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 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS MARINA MORAES DE OLIVEIRA LOPES JOÃO AGUIAR A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E O ROLEZINHO Porto Alegre 20!

Trabalho de Coisas

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Função social e Rolezinho. Prof. Domingos S D. da Silveira.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SULFACULDADE DE DIREITOCURSO DE GRADUAO EM CINCIAS JURDICAS E SOCIAIS

MARINA MORAES DE OLIVEIRA LOPESJOO AGUIAR

A FUNO SOCIAL DA EMPRESA E O ROLEZINHO

Porto Alegre2014UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SULFACULDADE DE DIREITOCURSO DE GRADUAO EM CINCIAS JURDICAS E SOCIAIS

MARINA MORAES DE OLIVEIRA LOPES matrcula n 00206436JOO AUGUSTO DA SILVEIRA DE AGUIAR matrcula n 00208250

A FUNO SOCIAL DA EMPRESA E O ROLEZINHO

Projeto de pesquisa a ser apresentado disciplina de Direito das Coisas I, lecionada pelo Professor Domingos Svio Dresch da Silveira da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), como requisito parcial para aprovao na respectiva cadeira.

Porto Alegre2014SMRIO

INTRODUO41. FUNES SOCIAIS DAS PROPRIEDADES52. FUNO SOCIAL DA EMPRESA73 ANLISE DA NOTCIA133.1 NOTCIA NA NTEGRA133.2 ANLISE144 CONCLUSO18REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS19

INTRODUO

O presente trabalho versa sobre a anlise da funo social, no mbito da propriedade empresarial, com uma exposio prtica associada ao fenmeno social dos rolezinhos.Nesse sentido, inicia-se explicitando, atravs do tpico 1, as funes sociais das propriedades de maneira ampla e abrangente. Em seguida, no tpico 2, procede-se delimitao do tema, realizando uma apresentao especfica no que toca funo social da empresa. Por fim, trata-se, no tpico 3, de analisar uma notcia atual relacionada ao fenmeno do rolezinho, recorrente nos grandes Shopping Centers de cidades em todo o territrio nacional.Por fim, em nvel conclusivo, traa-se um paralelo entre a funo social da empresa (Shopping Center) e o fenmeno social do rolezinho, explicitando a relao entre funo social e o respectivo fenmeno sociolgico.

1. FUNES SOCIAIS DAS PROPRIEDADES

A ttulo introdutrio, pertine tecer algumas consideraes sobre as funes sociais das propriedades. Com efeito, sabe-se que a funo social da propriedade um princpio atualmente consagrado pela Constituio da Repblica Federativa do Brasil em seus artigos 5, XXIII, 182, 3, 186 e 170, III.O inciso XXII do art. 5 da Carta Magna indica que o Brasil um pas capitalista, assegurando o direito de propriedade. J o seu inciso XXIII, determina de forma impositiva que a propriedade atender a sua funo social. Logo se v que no se trata de mero conselho do legislador, mas de ordem. Conforme preleciona o professor Domingos Svio Dresch Da Silveira, as funes sociais variam conforme o tipo de propriedade, sendo que o conceito de propriedade, corriqueiramente usado no meio jurdico, nascido com o capitalismo, considera que o proprietrio tem um direito de carter absoluto do qual decorre uma ilimitada liberdade de utilizao[footnoteRef:1]. [1: SILVEIRA, Domingos Svio Dresch da. A propriedade agrria e suas funes sociais. In O Direito Agrrio em Debate. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998 v. 1, p. 11-26.]

