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SECRETARIA DA CASA CIVIL 1 TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA REALIZADA EM 04/04/2013 LOCAL : AUDITÓRIO DA ADUFEPE DEPOENTES: PAULO PONTES DA SILVA TEREZA WANDERLEY NEVES THEODOMIRO ROMEIRO DA SILVA

TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA REALIZADA EM 04/04/2013 ... · O Correia de Araújo era de quando eu era casada, e eu sou divorciada. Minha identidade é 65451, SSP-PE, CPF 069.131.658-97,

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TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA REALIZADA EM 04/04/2013

LOCAL : AUDITÓRIO DA ADUFEPE

DEPOENTES:

PAULO PONTES DA SILVA TEREZA WANDERLEY NEVES

THEODOMIRO ROMEIRO DA SILVA

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Paulo Pontes da Silva

Tereza Wanderley Neves

Theodomiro Romeiro Da Silva

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00:00:38 – COMISSÃO – Bom dia a todas as pessoas presentes. Para dar início aos trabalhos de hoje da Comissão Estadual em Memória à Verdade Dom Helder Câmara, eu convido o presidente da Comissão, doutor Fernando Coelho.(aplausos)

00:01:30 – FERNANDO COELHO– Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Convido os integrantes da Comissão, os relatores, a tomarem assento na Mesa. E os demais integrantes da Comissão a se aproximarem da Mesa. A sessão de hoje é destinada ao exame dos processos referentes aos ex-militantes do PCBR, mortos no Rio de Janeiro, Maria de Lurdes Wanderley Pontes, Bartomoleu Rodrigues e Fernando Augusto Fonseca. Nesta sessão serão ouvidos como depoentes Tereza Wanderley Neves, Paulo Pontes e Theodomiro Romeiro da Silva. Convoco os relatores Nadja Brayner e Roberto Franca a tomarem assento na Mesa. Já está presente também o secretário executivo, Henrique Mariano e os demais integrantes desta Comissão. Manoel Moraes, aqui presente; Socorro Ferraz, Humberto Vieira e José Áureo. Dando início aos trabalhos, eu passo a palavra à doutora Nadja Brayner, relatora dos casos, para fazer um resumo do processo no tempo de dez minutos.

00:03:27 – NADJA BRAYNER - Obrigada. Eu quero cumprimentar a todos os integrantes da Mesa, os comissionados e o auditório aqui presente. Essa relatoria trata de esclarecer circunstâncias das mortes anunciadas de três militantes: Lurdes Maria Wanderley Pontes, José Bartolomeu Rodrigues de Souza e Fernando Augusto Valente Fonseca. Três militantes do Partido Comunista Revolucionário, o PCBR, e nós trataríamos de esclarecer as circunstâncias dessas mortes que foram anunciadas no Jornal do Brasil, em 17 de janeiro de 1973. Segundo a versão oficial, todos esses militantes teriam morrido em intenso tiroteio com os órgãos de repressão, em 29 de dezembro de 1972. Lurdes Maria, junto com Valdir Sales Sabóia, num aparelho localizado à Rua Sargento Valter Xavier de Lima, em Bento Ribeiro, no Rio de Janeiro. Enquanto que Fernando Augusto e José Bartolomeu, junto com José Silton Pinheiro e José Túlio de Oliveira Cabral, em um outro local, em Grajaú, também no município do Rio de Janeiro. Os três...no caso, os três últimos, do Grajaú, segundo a versão oficial, teriam tido os seus corpos parcialmente carbonizados, em virtude do incêndio que irrompeu no carro, que era um Fusca, onde eles se encontravam. Nesses casos já foram identificadas algumas contradições. Existem testemunhas, inclusive já ouvidas aqui na Comissão, que afirmam que Fernando Augusto morreu sob tortura no DOI-CODI de Recife, sendo levado para o Rio de Janeiro para compor esse cenário do tiroteio. Existe também depoimento de que Bartolomeu, Getúlio e Silton morreram sob tortura no Rio de Janeiro. E também teriam sido colocados para compor esse cenário. Quanto à Lurdes Maria e Valdir Sabóia, não se sabe o local onde foram mortos. No livro “Os Filhos Deste Solo”, de autoria de Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio, fala-se de um teatrinho, vamos dizer assim, de vingança. Os militantes do PCBR teriam sido vítimas disso, visto que teria sido escolhido o dia 29 de dezembro como a suposta data das mortes em virtude de ser a data de aniversário de Theodomiro Romeiro, vamos ouvi-lo a respeito disso, que ao ser preso, em 27.10.70, junto com Paulo Pontes, em Salvador, Bahia, foi o autor do tiro que matou o agente da repressão, evitando, desse modo, a prisão de Getúlio Cabral. E a Rua

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Sargento Valter Xavier, que teria o nome posto em homenagem exatamente a esse militar, foi usada também como cenário para montar essa versão da morte de Lurdes, no caso, Lurdes Maria, esposa de Paulo Pontes. Então nós buscamos, com os depoimentos de hoje, novos esclarecimentos que nos permitam, de fato, traçar essa...buscar essa verdade dos fatos: o que de fato ocorreu, e também de identificar órgãos de repressão e agentes que teriam atuado com relação a esses casos aqui. Os três casos.

00:08:45 – FERNANDO COELHO– Passo a palavra ao doutor Henrique Mariano para chamar e qualificar o primeiro depoente.

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00:08:53 – HENRIQUE MARIANO – Bom dia a todos. Eu convido a senhora Tereza Cristina Wanderley Correia de Araújo para vir aqui à Mesa prestar seu depoimento. Tereza Cristina é prima de Lurdes Maria Wanderley Pontes. Senhora Cristina, bom dia. Eu solicito que você, antes de iniciar a sua fala, proceda à sua qualificação, nome completo, identidade, CPF, filiação, local de residência. Inicialmente será concedido um prazo de quinze minutos para a senhora discorrer sobre o tema, de forma livre, relatando aquilo que achar conveniente. Depois do prazo de quinze minutos, nós iremos passar a palavra aos relatores do caso, a professora Nadja Brayner e o doutor Roberto Franca, e, ato contínuo, será também facultada a palavra aos demais membros da Comissão Estadual da Verdade para formulação de eventuais perguntas. Então, solicito a qualificação e, ato contínuo, a senhora já pode fazer a sua fala durante o prazo de quinze minutos.

00:10:14 – TEREZA WANDERLEY – Bem. Bom dia, meu nome é Tereza Cristina Wanderley Neves. O Correia de Araújo era de quando eu era casada, e eu sou divorciada. Minha identidade é 65451, SSP-PE, CPF 069.131.658-97, minha filiação é Maria José Wanderley Neves e José de Araújo Neves. Eu sou prima-irmã de Lurdinha, já que nossos pais...é...os pais de Lurdinha eram...a mãe dela era irmã caçula da minha mãe e o pai dela, irmão caçula do meu pai. Lurdinha...uma correção logo de inicio que eu vou fazer...Lurdinha não é de origem de Olinda. Lurdes Maria Wanderley Neves, ela nasceu em Recife, no bairro de Dois Irmãos, na casa dos meus pais, que era para onde minha tia, que morava no sertão da Paraíba, numa fazenda, se deslocava para ter seus filhos. Era lá. Então todos esses meus primos, que é uma família...vivos são catorze, foram catorze filhos, e Lurdinha era membros de um desses...talvez a quinta ou a sexta. Está presente também aqui no auditório...e inclusive eu tive a oportunidade de conversar essa semana, mais amiúde com elas, duas irmãs de Lurdes. A Maria do Socorro Wanderley Neves, e Nina, a Maria das Graças Wanderley Neves, que são irmãs de Lurdinha. E estão acompanhadas das sobrinhas. Filhas de Socorro e de Nina. Bem. Lurdes...ela...eu queria também classificar um coisa...Lurdes era funcionária do Instituto de Pesquisa Agronômica de Pernambuco, era desenhista, inclusive ela fazia o registro a bico de pena, em um trabalho muito minucioso, muito perfeito. Lurdes era uma desenhista de primeiro escalão, da reprodução, das plantas, era da área de botânica, das plantas da Mata Atlântica encontradas na pesquisa desse Instituto de Pesquisa. Lurdes ela vai embora, ela se casa com Paulo Pontes. Logo depois eles seguem para Natal, devido a toda a situação de perseguição ao Paulo. E de Natal para a Bahia, já numa sequência de fuga também da

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repressão; e, com a prisão de Paulo na Bahia, junto com Theodomiro, que Nadja já discorreu, já deu um pequeno histórico de como aconteceu, ela vai para o Rio de Janeiro, com o grupo. Eu sai daqui...meu companheiro foi preso em 27 de janeiro de 1970, e condenado, foi numa situação... e então eu saí daqui...isso é final, iniciozinho...final de 71, 72... início de 72. Fui para São Paulo. E quando foi...em São Paulo nós ficamos...eh...fizemos a opção de permanecer no Brasil, ficamos em São Paulo e, no final de ano, entrando na questão mais da...no caso da Lurdes, no final de ano, entre o Natal e o Ano Novo, não foi no dia 29, foi antes do dia 29, eu me encontrava na casa de amigos, Avelino e Marta Bastos, quando recebi um recado, à noite; recebi um recado, através de Joaci Castro, que é uma pessoa conhecida aqui de Pernambuco, envolvido com teatro, inclusive um dos fundadores ou participante do Clube Monteiro Lobato; então era uma pessoa pedindo para que...procurando Joaci Castro para avisar aos familiares de Lurdes, "a mulher de Paulo Pontes", foi assim que ele se identificou no recado, que ela estava presa no Rio de Janeiro, que ele tinha sido preso. Uma pessoa tinha sido solta, e tinha visto Lurdes nos corredores do DOPS no Rio de Janeiro, e ela estava muito machucada e o que se comentava pelos corredores, pelas celas das pessoas presas, era que ela seria, naquela madrugada, transferida para Recife. Eu registrei isso imediatamente lá em São Paulo, na Cúria, procurei no dia seguinte - porque isso já era tarde da noite -, eu procurei Dom Evaristo Arns, e registrei isso porque a nossa estratégia era botar a boca no trombone de todas as formas, mobilizar tudo o que era...a única forma que a gente tinha de preservar...tentar preservar a vida, a integridade dessas pessoas. Nessa mesma noite, assim que eu recebi isso, eu me desloquei para uma...a companhia telefônica, em São Paulo, não usei telefone da casa de ninguém, eu não sei se meu companheiro estava junto comigo nesse momento, o Airton...eu acho que estava, o “maguinho” estava comigo. Então nós fomos e eu liguei para minha mãe. Então liguei para mamãe e disse a ela o que tinha acontecido e que ela imediatamente mobilizasse todos os conhecimentos dela no Rio, inclusive dos familiares que tinha do Rio para que já houvesse uma intervenção. Fosse em busca nos quartéis, aí então eu disse...falei sobre a Barão de Mesquita, falei sobre os possíveis locais da repressão onde ela poderia estar e que mobilizasse quem conhecesse para a gente assim poder preservar...porque eu sabia, se fizessem a transferência era o primeiro sintoma, se fossem transferir Lurdinha, que ela seria eliminada nesse trajeto, sem dúvida e estaria...Bem, minha mãe fez essa inserção mas, infelizmente, quando ela conseguiu...e que houve, realmente foram buscar isso, as pessoas que ela contatou e ela me deu o retorno, disseram "minha filha, infelizmente, é tarde demais!". E recomendaram que as pessoas ficassem quietas se não quisessem ver situações mais constrangedoras. Então eu registrei isso, quando eu voltei para Recife, em outro depoimento que tem nos autos o processo de Lurdes, que eu passei, inclusive o CD que o Paulo me mandou, todo o dossiê e todo o processo do...com tudo, as fotografias, com o atestado do Instituto Médico Legal, das fotografias, etecetera e tal de Lurdes, e isso eu já entreguei e está anexado a isso o meu depoimento por isso a questão do meu nome constar da Comissão da Verdade como Tereza Cristina Wanderley Correia de Araújo. Então está lá que eu fiz também esse registro aqui nessa memória. Eu doei também, porque nesses documentos a gente teve o primeiro dossiê de Lurdinha, o que Paulo Pontes me mandou da Bahia. Ele faz...ele entregou uma cópia, se não me engano, a um dos irmãos mais novos de Lurdinha, não me lembro se Ricardo ou Expedito, porque é uma turminha tão miudinha, depois é que foram assim...Socorro não conviveu com Lurdinha. Ela era uma das pontas de rama, se não a

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ponta de rama da história, né? E eu doei isso. E também fiz uma cópia que entreguei ao Tortura Nunca Mais, que era o único organismo que a gente tinha na época que podia garantir que se preservasse esses documentos. Então esse dossiê com fotografias com resoluções muito boas de Lurdes, também foi entregue ao Tortura Nunca Mais de Recife. Bem, essas são as evidências que tiveram. Também, em 72, houve um possibilidade...Lurdinha ligava muito para a casa da minha mãe. Era de uma forma quase sistemática. Pelo menos uma vez por mês, ela sempre dava notícias. Eu sei disso através das cartas da minha irmã, que eram cartas cifradas, que de repente Lúcia dizia assim "quem me ligou essa semana foi a prima Bráulia! Então, que ela está contente, ela está dando aula numa escola para crianças especiais. Ela é recreadora numa escola num subúrbio do Rio, para crianças especiais", que era um trabalho social de atendimento à comunidade. Dava notícia de que ela estava feliz. Meu pai teve um infarto, então Lurdinha soube, ligou, esse negócio todo, e, em 72, numa...foi marcado, não sei os detalhes, como foi isso, mas foi marcado um encontro de Lurdinha, através de uma outra irmã dela, a Jacinta, que infelizmente era uma pessoa que poderia nos dar muitas informações, mas está numa situação de saúde muito, muito, muito delicada, sem condições nenhuma de...comprometida a voz e tudo mais, não tem condições de nos dar depoimento, mas foi marcado um encontro entre minha tia, Tequinha e a Socorro, tiveram esse encontro com Lurdinha no Rio. E então Socorro me contou que ela estava, inclusive, disfarçada, estava com o cabelo pintado de loiro, o que na morte dela, ela não estava, estava com a cor do cabelo dela natural. Ela estava disfarçada e que elas foram levadas, a mãe e Socorro, a um local para que pudessem conversar, com o acordo que elas não...baixariam a cabeça, fechariam os olhos e não tomariam conhecimento para onde estavam sendo levadas. Mas que foi uma oportunidade que minha tia teve de...de contato! Bem. O que nos chama atenção, desde mesmo essa época, como uma pessoa que sempre esteve engajada, eu era engajada do movimento secundarista e tudo, tinha vários companheiros, amigos, né? Irmãos de opção, que são tidos como desaparecidos e assassinados, eu passei a fazer registro e buscar documentação que me desse evidência de localização desse pessoal. E diante disso, nós temos várias evidências muito sérias, né? Primeiro: Lurdinha e o Saboya, que estavam, pela armação da polícia, estavam naquele aparelho, juntos, lá...não foram...não foi dentro de um confronto. Eles foram presos e, antes do dia 29, eles estavam presos na Barão de Mesquita. A mesma coisa nos leva, pelas evidências, de que Bartolomeu, o...Silton...foi o Silton? É o Silton, né?

00:22:40 – NADJA BRAYNER– Verdade...

00:22:41 – TEREZA WANDERLEY – Não! O Bartolomeu e o Silton é que são carbonizados. Se não me engano. Bartolomeu, Silton e Fernando tinham sido levados também. Fernando, daqui de Recife, ou já morto ou em estado muito precário... ou em estado muito precário porque foi torturado aqui em Recife, tem testemunha, e nós pegamos a ficha de Fernando no DOPS, quer dizer, tem a entrada de Fernando, o Sandália, no DOPS...e então o que é que tem essas pessoas...estavam todos juntos. O caso é: quando a gente lê a ficha de entrada, que tem a ficha do DOPS, a numeração, então vem na numeração 1, 2, 3...aí então vêm eles juntos, vem Bartolomeu, se eu não me engano, vem Lurdinha, um, vem Bartolomeu como a ficha dois. E outra coisa: como o encaminhamento dos corpos, se os corpos foram distantes...um em Grajaú, e outro em Bento Ribeiro, entram na mesma hora, tem esse registro do DOPS. E outra:

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quem faz o encaminhamento dos corpos, não é quando tem a perícia no local que é levado para o IML, esse é o ritual, né? Vai a perícia policial, fotografa, examina, faz aquele ‘perepepez’ todo, aquele ‘rapapez’ todo, e isso é encaminhado para o IML. Se prestarem atenção na documentação e nessas fichas, vão ver que quem encaminhou para o IML foi o DOPS. E o DOPS já se prestava nessa época, desde 71, a ser a porta de saída da legalização de uma série de coisas do DOI-CODI, que era uma estrutura clandestina das Forças Armadas Brasileira. Então todas essas...a gente começou a fazer um trabalho, como militante, na questão de conhecer isso, de ir comparando essas coisas. E documentos, que até Lília me ajudou...obrigada! que é um documento que já está aí em mãos, que eu já tinha passado a tempo, um documento reservado do Ministério da Aeronáutica, do Centro de Informações da Aeronáutica, que é um documento que eles acompanham as atividades do PCBR até 86, gente! A estrutura da repressão se mantém estruturada e acompanhando essa coisa. Não é à toa que alguns, algumas pessoas têm toda essa questão de buscar seus direitos, porque foram presas, foram torturados, foram prejudicados, prejudicaram suas famílias, e é responsabilidade do Estado, que se depara, para tirar seus documentos, com a arrogância desse povo, principalmente em Brasília. O pessoal da área que a gente vai buscar, que ainda tem militar, nos trata com uma arrogância! Todo dia, como a gente tá dizendo, não...’nós ainda temos o controle da situação!’. E então nesses documentos que são tidos como secretos, que nos dá mais por...aqui e acolá tem um vazamento, nos aponta, nesse documento, como o...a...relata a prisão de Valdir Saboya...Saboya, que era na época o companheiro de Lurdes, né? E diz assim ‘aí a ação ao Banco numero tal, não-sei-o-quê, declarante: Valdir Saboya!’. Se ele foi morto numa ação armada com a repressão, como é que ele tem um depoimento dele dentro do organismo da Aeronáutica dizendo quem foram os participantes da ação x, y, z do PCBR, nesse período. Tem outro, a mesma coisa, que tem...que é Fernando Sandália o depoente. E assim vai a armação e que essa coisa de queimar corpos para dizer que foi um confronto entre facções de esquerda, que eles começam a querer construir a imagem de marginais e não de resistência armada contra um regime autoritário e ilegal, porque foi golpe, em 64. O que é que eles fazem? Começam a chamar de facções... a resistência armada passa a ser...ao regime, há uma arbitrariedade do Estado, os resistentes passam a ser tratados como marginais e ser chamadas de facções. Para um termo marginal. Culturalmente dado à facções de crimes comuns. Então...e essa...esse teatro de carbonizar, de dizer que fulano levou ao ponto, e então quem estava no ponto para receber, fazer o contato, vendo que o cara tinha entregue, então metralha o próprio companheiro, e que num... tem um tiroteio cerrado dentre as partes...e que o carro explode, é repetido, é repeteco. Se vocês pegarem a história, o que a gente foi tempo a tempo construindo, tem pelo menos três! Três! Que eu tenha conhecimento, três casos que fazem o mesmo teatro. É o caso de Ramires e Almir. E é o caso de Bartolomeu e Silton. Então as evidências nos colocam para isso. Há documentos hoje que já tiveram, pelo menos a Globo, não sei que poder é esse, da Globo ter acesso, que nós não temos acesso. Enfrentamos a maior burocracia para ter acesso a esses documentos, o que a Época publicou, são cinco mil microfilmes de documentos secretos. Do CENIMAR, da Marinha, Aeronáutica e Exército. Sobre a questão dos atos de prisão, infiltração de agentes nos movimentos de resistência. Então foi publicado na Época (revista) e nós, meros mortais, cidadãos, vítimas da arbitrariedade não pudemos...enfrentamos a maior burocracia para se ter acesso, não se tem acesso. Onde... nesses documentos microfilmados...né? então, que eles fizeram uma

