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Trajetória da dislexia e seus efeitos sobre o indivíduo
Luciana Gonçalves Paes Pessoa1
RESUMO
Esse artigo tem como objetivo principal descrever a trajetória da dislexia até os tempos atuais e suas implicações neuropsicológicas, pedagógicas e sociais. Para tanto, foi realizada uma revisão bibliográfica sobre o tema, no que se refere à história, definição, diagnóstico, interferência do ambiente nas formas de intervenção, com o objetivo de chamar a atenção para os aspectos emocionais decorrentes da falta de informação e compreensão sofridos pelos portadores desse transtorno e suas famílias.
Palavras-chaves: Dislexia. Neuropsicologia. Transtorno específico de aprendizagem. Aspectos psicoemocionais da dislexia.
SUMMARY
The purpose of this article is to describe the trajectory of dyslexia to present time and its neuropsychological, pedagogical and social implications. In order to do so, a bibliographical review was made on the subject, regarding the history, definition, diagnosis, and interference of the environment in the forms of intervention, whose, goal leads to draw attention to the emotional aspects resulting from the lack of information and understanding suffered by the carriers of this disorder and their families.
Key words: Dyslexia. Neuropsychology. Specific learning disorder. Psycho-emotional aspects of dyslexia.
Breve histórico da dislexia
No final do século XIX, médicos ingleses e escoceses escreveram sobre
crianças que, apesar de inteligentes e motivadas, de pertencerem a famílias
escolarizadas e de possuírem professores dedicados, não conseguiam aprender
a ler1.
Em 1896, o Dr. W. Pringle Morgan publicou um estudo no British Medical
Journal, usando pela primeira vez o termo “cegueira verbal" ao expor o caso de
1 Luciana Gonçalves Paes Pessoa – Psicóloga formada pela Universidade Filadélfia de Londrina
– UNIFIL em 2001. Especialista em Teoria Multifocal pela UNIFIL em 2004. Psicoterapeuta de crianças, adolescentes e família. Especializanda do curso de Neuropsicologia pelo CDN/UNIFESP 2017. E-mail – [email protected]
2
um adolescente que, embora apresentasse inteligência normal ou até mesmo
superior à dos colegas de escola, dizia que as palavras impressas ou escritas
não tinham significado para ele. Mesmo com "todo o equipamento intelectual e
sensorial necessário para a leitura", não conseguia ler. Morgan captou aspectos
básicos do que chamamos hoje de dislexia do desenvolvimento, uma disfunção
que ocorre em crianças saudáveis.1
Talvez o caso mais antigo de "cegueira verbal" tenha sido descrito em
1676, pelo Dr. Johann Schmidt, quando apresenta o caso de um homem de 65
anos que perdeu a capacidade de ler após um derrame. O interesse na literatura
médica crescia por pessoas que, após derrame, tumor ou lesão cerebral,
perdiam a capacidade de ler, no que se denominou "alexia adquirida”1.
Adolf Kussmaul, em 1877, considerou a existência de uma total cegueira
de texto, condição que afetava apenas o reconhecimento de palavras e a leitura
de textos, ainda que a acuidade visual, a expressão e a compreensão da
linguagem permanecessem intactas. Com isso, dava continuidade ao
acompanhamento de "casos de lesões na parte posterior do cérebro, ao redor
do giro angular esquerdo.”1
Houve ainda uma publicação, no prestigiado periódico médico The
Lancet, de um caso muito importante descrito por Hinshelwood, em 1896, que
relatou o caso de um homem de 58 anos, professor de francês e alemão que,
numa determinada manhã, não conseguia ler o exercício que um aluno havia lhe
dado para corrigir. Embora pudesse ver todas as letras com clareza,
independentemente do tamanho delas, os caracteres não tinham significado
algum para ele, que não apresentava nenhum problema mental. Esse relato foi
de suma importância, por sua clareza na descrição clínica da dificuldade
adquirida da leitura, na ausência de problemas oftalmológicos ou de acuidade
visual, para que Morgan, em 1896, mencionasse seu primeiro caso de "cegueira
verbal" de origem congênita1.