Alerta-se, contudo, dando sequncia aos ensinamentos do professor, que o absoluto da propriedade unicamente a sua funo social. Nesse passo, tem-se que a melhor definio para funo social aquela que afirma que seja um elemento constitutivo do conceito jurdico de propriedade, pelo que, sem tal elemento, o direito de propriedade no se perfectibiliza.Nesse diapaso, conclui o professor que a funo social algo interno ao conceito de propriedade. Se a propriedade no cumpre com sua funo social, no se pode dizer que h, de fato, propriedade. Porquanto lhe falta um dos elementos de seu suporte ftico para que exista, sendo tal o nico de seus elementos consagrado pela Constituio, passa esta propriedade a carecer de proteo legal.Assim, a propriedade possui um elemento absoluto: a funo social, a qual se apresenta no s como direito subjetivo pblico, mas tambm como princpio ordenador da propriedade privada. justamente nesse contexto que, em aula ministrada no dia 10 de maro de 2014, na faculdade de direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o professor Domingos S. D. da Silveira salienta que a propriedade que no cumpre sua funo social , na verdade, uma impropriedade.Vale ter em mente que a existncia de uma gama de diferentes propriedades determina que cada uma, conforme o seu objeto, tenha uma funcionalizao especfica e geradora de consequncias jurdicas peculiares.Pierre Marie Nicolas Lon Duguit, jurista francs que consolidou a ideia de que os direitos s se justificam pela misso social para a qual devem contribuir, conceitua a funo social da propriedade com singular autoridade, in verbis: "A propriedade deixou de ser o direito subjetivo do indivduo e tende a se tornar a funo social do detentor da riqueza mobiliria e imobiliria; a propriedade implica para todo detentor de uma riqueza a obrigao de empreg-la para o crescimento da riqueza social e para a interdependncia social. S o proprietrio pode executar uma certa tarefa social. S ele pode aumentar a riqueza geral utilizando a sua prpria; a propriedade no , de modo algum, um direito inatingvel e sagrado, mas um direito em contnua mudana que se deve modelar sobre as necessidades sociais s quais deve responder"[footnoteRef:2]. [2: DUGUIT, Leon. Trait de Droit Constitutionel, t.3, apud GOMES, Orlando. Direitos Reais - Rio de Janeiro: Forense, 2004. Pg. 126]

Interessa perceber que a noo de funo social, de certa forma, j permeava as relaes jurdicas das sociedades antigas ainda que de maneira pulverizada e quase imperceptvel. H vinte sculos, por exemplo, o usufruto irrestrito e abusivo da propriedade j encontrava limitaes, pelo que no possvel imaginar que um governante romano pudesse permitir que um vasto campo frtil se mantivesse intocado, sem gerar frutos, enquanto milhares de cidados buscavam acesso a uma pequena frao de terra. Vai nesta linha a lio de Jos Cretela Junior[footnoteRef:3]: [3: CRETELLA JUNIOR, Jos. Curso de direito romano. 22 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 153.]

A Propriedade Romana passa por uma evoluo que vai da Propriedade caracterizada pela noo individualista at uma concepo marcada pelo carter social. [...] O Direito de Propriedade sofreu inmeras transformaes no longo perodo em que vigorou o Direito romano, a partir da antiga concepo, poder ilimitado e soberano, profundamente individualista, at a concepo justiniania, arejada por um novo e altrusta sentido social.Por outro lado, foi a explorao excessiva da massa operria durante a Revoluo Industrial que deu causa s intervenes iniciais do Estado Social na relao capital versus trabalho, visando a reduzir as desigualdades jurdicas em razo das disparidades econmicas. Desse modo, segundo Rodrigo Almeida Magalhes[footnoteRef:4], a funo social surge da necessidade de o Estado moderno limitar o individualismo frente exigncia social de garantir o interesse da coletividade. [4: MAGALHES, Rodrigo Almeida. A autonomia privada e a funo social da empresa. In: FIZA, Csar; S, Maria de Ftima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.) Direito Civil: atualidades II: da autonomia privada nas situaes jurdicas patrimoniais e existenciais. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 344.]