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reportagem...está lá! Nome inclusive de quem foi infiltrado. O negócio da organização. Até pouco tempo para se ter acesso ao próprio arquivo público também era uma burocracia. Precisou caducar aquela Lei que dizia que o ‘dono’ do prontuário teria que dar uma..., né? A... teve isso para que pudessem, alguns funcionários do arquivo público, ter uma postura menos burocrática em relação a isso. Com isso eu tive acesso ao dossiê de um cabra, confesso, aderente e passado para informante dos órgãos de repressão que é o Gercino...José Gercino Saraiva Maia, conhecido como Rivelino, onde Gercino faz um traço... ele é preso pelo Primeiro Exército, ele é preso no Rio de Janeiro, em fevereiro de 71, e Gercino passa a colaborar, não se sabia dessa prisão de Gercino, só vai se ter noticia disso em 25 de março de 72, é que a coisa vai ser bem à tona. Vem essa coisa. E o Gercino começa a traçar passo a passo os passos dos militantes do Nordeste do PCBR, da AP e da ALN, no Nordeste. Ele faz um croquis detalhado de como era a estrutura da organização, como...com comitê central, comitê zonal, comitê regional, e etecetera e tal, e ele passa a botar nessas caixinhas nomes e codinomes de todos os militantes que faziam parte dessa estrutura. A AP também está lá. Ele faz uma série de referências à gente da AP, inclusive quem era e quem não era, já estava afastado da organização por estar estudando, ou porque era a base de trabalho de movimento estudantil e que não entrou no GAPE, no grupo armado, político, armadas, as ações armadas, ele dá o perfil e quando ele não sabe o nome, ele descreve fisicamente as pessoas. E ainda diz ‘fulano de tal, que é do movimento estudantil, que foi presidente do DA de tal faculdade, e etecetera e tal, pode dar o paradeiro de fulano, cicrano e beltrano, que é da Ação Popular, que é da ALN, que é do Comitê de Campo do Rio Grande do Norte, Comitê de Campo de Pernambuco, o comitê zonal, regional da Bahia, e não-sei-quê... a estrutura...ele faz todo esse desenho. De militantes que ele conhece e consegue identificar o nome, ele elenca quarenta e quatro militantes do Nordeste. Em Pernambuco e...e coisa.então é esse mesmo cara que descreve outras pessoas, que seria um apoio, seriam simpatizantes, que seriam amigos, que seriam pessoas que se desligaram antes do partido, porque teve várias situações e opção de não ir para a resistência armada, por esvaziamento dos movimentos de massa, movimento estudantil, etecetera e tal, e ele também descreve dizendo que essas pessoas podem ser identificadas, presas e interrogadas e que poderão dar o paradeiro dos seus parentes e amigos. Ele é de um cinismo incrível. E ele tem conhecimento de toda a estrutura da Guanabara. Ele sabe que saiu da Bahia, que Lurdes, a mulher de Paulo Pontes, saiu com Getulio Cabral, que saiu com fulano, com...diz o nome de um casal, nome de guerra, nome falso e o nome verdadeiro, nesse depoimento, ele dá tudinho que já está também...a Comissão já tem acesso a esse documento e tem outro, porque são vários depoimentos dele. Ele dá nada mais, nada menos...isso daqui é um dos documentos de depoimentos de Gercino...ele dá depoimentos durante o mês de fevereiro todinho, semana sim, semana não, e o mês de março continua, o mês de abril também, são documentos assim que têm mais de 200 páginas de depoimentos. Quer dizer então...ele disseca tudo. Ele dá os contatos no Rio de Janeiro, que provavelmente eram os contatos de Lurdes, e do Valdir...

00:35:10 – HENRIQUE MARIANO– A senhora tem...sem querer cortar o seu raciocínio, mas o tempo já esgotou, o tempo inicial, evidentemente, eu solicito que a senhora conclua e ato contínuo a gente passa a palavra aos relatores para que eles possam fazer as respectivas indagações.

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00:35:27 – TEREZA WANDERLEY– É o que nós temos...o que eu tenho objetivamente de Lurdes Maria Wanderley Pontes foram esses da tentativa de intervenção de saber da prisão dela e da nossa tentativa de intervenção para que não fosse desaparecida...ela não se tornasse uma desaparecida política. Para que a gente pudesse intervir de alguma forma, que não foi possível e isso está registrado tanto na Cúria de São Paulo, no Movimento, como aqui também, quando eu vim a Pernambuco depois da Anistia, fiz questão de comparecer à Associação dos Presos Políticos e Anistiados de Pernambuco, gravar e assinar essa minha declaração. E também no Tortura Nunca Mais. Então isso é o que eu tenho de Lurdes e o que nós temos mais são essas evidências que tem. E o que é estranho: em nenhum documento, nenhum documento, eles falam de Valdir, eles falam de Getulio, eles falam de Bartolomeu, eles falam de todos aqueles que foram colocados com Lurdinha, mas em nenhum documento secreto da Marinha ainda, da Aeronáutica, nem do Primeiro Exército, nos documentos que eu tive acesso, eu ainda não vi nenhuma referência a Lurdinha. Parece assim. Assim como é estranho o nome da rua ser o nome da rua do tenente lá, do sargento lá, um aparelho de um grupo de fogo do PCBR, com um cara com quem ela estava vivendo e o grupo que fazia era gente que tinha formação militar, estar num aparelho, acuado num beco sem saída, que era fundos, era uma casa numa rua, fundos...eu fui na internet, botei o número e procurei esse número, o número doze. Não encontrei o numero doze. Encontrei o numero treze, e quinze, nessa rua. Então a casa, quando a gente vê no mapa, que é bem detalhado, aquele mapa do Google, tem algumas casas que têm a casa "fundos", que isso é muito normal para aumentar a renda. Fundos. E outra coisa: como é que era...disse que as paredes das casas de fundo, não havia quintal, nem muro para pular de lá. Já era emendado com o muro...a parede terminava no muro, a parede da casa do outro lado da rua. Quer dizer, qual era a rota de fuga? E um pessoal experiente desse, como o Paula Preste...o Prestes de Paula, o Valdir e tudo mais que eram oriundos de força militar, com treinamento militar, não iam ver isso...como estratégia...ia ser principio básico que é rota de fuga. Não é? Então essas são as evidências novas, de observações que sempre eu estou passando assim que eu posso esquematizar, eu passo para a Comissão da Verdade.

00:38:36 – HENRIQUE MARIANO – Obrigado, dona Tereza, pelo seu depoimento inicial, antes de passar a palavra à relatora, Nadja Brayner e ao doutor Roberto Franca, eu informo à senhora, e aos demais depoentes que irão falar em seguida, que a Comissão da Verdade Estadual Dom Helder Câmara firmou parceria com a Secretaria de Direitos Humanos do Governo do Estado de Pernambuco e a secretaria vêm implementando um importante programa denominado Clínica do Testemunho. Isso é um programa visando dar apoio psicológico e emocional à pessoas que passaram pelo trauma do crime de tortura ou que tenha tido algum parente próximo que tenha passado por essa situação. Então, acaso alguns dos depoentes ou alguns, inclusive, dos familiares aqui presentes que queiram se utilizar eventualmente deste programa, poderá fazê-lo sem nenhuma dificuldade, inclusive no presente momento. Então eu passo a palavra à relatora Nadja Brayner, em seguida ao doutor Roberto Franca.

00:39:58 – NADJA BRAYNER– Obrigada. Em primeiro lugar, eu gostaria de pedir desculpas a vocês porque eu estou realmente com uma gripe forte. Eu queria agradecer à Tereza, a presença dela aqui, prestando esse depoimento. Nós sabemos o que isso significa, nós já

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fizemos várias audiências públicas e pedimos até, de certa forma, desculpas por fazer com que essas pessoas retomem lembranças de momentos, de situações extremamente dolorosas mas que são, sem dúvida, necessárias para que a gente consiga realmente caminhar no sentido de esclarecer os fatos. Eu queria te perguntar, Tereza, a você...a questão de algumas datas. Você se referiu à uma informação que você teria recebido, através de Joaci Castro, na casa de Marta e Avelino...

00:41:15 – TEREZA WANDERLEY– Adelino!

00:41:20 – NADJA BRAYNER – Isso. Adelino.... Adelino. Perfeito. E qual ...e se você tem ideia, mais ou menos, da data porque, veja, o que a Comissão vem trabalhando. Já tivemos várias audiências que envolveram militantes do PCBR. Estamos, sem dúvida nenhuma, acumulando muitas informações, inclusive com relação às pessoas que você citou, no caso o próprio Gercino, que foi preso e passou a colaborar com a polícia...

00:41:52 – TEREZA WANDERLEY – Colaborador mesmo, né?

00:41:53 – NADJA BRAYNER – Afora ele, também um...temos também acesso a um depoimento do Gilberto Telmo Sidney Marques, e também de Ramahiana Vargens Vaz. Depoimentos que são documentos reveladores exatamente de uma forte contribuição à polícia sobre toda a trajetória desses militantes e a forma de atuar. Enfim, a minha pergunta é a seguinte: a data mais ou menos dessa informação com relação a Lurdes.

00:42:37 – TEREZA WANDERLEY – Posso precisar, sim. Olha, quando eu fui logo para São Paulo, nós ficamos um tempo reclusos na casa do Cândido, foi o Cândido que nos deu apoio, foi quem...nós íamos para o exílio e decidimos permanecer em São Paulo. São Paulo que é uma coisa maravilhosa, que é o direito ao anonimato; adoro aquela cidade! E nós resolvemos permanecer no...nesse exílio interno. E eu fui morar em Campinas, porque o Airton conseguiu um trabalho em Campinas, e eu voltei a estudar, eu fazia cursinho em Campinas. Fui fazer cursinho. E eu vim no Natal para São Paulo. No final de ano. Isso foi...não foi na véspera de Natal, foi dia 26, eu acho de...entre o dia 26 e 27 de janeiro isso, foi antes do dia 29, isso eu sei tranquilamente. Vinte e nove foi o dia que minha mãe me retornou a ligação e dizendo "Perdemos!". Foi essa a expressão da minha mãe "Perdemos Lurdinha!".

00:43:53 – NADJABRAYNER – Teria sido, então, 26 de dezembro, mais ou menos?

00:43:55 – TEREZA WANDERLEY– Isso. Vinte e seis ou vinte e sete de dezembro, porque aí eu fiquei a semana toda de Natal e Ano Novo, eu fiquei em São Paulo.

00:44:07 – NADJA BRAYNER– Tereza, você fez uma referência, já no final da sua fala, ao Antônio de Paula Prestes. Estou certa?

00:44:22 – TEREZA WANDERLEY – Prestes de Paula...

00:44:23 – NADJA BRAYNER – Perdão, eu tenho um problema...nunca consigo...é Prestes de Paula, sobre a experiência dele, inclusive na área militar...o que você questiona...

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00:44:35 – TEREZA WANDERLEY– Não só o Aldemir, o Marinheiro, que é o pessoal do MAR, do Movimento...

00:44:42 – NADJA BRAYNER– Aí eu perguntaria a você...porque o Prestes de Paula, em setembro de 72, a informação que se tem é de que ele teria ido para o Chile. Ele não estava aqui nessa época...

00:44:54 - TEREZA WANDERLEY – Sim, sim, eu chequei com a...é....recentemente...recentemente há uns dois anos atrás, como assim dizer, eu chequei com a pessoa que estava no Chile e que era da direção do PCBR sobre isso, porque eu tive acesso a esse documento, que diz que Bartolomeu acompanhou Prestes de Paula ao Chile para uma...que teve uma reunião lá, e etecetera e tal, que é um dos documentos também secretos que eles falam isso. Até o cara chega e diz assim "e, covardemente, Prestes de Paula não teve coragem de retornar"’, eles botam... a repressão... um negócio assim. Não, mas aí eu chequei isso com uma pessoa que era dirigente do PCBR e que estava no Chile e ele me disse que não. Que houve uma ordem que Preste...Paula Preste...Prestes de Paula permaneceria no Chile por mais tempo; volta...retornou somente Bartolomeu com as instruções sobre como... porque exatamente estava fora o...uma parte, vamos dizer assim, do comitê central do PCBR, estava fora. Estava no Chile. Então essa pessoa garantiu isso. Não, que ele foi; e que a ordem foi que retiveram ele lá.

00:46:26 – NADJA BRAYNER – Certo. Veja. Está esclarecido para mim. Algumas perguntas que a gente faz, como a gente está acumulando várias informações, inclusive com relação a outros casos, a gente tenta entender um pouco a trajetória dos militantes, porque o Prestes de Paula esteve aqui no período, inclusive, quando houve o acidente de Miriam e Benevides. O suposto acidente. Estaria hospedado na casa de Miriam, posteriormente, ficou na casa de Ivaldevan, isso já é público, e ele terminou fugindo, conseguido escapar, evadiu-se e não foi preso. E aí a gente tenta exatamente buscar essas informações para compreender algumas questões. Eu teria só mais uma questão, senhor secretário: que é sobre o que você falou do Valdir Sales Saboya. Acho muito importante essa sua colocação porque eu tenho aqui um quadro de ações armadas do PCBR entre 69 e 72, que foi elaborado pela assessoria, pela assessora Lília Gondim, grande ajuda à Comissão, sem dúvida, onde está indicado aqui exatamente três...com relação a três ações, os depoimentos do Saboya...

00:48:13 – TEREZA WANDERLEY– O depoente é o Saboya!

00:48:14 – NADJA BRAYNER – Então eu acho que é uma constatação, não foi só uma declaração, mas são três declarações do Valdir. O que reforça exatamente essa colocação que você faz da prisão dele. A gente não tem com relação a Lurdes, é fato, mas o Valdir Saboya que teria morrido junto com ela nesse mesmo local, a gente tem essa informação do CISA, e a gente fez um quadro a partir dele. Eu passaria agora para o secretário e agradeço a Tereza, mais uma vez.

00:49:03 – TEREZA WANDERLEY– De nada, Nadja.

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00:49:05 – HENRIQUE MARIANO– Passamos então a palavra ao relator, doutor Roberto Franca.

00:49:15 – ROBERTO FRANCA – Eu inicialmente, como fez Nadja Brayner, agradeço a colaboração do depoimento da Tereza, sabendo como essas coisas são difíceis depois de tantos anos, reviver situações tão dolorosas, mas queria fazer apenas uma pergunta a Tereza. Você se referiu a essas armações, essas montagens de teatro de mortes, citou que houve em pelo menos três situações. Nós temos acompanhado também depoimentos sobre isso, e num depoimento que nós tivemos numa sessão reservada, com o ex-delegado Cláudio Guerra, não somente em seu livro ‘Memórias de Uma Guerra Suja”, mas no depoimento aqui prestado a essa Comissão, ele se refere à armações de cenários onde militantes foram mortos, inclusive com detalhes sobre como desfazer o cenário do crime, induzir falsos depoimentos e falsas testemunhas, com agentes infiltrados especificamente para dificultar a perícia e as investigações posteriores. Quando nós estávamos ouvindo o ex-delegado sobre o caso de Luiz Benevides, sobre o acidente de Luiz Benevides e Miriam Verbena, cujas conclusões ainda não estão completamente esclarecidas de sua morte num acidente de automóvel, ele mencionou o nome do Coronel Perdigão, achando...numa suposição, não comprovada, de que poderia, no caso de Miriam e Benevides, ele ter comparecido a Pernambuco, porque fazia parte da sua prática e afirmava que ele usava desses expedientes. No caso, armar cenários para mortes já ocorridas. Aí eu pergunto, Tereza, era só essa pergunta, se você tem alguma referência sobre esse Coronel Perdigão, que já faleceu, porque nós, simultaneamente, estamos investigando vários casos e uns casos ajudam a completar pequenas informações sobre outros. É muito importante não somente aquele casos sob foco, mas também informações adicionais que a gente sabe que os militantes da época e os familiares possam ter e que nos ajudam a esclarecer fatos até possíveis, que não sejam investigados por esta Comissão, mas por outras Comissões que estão sendo instaladas. Então se você já ouviu falar nesse Coronel Perdigão, por leitura ou não, ou se de alguma forma, tem alguma informação sobre um dos reconhecidamente autores dessas montagens, no caso, no Rio de Janeiro.

00:52:23 – TEREZA WANDERLEY – Bem. Com essa questão do Benevides, eu acho que vale a pena uma leitura de todos os depoimentos de dois meses do detalhe...dos depoimentos que, inclusive, ele faz à mão, ele faz de próprio punho...

00:52:41 – ROBERTO FRANCA – Quem?

00:52:43 – TEREZA WANDERLEY – O Gercino! É bom ver, porque Gercino, inclusive, traça a questão de quem está queimado e quem são os grupos armados experientes que se deslocariam da Guanabara para o Nordeste e quem estava vindo do Nordeste para a Guanabara porque não tinha mais... já estava, na linguagem da gente, queimado. Então que...inclusive num dos documentos dele aqui, ele fala que... de quem veio...ele fala no nome de Benevides, fala da pessoa que está vindo também...ele faz uma relação de nomes, que saíram do Nordeste para vir para a Guanabara. Quem ele não sabe os nomes próprios, ele dá o nome de guerra, os vários nomes de guerra e traça o perfil físico para que seja...e o Benevides não. Ele dá o nome completo de Benevides e que Benevides estava vindo para atuar, para substituir as ações aqui em Pernambuco. De...sobre o Perdigão, nós já em São Paulo...eu estive

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aqui, eu cheguei a Recife de forma bem discreta para pegar um documento, na Celpe, que eu precisava levar para São Paulo, do meu companheiro na época. E eu cheguei no dia 07 de março. Quando eu cheguei, tinha um...minha mãe me pegou no aeroporto, ela disse ‘tem uma ligação...uma amiga sua que ligou hoje, dizendo que quer que você amanhã vá tomar café com ela, na casa da mãe dela que fica no Poço da Panela’. Eu disse ‘Mamãe, quem é?’, ‘não, ela disse que bastava dizer a você que foi a chinezinha!’. Bem. Chinezinha, por causa dos traços bem...da Miriam, eu digo, Miriam, né? E eu sabia onde era a casa da mãe dela, estava pronta para ir. Foi quando em torno de uma hora, duas horas da tarde, ligam para mim dizendo que o meu encontro com a Chinezinha está cancelado, porque tinha havido um acidente e ela estava muito machucada. Eu não fui. Eu ...aí pronto, essa história, eu estive lá, tudinho...fui ajudar, saber, aí foi quando veio...aí fiquei sabendo através de outros amigos aqui em Recife, que eu fui junto com essas pessoas à casa de Romildo para saber de quem era o Fusca, tudinho, para a gente tentar, avisar, né? E esse negócio todo, e...tomei uma decisão quando uma pessoa, Eduardo Magalhães, que estava junto comigo, que foi para a casa de Romildo, e que então disse assim ‘eu lhe aconselho a ir embora, porque isso vai pegar fogo, porque tudo o que tem foi um cenário a história de...’, e eu realmente peguei um corujão no dia 08 para o dia 09, e retornei a São Paulo. E realmente, sete dias depois, eles estavam realmente pegando tudo, o caso é que a casa da minha mãe voltou a ser vigiada, que nos anos setenta havia uma Veraneio preta que ficava 24 horas na esquina. A casa de minha mãe era na Oliveira Góis, uma travessa da Rua Oliveira Góis, ali em Casa Forte, no oitão de um posto de gasolina, então era uma primeira travessa, era uma rua sem saída, e essa Veraneio se postava 24 horas por dia. Quando não era a Veraneio, era uma Rural Willis verde e branca. E com uns caras muito suspeitos. O caso é que meu irmão é que sempre ficava de espreitar se eu estava, aquela coisa todinha. E então voltou esse mesmo carro, esses mesmos investigadores, eles começaram a rondar tudo aquilo e eu já tinha ido embora. Depois minha mãe deu ciência disso. E o Perdigão foi comentado em São Paulo, na casa de Cândido, quando eu cheguei, eu fiquei na casa de Cândido, que nessa época eu estava por Campinas, eu fiquei e foi um acordo, foi quando eu vi pela primeira vez, na colônia nordestina, como a gente chamava, que a gente às vezes se reunia, falar do Perdigão. E como se tinha umas figuras do Rio, da Guanabara, e que falou para a gente sobre essa pessoa. Não me lembro quem era do Rio que estava lá, não era pessoa do meu convívio, da minha época de militância, e também nem eu fiz ...então que falou do Perdigão. Foi a primeira vez que eu ouvi falar sobre esse Perdigão. Só foi esse momento.

00:57:48 – ROBERTO FRANCA – Tá bom. Obrigado.

00:57:52 – HENRIQUE MARIANO – Bom. Estando presentes todos os demais integrantes da Comissão Estadual da Verdade, doutor Gilberto Marques, doutor José Áureo, doutor Humberto Vieira, professora Socorro Ferraz, e o professor Manoel Moraes, faculto aos demais integrantes da Comissão a, querendo, proceder com alguma pergunta. Socorro Ferraz.

