméstico for maior,dentro de certos parâmetros, ainda assim comprar-se-á dofornecedor local, tal proceder implicará discriminação ao produtorestrangeiro.

• Trata-se de situação que causa distorção no mercado, tanto ointerno, quanto o externo, nesse tanto mais quanto mais relevantefor a nação importadora no mercado consumidor do produto emquestão

Introdução

• O depósito prévio à exportação consiste na determinação de,antes da efetiva importação de determinada mercadoria, seu valortotal, ou um percentual dele, ser recolhido por órgão do governo,normalmente o Banco Central, e permanecer retido pordeterminado período de tempo – que costuma ser anterior aorecebimento da mercadoria no local de destino (GANDOLFO,1998, p. 174), mas não necessariamente.

• Esse método, além de dificultar a importação, constitui tambémempréstimo compulsório ao governo. O ônus ao importadorconsiste no encargo financeiro pelo período de tempo em que osseus haveres ficam indisponíveis, o que consiste em custo direto,se os fundos foram levantados mediante operação de mútuobancário ou financeiro, ou custo de oportunidade, se foramrecursos próprios. Com isso, o governo federal, ao lado deconseguir reescalonar o dispêndio de divisas, retardando as novasimportações, concomitantemente, financia parte do déficit públicocom o empréstimo exigido dos importadores.

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Introdução

• Os acordos voluntários de restrição às exportações (VER, dotermo em inglês “Voluntary Export Restraint”), também conhecidoscomo VRA (“Voluntary Restraint Agreement” ou (“VoluntaryRestraint Arrangement”), “Export Restraint”, OMA (“OrderlyMarketing Agreement”), “Export Quota”, “Selective Safeguard”,“Gentlemen’s Agreement”, “Bilateral Quota”, “Grey Area Measure”,“Industrial Entente” ou “Contingentement Aimable” (MARUYAMA,2007, p. 149 – 150), consistem no compromisso, por intermédio denegociações bilaterais, de um lado, do parceiro exportador em secomprometer a restringir a quantidade exportada ao mercadoimportador e, de outro, o país importador condicionar-se a nãoimpor ao exportador restrições ainda mais severas.

Introdução

• Warren Maruyama (2007, p. 150) afirma que a razão de ser paratantas denominações para a mesma prática internacionalcomercial é o fato que os Estados costumam querer ocultar que aestejam realizando, pois se trata de uma das políticas maisirracionalmente protecionistas (“ill-favored trade instrument”) queum Estado pode efetivar, produto da às vezes perniciosa misturaentre direito, diplomacia, política e economia que caracteriza oDireito Internacional do Comércio.

• A razão básica da adoção de um VER é a de atender àsdemandas protecionistas dos setores que se julgam ameaçadospelas importações e são a alternativa encontrada pelos paísesdesenvolvidos para possibilitar aos governos atender a essasdemandas, sem agredir diretamente os compromissos assumidosno plano internacional. Um aspecto interessante a se destacar éque esses acordos resultam em tratamento diferenciado entrefontes de suprimento de determinado produto, o que constituiviolação ao princípio de não-discriminação,

Introdução

• Os VER, no entender de John Howard Jackson (2002, p. 66), têmsido uma das mais importantes exceções, na prática, aoTratamento Geral da Nação mais Favorecida. No entanto, avaliaque a adequação dessas medidas bilaterais à disciplina do GATTé assunto ainda obscuro e que precisa ser mais bem estudado,especialmente diante da enorme diversidade de suascaracterísticas que têm surgido na casuística prática (2002, p. 70),motivo pelo qual tais acordos muitas vezes são consideradoscomo pertencentes a uma zona cinzenta (p. 71).

• Já se pode concluir que são instrumentos geralmente empregadospor países desenvolvidos, grandes e poderosos, contra aquelesem desenvolvimento, economias deles dependentes, algo queainda existe, por incrível que pareça, na vigência de um sistemamultilateral de regulação do comércio internacional que se supõeinstitucionalizado e evoluído.

Introdução

• O caso mais evidente dessa realidade, ao qual Dominick Salvatore(1998, p. 18) refere-se como o traço de resistência domercantilismo no Século XX, foi o Acordo Multifibras – MFA, de“Multi Fibre Arrangement”, também conhecido como “Agreementon Textile and Clothing” (ATC). Segundo Salvatore, é sinal deconfirmação da realidade que, embora a maioria das nações sedeclare favorável ao livre comércio, a maior parte deles gosta deimpor restrições ao livre comércio internacional ainda em épocacontemporânea.

• Consistia na imposição de quotas de importação de têxteis eartigos de vestuário pelos países desenvolvidos oriundos dospaíses em desenvolvimento. No caso dos Estados Unidos, de até6 % do seu consumo anual, apenas.

• O MFA foi introduzido em 1974 como uma medida de curto prazotencionando permitir que os países desenvolvidos ajustassemsuas indústrias têxteis à concorrência internacional.

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Introdução

• Com o advento da Rodada Uruguai, submeteu-se a umcronograma de desgravamento em dez anos, até a sua integralextinção a partir de 1º de janeiro de 2005. Não obstante, aindaremanescem altas alíquotas de importação desses produtos naspautas aduaneiras dos países desenvolvidos.

• Comentando acerca dos efeitos desse acordo, Max Corden afirma(1993, p. 64) que os seus efeitos deletérios ultrapassam em muitoos benefícios do Sistema Geral de Preferências (ou GSP, de“Generalized System of Preferences”), mecanismo elaborado, noseio da UNCTAD, para beneficiar os países em desenvolvimento,que será examinado mais detidamente posteriormente.

Introdução

• Para se ter uma ideia dos prejuízos advindos da vigência do MFApor vinte anos, de acordo com um estudo quantitativo do BancoMundial e do FMI, datado de 2002 e coordenado por BernardHoekman, Aaditya Mattoo e Philip English (2002, p. 193 - 194), osistema custou ao mundo em desenvolvimento 25 bilhões deeuros anuais em exportações perdidas apenas para os países dasComunidades Europeias. E que cada emprego preservado naindústria têxtil europeia custou aos países em desenvolvimentovinte e oito mil euros anuais e, na indústria de vestuário, quarentae um mil euros anuais.

Introdução

• A modalidade positiva, ativa, de protecionismo é a concessão desubsídios, conhecidos como tais, de acordo com o art. XVI doGATT/47, toda forma de manutenção de preço pelo Governo como objetivo de estimular exportações ou reduzir importações.Podem ser condições de crédito mais favoráveis, cobertura deseguro de certos riscos pagas pelo governo, atividadespromocionais organizadas por agências públicas, entre outrasformas.

• Outra modalidade é a ajuda a países pobres vinculada acompromissos comerciais com o país doador. Também geradistorções no comércio, especialmente no caso em que os preçospraticados são superiores aos preços de mercado praticados emregime de livre concorrência.

Introdução• Entre todas essas possibilidades, o Acordo Geral só disciplina

quatro métodos de restrições às importações: os encargosaduaneiros, as quotas, os subsídios e os monopólios estatais.Segundo John Howard Jackson e William Davey (1986, p. 366), talse deve ao fato de que essas eram as técnicas conhecidas àépoca em que o GATT foi concebido. Com a Rodada Uruguai,outras modalidades foram previstas, tais como as comprasgovernamentais, mas ainda não se disciplina todo o vasto cabedalprotecionista à disposição dos países soberanos.

• De tudo isso, o que importa é perceber que o sistema multilateral,sob os auspícios do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio(GATT) e aprimorado pela Rodada Uruguai, como mencionado,retirou indubitavelmente graus de liberdade da política comercialdas partes contratantes. Assim, por diversos motivos, o fato é queum número bastante significativo desses mecanismos descritosnesse capítulo não é coibido ou nem sequer restringido peloGATT/47 ou pelo GATT/94, ainda que sejam claramentediscriminatórios.

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Introdução

• É dessas lacunas de normatização que os governos nacionais seutilizam para defender os interesses protecionistas de setoresespecíficos de suas economias, sujeitos que sãodemocraticamente a toda sorte de pressões, legítimas ouilegítimas.

• Como se vê, nos dias de hoje, principalmente após a RodadaUruguai do GATT (1986 - 1993), o liberalismo tem mostrado a suaforça, com reduções e eliminações das barreiras ao comérciointernacional.

• No entanto, o protecionismo tem retornado, especialmente após adécada de 70 do século passado.

Introdução• Sempre existiram justificativas técnicas para a definição de

políticas protecionistas, algumas das quais reconhecidamenteválidas pelo sistema multilateral de comércio internacional, como aproteção à indústria nascente (criação de salvaguardas), apromoção da segurança nacional, a preservação ambiental e acoibição da deslealdade comercial (imposição de medidas anti-dumping e compensatórias de subsídios).

• Outros motivos tradicionalmente invocados pelos países aoadotarem o protecionismo, como o déficit no Balanço dePagamentos, altas taxas de desemprego, o estímulo à substituiçãode importações e o diferencial de salários (dito dumping social),por sua vez, não são considerados argumentos juridicamenteválidos para assegurar a consecução de políticas discriminatórias.

• Por isso que autores modernos como Giancarlo Gandolfo (1998),Jagdish Bhagwati (2000), Dominick Salvatore (1993) e W. MaxCorden (1993) hoje falam em novo protecionismo, situação emque as barreiras protecionistas são preponderantemente não-tarifárias ou paratarifárias.

Introdução• Sem querer entrar em pormenores acerca de que mecanismos

consistem o chamado novo protecionismo, é de se dar relevânciaà menção de Reinaldo Gonçalves (2005, p. 102) aos chamadospicos tarifários, um conjunto selecionado de produtos sobre osquais, deliberada e estrategicamente, incidem tarifas muitoelevadas, sem, no entanto, infringirem as concessões tarifáriasnos parâmetros médios.

• Também é relevantíssimo o fenômeno do escalonamento tarifário,algo muito relacionado ao fenômeno da proteção efetiva(HOEKMAN; KOSTECKI, 2001, p. 152). Consiste na hipótesedescrita por John Williamson (1996, p. 83), de desonerar asimportações de matérias-primas e produtos intermediários, aomesmo tempo em que se tributam mais pesadamente as entradasde produtos processados acabados, fazendo com que a tributaçãoefetiva seja favorável ao produto nacional, mantendo a tributaçãonominal igual (a que se submete à normatização convencionalmultilateral), especialmente nos produtos que, como nos ensinaGabriel Palma (2005, p. 410), é maior o efeito multiplicador sobrea Economia.

Introdução• Proteção efetiva (BALASSA, 1965, p. 576) - visa a aferir o grau de

proteção do valor adicionado no processo de industrialização,enfrentando um problema que, segundo afirma, até então estavaesquecido nas comparações internacionais acerca dos níveis deproteção tarifária: as implicações das incidências sobre asmatérias-primas e os materiais intermediários sobre o grau deproteção dos produtos de mais alto grau de industrialização, oque, no seu entender, é fator primordial na diferenciação entrealíquotas nominais e efetivas, em se tratando unicamente dasincidências sobre a importação.

• Harry Johnson e Herbert Grubel chegam a prever, segundo elescom absoluta segurança, que as futuras negociações tarifáriasprestariam muito mais atenção nas efetivas alíquotas do que nasnominais (1967, p. 761).

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Introdução• Assim, a alíquota efetiva z, a medir o grau de proteção efetiva de

uma mercadoria i, pode ser expressa em função da sua alíquotanominal t, dos coeficientes a de composição dos n produtos j queconstituem seus insumos (matérias-primas e produtosintermediários), cada um dos quais com sua alíquota nominal t,compondo um percentual v de valor adicionado ao valor inicial, deforma a ser equacionada como o excesso do valor adicionadodoméstico, decorrente da imposição da tarifa na importação, emrelação ao valor adicionado em uma situação de livre comércio.

Introdução• Pode-se facilmente empregar a equação final acima, embora não

tão fácil à primeira vista, já que obtida de manipulação algébrica,como o fim de visualizar o princípio básico da teoria. Por exemplo,para um determinado produto i, se a alíquota média tj entre osinsumos j for igual à alíquota nominal do produto, ti, a alíquotaefetiva zi será igual a ti.

• Se as alíquotas tj referentes aos insumos j forem todas maioresque ti, a alíquota efetiva zi será menor que ti. Contrariamente, seas alíquotas tj referentes aos insumos j forem todas menores queti, a alíquota efetiva zi será maior que ti.

• Se algumas das alíquotas tj referentes a alguns dos insumos jforem maiores que ti e outras menores, a magnitude da alíquotaefetiva zi em relação a ti, a alíquota nominal, dependerá do pesorelativo aji, ou seja, o quanto do valor adicionado vi conferido peloprocesso de industrialização ao produto i terá sido devido à adiçãodo insumo j.

Introdução

• Assim, preliminarmente comprovada a sua asserção de quequalquer comparação internacional acerca de políticas comerciais,no plano fiscal (tarifário), deve ser baseada em alíquotas efetivas enão nominais, ponderadas ou não, passou Bela Balassa a, no seutrabalho de 1965, submeter o seu modelo matemático a tabelas deincidência de produtos industrializados, divididos em trinta e seisramos industriais, dos Estados Unidos, da então ComunidadeEconômica Europeia (ainda na “Europa dos Seis”, à época –Alemanha, França, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo),do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, da Suéciae do Japão, países que compunham 80 % das exportações e maisde 40 % das importações mundiais de produtos manufaturados naocasião (p. 577).