Finalmente, importa conhecer a significao dada funo social por Perlingieri[footnoteRef:5] no sentido de que esta implica, ao lado das prerrogativas de usar, gozar e dispor do bem, no apenas limites ao exerccio do direito do proprietrio, mas tambm obrigaes positivas em favor da coletividade. [5: PERLINGIERI, Pietro apud LOPES, Ana Frazo de Azevedo. Empresa e propriedade-funo social e abuso de poder econmico. So Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 121.]

Destarte, verifica-se que a funo social tenciona no apenas anular condutas antissociais, como tambm conduzir a conduta do titular da propriedade realizao do interesse pblico.2. FUNO SOCIAL DA EMPRESA

Desde logo, transcreva-se a dico do artigo 170, III, da Constituio da Repblica Federativa do Brasil: Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios: [...] III- funo social da propriedade [...]

A empresa, em linhas gerais, se afigura como ente sujeito de direitos responsvel pela gerao de empregos, pelo recolhimento de tributos e pela movimentao da economia.O senso comum tende a reproduzir a ideia de que a empresa um conjunto de bens que produz outros bens e movimenta capital. Todavia, deve-se atentar real amplitude do conceito de empresa. Esta, enquanto geradora de riqueza responsvel pela produo de bens e servios comunidade, traduzidos em emprego e recolhimento de impostos e contribuies sociais, se apresenta como fora motriz indispensvel ao desenvolvimento da sociedade contempornea.Sobre a existncia de uma funo social da empresa, disserta Evaristo Moraes Filho[footnoteRef:6]: [6: MORAES FILHO, Evaristo de. Sucesso nas obrigaes e a teoria da empresa. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 181/182.]

Se isso pode ser dito da propriedade em geral, com muito mais razo cabe ser aplicado empresa, verdadeira clula de produo econmica e profissional. Pelo que representa de organismo produtivo, pelos servios que presta coletividade (embora mediante lucro, claro), pelo emprego que d a seus servidores, dos quais dependem os familiares destes, isto tudo basta para ressaltar a inequvoca funo social que desempenha a empresa, em qualquer regime poltico: corporativo, capitalista ou comunista. Acredita-se que a funo social no mbito da empresa alcanada no momento em que ela, alm de cumprir os papis mencionados supra, observa a solidariedade (art. 3, I da CRFB), os valores ambientais (art. 51, XIV do CDC), promove a justia social (art. 170, caput, da CRFB), a livre iniciativa (art. 170, caput e art. 1, IV da CRFB), a busca de pleno emprego (art. 170, VIII da CRFB), a dignidade da pessoa humana (art. 1, III da CRFB), a reduo das desigualdades sociais (art. 170, VII da CRFB), o valor social do trabalho (art. 1, IV da CRFB), dentre outros princpios estabelecidos na Carta Magna e em legislao infraconstitucional.V-se, portanto, que, hodiernamente, a funo social da empresa dita que a explorao da atividade empresarial no interesse somente ao seu titular, mas coletividade, estabelecendo um dever social no sentido de conciliar os interesses particular e pblico sem perder de vista a finalidade lucrativa inerente ao conceito de empresa e sem a qual esta restaria desnaturada. Nessa esteira, acrescenta o Doutor em Direito pela Universidade de Paris, Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra e Professor Emrito da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, Fbio Konder Comparato:[...] em se tratando de bens de produo, o poder-dever do proprietrio de dar coisa uma destinao compatvel com o interesse da coletividade transmuda-se, quando tais bens so incorporados a uma explorao empresarial, em poder-dever do titular do controle de dirigir a empresa para a realizao dos interesses coletivos.[footnoteRef:7] [7: COMPARATO, Fbio Konder. Funo social da propriedade dos bens de produo. 63 ed. So Paulo: Saraiva, 1996, p. 07.]