Na "cegueira verbal" adquirida, havia uma perda súbita da capacidade de
ler, que ocorria após lesão cerebral, que afetava em geral a parte esquerda do
cérebro e podia provocar outros prejuízos como fraqueza muscular do lado
direito do corpo e dificuldades de pronúncia de palavras. Por seu turno, a
“cegueira verbal” congênita apresentava evolução à medida que as exigências
escolares aumentavam, sem afetar a capacidade muscular do paciente1.
3
“De uma perspectiva neurológica, a diferença nas duas formas de
disfunção está no momento em que se dá o rompimento dos sistemas neurais
no cérebro. Na forma congênita, há como que uma queda de energia nas
conexões cerebrais durante o desenvolvimento embrionário, ficando esse
problema nas conexões neurais confinado a um determinado sistema neural
(utilizado para a leitura). Nos casos em que o problema é adquirido, uma lesão
bloqueia um sistema neural que já está em funcionamento, podendo também
estender seu impacto a outros sistemas”1.
A descrição de casos de "cegueira verbal" congênita chamou a atenção
dos estudos de Hinshelwood, quando este, por volta de 1912, relatou a forma
como crianças de excelente desempenho intelectual e capacidade de memorizar
informações, oralmente expressas e ágeis em disposição mental eram
incapazes de ler. Dedicou-se também às questões emocionais devidas às tais
dificuldades, salientando a necessidade de apoio e paciência para com a
criança. Menciona o caso de um garoto de 7 anos: “ele sequer conhece todas as
letras do alfabeto, mas quando falamos com delicadeza e damos-lhe tempo, em
geral, ele consegue identificar todas as letras corretamente. E sabe repetir as
letras do alfabeto decoradas e com rapidez.
Conceituou a dislexia do desenvolvimento como uma dificuldade na
leitura, com “caráter isolado e circunscrito”, pois “uma cirança disléxica precisa
apresentar pontos fortes no que diz respeito à cognição, e não apenas
problemas nas funções de leitura”¹.
Collins, um cirurgião ocular inglês, concluiu que os principais sintomas da
dislexia “ [...] eram frequentemente negligenciados, sendo classificados como
mera burrice, ou algum erro de refração, o que prejudicava muito o indivíduo,
que era em geral culpado, intimidado e ridicularizado por um defeito pelo qual
não tinha culpa, mas sim o azar de possuir”1.
No início do século XX, Hinshelwood já chamava a atenção sobre a
identificação precoce da dislexia: “é uma questão da maior importância identificar
tão cedo quanto possível a verdadeira natureza deste problema, quando uma
criança o tem, pois isso ajudará muito a não perder nosso precioso tempo e a
impedir que a criança sofra e passe por um tratamento cruel. Quando uma
criança manifesta grande dificuldade em aprender a ler e não consegue
acompanhar seus colegas, a causa é geralmente atribuída a burrice ou preguiça,
4
e nenhum método sistemático é aplicado no treinamento dela. Um pouco de
conhecimento e uma análise do caso em pouco tempo deixaria claro que a
dificuldade se deve a um defeito na memória visual que se tem das palavras e
das letras; a criança seria assim avaliada corretamente como alguém que tem
um defeito congênito em uma determinada área do cérebro, um defeito que,
contudo, pode em geral ser tratado com perseverança e persistência. Quanto
mais cedo se identifica a natureza do problema, maiores são as chances de a
criança melhorar”1.
Preocupado com que recebessem ensino adequado, fez recomendações
para que crianças disléxicas não fossem forçadas a aprender em sala de aula.
Diferentemente das demais, essas crianças deveriam receber aulas particulares
de leitura, suas lições não deveriam ser longas, mas repetidas em intervalos
durante o dia, "visando refrescar e fortalecer as impressões visuais" da lição.
Também não se deveria expor o aluno à leitura diante dos colegas de classe,
pois "seus erros e dificuldades despertavam a ridicularização", o que poderia
gerar prejuízos e piora1.
Esse histórico mostra o quanto as observações sobre a dislexia do
desenvolvimento foram valiosas e o quanto seus relatos convergem de forma
precisa com o conhecimento atual.
Definição de dislexia
Para entender a dislexia, é necessário que haja anteriormente a
compreensão do que é leitura, a saber, a interpretação de sinais gráficos feita
pelos órgãos dos sentidos, levada ao pensamento para concepção de novas
ideias e resolução de problemas, tudo isso associado a dados extraídos de um
texto lido. "É portanto, uma forma de dar sentido ao que está escrito e não de
decodificar a palavra em sons”2 .