Introdução• Conclui seu estudo inicial afirmando que, com raras exceções, as

alíquotas efetivas são superiores às nominais, dado ao fato deque, como já desconfiava Harry Johnson, ao pioneiramenteidentificar o escalonamento tarifário (ou gradação tarifária, comoprefere Balassa) nos países industrializados, e a cujos estudosexpressamente intentou dar embasamento empírico, há, em regra,baixas alíquotas nominais aplicáveis às matérias-primas,especialmente aquelas não produzidas pelos países ricos, emcomparação com as relativas aos produtos semimanufaturados oufinais.

• Tal realidade se manifesta mais presente ainda, chegando aalíquota efetiva a ser o dobro da nominal, em se tratando deramos industriais menos sofisticados tecnologicamente e maisintensivos em trabalho, como têxteis, couro, siderúrgicos, produtosquímicos básicos, e metais não-ferrosos – cujos produtos, comocomenta, poderiam ser potencialmente produzidos pelos paísesmenos desenvolvidos (p. 579).

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Introdução• De todo o raciocínio desenvolvido, o que se pode concluir,

sucintamente, é que ainda há um vastíssimo campo de manobra dosEstados nacionais em adotar políticas protecionistas,completamente à margem do sistema multilateral. Há, portanto, umprotecionismo proscrito, porém não evidente, mas dissimulado,cujos contornos de caracterização costumam ser por vezesirreconhecíveis (BARRAL, 2002, p. 15).

• Embora proscritos, por dissimulados, não oferecem aos países queos praticam qualquer risco de se submeterem a uma sançãointernacional. E, o que é pior, os mecanismos estão cada vez maisse sofisticando, o que acabará por alijar ainda mais as naçõesmenos desenvolvidas e menos preparadas para a corrida para odesenvolvimento, da qual já estão agora participando como merasretardatárias.

• A questão é grave e não devemos nos iludir com as maravilhas daglobalização e da institucionalização do comércio internacional.Ainda que não mais tenhamos no plano internacional o completoestado de natureza hobbesiano, o Leviatã permanece à solta,apenas agora um pouco mais disfarçado.

Introdução

• Inicialmente, antes de se analisar especificamente as circunstânciashistóricas que cercaram a criação do GATT e, posteriormente, daOMC, é importante previamente conhecer algo acerca da evoluçãodo pensamento econômico e político ocidental sobre o comérciointernacional, a compreensão de seus mecanismos, assim como asvantagens e as desvantagens em regulá-lo.

• A intenção é a de primeiramente discutir as ideias favoráveis econtrárias ao comércio internacional em geral dentro de umaperspectiva histórica, introduzindo assim a dicotomia entre o queatualmente Douglas Irwin (1998, p. 4), mencionando John StuartMill, denomina de doutrina protecionista, e as doutrinas do livrecomércio a que se refere Joseph Schumpeter (1954, p. 370).

Introdução

• A partir dessa visão histórica, tenciona-se ressaltar a importânciacapital das contribuições de Adam Smith, por meio da concepçãodas vantagens absolutas, e de David Ricardo, acerca da Teoria dasVantagens Comparativas, como ponto de inflexão na avaliaçãonegativa anterior, mesmo anteriormente à era mercantilista, damaioria do pensamento econômico, de maneira a alcançar asituação atual, quando, malgrado a diversidade de argumentoscontrários que a essas teorias sobrevieram, nos últimos doisséculos, poder-se dizer, como afirma Harry G. Johnson (1971, p.187), que a concepção, de que a liberdade no comérciointernacional é mais benéfica do que a proteção, é uma das maisfundamentais proposições que a teoria econômica pode oferecerpara guiar as políticas econômicas nos dias de hoje.

Introdução

• Mais ainda do que expor concepções econômicas, prevalentes ounão, para o nosso estudo importa conhecer a evolução dasdoutrinas sobre o livre comércio porque, como nos ensina AndreasLowenfeld (2008, p. 3), o GATT é claramente baseado na percepçãode que o comércio internacional é benéfico, que os ganhos para asociedade decorrentes do comércio ultrapassam as perdas impostasàqueles que são solapados pela concorrência internacional e que hácriação de valor por meio da especialização e das trocas emmercados abertos.

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Introdução• Em verdade, a razão de ser da realidade da preponderância do

pensamento livre-cambista é o fato de que as ideias econômicas dopensamento clássico, independentemente das consideraçõespontuais que justificariam ainda hoje o esgrimir de argumentosprotecionistas específicos, trouxeram de forma definitiva à dicotomiaapresentada a questão da eficiência econômica – a indagaçãoacerca de como uma particular política comercial pode afetar acapacidade de um país em empregar os seus recursos escassos,em termos de fatores de produção, como terras, capital e trabalho,de forma a gerar a maior renda possível, como a consequência depoder adquirir o maior conjunto possível de bens em troca (IRWIN,1998, p. 4).

• Como afirma Douglas Irwin (1998, p. 3), anteriormente aopensamento clássico havia uma visão largamente difundida de queo uso apropriado de encargos na importação e outras restriçõesgovernamentais constituíam políticas comerciais mais efetivas, noque tange ao bem-estar da população, do que o livre comércio,entendimento que chegou ao ápice na literatura dita mercantilista,especialmente na Espanha e na França.

Introdução

• Diz-se literatura “dita mercantilista” porque, como bem ressalta JoséAntónio Avelãs Nunes (2007, p. 291), não é correto se afirmar quetenha havido um conjunto de ideias ou um corpo coerente esistemático do pensamento econômico mercantilista. Nenhum dosseus autores assim se proclamava, sendo que esse termo adveio dasistematização didática realizada, na segunda metade do SéculoXIX, pelos estudiosos da Escola Histórica Alemã.

• Nem sequer identifica-se uma terminologia comum, um vocabuláriotécnico minimanente rigoroso ou um caráter analítico dessesescritos, motivo pelo qual Schumpeter (1954, p. 187 – 188) referiu-se ao “sistema mercantilista” como uma entidade imaginária. Nãoexistiu, portanto, nem uma escola nem uma doutrina mercantilista(AVELÃS NUNES, 2007, p. 291).

Introdução

• O que se tem de comum na literatura mercantilista, mais do que umconjunto de ideias, foi um determinado arsenal de temas –fundamentalmente, a necessidade da regulação estatal do comércioexterior, com algum ou alguns dos seguintes objetivos em mente: aacumulação de tesouros ou de metais preciosos, a promoção dariqueza ou do bem-estar nacionais, o atingimento de uma balançacomercial favorável, a maximização do emprego, a proteção daindústria nacional ou o acréscimo do poder estatal (IRWIN, 1998, p.26).

• Jacob Viner (1937, p. 59), a propósito, assinala que o quecaracteriza a literatura mercantilista é o fato de que são tratadosque, parcial ou inteiramente, aberta ou disfarçadamente, consistemem pedidos com o fim de satisfazer interesses econômicosespecíficos. Nesse sentido, não raramente os tratadistas exageramna importância do comércio internacional na formação da riquezanacional (IRWIN, 1998, p. 29).

Introdução

• Na Espanha predominou o que António Avelãs Nunes denominoude “bulionismo” (2007, p. 293): a preocupação com oentesouramento e a acumulação contínua de ouro e prataproveniente das colônias da América e com sua conservação nopaís, na convicção de que conseguiriam assim preservar a riqueza eo poderio do estado espanhol.

• Luiz Ortiz (em 1558) - “Memorial al Rey para prohibir las salidas deoro”;

• Damián de Olivares (em 1621) - “Memorial para prohibir la entradade los géneros extranjeros”;

• Jeronimo de Uztariz (em 1726) - “Teoría y Práctica del Comercio”;

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Introdução

• Diferentemente do caso espanhol, como a França não dispunha demetais preciosos à mão, o problema a ser enfrentado, sempredentro da perspectiva pragmática das análises dos autoresmercantilistas, referia-se não à sua conservação, mas à suaobtenção.

• Jean Bodin (em 1568) - “Réponse au paradoxe de MonsieurMalestroit”, subtítulo “Touchant le fait des monnaies etl'enrichissement de toutes choses”;

• Antoine de Montchrestien (em 1615) – “Traité d'Economie Politique”;

• Jean-Baptiste Colbert - Controlador Geral das Finanças de Luís XIV,a partir de 1665. Em 1664, promulgou a primeira lei aduaneiramoderna (“tarif Colbert”) – revista severamente para cima em 1667por Louis XIV, direcionada aos ingleses e holandeses em particular,gerando uma guerra econômica, posteriormente militar – a guerradita terceira guerra franco-holandesa (1672–78), frequentementechamada de “guerra holandesa”.

Introdução

• Diferentemente do que foi pensado na Espanha e na França, omercantilismo inglês não se baseou nem no entesouramento emmetais preciosos nem na regulação da atividade industrial. Aprioridade da nação deveria ser o atingimento de uma balançacomercial favorável o que, para teóricos como Thomas Mun, em suaobra de 1628, mas publicada apenas em 1664, “England's Treasureby Forraign Trade” poderia levar, indiretamente, à entrada líquida demetais preciosos e outros tesouros no país.

• Tal realidade teria vantagens tanto políticas, como a formação deriqueza para preparar a nação contra contingências de segurançanacional, como as guerras, fome ou epidemias, como tambémeconômicas, para aumentar a liquidez e o crédito no país (IRWIN,1998, p. 35).

Introdução

• De se notar que Thomas Mun foi um diretor da Companhia dasÍndias Orientais britânicas (AVELÃS NUNES, 2007, p. 297), a“English East India Company”, fundada em 1600, assim como o foi,posteriormente, outro tratadista de linha mercantilista bastanteproeminente, embora algo mais moderado, Josiah Child.

• Nas principais obras de Child, “Brief Observations concerning Tradeand the Interest of Money” (1668) e “A New Discourse of Trade”(1690), já se vislumbra alguma menção a noções de livre comércio,especialmente na segunda obra, até por ter sido escrita em épocamais tardia.

Introdução• Com o mesmo fim, de assegurar a balança comercial superavitária,

Avelãs Nunes (2007, p. 296) aponta a necessidade de assegurar asupremacia naval e controlar as rotas de navegação. Naconsecução dessa política estratégica de domínio dos mares,podem ser relacionados os “Atos de Navegação” (“Navigation Acts”),promulgados por Oliver Cromwell e o seu Parlamento, em 1651,como resposta à deterioração do comércio inglês, especialmente naPenínsula Ibérica, no Mar Mediterrâneo e no Oriente Médio, pelaconcorrência com os comerciantes holandeses, com o fim da Guerrados Oitenta Anos (1568 – 1648), entre Espanha e Holanda.

• O fim dessa guerra, com a celebração do Tratado de Münster, e oconsequente levantamento do embargo espanhol aos navios debandeira das Sete Terras Baixas Unidas, a república tornadaindependente com a paz, também foi a ocasião para que severificasse a importância econômica das sólidas instituiçõesfinanceiras e legais e da tolerância à usura e às diferentes religiõesque caracterizavam a confederação flamenga de então(BERNSTEIN, 2008, p. 222).

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Introdução• As mencionadas normas britânicas determinaram que as

mercadorias europeias só poderiam ser descarregadas na Inglaterrase transportadas por meio de embarcações inglesas ou do país deorigem da mercadoria. Simultaneamente, o mercado de navegaçãoentre a metrópole e as colônias inglesas ficavam restritos aos naviosde bandeira da então Commonwealth of England (a repúblicaparlamentarista que governou a Inglaterra e o País de Gales, de1649 a 1653, e toda a Grã-Bretanha, de 1653 até 1660, quando sereinstaurou a monarquia no reino unificado).

• Em 1660, houve um adendo na norma para estabelecer que astripulações dos navios deveriam ter três quartos de nacionaisingleses, ao mesmo tempo que enumerava produtos das colônias,como tabaco, algodão e açúcar, que só poderiam sercomercializados com a Inglaterra ou suas outras colônias.

Introdução

• Logo em seguida, o “Staple Act”, também denominado de “Act forthe Encouragement of Trade”, já no reinado de Charles II, em 1663,determinava que todas as mercadorias europeias vindas da Américae de outras colônias deveriam passar pela Inglaterra ou por Gales,onde seriam descarregadas, inspecionadas, e recarregadas apenasapós o pagamento de encargos aduaneiros, sempre por meio deembarcações inglesas.

• Tais Atos só foram revogados em 1849, em época de pleno apogeu do pensamento liberal no comércio internacional.

Introdução

• Outra grande preocupação dos mercantilistas ingleses deu-se com acomposição da balança comercial. John Pollexfen, ele próprio umbem-sucedido importador de vinhos portugueses, defendia, em suaobra de 1697, “England and East India Inconsistent in theirManufactures”, que a exportação de manufaturados e a importaçãode matérias-primas eram positivas e vice-versa prejudiciais. Emessência, seu pensamento, assim como o de congêneres, como ode John Cary, em “An Essay, on the Coyn and Credit of England: asthey stand with respect to its trade”, de 1695, defendia que asatividades econômicas que gerassem alto valor agregado ou quefossem extensivas em mão-de-obra deveriam ser produzidasdomesticamente, até como forma de gerar mais empregos (IRWIN,1998, p. 38).

