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O debate jurídico sobre Reprodução Assistida (RA) tem já alguns anos no Congresso Nacional. Projeto de Lei proposto pelo Senador da República Lúcio Alcântara (PLS 90/1999) define no artigo 1º, p.ú., I, como “embriões humanos: ao resultado da união in vitro de gametas, previamente à sua implantação no organismo receptor, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento”. O artigo 4 º prevê: “O consentimento livre e esclarecido será obrigatório para ambos os beneficiários, nos casos em que a beneficiária seja uma mulher casada ou em união estável, vedada a manifestação da vontade por procurador”. No entanto, temos no inciso VII: “as condições em que o doador ou depositante autoriza a utilização de seus gametas, inclusive postumamente”. Este Projeto não trata de direitos sucessórios. O PLS 90/1999 foi arquivado em 2003 na Câmara dos Deputados (como PLCD 1184/2003), e foi apensado ao Projeto de Lei da Câmara dos Deputados (PLCD 4892/2012) de autoria do Deputado Eleuses Paiva. Este Projeto prevê a instituição de um Estatuto da Reprodução Assistida. É consideravelmente mais abrangente do que o Projeto anterior, já que define como Reprodução Humana Assistida, conforme o artigo 3º: “As técnicas de Reprodução Humana Assistida que apresentam a acreditação científica relacionada no artigo anterior são: I – Inseminação Artificial; II – Fertilização in vitro; III – Injeção Intracitoplasmática de Espermatozoide;

Trabalho Sucessoes

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Direito civil. direito das sucessões.

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O debate jurdico sobre Reproduo Assistida (RA) tem j alguns anos no Congresso Nacional. Projeto de Lei proposto pelo Senador da Repblica Lcio Alcntara (PLS 90/1999) define no artigo 1, p.., I, como embries humanos: ao resultado da unio in vitro de gametas, previamente sua implantao no organismo receptor, qualquer que seja o estgio de seu desenvolvimento.

O artigo 4 prev: O consentimento livre e esclarecido ser obrigatrio para ambos os beneficirios, nos casos em que a beneficiria seja uma mulher casada ou em unio estvel, vedada a manifestao da vontade por procurador. No entanto, temos no inciso VII: as condies em que o doador ou depositante autoriza a utilizao de seus gametas, inclusive postumamente. Este Projeto no trata de direitos sucessrios.

O PLS 90/1999 foi arquivado em 2003 na Cmara dos Deputados (como PLCD 1184/2003), e foi apensado ao Projeto de Lei da Cmara dos Deputados (PLCD 4892/2012) de autoria do Deputado Eleuses Paiva. Este Projeto prev a instituio de um Estatuto da Reproduo Assistida. consideravelmente mais abrangente do que o Projeto anterior, j que define como Reproduo Humana Assistida, conforme o artigo 3: As tcnicas de Reproduo Humana Assistida que apresentam a acreditao cientfica relacionada no artigo anterior so:

I Inseminao Artificial;

II Fertilizao in vitro;

III Injeo Intracitoplasmtica de Espermatozoide;

IV Transferncia de embries, gametas ou zigotos.

1 As tcnicas acima elencadas no excluem outras que objetivem a facilitao da reproduo humana, desde que no contrariem normas ticas e diretrizes do Conselho Federal de Medicina.

2 D-se o nome de homloga tcnica que emprega material gentico dos prprios genitores para a concepo. Tem a nomenclatura de heterloga a tcnica que utiliza o material gentico de pelo menos um terceiro, seja vulo ou espermatozoide.

O PLCD 4892/2012 regulamenta todo o processo da Reproduo Assistida, e traz a novidade do tratamento sucessrio da inseminao post mortem do embrio preservado criogenicamente, conforme os seguintes artigos:

Art. 35. permitido o uso de material gentico de qualquer pessoa, seja vulo, espermatozoide ou embrio j formado, aps a sua morte, desde que haja manifestao especfica, em documento escrito, dado por ela em vida, para o uso do seu material biolgico criopreservado, descrevendo:

I a pessoa que dever gestar o ser j concebido, em caso de embrio;

II a quem dever ser destinado o gameta, seja vulo ou espermatozoide, e quem o gestar aps a concepo.

Pargrafo nico. A pessoa escolhida como destinatria dever dar sua anuncia ao documento.

Art. 36. No sero permitidas a coleta e a utilizao de material gentico daquele que no consentiu expressamente, ainda que haja manifestao unssona de seus familiares em sentido contrrio.

Art. 48. Nenhum vnculo de filiao ser estabelecido entre o ser concebido com material gentico doado e o respectivo doador, ainda que a identidade deste venha a ser revelada nas hipteses previstas no artigo 19 deste Estatuto.

Art. 49. Em caso de filiao post mortem, o vnculo entre o filho concebido e o genitor falecido se estabelecer para todos os efeitos jurdicos oriundos de uma relao paterno-filial, observados os limites e exigncias impostos por esta Lei.

Art. 59. Tratando-se de fecundao post mortem, garantir-se- o direito sucessrio do descendente, caso a gravidez ocorra em at 3 anos da abertura da sucesso do genitor que autorizou expressamente a utilizao de seu gameta ou embrio criopreservado.

1 As partes que se submetero aos procedimentos de reproduo assistida sero informadas clara e expressamente quanto condio apresentada no caput, no termo de consentimento informado, antes de se submeterem ao tratamento.