00:58:23 – SOCORRO FERRAZ – Bom dia. Eu gostaria de perguntar à senhora Tereza Cristina qual era a função do Gercino no partido? No escalão de direção, ou não, qual era a função do Gercino?

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00:58:49 – TEREZA WANDERLEY– Bem. O Gercino, apesar de ele dizer que se encontrou comigo, que eu disse isso, que eu disse aquilo, inclusive diz que eu estava “debreada” do PCBR (risos), e tudo o mais, com o Gercino eu tive um único contato, que eu não o conhecia. Foi no dia 28 de janeiro de 1970, um dia após a prisão do meu companheiro, Airton Correia de Araújo, que era...que também estava afastado do PCBR, só estava como aliado ou apoio, que era do zonal, então, que eu tinha um encontro com uma outra pessoa, com a Narcisa, que marcaram, que é pessoa conhecida, para eu dizer sobre a prisão do Airton, quem estava envolvido nessa prisão, e etecetera e tal, para avisar ao resto do pessoal. E para surpresa minha, estava essa figura chamada Gercino...que não era Gercino, o nome de guerra dele era Rivelino, assim foi apresentado, estava junto com ela. E Rivelino começou a me fazer um verdadeiro interrogatório. Eu disse a ele que eu não conhecia ele, que eu não sabia qual era a função dele, e que eu só estava ali para dizer que o Airton tinha sido preso, que o Juliano Homem de Siqueira tinha sido preso junto com o Comitê Central junto com Apolônio de Carvalho, Mário Alves, etc. e tal, já estava em Pernambuco, e que o Airton estava preso em local ignorado. Que era isso que eu tinha que avisar para os companheiros para que as pessoas pudessem agilizar imediatamente seus esquemas de segurança.

01:00:35 – SOCORRO FERRAZ– Mas ele lhe falou em nome do partido? Ele era uma pessoa do partido?

01:00:38 – TEREZA WANDERLEY– Ah, sim...ele já estava...ele revelou que era um farofeiro, um fofoqueiro, ele especulava muito. Tipo...vou dizer aqui que Nadja conheceu bem, sabe? Para mim, ele era um estilo do Help. Do menino lá. Gostava muito de falar, muito curioso, muito ‘entrão’, de saber quem era quem, então seu... eu tinha saído, porque eu tinha...porque é que eu tinha me desligado do PCBR, e se o Airton estava tomando, se não estava, e por quê o Airton tinha sido submetido a essa suspensão da atividade...ele não foi...o Airton não está...tinha uma responsabilidade familiar e não fez uma opção pela luta...pelo engajamento no grupo da ação armada, da coisa. E assim foi....as coisas. Então, ele era isso e eu dei-lhe logo um ‘tranca’. Depois eu não sei como ele vai saber que eu estava trabalhando no banco, que eu tinha me desligado do PCBR no final de 69, o Airton foi preso em janeiro...foi tudo muito....aconteceu isso. Então, o Gercino para mim é uma ingógnica e eu...foi antipatia à primeira vista.

01:01:58 – SOCORRO FERRAZ – Obrigada. E como você teve acesso à essa documentação que você cita, praticamente relatórios que ele fazia, para quem esses relatórios seriam ou como você teve acesso a eles?

01:02:13 – TEREZA WANDERLEY– Esse material está todo no seu prontuário, que é bastante robusto, precisa...

01:02:22 – SOCORRO FERRAZ – No prontuário do Gercino...

01:02:22 – TEREZA WANDERLEY– Do Gercino...aqui e no Rio de Janeiro. Tem muito documento também, que não está nesse prontuário que veio aqui para o DOPS, que continua no Rio de Janeiro. Inclusive eu estou tentando...já veio, mas o meu programa de computador não deu ainda para abrir, que é um relatório secreto do DOI-CODI do Rio de Janeiro, que é o I

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Exército, que eu só estou esperando que a pessoa que tem o equipamento faça uma cópia legal para eu já passar para vocês que provavelmente terão muitas outras informações sobre esse período, que é um secreto de 71, 72, 73 das prisões do Rio de Janeiro.

01:03:10 – SOCORRO FERRAZ– Certo. Ele na...nesse encontro que você teve com ele, foi somente esse encontro, ou você teve outros?

01:03:16 – TEREZA WANDERLEY– Não...somente esse. Ele diz que teve um segundo encontro comigo em agosto. Impossível, porque meu companheiro estava preso, eu enfrentei toda a barra, ele foi...quando ele foi transferido e, exatamente no...para a Casa de Detenção do Recife, foi uma reivindicação, porque ele foi junto com Rolim Luciano, que chegou ainda a pouco, Luciano, Perli Cipriano, Ronaldo Dutra Machado...está faltando mais alguém...eles foram todos retirados do DOPS, e levados para o Quartel da PE, em Olinda...que ficava.

01:03:55 – SOCORRO FERRAZ – Ele era pernambucano, o Gercino?

01:03:57 – TEREZA WANDERLEY– O Gercino? Não, eu acho que ele é potiguar, ele é do Rio Grande do Norte. Se não me engano, ele é do Rio Grande do Norte...

01:04:03 – SOCORRO FERRAZ – Nesse encontro que você teve com ele, em algum momento ele citou o Prestes de Paula?

01:04:10 – TEREZA WANDERLEY – Não. O Prestes eu sabia por outras referências, porque eu também fui de outras militâncias, que fui do Comitê Secundarista e...numa ocasião, em 69, eu tive um contato muito rápido numa determinada reunião e só depois é que eu fui saber que era... fazia parte do grupo, que era uma coisa assim que...causou um grande impacto para os militantes, principalmente quem era envolvido com o trabalho de massa, movimento estudantil, que foi...como é...da fuga espetacular da prisão Lemos de Brito, em 68, desse grupo de Marinheiros e Militares, e ...e então eu tive que...depois eu vim saber que era o Paula...o Preste Paula, né? Uma dessas pessoas que eu tive rapidamente...não foi no...nem me lembro se eu tinha um carro e eu fui com esse carro dar ajuda para encontrar alguém, com que...e que estava ele. Só muito depois, quando eu já voltei para Pernambuco, e após a Anistia, foi que eu liguei o nome à pessoa.

01:05:28 – SOCORRO FERRAZ – A última questão: o Gercino lhe pareceu que fazia parte desse grupo que tinha uma experiência de luta armada?

01:05:40 – TEREZA WANDERLEY– Não. O Gercino, que me conste, ele era oriundo do movimento estudantil. Eu acho que Gercino nem universitário era. Estava naquela zona de...do mangue (risos), entre o mar e a terra, né? Que talvez...para fazer vestibular, ou qualquer coisa assim. Ele não era um...era uma figura baixinha, entroncadinha, meio truculenta...

01:06:09 – SOCORRO FERRAZ – Ele está vivo ou já faleceu?

01:06:10 – TEREZA WANDERLEY – Não...ele morreu...infelizmente já morreu, que eu gostaria de vê-lo aqui, com a gente da plateia, fazendo perguntas a eles. A ele... (risos).

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01:06:18 – SOCORRO FERRAZ – Muito obrigada.

01:06:23 – HENRIQUE MARIANO– Obrigado, professora Socorro Ferraz. Passo então a palavra ao professor Manoel Moraes.

01:06:30 – MANOEL MORAES– Tereza...é ...eu queria em primeiro lugar dizer da particular alegria de tê-la aqui conosco. Você sabe que a minha experiência com todo esse debate é, a partir do momento que eu fui estagiário seu, no DIEESE, e foi através disso que eu conheci Cândido Pinto. E queria, exatamente, não no caso concreto, mas no contexto, lhe perguntar sobre esse contexto que o PCBR viveu em Pernambuco. Havia informação de Cândido, de uma lista, uma lista operada pelo Comando de Caça aos Comunistas na morte, numa série de assassinatos, atentados contra uma série de pessoas e ativistas, inclusive, do PCBR. Vocês tinham informações sobre a atuação do CCC? Você tinha...você pode confirmar essa informação? Quais são as circunstâncias do atentado, quer dizer, o que é que você poderia colaborar para também, nesse contexto, de repressão que aconteceu aqui em Pernambuco, ao PCBR e à atuação desse grupo, que me parece, fazia enfrentamento ao movimento estudantil?

01:07:31 – TEREZA WANDERLEY– Obrigada, Manoel. Bem. Cândido...sempre falar em Cândido, isso é uma coisa que mexe muito com todos nós. Da sua geração. Cândido era meu amigo, meu irmão, era companheiro de militância, Cândido era uma figura ímpar. Cândido tinha uma série de registros que, desde o atentado dele...e vou dizer mais, Cândido foi assim a figura viva, foi um exemplo pedagógico para os nossos filhos. Sabe a força, a integridade, a retidão, e a deficiência física, como um mero acidente de percurso. Não como uma coisa que abalasse ele. Bem, Cândido tinha...do movimento estudantil, eu era do movimento secundarista. No movimento secundarista então eu estive muito próxima de Paulo Pontes, de Marcelo Mário Melo, de Marcos Pantera, ou Marcos Valença, que faleceu. O Ramires. Eu e o Ramires éramos muito amigos. O Bartolomeu. E todo um grupo, que era um grupo de quinze secundaristas, mais próximos. Então, que essa era a minha coisa de referência. Então, sobre o CCC, a gente era muito integrado, apesar do movimento secundarista ter vida própria, e ter respiração própria, mesmo estando engajado dentro de um partido, ele não era uma dependência do movimento universitário, mas estava bem integrado. E sobre o CCC...a gente sabia, falava-se de muito. Eu me lembro assim de uns nomes...Jason, que era da Medicina, né? Tinha um outro cara, que era da Geologia, que uma vez até o baixinho Carlos Soares jogou ele dentro de um tanque, quando...da Geologia lá, por causa de uma provocação. Aí jogou o cara dentro do tanque que tinha uma fontezinha...essas coisas de assembleia e de coisa e tal. Tinha quando...e...do Congresso da Une antes de 68, eu estava muito ocupada, a Universidade Católica primeiro, a Fafipe, que ficava ali na Rua da Soledade. Depois o cercamento, né, da Fafipe, a gente passou a ocupar... o movimento estudantil, a Universidade Católica. Inclusive que Ramires prendeu um cara,...o Ramires...e que viu que o cara era infiltrado e que tinha ligação com um dos caras do CCC, que estava no meio da nossa assembleia, e Ramires botou esse cara trancado numa sala. Até que foi o primeiro processo de Ramires foi por cárcere privado, alguma coisa assim. Uma coisa, porque ele prendeu o policial que estava instruindo o pessoal que a gente sabia que era do CCC. Cândido tem uma série de anotações. Inclusive, a gente conversava muito, no tempo que eu tive em São Paulo, que Cândido começou a desenvolver um projeto de escrever um livro. E eu tenho uma carta do Cândido, ele dizendo

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para mim que o meu depoimento ele já tinha editado que estaria mandando posteriormente para mim, para que eu lesse e fizesse as correções, adicionasse, essas coisas. Isso nunca mais...nunca chegou, só chegou a carta. O depoimento nunca chegou às minhas mãos. E Cândido fez entrevista com uma série de outras pessoas e tinha uma lista. Ele tem documento disso. Desse roteiro. Eu tenho...eu sou muito amiga da viúva de Cândido, e ela me informou que algumas coisas, Bruno, que é o filho mais novo deles, que foi adotado, mas se fosse filho legítimo de Cândido não pareceria tanto com Cândido, quando ao jeito de ser, de ver as coisas...o Bruno disse para mim que já conseguiu escanear uma série de coisas. Eu estou esperando...eu estou indo, eles estão voltando...Silvana voltou para a Bahia, está morando na Bahia, e eu estou indo lá, me programando para pegar com Bruno isso. Então provavelmente nesses alfarrabios de Cândido, terão as suas memórias, dessas coisas, da engenharia, do movimento estudantil, e quem eram as pessoas que diziam ter ligação com o CCC. Eu me lembro de nomes esporádicos que corriam assim. Porque não era um ambiente que eu vivia minhas 24 horas. Eu vivia enterrada, a maior parte das minhas 24 horas, no movimento secundarista.

01:12:32 – HENRIQUE MARIANO – .Tereza Cristina, queremos muito agradecer a sua valorosa contribuição com os trabalhos da Comissão Estadual da Memória e Verdade. De logo, quero lhe dizer que temos uma relatoria própria referente ao atentado de Cândido Pinto, estamos desenvolvendo um estudo muito apurado, para contextualizar esse atentado, que está diretamente ligado também com o assassinato do Padre Antônio Henrique, e, de logo, manifestar o interesse da Comissão em receber eventuais documentos que você possa obter futuramente, que será de grande valia para a instrução da relatoria do caso de Cândido Pinto.

01:13:23 – TEREZA WANDERLEY– Hum, hum. Agora, o que será interessante dessa Comissão é fazer uma ação junto, em Brasília, para acesso e revelação, fazer a revelação desses microfilmes. Porque, desses microfilmes, o que eu tive acesso a algumas cópias que foram feitas pela Revista Época, né? Inclusive têm informações que são valiosíssimas para elucidação...pelo menos você vê a lógica que como a repressão se armou e cercou em torno disso, e nomes que talvez a gente nem saiba que estão...

01:13:59 – HENRIQUE MARIANO – Perfeito. Muito obrigado, Tereza, pelo seu depoimento (aplausos). Bom, antes de convidar o segundo depoente, eu quero registrar as presenças dos assessores da Comissão, Rafael Leite, Samuel, professora Vera Accioly, Valéria, Lilia Gondim, Joelma Gusmão, Débora Brito e doutor Fernando Araújo. Registro também as presenças de algumas pessoas, o nosso vereador Marcelo Santa Cruz, o senhor Jurandir Bezerra, filho do inesquecível Gregório Bezerra, que sempre acompanha as audiências públicas da Comissão Estadual da Memória. Registrar também a presença da senhora Isairas Pereira Padovan, irmã do Padre Antônio Henrique, do ex-preso político Chico de Assis, e agradecer também à equipe da TV Brasil, que se encontra aqui em Recife, neste presente momento, fazendo uma matéria específica sobre a Comissão da Memória e Verdade Dom Helder Câmara. Bom, para darmos seguimento à nossa sessão pública, convido, então, o senhor Paulo Pontes da Silva, para prestar o seu depoimento. (aplausos). Paulo Pontes é ex-preso político e viúvo de Lurdes Maria Wanderley Pontes. Paulo, bom dia. Inicialmente, já agradeço à sua disposição de comparecer aos trabalhos da Comissão, solicito que você faça a sua qualificação, nome completo,

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identidade, CPF e endereço de residência para fins de registro na gravação, e, ato contínuo, você terá um prazo de quinze minutos para, livremente, discorrer sobre o tema da nossa sessão pública, e, em sucessivo, iremos seguir o mesmo rito que foi feito com Tereza Cristina. Passaremos a palavra aos relatores, e, ato contínuo, aos demais membros da Comissão da Verdade. Então, inicialmente, solicito a sua qualificação e, em sucessivo, você já pode começar a sua explanação.

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01:16:31 – PAULO PONTES– Meu nome é Paulo Pontes da Silva, eu sou pernambucano, do interior, sou de São Caetano, nasci em 1945, e migrei para Salvador... para Recife, com meus pais, quando tinha aproximadamente dez anos de idade. Fui estudante do Colégio Estadual de Pernambuco, isso é o que me permitiu, digamos assim, é uma sequência de estudos, porque meus pais eram pobres, muito pobres, e a família era muito grande, então a prioridade era trabalhar. Mas como eu passei no concurso de admissão, que tinha isso, quando não tinha vagas nas escolas públicas suficientes, eu passei no exame de admissão, e fiquei no Colégio Estadual de Pernambuco. O nome do meu pai era José da Silva, de minha mãe, Maria Pontes da Silva. Eu migrei posteriormente para a Bahia, já na clandestinidade, e, depois do período de prisão, continuei, fiquei radicado na Bahia. Hoje moro na Rua Marquês de Monte Santo, numero 91, apartamento 203, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador. Sou professor aposentado da Universidade do Estado da Bahia, e tenho um cargo, atualmente, no Governo do Estado, na Secretaria de Educação. Acho que em termos de qualificação...se precisar de mais algum dado que...Bem, a minha história...que vai ter o conhecimento, posteriormente, eu vou conhecer Lurdinha numa reunião política, mas minha história política é um pouco anterior. Eu fui fichado pela polícia, pelo DOPS, pela primeira vez, como membro do Clube Literário Monteiro Lobato. Então, isso dá a dimensão do que significava a ditadura. Isso, no ano de 65. Aos vinte anos de idade, eu era fichado na polícia, por algo que hoje em dia todas as famílias gostariam que seus filhos de 20 anos estivessem envolvidos com literatura, com poesia. Nós passávamos lá a tarde do domingo discutindo literatura, discutindo se Jorge Amado era o melhor romancista, ou era Érico Veríssimo, fazendo discursos e, inclusive, eu tenho um companheiro aqui, Chico de Assis, foi quem me levou ao Clube Literário Monteiro Lobato, então era...foi por isso que eu fui fichado a primeira vez. Bem, minha militância vai se dar basicamente após o 1º de abril de 64. Eu antes era um...um jovem de 18 anos, em 64, com...que discutia as questões é....da pauta, do que era colocado para as pessoas na época. Que eram as...discutia-se muito a Constituição, aquela questão dos direitos do povo, da democracia. Então, no Colégio Estadual sempre foi muito efervescente essa discussão. E eu cheguei a ser convidado, inclusive, por um amigo meu, Rogério, para ir à uma reunião do Partido Comunista, e disse "Eu não vou! Eu não sou comunista, então não vou para reunião do Partido Comunista.". Quando veio o golpe militar, e a partir do 1º de abril de 64, eu estava naquela passeata que foi fuzilada na Dantas Barreto, e vi, pelo menos, o cadáver de Jonas, que era estudante do meu Colégio; a partir daquele momento, eu fiquei querendo fazer alguma militância, e a minha entrada no Partido Comunista, eu entrei primeiro no Partido Comunista Brasileiro, foi atrasada por Marcelo Melo, jornalista conhecido de todos aqui, que era quem deveria, porque Marcelo desconfiava "Como é que na época que todo mundo queria entrar no

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partido, esse cara não quis. Agora, que todo mundo está saindo, Paulo quer entrar!", então me botou uma...em quarentena durante uns seis meses. E finalmente me deram uma tarefa que eu acho que foi importante também, porque sinaliza como é que foi minha entrada, claro que eu não sabia nada de comunismo, não sabia nada de revolução, eu queria era lutar contra a ditadura, queria fazer alguma coisa, e tinha muita revolta de ter visto o assassinato de Jonas e de outras pessoas, mas os outros eu não conhecia, e não cheguei a ver os cadáveres. Então, a minha primeira tarefa foi pixar o muro do cemitério, no dia 1º de novembro, que é o período de finados. Só que nós não sabíamos, e os nossos dirigentes, Marcelo, inclusive, não sabia que era...parece uma feira, na véspera do Dia de Finados, lá, a porta do cemitério. Então, todo mundo vendendo flores, tudo claro e nós tínhamos a tarefa de pixar o muro. Era "abaixo a ditadura", denunciando a morte dos estudantes no...na Dantas Barreto, e eu me lembro que na minha tarefa, eu errei. Eu não me lembro exatamente qual foi a palavra que eu errei, faltou colocar uma letra. Digamos que fosse ‘Ditadura’, ‘Abaixo a Ditadura’, como era a palavra de ordem, e eu tenha esquecido o ‘R’. ficou ‘Ditadua’. Voltei correndo, esbaforido, para o carro, e Marcelo chegou e disse ‘tá errado! Volte e conserte!’. (risos na plateia). Então, voltar e consertar aquilo, quer dizer, passar de novo por aqueles feirantes todos, vendendo flores, foi uma dificuldade enorme. Passei, fiz o registro, o ...fiquei lá...aquele conserto, botei, digamos, o ‘R’, e voltei e fomos embora. A partir daí eu era do Partido Comunista Brasileiro, e os secundaristas daqui tiveram um papel importante na luta contra a Ditadura, na resistência. Os universitários não eram totalmente...o pessoal chama de irresponsável, nós achávamos que nós éramos mais valentes, aquela coisa da ...própria da juventude. Então, fazíamos...tínhamos muita dificuldade de reunião, e fazíamos...tínhamos um bloco, o Partido Comunista, tinha um bloco de umas...a gente reunia mais ou menos um público desse tamanho, todo final de semana, em algum lugar. Foi num desses lugares, numa dessas reuniões, que eu encontrei Lurdinha, e que, a partir daí, começamos a namorar. Isso era o ano 67, mais ou menos. Mil, novecentos e sessenta e sete houve uma tensão muito grande no Colégio Estadual de Pernambuco. Nós, eu era de um grupo que editava um jornal chamado A Opinião, e tinha um outro grupo mais ligado à Ação Popular, que editava o jornal Vanguarda. Então, houve uma tensão muito grande, muita repressão, para que nós não formássemos o Grêmio. O Grêmio que nós queríamos formar era exatamente aquele Grêmio, todo enquadrado, todo bonitinho, que a repressão...que o....a....lei da ditadura permitia, mas mesmo assim, não queriam que nós formássemos. Houve alguns entreveros. Estudava também lá, principalmente de noite, muitos militares, não como infiltração. O cara ia servir ao Exército, era normal. Marcelo Melo, por exemplo, numa época que ele serviu ao Exército, ele ia para lá de farda! Porque saía do Quartel, ia pra lá. Então, tinha soldados do Exército, soldado da Polícia Militar, soldado da Aeronáutica, e etc. E numa dessas disputas com...pela formação do Grêmio, um dos...um sargento da Aeronáutica, ele consegue aglutinar os outros policiais, militares, e tenta fazer uma repressão e houve uma tensão, uma briga, característica. Ele queria nos expulsar do Colégio, quando nós estávamos fazendo um abaixo-assinado exatamente para levar à Secretaria de Educação, pela formação do Grêmio, que a essa altura, por conta da disputa toda, nós já tínhamos sido recebidos, inclusive, pelo Governador do Estado. Tanto que marcou uma audiência nossa com a...o secretário de Educação, e nós estávamos fazendo o abaixo-assinado, então quiseram tomar o abaixo-assinado para rasgar, aquela coisa normal que a situação possibilitava. E houve uma briga e, evidentemente, nós ganhamos a briga. Ganhamos