Introdução

• Aquele que se considera o último dos mercantilistas ingleses éJames Steuart, cuja obra de 1767, “Inquiry into the Principles ofPolitical Oeconomy”, de apenas nove anos antes de Adam Smith, éconsiderada a obra mais abrangente e representativa do conjuntodo pensamento inglês do gênero, e pode ser vista, para DouglasIrwin (1998, p. 43), como o apogeu da sistematização das doutrinasmercantilistas sobre o comércio exterior. Não obstante, mesmoantes da publicação da obra de Adam Smith, a obra sofreu maciçarejeição por parte dos seus contemporâneos, especialmente porquedefendia fortemente a intervenção estatal no comércio internacional.

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Introdução

• Não obstante, é a partir da leitura dos autores dessa época que,embora muito menos interessados em construir um pensamentoeconômico teoricamente consistente, já que visavam mesmo ajustificar um sistema de poder e a uma política de unificaçãonacional, podemos retirar o corpo mais diversificado de ideiasrelacionadas com as políticas de comércio internacional de toda aHistória, em regra de fulcro protecionista.

• Da mesma forma, pode-se dizer que foi em reação a todos essesescritos ditos mercantilistas que se criou o pensamento analíticoeconômico clássico e, com ele, a ideia de livre comércio, como, nadefinição de Douglas Irwin (1998, p. 5), a inexistência deimpedimentos artificiais para a troca de bens através de fronteirasnacionais, pelo que os preços dos mercados diante dos produtorese consumidores domésticos são os mesmos determinados pelosmercados internacionais, à exceção dos custos de transporte e deseguro e de outros custos de transação relacionados.

Introdução

• Assim, os preços, tanto os locais quanto os internacionais, viriam arefletir, com fidelidade, a escassez relativa das mercadorias por todoo mundo, de modo a que possam se converter, mediante umaanálise inversa, em custos de oportunidade, tanto para osprodutores, as firmas nacionais, quanto para os consumidoresinternos, as famílias.

• Essa possibilidade decorre da presunção que, em tese, o mercadomundial estará sempre disposto a negociar a esses preços. E essaideia de custo de oportunidade no comércio internacional, trazidacom a Teoria das Vantagens Comparativas, não logra enfrentarcontraposição relevante mesmo no pensamento econômicomoderno.

Introdução• Não obstante Joseph Schumpeter afirmar (1954, p. 348) que falta à

doutrina mercantilista um trabalho genuinamente analítico, tambémnão se pode afirmar que a tônica dos mercantilistas, especialmenteos ingleses, tenha sido a necessidade do emprego de políticasprotecionistas para proteger a manufatura doméstica e desencorajaras exportações das matérias-primas nacionais, até por que nemtodos assim defendiam. Como ressalta Douglas Irwin (1997, p. 44),o principal traço do pensamento da época, na Inglaterra, até comoconsequência da origem dos seus defensores, foi a ideia de quedeveria haver harmonia entre os interesses estatais e os privados,sem o que a mais correta alocação de recursos não seria possível, oque, no mais, das vezes, pressupunha a intervenção estatal.

• Foi exatamente contra essa visão que se formou, fundamentalmentena Inglaterra agora, apenas, o pensamento liberal. Assim se verificaque, embora ainda houvesse prevalência das práticas mercantilistase dos seus defensores até o fim do Século XVIII, desde meados doséculo anterior, já se podem detectar manifestações na Inglaterracontrárias ao entendimento mercantilista dominante.

Introdução• Tal se deveu não só ao absurdo do ambiente normativo de então,

diante da instituição dos monopólios nacionais oriundos dos Atos deNavegação, bem como pela percepção de que países quemantiveram sempre políticas liberais, como os Países Baixos,principalmente, permaneciam em vantagem na concorrência com asembarcações inglesas, também por conta de uma indústria navalmais eficiente e tecnológicamente mais avançada (HOEKMAN;KOSTECKI, 2001, p. 19).

• Foi nessas circunstâncias, assinala Douglas Irwin (1998, p. 46), queas primeiras manifestações que empregaram a expressão “livrecomércio”, ainda no fim do Século XVII, deram-se em debates noParlamento Britânico contrários aos monopólios garantidos nasoperações de comércio exterior, especialmente por se aplicaremmediante autorizações reais (royal grants) a específicoscomerciantes, no que se refere ao direito de comerciar, semconcorrência, com determinadas regiões do globo terrestre.Definitivamente, um sentido de livre comércio ainda bem maisrestrito, e limitado a interesses pré-determinados, do que o conceitoque temos nos dias de hoje.

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Introdução

• Simultaneamente, em uma perspectiva analiticamente maisconsistente, discordava-se das formulações mercantilistas dabalança comercial favorável e da sua composição em relação àscommodities. Roger Coke, em seu “A Discourse of Trade”, de 1670,já apontava a contradição nessa doutrina, mencionando que osholandeses importavam tudo e ainda assim prosperavam com ocomércio, ao passo que os irlandeses exportavam oito vezes maisdo que importavam, mas continuavam pobres. William Petty, em1662, por sua vez, no “A Treatise of Taxes and Contributions”,também contestava a pretensão de se conseguir uma balança depagamentos permanentemente excedentária e uma acumulaçãoindefinida de metais preciosos.

Introdução• Mas a crítica mais consistente a essas idéias, nessa época ainda de

forma minoritária, veio de David Hume, no seu famosíssimo ensaio,“Of the Balance of Trade”, no tardio ano de 1752, por meio daformulação de que as barreiras à exportação de commodities, assimcomo a tentativa de limitar as importações de manufaturados, viriama ser contrárias às suas intenções originárias. Segundo seuraciocínio, abrindo-se a possibilidade de importar produtosmanufaturados de um país qualquer, o preço dessas mercadoriasaumentará e o das nacionais diminuirá, de modo a que, em algumtempo, as mercadorias inglesas possam vir a competir com asimportadas. Trata-se da primeira formulação acerca do equilíbriodinâmico dos mercados, embora, por óbvio, sem usar essaexpressão.

Introdução• Outro pensador importante dessa fase de transição foi Charles

Davenant, cuja obra, “Essay on the East India Trade”, de 1696,tratava da controvérsia acerca se a importação de calicoes(produtos têxteis de algodão) das Índias iria interferir na produçãodoméstica de derivados da lã e da seda, com o propaladoempobrecimento dos produtores domésticos. Nela criticouseveramente a política comercial voltada a determinados produtos,trazendo a ideia da interdependência de todos os setores industriais.Aduziu a constatação de que o acréscimo das importações iriaaumentar o número de pessoas envolvidas no comércio, comomarinheiros e armadores, com aumento geral da riqueza da nação.

• No entanto, Charles Davenant, como afirma Douglas Irwin (1998, p.55), nunca chegou a propriamente defender a liberdade absoluta emcomerciar, recomendando em seu lugar que a política comercial sefizesse com vistas a evitar a importação de produtos inúteis e talvezperigosos ao público.

Introdução

• Para Charles Davenant, na obra, “Essay on the East India Trade”,de 1696, a melhor maneira de promover a indústria lanifícia nacionalseria mediante a criação de incentivos para a redução dos preçosdos seus produtos, de modo a que possam competir com aquelesvindos das Índias.

• Trouxe também a formulação de que a artificial proteção à indústriadoméstica da seda seria prejudicial ao público e que deveria sernaturalmente deslocada para outros países, sendo que a mão-de-obra inglesa deveria se voltar a outras atividades – um pensamentoancestral à concepção da especialização internacional do trabalho.

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Introdução• O que gerou a elaboração da obra de Charles Davenant foi o fim

previsto da vigência, em 1690, de um adicional de imposto deimportação que onerava as importações de tecidos estrangeirospelo Reino em mais dez por cento ad valorem, além do encargoanterior de cinco por cento, incidência essa criada pelo Rei James II,em 1685, a pretexto de fazer frente às despesas com a campanhacontra o Duque de Monmouth, filho bastardo primogênito de CharlesII, que tentava usurpar o trono de seu tio, diante da recente morte doseu pai, já que a esposa do monarca conduzido ao trono pelaRestauração, em 1660, a princesa portuguesa Catarina deBragança, não teve filhos.

• Diante das pressões protecionistas, o encargo adicional, que a priorideveria ser revogado, até pelo sufocamento do levante quepretensamente o motivou, acabou sendo confirmado e, mais do queisso, dobrado (THOMAS, 1963, p. 66).

Introdução• Na obra de Henry Martyn, de 1701, “Considerations upon the East

India Trade”, deu, nas palavras de Douglas Irwin (1998, p. 56 -57), oprimeiro tratamento sistemático, profundo e analítico ao tema doprotecionismo comercial e das vantagens do livre comércio. Opôs-se veementemente contra tanto as restrições monopolistas nocomércio inglês com suas colônias quanto aos gravames impostosàs importações de manufaturados da Índia, propondo abrirradicalmente essas vias comerciais, não só pela abolição dostributos incidentes como também pela eliminação da licença real.

• Assim, defendia que não se deveria beneficiar alguns em detrimentode outros, já que o livre comércio era a única forma de proporcionartrabalho para todas as pessoas, mesmo que eventualmente emoutros setores nos quais as empresas do Reino fossemcompetitivas. Trouxe a concepção da relevância do comérciointernacional para o acréscimo de competitividade como busca daalocação mais eficiente dos recursos nacionais.

Introdução• Porém, só se pode dizer que surgiu uma escola da Ciência Econômica

com a Fisiocracia elaborada por François Quesnay, a quem Schumpeter(1937, p. 167) se refere como uma das maiores figuras da Economia.Defendeu fortemente, no seu “Tableau Économique - avec sonexplication”, de 1758, a produção agrícola, para ele a atividadeprodutiva por excelência, e não as estéreis ocupações comerciais ou deserviços. Entendia que a renda da agricultura seria a fonte precípua dariqueza de um país, invertendo completamente a prioridade conferidapelos mercantilistas.

• No entanto, as contribuições de Quesnay mais importantes aopensamento liberal e, por conseguinte, às formulações de Adam Smith,foram suas concepções de ordem natural, o ambiente social no qual seprocessa a divisão do trabalho e do qual resulta a multiplicação dosmeios de subsistência e a abundância, a partir das relações de troca (oindividualismo social), a crença na harmonia universal dos interesses,as suas ideias acerca das funções do Estado, especialmente no queconcerne às relações entre o Direito e a Economia, além da suaconcepção metodológica acerca da relevância para a Economia dosconceitos filosóficos de propriedade, de liberdade e de igualdade(AVELÃS NUNES, 2007, p. 330 – 331).

Introdução• Outra obra que muito influenciou Adam Smith foi, da autoria de David

Hume, seu amigo pessoal, “Of The Jealousy of Trade”, de 1758. NelaHume critica fortemente a maligna opinião que vê o sucesso dosvizinhos com ciúmes, de que a riqueza de um país só existe mediante aperda daqueles com que ele comercia. Para ele, se a indústria de umpaís não consegue ser competitiva, deve atribuir isso às suas própriasdeficiências, não aos vizinhos, restando oportunidades em outrossetores, aproveitando as vantagens naturais e peculiares de cadaexportador. Entendeu que nenhum país poderia ser fechado aomercado internacional, uma vez que a natureza, por conferir diversidadede climas e solos às diferentes nações, assegurou o intercâmbio dasriquezas sem que haja perda para nenhuma delas.

• Como afirmou Jacob Viner (1937, p. 92), certos elementos doutrináriosfavoravelmente tendentes ao livre comércio eram fortementeprevalentes, tanto no pensamento econômico quanto no filosófico, antesda publicação da principal obra de Adam Smith. Havia sim um fortesentimento, tanto na França quanto na Inglaterra e na Escócia, sob aforma de um clamor por mais liberdade econômica e menor intervençãoestatal, em prol da ideia de livre comércio.

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Introdução• Joseph Schumpeter (1954, p. 184), a propósito, afirma que a obra “An

Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations”(abreviadamente “Riqueza das Nações”), publicada em 9 de março de1776, não continha uma única ideia analítica ou método que fosseinteiramente novo na época em que publicado. Sem discordar dessaponderação, Andrew Skinner (1990, p. 157), por seu lado, afirma que sepode encontrar na obra mencionada pela primeira vez a concepção daEconomia como um sistema, e que Adam Smith em 1776 deu àEconomia Política a base analítica em cima da qual todos os avançosposteriores puderam se fundar.

• A “Riqueza das Nações” é uma obra que trouxe à Economia Políticadiversas formulações teóricas originais, ao menos do ponto de vistasistemático, como a Teoria do Valor, a Teoria da Distribuição doRendimento (do salário e da renda), e a concepção da Acumulação doCapital como causa da riqueza das nações, muito além apenas de serum tratado de Economia Internacional.

