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Universidade do Minho Instituto de Ciências Sociais Licenciatura em Ciências da Comunicação “Traços – Ensaios de Crítica da Cultura”, de Bragança de Miranda Uma breve análise da contemporaneidade Tomaz Affonso Penner E3924 Braga, 2010

Traços - Ensaios de Crítica da Cultua

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Uma breve análise da contemporaneidade resumida do livro de Bragança de Miranda.

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Universidade do Minho

Instituto de Ciências Sociais

Licenciatura em Ciências da Comunicação

“Traços – Ensaios de Crítica da Cultura”, de Bragança de Miranda

Uma breve análise da contemporaneidade

Tomaz Affonso Penner

E3924

Braga, 2010

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Resumo do Livro “Traços – Ensaios de Crítica da Cultura”, de José Bragança de

Miranda.

1. Introdução:

Nascido a 27 de janeiro de 1953, em Lisboa, José Bragança de Miranda tem o

título de Doutor pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova

de Lisboa, onde hoje leciona a disciplina “Teoria da Cultura”. Centrado na área de

investigação de temas como Comunicação e Cultura, Cibercultura e Estudo dos media,

Bragança de Miranda é autor de diversas publicações, entre as quais se destacam livros

e ensaios.

O livro “Traços – Ensaios de Crítica da Cultura” tem a proposta de traçar, por

meio de vários ensaios com suporte teórico dos pensadores mais influentes do século

passado e do período contemporâneo, um panorama geral sobre o que se conhece como

pós-modernidade. Sem grandes aprofundamentos, o livro tem caráter introdutório e

desperta a curiosidade de quem pretende desvendar a profusão de mistérios da cultura e

do humano contemporâneos.

Nem sempre fica claro até onde vão as teorias dos pensadores apresentados e

onde começam as idéias do próprio Bragança de Miranda. Para evitar equívocos, a

metodologia utilizada é de não dividir as teorias do autor e das fontes às quais ele

recorreu. Tudo será apresentado ao mesmo tempo, à medida que o conteúdo do livro

não é senão a interpretação de Bragança de Miranda das idéias dos filósofos, sociólogos

e antropólogos citados.

2. Os Traços

2.1 Da Modernidade

A emblemática citação de Marx “Tudo que é sólido se desmancha no ar”, que dá

nome ao polêmico livro de Marshall Berman, sintetiza as teorias apresentadas sobre a

modernidade no início do livro. Bragança de Miranda discorre sobre a sensação de

insegurança que predomina no período contemporâneo – como definiu Sevcenko em

seu “O loop da montanha-russa”, é como se estivéssemos todos paralisados por essa

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vertigem que antecipa o porvir indefinível e caótico. Segundo a análise do autor,

Bermann diz que o humano vive em busca de alguma solidez, que representa segurança,

por meio da tradição. Com o que se conhece como “fim da história”, que se define pela

secularização, fim do poder absoluto de grandes instituições, enfraquecimento do estado

e da própria tradição, essa busca termina em frustração e letargia. Em certo ponto, é

postulado que “o que há de sólido é que não há solidez” (1998, p. 32).

Um bom sítio para análise do pós-moderno é os Estados Unidos. Apoiado em

Baudrillard e seu “descobrimento” do novo continente, Bragança de Miranda diferencia

a Europa e a América. Define-se a primeira como lugar de tradição e utopias, onde o

moderno não passa de idealização. Já a segunda, é a própria concretização da

modernidade, onde se passou do primitivismo para o simulacro praticamente sem

teorização. Passando pelos desertos norte-americanos, Baudrillard fez uma comparação

entre o árido e as mega-cidades. Segundo ele, “designamos o vazio, a nulidade radical

que está no transfundo de qualquer instituição humana”. Ou seja, agora cabe a esses

“desertos” praticamente paradigmáticos desmitificar os símbolos da cultura, o excesso

de sentido europeu.