A associação internacional de dislexia considera que a dislexia do
desenvolvimento “[...] caracteriza-se por dificuldades significativas no
reconhecimento fluente e/ou preciso de palavras (leitura) e por fraco
desempenho em provas de ditado (escrita) e decodificação, em indivíduos que
apresentam um nível de inteligência dentro da média e uma motivação
necessária. Essa atualização enfatiza que a maior dificuldade não se restringe à
5
decodificação de 'uma só palavra', mas sim à falta de desenvolvimento de uma
leitura fluente, sendo o esforço e a lentidão uma das características que
persistem na adolescência e na idade adulta...apesar de o distúrbio ser
específico de leitura, as dificuldades mais frequentes abrangem também o
espectro da escrita e da ortografia”3.
A dislexia do desenvolvimento é considerada um transtorno específico de
aprendizagem (TEA) e, para caracterizá-lo, é necessário que se levem em
consideração vários domínios: a neurobiologia; a discrepância entre potencial de
aprendizagem e desempenho acadêmico, excluindo-se déficits sensoriais,
deficiência intelectual e experiências pedagógicas inadequadas; a interferência
do distúrbio de aprendizagem no ambiente escolar e de vida diária que requerem
habilidade de leitura4.
Border, em 1973, caracterizou pela primeira vez a dislexia em subtipos,
categorização confirmada por Galaburda e Cestnick, em 2003, por meio de
estudos de neuroimagem: “[...] dislexia auditiva ou fonológica (caracterizada
por dificuldade na leitura oral de palavras pouco familiares, que se encontra na
conversão letra-som, normalmente associada a uma disfunção do lobo
temporal); dislexia visual ou diseidética (caracterizada por dificuldade na
leitura relacionada a um problema visual, ou seja, inabilidade de reconhecer
palavras como um todo - decorrente de déficit no processamento visual e de
disfunções do lobo occipital); e dislexia mista (caracterizada por leitores que
apresentam problemas dos dois subtipos, associados às disfunções dos lobos
pré-frontal, frontal, occipital e temporal)”4.
O disléxico apresenta leitura oral lenta e vacilante, omissões, distorções
e substituições de palavras, além de ter comprometida a compreensão da leitura.
A dislexia é considerada um distúrbio neurológico, de origem congênita que afeta
indivíduos portadores de aparato cognitivo normal para desempenhar a tarefa
de leitura e/ou escrita, embora não o façam2.
O Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais - DSM-V
(2014) - indica que os transtornos específicos de aprendizagem (TEAs) são
diagnosticados quando o desempenho dos domínios avaliados por meio de
instrumentos psicométricos padronizados para cada habilidade específica
estiver, significativamente, abaixo do esperado em relação à idade, nível de
6
escolaridade e inteligência; podendo-se detectar atraso acadêmico de dois anos
letivos5.
Compreender a correlação clínico-neurológica tem sido desafiador para a
neurociência, a neuropsicologia e a neurobiologia. As contribuições desses
domínios são de que a dislexia tem seu desenvolvimento no período
embrionário, no qual ocorre a anomalia funcional, gerando dano neurológico, não
sendo assim resultado de problemas ambientais e sociais6.
Etiologia
O DSM-V define a dislexia como um transtorno do neurodesenvolvimento
onde a origem biológica (interação de fatores genéticos, epigenéticos e
ambientais) seria a base da anormalidade do desempenho cognitivo, associada
às manifestações comportamentais. Esse quadro influencia "a capacidade do
cérebro de perceber ou processar informações verbais e não verbais com
eficiência e exatidão”2.
De acordo com DSM-V, a dislexia tem uma prevalência em 5 a 15% das
crianças em idade pré-escolar. Seus sintomas são crônicos e as consequências
interferem não apenas no desempenho escolar, mas também influenciam a vida
social.
Estudos mostram que há uma predominância "do sexo masculino, o que
pode ser atribuído a fatores genéticos anatômicos, de especialização
hemisférica ou mesmo sociais […]”3 . Demonstram ainda que a dislexia é
altamente familiar e genética, mas a forma de ser transmitida ainda não foi
definida3.
