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TRABALHO DE CAMPO: sua metodologia, escala de abrangência, ensino e confronto de dados. Brunno Cesar Pereira Universidade Federal de Minas Gerais [email protected] Eduarda Carolina Moraes de Assis Universidade Federal de Minas Gerais [email protected] INTRODUÇÃO A pedologia é a ciência que estuda os solos como um corpo dinâmico, um produto sintetizado tridimensionalmente pela natureza e submetido à ação de intempéries. Por ter sua gênese em função dos fatores de formação, sendo eles o material de origem, clima, relevo, organismos e tempo, os solos ganham variabilidade no espaço e, para melhor adequação dos seus usos e manejos, é necessária a compreensão das inter- relações desses fatores com o espaço. Informações detalhadas sobre os solos, na maioria das vezes, não estão disponíveis e acabam por utilizar informações obtidas em mapas de escalas pequenas, levando às interpretações equivocadas sobre as potencialidades e fragilidades dos solos. Disciplinas acadêmicas, que tem o trabalho de campo como atividade obrigatória, usam da metodologia de coletas de dados anteriormente ao campo, ou seja, reconhecimento prévio da área a ser estudada, como levantamentos existentes de solos, litologia, relevo, vegetação etc., considerando dados em escritório, para construir um eixo de desenvolvimento do trabalho. Em trabalhos de levantamentos de solos é muito importante atentar à questão de escala de abrangência e sobre qual finalidade é fundamentado o estudo pretendido. Portanto, o trabalho de campo é uma ferramenta fundamental na interpretação de dados obtidos em escritório, partindo do pressuposto que levantamentos pedológicos atuais do Brasil apresentam uma escala pequena, ou seja, menor detalhe de informações, segundo estudo de abrangência local.

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TRABALHO DE CAMPO: sua metodologia, escala de abrangência, ensino e

confronto de dados.

Brunno Cesar Pereira

Universidade Federal de Minas Gerais

[email protected]

Eduarda Carolina Moraes de Assis

Universidade Federal de Minas Gerais

[email protected]

INTRODUÇÃO

A pedologia é a ciência que estuda os solos como um corpo dinâmico, um produto

sintetizado tridimensionalmente pela natureza e submetido à ação de intempéries. Por

ter sua gênese em função dos fatores de formação, sendo eles o material de origem,

clima, relevo, organismos e tempo, os solos ganham variabilidade no espaço e, para

melhor adequação dos seus usos e manejos, é necessária a compreensão das inter-

relações desses fatores com o espaço. Informações detalhadas sobre os solos, na maioria

das vezes, não estão disponíveis e acabam por utilizar informações obtidas em mapas de

escalas pequenas, levando às interpretações equivocadas sobre as potencialidades e

fragilidades dos solos.

Disciplinas acadêmicas, que tem o trabalho de campo como atividade obrigatória, usam

da metodologia de coletas de dados anteriormente ao campo, ou seja, reconhecimento

prévio da área a ser estudada, como levantamentos existentes de solos, litologia, relevo,

vegetação etc., considerando dados em escritório, para construir um eixo de

desenvolvimento do trabalho.

Em trabalhos de levantamentos de solos é muito importante atentar à questão de escala

de abrangência e sobre qual finalidade é fundamentado o estudo pretendido. Portanto, o

trabalho de campo é uma ferramenta fundamental na interpretação de dados obtidos em

escritório, partindo do pressuposto que levantamentos pedológicos atuais do Brasil

apresentam uma escala pequena, ou seja, menor detalhe de informações, segundo estudo

de abrangência local.

OBJETIVO

O objetivo deste trabalho foi comparar informações sobre solos obtidas em escritório

com as adquiridas em campo, visando exaltar a importância da atividade de campo nos

trabalhos em detalhe e nas disciplinas acadêmicas.

Com o levantamento pedológico em campo pode-se importar as informações para a

construção de um mapa da área estudada. Essas informações são contrastadas com

dados em escritório, sejam eles mapas, relatórios, dissertações etc., visando

compreender relações de escala, detalhamento de informações, potencialidades e

fragilidades do solo.

METODOLOGIAS

O estudo foi realizado na área da Estação Ecológica da UFMG, no município de Belo

Horizonte, MG, mais precisamente sobre um trecho da área de estudo denominado

biótopo, parte do zoneamento da Estação Ecológica da tese de mestrado de NEVES

(2002). A Estação Ecológica está localizada dentro das coordenadas de 19° 52’ S, 43°

58’ W, na região norte de Belo Horizonte. A área se encontra sobre formação de gnaisse

do embasamento cristalino e seu relevo se caracteriza por um conjunto de colinas de

topos abaulados com vertentes e vales côncavos. O local é cortado pelo córrego do

Mergulhão contribuinte da lagoa da Pampulha e sua vegetação original corresponde a

áreas de transição de Mata Atlântica e Cerrado.