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a briga porque na sala de aula em que eles tentaram nos tomar o abaixo-assinado, os estudantes eram a favor nosso. Estavam do nosso lado. Aí é aquela história de cadeirada, porrada de todo o tipo, e quando disseram ‘vem a Polícia!’, pega...os estudantes nos botaram para fora, todos os militantes de esquerda, trancaram a porta e deixaram eles presos dentro da sala. Quando a polícia chegou...Colégio Estadual, o DOPS na mesma rua, da Aurora, chegou quase que imediatamente. Quando a polícia chegou, disseram ‘onde estão os...o pessoal que estava brigando?’. ‘Tá nessa sala!’. Aí, pronto. Claro que eles tinham alguns caras de olho roxo, alguma cabeça quebrada. Nós também tínhamos. Nós ganhamos a briga exatamente porque tínhamos a maioria. Os alunos nos protegeram e nós, talvez, estivéssemos talvez mais feridos que eles. Mas nós não íamos para a policia registrar a queixa. E eles foram, evidentemente. Então, foi o primeiro processo formal que eu respondi...exatamente por agressão. E aí...não foi somente eu, eu acho que foram oito pessoas que responderam, eu, Eudes, Zeca, Jarbas de Holanda, que eu reencontrei aqui, agora, e reconheci pelo nome dele na ficha, porque somos todos muito diferentes, etc. Então essas pessoas...foram oito pessoas, parece, foram processadas, e esse passou a ser o primeiro processo formal que eu respondi. Em paralelo, já existia uma mobilização geral dos secundaristas, no sentido de abrir uma frente maior, já tinha havido um congresso da UBES e que, inclusive, o meu grupo político, que era o grupo do PCB, tinha sido excluído na convocação dos delegados, tinha...eh...então nós fazíamos essas reuniões e nessa época foi quando eu encontrei Lurdinha, então fizemos a luta, ganhamos a disputa no Colégio Estadual, ganhamos uma disputa muito apertada, porque houve muita... muito peso político de apoio, etc., à outra chapa, mas nós ganhamos, ganhamos com 23 votos. Isso no ano de 67, e ficamos.... e logo no início de 68, eu voltei a ... eu fui preso. Fui preso na passeata de protesto que coincidia com o sétimo dia de Édson Luis, da morte de Édson Luis, e então na saída da missa, eu fui preso. Passei quatro meses preso, três, quatro meses, saí em junho, e a partir daí, fiquei numa situação já meio clandestina. Não era exatamente clandestino, porque eu estava matriculado na escola. Eu ia na escola, mas não era uma situação regular. Depois, posteriormente, tentaram me prender mais uma vez nas....no Colégio Estadual, e eu consegui escapar. Depois nós fizemos uma eleição, de novo, houve uma disputa, claro que com todas as condições, a outra chapa era apoiada pela Secretaria de Educação, com todo o apoio, fazendo inclusive uma coisa que seria uma excelente ideia, se eles tivessem mantido posteriormente, que era...foi uma cooperativa de livros. No Colégio Estadual éramos todos estudantes pobres. Então tínhamos a escola gratuita. Nós não pagávamos. Mas não tínhamos dinheiro para comprar os livros. Então fizeram uma ideia excelente, que se tivessem mantido, pelo menos, a direita teria feito uma coisa boa. Mas fizeram...foi puramente eleitoreiro, foi só para tomar o Grêmio. Que era uma cooperativa de livros. Os estudantes recebiam o livro, quando chegava no final do ano, você entrega o do segundo ano, e pega o do terceiro, e assim ficavam permanentemente com os estudantes do Colégio Estadual...não teriam, teoricamente, que comprar livros. Então seria uma coisa muito boa. Claro, que isso deu muita votação, e tal. E também houve uma divisão, como sempre, a esquerda se dividiu em duas chapas, e aí perdemos ....a eleição. Se somássemos a nossa votação, teríamos ganho com trezentos votos de diferença, e não mais com 23, mas saímos divididos, e perdemos, e a minha chapa foi a terceira colocada. Bem. A partir daí a minha situação ficou muito precária, aí a essa altura já namorava com Lurdinha a mais de um ano, mais ou menos, etc, então fiquei numa situação semi clandestina porque o Grêmio...não tinha mais apoio no Grêmio, não tinha

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muito...já tinha perdido meu emprego no banco, e a partir daí eu fiquei semi clandestino. Tínhamos também rompido já com o PCB, estávamos já no PCBR, e aí eu fui...eu fiquei fazendo um trabalho político de dar assistência à algumas bases do PCBR no interior. No...Garanhuns, Caruaru, eram os dois lugares onde eu ia frequentemente. Então, logo em seguida veio o Ato 5. Com o Ato 5, esse trabalho ficou absolutamente inviabilizado. E ai em fevereiro de 69, eu casei formalmente com Lurdinha para ir...para irmos para outro estado. E aí é quando eu fui para o Rio Grande do Norte, e posteriormente voltei, passei uns seis meses, lá em Natal, depois houve um problema de segurança, ou pelo menos uma suspeita de uma problema de segurança comigo. Nós voltamos para Recife e passamos um mês ou dois, esperando só que tivesse dinheiro para se deslocar para Salvador, e cheguei em Salvador no sábado de Carnaval de 1970. Bem, a partir daí...sim! nessa discussão vai à frente, vai para Natal, volta para Recife, vai para Salvador, a minha vida conjugal com Lurdinha foi absolutamente precária. Nós nos casamos formalmente em fevereiro de 69, e não ficamos juntos nem seis meses, nesse período, sempre cortado, vai Paulo, vai, Lurdinha fica, Lurdinha vai, Paulo fica, etc, pelos chamados problemas de segurança. Bem, finalmente nós chegamos na Bahia, onde eu fiquei....inclusive até hoje...e lá na Bahia começamos a nossa militância que seria basicamente de construir as bases do partido. Tinha inclusive uma discussão que outras organizações faziam conosco, por exemplo: as pessoas do MR8 diziam muito que a Bahia deveria ser o local de recuo, e nós do PCBR dizíamos ‘não!’, que a Bahia era Brasil e a Revolução, como nós falávamos, a derrubada da ditadura, deveria ser em todo o território nacional. Então nós tínhamos...começamos a formar as bases baianas do PCBR, que posteriormente, inclusive, quando eu saí da prisão, eu soube que ela foi muito frutífera, porque teve muita gente que foi processado como sendo do PCBR lá, que eu inclusive não conhecia, muitas pessoas, então mais de trinta pessoas responderam processo, então era uma dimensão que eu não tinha. Bem. Fui preso no dia 27 de outubro de 70. Na hora da minha prisão, foi uma prisão muito discutida, muito divagada, porque o companheiro que estava, um dos companheiros que estava comigo, aliás, os companheiros que estavam comigo, naquele momento, resistiram à prisão. E eu não estava armado no momento, não quer dizer que eu...se eu estivesse armado, eu teria tido a coragem que eles tiveram de resistir, mas eu não estava armado no momento, e nesse choque um policial foi morto. E posteriormente ficamos sabendo que era um sargento da Aeronáutica de nome Valter Xavier de Lima, que é o nome da rua, aquele local onde á atribuída a morte de Lurdinha, posteriormente. Bem, aí...quer dizer...dá para imaginar como é o processo de tortura, mesmo em condições normais a pessoa começava a apanhar desde que saía de casa até chegar no local de interrogatório. No nosso caso já foi aquele exagero, vocês devem imaginar. Um policial morto, outro ferido, e nós já estávamos algemados. Então é um processo bastante doloroso, muito tenso, imagine, no caso meu, eu tinha 25 anos, e meu companheiro, que resistiu à prisão e foi preso, porque o outro foi Getulio Cabral, ele não chegou a ser preso na hora, tinha 18, 19. Então, éramos muito jovens, inexperientes, bem. E o nosso processo de tortura foi semelhante aos demais, não deve ter...eu já vi coisas muito piores, já ouvi relatos de coisas muito piores que aconteceram com outras pessoas. Inclusive de uma questão que...foi uma questão que nós, eu e Lurdinha chegamos a discutir, que não teríamos filhos naquele período, exatamente porque um dos nossos temores era de que os filhos viessem a ser torturados, caso a gente fosse preso. E eu vi esse relato de Antônio Rabelo, um companheiro que hoje em dia já é morto, já faleceu, um companheiro de Goiás, e ele

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tentou descrever para mim a dor que ele sentiu ao ver os filhos dele torturados. Isso acontecia. Bem, essa é uma das questões que eu queria falar, porque é uma questão de uma discussão, de uma conversa que eu cheguei a ter com Lurdinha a respeito de que nós não iríamos ter filhos naquele período. Nós concordávamos com isso. Bem. Fui preso em 27 de outubro de 1970... Fui preso no dia 27 de outubro de 1970, e nosso julgamento foi logo em seguida, março, abril de 71, nós já estávamos julgados, condenados...eu condenado à prisão perpétua, Theodomiro condenado à morte, aquela confusão, muita repercussão nacional e internacional, e ficamos na prisão respondendo aos outros processos. Nós ficamos ....eu respondi a três processos lá, mais três da Justiça Militar daqui, e mais esse, único, da Justiça comum, por agressão física e lesões corporais daquela briga no Colégio Estadual, que foi uma questão política também, mas o processo correu na Justiça comum. Bem. Quando foi no dia...em janeiro de 73, eu acho que é, janeiro de 73, saiu na televisão a morte das pessoas, na qual estava Lurdinha. Nossa televisão na prisão tinha um problema que eu não consegui ouvi o nome de Lurdinha, mas eu vi todos e imaginei, cheguei a imagina que ela poderia estar com aquele grupo. No dia seguinte, quando as visitas chegaram, confirmaram que ela estava no grupo e que tinha morrido. Bem. A nota oficial, aquilo que foi relatado pela nota oficial do Exército, fez com que um companheiro nosso de prisão, que é...são os detalhes que Tereza já relatou aqui, do nome da morte...do sargento como o nome da rua, do dia atribuído ao tiroteio, como sendo o aniversário de Theodomiro, das pessoas envolvidas, são pessoas que, não só tiveram militância, mas tinham alguma relação pessoal, adicional, Silton era amigo de infância de Theodomiro; o pessoal aqui de Pernambuco era colega meu do Colégio Estadual, Lurdinha, etc, então tinha tudo...o próprio Sandália e Getúlio, tinham sido militantes conosco lá na Bahia. Então, tinha todo uma série de detalhes que era impossível que ocorresse tanta coincidência. Então Tibério Canuto, ao ler a nota, olhou para mim e disse ‘você entendeu o recado, né?’, eu disse ‘É! Entendi um recado de vingança!’, porque a nota, não poderia haver tanta coincidência. Bem. Quando foi...aí, a partir daí eu fiquei esperando, ora, se a nota diz que Lurdinha morreu, apareceu o nome Luciana Ribeiro da Silva, que era o nome falso que ela usava, se dizem que é minha mulher, que eu estou preso na Bahia, em algum momento eu vou ser chamado para ter algum esclarecimento, alguma fotografia, para...era para reconhecer o corpo, eu não entendo desses processos legais que deveriam ocorrer. Nada disso foi citado, nada disso foi dito. Então eu não tomei nenhum conhecimento, a não ser a noticia do jornal. Tá certo? Então é6 o que eu sei e...posteriormente tentei localizar em termos de registro da prisão de Lurdinha, é absolutamente impossível, não tem nada, o máximo que tem é dizendo que ela foi morta naquele dia e que ela era minha mulher. Não tem nenhuma acusação a ela, sobre nenhum ato político, ela era uma militante, quer dizer, relativamente desconhecida, se comparássemos comigo, que eu era liderança estudantil, tinha envolvimento, já tinha sido preso várias vezes, ela era relativamente desconhecida, mas o máximo que dizem é que ela era minha mulher. Então eu não tenho muitos detalhes...tentei ver, até minha situação legal de viúvo, como é que se esclarecia, eu tive de conseguir minha declaração de viuvez ou...através de um atestado de óbito que me foi dado pela...por determinação judicial, eu tive que entrar na Justiça para conseguir um atestado de óbito, que é dado, declarado, a causa morte é ‘atestado de óbito determinado pela Justiça porque ela foi morta pela repressão policial’, é nesses termos que está colocado. Então, aí é que eu peguei a minha condição de viúvo, foi a

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partir daí é que eu...mas não consegui muitos detalhes, eu acho que Tereza deu um depoimento muito mais rico, que eu talvez não tenha condições de dar, certo?

10:40:47 – HENRIQUE MARIANO – Paulo, por gentileza, desculpe a interrupção, mas quando você puder concluir, essa é a primeira fase, para que nós possamos passar a palavra para os relatores...

01:40:53 – PAULO PONTES– Estou concluindo já... é exatamente isso, que eu não tenho muitos detalhes, isso...talvez se vocês me perguntando, me perguntando eu possa dar uma contribuição maior.

01:41:05 – HENRIQUE MARIANO– Obrigado, Paulo. Passo então a palavra à professora Nadja Brayner.

01:41:15 – NADJA BRAYNER– Bom dia Paulo. Primeiro eu queria agradecer, inclusive, a remessa do dossiê, que você nos mandou sobre o caso de Lurdinha; eu acho esse dossiê extremamente importante, porque dele constam, inclusive, as fotografias do cenário, vamos dizer assim, da morte dela, e elas são bastante reveladoras exatamente de uma armação. Pelo que eu pude observar, da forma como o corpo está colocado, enfim, de uma série de outros elementos, elas são realmente indícios fortes de que aquilo foi uma armação. Eu acredito, Paulo, que nós aqui da Comissão, desta relatoria, nós temos poucas informações sobre Lurdes, sobre o caso dela. Vai ser necessário, de fato, Tereza já colocou isso, uma busca nos arquivos, inclusive em Brasília, no Arquivos Nacional, onde devem constar, vamos dizer assim, elementos fundamentais para que a gente possa compreender e precisar melhor...

01:42:46 – PAULO PONTES– Dá licença? É que eu tentei na...como é? No...num desses arquivos nacionais e não tem absolutamente nada sobre ela.

01:42:53 – NADJA BRAYNER– Você não encontrou nada?

01:42:53 – PAULO PONTES– Nem...nem dizendo que ela era minha mulher...eu tenho minhas anotações sobre..o Serviço Nacional de Informação, à época, que não consta o nome dela; não tem. É como se não existisse. Entendeu? Então, isso foi uma coisa que eu procurei muito, até por interesse pessoal. Eu tinha que resolver minha situação civil, essa coisa toda, eu não consegui muita coisa não, mas espero que consiga e eu gostaria de ter acesso.

01:43:19 – NADJA BRAYNER– ...o negócio é fazer nosso papel e buscar de uma forma ou de outra, e investigar em outros locais. O que é importante a gente registrar aqui, é exatamente o fato de pessoas, Lurdinha por exemplo, qual era o grau de envolvimento dela e o papel dela dentro do partido, que levasse a tamanha violência, a não ser aquilo que já vem mais ou menos relatado, em livros, publicações, que seria mesmo a armação desse teatro de vingança, porque estaria atingindo várias pessoas, não somente a ela, mas às várias pessoas em volta dela. Eu teria uma questão pra te colocar sobre esse local, lá onde foi encontrado o corpo, porque se fala..’um aparelho’...eu não tenho...inclusive, Rafael localizou até a rua, essa rua existe, foi feita essa homenagem, e aí eu não sei se você sabe disso: se de fato, essa casa que

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foi escolhida, onde foi montado esse cenário, era, de fato, um aparelho do partido, ou se foi uma escolha aleatória da repressão para poder armar. Você tem informação sobre isso?

01:44:57 – PAULO PONTES– Não, eu não tenho informação, porque eu achava inclusive que... cheguei a considerar que não existisse essa rua. Porque eu achava o seguinte, que poderiam até prestar uma homenagem ao sargento, fazendo uma rua com o nome dele, na Bahia, em Salvador, ou na terra dele, que era, se não me engano, Ceará. Mas não foi a coisa que eu dei mais importância, eu dei mais importância ao fato porque esse seria um depoimento importante, porque na nota oficial diz que houve um intenso tiroteio, depois os dois estavam mortos, e dois foram presos e um fugiu. Esses dois presos, pessoas que teriam sido presas, tinham que aparecer em algum lugar. E não apareceram. Em lugar nenhum. Quem teria sido essa pessoa que fugiu durante o tiroteio eu também nunca soube. E eu procurei saber, pedi inclusive, à época, ao Padre Renzo Rossi, que infelizmente acaba de falecer, que é um religioso muito importante na assistência aos presos políticos, que ele procurasse localizar, no Rio de Janeiro, como ele visitava todas as prisões de presos políticos, ele procurasse localizar alguém que tivesse notícia sobre essas pessoas que teriam sido presas nesse intenso tiroteio. Ora, se você tem um tiroteio que, inclusive, duas pessoas falecem, os outros teriam que ser, no mínimo, processados. Teriam que estar pelo menos arrolados como testemunha. Nada disso acontece. Não existe esse inquérito. Não existe nenhum registro de quem seriam essas duas pessoas presas. Que eles até não dissessem imediatamente que foi A e B que foram presos, é até compreensível se queriam guardar segredo, mas posteriormente teriam que apresentar em algum lugar. E isso não fica esclarecido, não existiram essa prisões, e, procurando saber através de outros militantes do PCBR, ninguém identifica quem teria sido também aquele que escapou. Então não existe...se não existe os dois que foram presos, não existe o que escapou, fica impossível localizar alguma coisa que esclareça essa questão.

01:47:14 – NADJA BRAYNER– Eu teria uma pergunta a fazer a você, que eu já fiz inclusive a Tereza, a respeito de...de...você ficou preso? Você foi preso em 70, não é isso? Em outubro de 70...

01:47:30 – PAULO PONTES – 27 de outubro de 70.

01:47:31 – NADJA BRAYNER – Certo. Foi preso lá em Salvador, ficou em Salvador durante todo o período de...

01:47:37 – PAULO PONTES – é...eu vim aqui eventualmente porque eu tinha os processos aqui para responder. Então eu vinha aqui, fazia...passava um mês, dois, voltava, mas foi basicamente onde eu fiquei preso o tempo todo.

01:47:49 – NADJA BRAYNER – Certo. E aí a minha pergunta é, nesse período que você esteve preso, claro que você não teve contato com vários militantes, não é, porque a partir de 72, inclusive, a ação, a atuação tanto de Getúlio, Fernando, Valdir, Bartolomeu, e Silton, que estavam na verdade, na direção do PCBR, nesse período de 72... mas, mesmo preso, eu pergunto, você tinha alguma informação do partido, enfim, do funcionamento dele, da atuação desses dirigentes, o que é que...

