Upload
anselmo-matusse
View
221
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
8/6/2019 Trabalho Final- A Dadiva de Marcel Mauss
1/8
0
UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE
FACULDADE DE LETRAS E CIENCIAS SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE ARQUEOLOGIA E ANTROPOLOGIA
3 Ano do curso de Licenciatura em Antropologia
Cadeira de Antropologia do Econmico
A DDIVA DE MARCEL MAUSS UM OLHAR CRTICO
Nome do docente
DANBIO LIHAHE
Nome do discente
ANSELMO MARCOS MATUSSE
Maputo, Outubro de 2010
8/6/2019 Trabalho Final- A Dadiva de Marcel Mauss
2/8
1
1. IntroduoPrope-se no presente trabalho analisar se uma das grandes obras da etnologia, a obra de Marcel
Mauss ensaio sobre a ddiva. Esta sem dvida uma ddiva de Marcel Mauss aos cientistas
sociais em geral e aos antroplogos em particular. A obra de Marcel Mauss de uma riquezaatestada por muitos autores tanto que seria presuno demasiada pressupor que se pode esgotar o
gnio de Mauss num pequeno trabalho como este.
O objectivo deste trabalho inventariar de forma crticas e breve os principais debates sobre a
obra acima referida, destacando primeiro os principais argumentos do autor e depois apresentar
as principais crticas apresentadas sua obra.
O trabalho basear-se- numa reviso bibliogrfica, permanecendo, o debate, essencialmente, a
nvel terico.
Numa primeira fase, inventariamos a ddiva de Marcel Mauss, apresentando as suas principais
linhas de pensamento, a metodologia usada, e as principais concluses da obra. Na parte seguinte
falamos sobre os principais crticos obra de Marcel Mauss e apresentamos as suas respectivas
alternativas, tericas e metodolgicas.
2. Ensaio sobre a ddivaa ddiva de Mauss
Marcel Mauss afirma, na sua obra, que este trabalho um fragmento de estudos mais vastos
(1950:53., explicando, assim, a sua incompletude. O autor indica como objecto de seu estudo o
carcter voluntrio, por assim dizer, aparentemente livre e gratuito, e todavia forado e
interessado por essas prestaes (idem). O autor, continua ainda, afirmando que elas
revestiram quase sempre a forma do presente, da prenda oferecida generosamente mesmo
quando, nesse gesto que acompanha a transaco, no h seno fico, formalismo e mentira
social, e quando h, no fundo, obrigao e interesse econmico (p53). Eis a fonte da
perplexidade e paradoxo de Mauss (ddivas ao mesmo tempo voluntrias e obrigatrias).
O ensaio tem como misso responder a uma inquietao simples mas com implicaes tericas e
prticas muito complexas e revolucionrias. O autor tenta responder a questo:
8/6/2019 Trabalho Final- A Dadiva de Marcel Mauss
3/8
8/6/2019 Trabalho Final- A Dadiva de Marcel Mauss
4/8
3
factos vo dar e os fenmenos morfolgicos que manifestam estas instituies; Para Levi-Strauss
(1950), o social s real se integrado no sistema e depois de ter violentamente divisado e
abstrado demais, necessrio que os socilogos se esforcem em recompor o todo, e chama
ateno ao facto de que o facto total no aquilo que por simples reintegrao dos aspectos
descontnuos: familiar, tcnico, econmico, jurdico, religioso, sob qualquer um dos quais que
pudssemos ser tentados a apreend-lo exclusivamente. Para Levi-Strauss, o facto social total
apresenta-se, [], com um carcter tridimensional. 1- Tem de fazer coincidir a dimenso
propriamente sociolgica com os seus mltiplos aspectos sincrnicos; 2- a dimenso histrica,
ou diacrnica; e 3 a dimenso fisiopsicolgica. E, apenas nos indivduos que esta tripla
aproximao pode ter lugar (1950:23) este um grande marco na forma de se fazer as
cincias sociais, afastando-se do positivismo e marginalismo de algumas correntes.
2.1. Das ddivas trocadas e a obrigao de as retribuir na Polinsia
Nesta parte o autor avana os seus principais argumentos recorrendo a exemplos etnogrficos, no
que concerne s obrigaes de retribuir com uma especial nfase e as obrigaes de dar e receber
de uma forma superficial, conforme atestam os seus maiores crticos.
O autor comea o seu estudo falando sobre os sistemas das ddivas contratuais na Polinsia.
As sociedades polinsias cujas instituies dele mais se aproximavam no pareciam ultrapassar o
sistema de prestaes totais, dos contratos perptuos entre cls, reunindo as suas mulheres, osseus homens, as suas crianas, os seus ritos, etc (Mauss, 1950:63). Para o autor faltavam os
elementos rivalidade, destruio, combate neste sistema para ser prestaes totais de tipo
agonsticopor exemplo, opotlach.