2 Caso haja material gentico congelado de pessoa que tenha deixado autorizao expressa para sua utilizao, nos termos desta lei, ser aberta sucesso provisria ou condicional at que transcorra o prazo de 3 anos ou que, dentro desse perodo, se constate a gravidez do descendente biolgico da pessoa falecida.

3 Transcorrido o prazo previsto ou nascido o filho a sucesso passar a ser definitiva.

4 O previsto neste artigo no exclui o direito de petio de herana, nos termos do Cdigo Civil.

Este Projeto encontra-se ainda em tramitao na Cmara dos Deputados, em anlise pela Comisso de Constituio e Justia e de Cidadania (CCJC).

O debate da questo da sucesso do embrio criopreservado (ou gametas criopreservados) no est nem perto de ser pacificado. Hoje, em nosso ordenamento, ele apenas possvel (via testamento somente) atravs dos seguintes artigos do Cdigo Civil de 2002:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constncia do casamento os filhos:

III - havidos por fecundao artificial homloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embries excedentrios, decorrentes de concepo artificial homloga;

V - havidos por inseminao artificial heterloga, desde que tenha prvia autorizao do marido.

Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou j concebidas no momento da abertura da sucesso.

Art. 1.799. Na sucesso testamentria podem ainda ser chamados a suceder:

I - os filhos, ainda no concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucesso;

Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herana sero confiados, aps a liquidao ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.

1oSalvo disposio testamentria em contrrio, a curatela caber pessoa cujo filho o testador esperava ter por herdeiro, e, sucessivamente, s pessoas indicadas noart. 1.775.

2oOs poderes, deveres e responsabilidades do curador, assim nomeado, regem-se pelas disposies concernentes curatela dos incapazes, no que couber.

3oNascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe- deferida a sucesso, com os frutos e rendimentos relativos deixa, a partir da morte do testador.

4oSe, decorridos dois anos aps a abertura da sucesso, no for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposio em contrrio do testador, cabero aos herdeiros legtimos.

Primeiramente, percebemos certas lacunas normativas, na medida em que a parte que regula o Direito de Famlia permite a inseminao de embrio criopreservado (artigo 1597, III, CC/02), o Direito das Sucesses tem como premissa a noo de concepo anterior abertura da sucesso.

Desta maneira, o ser humano oriundo da inseminao post mortem de um dos genitores est excludo da sucesso legtima. Ele pode ser contemplado, no mximo, em legado ou herana atravs do artigo 1799 do Cdigo Civil de 2002. Este dispositivo , no entanto, genrico, no tratando especificamente de filho do prprio autor da herana.

O uso do artigo 1799 CC/02 como uma brecha no ordenamento jurdico brasileiro para beneficiar possveis futuros herdeiros post mortem vai contra o artigo 226, 6 da Carta Magna brasileira, artigo que garante a igualdade dos filhos.

Nosso entendimento contrrio sucesso do possvel herdeiro vindo de embrio criopreservado implantado aps o falecimento do autor da herana. Afinal, que tipo de afinidade esta pessoa teria com seu genitor, morto antes de seu nascimento? Claro que este questionamento no se dirige mulher que, grvida, perde o marido por fatalidade da vida. A implantao do embrio criopreservado planejada. E, ainda que esta implantao seja advinda de vontade expressa em testamento, retira dessa futura criana a possibilidade de conhecer e conviver com um de seus genitores, no contribuindo para o melhor interesse da criana, alm de ferir o princpio da dignidade humana da criana. Ela tambm fere o princpio da segurana jurdica dos demais herdeiros, j nascidos ou concebidos no momento da abertura da sucesso.

Em diferente situao est a posio do nascituro, como observamos nos artigos do Cdigo Civil de 2002:

Art. 2oA personalidade civil da pessoa comea do nascimento com vida; mas a lei pe a salvo, desde a concepo, os direitos do nascituro.

Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou j concebidas no momento da abertura da sucesso.

O legislador entendeu, adotando a corrente condicionalista, que o nascituro, como ser humano em gestao, deve ter seus direitos assegurados. Condiciona, no entanto, sua personalidade ao nascimento com vida, conforme atesta Mattos[footnoteRef:1]: [1: MATTOS, Karina Denari Gomes de. Os Direitos Do Nascituro No Ordenamento Jurdico Brasileiro. Pg. 6Disponvel em: Acesso em: 13 de set 2013.]

inegvel que o nascituro no detm personalidade jurdica, e esta viso est expressa em texto legal, no prprio artigo 2 do Cdigo Civil de 2002. O que o nascituro tem so direitos intrnsecos, e certas garantias condicionadas ao nascimento (...)

Bibliografia:

MATTOS, Karina Denari Gomes de. Os Direitos do Nascituro no Ordenamento Jurdico Brasileiro. Disponvel em: Acesso em: 13 de set 2013.

MONTALBANO, Ana Caroline Oliveira. Inseminao Post Mortem e seus reflexos no Direito de Famlia e Sucesses. Disponvel em: < http://www.revista.esmesc.org.br/re/article/view/48>

Acesso em: 13 de set 2013.

REIS, Carolina Eloh Stumpf. Direitos Sucessrios na Reproduo Medicamente Assistida. Disponvel em: < http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/direitos_sucessorios_na_reproducao_medicamente_assistida.pdf>

Acesso em: 13 de set 2013.