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01:48:31 – PAULO PONTES– As informações eram muito precárias e eu diria que uma das angustias do período em que eu fiquei preso, além é claro, da própria prisão, do isolamento, era basicamente não ter notícias regulares e informes, aquelas burocracias, o pessoal manda um informe dizendo ‘ah, não-sei-o-quê, vamos dar a volta por cima!’, nada disso nós tivemos durante muito tempo, até pelas dificuldades e pelo temor que seria natural, já em situações normais e no caso nosso lá na Bahia, nós éramos muito visados exatamente por conta das circunstâncias da prisão. Então não houve informe. Eu vim saber, por exemplo, que Lurdinha tinha feito outra opção, que estava com outro companheiro, quando chegou o Natur preso. Aí nós conversamos, Natur de Assis Filho, é um companheiro nosso, que estava militando e foi preso. Era processado na Bahia e foi levado pra lá, então, é claro, entre os informes que ele deu como preso, eu perguntei por ela, ele disse ‘não, casou de novo e tal, não está mais com você!’, então eu fiquei sabendo aí. Porque...e é compreensível essa dificuldade, ela... Eu estava condenado à prisão perpétua, ela não podia se apresentar, não podia ir me visitar, porque estava sendo procurada, é claro que ela não iria me procurar para dizer ‘olha, não estou mais com você!’. Era natural, entendeu? Então, eu fiquei sabendo através de Natur, acho que uns seis meses antes da...do acontecimento, a divulgação das mortes. Entendeu? Ela disse...porque era muito difícil a comunicação, então nós vamos...começamos... recomeçamos a ter uma comunicação mais ou menos regular com o partido, uns cinco anos depois que eu estava preso. Eu passei oito anos e meio e mais ou menos uns cinco, seis anos, é que começou a ter uma comunicação mais ou menos regular, que o pessoal estava pensando em voltar, já tinha gente voltando, vindo aqui clandestinamente, etc., então nós tivemos algumas informações diferentes, por...eu me lembro disso aí porque foi um dos pontos de discussão minha, que o pessoal queria que nós nos enquadrássemos no partido e eu disse ‘não, eu aceito a discussão com o partido, é minha referência política preferencial, mas eu estou fora! Eu discuto de fora’, aí houve uma certa tensão, mas aí o pessoal aceitou, depois eu fui solto, cheguei a discutir muito com eles posteriormente, mas não voltei a militar no PCBR.

01:51:09 – NADJA BRAYNER – Então, você julga que, a partir desses declarações de Valdir Saboya, tem três...no documento do CISA, da Aeronáutica. O documento faz o registro de três depoimentos dele e vários outros de Fernando Augusto, o Fernando Sandália, como era chamado; nós temos dele depoimentos extremamente importantes, que obtivemos aqui na Comissão, através de José Adeildo, do Luiz Alves, e do EdmilsonVitorino. Eles fizeram depoimentos muito importantes onde eles afirmam, inclusive viram, eles viram o Fernando sendo torturado, aqui, e em situação precária, então nós não temos nenhuma dúvida com relação ao percurso que Fernando fez. Ele de fato foi torturado e foi levado para o Rio para essa armação. O Saboya, me parece, que ao estar próximo de Lurdinha, como a gente não tem informações dela, pelo menos é o que a gente está vendo agora, seria talvez, o caminho... via o Saboya, a suposição de que eles estivessem próximos um do outro, e que a prisão, a detenção tenha se dado, efetivamente na mesma data.

01:52:41 – PAULO PONTES– Veja bem. Provavelmente, a nota oficial diz que eles estavam juntos, que eles estavam casados, então, evidentemente, eles estariam juntos, agora, é estranho que haja o depoimento de Saboya, exatamente porque, pela nota, Saboya não foi preso, Saboya resistiu à prisão, ele e Lurdinha, teriam resistido à prisão, e teriam sido mortos

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no tiroteio. Então não tem tempo para dar depoimento. Então, se existe o depoimento de Saboya, é porque ele foi preso antes, torturado e deu algum depoimento. Da mesma forma que é compreensível, a senhora mesmo disse que é compreensível os depoimentos de Fernando, porque Fernando todo mundo sabe que foi preso aqui, em Recife, que foi muito torturado, que já foi para o Rio praticamente morto, ou já morto, só para fazer a encenação, etc., então você tem um registro específico de que ele foi preso, no caso de Saboya não. Pela nota, oficialmente, Saboya teria sido... morrido no tiroteio.

01:53:43 – NADJA BRAYNER– Sim. Isso na versão oficial. Da polícia...

01:53:45 – PAULO PONTES- É, claro. Então se existe um depoimento é porque é claro que aí já derruba a versão oficial.

01:53:53 - NADJA BRAYNER– Veja, Paulo. A gente tem, inclusive, a situação de outros militantes, que você conhece. Conheceu... como Ramires, Ranúzia, onde, da mesma forma, nós localizamos documentos, esse documento da Aeronáutica, e um outro documento, dois aliás, um do 1º Exército e outro do 4º Exército. Onde existem inclusive informações divergentes. Tem um documento, por exemplo, do Exército, que fala que apenas Ranúzia teria sido presa. Antes daquela armação. Também, daquele suposto tiroteio. E um outro que afirma que Ramires, Almir e Ranúzia teriam sido presos. Entre eles mesmos, o 1º e do 4º Exército. E o documento da Aeronáutica, da mesma forma, coloca declarações só de Ranuzia. Não tem declarações de Ramires, ele não faz esse registro. Então como você vê, a gente está buscando nesses...através desses documentos tentar compreender, de fato, o que...sabendo inclusive das próprias divergências entre, vamos dizer assim, o sistema repressivo, que eles também sonegavam informação, um para outro, em função dos seus interesses, é que a gente vai tateando, buscando nas entrelinhas, a localização e explicações sobre esses casos. Então eu queria...queria te fazer só uma pergunta final, sobre o José Gercino Saraiva, você conheceu o Gercino?

01:55:47 – PAULO PONTES– Conheci sim.

01:55:49 – NADJA BRAYNER– Conheceu, não é? Militou...eu acho que Socorro Ferraz tem uma pergunta...

01:55:54 – PAULO PONTES– Militei sim...eu fui para o Rio Grande do Norte, ele era um militante que existia no Rio Grande do Norte. Quer dizer...eu acho que ele foi...nós...eu gost...eu queria registrar até isso porque é meio difícil, fica me difícil nós registrarmos os nossos equívocos e os nossos erros, mas eu acho que nós e aí quando eu digo ‘nós’ não é o partido, eu estou me incluindo dentro do partido, eu acho que o caso de Gercino, o partido, e eu estou me incluindo nessa responsabilidade, foi o principal responsável. Gercino era o tipo da pessoa daquela que não tinha o menor caráter. Desde coisa de...os companheiros nossos....eu estava no Rio Grande do Norte, e deveria receber um dinheiro, porque eu era clandestino, não podia...para sobreviver, para fazer a feira, esse tipo de coisa. Ele não entregava o dinheiro, gastava o dinheiro. Então ele negou várias vezes, ele chegou a ir com um companheiro lá no Rio Grande do Norte porque nós dávamos uma informação para a direção aqui; chegava aqui à direção, ele negava, dizia que era mentira. Ele foi com um dirigente para

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o Rio Grande do Norte, o dirigente ia passar lá, para poder resolver essa questão, e continuaria para o Ceará, e ele voltaria de lá. Ele chegou lá, na reunião conosco, na acareação, ele chegou e confessou ‘não, realmente, eu peguei o dinheiro, eu comprei um presente para a minha mãe!’, deu uma explicação lá qualquer. ‘Mas eu vou em casa, agora, eu pego com minha família e trago!’. O dirigente foi para o Ceará, principalmente para Mossoró, que era onde nós tínhamos uma base importante, e na volta, ele passou de novo, no Rio Grande do Norte. Aí ele disse ‘E aí? Rivelino entregou o dinheiro?’, ‘Não! Ele foi embora, sumiu, voltou para Recife e não entregou o dinheiro’. Quando chegou aqui, esse dirigente chegou em Recife, a notícia era que o Rivelino tinha pego o dinheiro e tinha entregue o dinheiro a nós. Então nós chegamos a....nós sobrevivemos, eu vivi...nós poderíamos ter sido presos por falta de dinheiro. Durante algum tempo, nós sobrevivemos lá, em termos de alimentação, para vocês sentirem a dramaticidade da questão, a nossa alimentação era....nós tínhamos um militar lá que estava servindo ao Exército, aí claro, o Exército Brasileiro, ele fez uma feira a descontar no salário dele, e nos passava a feira. Outro companheiro ia nos encontrar, eu me lembro, o irmão de Aroeira, eu não sei o nome dele, é irmão de Maurício Anísio, que é Aroeira, o nosso Aroeira, o irmão de Maurício uma vez foi me encontrar num ponto, e tal, e levou uma dúzia de ovos num saquinho de papel, que era a contribuição para que nós pudéssemos comer e não ter que fazer uma tolice e...do ponto de vista da falta de dinheiro, e mesmo assim, mesmo com essa dramaticidade toda, ele não entregou o dinheiro, voltou e mentiu de novo. Então o companheiro teve que voltar lá, etc. Chamou tanto a atenção que, apesar de sermos clandestinos, morávamos com uma aparência comum, num determinado bairro, e a casa que nós tínhamos alugado era desse indivíduo que é rico no bairro. Não era rico, era um cara pobre, mas desse batalhador, que foi...é dono do açougue, tem uma padaria ali e tal. Então, ele compreendeu que...eu dava explicações para ele todo mês que eu não pagava o aluguel, que meu emprego não tinha mandado, que não-sei-o-quê, aí ele chegou ‘não, eu compreendo e tal, emprego...primeiros empregos são assim!’, porque nós éramos jovens e ele era um senhor de uns quarenta e cinco anos. ‘Não tem problema, não. Pode comprar aí no açougue, eu já abri, mandei...vendo no açougue, na venda e na padaria, não tem problema...quando você receber você paga’, então finalmente, depois, quando chegou o dinheiro, nós fomos pagar. Fomos pagar o açougue, fechar a conta no açougue, na mercearia, na padaria. Paguei o aluguel dele, até ele disse ‘não, aí, quando precisar e tal’, era um cara...desse cara que tinha melhorado de vida fazendo pequeno comércio no bairro. E era um bairro popular e ele confiou para que nós fizéssemos isso; além disso tinha os militantes que davam comida, roubavam de casa, sei lá. Eu não sei de onde o irmão de Aroeira arrumou essa dúzia de ovos, mas eu me lembro que foi uma das coisas significativas. Ele chegou com um saquinho de papel assim, ele disse ‘oh!’, e aí eu tive de levar para casa com cuidado para não quebrar no caminho. Não era numa caixinha, bem acomodada como é hoje em dia.

02:00:25 – NADJA BRAYNER– Paulo, lembrando aqui uma pergunta que Socorro Ferraz fez para Tereza, Gercino ocupou um cargo de direção? Ele tinha algum cargo...

02:00:37 – PAULO PONTES – É isso, o PCBR cometeu, e eu vou repetir, quando eu digo o PCBR, eu estou me incluindo, não estou dizendo ‘a culpa foi de João, José’, não. De Paulo também. O PCBR em relação a ele cometeu todos os erros possíveis. Primeiro, quer dizer, desviar dinheiro

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de um militante, que está na clandestinidade, já deveria ter tido logo a expulsão. Tá certo? Ao invés de expulsar, não, deslocaram ele, ‘você não tem mais contato com o pessoal do Rio Grande do Norte, de Natal!’, tá legal. Mas aí deram...indicaram ele para fazer a comissão...sei lá...do campo! Aí...bom, você abriu as bases camponesas ou de trabalhadores rurais, que a gente tinha aqui na região. Aí depois ele faz...comete lá os equívocos dele, ou aflora o caráter dele, e aí de...como punição tiram ele de lá e manda fazer uma ação armada. Depois tira ele de lá, e tal, manda ir pegar um carro. Aí então, você vai dando cada vez mais, ao invés de você cortar, mandar o cara embora, aí você foi dando mais contatos. Como ele não tinha isso que eu chamo de ‘caráter’, foi fácil para ele, ao se ver pressionado, registrar tudo. Aí ele deu informação sobre a nossa organização, sobre pessoas que ele viu de relance, sobre identificar...pegar naquela fotografia, aproxima mais e tal, eu já ouvi detalhes sobre isso, informação de outros partidos, de outras organizações que tinham contato conosco e que ele conhecia, ‘não, fulano não é nosso, não! Fulano é da AP! não-sei-o-quê, pegue Fulano que está na Universidade; fulano tem vida legal, não-sei-o-quê!’, então tudo isso eu soube que houve. Entendeu? Mas isso é decorrência daquilo, daquele equivoco. Eu me lembro que quando eu cheguei aqui para responder a um processo, um companheiro que estava preso aqui, me encontrou na Auditoria Militar, ele disse ‘soube de Rivelino?’, eu disse ‘soube, mas isso era o que nós esperávamos, não é?’, ele disse ‘é...’. Ou seja, era consenso, praticamente, entre nós de que o individuo não servia para aquilo que a gente estava fazendo. Ele não tinha a predisposição que a grande maioria tivera. É diferente do outro indivíduo que, diante de um processo de tortura, diante de pressão muito grande, foi, entregou e tal, isso é ...quer dizer...eu hoje em dia digo assim ‘olha, isso é uma tolice, todo mundo fez de alguma forma isso! Mas é diferente de alguém que já era...não existia nada que dissesse, que indicasse que aquele indivíduo, sob pressão, ele não entregaria tudo. Ele não faria o que ele fez. Ele fez um trabalho de rastreamento, de procurar, de se vestir de soldado, para poder circular livremente no quartel, tudo isso foi dito, foi relatado. Então, não tem nenhuma novidade. Entendeu? Apesar de eu ter tido uma posição muito combativa em relação a ele, eu me considero corresponsável por isso. Tá certo? Então, se você quer atribuir a ele, eu diria o seguinte: ele nunca teve um caráter adequado pra nada que fosse muito honesto, não.

02:04:00 – NADJA BRAYNER– Veja bem, Paulo. A Comissão vem trabalhando com outra relatorias, que envolvem outros partidos. E o que a gente tem visto, na verdade.é a questão da infiltração, da colaboração, fortemente expressa em todas as organizações, e quando a gente começa a ver as quedas, e os momentos, vamos dizer assim, onde...o caso, por exemplo, da APML, que Manoel Morais é o relator, como isso vai acontecendo. Foi o Mata Machado, Gildo Lacerda, Humberto.. a partir de um elemento infiltrado, Gilberto Prata, que por sinal era cunhado de Mata Machado. Com relação a outros partidos, a gente também tem indícios. Então é importante a gente dizer o seguinte: a Comissão, ela não tem nenhuma, vamos dizer assim, para ela não interessa, nem ela está preocupada, nem é papel dela, estar julgando partido, suas ações e os seus militantes. Porém, quando a gente faz perguntas sobre alguns dos integrantes dos partidos, e a gente busca saber qual o grau de envolvimento dele, e a infiltração, a denúncia que ele fez, é no sentido de a gente buscar exatamente nas entrelinhas esclarecer alguns desses fatos. Porque...Franca falou sobre o caso de Miriam e Benevides, e eu, particularmente, que sou também, junto com ele, relatora desse caso, até agora não fui

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convencida de que aquilo tenha sido um acidente. Eu não tenho elementos para julgar contrário, afirmar contrariamente, mas pelos dados que a gente vai levantando sempre tem indícios muito fortes de que algo aconteceu, além do mero acidente de carro. Então, por isso que a gente fica perguntando...qual o militante que tinha contato? Quem foi a última pessoa que encontrou? Para tentar fazer esse roteiro, para de fato buscar a explicação, porque, eu não sei se você sabe, mas nem Benevides, nem Miriam, foram reconhecidos nacionalmente na Comissão de Anistia como tendo sido, vamos dizer assim, uma circunstância política que justificasse uma reparação. Quer dizer, eles tiveram também...a família...os familiares, essa punição. Então, por isso que essas perguntas sobre algumas pessoas e, pelo depoimento que eu li de Gercino, várias coisas que eu li, ele revela um conhecimento muito grande, muito grande mesmo do partido. Pelas citações, pelas localizações, dos diversos núcleos que ele faz. Inclusive das direções. Ele faz um croqui também. Como o Ramahiana Vargens faz. Só que Ramahiana tinha já uma função, a nível nacional, claramente, todo mundo sabia que ele integrava nacionalmente. Então é em cima dessas questões que eu ia te perguntar, só para concluir, é sobre Antônio Soares. Help, Lúcio, você conheceu? Você militou com ele?

02:07:43 – PAULO PONTES– Conheci. Militei...ele é paraibano, militou aqui um tempo conosco, aí depois eu saí. Esse pessoal que foi morto no Rio de Janeiro, eu ...foi um pessoal muito ligado à minha...os pernambucanos, muito ligados a mim, pessoalmente, porque nós éramos, além de militantes, amigos. Por exemplo, muitas...nomes de guerra que aparecem atribuídos às pessoas...’Cristo’, por exemplo, a Ramires, foi uma brincadeira que eu fiz com Ramires num dia em que ele apareceu barbudo. Ramires era um menino de 18 anos, ele apareceu barbudo, aí eu disse assim ‘tá parecendo o Cristo!’, ele fez assim, brincando, aí pronto. Virou o apelido dele. Então isso não era nome de guerra dele. Como provavelmente tem muita gente...aparece com muito...principalmente o pessoal do PCBR, ‘Galega’, ‘Maga’. É ‘magro’, corruptela...que nós...e nós chamávamos assim e viraram isso, e foram aparecendo nos depoimentos e foram virando nomes de guerra. Então, veja bem. No caso de Help, que era atribuído esse nome a ele exatamente por ele ser muito fã dos Beatles, muito amigo inclusive de Ramires, amigo pessoal, muito próximo de Ramires, que também era outro roqueiro, exatamente por conta dessa admiração com os Beatles. É muito controvertido. No caso de Gercino, eu, pessoalmente, não acredito que ele fosse infiltração antes. Porque se não, ele deixaria um rastro muito grande antes da prisão dele. Eu já ouvi falar, não sei se é verdade, de que ele, em algum momento, no Rio de Janeiro, com uma tarefa do PCBR, ele foi, digamos assim, um segurança de Carlos Lamarca. Então, dificilmente ele deixaria de entregar essa pessoa. Entendeu? Se é verdade essa versão também, porque fica muito difícil, porque eu não vou chegar, procurar as pessoas, ‘olha, é verdade que Gercino foi...’, eu não...entendeu? eu acho até que pode ser feito, mas eu não fiz. No caso de Help, também é outra situação muito controversa. Ele aparece em situações em que as pessoas não estão esperando, nem sabem como ele apareceu. As últimas vezes que eu estive com ele, ele defende ainda que o PCBR, que nós – eu disse assim, ‘eu estou fora, lembre-se disso!’ – ele disse “nós deveríamos continuar fazendo a mesma coisa! Fazendo as mesmas ações, não-sei-o-quê! Porque isso e aquilo’. Ele se auto atribui, um dos absurdos cometidos pelo PCBR, que é a execução do Salatiel, sob a acusação de que teria entregue Mário Alves, ele se auto atribui dizendo que foi certo, se é que alguém ainda pode achar uma coisa, naquelas circunstâncias, certo, é ele que acha. E ele diz

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que ele participou. Não sei porquê teria participado. Segundo ele, ele, Ramires e uma outra pessoa, se não me engano, é Almir, então os outros já estão mortos, ele fica com, o que ele chama, que é o orgulho dele. Mas é esse tipo de personalidade que fica...como é que uma pessoa fica se orgulhando de ter feito isso? Como é que eu vou e dou declaração para a Imprensa, etc, só com o rosto, faz tempo, só que saiu, inclusive, sobre a morte de Salatiel na Imprensa, que ele não mostra o rosto, mas é ele quem dá a declaração, dizendo como é que foi feito. Então, agora, eu não tenho prova de nenhum dos dois. No caso de Gercino, se é verdade que ele foi guarda-costas de Lamarca durante...aí, eu não acredito que ele não deixasse de entregar, ninguém deixaria, nenhum, porque ele subiria nos escalões. Agora só se essa informação for verdadeira, porque pode ser também uma daquelas muitas mentiras. Na clandestinidade nós não temos registro da maioria das coisas. Não é como no Clube Monteiro Lobato que eu fiz minha fichinha com retrato, entendeu? Você larga tudo, todos os documentos nossos foram rasgados, queimados. Muda de nome, arranja documento falso. Então, não tem esse registro, essa regularidade que a gente possa provar hoje em dia. Então, eu não posso garantir. É claro que se você chega e diz assim, minhas rela...meus sentimentos em relação a essas duas pessoas são muito ruins. Se eu estiver errado, digamos, serão os meus pecados. Mas esses são os pecados que eu aceitaria de bom grado levar para o resto da vida. Avaliar o caráter dessas duas pessoas. Agora, eu não tenho provas de que eles fossem infiltração.