É possível ver a diversidade de modelos culturais e ideológicos no mundo,

característica crucial do contemporâneo. O Humanismo, ainda com fortes heranças

iluministas, define a adoção de valores éticos universais para guiar toda e qualquer ação

humana. Ora, mas estabelecer valores únicos é ir contra a multiplicidade humana,

segundo análise do francês Jean-François Lyotard. Partindo desse princípio, Bragança

de Miranda cita o “O Inumano” para definir a projeção de valores universais como

grande fonte de violência. Um claro apelo à fragmentação. Segue se debruçando sobre

Gianni Valtimo, que define o modernismo mesmo como imagem e pluralidade, em

contraposição ao funcionalismo positivista dos Frankfurtianos seguidores de Adorno.

Segundo ele, “o pós-modernismo é a visão prática do pluralismo e a comunicação, o seu

propulsor”. A conclusão é óbvia: a modernidade já foi superada.

Mas e agora? Com a apreensão de que, de fato, vive-se na pós-modernidade, o

que se pode esperar? A análise de Zygmunt Bauman, apesar de não constar na obra

estudada, é bastante pertinente. Ele define a liqüidez da atualidade e a insegurança

causada por ela. O fim da tradição deixa a humanidade sem chão. Hoje se vive, como

diria Foucault, vive-se pela “naturalização do já-feito”. E é importante não confundir

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essa queda das grandes instituições coletivas como triunfo das liberdades individuais. O

mesmo Foucault explicita que a dominação apresenta-se como liberdade, em meio a

essa profusão de possibilidades. Não passam de “processos nos quais apenas entra o

poder e nada mais que o poder, sob máscaras sempre novas”.

2.2 Da Cultura

Culturalmente, a pós-modernidade representa a quebra com as instituições

liberais e racionais burguesas. Vive-se o “Apocalipse Alegre”, modo austríaco de viver

o niilismo e o fim das hierarquias sociais. Robert Musil ilustra bem isso em sua obra “O

homem sem atributos”, onde o “genial” é vigorosamente negado, dando lugar ao

“homem das possibilidades”, traduzido pelo homem moderno. Essa inferência é

possível quando se observa que existe um mundo de qualidade sem homens (as coisas

podem ser belas, virtuosas ou geniais). Fruto da revolução industrial e das cada vez

mais rápidas e eficientes inovações tecnológicas, a conjuntura faz com que o homem

pós-moderno não consiga mais assumir pacificamente seu papel de jornalista, professor,

operário ou o que o valha.

A busca pelo novo também é uma constante na produção cultural

contemporânea. Entretanto, já dizia Walter Benjamim que o novo não existe, só várias

maneiras de expressar as mesmas coisas. O próprio filósofo alemão foi acusado, devido

ao seu sem-número de traduções e análises de outros autores, de não ter obra e

pensamento próprios. O fato não o incomodava de fato, já que sua própria teoria definia

obras originais como inexistentes.

Esse re-pensar o existente acabou gerando uma busca incessante por mais e mais

profundidade, nos mais variados níveis. Segundo o português Fernando Pessoa, essas

interpretações em demasia acabam por empobrecer o objeto analisado. Também é

comum, na sociedade do espetáculo que hoje se apresenta, que haja a hipervalorização

do sujeito (pode-se atribuir a isso a criação de heterônimos de Pessoa, além da

possibilidade multifacetada do homem pós-moderno).

2.3 Da Política

Nas relações políticas, o preço de saber muito parece caro. Isso fica claro na obra

de Klossowski, em que Actéon é transformado em cervo por Diana e destroçado pelos

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seus próprios cães de caça. A razão? Ter visto a deusa a banhar-se em uma fonte. O

problema é que as relações políticas têm se tornado cada vez mais instáveis no período

contemporâneo. Como Oakeshott colocou em uma analogia, diferente do mundo

estável, onde é possível distinguir a terra-firme do mar revolto, no mundo moderno não

se sabe onde está a segurança. Essa situação fica bem clara no panorama político

contemporâneo, onde as bancadas não se dividem mais puramente em esquerda e

direita.

