Trajetória da Indústria Fonográfica na · PDF filebaianos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Tom Zé, Gal Costa - os tropicalistas que saíram em busca do sucesso no

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  • Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao XXX Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Santos 29 de agosto a 2 de setembro de 2007

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    Trajetria da Indstria Fonogrfica na Bahia1 Ayska Paulafreitas2 Universidade Estadual de Santa Cruz / Universidade Estadual de Campinas Resumo Este trabalho tem por objetivo apresentar um panorama da indstria fonogrfica no estado da Bahia, situando-a no contexto nacional e mundial. Para tanto, abrange um perodo que inicia em 1960 com a criao da Gravaes JS e do selo JS Discos, pioneiros e nicos at 1975 e chega cena independente atual, na qual se encontram inmeros selos e editoras, alguns criados para atender a um nico artista ou segmento musical. Destaca-se a atuao dos Studios WR e do produtor Wesley Rangel, responsvel pelo lanamento da maior parte dos artistas de sucesso da msica baiana nas dcadas de 80 e 90. Palavras-chave Indstria fonogrfica; msica; Bahia; selos musicais; editoras musicais. Salvador, anos 60 Desde a segunda metade da dcada de 50, na esteira do desenvolvimentismo do governo

    JK, a cidade do Salvador vivia em ebulio cultural. A Universidade da Bahia era uma

    realidade, e o reitor Edgard Santos, compreendendo a vocao artstica da cidade, criou

    os Seminrios de Msica (1954), para onde o maestro Kollreuter levou a dodecafonia, o

    Curso Livre de Dana e a Escola de Teatro (1956), que contava com professores do

    Actors Studio. Somando-se Escola de Belas Artes, esses cursos atraam gente de todo

    o pas para uma cidade que comeava a se modernizar e apostava no turismo e na

    cultura nessa poca surgiram, por exemplo, o Museu de Arte Popular, o Teatro Castro

    Alves e o cinema novo de Glauber Rocha. Em 1960, Salvador contava com cinco

    grandes jornais dirios (A Tarde, Jornal da Bahia, Dirio de Notcias, Estado da Bahia,

    Dirio da Bahia), trs emissoras de rdio (Rdio Sociedade da Bahia, Rdio Excelsior,

    1 Trabalho apresentado no VII NP-Intercom Encontro dos Ncleos de Pesquisa em Comunicao, NP Rdio e Mdia Sonora 2 Radialista, professora do Curso de Comunicao Social da UESC (BA), mestre em Letras (UFBA) e doutoranda em Cincias Sociais (Unicamp). E-mail: [email protected]

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    Rdio Cultura)3 e preparava-se para receber sua primeira emissora de televiso, a TV

    Itapoan, inaugurada em novembro de 1960.

    A dcada em que estourou a ditadura militar foi tambm a que revelou nacionalmente os

    baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethnia, Tom Z, Gal Costa - os

    tropicalistas que saram em busca do sucesso no eixo Rio-SoPaulo. Mas permaneceram

    na Bahia artistas representativos da msica local, alguns dos quais revelados

    nacionalmente nos festivais que marcaram a dcada. O principal espao para divulgao

    do trabalho dos que ficaram eram as rdios locais e a TV Itapoan.

    Gravaes JS Trs meses antes da inaugurao da TV, em agosto de 1960, o radialista e msico Jorge

    Santos4, atento ao mercado que surgiria, criou a Gravaes JS, que viria a ser a primeira

    gravadora e o primeiro selo musical da Bahia, o JS Discos na poca, s havia duas

    gravadoras em todo o norte-nordeste: Mocambo e Rozemblit, ambas em Pernambuco

    (Torres, 2002). Em seguida, junto com Jos Jorge Randam, criou a Publicidade Chama,

    agncia produtora de comerciais que nasceu para atender TV Itapoan e veio a ter uma

    filial em Sergipe: a Chama Aracaju.

    Como a publicidade da poca, quando no era feita ao vivo com garotas-propaganda,

    reproduzia o modelo radiofnico porque no havia videotape, Jorge Santos s precisava

    de um pequeno estdio de gravao, e a JS funcionou inicialmente em uma sala de

    apenas 20 metros quadrados e sem ar refrigerado, por isso apelidada de estdio de ar

    comprimido, no quinto andar do edifcio Sulacap, localizado na confluncia das ruas

    Carlos Gomes e Sete de Setembro, bem defronte Praa Castro Alves, centro da cidade.