02:12:34 – NADJA BRAYNER – Você tem informação que ele foi preso? Se ele foi preso?

02:12:38 – PAULO PONTES – Não. Não tenho. Porque se ele foi preso, ele virou infiltração depois disso. Ele disse que nunca foi preso. Ele disse que ficou no Rio de Janeiro como professor de inglês e não-sei-o-quê, e tal, usando o nome verdadeiro. Ele nunca foi preso. Não sei. É uma possibilidade? Sei lá se é! Eu estava preso. Eu não acompanhei isso. Agora, acho improvável.

02:13:04 – NADJA BRAYNER– Eu encontrei um documento, um desses documentos da Polícia, onde diz que ele foi...um documento identificando presos, e ele está nessa relação. Ao lado dele está colocado ‘preso’.

02:13:17 – PAULO PONTES– Então, se ele foi preso...

02:13:19 – NADJA BRAYNER– O que para mim também foi uma surpresa, porque eu não sabia...

02:13:23 – PAULO PONTES – Se ele foi preso, ele virou infiltração depois disso, porque não tem nenhum motivo para a pessoa negar que foi preso. Até o Cabo Anselmo, que é o delator maior, o criminoso, digamos assim ele diz ‘não, eu fui preso e depois de preso é que eu passei para o outro lado!’, pronto. Então porque alguém negaria que foi preso? Principalmente se ele não passou para o outro lado? Então, se ele foi preso, com certeza foi...passou para o outro lado. Pelo menos a partir daí.

02:13:53 – NADJA BRAYNER– Tá bom. Obrigada, Paulo? Passaria a palavra...

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02:13:58 – HENRIQUE MARIANO– Passo a palavra ao relator, doutor Roberto Franca.

02:14:05 – ROBERTO FRANCA – Inicialmente, quero manifestar minha alegria de revê-lo, Paulo, depois de tantos anos. Agradecer sua vinda da Bahia para cá. E embora você já tenha mencionado sobre a sua ex esposa, Lurdinha, e o fato de ter sido preso quase três anos antes, limita muito as informações sobre as circunstâncias da morte dela, mas eu achei muito importante o seu depoimento sobre o Colégio Estadual, o CEP, do qual eu também fui aluno, para substituir vocês que saíram...(risos) dois anos antes...Mas...porque eu acho que o Colégio Estadual tem....esta Comissão, além das investigações sobre os mortos e desaparecidos, ela tem também áreas temáticas de investigação. E, entre essas, a repressão. A repressão no movimento estudantil, na cultura, nós fazemos também...teremos também. E eu acho que aquele seu depoimento foi importante. Eu queria saber se você conheceu, porque foram alunos também do Colégio Estadual, o jovem Abiasafe Xavier.

02:15:19 – PAULO PONTES– Olhe, eu não me lembro fisicamente dessa pessoa. Eu tenho um amigo, companheiro daqui, pernambucano também, Aluizio Valério, conhecido também como Fidel, que ele dizia ‘Abiasafe! Você conheceu e tal’, mas eu não me lembro. Então, tem algumas pessoas que eu não me lembro. Essa pessoa, pelo nome, inclusive é um nome incomum, então ele já me revelou várias vezes que eu conhecia, mas agora eu não me lembro.

02:15:41 –ROBERTO FRANCA – Provavelmente ele tenha ingressado no PCBR também. Mas era um jovem, em 1969, ele estava no Colégio Estadual, no primeiro ano clássico.

02:15:52 – PAULO PONTES– Tem um, inclusive, que eu conhecia, mesmo com apelido...aquela coisa de apelido que virou nome clandestino, Jacaré. Essa pessoa já foi inclusive processada com o nome de Jacaré, essa coisa toda, foi condenado. Virou até folclore nos processos da justiça militar, mas eu só conhecia ele como Jacaré. Então essa pessoa eu me lembro, fisicamente dele, quem era Jacaré. Mas Abiasafe não me lembro.

02:16:18 – ROBERTO FRANCA – E Bartolomeu? Uma das vítimas que nós estamos investigando...Bartolomeu.

02:16:21 - PAULO PONTES – Bartolomeu eu conheci, sim. Bartolomeu eu conheci, sim. Era um...

02:16:23 – ROBERTO FRANCA – Foi aluno em 70, acho que do 4º ano Colegial...

02:16:27 – PAULO PONTES – é...Bartolomeu, eu tinha um...eu era tido, entre outras coisas, como uma espécie de ‘desencaminhador da juventude’, porque eu sempre fui...minha escolaridade sempre foi defasada. Então, em 68, por exemplo, eu já tinha 23 anos de idade, então já era um adulto, já deveria estar saindo da Universidade, e ainda estava no Colégio Estadual. Aí, é claro que tinha aquelas provocações, que eu era estudante profissional, que eu estava lá por causa do partido. Não tinha nada a ver. Claro que a política me atrasou, mas eu já tive ...minha educação sempre foi muito defasada. Foi defasada inclusive depois. Quando eu me formei já depois que eu saí da cadeia. Então...eu entrei na faculdade com 34 anos de idade. Meus colegas tinham 17. Então veja, bom, lá na ...Bartolomeu é de um grupo de jovens,

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Abraão, Paulo Moleque, que está ali, ó...meu companheiro Paulinho, Paulo Magalhães, Abraão, Almir, esse pessoal era os meninos de 14, 15 anos, que estudavam no Colégio Estadual e que eu era o chamado ‘líder’ deles. Evidentemente, essa...eu era um ‘desencaminhador’ de menores. Nesse sentido. Da mesma forma, que tive a honra de ser fichado pela primeira vez por pertencer a um Clube literário.

02:17:51 – ROBERTO FRANCA – Paulo...e Zeca Lemos?

02:17:52 – PAULO PONTES– Quem?

02:17:53 –ROBERTO FRANCA – Zeca Lemos.

02:17:54 – PAULO PONTES– José Lemos Neto, se não me engano. Lembro dele também. Foi inclusive o candidato que eu apoiei nessa eleição que nós perdemos, em 68.

02:18:05 – ROBERTO FRANCA – Disputou com Antônio Sérgio.

02:18:06 – PAULO PONTES – Hã?

02:18:07 – ROBERTO FRANCA – Disputou...

02:18:17 – PAULO PONTES– Antônio Sérgio ‘Catatau’...’Catatau’ ganhou a eleição! Não! ‘Catatau’ foi o segundo colocado...quem ganhou foi José Olímpio, que era o candidato, filho de um deputado, que na época ainda existia isso. O filho de deputado estudava no Colégio Estadual porque era o melhor colégio, eram dos melhores colégios, então filho de deputado, e eu, que era filho de barraqueiro, estudávamos no mesmo colégio.

02:18:30 –ROBERTO FRANCA – Agora...você se referiu às dificuldades financeiras que você...quando estava no Rio Grande Norte. Nessa época, ou em outra, você participou de alguma assalto a banco?

02:18:42 – PAULO PONTES – Participei sim. Na Bahia, só.

02:18:43 – ROBERTO FRANCA – Posteriormente?

02:18:44 – PAULO PONTES – é. Não no Rio Grande do Norte. Era exatamente essa a tensão que nós tínhamos. O medo é o seguinte: no desespero, passando fome, porque não fazer...um assalto? Nós não fizemos. Nós mantivemos, etc, foi muito difícil, mas mantivemos. Eu fiz um assalto a banco, participei de um assalto a banco em Salvador, já depois de 70, quando cheguei em Salvador, e aí não era a minha situação específica de fome, na organização, que tivesse de...era a política da organização. Aí eu participei desse.

02:19:17 –ROBERTO FRANCA – Porque no caso de Zeca, eu o conheci, muito meu amigo, ele era do partido e ele se retirou. Ele fez, na época...nunca mais eu o encontrei, mas, de fato, é que o partido sabia, nós recebemos documentos de que o partido sabia que ele havia se retirado. Ele comunicou ao partido, passou a ter uma vida legal. Mas, por isso que eu perguntei sobre assalto, mas que depois ele foi incriminado pela participação em um assalto

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que ocorreu, eu não sei, no Rio Grande do Norte, ou no Ceará. Por isso que eu perguntei se essa época...

02:19:56 – PAULO PONTES– Não. E se ele participou de alguma ação, eu não tenho conhecimento. Veja bem, nessas ações...nós fazíamos uma segurança muito estanque. E principalmente essa pessoa...quem participou de tal ação, principalmente assalto, nós não...eu queria...inclusive para registrar para vocês a curiosidade sobre essa questão de não conhecer o outro: José Adeildo, esse que dá o depoimento sobre Sandália, ele participou do mesmo assalto ao banco que eu fiz em Salvador. Mas nós não nos conhecíamos pessoalmente, porque ele ficou no que nós chamávamos de ‘ação de contenção’, que era, caso a repressão viesse, ele não deixava passar, e eu fui no grupo que entrou ao banco. E nós só viemos nos conhecer depois de todos dois terem cumprido cadeia, muito tempo depois aqui em Recife. Cheguei num evento, ele estava, e nós nos abraçamos, porque nós não nos conhecíamos pessoalmente. Já que não era necessário nós nos conhecermos antes, porque se a repressão viesse, de fora do banco, era ele quem iria segurar, e eu era do grupo que deveria resolver o problema dentro do banco...houve até problema. Nos dois casos. Tanto com ele houve problema, quanto comigo, conosco que estávamos no banco, houve problema. Houve tiroteio. Policial ferido, aquele negócio todo e tal. Mas nós não nos conhecemos, e depois... e ai eu acho que até uma daquelas falhas que eu atribuo ao partido, mas era o partido como eu sendo corresponsável também, nunca nos levou para discutir essa questão. Então nós só viemos nos conhecer depois de soltos, ele é professor, se não me engano, na Paraíba. Eu vim para um evento aqui, encontrei com ele, eu digo ‘Ah!!’, nós nos abraçamos, foi uma grande festa. Mas é isso. Nós não nos conhecíamos. Então, se Zeca participou de alguma coisa, eu não participei com ele, portanto, eu não deveria...foi correto eu não saber, não ter conhecimento disso.

02:21:52 –ROBERTO FRANCA – Por fim, Paulo, houve duas mortes iniciais, em 64, você mencionou que estava presente na...por ocasião da morte do Jonas. Como é um...como é uma primeira morte, muito antiga, e há poucos relatos, no momento, me parece que está havendo uma tentativa de resgate desses acontecimentos, eu acho que foi num artigo recente, eu acho que foi de Chico de Assis, se eu não me engano, sobre isso. Você poderia falar o que você se lembra ainda da morte de Jonas? Porque é um fato tão significativo para nós, aqui em Pernambuco, que...

02:22:21 – PAULO PONTES – Me lembro. Veja, na época, claro que eu era do Clube Literário Monteiro Lobato, e era uma juventude politizada, que participava do Clube Literário Monteiro Lobato. Então eu me lembro que eu saí do Clube, que ficava num prédio ali atrás da Avenida Guararapes, na Rua da Palma...não sei se é esse...eu acho que é. Por trás da Guararapes, saímos do prédio, e aquela agitação toda e como é que é, e tal. Me lembro que nós vínhamos atravessando a ponte, essa ponte que dá da Guararapes para a Boa Vista, é Duarte Coelho, né? Pronto. Então, atravessamos aquela ponte, e olhando para o Palácio, e aí, e tal, não-sei-o-quê, e a dúvida ‘será que estão para proteger o Governador? Ou para prender o Governador? Para onde as armas estão apontando?’. Aquelas questões que todo mundo já deve ter discutido isso...Então eu fui para a Rua do Hospício, onde funcionava a Faculdade de Engenharia. Que era de onde eu deveria ir, ia ter uma manifestação de estudantes, etc. e eu fui com outros estudantes secundaristas naquela direção. Quando cheguei lá, já tinha saído, então já estavam

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na Rua do Hospício, já pegando o final da Rua da Imperatriz. Tá certo? Aí, atravessamos a Rua da Imperatriz, a ponte, a outra ponte, e a Rua Nova. Aí eu fui...eu peguei desde o final da Imperatriz, e atravessei a ponte e tal, nessa passeata. Tá certo? Aí chegamos até a Dantas Barreto, dobramos à esquerda para irmos em direção ao Palácio e a palavra de ordem era essa “o que nós queríamos? defender o Governador, que...’, e muita gente com dúvida, inclusive, se as tropas estavam ali para protegê-lo ou para condená-lo, para botar pra fora. Então, fizemos... quando passou na....tinha uma loja de calçados, Remilet, que era muito conhecida na época. Quando passamos da Remilet, veio um grupo de soldados da Polícia Militar e do Exército, misturados, todos eles de fuzis apontados, e aí vai aquela questão ‘não...não vão atirar, não-sei-o-quê...’, nós avançamos um pouco mais, e eles começaram a atirar. Claro que todo mundo correu. Eu corri também. Mas não acreditava que fosse verdadeira. Então, na época eu...não sei se todo mundo chamava, mas eu pelo menos chamava ‘bala de festim’, como a gente conhece hoje como ‘bala de pólvora seca’, sem chumbo, é só para fazer barulho, etc. Então, eu fiquei num poste que tinha assim, que dava para a marquise da Remilet, mas...protegido sim, mas....irresponsavelmente protegido, não procurei me proteger...e dizendo assim ‘que nada! Isso é pólvora seca!’, com outras pessoas que ficaram lá....’isso é pólvora seca, daqui a pouco a gente volta!’. Quando eles pararam de atirar, que voltaram de costas, aí disseram ‘mataram um ali!’, eu fiz a volta na Remilet, por dentro da calçada da Remilet, quando chegou no outro lado, na outra esquina, vi o corpo de Jonas estendido, com muito sangue, foi um tiro aqui. Quando abriram, mostraram o rosto dele, estava isso aqui aberto. Em três ou quatro partes assim, como se tivesse sido retalhado. Tá certo? Bem. Aí eu reconheci, porque ele era estudante do meu colégio, como ele participava de política mais até do que eu, eu sabia, ele era uma pessoa mais visível do que eu, então eu reconheci e aí sai, meio desesperado. Fui encontrando pessoas do Clube Monteiro Lobato, se não me engano, Edite e Antenora, etc., que eram pessoas do Clube Monteiro Lobato, e nós saímos para ir embora para casa. Então é esse o relato que eu tenho sobre Jonas. E depois fizemos toda a luta no Colégio Estadual, muito complicado, inclusive, para botar o nome da sala do Grêmio, sala Jonas José etc,. por causa...em homenagem a ele, e que o pessoal da direita, inclusive, tentou fazer a mesma jogada, dizendo assim ‘por que não bota Édson Luis?’. Claro, Édson Luís era mais famoso, era recente, né? Por que Jonas? E a gente insistia com o nome de Jonas, procuramos a família, conseguimos um retrato dele, etc., chegamos a formalizar isso, mas aí, depois...isso já é 1968. Aí depois, logo em seguida, eu já estava sendo clandestino de novo, etc., eu não sei mais que destino teve isso.

02:26:55 – ROBERTO FRANCA – Muito obrigado, Paulo.

02:26:59 – HENRIQUE MARIANO – Passo então a palavra ao nosso coordenador, doutor Fernando Coelho.

02:27:04 – FERNANDO COELHO– Olha, eu ainda...sobre esse episódio, que foi o primeiro da repressão, após o Golpe de 64. As informações é de que foram dois mortos. Jonas e Ivan.

02:27:19 – PAULO PONTES – Mas Ivan eu não cheguei a ver.

02:27:20 – FERNANDO COELHO– Não chegou a ver?

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02:27:21 – PAULO PONTES– Dizem que Ivan morreu com vários tiros, no peito, etc.. Eu vi Jonas. Eu vi Jonas. Agora ficou conhecido. Todo mundo sabe que é Jonas e Ivan. Ivan, se eu não me engano, estudante de Engenharia.

02:27:32 – FERNANDO COELHO– Quer dizer, ele não era aluno do Colégio...

02:27:33 – PAULO PONTES– Não, do Colégio Estadual era Jonas, que tinha 16 anos à época, e morreu com um tiro aqui, que dizem que bala de fuzil quando sai abre tudo, aí eu me lembro que, quando viraram o corpo dele, isso aqui estava em quatro pedaços, mais ou menos assim.

02:27:47 – FERNANDO COELHO– Os jornais da época davam notícia também da morte de uma comerciária...

02:27:54 – PAULO PONTES– Já ouvi falar também, que seria caixa da Remilet...

02:27:57 – FERNANDO COELHO– Da Remilet...e tinha sido morta...

02:27:58 – PAULO PONTES– É possível...é possível.

02:28:00 – FERNANDO COELHO– Você chegou a ver?

02:28:01 – PAULO PONTES– Não. Bom, eu já ouvi falar nessas histórias...tá certo? Da caixa da Remilet...já ouvi falar que morreram mais três posteriores, posteriormente dos ferimentos de tiro lá....mas isso aí eu não conheci.

02:28:12 – FERNANDO COELHO– é. Os jornais não noticiam nada além disso. Que era uma comerciária, morta também, mas nem o nome ficou registrado. Era o que eu tinha para perguntar. Obrigado.

02:28:27 – HENRIQUE MARIANO– A palavra está facultada aos demais membros da nossa Comissão.

02:28:33 – MANOEL MORAES– Eu queria fazer uma pergunta...

02:28:34 – HENRIQUE MARIANO– Professor Manoel Morais.

02:28:35 – MANOEL MORAES– Veja, numa primeira lista aqui, que nós recebemos, é uma lista de desaparecidos políticos no regime militar, tem a identificação de Lurdes Maria Pontes por José Severino Teixeira, Paulo.

02:28:55 – PAULO PONTES – O quê?

02:28:56 – MANOEL MORAES– José Severino Teixeira. Ele teria sido a pessoa que identificou o corpo. E também, o curioso, é que ele também identifica... é quem declara que identifica Ranuzia. Você ouviu falar dele?

02:29:17 – PAULO PONTES– Não. Não me lembro, não. Isso não é algum policial que fez algum laudo, não? É possível, porque sinceramente eu não...não sei.

02:29:27 – MANOEL MORAES– Ok. Só era essa a pergunta...

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02:29:29– PAULO PONTES– Essa foto daí que tem...ela está aí, inclusive, fui eu que dei, posteriormente, porque como nós queimamos os documentos, queimamos as fotografias todas, antes de entrar na clandestinidade, posteriormente o pessoal da Comissão da Anistia me falou, no sentido de conseguir foto, e uma tia minha tinha levado um álbum de fotografias da família, e tinha essa foto. Então foi quando nós recuperamos.

02:29:49 – MANOEL MORAES – E essa é a imagem da rua atual, e da casa. De número 20... 22...não era doze, é vinte e dois! Bem. Essa é a imagem da rua, e da casa que se referencia...só para...(inaudível, pessoas conversam ao fundo sobre a informação).

02:30:27 – HENRIQUE MARIANO– É que a 22... tem um registro ali, num documento, que a casa seria a 22. Que é essa daí...(continuam as falas ao fundo)

02:30:37 – MANOEL MORAES – É importante, relatoria, ver talvez a identificação da época, de quem era a casa, se foi alugada, para a gente então rastrear essa informação.

02:30:46 – NADJA BRAYNER– Ok. Obrigada. Henrique?

02:31:04 – HENRIQUE MARIANO – Bom. Paulo, nós agradecemos demais a sua importante colaboração, com a Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara, e se houver alguma necessidade posterior, entraremos em contato com você. Mas, de logo, agradecemos muito a sua importante colaboração.