O histórico familiar ainda é considerado o maior dos fatores de risco,
ocorrendo que, em algumas famílias, a dislexia é, dominantemente, transmitida:
“esses casos podem ser explicados por um modo de transmissão dominante e
autossômico influenciado pelo sexo onde a dislexia tem uma probabilidade de
incidência em 100% dos indivíduos do sexo masculino. Dessa forma, todo
indivíduo do sexo masculino que herda gene para dislexia desenvolve o
transtorno. O mesmo ocorre em torno de 65% das mulheres portadoras”2.
Pelo exposto, evidencia-se que os estudos apontam para a dislexia como
"uma situação ainda não resolvida”2.
7
Diagnóstico
A avaliação neurológica nos transtornos específicos de aprendizagem
tem início na queixa principal da percepção familiar sobre a dificuldade que o
indivíduo apresenta na aprendizagem da leitura e/ou escrita, com aparente falta
de interesse nessas atividades, embora se mostre disponível e capaz para
outras, o que a princípio é entendido como falta de atenção. Ocorre, no entanto,
que, pela dificuldade encontrada, ele perde o interesse2.
“Ao lado das queixas específicas para ler e escrever, muitas vezes é mais
evidenciada a repercussão comportamental que esses fracassos produzem na
criança em idade escolar. Muitas vezes, as queixas de ansiedade,
agressividade, depressão ou hiperatividade e desatenção, inclusive, são
predominantes. Junto com essas queixas, frequentemente está embutido o
medo que os pais carregam de que o filho tenha algum grau de deficiência
intelectual”2.
O problema se torna realmente nítido por volta do terceiro ano do ensino
fundamental, quando se exige um maior nível de abstração e as dificuldades não
podem mais ser consideradas como variantes do desenvolvimento normal2.
A história familiar tem peso relevante sobre o diagnóstico da dislexia,
razão por que deve ser analisada, exaustivamente, além do conhecimento a
respeito dos períodos pré, peri e pós-natal, do desenvolvimento neuropsicomotor
e do desenvolvimento da linguagem, em que esta última, é nítida na disfasia da
gênese e evolução da dislexia. O relacionamento interpessoal também é
importante, pois demonstra como o disléxico administra suas dificuldades. Em
seguida, deve-se fazer uma avaliação textual, com observação de cadernos
escolares e escrita espontânea, tratando-se dos seguintes aspectos2:
Leitura e escrita, muitas vezes incompreensíveis;
Confusões de letras com diferente orientação espacial (p/q; b/d);
Confusões de letras com sons semelhantes (b/p; d/t; g/j);
Inversões de sílabas ou palavras (par/pra; lata/alta);
Substituições de palavras com estrutura semelhante (contribuiu/construiu);
Supressão ou adição de letras ou de sílabas (caalo/cavalo; berla/bela);
Repetição de sílabas ou palavras (eu jogo jogo bola; bolo de chococolate);
8
Fragmentação incorreta (querojogarbola/ quero jogar bola);
Dificuldade para entender o texto lido.
Segue-se então o exame clínico-neurológico, avaliando-se a visão e a
audição. No caso de haver quaisquer tipos de comprometimentos, deve-se fazer
o encaminhamento do indivíduo aos profissionais especializados, para se
complementar a avaliação das acuidades visuais e auditivas. Geralmente, o
exame neurológico tradicional apresenta resultado normal, enquanto que o
exame neurológico evolutivo pode apresentar alterações na lateralidade, mesmo
que se pondere a existência de controvérsias sobre a gênese da lateralidade
esquerda na dislexia. É importante ainda ressaltar que, quando há um
comprometimento na noção de esquema corporal, isto é, noção de direita e
esquerda, isso pode acarretar a inversão de letras ou sílabas2.
“[...] parece haver uma maior possibilidade de relação quando a criança
tem lateralidade mal estabelecida. De acordo com Rotta et al. 2, segundo Galifret
e Ajuriguerra, entre os disléxicos, não há um percentual maior de canhotos, mas
sim de crianças com lateralidade mal estabelecida”2.
Embora o diagnóstico da dislexia seja clínico-neurológico,
psicopedagógico e fonoaudiológico, muitas vezes é necessária a realização de
exames complementares, como eletroencefalograma e potenciais evocados de
longa latência auditivos e visuais. Por seu turno, os testes psicológicos, que
avaliam aspectos cognitivos e afetivos, podem trazer maiores informações ou
observar comorbidades2.