Figura 1 – Delimitação da Estação Ecológica da UFMG. Fonte: Google Earth (2011). Adaptado por PEREIRA (2013).

A escolha dos biótopos é justificada pela representatividade em termos de relevo e

vegetação, e os dados de escritório foram obtidos em mapa de levantamento de solo

para o estado de Minas Gerais na escala 1: 650.000 e, principalmente, a tese de

mestrado pesquisada. Para identificação dos solos em campo foi percorrida toda a área

de estudo e feitas observações e análise de perfis de solos pré-existentes e observações

em cortes de estradas e aberturas de novos perfis, marcando pontos em GPS.

Figura 2 – Biótopos 3 e 10 e os pontos de análises pedológicas. Fonte: Google Earth (2011). Adaptado por PEREIRA (2013).

A escolha dos perfis foi fundamentada nos fatores de formação de solos, no caso da área

de estudo foi considerado o relevo como agente predominante para a pedogênese, já que

a litologia, clima e microorganismos são os mesmos, além da observação da vegetação.

Esse levantamento foi georreferenciado e aplicado na elaboração do mapa final de solos

desses biótopos (3 e 10). Em seguida foram confrontados os resultados de campo a

partir do levantamento realizado na tese, buscando compreender a questão de escala e

da importância do trabalho de campo para atividades específicas detalhadas.

O biótopo 3, cuja área abrange o Cerrado, está localizado entre as porções central e leste

da Estação Ecológica. Não existe áreas construídas ou impermeabilizadas em toda a

extensão desse biótopo. A vegetação se encontra em contínuo processo de regeneração e

atualmente é constituída por gramíneas, cipós e espécies arbustivas, e apresentam

variações em sua fisionomia, variando de vegetação de pequeno porte a áreas com

aspecto de floresta. Já o biótopo 10, nomeado de Solo Exposto, está localizado na região

noroeste da Estação Ecológica. Essa área, anteriormente ocupada por uma lagoa,

apresenta hoje ausência de cobertura vegetal ocasionada por atividades antrópicas e uma

declividade acentuada, tais características favoreceram os processos de erosão,

transporte e deposição de sedimentos na lagoa, desencadeando assoreamento.

O trabalho de pesquisa foi realizado em 4 etapas, sendo a primeira a seleção da área a

ser estudada e levantamento de dados prévios da mesma, a segunda etapa foi o exercício

de reconhecimento local, a terceira foi o campo propriamente dito, com as análises

pedológicas, levantamento de solos e classificação, e por fim a construção do mapa final

dos biótopos, análises de escalas, detalhamento de informações e confrontação de

dados.

A primeira parte se refere a seleção da área a ser levantada. Este procedimento tem o

objetivo de demarcar a área a ser analisada gerando uma secção para produção do mapa

final. Após, faz-se levantamento prévio de informações sobre a área. Neste

procedimento, foram feitos levantamentos bibliográficos e identificação da localização

dos biótopos a serem analisados, histórico, uso e ocupação, relevo e clima predominante

sobre a área. Esse levantamento de informações inclui mapas geológicos e topográficos,

fotos aéreas e imagens de satélite, material que possibilitou o entendimento da estrutura

do relevo encontrado nos biótopos. Ainda nessa etapa foram utilizados programas para

elaboração do trabalho: GPS TrackMaker, para translocar os pontos de GPS sobre a

imagem de satélite do Google Earth; ArcGIS 10.1 para abrir a delimitação dos nossos

biótopos; Adobe Photoshop CC para acabamentos e cor, esse último de acordo com a

cartela de convenção de cores do IBGE, no Manual Técnico de Pedologia IBGE.

Já na segunda etapa se resume a uma primeira atividade de campo com o objetivo de

reconhecimento das áreas a serem levantadas em relação aos dados e informações

coletadas na fase de escritório. O motivo deste campo de reconhecimento é a

confirmação ou descarte de informações sobre vegetação, declividade, drenagem, entre

outras, coletadas anteriormente, considerando que informações em cartas topográficas

antigas podem ter sido alteradas devido à atividade antrópica na área e dados geológicos

podem ter sido negligenciados, não intencionalmente, no momento da produção da carta

referência.

Na terceira etapa percorremos a área a ser mapeada, observando as variações vegetais e

características superficiais do solo, procurando variações destas características

indicando possíveis locais de prospecção, levando em consideração o relevo presente.