No mbito da legislao brasileira, apura-se que o princpio da funo social da empresa se fez presente desde 1976, com a Lei das Sociedades Annimas (Lei n 6.404) em seus artigos 116, pargrafo nico e 154:Art. 154: O administrador deve exercer as atribuies que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigncias do bem pblico e da funo social da empresa.Art. 116, pargrafo nico: acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua funo social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.Sobre tais dispositivos, afirma Comparato que, no exerccio da atividade empresarial, a lei reconhece a existncia de interesses internos e externos que devem ser respeitados, incluindo-se nestes os interesses relativos comunidade em que atua a empresa.[footnoteRef:8] [8: COMPARATO, Fbio Konder. Funo social da propriedade dos bens de produo. 63 ed. So Paulo: Saraiva, 1996, p. 44.]

A ideia de funo social da empresa, portanto, integra tambm as restries impostas, por exemplo, pelo Direito do Trabalho com a valorizao do obreiro e a identificao de ampla srie de direitos aos trabalhadores.Outrossim, as Leis de Antitruste e de Propriedade Industrial tambm oferecem limitaes atuao da empresa e do empresrio no que tange consecuo de interesses socialmente relevantes. Observa-se que o prprio captulo I (Da Finalidade) da Lei n 12.529/2011 que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrncia e dispe sobre a preveno e a represso s infraes contra a ordem econmica, prev, em seu art. 1 que se orienta pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrncia, funo social da propriedade, defesa dos consumidores e represso ao abuso do poder econmico. Ademais, nota-se que o art. 50 do Cdigo Civil resguarda a ideia de funo social da empresa enquanto pessoa jurdica ao estabelecer que o desvio de finalidade na atividade empresarial, como demonstrao de desvio da prpria funo social da empresa, implica ao empresrio, os danos da desconsiderao da personalidade jurdica, possibilitando que os bens particulares dos scios possam ser atingidos por credores e por terceiros lesados. Ainda, importa mencionar a Lei n 8.213 de 1991 que obriga a contratao de pessoas deficientes pelas empresas com mais de cem empregados (artigo 93 do mencionado diploma legal). Acerca do assunto, refira-se a Conveno n 159 da OIT, de 1983, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo n 51, de 28 de agosto de 1989, que define a pessoa com deficincia como sendo o indivduo cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado e de progredir no mesmo fiquem substancialmente reduzidas devido a uma deficincia de carter fsico ou mental devidamente reconhecida.Diante disso, percebe-se que a chamada Lei de Cotas surgiu com a finalidade proporcionar a integrao das pessoas com deficincia na sociedade por meio da garantia de emprego adequado.Nesse contexto, a empresa que cumpre as determinaes da Lei n 8.213/91 tambm est realizando a sua funo social perante a sociedade. Apesar de no haver uma definio consensual sobre o seu conceito, a funo social um valor perseguido pelo ordenamento jurdico brasileiro como um todo e est relacionada observncia legal de deveres sociais por parte da empresa. Nesse prisma, em que pese o cumprimento das determinaes da Lei n 8.213, a funo social no pode ser confundida com a responsabilidade social da empresa, que uma atitude empresarial que no decorre de obrigao legal, mas do desejo moral de solidarizar-se com os outros. Enquanto a funo social est relacionada observncia legal, jurdica, de deveres por parte da empresa, a responsabilidade social uma atitude empresarial que no procede de obrigao legal, mas do desejo moral de solidariedade e participao na integrao social. A previso legal da responsabilidade social est contida no artigo 154, 4, da Lei n. 6.404[footnoteRef:9], de 1976, que dispe que o conselho de administrao ou a diretoria podem autorizar a prtica de atos gratuitos razoveis em benefcio dos empregados ou da comunidade de que participe a empresa, tendo em vista suas responsabilidades sociais. [9: BRASIL. Lei n. 6404, de 15 de dezembro de 1976. Dispe sobre as Sociedades por Aes. Disponvel em: . Acesso em: 26 dez. 2010.]