Acreditava-se que, por problemas no sistema visual, os disléxicos faziam
inversões de letras, motivo por que eram encaminhados para treinamento ocular
para corrigir defeitos visuais. Estudos posteriores demonstraram que a leitura de
trás para frente estava ligada a um problema de natureza linguística e não visual.
As substituições de letras eram consideradas de ordem fonológica e a inversão
ainda era estudada como "migração de letras", "talvez resultante do movimento
ocular e da representação sequencial espacial do cérebro”1.
Existe uma tendência em subestimar a capacidade intelectual dos
disléxicos. Contudo, embora apresentem problemas com a leitura, desconforto
e constrangimento quando solicitados a fazerem leitura em voz alta, dificuldade
de soletração e de encontrar palavras ideais, palavras mal pronunciadas, e
9
dificuldade para usar a memória automática , não apresentam prejuízos em seu
pensamento, razão e compreensão. Tal constatação gera o paradoxo da
dislexia: "dificuldades profundas e persistentes experimentadas por algumas
pessoas muito inteligentes ao aprender a ler”1. A dislexia é uma dificuldade
específica em relação à leitura; portanto, não atinge a capacidade de raciocinar
do indivíduo.
Para fins de diagnóstico, pressupõe-se ainda que haja discrepância de
um ou dois desvios-padrão da média em medidas padronizadas entre
rendimento escolar e coeficiente de inteligência. Desse modo, exclui-se a
deficiência intelectual, pois o déficit específico não prejudica o desempenho
cognitivo global do indivíduo disléxico3,5.
O DSM-V estabelece como premissas para o critério-diagnóstico do
transtorno específico de aprendizagem da leitura e da escrita e uso de
habilidades acadêmicas:
“A. Dificuldades para a aprendizagem, conforme o indicado em pelo
menos um dos sintomas a seguir e que tenha persistido pelo menos por seis
meses:
1. Leitura de palavras de forma imprecisa ou lenta e com escorço (p ex.:
lê palavras isoladas, em voz alta, de forma incorreta ou hesitante,
frequentemente adivinha as palavras e tem dificuldade para soletrar);
2. Dificuldade para compreender o sentido do que é lido (p. ex.: pode ler
o texto com precisão, mas não compreende a sequência, as relações, as
inferências, ou o sentido mais profundo do que é lido);
3. Dificuldades para ortografar (ou escrever ortograficamente) (p. ex.:
adicionar, omitir, substituir vogais e consoantes);
4. Dificuldades com a expressão escrita (p. ex.: comete muitos erros de
gramática ou pontuação nas frases; emprega organização inadequada de
parágrafos; expressão escrita das ideias sem clareza).
B. As habilidades acadêmicas estão substancial e quantitativamente
abaixo do esperado para a idade cronológica do indivíduo, causando
interferência quantitativamente significativa no desempenho acadêmico ou
profissional ou nas atividades cotidianas, confirmada por meio de medidas de
desempenho padronizadas administradas individualmente e por avaliação
clínica abrangente.
10
C. As dificuldades de aprendizagem iniciam-se durante os anos escolares,
mas podem se manifestar completamente até que as exigências pelas
habilidades acadêmicas afetadas excedam textos complexos longos e com
prazo curto, em alta sobrecarga de exigências acadêmicas.
D. As dificuldades de aprendizagem não podem ser explicadas por
deficiências intelectuais, acuidade visual e/ou auditiva não corrigida, outros
transtornos mentais ou neurológicos, adversidade psicossocial, falta de
proficiência na língua de instrução acadêmica ou instrução educacional
inadequada”2.
Alterações neurais na dislexia
Por meio do mapeamento cerebral de leitores hábeis, pode-se observar
que a “neurobiologia da leitura implica na ativação e no deslocamento da
informação em diferentes áreas cerebrais”. Exames de neuroimagem funcional
mostram uma ativação do sistema posterior cerebral (occipto-temporal e
parietal), durante o processamento de informações quando a entrada visual das
letras pelas vias sensoriais é direcionada ao córtex occipital sendo projetada
após para o giro angular, que é a região onde as formas visuais das letras são
reconhecidas como palavras. Paralelamente a esta via, o lobo temporal superior
posterior ligado às vias auditivas (área de Wernicke), processa as informações
que são enviadas ao giro frontal inferior (área de Broca), responsável pela
expressão motora da fala e da leitura3,7.