Em Samoa estuda um sistema de trocas que estende-se muito para l do casamento; eles
acompanham os seguintes acontecimentos: nascimento, circunciso, doena, puberdade da
rapariga, ritos funerrios, comrcio. (idem, 63-64). So dois os elementos essenciais do potlach
propriamente dito e que so visveis no sistema polinsio de troca: 1a honra, o do prestigio, o
do mana, que confere riqueza e, 2- o da obrigao absoluta de retribuir essas ddivas sob pena de
perder esse mana essa autoridade, esse talism, essa fonte de riqueza que a prpria
autoridade. No nascimento, um fluxo de ddivas e contra-ddivas bens masculinos (aloa) e
8/6/2019 Trabalho Final- A Dadiva de Marcel Mauss
5/8
4
bens femininos (taonga) circulam entre a famlia uterina e a famlia masculina da criana
(Casal, 2005: 121). O marido e a mulher no ficam mais ricos do que antes, sendo apenas a
honra e satisfao os principais ganhos.
O autor identifica tambm a mesma distino entre bens masculinos (aloa) - instrumentos e osbens uterinos (taonga) no casamento, sendo os primeiros bens mveis e os segundos bens
imveis. Portanto, entre os Maori, o taonga possui outros significados; onde, segundo a frmula
de Mauss, taonga, conota tudo quanto se ja propriedade propriamente dita, tudo o que faz ser
rico, poderosos, influente, tudo o que pode ser trocado, objecto de compensao os tesouros, os
talisms, os brases, as esteiras, os dolos sagrados, algumas vezes mesmo as tradies, cultos e
rituais mgicos.
2.2. A obrigao de retribuirO esprito da coisa dada (MAORI)
exactamente com os Maoris que Mauss desenvolve a sua teoria sobre a ddiva. Lembre-se que
o autor busca responder questo Qual a regra de direito e de interesse que, nas sociedades de tipo
atrasado ou arcaico, faz com que o presente recebido seja obrigatoriamente retribudo? Que fora existe
na coisa que se d que faz com que o donatrio a retribua.
O autor faz uso do conceito hau, como o elo que faltava para ligar os dois elementos j existentes
(o doador e o donatrio). Mauss recorre explicao de Tamati Rainapiri, um informante de R.
Best, para responder questo acima colocada. Diz o autor que a propsito do hau, do esprito
das coisas e sobretudo do da floresta, e da caca que ele contm, Tamati Rainapiri, um dos
melhores informantes de R. Elsdon Best, d-nos por acaso, e sem qualquer preveno, a chave
do problema (1950:66).
Segundo Mauss, o texto de Rainapiri fornece uma obscuridade a interveno de uma terceira
pessoa. Para Mauss os taonga e todas as propriedades rigorosamente ditas pessoais tm um hau,
um poder espiritual. Vocs do-me um, eu dou-o a um terceiro; este d-me um outro, porque
forado pelo hau do meu presente; e eu sou obrigado a dar essa coisa, porque preciso que eu
vos devolva o que , na realidade, o produto do hau do vosso taonga. (idem, 67).
Para Mauss, fica tudo claro. O que, no presente recebido, trocado, obriga facto de a coisa
recebida no ser inerte. Mesmo abandonada pelo doador, ela ainda qualquer coisa dele. Atravs
8/6/2019 Trabalho Final- A Dadiva de Marcel Mauss
6/8
5
dela, ele tem domnio sobre o beneficirio, como atravs dela, proprietrio, ele tem domnio
sobre o ladro. Porque o taonga est animado pelo hau da sua floresta, do seu territrio, do seu
solo; ele verdadeiramente nativo: o hau persegue qualquer detentor. Portanto, para Mauss, o
que explica a obrigatoriedade de retribuir hau que quer regressar ao lugar do seu nascimento,
ao santurio da floresta e do cl e ao proprietrio (idem).
A concluso a que Mauss chega de que em direito maori, o vnculo de direito, ligao pelas
coisas, uma ligao de alma, porque a prpria coisa tem uma alma, alma. Esta teoria recebeu
duras crticas conforme se ver mais adiante.
2.3. A obrigao de dar e receber
nas concluses sobre estas obrigaes que o autor recebe duras crticas; principalmente de
Sahlins, quando este afirma que ele afirma que a teoria do hau no explica as outras duas
obrigaes, neste caso a de dar e de receber.
Para o autor, o constrangimento social est na base da obrigatoriedade de receber; em outras
palavras um cl, uma famlia, uma companhia, um hspede, no tm liberdade para no
pedirem hospitalidade, para no receberem presentes, para no exercem o comrcio, para no
contrarem alianas, pelas mulheres e pelo sangue. E quanto a obrigatoriedade de dar, o autor
advoga que recusar-se a dar, negligenciar o convite, como recusar receber, equivale a declarar
guerra; recusar a comunho (1950:69). D-se porque se forado a isso, porque o donatrio
tem uma espcie de direito sobre tudo o que pertence ao doador. Essa propriedade exprime-se e
concebe-se como uma ligao espiritual.
