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TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO: MULHERES PORTUGUESAS EM MOVIMENTO (...) que cada um passe do local ao global, caminho difícil e mal traçado, mas que devemos abrir. Não se esqueça nunca de onde você parte, mas deixe esse lugar e junte-se ao mundo. Ame o elo que une sua terra e a Terra e que faz parecerem-se o próximo e o estranho. Michel Serres

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TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO: MULHERES PORTUGUESAS EM

MOVIMENTO

(...) que cada um passe do local ao global, caminho difícil e mal traçado, mas que devemos abrir. Não se esqueça nunca de onde você parte, mas deixe esse lugar e junte-se ao mundo. Ame o elo que une sua terra e a

Terra e que faz parecerem-se o próximo e o estranho. Michel Serres

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TESE

TÍTULO: Imigração e identidade: um estudo sobre famílias portuguesas no Rio de Janeiro/1945 -1974

O conceito de identidade - GEERTZ:2001- WEBER (Comunidade étnica)

O triplé: família, religião e trabalho.

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Objeto

Identidades construídas em torno do processo emigração/imigração.

Relações de trabalho em dois universos - região Norte de Portugal (campesino) - a cidade do Rio de Janeiro (urbano).

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HIPÓTESES

Uma vez que o imigrantes português, em estudo, nasceu e se tornou adulto dentro dos preceitos instituídos pelo governo de Antônio Oliveira Salazar, os fundamentos do trabalho e a subjetividade que o labor constrói estão calcados nessa moral.

A percepção que o imigrante tem do trabalho é um valor essencial na sua reintegração à nova sociedade e um elemento que une os imigrantes.

Por conseqüência, delimita as fronteiras entre a cultura portuguesa e a brasileira a partir dessa perspectiva. O português é antes de tudo, “trabalhador” e o brasileiro “não gosta do trabalho”, principalmente se for carioca.

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Pressupostos

O trabalho representou a motivação mais significativa para a aventura dessas migrações;

O trabalho feminino no campo apresentou características singulares , em termos de valor atribuído, (status social) - importante para entender as transformações e rupturas sofridas pela mulher imigrante.

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Metodologia

HISTÓRIA DE VIDA – análise de lembranças (percepções) da vida, na história individual.

Qual o papel da mulher dentro da sociedade campesina portuguesa e, como imigrante, na sociedade de acolhimento -urbana?

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Influências do Salazarismo.

conjunto de medidas tomadas para garantir a ditadura de Antônio de Oliveira Salazar. (tomou o ministério das finanças em 1928 e a partir daí expandiu seu poder para todas as outras pastas governamentais).

Essas medidas incluíam princípios éticos provenientes do cristianismo feudal.

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Junção Estado/Igreja Católica

Organizações de enquadramento das massas.

Destacaram-se: A Federação Nacional para alegria do trabalho (1935), a Mocidade Portuguesa (1936) a Legião Portuguesa, Obras das mães para a Educação Nacional e a Mocidade Portuguesa Feminina (1937).

Todas essas organizações contavam com total apoio da igreja católica.

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(Discursos Salazar - volume 1º , pág. 23).

Num sistema de administração em que predomina a falta de sinceridade e de luz, afirmei, desde a primeira hora, que se impunha uma “política de verdade”. Num sistema de vida social em que só direitos competiam, sem contrapartidas de deveres, em que comodismos e facilidades se apresentavam como a melhor regra de vida, anunciei, como condição necessária de salvamento, uma “política de sacrifício”. Num Estado que nós dividimos ou deixamos dividir em irredutibilidades e em grupos, ameaçando o sentido e a força da unidade da Nação, tenho defendido, sobre os destroços e os perigos que dali derivaram, a necessidade de uma “política nacional”.

Política de verdade, política de sacrifício, política nacional, é o que se há feito, é o que entendo vós aplaudis na vossa mensagem.

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Relações de trabalho no campo

A igreja Católica envolveu a população em uma vasta rede de relações sociais aonde, raramente alguém fica de fora. Todos devem estar presentes às atividades religiosas. Negar-se equivale a aquisição de estigma (GOFFMAN: 1980). As atividades femininas são fundamentais para a sustentação dos cultos. É responsável pela administração da igreja local. Produz alimentos, toalhas, vestes dos clérigos, cuida dos altares, é responsável pelas flores, velas, limpeza e decoração dos locais sagrados, incluindo as capelas e cemitério. Essa necessidade gera outras atividades - o trabalho de plantio de flores, do linho, dos alimentos. vida pública x vida privada

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FUNÇÕES FEMININAS

São depositárias das tradições; Desempenham o papel pedagógico de

passar o conhecimento às crianças. Garantem a manutenção e permanência da

estrutura social e econômica a partir do culto e das celebrações.

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Valor do trabalho/valor da pessoa

Porque a gente tinha que trabalhar? É, desde pequena mesmo. Ia para o campo com a minha mãe. Cortava erva, levava o gado... Mesmo que meu pai tinha lá 2 ou 3 empregados, a gente ia com eles. As meninas faziam os mesmos trabalhos dos meninos, a mesma coisa. Trabalharam!!! Tínhamos que trabalhar. Tomar conta dos menores. E o pai trabalhava no campo e também era carpinteiro. Minha mãe é que cuidava mais da quinta..