Para fins de um mapa esquemático foram selecionados seis pontos de prospecção,

analisando todos e realizando o levantamento dos solos, utilizando do manual de coleta

de solos e a caderneta de Munsell. Seguem informações dos pontos analisados:

Ponto 1: Descida da Lobeira. 19°52'37.25"S/43°58'16.36"O

Solo com um horizonte A característico de espessura de 22 cm, de cor 2.5 YR 4/6

(vermelho) quando seco e 2,5 YR4/4 (bruno-avermelhado) quando úmido. Algo

parecido com um horizonte AB, com espessura de 12 cm de cor 2,5 YR 3/6 (vermelho

escuro) quando seco e 2,5 YR 4/4 (Bruno-avermelhado) quando úmido. O horizonte B

também se mostrou heterogêneo com cor 2,5 YR 3/6 (vermelho escuro) quando seco e

2,5 YR 4/4 (bruno-avermelhado) quando úmido. Em uma primeira análise neste ponto,

foi encontrado um solo com um horizonte B considerável, mas também um material

aparentando ser saprólito, devido a estas características determinou-se este solo, em

primeiro nível categórico, do tipo Cambissolo.

Ponto 2: Tradagem. 19°52'48.13"S/43°58'16.26"O

Características mais aparentes da classe dos Latossolos, através da homogeneidade e da

ausência de vestígios da rocha de origem, como vistos em B incipientes dos

Cambissolos.

Ponto 3: Aceiro. 19°52'43.03"S/43°58'18.92"O

Apresenta horizonte A de 13 cm de cor 5 YR 3/3 (bruno –avermelhado) quando seco e 5

YR 3/2 (bruno-vermelho) quando úmido. Neste perfil também foi encontrado um

horizonte B1 de 47 cm, cor 5 YR 4/4 (bruno-avermelhado) e a mesma cor quando

úmido. Além destes foi encontrado um perfil B2 de 60+ cm de profundidade, de cor 2,5

YR 4/6 (vermelho) quando seco e cor 2,5 YR 4/8 (vermelho) quando seco. Este

horizonte homogêneo, sem a presença de saprólito apresenta características iniciais de

um Latossolo.

Ponto 4: Aceiro. 19°52'45.53"S/43°58'17.87"O

Solo com horizonte A de 26cm, horizonte de cor 5YR 3/3 (bruno-vermelho-escuro)

quando seco e 5 YR 3/2 (bruno-vermelho-escuro) quando úmido. Abaixo do horizonte

A foi encontrado um horizonte AB de 14 cm, cor 5YR 4/4 (bruno- avermelhado)

quando seco e 5YR 4/4 (bruno-avermelhado) quando úmido. Por fim foi encontrado um

horizonte B de 66 cm de cor 2,5YR 4/6 (Vermelho) quando seco e 2,5 YR 4/8

(vermelho) quando úmido. A análise preliminar neste ponto indica a presença de um

Latossolo.

Ponto 5: Solo Exposto. 19°52'37.08"S/43°58'24.90"O

Aqui se observa um horizonte A de espessura de 22 cm, de cor 7,5YR 4/4 (bruno)

quando seco e 7,5YR 3/3 (bruno-escuro) quando úmido. Abaixo do horizonte A se tem

um horizonte AB de 11 cm e cor 5YR 4/6 (vermelho-amarelado) quando seco e cor

5YR 4/4 (bruno-avermelhado) quando úmido. E por fim um horizonte B de 33+ cm de

cor 7,5YR 4/4 (bruno) quando seco e 7,5YR 3/3 (bruno-escuro) quando úmido.

Apresenta características semelhantes com um Argissolo, como a estrutura prismática,

porém em processo de destruição, provavelmente transformando em um Latossolo.

Ponto 6: Área de várzea. 19°52'39.17"S/43°58'27.22"O

Neste local não foram feitas análises precisas, pois está numa área de várzea,

constantemente alagada, apresentando um solo de coloração acinzentada, características

para classificar o solo presente pertencente aos Gleissolos.

A quarta e última etapa consistiu em confrontar as informações coletadas em campo

com as obtidas em escritório. Ao realizar o levantamento de dados prévios ao campo

obtivemos informações sobre as possíveis classes de solos presentes na área de estudo,

além de características do relevo, vegetação e geologia, possibilitando a caracterização

inicial. Esses dados foram debatidos em relação aos produtos encontrados em campo,

como a classificação pedológica, a qual adquiriu maior detalhe de informação, e as

condições apresentadas pela vegetação e relevo. O confronto de dados foi permitido a

partir da construção do mapa final dos biótopos estudados.

Figura 3 – Imagens dos pontos analisados. Fotos: CARDOSO (2013).