Em muitos casos, a dislexia não vem acompanhada de prejuízos
neurológicos graves, condições em que as alterações genéticas acarretam má-
formação de algumas estruturas cerebrais, podendo o sujeito apresentar nível
de inteligência médio ou até mesmo superior. Nesse sentido, os disléxicos
possuem padrões diferenciados de estrutura e funcionamento cerebral que
causam as dificuldades no processo de leitura, não interferindo na capacidade
cognitiva global7.
Confirmando as dificuldades fonológicas, o disléxico apresenta menor
ativação cerebral nas regiões relacionadas ao processamento linguístico e da
leitura. Ressalta-se ainda que a ativação cerebral em disléxicos sofre alterações
com a idade, passando a ocorrer maior ativação da área de Broca, pois de forma
compensatória utilizam mais a região frontal para a leitura, dado que “um dos
11
meios de compensar a dificuldade de leitura é subvocalizar (pronunciar as
palavras em voz baixa) enquanto se lê, processo que utiliza a área de Broca”3.
“Outra região que tem padrão de ativação diferenciado entre disléxicos e
bons leitores é o córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo, que é associado à
habilidade de memória operacional verbal. Já os giros do lobo temporal e
superior medial estão associados à recepção de estímulos da linguagem oral e
escrita”7.
Em um estudo realizado com crianças disléxicas que receberam
intervenção fônica, em 2008, na Universidade do Texas, nos Estados Unidos,
baseado no ensino do som das letras e em habilidades de consciência
fonológica, foi possível verificar uma reorganização cerebral em tarefas de leitura
que foram associadas à intervenção terapêutica na dislexia. Após intervenção,
observou-se um aumento da ativação do hemisfério esquerdo nas áreas dos
lobos frontais inferiores, lobo temporal superior, lobo parietal inferior e giro
fusiforme esquerdo. Além disso, foi verificado um aumento na ativação de áreas
do hemisfério direito como lobo frontal inferior direito, podendo ser entendida
como uma estratégia compensatória para o desenvolvimento da leitura7.
É importante ressaltar que mesmo a dislexia sendo um transtorno de
origem genética que afeta a formação cerebral, existem possibilidades de
intervenção cognitiva que reduzem, significativamente, os prejuízos e as
dificuldades encontradas pelos disléxicos nas tarefas de leitura.
Consequências psicoemocionais e sociais da dislexia
Com frequência, desde muito cedo, a criança disléxica se percebe
diferente dos demais quanto à sua capacidade de aprender, assim como é
comum encontrar adultos disléxicos que se esforçam em evitar situações
públicas que envolvam ler, escrever, soletrar ou falar em voz alta, ou tentem
burlar essas atividades sociais, quase sempre inevitáveis durante o decorrer da
vida. A percepção de seu transtorno, somado ao esforço despendido para
esconder ou fugir de suas dificuldades, gera sofrimento que, normalmente, vem
acompanhado de um buquê de sentimentos geradores de grande estresse.
O sentimento de medo de não se adaptar, que normalmente aflige todas
as crianças no curso normal do desenvolvimento, torna-se um medo constante
12
nas crianças com dislexia, que precisam de ajuda e apoio para enfrentá-lo sem
causar maiores danos psicoemocionais.
A carga emocional causada pelo medo e a vergonha de se sentir incapaz
pode gerar uma enorme pressão, uma vez que o disléxico se vê em situações
nas quais as pessoas a sua volta não têm conhecimento de sua dificuldade. Ser
descoberto pode significar um grande embaraço podendo o indivíduo ser visto
como “anormal”8.
O sentimento de frustração pode surgir diante de situações que
demandem interação e desempenho escolar e social, uma vez que os disléxicos
apresentam uma maior dificuldade na lembrança de palavras e normalmente
requerem um maior tempo para a execução de tarefas8.
A desorganização que algumas pessoas disléxicas vivenciam pode levar
a um sentimento de confusão e desespero, quando ela não consegue se
concentrar ou terminar uma tarefa simples antes de iniciar outra8.
Uma profunda sensação de isolamento e solidão é comum em crianças
com dislexia, visto que as dificuldades para compreender determinadas
atividades que outras crianças apreciam é tão grande que normalmente é mais
fácil desistir8.