As relações são mais complicadas e envolvem os mais variados interesses. Entre

a esquerda e a direita está um centro sem fim, com as mais variadas correntes de

pensamentos. Mario Perniola define isso como a destruição da polarização entre amigos

e inimigos, o que teria como conseqüência derradeira o fim da política. Ainda segundo

Perniola, o Nihilismo e o Populismo Nazista provocam graves distorções entre o saber e

o poder. Desse modo, a socialidade do filosofar e a racionalidade da história acabam

sendo drasticamente afetados.

3. Algumas Impressões

Antes de qualquer coisa, seria impossível deixar de lado algumas impressões

pessoais que tive acerca da organização do livro. Ao mesmo tempo em que a divisão em

ensaios facilita a leitura, ela impede que nos aprofundemos mais em determinados

autores. Essa proposta organizativa também torna bastante difícil a percepção de onde

começam e terminam as teorizações de Bragança de Miranda e onde começam e

terminas as teorizações dos autores analisados. Além disso, a leitura se torna bastante

difícil à medida que não se conhece a obra de determinado pensador (me senti muito à

vontade com as análises de Bragança de Miranda sobre Owen, Benjamim, Baudrillard,

uma vez que eu já havia sido “apresentado” a esses cientistas sociais). Além de requerer

a leitura de várias obras para melhor apreensão, o livro também lança mão de conceitos

(alguns deles nem pertinentes à área das Ciências da Comunicação) que não são

familiares a um estudante do bacharelado (à exemplo de Nihilismo, Materialismo

Dialético etc).

Apesar dos percalços, as análises estabelecidas no livro são muito interessantes.

Particularmente a de cultura, se relaciona fortemente com o conteúdo da primeira aula

ministrada na disciplina Média e Cultura Contemporânea, com suporte no texto “A

Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica”, de Walter Benjamim. A

complementaridade dos conteúdos permite-nos ver mais claramente a ausência de

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originalidade das obras, cada vez mais reprodutíveis e massificáveis. Não há novidade,

só cópias e plágios, feitos desesperadamente devido à necessidade de produção, já que a

arte agora é mercadoria e precisa suprir demandas.

Também se percebe a instabilidade causada pelos não-lugares de Augé descrita

pela insegurança e a vertigem da pós-modernidade. Afinal, os não-lugares são

exatamente sítio livres da tradição, onde não se estabelecem laços além do efêmero. O

não-lugar norte-americano sobre o qual Bragança de Miranda fala com suporte na obra

de Baudrillard já havia sido introduzido nas aulas da disciplina. A multiplicação deles é

a supremacia da pós-modernidade e maximização de suas conseqüências.

Por fim, percebe-se relação com os conceitos de Sociedade do Espetáculo com a

atual conjuntura cultural, onde não apenas sujeitos, mas “coisas” são hipervalorizados

para atender a uma necessidade mercadológica. O homem acaba perdendo valor para

um sistema de imagens e luzes, como bem colocou Bragança de Miranda em sua análise

de Robert Musil. Mas não é prudente partir dessas análises e definir o período

contemporâneo como bom ou mau. É preciso associá-lo a outras fontes de

conhecimento para enfim perceber que o caminho não está na negação ou na aceitação

passiva, mas em um meio-termo, longe dos fundamentalismos conservadores e dos

zappings, por sua vez, efêmeros demais.

4. Bibliografia

Bragança de Miranda, J. A., 1997. Traços – Ensaio de Crítica da Cultura.

Lisboa: Vega.

Bauman, Z., 2001. Modernidade Líquida. São Paulo: Jorge Zahar.

Maffesoli, M., 1998. O tempo das Tribos: O Declínio do Individualismo nas

Sociedades de Massa. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

Virilio, P., 1993. O Espaço Crítico. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

Jameson, F., 1996. A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. São Paulo: Ática.