Trabalho Final- A Dadiva de Marcel Mauss

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    UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

    FACULDADE DE LETRAS E CIENCIAS SOCIAIS

    DEPARTAMENTO DE ARQUEOLOGIA E ANTROPOLOGIA

    3 Ano do curso de Licenciatura em Antropologia

    Cadeira de Antropologia do Econmico

    A DDIVA DE MARCEL MAUSS UM OLHAR CRTICO

    Nome do docente

    DANBIO LIHAHE

    Nome do discente

    ANSELMO MARCOS MATUSSE

    Maputo, Outubro de 2010

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    1. IntroduoPrope-se no presente trabalho analisar se uma das grandes obras da etnologia, a obra de Marcel

    Mauss ensaio sobre a ddiva. Esta sem dvida uma ddiva de Marcel Mauss aos cientistas

    sociais em geral e aos antroplogos em particular. A obra de Marcel Mauss de uma riquezaatestada por muitos autores tanto que seria presuno demasiada pressupor que se pode esgotar o

    gnio de Mauss num pequeno trabalho como este.

    O objectivo deste trabalho inventariar de forma crticas e breve os principais debates sobre a

    obra acima referida, destacando primeiro os principais argumentos do autor e depois apresentar

    as principais crticas apresentadas sua obra.

    O trabalho basear-se- numa reviso bibliogrfica, permanecendo, o debate, essencialmente, a

    nvel terico.

    Numa primeira fase, inventariamos a ddiva de Marcel Mauss, apresentando as suas principais

    linhas de pensamento, a metodologia usada, e as principais concluses da obra. Na parte seguinte

    falamos sobre os principais crticos obra de Marcel Mauss e apresentamos as suas respectivas

    alternativas, tericas e metodolgicas.

    2. Ensaio sobre a ddivaa ddiva de Mauss

    Marcel Mauss afirma, na sua obra, que este trabalho um fragmento de estudos mais vastos

    (1950:53., explicando, assim, a sua incompletude. O autor indica como objecto de seu estudo o

    carcter voluntrio, por assim dizer, aparentemente livre e gratuito, e todavia forado e

    interessado por essas prestaes (idem). O autor, continua ainda, afirmando que elas

    revestiram quase sempre a forma do presente, da prenda oferecida generosamente mesmo

    quando, nesse gesto que acompanha a transaco, no h seno fico, formalismo e mentira

    social, e quando h, no fundo, obrigao e interesse econmico (p53). Eis a fonte da

    perplexidade e paradoxo de Mauss (ddivas ao mesmo tempo voluntrias e obrigatrias).

    O ensaio tem como misso responder a uma inquietao simples mas com implicaes tericas e

    prticas muito complexas e revolucionrias. O autor tenta responder a questo:

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    factos vo dar e os fenmenos morfolgicos que manifestam estas instituies; Para Levi-Strauss

    (1950), o social s real se integrado no sistema e depois de ter violentamente divisado e

    abstrado demais, necessrio que os socilogos se esforcem em recompor o todo, e chama

    ateno ao facto de que o facto total no aquilo que por simples reintegrao dos aspectos

    descontnuos: familiar, tcnico, econmico, jurdico, religioso, sob qualquer um dos quais que

    pudssemos ser tentados a apreend-lo exclusivamente. Para Levi-Strauss, o facto social total

    apresenta-se, [], com um carcter tridimensional. 1- Tem de fazer coincidir a dimenso

    propriamente sociolgica com os seus mltiplos aspectos sincrnicos; 2- a dimenso histrica,

    ou diacrnica; e 3 a dimenso fisiopsicolgica. E, apenas nos indivduos que esta tripla

    aproximao pode ter lugar (1950:23) este um grande marco na forma de se fazer as

    cincias sociais, afastando-se do positivismo e marginalismo de algumas correntes.

    2.1. Das ddivas trocadas e a obrigao de as retribuir na Polinsia

    Nesta parte o autor avana os seus principais argumentos recorrendo a exemplos etnogrficos, no

    que concerne s obrigaes de retribuir com uma especial nfase e as obrigaes de dar e receber

    de uma forma superficial, conforme atestam os seus maiores crticos.

    O autor comea o seu estudo falando sobre os sistemas das ddivas contratuais na Polinsia.

    As sociedades polinsias cujas instituies dele mais se aproximavam no pareciam ultrapassar o

    sistema de prestaes totais, dos contratos perptuos entre cls, reunindo as suas mulheres, osseus homens, as suas crianas, os seus ritos, etc (Mauss, 1950:63). Para o autor faltavam os

    elementos rivalidade, destruio, combate neste sistema para ser prestaes totais de tipo

    agonsticopor exemplo, opotlach.