Dessa forma, percebe-se que a responsabilidade social no est ligada ao objeto da empresa em si, mas ao cumprimento de obrigaes espontneas que, originariamente, competem ao Estado e que, por razes diversas, so moralmente exigidas das empresas que detm poder econmico e influncia na sociedade. Nesse nterim, surge a funo social como uma necessidade de adaptao das empresas realidade mundial. Com a finalidade de se manterem resguardadas pela ordem jurdica, necessitam cumprir no apenas a sua funo econmica, mas tambm o seu papel social perante a sociedade. Nesse sentido, advertem Paulo Roberto Colombo Arnoldi e Tas Cristina de Camargo Michelan[footnoteRef:10]: [10: ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo; MICHELAN, Tas Cristina de Camargo. Novos enfoques da funo social da empresa numa economia globalizada. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econmico e Financeiro, So Paulo: Malheiros, n. 117, p. 159, jan.-mar. 2000.]

A busca incessante do lucro, por si s, no mais atende s necessidades econmico-sociais da atualidade. Essa viso antiquada da empresa capitalista no mais pode permanecer numa economia global. A empresa, para sua prpria subsistncia, precisa por em prtica atividades diversas daquelas que at pouco tempo eram consideradas suficientes para a sua manuteno, ou seja, as diretamente relacionadas produo de riquezas e obteno de lucro. A postura dessa instituio necessita se adaptar nova realidade mundial como uma maneira de se perpetuar. Caso contrrio, tornar-se- insustentvel sua conservao. Assim, reitere-se, hoje no suficiente o simples cumprimento da funo econmica pelas empresas, passando estas a ter que prezar por atitudes que, alm de lhes trazer benefcios, tragam, ao mesmo tempo, vantagens tambm sociedade. Deve, pois, haver um intercmbio de interesses entre sociedade e empresa. Afinal, no apenas a sociedade que precisa das empresas para a sua subsistncia, mas tambm estas necessitam cada vez mais daquela para crescerem, se desenvolverem e subsistirem em um mercado to competitivo. Ante o exposto, no deve a propriedade, no caso, a empresa, servir apenas para multiplicar-se em forma de riqueza. Agindo de tal forma, tornar-se-ia um fim em si mesma em detrimento de sua funo social e dos interesses de relevncia coletiva que a envolvem. Assim, concorda-se com os dizeres de Paulo Baptista Caruso MacDonald, no que concerne ao entendimento de que o cumprimento das funes sociais constitui o prprio sentido da propriedade:A propriedade deve ser vista um instrumento, e como instrumento deve servir a um fim exterior a ela. Quando a propriedade serve s para multiplicar-se em forma de riqueza, torna-se um fim em si mesma. O sentido da propriedade o cumprimento de suas funes sociais, e estas devem ser definidas com vistas efetivao do bem comum da comunidade, cujo contedo expresso por uma concepo de direitos humanos. A propriedade que no representa esse papel social no merece a tutela do sistema jurdico [...][footnoteRef:11]. [11: MACDONALD, Paulo Baptista Caruso. Propriedade e direitos humanos: os limites do individualismo possessivo. Texto disponibilizado pelo professor Domingos Svio Dresch da Silveira no acervo da Sala de Aula Virtual da UFRGS. p. 19.]

Denota-se que, em que pese funo social e responsabilidade social sejam termos com sentidos diferentes, ambas as definies atuam em conjunto, isto , na prtica, se confundem. Ainda que a conotao e o respaldo jurdico da funo social estejam definidos em lei, a responsabilidade social acaba restando expressa na moralidade das relaes humanas e interempresariais, atuando conjuntamente com os preceitos elencados na Constituio da Repblica Federativa do Brasil.Conclui-se, portanto, que a empresa cumpre sua funo social na medida em que respeita a toda a legislao que lhe impe restries em termos de conduta socialmente indesejadas, cumprindo suas metas financeiras, gerando empregos e produtos adequados ao consumo por meio regime de produo que observe a Consolidao das Leis do Trabalho e demais preceitos caros consecuo de interesses da coletividade.3 ANLISE DA NOTCIA3.1 NOTCIA NA NTEGRA