Introdução

• No que presentemente interessa, o maior objeto de ataque por parte deAdam Smith, na sua obra “Riqueza das Nações”, especificamente noseu Livro IV, “Of Systems of Political Oeconomy”, que trata das políticascomerciais, foram, segundo Dominick Salvatore (1998, p. 18), os ideaismercantilistas como os formulados por Thomas Mun, na concepçãoinglesa, notadamente a busca incessante da balança comercialfavorável, ou que a boa política comercial deveria diminuir o quantopossível a importação de produtos estrangeiros para consumodoméstico e aumentar ao máximo as exportações dos produtosnacionais. E que as duas formas básicas para o enriquecimento de umpaís seriam o estabelecimento de restrições às importações e o fomentoàs exportações.

Introdução

• Então, um dos principais objetivos do Livro IV é estabelecer umespecífico critério para aferir os efeitos das diversas políticas comerciaisem termos de riqueza (produção bruta de bens) e renda nacionais comoum todo. Com isso, visava a combater mecanismos específicos deproteção de determinados setores sob o pretexto da preservação dosempregos e da produção de uma indústria em particular. Nessa esteira,defendeu que a imposição de altos encargos aduaneiros na entrada ou,o que é pior, o banimento das importações, diminuiriam a concorrênciae confeririam ao produtor nacional um monopólio, possibilitando queaumentassem seus preços e levando à perda de eficiência produtiva,pelo desestímulo à redução dos seus custos.

Introdução

• Sustentou que a liberdade natural dos indivíduos interagindo noambiente econômico, cada um deles focando na maximização de seubem-estar pelo fornecimento de bens e serviços aos demais, iria levar auma alocação eficiente de recursos do ponto de vista da sociedadecomo um agregado, com acréscimo da renda nacional ao valor mais altopossível.

• Nesse raciocínio, defendeu que o ambiente econômico não deveria sertotalmente imune à atuação estatal, para a qual via a importante funçãode transformar os mecanismos de mercado em uma instituição social,por meio do fornecimento de bens públicos e a prestação de serviçoscomo o de justiça, com o que o sistema iria operar mais eficientemente.Como afirma Douglar Irwin (1998, p. 78), diferentemente do que muitose fala, o sistema proposto por Adam Smith não repousava unicamentee exclusivamente na ideia de “laissez-faire”.

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Introdução

• Para Smith, o conceito chave para a formulação de uma políticacomercial é a noção de custos de oportunidade, ou as escolhas e trocasentre atividades alternativas em circunstância de restrição de recursos.O comércio internacional livre possibilitava a melhor alocação de taisrecursos, sendo que os encargos aduaneitos protetivos interfeririamnessa distribuição ótima.

• Só admitiu duas exceções a esse princípio: a proteção de determinadotipo de indústria que fosse necessária à defesa do país, já que asegurança é mais importante que a opulência, assim como no caso emque os produtos nacionais fossem sujeitos a tributos não incidentessobre os produtos estrangeiros. Trata-se de uma formulaçãoantecedente da dos ajustes fiscais de fronteira, ainda como encargosaduaneiros, mas que tivessem a função de equalizar a carga fiscal dosprodutos domésticos em relação aos alienígenas.

Introdução

• Também aduzia dois pontos a serem considerados, acerca daeliminação dos encargos aduaneiros transfronteiriços. O primeiroreferia-se à necessidade de reciprocidade, ou à possibilidade deretaliação, sempre temporária, na situação em que o país estrangeiroimpusesse análogo gravame aos bens do país. No entanto, ressalva,trata-se de uma questão política, não econômica. A outra consideraçãoreferia-se à velocidade com que os existentes gravames na importaçãodeveriam ser extintos – advogava que deveria ser realizada taleliminação mediante suaves gradações, com reserva e circunspecção.

• Em suma, não trazia novas ideias sobre o comércio, mas antesrevolucionou o conceito sobre a organização econômica da sociedade esobrelevou o papel na liberdade natural na promoção da riquezanacional (IRWIN, 1998, p. 79).

Introdução

• Finalmente, apresentando a sua concepção mais relevante para adisciplina do comércio internacional, Adam Smith trouxe, embora semusar tal expressão, a formulação de que cada país, se por algummotivo, tem a capacidade de produzir uma commodity mais barata doque os seus concorrentes, deveria se dedicar a produzi-la, e assim asoutras nações em relação a outras mercadorias, com o que, com astrocas com as demais, a partir dos seus excedentes comerciais, cadapaís terá o potencial de aumentar a sua renda e produção internas – aTeoria das Vantagens Absolutas.

• Pela formulação teórica, como a resume Dominick Salvatore (1998, p.19), o crescimento da produção de ambas as commodities correspondeaos ganhos da especialização na produção disponíveis para seremdivididos entre as duas nações por meio do comércio.

Introdução

• Como nos noticia Douglas Irwin (1998, p. 87), embora a “Riqueza dasNações” tenha sido uma obra de razoável impacto logo após suapublicação, decorreu ainda aproximadamente um quarto de século paraque se possa dizer que há evidências de que as suas ideias tenhamsido afinal consolidadas e integralmente absorvidas no pensamentoeconômico de então.

• Assim, o que se convencionou denominar período clássico dopensamento econômico foi um pouco retardado diante dasconturbações políticas do quadro ocidental na virada entre os SéculosXVIII e XIX, como a Revolução Francesa, a independência americana eas guerras napoleônicas.

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Introdução• Nessa época, o evento de maior importância do ponto de vista

normativo foi a formação do “Sistema Continental”, a política externa deNapoleão Bonaparte, àquela altura o Imperador Napoleon I de França eRei da Itália, em sua luta contra o seu grande adversário das guerrasnapoleônicas, o Reino Unido, contra quem havia desistido da suaintenção de invasão, diante da derrota na Batalha Naval de Trafalgar, naEspanha, de 21 de outubro de 1805. Com isso, pensando em lograrêxito indiretamente, mediante o empobrecimento do adversário,determinou a imposição, por meio do Decreto de Berlim, de 21 denovembro de 1806, logo após a vitória napoleônica contra a Prússia naBatalha (terrestre) de Jena, de um embargo de ampla extensão, porparte tanto da França quanto dos seus aliados ou dependentes, contra ocomércio inglês.

• Posteriormente, Napoleon I editou o Decreto de Milão, de 17 dedezembro de 1807, reforçando o Decreto de Berlim, estabelecendo quenenhum país europeu poderia comerciar com o Reino Unido. O Decretotambém autorizava os navios, tanto de guerra quanto os piratas, debandeira francesa, a capturar qualquer embarcação, mesmo debandeira neutra, que tivesse origem ou destino em algum porto britânicoou localizado em região ocupada pelas forças britânicas.

Introdução• O que aconteceu foi que o embargo europeu continental ao comércio

inglês, de 1806, produziu uma controvérsia teórica que fez surgirem asprimeiras obras que se podem dizer como realmente caudatárias daslições smithianas.

• Um economista inglês simpático ao pensamento fisiocrático, WilliamSpencer, fez publicar, em 1807, uma obra, chamada “BritainIndependent of Commerce”, na qual afirmava não ver desvantagens nasituação por que passava o seu país, uma vez que, para ele, aagricultura e o mercado interno seriam as bases da riqueza. Contraessa postura prontamente se insurgiram James Mill e Robert Torrens,escrevendo obras em 1808, respectivamente “Commerce Defended” e“The Economists Refuted”, que defendiam a existência de ganhos deprodutividade e eficiência econômica no comércio internacional,repetindo a concepção de que é melhor usar o capital próprio e otrabalho do país naquilo que a produção própria é mais eficiente.

Introdução• Assim, é recomendável, para eles, trocar a commodity essencial, por

exemplo, o milho, com um país, por exemplo, a Polônia, que o produzaa mais baixo custo, graças às suas férteis planícies, do que tentarproduzir tudo domesticamente. Ambos defendiam que a melhor formade determinar qual a quantidade de recursos necessária para gerar amaior quantidade de milho para consumo local deveria ser por meio dasforças de mercado. Tais formulações foram mais bem desenvolvidas noartigo denominado “Corn Laws”, de 1814, de James Mill, e no ensaio“Essay on the External Corn Trade”, de Robert Torrens, de 1815, ambasobras francamente pertencentes à Escola Clássica.

• Mas o mais ilustre membro da Escola Clássica foi, sem sombra dedúvidas, David Ricardo, aquele quem recebe virtualmente todo o créditopela exposição da Teoria das Vantagens Comparativas, no capítulo 7(“On Foreign Trade”) de sua obra de 1817, “On the Principles of PoliticalEconomy and Taxation”. Segundo Avelãs Nunes (2007, p. 462), a obraque inaugura o objeto da Economia Política, não por acaso tendo paraela sido adotada a denominação reduzida de “Princípios”, dada aextensão e profundidade de seus propósitos.

Introdução

• David Ricardo toma o modelo de dois países e de dois produtos paraexplicar a teoria que formulara. Digamos que os países possuam umamatriz de custos de produção dos bens analisados, conforme a seguir.

• Comparando-se os custos de produção dos dois produtos nos doispaíses, verifica-se que Portugal possui vantagens absolutas tanto naprodução de vinho (80 contra 120) quanto na produção de tecido (90contra 100), em relação à Inglaterra.

• No entanto, no que tange ao conceito de vantagem comparativa nosentido ricardiano, como diferença relativa de custos, Portugal possuivantagem relativa na produção de vinho (pois 80/90 < 120/100), mas avantagem relativa na produção de tecidos é da Inglaterra (já que100/120 < 90/80).

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Custos de produção (Homens X de Trabalho)

Vinho (n unidades) Tecido (n unidades)

PORTUGAL 80 90

INGLATERRA 120 100

Introdução• Como explicado por David Ricardo, em apenas três parágrafos, a

Inglaterra ficará estimulada a produzir o tecido, que requer o trabalho de100 homens durante um ano de trabalho, uma vez que, se tencionasseproduzir vinho, teria que dispender 120 homens X ano. Melhor então,para os interesses ingleses, trocar a sua unidade de tecido por umaunidade de vinho produzido em Portugal, do que produzi-lo localmente.

• Analogamente, Portugal terá interesse em produzir apenas vinho, poiscom uma unidade de vinho de sua produção, que lhe consumirá otrabalho de 80 homens em um ano, poderá adquirir uma unidade detecido inglês, ao passo que, se quisesse produzir localmente os tecidos,teria que alocar para tanto o trabalho de 90 homens em um ano. Haveráinteresse, pois, na transação internacional, exportar vinho e recebertecido em troca.

• Tal equação é favorável a ambos os países independentemente do fatode que a commodity, no caso o tecido, pudesse, por hipótese, serproduzida em Portugal, com menor carga laboral (90 homens por ano),do que na Inglaterra (100 homens por ano), ou seja, que haja vantagensabsolutas de Portugal, porque é mais benéfico a Portugal produzirvinho, que lhe exige ainda menor dispêndio de recursos.

Introdução• Douglas Irwin (1998, p. 91), a propósito desses meros três parágrafos,

reputa-os pobremente explicados, deslocados do contexto do capítulo efalhos em evidenciar a essência da teoria. Mencionando historiadoresda Economia como John Chipman e William Thweatt, chega a especularse o autor realmente havia entendido o fundamental de sua teoria,sugerindo que o real responsável por ela tenha sido James Mill, até porele ser interlocutor frequente de David Ricardo em seus estudos. Comefeito, a formulação teórica vem mais bem desenvolvida na obra de Millde 1821, “Elements of Political Economy”. Nela Mill explica que obenefício oriundo da troca entre as mercadorias advém daquela que foirecebida, não da que foi dada. Trata-se do ganho diante do custo deadquirir produtos importados em comparação com o custo de produzirlocalmente.

• Porém, a consolidação da Teoria das Vantagens Comparativas só veioa se dar com o advento da obra do filho de James Mill, John Stuart Mill,de 1848, “Principles of Political Economy”, na qual se expõem com maisclareza as vantagens para todos os Estados no comércio internacional eos custos da atividade protetiva, em termos de perda de eficiênciaprodutiva.

Introdução• Segundo Andreas Lowenfeld (2008, p. 6), a ilustração ricardiana é uma

vasta simplificação, uma vez que supõe apenas um fator de produção(as horas de trabalho); admite a plena mobilidade desses fatores entreos produtos; prevê apenas dois produtos e dois países; presume preçosconstantes e custos invariáveis; e não pressupõe diferenciações entreos produtos, não considera o papel das firmas, despreza o fato de queos objetos comerciados são o produto de outros bens que podem terorigens diversas, e considera uma taxa de câmbio fixa.

• Posteriormente, a Teoria das Vantagens Comparativas logrou seraprimorada basicamente em duas ocasiões. A primeira, publicada emobra de 1933, pelos economistas suecos Eli Hecksher e Bertil Ohlin,introduziu no problema a circunstância de que o uso proporcional dosfatores de produção não necessariamente deveria ser idêntico entre asdiversas alternativas alocativas, uma vez que o modelo ricardiano sóprevê a comparação por meio de um fator, a mão-de-obra. A segunda,em 1936, por Gottfried Haberler, com a “Theory of International Trade”,veio a explicar a Teoria das Vantagens Comparativas por meio da teoriado custo de oportunidade.