    Em Samoa estuda um sistema de trocas que estende-se muito para l do casamento; eles

    acompanham os seguintes acontecimentos: nascimento, circunciso, doena, puberdade da

    rapariga, ritos funerrios, comrcio. (idem, 63-64). So dois os elementos essenciais do potlach

    propriamente dito e que so visveis no sistema polinsio de troca: 1a honra, o do prestigio, o

    do mana, que confere riqueza e, 2- o da obrigao absoluta de retribuir essas ddivas sob pena de

    perder esse mana essa autoridade, esse talism, essa fonte de riqueza que a prpria

    autoridade. No nascimento, um fluxo de ddivas e contra-ddivas bens masculinos (aloa) e

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    bens femininos (taonga) circulam entre a famlia uterina e a famlia masculina da criana

    (Casal, 2005: 121). O marido e a mulher no ficam mais ricos do que antes, sendo apenas a

    honra e satisfao os principais ganhos.

    O autor identifica tambm a mesma distino entre bens masculinos (aloa) - instrumentos e osbens uterinos (taonga) no casamento, sendo os primeiros bens mveis e os segundos bens

    imveis. Portanto, entre os Maori, o taonga possui outros significados; onde, segundo a frmula

    de Mauss, taonga, conota tudo quanto se ja propriedade propriamente dita, tudo o que faz ser

    rico, poderosos, influente, tudo o que pode ser trocado, objecto de compensao os tesouros, os

    talisms, os brases, as esteiras, os dolos sagrados, algumas vezes mesmo as tradies, cultos e

    rituais mgicos.

    2.2. A obrigao de retribuirO esprito da coisa dada (MAORI)

    exactamente com os Maoris que Mauss desenvolve a sua teoria sobre a ddiva. Lembre-se que

    o autor busca responder questo Qual a regra de direito e de interesse que, nas sociedades de tipo

    atrasado ou arcaico, faz com que o presente recebido seja obrigatoriamente retribudo? Que fora existe

    na coisa que se d que faz com que o donatrio a retribua.

    O autor faz uso do conceito hau, como o elo que faltava para ligar os dois elementos j existentes

    (o doador e o donatrio). Mauss recorre explicao de Tamati Rainapiri, um informante de R.

    Best, para responder questo acima colocada. Diz o autor que a propsito do hau, do esprito

    das coisas e sobretudo do da floresta, e da caca que ele contm, Tamati Rainapiri, um dos

    melhores informantes de R. Elsdon Best, d-nos por acaso, e sem qualquer preveno, a chave

    do problema (1950:66).

    Segundo Mauss, o texto de Rainapiri fornece uma obscuridade a interveno de uma terceira

    pessoa. Para Mauss os taonga e todas as propriedades rigorosamente ditas pessoais tm um hau,

    um poder espiritual. Vocs do-me um, eu dou-o a um terceiro; este d-me um outro, porque

    forado pelo hau do meu presente; e eu sou obrigado a dar essa coisa, porque preciso que eu

    vos devolva o que , na realidade, o produto do hau do vosso taonga. (idem, 67).

    Para Mauss, fica tudo claro. O que, no presente recebido, trocado, obriga facto de a coisa

    recebida no ser inerte. Mesmo abandonada pelo doador, ela ainda qualquer coisa dele. Atravs

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    dela, ele tem domnio sobre o beneficirio, como atravs dela, proprietrio, ele tem domnio

    sobre o ladro. Porque o taonga est animado pelo hau da sua floresta, do seu territrio, do seu

    solo; ele verdadeiramente nativo: o hau persegue qualquer detentor. Portanto, para Mauss, o

    que explica a obrigatoriedade de retribuir hau que quer regressar ao lugar do seu nascimento,

    ao santurio da floresta e do cl e ao proprietrio (idem).

    A concluso a que Mauss chega de que em direito maori, o vnculo de direito, ligao pelas

    coisas, uma ligao de alma, porque a prpria coisa tem uma alma, alma. Esta teoria recebeu

    duras crticas conforme se ver mais adiante.

    2.3. A obrigao de dar e receber

    nas concluses sobre estas obrigaes que o autor recebe duras crticas; principalmente de

    Sahlins, quando este afirma que ele afirma que a teoria do hau no explica as outras duas

    obrigaes, neste caso a de dar e de receber.

    Para o autor, o constrangimento social est na base da obrigatoriedade de receber; em outras

    palavras um cl, uma famlia, uma companhia, um hspede, no tm liberdade para no

    pedirem hospitalidade, para no receberem presentes, para no exercem o comrcio, para no

    contrarem alianas, pelas mulheres e pelo sangue. E quanto a obrigatoriedade de dar, o autor

    advoga que recusar-se a dar, negligenciar o convite, como recusar receber, equivale a declarar

    guerra; recusar a comunho (1950:69). D-se porque se forado a isso, porque o donatrio

    tem uma espcie de direito sobre tudo o que pertence ao doador. Essa propriedade exprime-se e

    concebe-se como uma ligao espiritual.

    3. Debate critico sobre a ddivaretribuindo a ddiva!

    Segue-se agora a ltima parte do trabalho, onde apresentam-se algumas crticas direccionadas a

    Mauss, especificamente na sua explicao sobre a obrigatoriedade de retribuir, socorrendo-se da

    teoria indgena o hau.