Diante das dificuldades enfrentadas pelas crianças disléxicas no ambiente
escolar, pode-se considerar o alto risco do desenvolvimento de uma depressão
infantil, caso essa criança não receba apoio emocional e familiar para o
enfrentamento de todos os sentimentos gerados pelo transtorno de
aprendizagem. Cruvinel e Boruchovitch9 dizem que dificuldades escolares com
baixo rendimento estão entre as primeiras causas de depressão na infância. No
contexto escolar, os baixos rendimentos seguidos de repetidos fracassos em
tarefas escolares, além das dificuldades no relacionamento com professores e
colegas, podem desencadear sintomasdepressivos na criança.
Portanto, pais e professores devem ter como objetivo principal a
preservação da autoestima da criança, uma vez que esse é o maior setor de
vulnerabilidade dos portadores de dislexia.As altas expectativas pelo rendimento
acadêmico em sujeitos com transtornos de aprendizagem, normalmente geram
grande frustração nos cuidadores, que acabam acusando essas crianças de falta
de esforço, desmotivação ou falta de capacidade intelectual, acarretando
sentimento de incapacidade e menos valia pelo esforço não reconhecido para
13
manter-se no mesmo nível dos colegas. Nesse sentido, é fundamental que pais,
professores e, principalmente, a criança, entendam a natureza do problema de
leitura para que ela própria desenvolva uma opinião positiva sobre si mesma:
“todos os disléxicos de sucesso tiveram em comum o amor e o apoio incansável
de seus pais ou, ocasionalmente, de um companheiro ou de um professor”1.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conhecimento neuropsicológico é fundamental para os profissionais
que lidam com problemas de aprendizagem, pois, a partir desse ponto, é
possível retirar a culpa do sujeito pela falha na aprendizagem, determinar
estratégias de apoio e a escolha de métodos e estratégias de ensino. É
importante também perceber o vínculo do indivíduo com a aprendizagem,
lembrando que essa questão revela, primeiramente, um sujeito, uma pessoa,
com uma percepção de seus impedimentos e sentimentos, por vezes
impossibilitada pela falta de compreensão de sua dificuldade de encontrar meios
de experimentar suas facilidades e pontos fortes.
Não se pode deixar de considerar a forma como se processa o ensino nos
disléxicos, uma vez que, pela falta de conhecimento, indisponibilidade ou rigidez
pela escolha de um método de ensino, pode-se gerar o fracasso escolar, baixa
autoestima, assim como a perpetuação das dificuldades de aprendizagem. A
escola e a família são responsáveis pelo desenvolvimento das potencialidades
e podem influenciar ricamente na reversão das possibilidades do sujeito, se o
processo for conduzido com entendimento e compreensão.
É importante ressaltar que, mesmo a dislexia sendo um transtorno de
origem genética que afeta a formação cerebral, existem possibilidades de
intervenção cognitiva que reduzem, significativamente, os prejuízos e as
dificuldades encontradas pelos disléxicos nas tarefas de leitura.
REFERÊNCIAS
1. Shaywitz S. Entendendo a dislexia – um novo e completo programa para
todos os níveis de problemas de leitura. Porto Alegre: Artmed; 2003.
14
2. Rotta NT, Ohlweiler L, Riesgo RS. Transtornos da aprendizagem -
abordagem neurobiológica e multidisciplinar. 2.ed. Porto Alegre: Artmed;
2016.
3. Miranda MC, Muszkat M, Mello CB. Neuropsicologia do desenvolvimento
– transtornos do neurodesenvolvimento. Rio de Janeiro: Rubio; 2013.
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(supl.1):13-23.
5. Fuentes D, Malloy-Diniz LF, Camargo CHP, Cosenza R. Neuropsicologia
teoria e prática. 2.ed. Porto Alegre: Artmed; 2014.
6. Mello CB, Miranda MC, Muszkat M. Neuropsicologia do desenvolvimento
– conceitos e abordagens. São Paulo: Memnon; 2005.
7. Macedo EC, Boggio PS. Neurociências e psicologia aplicadas à vida
cotidiana. São Paulo: Mackenzie; 2016.
8. Frank R. A vida secreta da criança com dislexia. São Paulo: M.Books do
Brasil; 2003.
9. Cruvinel M, Boruchovitch E. Compreendendo a depressão infantil.
Petrópoles: Vozes; 2014.