02:31:26 – PAULO PONTES– Pois não. E estarei à disposição dessa Comissão e de qualquer uma que queira ouvir essa história. Eu sou um daqueles que fico repetindo sempre, conto....é...aquela...a neurose de guerra nossa é essa, então eu não tenho nenhum problema de contar. Devo ter meus problemas psicológicos, mas são tratados em outro nível. Tá certo? Obrigado! (aplausos)

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02:31:48 – HENRIQUE MARIANO – Muito obrigado, Paulo. (aplausos) Convido agora, o nosso último depoente da presente sessão, doutor Theodomiro Romeiro dos Santos. (aplausos). Doutor Theodomiro...dando cumprimento ao nosso rito para os depoimentos, solicito que você decline a sua qualificação, e, ato continuo, você terá o prazo de quinze minutos para, livremente, abordar o tema proposto da presente sessão, e, ato continuo, iremos passar a palavra aos relatores e aos demais integrantes da nossa comissão.

02:32:52 – THEODOMIRO ROMEIRO– Presidente, meu nome é Theodomiro Romeiro dos Santos. Eu sou brasileiro, natural de Natal, Rio Grande do Norte, casado, aposentado, filho de Modesto Ferreira dos Santos e Georgina Romeiro dos Santos. Eu resido na Avenida 17 de Agosto, 2413, apartamento 702, bairro do Monteiro, em Recife. Eu acho que não vou ocupar os quinze minutos que Vossa Excelência me concedeu. Por um motivo muito simples, eu já tive oportunidade de conversar com o professor Manoel, que nos brindou com uma palestra interessantíssima, no nosso encontro regional, na AMATRA, acho que a quinze dias, um mês, mais ou menos isso. O meu conhecimento sobre esses fatos é restrito e é por ouvir falar. Como Paulo Pontes já adiantou aqui, nós estávamos presos desde outubro de 1970. E o massacre dos

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militantes do PCBR ocorreu em dezembro de 72. Dois anos e dois meses depois da nossa prisão. Nós...antes de continuar, eu quero dizer que, dos seis militantes assassinados, eu não conhecia apenas um: Bartolomeu. Todos os demais, eu não somente conheci, como eram meus amigos, e eu convivi com eles nas mesmas residências, nos mesmos aparelhos. Silton, em especial, era meu amigo de quase infância. Quando eu conheci Silton, ele tinha onze anos, e eu tinha dez. Nós entravamos, naquela época, no Colégio Marista de Natal, o Colégio Santo Antônio. Cursamos quatro anos juntos, depois ele foi para um outro Colégio, mas continuamos com a mesma amizade. Silton costumava frequentar a minha casa, habitualmente, nos finais de semana, para almoçar com a gente. A família dele era do interior do Rio Grande do Norte. Morei com Fernando Sandália e com Valdir Saboya. Moramos na mesma casa durante seis meses. Morei com Lurdinha durante um curto espaço de tempo, pouco antes da nossa prisão. Logo depois que nós passamos a morar juntos, na mesma casa, num bairro da periferia de Salvador, acho que uma semana depois, nós fomos presos. Mas tive muitos contatos com ela. Era uma pessoa extremamente meiga, delicada. Nunca vi Lurdinha portando uma arma. Essa versão de que ela teria reagido à prisão seria assim uma coisa extremamente surpreendente que tivesse acontecido. Não era o perfil dela. Conheci também Getulio Cabral, que foi assassinado nessa mesma época e Fernando Sandália. Fernando Augusto da Fonseca, meu segundo filho homem, meus três filhos homens têm nomes em homenagem aos meus companheiros. O mais velho se chama Bruno, em homenagem a Bruno Maranhão. O segundo se chama Fernando Augusto, em homenagem a Fernando Augusto da Fonseca, e o terceiro se chama Mário, em homenagem a Mário Alves. Então, eu conheci todos eles em Salvador. Os cariocas foram para Salvador depois da prisão dos membros do Comitê Central no Rio de Janeiro. Então fugiram e foram para Salvador, onde eu morava, juntamente com dois irmãos maristas, na Barra Avenida. E essas pessoas, Bruno Maranhão e Suzana, Getulio Cabral, Fernando Augusto da Fonseca, estiveram todos hospedados lá nesse apartamento, onde a gente morava, durante um determinado período de tempo, até que conseguissem alugar apartamentos para irem viver. E foi nesse contato que eu comecei a militar no PCBR. Pois bem. A minha falta de conhecimento decorre de dois fatores. Eu nunca militei em Pernambuco. E fui preso antes do massacre. Dois anos antes, como eu disse. As informações que eu tenho são resumidas. Como Paulo registrou aqui, nós soubemos da notícia do massacre pela televisão, num programa de Ibrahim Sued. Ibrahim Sued era um colunista social muito ligado à direita, civil e militar, e aos órgãos de repressão. E ele então divulgou a noticia como se tivesse sido um episódio só. ‘Foram mortos na troca de tiros fulano, beltrano, tal, etc.’, seis pessoas, seis militantes do PCBR, o carro pegou fogo. Então, a noticia primeira que saiu foi assim e foi ele quem deu. A segunda informação que eu tive sobre esse episódio me foi dada por Natur de Assis Filho, que também era militante do PCBR, se eu não me engano, foi preso no Ceará. Mas ele era baiano e foi....acabou sendo transferido para a Bahia. Natur me relatou a prisão de Fernando Augusto da Fonseca. Ele me disse que Fernando não reagiu à prisão, que ele percebeu que havia repressão dos dois lados da rua, que ele sentou no meio fio, que ele colocou as duas mãos na nuca e baixou a cabeça. Então, os policiais chegaram, prenderam, algemaram e levaram. Então, esse relato me foi feito por Natur, que é esse companheiro que Paulo relatou também aqui, foi assassinado também ele, mas não...por motivos políticos, mas não pela Ditadura militar, ele foi morto por um adversário político, numa disputa eleitoral, numa cidade do interior da Bahia. Acho que Ipiaú. Não! Ubaíra. Ou Ipiaú ou Ubaíra...uma das

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duas. Então, esse relato me foi feito por Fernando Augusto da Fonseca, digo, por Natur de Assis Filho. Tempos depois, quando eu voltei do exílio e já estava aqui em Pernambuco, estava instalado, o filho de Fernando Augusto me telefonou dizendo que estava entrando com uma ação na Justiça Federal, ele se chama André Luís, certamente da “Fonseca’ também, que era filho dele. Perguntando se eu poderia... ele estava entrando com uma ação de indenização contra a União, por conta do assassinato do pai, perguntando se eu poderia ir depor e eu disse a ele que poderia, claro, não tinha problema nenhum, mas que as informações que eu tinha eram essas. Se ele achasse que iria ajudá-lo no processo, como prova, eu iria sem problema nenhum. Mas depois ele entrou em contato com Adeildo Ramos Patriota, que também foi militante do partido, e Adeildo tinha notícias muito mais consistente sobre a prisão de Fernando Augusto aqui em Recife. Me parece que a prova do assassinato de Lurdinha e de Valdir já está feita. Uma pessoa que é fuzilada na hora da prisão, ou duas pessoas que são fuziladas na hora da prisão, não prestam depoimento. Isso é uma coisa óbvia! Se há um depoimento prestado, esse documento está...e esse depoimento está num documento do CISA, o Centro de Informações da Aeronáutica, é porque essas pessoas foram presas e, pelo menos uma das duas, prestou depoimento. E certamente, ele foi assassinado depois do momento da prisão, ainda que tenha sido no dia seguinte, não foi um fuzilamento na hora da prisão por causa da resistência das duas pessoas. Em segundo lugar, há todas as evidências de que esse massacre ele foi praticado para mandar um recado. Não somente para mim e para Paulo, que participamos diretamente do episódio em que eu matei o sargento que foi me prender, como para todas as pessoas que estivessem na militância ainda naquela época. Vocês vão ter sempre o troco e o troco vai ser muito duro. Foi muito duro esse troco para a gente. Muito. Eram pessoas queridíssimas, eram pessoas dedicadas, eram brasileiros que tinham uma contribuição enorme para dar para o país. E que tiveram as vidas ceifadas assim muito novinhos. Eu estava vendo agora as fotografias no livro que Marcelo me deu de presente, e quando eu olho as fotografias, eu ...na época, a gente não pensava isso. A gente não se achava muito jovem. Mas hoje quando a gente olha, era um bando de meninos! Que estavam fazendo 18, 19...eu comecei minha militância social, não política, com 15 anos. Na Igreja Católica. Quinze anos...a gente começou a militar depois do..da abertura da Igreja Católica, então começaram os movimentos sociais, e tal, eu comecei na Igreja Católica aos 15 anos. E me filiei ao PCBR antes de completar 18. Então éramos todos realmente muito jovens. Mas em relação ao objeto dessa sessão da Comissão, as informações de que eu disponho são essas. Eu só queria fazer mais dois registros, porque eu sei que vão me perguntar. Eu tive a infelicidade de conhecer Gercino Saraiva. Não sabia que ele tinha sido morto. Que ele tinha morrido. Eu vi agora que ele morreu em 2012. Em...a uns quatro anos, quando eu participava de um movimento associativo de Juízes, eu estava em Brasília para uma reunião, da AMB, encontrei com desembargadores do Rio Grande do Norte, que eram amigos dele. E eu vou a Natal sempre, minha família está lá, e tal, etc. E aí um deles disse ‘Ah, a próxima vez que você for lá, eu vou convidar você para ir à minha casa, e vou convidar Gercino!’, eu digo “Não, não quero, não. Não me convide, eu não tenho nada para falar com ele. Não quero vê-lo...não, vai ser um constrangimento muito grande!’. E pensei que ele estava vivo ainda. Somente agora é que...Tereza fez o registro de que ele tinha sido...tinha morrido. Então...mas o conhecimento que eu tive de Gercino foi um conhecimento muito superficial. Foi na época do movimento estudantil em Natal. Você cruza com a pessoa, você fala com ela, eu não tinha nenhuma

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proximidade, não tinha...não sabia que ele era militante do PCBR. Eu só vim saber que ele tinha sido militante do PCBR depois da prisão dele, quando ele escreveu uma porcaria chamada ‘Vitória de um Terrorista’. Que foi divulgado pela repressão, para todo mundo, especialmente para quem estava preso, como forma de desmoralizar, de baixar a moral da gente, de diminuir a resistência de quem estava preso. Eles fizeram isso com Gercino, eles fizeram isso com Massafume, e fizeram isso com Lungaretti, que felizmente conseguiu superar essa fase da vida dele, e hoje, é uma pessoa extremamente combativa e ligada aos direitos humanos, tem Blogs e sites, e tal na Internet. Então em relação a Gercino Saraiva, o meu conhecimento foi esse. Em relação a Antônio Prestes de Paula, que é um dos revolucionários brasileiros que eu mais admiro. Ele foi um homem extremamente coerente a vida inteira dele, um combatente entusiasmado, intransigente, sempre lutou pelo socialismo. Ele foi uma pessoa que começou a militância dele quando era sargento da Aeronáutica, e ele foi um dos líderes do movimentos dos sargentos da Aeronáutica que ocupou o Aeroporto de Brasília, para permitir a aterrissagem do avião de João Goulart, que estava voltando da China, e que os militares não queriam permitir que voltassem para o Brasil. Então os sargentos e cabos da Aeronáutica ocuparam o Aeroporto de Brasília e garantiram a aterrissagem do avião e, logo depois, a posse de João Goulart. Depois disso, Prestes de Paula foi preso e ficou cumprindo pena na Penitenciária Lemos Brito, no Rio de Janeiro. Ele participou da fuga, uma fuga rocambolesca, e saíram pela porta da frente, atirando...fugiu ele, e fugiram outras pessoas como José Adeildo Ramos, como Avelino Capitani, eram vários militares que, depois de saírem da penitenciária, depois de fugirem da penitenciária, fundaram um movimento armado chamado MAR, e iniciaram uma tentativa de implantação de um foco guerrilheiro na Serra do Mar, no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Espírito Santo, por ali. Depois disso, Prestes de Paula acabou vindo para...filiou-se ao PCBR, acabou vindo para a Bahia também. Eu militei juntamente com Prestes de Paula o tempo que ele esteve na Bahia. Depois da nossa prisão, Prestes de Paula escapou e o partido mandou que ele saísse do país. A versão de que ele fugiu do país é uma versão completamente absurda. Completamente absurda. Não acreditem nisso porque não é verdade. O partido mandou porque ele era uma pessoa extremamente conhecida. Ele estava nos cartazes de ‘Procurado’ por todo canto. A gente estava começando a ser preso, a cair, o partido estava se esfacelando. O trabalho, principalmente o trabalho militar, mas também o trabalho de massa do partido, estava acabando. O ....as forças de segurança estavam derrotando a gente. Então mandaram que ele saísse do país, como mandaram também que Bruno Maranhão saísse, para preservar a vida deles. Eles não debandaram do país. Então Prestes de Paula foi para o Chile, e, em seguida, foi para a França. Eu convivi com Prestes de Paula na França. Quando eu cheguei na França, depois que eu fugi da penitenciária, ele estava no aeroporto me esperando. Ele morava num...num foyer, é um prédio de estudantes universitários em Massipalesou, muito longe de Paris. E quando veio a Anistia, que ele começou a organizar a vida dele para voltar, como ele precisava ir em Consulados, resolver a burocracia, tal, etc., ele ficou hospedado na minha casa. Seis meses mais ou menos. Ele voltou para o Brasil, em seguida, e voltou à militância política dele. Ele participou do Movimento dos Sem Teto, em São Paulo. Ele participou do Movimento dos Sem Terra aqui em Pernambuco. Ele participou de um assalto a banco em Salvador, depois da redemocratização, já, e foi preso, condenado, e cumpriu pena por isso, na Penitenciária Lemos Brito, de Salvador. Então...depois ele acabou morrendo de um câncer. Eu não tive

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oportunidade de falar com ele antes de...da morte dele. Então eu quero dizer que é um grande revolucionário, Antônio Preste de Paula. Uma pessoa admirável, sob todos os aspectos, e eu tenho assim...um orgulho muito grande de ter militado junto com ele. Por último, presidente. Eu não sei se vai ser impertinência minha, eu queria fazer um registro muito breve. Morreu no dia 25 de março, um pouco depois das seis horas da manhã, o Padre Enzo Rossi. Padre Enzo Rossi foi um italiano, florentino, secular, que veio para o Brasil e aqui passou 40 anos. Era pároco da Capelinha de São Caetano, na Bahia, que é um bairro muito pobre de Salvador. Padre Enzo foi um dos maiores amigos dos presos políticos brasileiros. Ele atuou em todas as áreas onde era possível atuar. Ele consolou as famílias dos mortos e desaparecidos. Ele deu apoio aos presos. Ele fez denuncias, divulgou os crimes da ditadura no exterior. Ele contribuiu financeiramente com as famílias dos presos muito pobres, que não podiam prover as necessidades da família, então ele tinha ligação com uma rede de solidariedade italiana, ele conseguia dinheiro para pagar...uma pequena quantidade de dinheiro todo mês para as pessoas continuarem vivendo, enquanto o chefe de família estava preso. Então ele teve um....uma atuação assim...e mais: foi um grande articulador da resistência dos presos políticos contra a ditadura militar. Ele foi a pessoa que viabilizou a grande greve nacional de fome, que antecedeu a votação da Anistia. Foi ele que saiu de presídio em presídio levando comunicação, estabelecendo as datas para se fazer o movimento organizado e não um movimento desorganizado. Ele foi uma pessoa extraordinária. Ele morreu agora. Então eu queria deixar esse registro e também o registro de que ele sempre teve o apoio de Dom Avelar Brandão Vilela nesse trabalho, porque se não ele não teria conseguido, porque a repressão não deixaria. Ele fez esse trabalho porque o Cardeal de Salvador nomeou ele para uma tal de pastoral dos presos políticos, aí com esse respaldo ele conseguiu ingressar, visitar as prisões e prestar esse trabalho todo. Muito obrigado, presidente.

02:51:52 – HENRIQUE MARIANO – Obrigado, doutor Theodomiro, pelo seu posicionamento. Passo então a palavra à relatora Nadja Brayner.

02:52:05 – NADJA BRAYNER– Obrigada. Queria mais uma vez agradecer a Theodomiro a presença aqui. Dizer que a gente manteve um contato telefônico e, sem dúvida, Theodomiro, a sua presença aqui é extremamente importante. Porque como a gente já colocou aqui, ao tratarmos dos casos, de cada relatoria, nós também buscamos informações outras, ampliar essas informações, para outras relatorias. Bom, eu queria dizer o seguinte: é muito importante, inclusive, a tua fala sobre Lurdinha. Porque uma das preocupações da Comissão é inclusive fazer esse resgate das pessoas. Não apenas o militante revolucionário, mas quem eram essas pessoas. Que...pessoas generosas, como se sabe, enfim...é esse teu relato, é importante no sentido de mostrar, caracterizar bem, essa militância, que foi, hoje eu concordo com você, pelos informações, pelos documentos que a gente tem, que foi vitima desse teatro cruel...o grau de perversidade é imenso. Porque se buscou reunir exatamente esses militantes para, a partir daí, mandar esses ‘recados’ e demonstrar a força. Agora eu queria só voltar a uma questão que você falou, sobre o relato da prisão de Fernando Sandália. Sem dúvida, nós temos depoimentos importantes de Adeildo, do Edmilson Vitorino, mas você me falou que teve esse relato através do Natur, não é isso?

02:54:16 – TEODOMIRO ROMEIRO– Natur de Assis Filho.

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02:54:17 – NADJA BRAYNER– De Assis Filho. E que relatou a prisão de Fernando Sandália. Você falou rápido...teria mais...como é que foi essa prisão? Você lembra do relato dele?

02:54:28 – TEODOMIRO ROMEIRO– Veja, o relato que ele fez foi esse relato sucinto que eu reproduzi. Que ele foi...certamente já estava sendo seguido...

02:54:37 – NADJA BRAYNER– Aonde, Theodomiro, ele foi preso?

02:54:38 – THEODOMIRO ROMEIRO– Aqui em Recife. Mas o local exato eu não sei. Então que...o pessoal dos órgãos de segurança ocupou os dois lados da rua onde ele estava, ele verificou que não tinha como fugir, então ele escolheu não reagir. Ele sentou-se no meio fio, colocou as mãos na nuca e abaixou a cabeça, encostando nos joelhos. E foi dessa forma que eles chegaram e prenderam Fernando Augusto. Foi esse o relato que Natur fez.

02:55:09 – NADJA BRAYNER– Certo. Bem, eu por enquanto eu não teria mais nenhuma pergunta específica, passaria para o secretário...depois eu posso voltar.

02:55:22 – HENRIQUE MARIANO – Doutor Roberto Franca.

02:55:24 – ROBERTO FRANCA – Só para concluir. Esse relato feito da prisão de Fernando foi visto pessoalmente, essa descrição?

02:55:32 – THEODOMIRO ROMEIRO– Não. Foi ouvido por Natur.

02:55:35 – ROBERTO FRANCA – Ah, bom. Natur ouviu...

02:55:36 – THEODOMIRO ROMEIRO– Foi ouvido de outro companheiro por Natur. Ele não presenciou.

02:55:40 – NADJA BRAYNER– Ah...ele não presenciou...

02:55:42 – TEODOMIRO ROMEIRO– Não presenciou.

02:55:44 – ROBERTO FRANCA – Certo. É...Theodomiro, você fez um depoimento muito comovente sobre o Padre Enzo Rossi. E eu queria só lhe informar que a Comissão Nacional da Verdade ela tem feito...designou uma consultoria e uma relatoria para estudar o papel das religiões cristãs durante a ditadura. Estiveram conosco aqui e estiveram no Instituto Dom Helder, e em várias outras reuniões, na Fundação Joaquim Nabuco, para se informar sobre isso. E eu pediria a sua concordância, em transmitir essa informação...

02:55:27 – THEODOMIRO ROMEIRO– Claro.

02:55:28 – ROBERTO FRANCA – Eles possivelmente gostariam de ouvir mais informações, embora não seja uma atuação aqui em Pernambuco, mas a Comissão Nacional...

02:56:37 – THEODOMIRO ROMEIRO– Total. A minha disponibilidade é total para o que for necessário.