    Para Levi-Strauss, a unidade do todo ainda mais real que cada uma das suas partes. Contudo,

    Mauss, reconstri com afinco um todo em partes, e como isso manifestadamente impossvel, -

    lhe necessrio juntar mistura uma quantidade suplementar que lhe d iluso de encontrar o total

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    o hau. Para Levi-Strauss, Mauss ao usar o hau como explicao da obrigao de retribuir,

    pergunta se se no um daqueles casos em que o etnlogo se deixa mistificar pela indgena?

    Levi-Strauss, continua ainda, afirmando que o hau no a razo ltima da troca: a forma

    consciente sob a qual os homens de uma sociedade determinada, onde o problema tinha

    importncia particular, apreenderam uma necessidade inconsciente cuja razo est noutro lado

    (na estrutura mental inconsciente) (Levi-Strauss, 1950:34-35). Sahlins critica Levi-Strauss

    afirmando que Levi-Strauss s afasta o problema para um outro lugar; mas no explica as

    obrigaes de dar, receber e retribuir.

    Sahlins citado por Casal (2005) nega a teoria do hau de Mauss e avana algumas crticas a esta

    teoria, nomeadamente: a) a teoria do hau, apresentada por Mauss incompleta, j que se o hau

    pode justificar a obrigao de retribuir, no justifica, nem explica as outras duas obrigaes, a

    obrigao de dar e a obrigao de receber (M. Sahlins 1976 citado por Casal 2005, 132); b) erro

    de traduo Mauss enganou-se na traduo do hau: segundo a interpretao deste ltimo

    autor, hau no significa o esprito da floresta ou o esprito da coisa dada, mas muito

    simplesmente, o benefcio, a mais-valia, o valor acrescentado de que o donatrio ter

    beneficiado durante a demora do ciclo da reciprocidade (idem).

    Para este autor, o lucro traduz melhor o hau Maori do que o esprito (de Mauss). Sahlins citado

    por Godelier (2000) defende a prevalncia do benefcio e o direito do doador inicial sobre os

    benefcios originados pela sua ddiva. Isto o doador no perde o direito da coisa doada.

    Todavia, Sahlins criticado pelo seu marginalismo econmico.

    Geffrey citado por Casal (2005) recupera a teoria do hau de Mauss, e apresenta algumas

    incoerncias nos argumentos de Sahlins, fazendo uso do episdio do casaco, onde vai advir a sua

    ideia de que o hau um compromisso benefcio da amizade e da aliana. Geffrey contradiz

    Sahlins quando afirma que os bens dados tornam-se provedores fecundos de benefcios to mais

    preciosos que as mais-valias associadas contra-ddiva. Geffrey aumenta a dimenso social ehumana na explicao da ddiva. O mesmo acontece com Godelier (2000) ao afirmar que as

    coisas no se deslocam para nada e nem completamente sozinhas. O prprio autor afirma que

    contrariamente a Levi-Strauss, os mecanismos que utilizamos eram sociolgicos, as realidades e

    as foras subjacentes ao deslocamento das coisas dadas eram sociais (Godelier, 2000: 124).

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    5. Concluso

    A obra de Mauss uma fonte inesgotvel de inspirao tanto para antroplogos iniciantes como

    para os especialistas conforme pde-se perceber nas leituras das obras abaixo referenciadas. No

    foi para mim uma excepo; sinto que depois deste contacto com a obra de Mauss pudeapreender alguns princpios metodolgicos e tericos no que concerne produo antropolgica.

    A ddiva de Mauss para os cientistas sociais inegvel, porm autores divergem na explicao

    do mesmo fenmeno; Mauss avana uma explicao impregnada de simbolismo que uma

    verdadeira revoluo no seu tempo, recorrendo noo de hau. Por seu turno Sahlins avana a

    ideia de lucro e direito, no que se traduziu, segundo a crtica de Casal, numa explicao marginal

    e incoerente; e Geffrey e Godelier avanam uma explicao que sublinha o social e o humano.

    Quais destes autores est mais prximo do real social, acredito que a noo de facto social totalde Mauss, avana algumas linhas de resposta, e este assunto no constituiu objecto deste

    trabalho.

    6. Bibliografia

    CASAL, Adolfo Yanez (2005). Entre a Ddiva e a Mercadoria: Ensaio de Antropologia

    Econmica. Lisboa Edio do Autor

    GODELIER, Maurice (2000). O Legado de Mauss, O Enigma da Ddiva. Lisboa: Edies70. Pp. 19-138

    MAUSS, Marcel (1950). Ensaio sobre a Ddiva. Lisboa: Edies 70

    LVI-STRAUSS, Claude (1950). Introduo Obra de Marcel Mauss Marcel Mauss,

    1985, Sociologia e Antropologia. Lisboa: Edies 70