Discriminao de "Rolezinho" em So Paulo vira causa de movimentos sociais.Aps represso policial e liminar da Justia, passeio de jovens da periferia em shoppings de So Paulo virou bandeira de ativistas. Incomodados com a multido de jovens da periferia, a maioria negros, cantando refres de funk ostentao nos corredores, as direes de shoppings de So Paulo entraram na Justia para impedir os chamados "rolezinhos". Conseguiram liminares a seu favor, com base nas quais a polcia reprimiu fortemente as aglomeraes, com uso de bombas de gs lacrimogneo e cassetetes.No comeo, os rolezinhos eram convocados por cantores de funk, em resposta a um projeto de lei que proibia bailes do estilo musical nas ruas da capital paulista. Agora, so promovidos por ativistas de movimentos sociais, como forma de protesto contra o preconceito e a segregao social.Os passeios romperam a fronteira paulistana. Em Porto Alegre, h dois eventos sendo convocados por meio Facebook: no Shopping Moinhos, no prximo domingo, e no Barra Shopping, em 1 de fevereiro. Estamos caminhando para uma consequncia mais poltica do rolezinho, o direito a estar na cidade comenta o antroplogo Alexandre Barbosa Pereira, professor da Universidade Federal de So Paulo (Unifesp).Para ele, a grande questo que, se fossem jovens de classe mdia, no seria caso de polcia.Um vdeo que vem sendo compartilhado nas redes sociais pelos apoiadores do rolezinho citado como exemplo. Nas imagens, gravadas em 2011, bixos da Faculdade de Economia da Universidade de So Paulo (USP) tomam conta da praa de alimentao de um shopping, sem qualquer interveno da polcia ou de seguranas privados."Rolezeiros" querem " pertencer a esse mundo"No ltimo sbado, a Polcia Militar deteve trs pessoas no Shopping Metr Itaquera. Os jovens teriam furtado objetos. Em eventos anteriores, no entanto, mesmo sem registro de roubos ou de quebra-quebra, dezenas de "rolezeiros" foram levados para a delegacia (confira na linha do tempo). A sociedade no est entendendo que no se trata de uma manifestao. Esses pequenos grupos so movimentos de ostentao. Eles esto tentando participar daquela realidade apresentada na TV, nos clipes musicais, e querem pertencer a esse mundo, que no real para eles, mas eles querem participar comenta o advogado Andr Zanardo, membro do coletivo Advogados Ativistas, que apoia causas populares.Na opinio de Zanardo, diante da repercusso das medidas repressivas, o rolezinho se tornou uma "crtica anticapitalista". Esse o tom da descrio dos eventos convocados para o fim de semana dentro e fora de So Paulo. Um deles sugere levar po com mortadela para ser consumido na praa de alimentao do shopping e entrar nas lojas apenas para experimentar roupas. A convocatria diz ainda para "fazer tudo de maneira pacfica, sem querer causar tumulto, s a presena j incomoda bastante".LINHA DO TEMPOOs rolezinhos Estes encontros nos shoppings de So Paulo comearam no final de 2013, reunindo centenas de jovens da periferia. Entre os primeiros rolezinhos, estavam atos organizados por cantores de funk em resposta aprovao pela Cmara Municipal de So Paulo de um projeto de lei que proibia bailes do estilo musical nas ruas da capital paulista. A proposta foi vetada pelo prefeito Fernando Haddad no incio de 2014. No incio de dezembro, os comerciantes do Shopping Aricanduva, na Zona Leste, tiveram de baixar as suas portas durante um tumulto seguido de diversas tentativas de roubo s lojas durante o rol, conforme o Sindilojas-SP. Em 7 de dezembro, cerca de 6 mil jovens haviam ocupado o estacionamento do Shopping Metr Itaquera, que atrai gente de todas as regies da cidade devido ao fcil acesso, e tambm foram reprimidos. Cantando refres de funk ostentao, dezenas entraram no Shopping Internacional de Guarulhos, no dia 14 de dezembro. Ao todo, 23 foram levados delegacia. No dia 22 ltimo, no Shopping Interlagos, de classe mdia, os manifestantes foram revistados assim que chegaram ao local e um forte esquema policial foi montado. Um dia antes, a polcia foi chamada pela administrao do Shopping Campo Limpo e no constatou nenhum tumulto, mas permaneceu no estacionamento para inibir e tambm entrou no shopping com armas de balas de borracha e bombas de gs. O shopping JK Iguatemi, considerado um dos mais luxuosos da cidade conseguiu no final da semana passada uma liminar na Justia proibindo as manifestaes, com previso de multa de R$ 10 mil a quem fosse identificado causando tumulto. Outros quatro estabelecimentos tambm conseguiram liminar proibindo o ingresso de manifestantes. No ltimo sbado, a Polcia Militar usou bombas de gs lacrimogneo e efeito moral, alm de balas de borracha contra um grupo de aproximadamente mil pessoas que se reuniram para um rolezinho no shopping Itaquera, na zona leste da cidade[footnoteRef:12]. [12: ALMEIDA, Kamila. SEIBT, Tas. Discriminao de "Rolezinho" em So Paulo vira causa de movimentos sociais. Disponvel em: Acesso em 04 de julho de 2014.]