3. Debate critico sobre a ddivaretribuindo a ddiva!
Segue-se agora a ltima parte do trabalho, onde apresentam-se algumas crticas direccionadas a
Mauss, especificamente na sua explicao sobre a obrigatoriedade de retribuir, socorrendo-se da
teoria indgena o hau.
Para Levi-Strauss, a unidade do todo ainda mais real que cada uma das suas partes. Contudo,
Mauss, reconstri com afinco um todo em partes, e como isso manifestadamente impossvel, -
lhe necessrio juntar mistura uma quantidade suplementar que lhe d iluso de encontrar o total
8/6/2019 Trabalho Final- A Dadiva de Marcel Mauss
7/8
6
o hau. Para Levi-Strauss, Mauss ao usar o hau como explicao da obrigao de retribuir,
pergunta se se no um daqueles casos em que o etnlogo se deixa mistificar pela indgena?
Levi-Strauss, continua ainda, afirmando que o hau no a razo ltima da troca: a forma
consciente sob a qual os homens de uma sociedade determinada, onde o problema tinha
importncia particular, apreenderam uma necessidade inconsciente cuja razo est noutro lado
(na estrutura mental inconsciente) (Levi-Strauss, 1950:34-35). Sahlins critica Levi-Strauss
afirmando que Levi-Strauss s afasta o problema para um outro lugar; mas no explica as
obrigaes de dar, receber e retribuir.
Sahlins citado por Casal (2005) nega a teoria do hau de Mauss e avana algumas crticas a esta
teoria, nomeadamente: a) a teoria do hau, apresentada por Mauss incompleta, j que se o hau
pode justificar a obrigao de retribuir, no justifica, nem explica as outras duas obrigaes, a
obrigao de dar e a obrigao de receber (M. Sahlins 1976 citado por Casal 2005, 132); b) erro
de traduo Mauss enganou-se na traduo do hau: segundo a interpretao deste ltimo
autor, hau no significa o esprito da floresta ou o esprito da coisa dada, mas muito
simplesmente, o benefcio, a mais-valia, o valor acrescentado de que o donatrio ter
beneficiado durante a demora do ciclo da reciprocidade (idem).
Para este autor, o lucro traduz melhor o hau Maori do que o esprito (de Mauss). Sahlins citado
por Godelier (2000) defende a prevalncia do benefcio e o direito do doador inicial sobre os
benefcios originados pela sua ddiva. Isto o doador no perde o direito da coisa doada.
Todavia, Sahlins criticado pelo seu marginalismo econmico.
Geffrey citado por Casal (2005) recupera a teoria do hau de Mauss, e apresenta algumas
incoerncias nos argumentos de Sahlins, fazendo uso do episdio do casaco, onde vai advir a sua
ideia de que o hau um compromisso benefcio da amizade e da aliana. Geffrey contradiz
Sahlins quando afirma que os bens dados tornam-se provedores fecundos de benefcios to mais
preciosos que as mais-valias associadas contra-ddiva. Geffrey aumenta a dimenso social ehumana na explicao da ddiva. O mesmo acontece com Godelier (2000) ao afirmar que as
coisas no se deslocam para nada e nem completamente sozinhas. O prprio autor afirma que
contrariamente a Levi-Strauss, os mecanismos que utilizamos eram sociolgicos, as realidades e
as foras subjacentes ao deslocamento das coisas dadas eram sociais (Godelier, 2000: 124).
8/6/2019 Trabalho Final- A Dadiva de Marcel Mauss
8/8
7
5. Concluso
A obra de Mauss uma fonte inesgotvel de inspirao tanto para antroplogos iniciantes como
para os especialistas conforme pde-se perceber nas leituras das obras abaixo referenciadas. No
foi para mim uma excepo; sinto que depois deste contacto com a obra de Mauss pudeapreender alguns princpios metodolgicos e tericos no que concerne produo antropolgica.
A ddiva de Mauss para os cientistas sociais inegvel, porm autores divergem na explicao
do mesmo fenmeno; Mauss avana uma explicao impregnada de simbolismo que uma
verdadeira revoluo no seu tempo, recorrendo noo de hau. Por seu turno Sahlins avana a
ideia de lucro e direito, no que se traduziu, segundo a crtica de Casal, numa explicao marginal
e incoerente; e Geffrey e Godelier avanam uma explicao que sublinha o social e o humano.
Quais destes autores est mais prximo do real social, acredito que a noo de facto social totalde Mauss, avana algumas linhas de resposta, e este assunto no constituiu objecto deste
trabalho.
6. Bibliografia
CASAL, Adolfo Yanez (2005). Entre a Ddiva e a Mercadoria: Ensaio de Antropologia
Econmica. Lisboa Edio do Autor
GODELIER, Maurice (2000). O Legado de Mauss, O Enigma da Ddiva. Lisboa: Edies70. Pp. 19-138
MAUSS, Marcel (1950). Ensaio sobre a Ddiva. Lisboa: Edies 70
LVI-STRAUSS, Claude (1950). Introduo Obra de Marcel Mauss Marcel Mauss,
1985, Sociologia e Antropologia. Lisboa: Edies 70