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Introdução• A constatação do aperfeiçoamento posterior de sua teoria não vem, de

forma alguma, retirar méritos da inicial formulação de David Ricardo,mas, ao contrário, infirmar a posição de que a sua relevância científicavai além meramente da sua criação da Teoria das VantagensComparativas. Por exemplo, do ponto de vista político, é fundamental ainfluência não só da obra de David Ricardo, àquela altura jáamplamente reconhecida na Inglaterra, como também da sua atividadepanfletária em discursos na House of Commons, na revogação emdefinitivo das “Corn Laws”, em 1846 - embora houvesse falecido, aindafrustrado, em 1823 (BERNSTEIN, 2008, p. 306 – 307).

• Ensina William Bernstein (2008, p. 300 – 301) que, pelo menos desde oSéculo XV, a coroa inglesa administrava o comércio de grãos com a ilhabritânica mediante uma série de leis chamadas “Corn Laws”. Registrosmais detalhados dessas normas existem desde 1660 e, até 1846, cercade cento e vinte e sete dessas leis haviam sido promulgadas, dispondode diversos aspectos do comércio de grãos com o Reino, comooperações a varejo e no atacado, armazenamento, importação,exportação e, no que foram mais críticas, no imposto de importação.

Introdução• As “Corn Laws” mais traumáticas foram as leis determinando radicais

aumentos de impostos de importação, introduzidas pelo Importation Act,de 1815, com o fim de evitar a concorrência do milho inglês com aqueleoriundo dos países da Europa Continental. Foram aprovadas depois damaciça pressão dos proprietários rurais ingleses assustados com ainvasão dos cereais decorrente do fim do embargo napoleônico, emmarço de 1814, após a primeira abdicação de Napoleon I.

• A propósito, tanto as “Corn Laws” quanto o embargo napoleônico foramcircunstâncias que geraram um fantástico campo de prova empíricopara as doutrinas sobre Economia Política de então (IRWIN, 1998, p.93). Não se deve esquecer que o embargo econômico ao Reino Unidofoi profundamente deletério para alguns países aliados à França, comoa Rússia, que, em 1812, acabou, empobrecida e faminta, tendo quereabrir o comércio com os britânicos, situação que foi um dos principaisincentivos à decisão de Napoleon I em invadir o território russo, em 23de junho de 1812 - o que terminou por causar a reviravolta históricaconhecida.

Introdução• Além dos já mencionados “Corn Laws”, de 1814, de James Mill, e

“Essay on the External Corn Trade”, de Robert Torrens, de 1815,também David Ricardo dedicou-se a escrever especificamente sobre oproblema, na sua obra, especialmente nos ensaios “An Essay on theInfluence of a Low Price of Corn on the Profits of Stock”, de 1815, e “OnProtection to Agriculture”, de 1822. Sem falar na sua notóriacontrovérsia a respeito com o Reverendo Thomas Malthus, em cujasobras de 1815 (“Essay on the Principle of Population”) e de 1820(“Principles of Political Economy”), defende abertamente os direitos doslandlords britânicos e a proteção da atividade agrícola.

• Foi um dos fundadores da sucursal da “The Anti-Corn Law League” nacidade de Manchester, Richard Cobden, em 1838, reestruturando-anacionalmente no ano seguinte, quem se tornou um dos responsáveispela revogação parlamentar das “Corn Laws”, em 1846, muito emfunção da depressão inglesa de 1840 - 1842 e da quebra da safra debatatas na Irlanda, em 1845, com a consequente fome em massa dapopulação.

Introdução• Richard Cobden foi eleito nas Eleições Gerais Parlamentares de 1859.

Foi oferecida então a Cobden a oportunidade de se tornar Presidente doBoard of Trade. Cobden também recusou, por discordar da políticabelicosa vigente e por entender que a melhor maneira de combater opotencial conflito com a França de Napoleon III seria pela aberturacomercial e não pela dispendiosa compra de armamentos. Então,William Gladstone, o Chancellor of the Exchequer (o equivalentebritânico ao Ministro da Fazenda brasileiro ou ao Secretary of theTreasury dos Estados Unidos da América), concordou com suasposições e recrutou Richard Cobden para negociar um novo acordocomercial com a França.

• Havendo tomado conhecimento dos escritos de Cobden externando taisidéias, um deputado da Assemblée Nationale francesa e professor deEconomia Política, Michel Chevalier, buscou e angariou o apoio deEugène Rouher, o poderoso Ministre de l'Agriculture, du Commerce etdes Travaux Publics, assim como logrou convencer o ImperadorNapoleon III das vantagens do livre comércio e da necessidade dereformar o sistema tarifário francês.

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Introdução• Em 23 de janeiro de 1860, o Reino Unido e a França assinaram um

tratado comercial, conhecido como Tratado Cobden-Chevalier, quereduzia os encargos aduaneiros franceses em relação a uma série debens manufaturados ingleses a não mais que 25 % em cinco anos, aomesmo tempo em que reduzia os encargos britânicos sobre os vinhos elicores franceses e os eliminava em relação a todos os demais produtos.Em consequência, apenas na década seguinte, a corrente de comércioentre os dois países quadruplicou.

• Mais do que isso, a inclusão no tratado de uma cláusula prevendo otratamento de nação mais favorecida, aliada ao fato de, no períodoentre 1862 e 1867, a França ter assinado uma série de tratadoscomerciais bilaterais com países como a Bélgica, a Prússia e oZollverein, a Suécia, a Itália, a Suíça, a Noruega, os EstadosHanseáticos, a Espanha, os Países Baixos, a Áustria e Portugal – comtodo o mundo ocidental relevante da época, à exceção da Rússia e dosEstados Unidos - fez com que, no fim da década de 60 do Século XIX, aFrança houvesse se tornado o centro de uma rede de tratadosinternacionais por toda a Europa (CURZON, 1965, p. 15 – 16),inaugurando o período de maior liberdade comercial de toda a históriada humanidade – talvez o único.

Introdução• Como resume Jagdish Bhagwati (1993, p. 25 – 32), durante todo esse

período, a política comercial britânica baseou-se na abertura unilateraldo mercado, aquela preferida dos economistas, mas raramente, senãonotadamente durante apenas esse meio século, empregada na prática(HOEKMAN; KOSTECKI, 2001, p. 19).

• Mais mordaz, Ha-Joon Chang (2003, p. 34) avalia que não seriainsensato dizer que o regime da época foi o mais próximo do livre-comércio que o mundo já teve “ou (provavelmente) terá”.

• Por esse motivo, Gerard Curzon (1965, p. 20) nos informa que o períodoentre 1860 e 1914 é conhecido como a “época de ouro” da políticacomercial do mundo ocidental.

Introdução• No final do século XVIII, por seu lado, os Estados Unidos foram o

primeiro país a adotar o protecionismo como política de Estado,utilizando a justificativa das indústrias nascentes, com base na doutrinade Alexander Hamilton, seu primeiro Secretary of the Treasury. Em suaobra de 1791, “Report on Manufactures”, embora Hamiltonreconhecesse que a imposição de encargos aduaneiros na importaçãoelevasse os preços das mercadorias, defendia que a situação contráriadaria o efeito de impor obstáculos ao nascimento de novas indústrias eaté inviabilizar as ainda em processo de consolidação. Propunha quatrotipos de políticas comerciais: encargos protetivos, proibições àimportação, tributos sobre a exportação de matérias-primas e subsídios,sendo essa a preferível, por ser a mais imediata e porque não produziriaescassez interna, assim como geraria mercados externos.

• Um grande historiador aduaneiro americano, Frank Taussig, autor deobra clássica, de 1907, “The Tariff History of the United States”, afirmouque a primeira norma americana sobre o comércio exterior, o Tariff Actde 1789 (ou “Hamilton Tariff”, apenas a segunda lei promulgada pelonovo governo federal dos Estados Unidos da América), já era protetivoem intenção e no espírito, segundo Charles McFarland e Nevin Neal(1969, p. 22).

Introdução• A afirmação de Taussig é controvertida, mas é certo que, com o “Dallas

Tariff”, de 1816, no governo James Madison, estabeleceu-sedefinitivamente a proteção comercial americana, que perdurou atéquase a Primeira Guerra Mundial – por cerca de cem anos, portanto.

• A norma de 1816, vale esclarecer, assim conhecida por ter sidoapresentada por meio de um relatório do Secretary of the Treasurychamado Alexander J. Dallas, estabelecia uma alíquota ad valorem de25 % para as importações de artigos de algodão e lã, assim comoestabelecia um valor aduaneiro mínimo de 25 cents por jarda quadrada,para mercadorias que, anteriormente, eram vendidas a 6 cents por jardaquadrada. Fazia também uma classificação dos bens manufaturados emtrês modalidades: na primeira estavam os artigos que eram produzidosdomesticamente em quantidades suficientes a satisfazer o mercadointerno, para os quais a alíquota era alta; na segunda, as mercadoriascuja produção local era limitada e que provavelmente poderia seraumentada com apropriado fomento, para as quais o encargo ainda eraalto, mas nem tanto quanto nas anteriores; e, por último, para asmercadorias cuja produção nacional era insuficiente para o consumointerno, a incidência visava apenas ao seu aspecto fiscal (McFARLAND;NEAL, 1969, p. 24).

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Introdução• Inicialmente os Estados do Sul apoiaram a norma, que só foi refutada

pelos empresários ligados ao transporte naval, concentrados na regiãode Boston. Posteriormente, diante do fim das importações de algodãobruto por parte da Inglaterra e com o seu mercado interno reduzido porconta da escravidão, os Estados do Sul passaram a também rejeitar anorma que, no seu entender, só prestigiava os Estados do Norte e doNordeste do país (McFARLAND; NEAL, 1969, p. 23 – 24).

• Além do mais, como explicam Bernard Hoekman e Michel Kostecki(2001, p. 23), o que sucedia é que o setor agrícola, concentrado no Sul,era obrigado a transferir sua renda para os estados do Norte, na medidaem que tinha que pagar mais caro por maquinário e bens de consumoduráveis. Nessa tensão repousou boa parte das controvérsias quegeraram, mais de cinquenta anos depois, a Guerra Civil americana.

• Tais discordâncias regionais foram ainda mais agravadas também peladuplicação da alíquota média geral com o Tariff Act de 1861, tambémconhecida como “Morril Tariff”, em homenagem ao deputado que aapresentou, Justin Morril, de Vermont, e que foi elaborada peloeconomista Henry Carey e assinada pelo Presidente James Buchanan,ambos da Pennsylvania, estado americano que concentrava a indústriamais beneficiada internamente, a de ferro e de aço.

Introdução• Por outro lado, a Prússia e o Zollverein haviam sido, desde

aproximadamente 1818, extremamente liberais nas suas políticascomerciais e, a despeito da Guerra Franco-prussiana de 1870, mesmoassim o Tratado Cobden-Chevalier permaneceu em vigor até 1882.

• Após a unificação da Alemanha, Otto von Bismarck manteve a tradiçãoliberal do Zollverein até 1879, quando, baseado também na pregação deFriedrich List (“Das Nationale System der Politischen Ökonomie”, de1841), calcada na proteção à indústria nascente, visando principalmentea proteger a sua indústria de ferro e aço, inicialmente, passou a tambémimplementar políticas protetivas. Em 1885 e 1888 houve novosaumentos dos encargos aduaneiros alemães, especialmentedirecionados aos produtos agrícolas americanos.

• Gerard Curzon, a propósito, afirma que, da mesma forma que a França,com o Tratado Cobden-Chevalier, tornou-se por uma década o motor dolivre comércio no continente europeu, a Alemanha, sob Bismarck, após1879, passou a ser o ponto nodal de um sistema protecionista quevigorou até a Primeira Guerra Mundial (1965, p. 17).

Introdução• Em 1892, na França, já exauridos os efeitos do Tratado Cobden-

Chevalier, houve um grande aumento da tributação sobre o comércioexterior com a chamada “Tarif Méline”, por conta de Felix-Jules Méline,Presidente do Conselho de Ministros, chefe de Estado francês à época,visando a proteger a agricultura francesa também contra a concorrênciaamericana, o que marcou o fim do período de abertura comercialfrancesa.

• Em meados do Século XIX, o Japão era ainda uma economiasemifeudal e, em função da Revolução Meiji e pela aplicação doprotecionismo, tornou-se uma potência industrial média já ao final doSéculo XIX, com especial projeção diante dos seus vizinhos do ExtremoOriente.

Introdução• No Reino Unido, embora mantida a tradição do livre comércio unilateral,

havia indícios, como a aprovação da Convenção do Açúcar (que proibiaa importação de açúcar vinda da Alemanha, da Dinamarca, da Espanhae da Argentina), de 1902, e a campanha de 1903, de JosephChamberlain e da “Tariff Reform League”, pelo incremento da proteção,inclusive pela criação de um sistema imperial de preferências aospaíses da Commonwealth of Nations, daquilo que Jagdish Bhagwati(1993, p. 33) menciona como “síndrome do gigante diminuído”,especialmente pelo crescimento do poder econômico e concorrencialdos novos industrializados protecionistas, como Alemanha e EstadosUnidos (BHAGWATI, 1993, p. 27). Em ocasiões que tais, palavras comoreciprocidade e comércio justo começam a ser a tônica dos discursospolíticos, e não foi diferente no panorama britânico do início do SéculoXX.