RESULTADOS

No levantamento realizado em escritório a área dos biótopos no mapa de 1:650.000 está

descrita como urbanizada, sem classificação pedológica. Na tese identificou-se as

classes de Latossolos Vermelho e Gleissolos, e em campo foram identificadas, além

destas, as classes de Cambissolos e Argissolos, permitindo aferir uma generalização nas

informações em escritório na finalização da pesquisa.

Figura 4 – Estação Ecológica da UFMG sobre o mapa de 1:650.000. Fonte: FEAM (2010). PEREIRA (2014a).

Figura 5 – Elaboração do mapa de solos dos biótopos, segundo dados da tese. Fonte: NEVES (2002). PEREIRA (2014b).

O trabalho de campo permitiu identificar um maior número de classes com maior

fragilidade do que as identificadas no levantamento de escritório, podendo haver um

risco de uso inadequado dos solos.

Figura 6 – Mapa de solos Biótopos 3 e 10. Fonte: PEREIRA (2014b).

Com a finalização do mapa de solos dos biótopos 3 e 10 e das relações

pedogeomorfológicos, permitiu-se construir uma topossequência (Figura 7), que

caracteriza às variações laterais das estruturas pedológicas que estão ligadas à

topografia, da vertente observada em campo presente nos biótopos 3 e 10.

Figura 7 – Topossequência dos biótopos 3 e 10. Fonte: PEREIRA (2014). Pode-se observar mudança pequena na vegetação presente na vertente, sendo

acompanhada pela variação pedológica, em conjunto com a inclinação do relevo. Na

posição a montante da vertente, mais plana, e no final da encosta encontra-se o

horizonte diagnóstico Bw (latossólico), ou seja, Latossolo Vermelho. Na meia encosta,

através das análises em campo, é encontrado o horizonte diagnóstico Bi (incipiente),

caracterizado pelo Cambissolo. Mais próximo à área de várzea foi classificado em

campo a classe dos Argissolos, caracterizado pelo Bt (textural), porém está em processo

pedogenético, transformando em um Latossolo, ou seja, degradação do Argissolo. Na

área de várzea encontramos o horizonte Glei, que em termos de classificação é tido

como Gleissolo.

A variação pedológica é influenciada pelo relevo, como observada na Figura 7. Mesmo

Belo Horizonte sendo encontrado na faixa de transição em vegetação, Mata Atlântica e

Cerrado, a mudança pedológica local gera consequências na vegetação. Há um

predomínio nos Latossolos características da Mata Atlântica e sobre os Cambissolos o

Cerrado é marcante. Essas observações só foram possíveis aferir com a visita, sendo

destacada a importância dos dados de campo para a elaboração do trabalho de pesquisa.

Para melhor planejamento de uso dos solos, com o intuito de respeitar as suas

potencialidades e fragilidades, tornam-se necessárias a realização de trabalhos de campo

e o uso das informações prévias como base metodológica para a área de pesquisa.

BIBLIOGRAFIA

CARDOSO, Larissa Alves. Fotos dos pontos analisados. 2013.

EMBRAPA. MANUAL DE DESCRIÇÃO E COLETA DE SOLO NO CAMPO. 5ª

edição. Viçosa, 2005.

GOOGLE EARTH. Imagem de satélite. 2011.

IBGE. Manual Técnico de Pedologia. Manuais Técnicos em Geociências. Nº 4, 2ª

edição. Rio de Janeiro, 2007.

PEREIRA, Brunno Cesar. Topossequências dos biótopos 3 e 10. Belo Horizonte,

2014.

PEREIRA, Brunno Cesar. Adaptação em foto de satélite. 2013.

PEREIRA, Brunno Cesar. Adaptação em mapa. 2014a.

PEREIRA, Brunno Cesar. Elaboração de mapa. 2014b.

NEVES, Celso D'Amato Baeta. Zoneamento Ambiental da Estação Ecológica da

Universidade Federal de Minas Gerais: SUBSÍDIO À IMPLANTAÇÃO DE

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO URBANAS. 2002. 148 p. Dissertação (Mestrado) -

Curso de Geografia, Departamento de Instituto de Geociências, Universidade Federal de

Minas Gerais, Belo Horizonte, 2002.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA - UFV; FUNDAÇÃO CENTRO

TECNOLÓGICO DE MINAS GERAIS - CETEC; UNIVERSIDADE FEDERAL DE

LAVRAS - UFLA; FUNDAÇÃO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE -

FEAM. Mapa de solos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundação

Estadual do Meio Ambiente, 2010. 49p. Disponível em:

<http://www.feam.br/noticias/1/949-mapas-de-solo-do-estado-de-minas-

gerais >. Acesso em: 04 de abril de 2014.