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Dolores

Cresci plantando milho, batata - naquela minha região dava muito milho. Agora, as terras já não são tanto. Mas na época, eu e meus pais tínhamos um trabalho! Era o arado, puxado por vacas. Na minha terra só tinha vacas para isso. Elas viravam a terra, depois semeávamos o milho e o milho nascia, depois é preciso tirar a erva que nasce em volta e sachar tudinho em volta. Se não o mato tomava conta. Depois tinha que regar, abrir as águas, daquela água que chamavam da poça. Aqui o poço é assim, lá era aquelas águas e a gente com uma sachola fazíamos, um seixo e foi assim que eu cresci. Eu e meus irmãos, trabalhando...

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Nelson

Se a minha mãe trabalhava?Meu Deus! Ela não sabia nem ler, mas ela era danada! Mal começava a cavar na terra, daqui a pouco, já estava lá na frente. Depois era cortar erva ou ceifar, como diziam. Era para dar para os animais. Como é o nome do instrumento? Foicinha. Tem a foice para cortar lenha e a foicinha para cortar a erva... era como é o emblema do (PT). Agora, a minha mãe era rápida. Ela fazia o campo e depois fazia em casa. Para fazer o pão, como fazíamos na aldeia. Com uma enxada na mão ela era um homem.

Não havia diferenças para o trabalho. Se a mulher podia, tinha força, ela fazia. E as mulheres lá, não eram essas mulherezinhas, que não pode nada. Elas são fortes. Não havia isso não, fazíamos o que precisasse.

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Relações de trabalho no campo

Devido à complexidade das funções da cidade (indústria) a mulher, menos que o homem, estava preparada para lidar com o seu contexto.

O comércio foi o trabalho mais procurado. A seguir, a procura maior foram serviços domésticos e atividades autônomas (trabalho precário, informal)

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Questões

Que empresa ou indústria emprega mulheres para atividades que requerem força física feminina?

(1) A natureza da nova divisão social do trabalho desloca as relações homem/mulher.

Competição Submissão absoluta

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Questões

2) como deixar os filhos ou com quem deixar os filhos para trabalhar?

As mulheres não trabalhavam fora –

trabalhavam para fora.

Portanto é possível considerar que o trabalho das mulheres contribuiu para proteção social ao trabalho masculino.

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NARRATIVA

Como mais velha de 5 irmãos sempre ajudei minha mãe nos afazeres domésticos e, depois embora me formasse em professora primária, fui trabalhar com meu pai. Ele dizia que não havia motivos para que eu dessas aulas por um salário baixo, quando ele deveria pagar um empregado bem mais por um trabalho que eu poderia fazer. A lógica foi essa e eu trabalhei com ele uma vida inteira em todos os seus negócios.

Não sei se me arrependo... Mas, quando ele morreu as coisas mudaram para mim. Eu não paguei a previdência social quando jovem, só mais tarde, hoje já deveria estar aposentada e não estou. Ainda pago. (Rosa – 63)

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NARRATIVA

Quando cheguei aqui, me botaram de empregada em casa de família. Empregou-me como babá E diziam para eles (os patrões): não deixa ela sair e o dinheiro (pagamento) eu é que venho buscar. Ela pegava o meu dinheiro todo o mês e dizia para o meu pai que eu gastava e meu pai me chamava de gastadora. Eu não me conformo até hoje, eu não tenho aquele rancor no meu coração mas, sabe eu não me conformo com que ela fez comigo. Quando chegamos aqui, minha tia tinha uma quitanda e tinha um empregado e ai a minha tia me obrigou a casar com ele. Eu não gostava dele, mas ela arrumou com o meu pai, aumentou minha idade em 5 anos - não podia casar tão nova. Casou-me com ele e ai, é que não estudei mesmo. Podia ter estudado depois, com meus filhos. Mas depois, eu tinha uma casa de negócios e não tinha tempo, porque minha tia passou a quitanda para a gente. (Emília - 80 anos)

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Considerações finais

As relações provenientes do processo emigração/imigração tendem a ser mais profundas e desafiadoras para as mulheres que para dos homens.

A perda de relevância do trabalho, elemento estruturante da identidade da mulher camponesa, traz, muitas vezes, conseqüências difíceis de reparar.

A mulher imigrante deixa de ver o seu trabalho como um valor e passa a um lugar de asseguradora da integração familiar e também o espaço sagrado lhe garante referências identitárias.

Essa posição tem um significado e um sentido importante no posicionamento e nas estratégias que as mulheres constroem com a finalidade de combater os cruéis efeitos trazidos pela emigração. Principalmente do ponto de vista psicológico, em virtude das discriminações ocorridas em diferentes ordens.

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Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses

nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é

pequena. Quem quere passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu. Fernando Pessoa, Mensagem