• Como afirma Gerard Curzon (1965, p. 20), se olharmos para asprincipais nações às vésperas da Primeira Guerra Mundial, veremosque todas, Reino Unido, Alemanha e França, tinham, em maior oumenor grau, manifestado uma tendência a adotarem políticas maisfortemente protecionistas.

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Introdução• A declaração de guerra em 1914 desestruturou completamente a já

então intrincada rede de tratados de comércio internacional existente.Além disso, o comércio entre os países passou a ser controlado, com ofim de que não se transferisse renda para os inimigos, sem falar naredução natural diante do esforço de guerra. Gerard Curzon (1965, p.20) informa que, em 1917, os aliados resolveram instituir um sistemasupranacional de compras das principais commodities.

• Ao final da Primeira Guerra Mundial, em 1918, percebeu-se anecessidade de implantar um sistema completamente renovado detratados de comércio internacional, muito por conta do fracionamentodos dois grandes impérios ocidentais, o alemão e o austro-húngaro.Com isso, os novos pequenos países recém-criados, como esclareceGerard Curzon (1965, p. 21), passaram a ser muito zelosos de suaidentidade cultural, com o que vieram a valorizar as suas indústriaslocais e a buscar maior autonomia comercial. Sem falar na necessidade,dos países centrais, em soerguer os seus parques industriais e, porquenão dizer, as suas economias como um todo, devastadas pelo longoconflito. O ambiente, portanto, não se verificava propício a ideias liberaisem termos de comércio exterior.

Introdução• Exemplo disso é a lei britânica de 1921, o “The Safeguarding of

Industries Act”, que impunha um encargo de 33,3 %, ad valorem, emnove categorias de produtos fundamentais à vitória bélica, assim comocriava mecanismos antidumping, em função dos baixos preços dospaíses de origem, cujas moedas haviam tido seu valor cambialdepreciado com a crise pós-guerra, como era o caso da Alemanha daRepública de Weimar.

• Nos Estados Unidos, por conta da pressão dos fazendeiros americanos,ainda descontentes como a liberalidade da “Underwood-SimmonsTariff”, de 1913, no mesmo ano de 1921 foi promulgada a “TheEmergency Tariff”, como uma medida temporária para aumentar asalíquotas de importação do trigo, do açúcar, da carne, da lã e de outrosprodutos agrícolas, como meio de aumentar a renda do setor diante daqueda da demanda internacional.

• Foi substituída, no ano seguinte, em 1922, pela “Fordney-McCumberTariff”, norma que, segundo Curzon (1965, p. 23), introduziu tão extremograu de proteção que eliminou qualquer esperança dos paísesdevedores das reparações de guerra em adimpli-las por meio dasreceitas de exportação.

Introdução• Até 1925, informa Curzon (1965, p. 24), os tratados eram poucos e de

limitada duração e a cláusula de nação mais favorecida incondicionalque, antes da guerra, havia sido amplamente difundida, agora não maisera efetivamente utilizada. As diversas tentativas de estabilizar a ordemeconômica de então, como, por exemplo, a Conferência EconômicaMundial, de 1927, no seio da Liga das Nações, em Genebra, foraminfrutíferas. Essa conferência, a propósito, veio a ser convocadaespecificamente para recomendar aos países pertencentes àorganização internacional (da qual o Brasil já havia se desfiliado) umaredução coletiva de encargos aduaneiros. Na ocasião, foi elaborada a“International Convention on the Abolition of Import and ExportProhibitions”, assinada por vinte e nove Estados, mas jamaispropriamente colocada em prática.

• Na campanha eleitoral de 1928, Herbert Hoover, o candidatorepublicano, partido então tradicionalmente protecionista e que tinhasido veementemente contrário à “Underwood-Simmons Tariff”, de 1913,foi enfático em manifestar seu apoio aos agricultores. Porém, uma veziniciado o respectivo processo legislativo, ficou difícil conter o furorrevisionista da pauta aduaneira no Congresso americano.

Introdução

• Com a derrocada generalizada de Wall Street, em 1929, a situaçãopiorou. O setor agrícola americano foi o primeiro a sofrer com adepressão econômica, especialmente agora com a concorrência cadavez maior dos países não europeus. E, com isso, o seu poder depressão política entrou em cena mais uma vez.

• Aos agricultores se juntaram, a partir de então, os industriais, afundadosem dívidas, e os trabalhadores, diante do desemprego que grassava. Oproduto dessa circunstância foi promulgado em junho de 1930, a“Smoot-Hawley Tariff”, que elevou de 38,2 % para 55,3 % o nível médiodos impostos aduaneiros cobrados pelas autoridades norte-americanas.A alíquota efetiva de mais de 3.200 produtos passou a ser maior do que60 %, o quádruplo do valor anterior.

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Introdução• A circunstância de a “Smoot-Hawley Tariff” não se poder justificar

segundo os argumentos protecionistas clássicos, procurando apenasreduzir as importações, ao lado do fato de o balanço de pagamentosnorte-americano não ser, nessa época, deficitário, acentuaram emdefinitivo a irritação dos países terceiros, especialmente na Europa, pelainstauração da nova tarifa aduaneira, manifestação de um egoísmoindigno a uma nação próspera (BHAGWATI, 2000).

• O aumento de 1000 % dos encargos aduaneiros sobre a castanha decaju, mencionado por Pedro Mota (2005, p. 17), é plenamenteelucidativo, dado que se tratava de um bem não produzido nos EUA.

• Pedro Mota (2005, p. 17) também menciona comentários no sentido deque “o espetáculo de ver a principal nação credora com um excedentecomercial a adotar uma pauta altamente protecionista era absurdo” (cf.Richard POMFRET, The Economics of Regional Trading Arrangements,Clarendon Press, Oxford, 1997, p. 38, apud).

Introdução• Tendo sido uma iniciativa do Senador Reed Smoot, de Utah, e do

Deputado Willis C. Hawley, do Oregon, ambos republicanos, a “Smoot-Hawley Tariff” contou com a severa oposição dos democratas e foiobjeto, ainda em maio de 1930, de um abaixo-assinado subscrito por1.029 economistas, entre os quais se contavam Frank Taussig, PaulHoward Douglas, Frank Graham e Irving Fisher, clamando aoPresidente para que vetasse o projeto de lei.

• O resultado da sanção dessa lei foi um agravamento da depressãoeconômica ocorrida no ano anterior e uma autêntica corrida aoprotecionismo, entendido como tal o fato de os encargos aduaneirossofrerem aumentos em vários países, ao mesmo tempo em que muitospaíses passaram a recorrer a controles cambiais e a restriçõesquantitativas.

• Para se ter uma idéia, antes mesmo de a “Smoot-Hawley Tariff” entrarem vigor, mas já em função dos debates em torno dela, o grandeparceiro comercial americano, o Canadá, em maio de 1930, impôsencargos aduaneiros a 16 produtos que correspondiam a cerca de 30 %das exportações dos EUA ao seu vizinho do norte.

Introdução• Tal chegou ao ponto de que, em 1932, durante um mês, entre julho e

agosto, representantes do Reino Unido, até então, como se viu, ogrande baluarte do livre comércio, assim como dos seus domíniosautônomos (principalmente Austrália, Canadá, Nova Zelândia e Áfricado Sul) e suas colônias, terem participado de uma conferência, aCommonwealth Conference on Economic Consultation and Co-operation (ou “British Empire Economic Conference”), em Ottawa, noCanadá, criada com a finalidade de discutir os efeitos da depressãoeconômica nos seus países membros, ao final do qual foi celebrado umtratado que estabelecia um sistema de preferências no seio daCommonwealth of Nations (a “Imperial Preference”), criando uma Zonade Livre Comércio (a “Imperial Free-Trade Zone”).

• Noticia-se que houve então uma cisão no governo britânico em funçãodo resultado da conferência, em que muitos dos seus componentes, depostura liberal, rejeitavam a iniciativa. Essa conferência entrouparticularmente para a História por conta da adoção de práticaskeynesianas, como a diminuição de taxas de juros, o incremento dosuprimento de moeda e a expansão dos gastos públicos.

Introdução• Alguns meses antes, em fevereiro de 1932, o Reino Unido havia

estabelecido a sua primeira pauta aduaneira geral desde meados doséculo XIX (quando da revogação das “Corn Laws”), o “Import DutiesAct”. Introduziu a alíquota geral de 10 % para todas as importações, àexceção de gêneros alimentícios e matérias-primas. As regiões sob odomínio britânico, assim como a Índia e a Rodésia do Sul, foram isentosdesse imposto até 15 de novembro de 1932, no aguardo daimplementação do sistema de preferências imperiais.

• Assim também aumentaram as suas incidências na importação paísescomo Cuba, França, Austrália, China, Índia, e Itália, apenas para citaralguns (CURZON, 1965, p. 25).

• Sob a liderança do Presidente do Reichsbank, Hjalmar Schacht, aAlemanha nazista também concluiu uma série de acordos bilateraisreducionistas com países da Europa Central que, efetivamente, criaramum novo bloco regional, de modo a orientar as suas políticas comerciaisem torno da Alemanha.

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Introdução• O caráter deletério da onda protecionista que varria o mundo ocidental

no período entre-guerras pode ser aferido do estudo das conseqüênciasnefastas desses acontecimentos que, segundo os historiadores,agravaram ainda mais a depressão econômica e concorreram para oeclodir da Segunda Guerra Mundial.

• Com a redução acentuada do comércio internacional e da atividadeeconômica, o que se produziu foi o prejuízo à posição dos moderadosem relação aos nacionalistas no Japão e a facilitação do caminho para avitória eleitoral dos nazistas na Alemanha em 1932, já que, no períodode 1929 - 1932, o valor das trocas comerciais mundiais diminuiu cercade 50 % e, entre 1929 e 1933, o PNB real dos principais paísesindustrializados caiu 17,7 %, o volume de exportações 35,3 % e ovolume de importações 23,5 % (MOTA, 2005).

Introdução• Embora Jagdish Bhagwati (2000) entenda que a questão comercial teria

sido apenas mais uma causa para a instabilidade política da época,alguns como Richard Cooper (1988, p 291 - 292) defendem que assementes do segundo conflito mundial, no Extremo Oriente e na Europa,foram plantadas pela assinatura da “Smoot-Hawley Tariff” pelo presidenteHerbert Clark Hoover, o que teria sido “o erro mais desastroso alguma vezcometido por um presidente dos Estados Unidos no âmbito das relaçõesinternacionais”, o que decerto contribui para a sua fama de ter sido um dospiores presidentes da história dos Estados Unidos da América. Naspalavras de Marcelo de Paiva Abreu (2008, p. 1), alguém que concorrecom George W. Bush ao título de “lame duck” mais oneroso da história.

• A “Smoot-Hawley Tariff”, hoje um símbolo dos perigos do protecionismoexacerbado, marcou o fim da linha desse tipo de políticas nos EstadosUnidos, ao menos até o “Omnibus Trade and Competitiveness Act”, de1988, no governo Ronald Reagan, novamente um republicanoconservador. Sua importância, não obstante, para o nosso estudo, éfundamental, pois do seu fracasso adveio uma nova postura dos EstadosUnidos em procurar a liberalização comercial por meio de acordosbilaterais e, principalmente, pela construção de um sistema regulatóriomultilateral.

Introdução• A primeira manifestação dessa nova postura foi o “Reciprocal Trade

Agreements Act”, de 12 de junho de 1934. Por seu intermédio, oPresidente Franklin D. Roosevelt estava autorizado, por um prazo fixo detempo, a negociar, em bases bilaterais, concessões tarifárias com outrospaíses em até 50 %, desde que houvesse reciprocidade. Incluía aautorização para aduzir a cláusula de nação mais favorecida nos tratados.

• Foi uma resposta inteligente à “Smoot-Hawley Tariff”, e consistiu em umadelegação do Poder Legislativo ao Executivo americano, diante de suaincompetência em criar uma política comercial coerente e eficaz. Cabia aoCongresso Nacional apenas referendar, ou não, o ato celebrado peloplenipotenciário do Poder Executivo.

• Também trazia implicitamente em seu bojo a assunção, por parte dogoverno americano, da verdade de que uma liberalização comercial multi,ou ao menos plurilateral, em plena época de depressão, seria dificilmenteacompanhada de apoio popular.

• Por meio desse instrumento, foram negociadas concessões tarifárias commais de vinte países, até o eclodir da Segunda Guerra Mundial,predominantemente com países da América Latina, cujos produtos nãoeram competitivos com os americanos, mas também com o Canadá e oReino Unido.

Introdução• Tais acordos bilaterais alcançam também grande relevância porque foram

os embriões, inclusive no que se refere à redação convencional, dascláusulas principais do GATT.

• Não obstante, mesmo tendo sido realizados sob a condução da naçãomais importante do mundo já à época, tais iniciativas não conseguiramreverter a tendência protecionista mundial que havia se consolidado apósa eclosão da Primeira Guerra Mundial. Não se pode esquecer, contudo,que, mesmo mediante concessões recíprocas, as alíquotas efetivasamericanas ainda continuavam muito altas.