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02:56:41 – ROBEROTO FRANCA – E por fim, que queira dizer que...quer dizer, que esse assunto não foi nada impertinente da sua parte, e dizer que esta Comissão, embora tenhamos hoje o foco que você já colocou bem, mas se você achar que há mais alguma informação importante, não só sobre os casos examinados nesse estado, mas também sobre alguma outra informação desse período que, eu acho que o seu depoimento tem sido muito categórico, muito preciso, de forma que se sinta à vontade para extrapolar, vamos dizer, os objetivos estreitos, porque nós estamos com uma interação com as outras Comissões, e, agora a pouco, quando eu me...estava fora, a Nadine, que era assessora da Comissão Nacional, agora é membro da Comissão do Rio de Janeiro, e ela estava me ligando para pedir algumas informações à nossa Comissão. De forma que nós temos essa troca de informações constante e depoimentos que sejam importantes para casos que estejam sendo examinados por outras Comissões nós também poderemos transmitir e trocar essas informações, de forma que eu agradeço sua presença e digo que fique à vontade, que seria realmente importante se souber de algum fato relevante que gostaria que nós...

02:57:51 – THEODOMIRO ROMEIRO– Talvez ela possa dar uma ajuda nesse tema específico de hoje, conseguindo cópias do processo de Fernando Augusto da Fonseca, da família dele, na Justiça Federal do Rio de Janeiro. Deve ter muitos elementos de prova, não é? Porque uma das pessoas que é objeto do...desse nosso depoimento hoje é Fernando Augusto da Fonseca.

02:58:15 – NADJA BRAYNER– Theodomiro...só mais uma coisa aqui que eu me lembrei. Que você colocou também que, em 1970, quando você entrou no PCBR, foi através de uns companheiros que foram para Salvador. E você falou, se eu entendi bem, que foi o Comando, o CC, não é isso? O Comitê Central...

02:58:39 – THEODOMIRO ROMEIRO– Não. Veja...houve prisões do Comitê Central no Rio de Janeiro. Inclusive quando houve o assassinato de Mário Alves.

02:58:48 – NADJA BRAYNER– Certo. Setenta...

02:58:49 – THEODOMIRO ROMEIRO– Quem escapou, veio...boa parte dos que escaparam, e que eram conhecidos, vieram para Salvador. Essa questão, inclusive, voltando ao que eu disse sobre o pessoal que saiu, na Bahia, antes de nós sermos presos, o DOI-CODI fez um serviço de inteligência. Eles tinham fotografado quase todo mundo. Quase todo mundo. Bruno Maranhão tinha sido fotografado. Getulio Cabral tinha sido fotografado. Adeildo Ramos tinha sido fotografado. Se eu não me engano, Paulo Pontes tinha sido fotografado. Antônio Prestes de Paula tinha sido fotografado. E eles montaram um dossiêzinho que se chamava ‘PCBR na Bahia’. Que depois, eu e Paulo Pontes fomos incluídos, mas depois do primeiro dia de tortura. Estava uma coisa horrorosa. Todo mundo coberto de sangue e tal, etc, eles fizeram esse albinho de fotografias. Então eles faziam, muitas vezes, esse serviço de inteligência anterior. Na Bahia ele aconteceu por uma coincidência infeliz. Não houve infiltração, não houve delação, não houve nada. No Rio de Janeiro eu não sei exatamente, porque há dúvidas sérias sobre Jover Teles. Que foi militante do PCBR, e depois do PCdoB, tanto o pessoal do PCBR, quando do PCdoB – inclusive depois conversei com o pessoal do PCdoB, eles vieram pedir

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informação, quando eu ainda estava preso – há desconfiança sérias de que ele tenha feito trabalho de infiltração para a repressão nessas duas organizações.

03:00:39 – NADJA BRAYNER– Mas e...ainda dentro disso que você está falando. Você nomeou várias pessoas que estavam em Salvador...

03:00:46 – THEODOMIRO ROMEIRO – Foi. Olhe....quem me recrutou foi Bruno Maranhão. Foi ele que...

03:00:52 – NADJA BRAYNER– (risos) Não ia perguntar isso não...

03:00:53 – THEODOMIRO ROMEIRO– (risos) Não?

03:00:54 – NADJA BRAYNER– Não. Veja, você foi preso no momento em que você tinha um ponto com Paulo Pontes e Getulio Cabral. E você falou que todas essas pessoas, essas outras, estavam sendo acompanhadas e fotografadas. Após a prisão de vocês, de vocês dois, nenhum deles mais foi preso lá, foi?

03:01:19 – THEODOMIRO ROMEIRO– Não.

03:01:20 – NADJA BRAYNER– Nenhum deles? Não ocorreu nenhum...

03:01:23 – THEODOMIRO ROMEIRO– Prestes de Paula e Bruno Maranhão conseguiram sair do país, e Adeildo veio para o Nordeste. E os outros foram assassinados no Rio de Janeiro em 1972.

03:01:37 – NADJA BRAYNER– Fernando e Getulio...

03:01:38 – THEODOMIRO ROMEIRO– Exatamente. Essa...esse levantamento que foi feito por eles durou bastante tempo. Isso foi coisa de três, quatro meses. Mas depois a gente descobriu que eles tinham descoberto o partido. Havia um militante do MR8, que o pai dele era motorista da Policia Federal. Então passava algumas informações para ele, e ele passava para o PCBR. Havia contato entre as organizações lá em Salvador. Então, Temístocles, o nome dele...o nome do pai. Do filho é Edson. Então o pai informou para o filho que a Policia Federal estava seguindo o pessoal que suspeitava que era terrorista e que tinha um apartamento em tal lugar. Tinha uma casa em tal lugar. Então a gente verificou que era da gente aquele aparelho. Então desmobilizou-se, todo mundo saiu de Salvador. Ficamos eu, Paulo Pontes, Dirceu Regis, pra fechar os contatos, e segurar as coisas durante um tempo até poder retomar o trabalho depois. Essa...esse encontro que a gente teve, já ia ser o encontro final. Getulio vinha participar do encontro e depois ele ia desaparecer também. Mas como eles perceberam que todo mundo tinha sumido, que as casas tinham sido abandonadas, aí eles deram ordens para que nos prendessem onde nós fôssemos encontrados. Como a gente tinha o mau hábito de marcar os pontos sempre no mesmo lugar, ficou fácil para eles prenderem a gente no Dique do Tororó, porque a gente repetia muito os pontos no Dique do Tororó. Na Calçada do Dique do Tororó. Era bom para todo mundo porque ficava mais ou menos na mesma distância das casas. Então eles colocaram os policiais na rua, disse ‘olha, onde encontrarem, prendam!’, e foi assim que a gente foi preso.

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03:03:45 – NADJA BRAYNER– Pronto, agora eu entendi. Eu queria exatamente ter essa compreensão. Então... vocês não foram presos porque eles já tinham...

03:03:53 – THEODOMIRO ROMEIRO– É. Já, já tinha um trabalho prévio de inteligência.

03:03:56 – NADJA BRAYNER – Foi uma...

03:03:57 – THEODOMIRO ROMEIRO– Mas aí, como a gente descobriu, que eles tinham feito, e eles viram que a gente tinha descoberto, aí eles precipitaram as prisões. Porque, se não tivesse sido isso, tinha sido um desastre lá, todo mundo tinha sido preso. Por que eles começaram a seguir para ver onde a gente morava. Fulano encontrava com Beltrano, aí eles deixavam aqueles que eles já sabiam onde moravam, e seguiam um outro para ir até o aparelho. Não eram muitos aparelhos, acho que tinha uns quatro ou cinco só, lá em Salvador. Eles iam liquidar o partido todo ali. Todo. Foi muita sorte. E também a ajuda de Temístocles, não é? Que evitou que houvesse um dano maior para o partido.

03:04:38 – NADJA BRAYNER– Por mim, obrigada. Henrique...

03:04:44 – HENRIQUE MARIANO– Bom. A palavra está facultada aos demais membros da Comissão. Manoel Moraes.

03:04:55 – MANOEL MORAES – Theodomiro, mais uma vez o prazer de ter você aqui, é um motivo de orgulho para essa Comissão o teu depoimento. Eu queria explorar, Theodomiro, então, esse período a partir do que Roberto Franca disse. Do seu próprio viver, da sua própria experiência nesse contexto de repressão. Então você é preso bem jovem, passa um período grande dentro do sistema prisional. Então, nesse período, você sofreu ameaça? Houve algum movimento? Porque nós já temos relatos de uso de mecanismos, como injeções em presos políticos, uso de presos políticos para aulas de tortura. Que informações você poderia colaborar nesse período em que você foi preso para caracterizar as graves violações dos direitos humanos que foram praticadas aos presos políticos? Além da repressão, dentro do próprio processo de resistência nas cadeias. E, claro, se você pudesse, a partir daí, ampliar esse seu depoimento. Obrigado.

03:05:55 – THEODOMIRO ROMEIRO– Certo. Olhe, eu queria, em primeiro lugar, dizer o seguinte. Eu é que agradeço ter vindo aqui. Eu acho esse trabalho importantíssimo, esse trabalho de resgate da memória. E ter podido participar dele, ainda que de forma muito pequena, é um motivo de grande alegria para mim. Então eu que agradeço. A situação em Salvador, professor Manoel, era diferente dos estados que nós conhecemos no resto do país. A situação em Salvador era mais branda. A gente não teve em Salvador as situações extremas que os presos políticos da Barreto Campelo viveram, aqui em Pernambuco, ou o pessoal de São Paulo. O pessoal de São Paulo, há relatos de um Juiz Auditor, que fazia o interrogatório, quando a pessoa ia dar uma informação que contrariasse o depoimento que ele deu sobre tortura, na sala de audiência ele dizia ‘você vai voltar para o DOI-CODI! Se você começar a mentir, vai voltar para o DOI-CODI.’. Então, essas situações extremas não havia em Salvador. Depois que nós fomos transferidos dos quartéis, das delegacias, da Policia Federal, etc, para a penitenciária, não houve mais nenhum tipo de tortura física. Contra nenhum preso político.

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Nenhum. A situação carcerária, ela se modificava em função do regime, de quem estava. A época de Médici, aquela desgraça total. Na época de Geisel, melhorou um pouquinho. Isso se refletia, por exemplo, na possibilidade de a gente sair do isolamento. Quando a gente chegou na penitenciária, nós passamos um bom tempo, o regime de prisão da gente era o regime de castigo dos presos comuns. A gente vivia trancado dentro de cela. O dia todo. De manhã, de tarde, de noite. A gente só podia sair pra banho de sol duas vezes por semana, duas horas. A gente não podia ter livro, a gente não podia ter televisão, a gente não podia ter rádio, a gente não podia ler jornal. A gente estava completamente isolado do restante do mundo. Só não ficamos totalmente isolados, porque nós conseguimos contrabandear um radinho de pilha, e aí, cada semana esse radinho ficava na cela de um, que elaborava um jornal e passava de cela em cela para a gente saber o que é que estava acontecendo por aí. Então nessa época, essa época de 70, 71, acho que até 72, começo de 72, eu não tenho mais um registro assim, exato, de até quando isso durou, era assim o regime. Depois, quando veio o Geisel, as condições de cadeia melhoraram na prisão. Ai a gente pôde circular durante o dia, ali na galeria. A gente pôde fazer artesanato que ocupava a gente. A gente pôde ter aulas. A gente pôde receber jornal, que tinha um idiota lá que censurava, uma criatura lá, que eu não sei qual era o critério que ela usava para censurar o jornal, mas ele vinha todo cortado o jornal. O jornal...ele já era publicado censurado, aí quando chegava na penitenciária, a censoria censurava outra vez. Então...mas de qualquer forma a gente recebia um jornal. Aí pôde-se ter televisão, pôde-se ter rádio, aí a gente montou aulas. Cada um que tinha uma habilidade...um falava alemão, dava aulas de alemão, o outro dava aula de economia. Cada um...alguns companheiros que não tinham podido estudar fizeram lá na penitenciária o artigo 91 e o artigo 99...melhorou bastante. Mas ainda era um regime muito rigoroso, porque nós estávamos ali presos na galeria, quando todos os outros presos podiam sair para os outros prédios da penitenciária e alguns, inclusive, circular pela área externa da penitenciária, que era imensa. Era uma espécie de um mato que tinha assim, grande, com represa, com um monte de coisa, que o pessoal podia circular por ali. Somente muito no fim, é que a gente teve um regime de carceragem parecido com o dos presos comuns que tinham um bom comportamento, como era o nosso caso. A gente...nunca houve um problema disciplinar, com nenhum preso político na Penitenciária Lemos Brito. Eles uma época tentaram apresentar como problema disciplinar uma greve de fome que nós fizemos e depois acabaram desistindo dessa história, porque era inadmissível uma coisa dessas. Ninguém tinha ofendido, nem batido, nem coisa nenhuma em nenhum guarda, nem diretor, nem nada. Então esse foi o regime da gente na penitenciária. Essas situações extremas que ocorreram aqui em Pernambuco, eu conheço todas elas porque a gente trocava correspondência. Fizemos, inclusive, algumas greve de fome em conjunto com os companheiros aqui de Pernambuco para acabar com determinadas situações absurdas, como o isolamento de Carlos Alberto Soares e Rholine. Mas lá na Penitenciária Lemos Brito isso não ocorreu. O tratamento, apesar de rigoroso, nesses níveis que eu acabei de informar, numa ultrapassou os limites do rigor carcerário. Nuca houve tortura, nuca houve...nada disso.

03:11:22 – MANOEL MORAES– Theodomiro, e nesse período que você passou fora do país...há relatos do doutor Miguel Arraes sobre a Operação Condor. Inclusive foi nesse período do exílio na Argélia, que ele tem as informações e que, depois, inclusive, é objeto de uma denúncia dele ao Congresso Nacional, depoimento inclusive que ele faz acompanhado do doutor Fernando

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Coelho. Nesse período que você estava na França, você teve informações sobre a Operação Condor? Isso, no sentido de colaborar com o contexto. Ou de outras informações acerca de ....

03:11:55 – THEODOMIRO ROMEIRO– Não sei se estava ligado diretamente à Operação Condor, e essa informação eu só obtive posteriormente. Em 1987, ou 88. Por aí. Eu fui procurado, nessa época eu morava ali perto da Universidade Católica de Pernambuco, eu fui procurado por um repórter da VEJA, que queria saber se eu tinha informação sobre um plano executado pelos adidos, pelo pessoal militar da Embaixada do Brasil na Suiça, para me matar na França. Eu não tinha. Nunca percebi nada, nunca vi nada, nem coisa nenhuma. E aí ele me disse ‘não. Foi na época em que você esteve hospitalizado!’. E aí eu vi que a informação poderia proceder. Porque eu efetivamente estive hospitalizado durante uma semana na França, por conta de um problema de coluna. Mas eu não disse isso para ninguém. Porque eu não queria preocupar a minha mãe, que estava aqui, estava distante, então ouvindo uma notícia dessa, podia fazer um bicho maior do que era realmente, mas ele tinha essa informação. Então é possível eu tenha havido realmente algum tipo de...pelo menos de, vamos dizer assim, de pesquisa, ou de arremedo, mas eu nunca percebi nada. Nunca. Só percebi depois que voltei para o Brasil e o repórter da VEJA foi me entrevistar. Agora, quando eu estava...porque depois que eu fugi da penitenciária, eu passei um tempo escondido e depois passei dois meses...não....três, não...um mês na Nunciatura, uma coisa assim. Mandaram para mim uma correspondência. Grande. A Convenção de Caracas obriga a autoridade da Embaixada ou do Consulado a censurar a correspondência que vai para o abrigado. Então toda a correspondência é aberta, se verifica o conteúdo, certamente para evitar que alguém que tenha atuação política ande coordenando atividade política de dentro da Embaixada. Imagino que tenha sido essa a razão de...mas...Bom. Quem recebeu a correspondência foi...Dom Renato Rafaelo Martinho, que era na época conselheiro da Nunciatura, hoje é Cardeal, já foi Núncio Apostólico em diversos países. Então quem abriu isso foi Dom Renato. Ele abriu, mas quando ele tentou puxar, ela não saiu. Aí ele achou que estivesse colada, por acidente, quando a pessoa bota cola no envelope e dobra, às vezes pega na correspondência. Então, o que é que ele fez? Ele cortou o quatro lados do envelope, e abriu. Quando ele abriu, ele viu que era um caderno do SEAS. Uma publicação dos Jesuítas lá da Bahia, que na época era muito, muito, muito interessante, fazia reflexões sobre as questões sociais, um dos responsáveis por ela era Cláudio Perani, padre jesuíta que depois foi o superior da Província Norte, já morreu, era italiano também. E foi também um grande amigo dos presos políticos. Então ele abriu e dentro ele viu um negocinho assim, uns fios e aí ele disse ‘Mas que idiotice! Não...esses caras não sabem que Theodomiro é ateu, não acredita nessas coisas?’. Ele pensou que era uma macumba que tinham mandado. Então ele fechou o envelope. Botou no birô dele e foi dormir. Aí ele disse que, quando deitou na cama, que pensou de novo, aí disse que gelou! Porque aí ele fez a associação. Aí ele ligou para a Embaixada Americana, pediu para o pessoal da CIA ir lá. Eles foram e desmontaram o artefato. Era uma bomba. E se fosse eu que tivesse aberto o envelope, ela com certeza teria detonado, porque eu não ia abrir em quatro pedaços o envelope, eu ia forçar (risos). Entendeu? Para ela sair. Então...inclusive isso foi objeto de um protesto da Nunciatura Apostólica junto ao Governo Brasileiro. Então foram esses dois episódios.

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03:16:38 – MANOEL MORAES– Você sabe dizer se a Embaixada fez uma investigação acerca do artefato? Se existe algum procedimento?

03:16:44 – THEODOMIRO ROMEIRO– Não. O mesmo que fizeram no Rio Centro. Ou aquele de Dona Lidia, não é? Pois é.

03:17:05 – FERNANDO COELHO– Alguém mais da Comissão deseja formular alguma questão? Socorro Ferraz.

03:17:17 – SOCORRO FERRAZ– Theodomiro, eu queria só elogiar. A sua forma, como você prestou esse depoimento. Um depoimento muito seguro. Com muita clareza e com fatos que vão ser muito importantes para a nossa...o nosso trabalho, que é o trabalho de esclarecer à sociedade brasileira os acontecimentos. Quero realmente fazer um elogio especial ao seu depoimento. Muito obrigada.

03:17:52 – THEODOMIRO ROMEIRO– Obrigado. (aplausos) A senhora parece muito com uma grande amiga da gente. Dona Bem. É.

03:18:03 – FERNANDO COELHO– Doutor Gilberto Marques.

03:18:05 – GILBERTO MARQUES– Seguindo o exemplo da Professora Socorro, elogiar e agradecer. O seu relato objetivo, conciso, sincero, e importante para a gente nos registros históricos.

03:18:20 – ROBERTO FRANCA – Peço que o presidente estenda esse reconhecimento a todos os membros da Comissão.

03:18:25 – FERNANDO COELHO– Sem sombra de dúvida, os que falaram, externaram o ponto de vista geral, coletivo, e de agradecimento, não apenas ao depoente, ao último depoente, como a todos os demais. Acho que o nível dos depoimentos correspondeu exatamente àquelas expectativas eu haviam criado. Todos nós da Comissão somos gratos e, mais do que nós, a sociedade. Pela clareza, pela objetividade e pelo volume de informações que aqui foram trazidas, e que, sem sombra de dúvida, fortalecerão as conclusões do nosso relatório. Quero agradecer a todos e antes de encerrar os trabalhos, convidar para o lançamento, amanhã, 5 de abril, sexta-feira, às 14 horas, do livro ‘Marcas da Memória – História Oral da Anistia no Brasil’, organizado pelos professores Antônio Torres Montenegro, Carla Simone Rogério e Maria Paula Araújo. Estão todos convidados e é no Auditório Barbosa Lima Sobrinho, térreo do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco, na Avenida Acadêmico Hélio Ramos, sem número, Cidade Universitária, Recife. Hélio Ramos foi colega meu da Faculdade e um estudante que morreu de causas naturais, mas quando se deslocava, como representante da UNE, para um Congresso Internacional. Agradecemos a todos mais uma vez, e está encerrada a sessão.

03:21:01 – AUDÍSIO COSTA – Bem pessoal, já que colocaram o microfone, meu nome é Audísio Costa e estou aqui representando a presidente da ADUFEPE, que neste momento, nesta manhã, teve outro compromisso, mas colocar este auditório à disposição da Comissão da Verdade, porque ele foi construído exatamente com o objetivo de promover esses debates

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importantes na construção da democracia, de uma sociedade justa, fraterna e solidária. Estou à disposição de vocês, o auditório, é só mandar o ofício e a gente compatibilizar os horários. (aplausos)

03:21:28 – FERNANDO COELHO– Agradecendo o oferecimento, posso asseverar que nós voltaremos outras vezes. Muito obrigado a todos. Está encerrada a sessão.--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------