3.2 ANLISE

A fim de melhor compreender a notcia veiculada no site da Zero Hora, toma-se a conceituao de rolezinho elaborada pelo jornal Folha de So Paulo, no caderno Cotidiano da edio do dia 15 de janeiro do presente ano, verbis:[...] so encontros marcados por redes sociais que atraem centenas de jovens a shoppings. Eles entram pacificamente nos locais, mas, depois, costumam promover correria assustando lojistas e frequentadores. Os adolescentes se renem em grupos de cerca de 20. Passam correndo por corredores entoando batidas do funk. Os que vm atrs se integram aos demais, numa formao conhecida como bonde.Pensa-se que este fenmeno constitui decorrncia direta da chaga social brasileira que marginaliza grande parte da populao e constri espaos pblicos voltados notadamente ao pblico com maior poder aquisitivo. Fazendo-se uma releitura dos acontecimentos narrados na reportagem luz da funo social da empresa, possvel concluir que o movimento demonstra exatamente que a funo social da empresa shopping center[footnoteRef:13], no Brasil, no vem sendo cumprida de forma satisfatria, especialmente no que pertine promoo da reduo das desigualdades sociais. [13: Este trabalho entende por shopping center o edifcio privado, aberto ao pblico, onde so desenvolvidas atividades comerciais de venda de mercadorias e de servios em um ambiente decorado e agradvel aos olhos e aos ouvidos para incentivar o consumo constantemente.]