• Por trás dessa inflexão na postura americana, mais do que a subida aopoder, em 1932, de Franklin Delano Roosevelt, mais até do que aimplementação de sua política com traços keynesianos, a “New Deal”,alcança proeminência em realidade a assunção do cargo de Secretary ofState por parte de Cordell Hull, em 1933. Como explica Gerard Curzon(1965, p. 26), nascida unicamente da concepção de Hull, a políticacomercial externa americana visava a recuperar o setor exportadoramericano por meio da política de barganhas. Mas, contrariamente aoNew Deal, segundo Curzon, tencionava na verdade reduzir a intervençãoestatal no comércio exterior, desfazendo o equívoco de 1930, quatro anosantes.

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Introdução• Embora Cordell Hull tenha recebido o Prêmio Nobel da Paz, em 1945, por

seu papel na criação da Organização das Nações Unidas, a ponto de oPresidente Franklin Delano Roosevelt qualificá-lo de “Pai das NaçõesUnidas”, deve-se concordar com a afirmação de Douglas Irwin, PetrosMavroidis e Alan Sykes (2008, p. 12) de que o seu grande objetivo de vidasempre foi o de assegurar a liberalização do comércio em nível mundial.Como um democrata e sulista (do Tennessee), tinha ancestralmente umaposição contrária ao protecionismo do norte, e foi o responsável, quasesolitário, pelo reposicionamento da política comercial dos Estados Unidos,a partir de 1933. Além disso, embora tenha saído da Secretaria de Estadoem novembro de 1944, por motivos de saúde, um pouco antes da mortedo presidente a quem era fiel, foi a inspiração para os esforços do pós-guerra que redundaram no Acordo de Bretton Woods e, sem qualquersombra de dúvidas, foi o mais importante responsável individual pelo queposteriormente veio a ser o GATT (IRWIN; MAVROIDIS; SYKES, 2008, p.12).

Introdução

• A grande fonte de insatisfação de Cordell Hull, no entender de DouglasIrwin, Petros Mavroidis e Alan Sykes (2008, p. 10), e que foi um dosmotores para as negociações que redundaram no GATT, foram aspreferências imperiais, que causavam fortes impactos negativos nosnegócios americanos, porque reduziam a competitividade dos produtosamericanos no Reino Unido e no Canadá, os dois mais importantesmercados americanos.

• Um acordo reciproco de comércio, assinado em 1938, de resultadoslimitados (IRWIN; MAVROIDIS, SYKES, 2008, p. 10 – 11), chegou aser efetivado apenas por poucos meses, no ano de 1939, antes doReino Unido entrar em guerra.

Introdução• Embora não tenha participado diretamente das negociações do GATT

propriamente, pode-se dizer que, durante os onze anos em que esteveà sua frente, Cordell Hull conferiu uma marca ao Departamento deEstado americano como ele nunca havia tido em sua história. Afinal decontas, foi o Secretary of State que mais tempo permaneceu à frente doDepartamento, sempre com a sua forte convicção ideológica pela paz epela liberdade de comerciar (IRWIN; MAVROIDIS, SYKES, 2008, p. 10– 11). Além disso, a redação das disposições convencionais celebradaspelos Estados Unidos durante a sua gestão foi se aprimorando, sendopartes relevantes das cláusulas do GATT já perceptíveis nos acordos dofim da década de 30 do Século XX (IRWIN; MAVROIDIS, SYKES, 2008,p. 12).

• Além disso, outra contribuição relevante para o texto do GATT, do ladobritânico, foi o “Proposal for an International Commercial Union”, escritoem 1942, da lavra do economista inglês James Meade, então na SeçãoEconômica do War Cabinet Secretariat, que foi submetido ao Board ofTrade de então.

Introdução• A relação direta entre tarifas aduaneiras elevadas, radicalização de

posicionamentos políticos e conflitos militares levou a que, aindadurante o conflito mundial, a Carta do Atlântico, discutida entre oPrimeiro Ministro britânico Winston Churchill e o Presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt, e destinada a definir os grandesprincípios em que devia assentar a organização econômica e política doMundo depois da Guerra incluísse, no seu ponto quarto, a intenção dosseus governos de garantir o acesso, em igualdade de condições, detodos os Estados, grandes ou pequenos, vencedores ou vencidos, aocomércio e às matérias-primas do mundo necessárias à suaprosperidade econômica.

• Não se deve esquecer que um dos fatores que conduziram à guerra foio fato de que tanto a Alemanha como o Japão colocavam, como umadas reivindicações das suas políticas, o livre acesso às matérias-primasque os aliados lhes negaram, como resquício do período colonial doqual não se beneficiaram, em que as colônias, fornecedoras dematérias-primas, tinham o seu comércio monopolizado pela metrópole.

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Introdução• Os propósitos da Carta do Atlântico foram, posteriormente, ratificados

pelos representantes dos 26 Estados signatários da Declaração dasNações Unidas, no dia 1º de janeiro de 1942.

• Foi também durante o conflito, mais precisamente em 23 de fevereiro de1942, que se deu o segundo passo importante na definição dosobjetivos econômicos a serem observados depois do final da guerra, pormeio da celebração do acordo anglo-americano de auxílio mútuo(“Anglo-American Mutual Aid Agreement”), cujo art. VII previa “aeliminação de todas as formas de tratamento discriminatório nocomércio internacional, a redução das tarifas aduaneiras e demaisbarreiras comerciais”.

• Esse preceito, repetido em todos os acordos de auxílio mútuocelebrados posteriormente pelos EUA (assim como no art. 1º, nº. 4, daCarta de Havana e no preâmbulo do GATT de 1947), tornou-se, então,o embrião do princípio de não-discriminação, no entender de GerardCurzon (1965, p. 57), “o mais importante conceito isolado a informar oGATT” e o pilar básico a caracterizar as relações econômicas mundiaisno período pós-guerra.

Introdução• Passou a ser um princípio multilateral e não apenas restrito aos dois

países anglo-saxões, uma vez que o ponto quinto da Carta do Atlânticodispunha que os EUA e o Reino Unido desejavam promover, no âmbitoeconômico, a mais ampla colaboração entre todas as nações, a fim de seconseguir, para todos, melhores condições de trabalho, prosperidadeeconômica e segurança social.

• Como afirma Robert Hudec (1975, p. 7 - 8), as discussões no período deguerra, que foram a base dos trabalhos que geraram as negociaçõessobre o sistema da futura Organização Internacional do Comércio e doGATT, consistiram predominantemente em questões restritas aos EstadosUnidos e ao Reino Unido, com base no Artigo VII acima referido. Nelas,sempre os americanos tentando repetir as experiências com base no“Reciprocal Trade Agreements Act”; os britânicos, querendo impor omodelo convencional multilateral concebido por James Meade.

• Tais propostas, segundo Robert Hudec, no mesmo trecho, mostraram-se,com as negociações posteriores, claramente complementares. JohnHoward Jackson e William Davey (1986, p. 294) afirmam, por seu lado,que as fraquezas da perspectiva bilateral cada vez mais se tornavamevidentes, sendo que o seu único remédio seria a extensão da avença aoutros países de participação relevante no comércio internacional.

Introdução• Como afirma Robert Hudec (1975, p. 4), logo após a Segunda Guerra

Mundial, havia um sentimento unânime de que as diversas políticascomerciais nacionais nos anos 20 e 30 do Século XX foram desastrososerros e que se deveria evitar que tais situações novamente se repetissem,sob pena de se verem renascidas tensões potencialmente belicosas. ParaBernard Hoekman e Michel Kostecki (2001, p. 24), logo após a SegundaGuerra Mundial ainda eram muito vívidas as lembranças negativas dosefeitos das políticas to tipo “beggar-thy-neighbor” do período entreguerras, especialmente da década de 30 - na tradução em português,“empobrecer o vizinho” (ABREU, 2008, p. 2). Consiste na políticacomercial predatória de resolver os seus deficits comerciais mediantecomportamentos protecionistas, em detrimento da balança comercial dospaíses com quem costuma comercializar.

• Segundo Robert Hudec (1975, p. 5 - 6), a primeira lição, para ele evidente,tirada da experiência histórica, foi a de que políticas comerciais baseadasnas restrições ao livre comércio e na discriminação sempre conduziriam aresultados negativos. Assim, no seu entender, as experimentaçõesgovernamentais, tomadas em âmbito geral e não apenas nonorteamericano, provaram que não deveriam jamais ser prevalentes àsformulações teóricas da doutrina econômica.

Introdução• Foi no intuito de cumprir essa missão de paz pelo comércio que, depois

de várias conferências convocadas sob os auspícios do ConselhoEconômico e Social das Nações Unidas, as propostas dos EstadosUnidos tomaram a forma de um projeto de carta constitutiva de umaOrganização Internacional do Comércio (a chamada Carta de Havana).Tal Organização, que deveria funcionar como uma instituiçãoespecializada das Nações Unidas, tinha como ambição principalorganizar as relações comerciais internacionais em moldesverdadeiramente novos. Participaram da discussão sobre os seustermos um total de cinquenta e seis países.

• Nesse sentido, a Carta de Havana estabelecia um verdadeiro código deconduta para o comércio internacional e abordava, pela primeira veznuma perspectiva mundial, as questões do desenvolvimento econômico(arts. 8º a 15º) e das práticas comerciais restritivas (arts. 46º a 54º),tencionando realizar o duplo objetivo de expansão do comércio mundiale do emprego.

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Introdução

• Para tanto, a referida organização internacional pretendia empregar odesenvolvimento da produção, do consumo e das trocas; o auxílio eestímulo ao desenvolvimento industrial, assim como ao desenvolvimentoeconômico em geral, especialmente em relação aos países cujodesenvolvimento industrial estava ainda no seu começo; oencorajamento do movimento internacional de capitais destinados aosinvestimentos produtivos; o acesso de todos os países, em condições deigualdade, aos mercados, às fontes de aprovisionamento e aos meios deprodução necessários à sua prosperidade e ao seu desenvolvimentoeconômico; a redução dos direitos aduaneiros e outros entraves aocomércio internacional, assim como a eliminação das discriminações emmatéria de comércio internacional; e a cooperação no seio daOrganização Internacional do Comércio, com vista à solução dosproblemas que interessavam ao comércio internacional nos domínios dodesemprego, do desenvolvimento econômico, da política comercial, daspráticas comerciais restritivas e da política dos produtos de base.

Introdução

• Robert Hudec (1975, p. 14) pontua que a sugerida carta claramenterefletia os interesses do governo que a apresentou, o americano. Assim,as regras mais rigorosas eram justamente aquelas que a práticacomercial americana não costumava contrariar. É o caso evidente dacláusula do Tratamento Nacional, que veremos mais profundamenteadiante, até por conta da preocupação dos americanos com aspreferências britânicas à Commonwealth.

• Ademais, outras normas, como a proibição das restrições quantitativas,possuíam exceções mais restritas do que tratados anteriores, como nocaso, por exemplo, dos problemas com a balança de pagamentos. Poroutro lado, as determinações que teriam o potencial de atingir políticascomerciais habitualmente empregadas pelos Estados Unidos, como aeliminação de subsídios à exportação e o tratamento diferenciado àagricultura, eram consideravelmente mais relaxadas.

Introdução

• Assim é que a sugestão de carta proibia qualquer subsídio à exportaçãoque tornasse os preços dos produtos exportados menores que os preçospraticados no mercado interno, a menos dos produtos em crônicasuperoferta, situação em que estaria a maioria dos produtos agrícolasamericanos. Além disso, a norma proposta atribuía ao país deexportação a determinação das condições de mercado tomadas para averificação da implementação dessas exceções.

• Como informa Robert Hudec (1975, p. 15), houve forte oposição a essadisposição. Assim, o texto final da Carta de Havana acabousolucionando o caso basicamente adotando a redação sugerida pelosamericanos, mas introduzindo a listagem de um conjunto de medidasconsideradas subsídios a produtos primários. Os Estados Unidos, nareunião, informa, haviam feito esforços para persuadir os demaisparticipantes que o Congresso Nacional dos EUA não aceitaria jamaisoutra fórmula.

Introdução• O que se pode depreender desses relatos factuais é que, enquanto os

governos britânico e americano concordavam com os mais básicosprincípios a serem fundamentos do acordo comercial, discordavam emaspectos substantivos que afetavam a forma final do tratado, como ossubsídios à exportação, acima mencionados. Por seu lado, os EstadosUnidos eram francamente contrários a qualquer discriminação comercial,exigindo que o sistema de preferências imperial fosse desmantelado, aopasso que o Reino Unido tencionava principalmente a redução dosencargos americanos, ainda muito altos em função da “Smoot-HawleyTariff”, de 1930.

• Deve-se recordar, como bem aponta Andreas Lowenfeld (2008, p. 7,nota de rodapé nº 6), que as preferências do Império Britânico àCommonwealth of Nations foram preservadas, embora congeladas,pelos Artigos I:2(a), I:4, XIV:5(b) e pelo Anexo A.

• Enquanto não havia consenso sobre um tratado multilateral sobrecomércio internacional, esses dois países concordaram com umdocumento que serviria como base para uma negociação posterior, eque conformaria por então apenas um arcabouço legal para a políticacomercial multilateral.