    O equipamento restringia-se a uma mesa Supersom, fabricada em So Paulo, um

    gravador importado Ampex 600 de 4 canais, uma mquina de gravar acetato americana,

    3 As emissoras de rdio aprsentavam musicais com cantores nacionais e internacionais, acompanhados por pequenos conjuntos ou por grande orquestra com cordas e sopros, e revelaram artistas que permaneceram por muito tempo no cenrio do show e do disco. Alguns migraram para a TV Itapoan que, como outras dos primrdios da televiso brasileira, apostou nos grandes musicais, a exemplo do Escada para o Sucesso, comandado por Nilton Paes, no qual foram revelados nomes como Maria Creuza e Tom Z que subiu a escada por conta de uma msica chamada Rampa para o Fracasso. Jos Jorge Randam, o primeiro apresentador da televiso baiana, em parceria com Jorge Santos, o segundo, apresentavam o programa J & J Comandam o Espetculo, levado ao ar aos sbados, das 17:00 s 18:30, destacando-se um quadro de calouros chamado Cu ou Inferno. 4 Em 46, quando era aluno da Escola de Msica do maestro Pedro Jatob, Jorge Santos estreou no programa Caderno de Msica, da Rdio Excelsior, onde acabou comandando um programa de auditrio. Depois trabalhou na Cultura e na Sociedade e dirigiu a Piat FM. Fundou em Salvador um sistema de msica funcional, o MUSIFAM-Msica Funcional Ambiente, por linha telefnica. A sua entrada no meio publicitrio tem incio nos anos 40, quando foi fazer teste para locutor da Rdio Excelsior, e Reinaldo Moura, o locutor-chefe, lhe disse: voc passou no teste, mas voc s vai sentar na cabine pra ser locutor se vender anncio (Santos, 2004).

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    marca Rek-0-Cut, e microfones Newman. Em 1964, a JS passou a ocupar todo o

    terceiro andar do edifcio Martins Catharino, situado numa transversal da rua Chile,

    ento o lugar mais chique da cidade, tornando-se capaz de acolher uma orquestra com

    vinte msicos. Recebeu tratamento acstico, planejado e executado pelo engenheiro

    Jorge Coutinho, e teve como tcnicos Amrico Ribeiro e Djalma Bahia, que l trabalhou

    por cerca de 15 anos, at o encerramento das atividades.

    A expanso fsica da JS foi resultado do crescimento e diversificao da produo: alm

    das locues de spots, comearam a gravar jingles, o que abriu as portas para msicos,

    cantores e compositores, como aquele que chegou com uma sanfona debaixo do brao

    e o talento dos escolhidos por Deus: Gilberto Gil. Foi ento que apareceram jingles

    deliciosos, um dos quais, da Calba, teria tudo para ser preservado, como memria5.

    (Berimbau, 2004). A passagem do jingle para a msica se deu naturalmente:

    O estdio, s tardes, era uma maravilha. Pra ganhar dinheiro, eu tinha o estdio, de manh, para propaganda. tarde, a gente se via. Lacerda ia pra l, ficava no piano, batendo, batendo, batendo... E tinha Tom e Dito, tinha toda uma raa bonita l dentro. (Santos, 2004)

    Nas dcadas de 60 e 70, a msica no era compreendida como um produto com valor de

    mercado, como o jingle, e a JS era tambm ponto de encontro de artistas. Alm do

    maestro Carlos Lacerda e do Trio Inema, que se transformou na dupla Tom & Dito aps

    a sada de Douglas, gravavam na JS a cantora Maria Creuza, a dupla Antonio Carlos e

    Jocafi (depois famosa com a msica Voc Abusou), Jos Emmanuel, Ilma Gusmo, Luis

    Berimbau, Alosio Silva, Ivan Reis, Oswaldo Fahel, Diana Pequeno, Carlos Gazineo,

    Celeste, Claudete Macedo, Gilberto Batista, Jos Canrio, Odraude Silva, Antnio

    Moreira, Fernando Lona, Trio Xang, As Trs Baianas; os msicos Fernando Lopes,

    Tuz de Abreu, Kennedy, maestro Chach (Alberto Aquino), Perna Fres, Jessildo

    Carib, Toninho Lacerda, Cacau do Pandeiro, Vivaldo Conceio, Alcyvando Luz,

    Carlinhos Marques, Tom Tavares, Hermano Silva, Geraldo Nascimento, Perinho e

    Moacir Albuquerque, Walter Queiroz... Tambm deixaram registro os sambistas

    tradicionais da Bahia: Batatinha, Panela, Riacho e Tio Motorista6, e a famlia Macdo,

    liderada por Osmar Macdo, da dupla Dod & Osmar que inventou o trio eltrico em

    5 Voc pensava que fosse impossvel/Mas afinal seu calado chegou/ mais durvel, pois flexvel/ bossa nova que a Calba criou era a letra do jingle. Mas, alm dos Calados Calba, havia outros clientes assduos: lojas O Cruzeiro, Milisan, Polgono Filmes, Fratelli Vita, Casa Alberto, Laranja Turva, Envelopes de Ouro. 6 Batatinha Oscar da Penha; Tio Motorista Raimundo Cleto; Riacho Clementino Rodrigues.

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    1950: a banda formada pelos filhos Aroldo, Betinho e Andr trazia como atrao

    principal o caula Armandinho, revelao do programa A Caminho da Grande Chance

    (preliminar local do A Grande Chance de Flvio Cavalcanti), ento apontado como

    gnio do bandolim e hoje guitarrista mundialmente reconhecido.

    Outro espao de concentrao de talentos, eram os festivais que, a exemplo do Rio e

    So Paulo, tambm aconteciam na Bahia: Festival do Samba, Festival do Nordeste,

    seo Bahia de O Brasil canta no Rio, Festival de Msica Popular da Bahia, e outros no

    interior do estado, como o I Festival Regional da Cano, em Ilhus