Lembre-se que o shopping center se constitui em propriedade privada que oferece espao comunitrio de uso geral da nao. Estando-se ciente disto, percebe-se que o movimento do rolezinho escancara a seguinte contradio: o shopping aberto a todos, mas os espaos so elitizados e maculados pelo preconceito classista.No se pode aceitar que a empresa seja utilizada como instrumento de discriminao e segregao na constncia de um Estado Democrtico de Direito que deve ser construdo por todos independentemente da classe social. Nesse sentido, corrobora o entendimento exposto o fato de que algumas hipteses de restrio ou limitao no so toleradas juridicamente. A ttulo elucidativo, refira-se as limitaes impostas por raa ou cor de pele, por idade, por condio fsica, por preferncias em termos de vestimentas, por local de moradia, por preferncias sexuais, por forma de chegada ao estabelecimento (veculo particular ou transporte pblico), enfim, quaisquer formas de discriminao que impeam o livre acesso da pessoa humana rea de circulao pblica, ainda que de propriedade privada. Nesse contexto, o rolezinho se apresenta como uma forma de manifestao da classe financeiramente menos favorecida da sociedade, por meio do qual os participantes se renem em grandes grupos e circulam nos interiores de shoppings, ambientes notadamente elitizados.Como se pode perceber da leitura da reportagem colacionada, o movimento inicia caracterizado por um objetivo especfico, mas toma propores maiores de protesto com o decorrer do tempo. O que no se pode confundir, entretanto, so as vrias vertentes que tal movimento apresenta. Conforme devidamente explicitado, a origem da manifestao do rolezinho tinha o condo de protestar contra o projeto de lei que desfavorecia o movimento funk. Entretanto, como si ocorrer em protestos recentes amplamente divulgados pela mdia no Brasil, a massificao pode perder o controle e desvirtuar a causa original, momento em que alguns participantes eventualmente cometem atos infracionais, violentos, camuflados pela causa nobre do protesto que deveria ser pacfico. O que se verifica que esse fenmeno foi originalmente criado como forma de protesto, tendo alcanado propores maiores e colocando em evidncia a segregao provocada pelos grandes espaos privados de circulao coletiva voltados ao consumo usualmente conhecidos por shoppings centers. Observa-se que, logo que se iniciou o movimento e que alguns de seus membros procederam de forma socialmente indesejada, cometendo atos de vandalismo e violncia, a discriminao acentuou-se notadamente em manifestaes de desprezo ao protesto pela populao, especialmente pela classe mdia-alta, nas redes sociais. Ante toda a repercusso que teve o rolezinho, alguns shoppings conseguiram respaldo legal para proibir a entrada e permanncia de determinadas pessoas no estabelecimento. Tal fato gera o seguinte questionamento: estaria o estabelecimento cumprindo sua funo social de entretenimento e livre circulao protegendo os clientes de potenciais vndalos, ou estaria aprofundando o preconceito existente em relao aos moradores da periferia por meio de uma prtica discriminatria em que as pessoas passariam a ser barradas com base em suas vestimentas e em suas preferncias musicais?Esta uma questo difcil de responder, at mesmo porque se entende que a empresa deve atender a uma srie de interesses sociais em prol da coletividade, criando-se aqui um paradoxo entre a proteo de parcela desta e o acesso desta em sua integralidade sem pr julgamentos inteiramente subjetivos.

4 CONCLUSO

Consoante se denota da anlise realizada, a funo social do shopping center, enquanto empresa, engloba o oferecimento de servios de consumo/econmico ao pblico, isto , com livre acesso, no cabendo prticas de discriminao com base na Constituio da Repblica Federativa do Brasil.Dentro desse entendimento, cabe empresa prezar pelas prticas que promovam a reduo das desigualdades sociais, possibilitando a construo de uma sociedade mais justa, ou seja, atos que de uma empresa socialmente responsvel. O que se percebe do rolezinho, que este surgiu como um movimento de protesto de uma classe menos favorecida, que teria a mesma legitimidade prtica que aquela das manifestaes efetuadas por calouros de universidade dentro do mesmo estabelecimento, sendo que este ltimo no foi alvo de represlias sociais.Entretanto, entende-se que no possvel obstar a entrada de pessoas em um shopping center invocando motivaes preconceituosas com base em vestimentas ou classe social, por exemplo, mas que isso no significa a admisso de comportamentos irregulares ou criminosos, tais como a inequvoca afronta tranquilidade, tumultos, agresses fsicas, destruio de patrimnio e furtos. Essas condutas podem e devem ser reprimidas nos nveis prprios e civilizados pela segurana dos estabelecimentos e pelas foras policiais.Ainda, pensa-se que o controle deve ser feito de maneira comedida, em resposta apenas a atos legitimamente infracionais, e no de manifestaes advindas da livre expresso pblica, tendo em vista que a circulao dentro dos shoppings livre e de acesso universal, cabendo aos respectivos estabelecimentos zelar pelo cumprimento da funo social da empresa anteriormente elencado.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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