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Introdução• Por outro lado, foram negociados diversos acordos bilaterais acerca de

concessões tarifárias, cujos benefícios deveriam ser estendidos aosdemais países por conta do tratamento geral de nação mais favorecida.

• Alcançado esse consenso, enquanto o projeto de criação de umaOrganização Internacional do Comércio ainda se encontrava emdiscussão, com poucas perspectivas de sucesso, dada as discordânciasentre os dois principais, foram convidados, inicialmente quinze eposteriormente vinte e um outros países, além daqueles dois, que naépoca representavam em conjunto mais de 80 % do comércio mundial(IRWIN, 1995), entre eles o Brasil, na sessão de encerramento daConferência de Londres, de setembro de 1946 (CURZON, 1965, p. 32),a participar das negociações para redução das fortes barreiras aocomércio então existentes e a dar opiniões no esboço de regramento,nas conferências seguintes.

Introdução• Assim é que foram realizadas ainda discussões sobre ambos os tratados

na Conferência de Nova York, de fevereiro de 1947, até se encerrarem,em 30 de outubro, durante a terceira conferência, realizada em Genebra,no Palais des Nations. Assim, como afirma Gerard Curzon, a experiênciabilateral de cooperação, no período da Segunda Guerra Mundial, entreEstados Unidos e Reino Unido, havia se transformado em um sistemamultilateral, embora provisório (1965, p. 33).

• Com esse intuito, francamente menos pretensioso que o da Carta deHavana, destacaram do projeto de carta constitutiva o capítulo IV,referente à política comercial, que foi revisto e melhorado, tornando-se oAcordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio, mais conhecido pelasigla GATT, da sua sigla em inglês. Esse acordo, que tinha comoobjetivo essencial servir de guia ao comércio internacional até a entradaem funcionamento da Organização Internacional de Comércio, começoua vigorar provisoriamente no dia 1º de janeiro de 1948.

Introdução• Para viabilizar a entrada rápida em vigor desse tratado provisório,

especialmente no que tange às concessões tarifárias (IRWIN;MAVROIDIS, SYKES, 2008, p. 105), Robert Hudec (1975, p. 45 - 46)pondera que o GATT (um “provisional” que acabou vigendosolitariamente por quase cinquenta anos e, atualizado, até hoje, mais desessenta anos depois), tinha que eliminar problemas de ratificação porparte dos países signatários. Assim, teria que ser entendido comomeramente um acordo comercial, para ser dessa forma submetido aoCongresso Nacional americano, provavelmente o local onde o tratadoteria maiores problema em ser internalizado, mediante tramitaçãolegislativa mais célere.

• Fora isso, aponta Robert Hudec, dois grandes problemas tiveram de serresolvidos para enfrentar os problemas quanto à sua viabilidade noslegislativos nacionais. O primeiro, a possibilidade de haver colisões comos ordenamentos internos, foi mitigada pela qualificação do GATT comonorma transitória, o que era garantido pela vinda em anexo de umprotocolo de aplicação provisória que, à exceção dos compromissostarifários e do tratamento geral de nação mais favorecida, permitia aimposição de reservas.

Introdução• O segundo tratava-se de evitar a qualificação do GATT como uma

organização internacional no sentido formal, até para que não fosse vistacomo uma substituta disfarçada da natimorta OIC, sem falar do fato quenão deveria gerar muitos gastos aos países que o assinaram. Nãoobstante, seria necessário um mínimo de estrutura organizacional, atépara garantir minimamente a sua eficácia. Para esse problema, asolução foi conferir o poder decisório a um virtual grupo coletivo departes contratantes, cujas decisões equivaleriam, na prática, a de umente com personalidade jurídica de Direito Internacional.

• No exercício dessas funções, esse grupo se denominaria PARTESCONTRATANTES, sendo que a referência em letras maiúsculasindicaria o seu caráter de entidade coletiva.

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Introdução• Enquanto isso, para entrar em vigor, a adesão à Carta de Havana

deveria ser ratificada, no mínimo, por 20 dos governos que assinaram aAta Final da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Emprego(art. 103°, nº 2, da Carta), o que nunca se verificou.

• A razão disso foi que, dada a admissão, pela Carta de Havana, depráticas protecionistas, ainda que excepcionais, o que lhe dava um certocaráter contraditório (KRUEGER, 1999), o Congresso Nacional dos EUA,seus grandes mentores, recusaram a sua ratificação. Segundo PedroMota, a isso se somou a limitação excessiva da sua margem demanobra em termos comerciais prevista na Carta, a imensa satisfaçãodos EUA com o funcionamento do GATT no início e a situação deguerra-fria que se tinha instalado, e que levou os EUA a dar primazia aocomércio com os seus aliados da Europa Ocidental.

• Com a recusa dos EUA, os países mais importantes abandonaram oprojeto, definitivamente posto de lado em 1951, com o que perdurou oGATT, durante 47 anos, como instrumento principal de enquadramento,de liberalização e de multilateralização do comércio internacional, o quese pode verificar do crescimento do número de suas partes contratantes,das 23 iniciais para 128 em finais de 1994.

Introdução• São conhecidos, na história do Direito Internacional do Comércio, os

episódios que caracterizaram a oposição doméstica, nos EstadosUnidos, à ratificação do tratado internacional que instituía a OIC, quevieram a tornar inúteis os esforços do presidente Harry Truman emconseguir sua aprovação do Congresso Nacional americano. Haviainúmeros opositores da OIC na comunidade de negócios americana, queentendiam que a Carta de Havana (“Havana Charter for an InternationalTrade Organization”) falhava em proteger adequadamente osinvestimentos internacionais do país assim como não reconheciasuficientemente os interesses americanos no processo de votação daOIC. Tal foi a pressão sobre os congressistas que o presidente Trumandecidiu, em 1951, não submeter a Carta da OIC, de Havana, aoCongresso para ratificação, com receio do desgaste político que poderiaser gerado de sua derrota. Como o sucesso da OIC dependia daparticipação dos Estados Unidos, o projeto não foi à frente.

Introdução• Desde então realizaram-se oito rodadas completas de negociações

comerciais multilaterais: Genebra (1947); Annecy, na França (1949);Torquay, no Reino Unido (1950 - 1951); Genebra (1956); Genebra,também conhecido por Rodada Dillon (1960 - 1961); Rodada Kennedy(1964 - 1967); Rodada Tóquio (1973 - 1979) e Rodada Uruguai (1986 -1994).

• A primeira rodada, realizada em Genebra e que produziu, como vimos, aassinatura do GATT, envolveu aproximadamente quarenta e cinco milconcessões tarifárias trocadas, cobrindo cerca de metade do comérciointernacional na época. As duas rodadas posteriores, Annecy e Torquay,consistiram fundamentalmente em negociações quanto a acessões (naprimeira, nove países aderiram ao GATT; na segunda, mais outrosquatro). No entanto, no início da década de 50 do Século XX, quatropaíses já haviam denunciado o tratado, dos quais três haviam sidoPartes Contratantes originárias (China, Líbano e Síria).

• Embora a rodada de Genebra também não tenha sido tão efetiva emproduzir cortes tarifários, ainda assim em meados da década de 50 aalíquota na importação média ponderada dos principais paísesindustrializados havia alcançado a marca de redução a 15 %(HOEKMAN; KOSTECKI, 2001, p. 103).

Introdução• A Rodada Dillon, assim nomeada em homenagem ao Secretário de

Estado americano que a convocou, chegou a resultados modestos,embora dela tenham participado trinta e quatro países, já contando coma participação do Japão, que teve seu acesso ao sistema autorizado em1955. Apenas quatro mil e quatrocentas concessões tarifárias foramentão efetivamente trocadas.

• Na verdade, a rodada, a primeira após o Tratado de Roma e a formaçãoda então Comunidade Econômica Europeia, pretendia evitar oprotecionismo europeu e tratar da convivência do sistema multilateralcom esse primeiro grande sistema regional, inclusive prevendomecanismos compensatórios bilaterais. Porém, o resultado foi o de que,especialmente em áreas como a agrícola, a rodada não garantiuconcessão tarifária alguma.

• Importante é ressaltar que, até a Rodada Dillon, a técnica de negociaçãoempregada foi a predominantemente a que a literatura (HOEKMAN;KOSTECKI, 2001, p. 125) denomina “item-a-item”, que consiste emnegociações bilaterais baseadas em requerimentos e ofertas.

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Introdução

• Embora à época o sistema GATT já possuísse setenta e quatromembros, apenas quarenta e seis participaram da Rodada Kennedy, queteve como aspecto relevante a alteração da técnica de negociação, peloemprego do corte linear de tarifas. Implica uma percentagem de reduçãoidêntica para todos os setores econômicos, mediante um cálculo comoT2 = rT1, sendo T1 a alíquota inicial e T2 a alíquota final; r um coeficientede redução entre 0 e 1 – no caso da Rodada Kennedy, de 35 %. Outrainovação foi o início das discussões sobre assuntos não-tarifários,acabando pela elaboração de um Código Antidumping e um acordosobre valoração aduaneira.

Introdução

• Na Rodada Tóquio, já com a participação de noventa e três países,representando mais de noventa por cento do comércio mundial(HOEKMAN; KOSTECKI, 2001, p. 104), foram incluídos mais cerca detrinta e três mil itens tarifários, com o estabelecimento das respectivasconsolidações, com o que a alíquota na importação média ponderadados principais países industrializados havia sido reduzida a 6 %. Foitambém mais efetiva na harmonização dos sistemas tarifários, peloemprego de uma fórmula, que visava a cortar os picos tarifários de formamais incisiva do que os vales, chamada fórmula suíça: T2 = RT1/R + T1,sendo R um coeficiente entre 14 e 16. Na Rodada Tóquio foi tambémpatente a ampliação do escopo do Direito Internacional do Comércio,passando a abranger áreas completamente diferenciadas dos aspectosmeramente tributários, pela introdução e adoção dos acordoscomplementares.

Introdução

• Como o GATT, não obstante o êxito alcançado, apenas possuía normasfundadas precipuamente no princípio de não-discriminação, em brevecomeçou a revelar sinais de esgotamento e de falta de capacidade paragerir as cada vez mais, complexas relações comerciais internacionais(SALVATORE, 1993). Na sessão ministerial realizada em novembro de1982, chegou-se à constatação do fato de que estava havendo umaacentuação das tensões comerciais, especialmente em decorrência daslacunas existentes no sistema de então, já que importantes domínios docomércio internacional não se encontravam regulamentados, como osserviços e os ativos intangíveis, ou se encontravam à margem dasregras comerciais multilaterais, como a agricultura e os têxteis, o quepunha em evidência a necessidade de uma reforma profunda do sistemacomercial multilateral.

• Visando dar resposta a estes problemas, iniciou-se oficialmente em 20de setembro de 1986, em Punta del Este, no Uruguai, o ciclo denegociações comerciais multilaterais mais ambicioso e complexo detodos – a Rodada do Uruguai.

Introdução

• Tal ciclo ficou marcado por dois compromissos fundamentais: por umlado, cada participante nas negociações comerciais multilateraisconcordou em não tomar qualquer medida no sentido de restringir oufalsear as trocas comerciais que se revelasse incompatível com asdisposições do GATT ou dos instrumentos negociados no âmbito doGATT ou sob os seus auspícios, no sentido de melhorar a sua posiçãode negociador (a chamada cláusula standstill);

• Por outro lado, todas as medidas que limitassem ou falseassem astrocas incompatíveis com as disposições do GATT ou dos instrumentosnegociados no âmbito do GATT ou sob os seus auspícios deveriam serprogressivamente eliminadas ou tomadas conformes às ditasdisposições, o mais tardar até a conclusão oficial das negociações (achamada cláusula roll-back).

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Introdução• Com a sua entrada em funcionamento no início de 1995, a Organização

Mundial do Comércio, criada em conseqüência das deliberaçõesalcançadas na Rodada Uruguai, ao lado de seus acordoscomplementares, passaram a constituir o fundamento institucional ejurídico do sistema comercial multilateral, consagrando não só osprincípios que devem nortear a atividade dos governos em matéria decomércio internacional, de cunho evidentemente liberal, mas também oquadro institucional ao abrigo do qual as relações comerciais entre ospaíses devem evoluir.

• A Rodada do Uruguai representou uma mudança significativa nanatureza e na estrutura do sistema comercial multilateral.

Introdução

• Por comparação com o GATT de 1947, o qual não abarcava todos ossetores do comércio internacional nem todas as restrições passíveis dedificultar as trocas entre os países, o alcance material do sistemacomercial multilateral passa a ser, com a entrada em funcionamento daOMC, consideravelmente mais amplo, trazendo de volta ao sistemasetores antes marginalizados, como a agricultura, os têxteis e ovestuário, incluindo regulamentações obrigatórias para todos osmembros em domínios como os obstáculos técnicos ao comércio, asmedidas antidumping, as subvenções e as medidas de compensação, asmedidas de salvaguarda, as regras de origem, etc., e estendendo asregras e disciplinas do sistema comercial multilateral aos serviços edireitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio,matérias nunca antes sujeitas às regras do GATT de 1947.