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TRANSFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ Quando falamos em transfusão sanguinea, o que nos vem à cabeça de forma quase natural, é que se trata de um ato humano carregado de bondade a abnegação. De fato, uma transfusão bem sucedida e responsável pode salvar uma vida, por isso, esse trabalho não tem como objetivo por a transfusão saguinea no rol dos vilões dos tratamentos médicos. No entanto, quando o assunto envolve uma determinada classe da sociedade, como as Testemunhas de Jeová, pois estes não veem a transfusão como algo aceitável dentro dos seus preceitos religiosos, nós, a sociedade em geral, tendemos a vê-los como malucos e até mesmo suicidas. Porém essa questão é bem complexa, delicada e, como tal, necessita de uma análise pormenorizada e desnuda de qualquer preconceito. Vale ressaltar que, como se trata de um trabalho acadêmico do curso de direito, irei abordar, primordialmente, uma visão jurídica. A Questão religiosa As Testemunhas de Jeová baseiam-se em alguns trechos bíblicos para embasar sua afirmação a não aceitação de sangue humano e outros tratamentos que o envolvam. Vejamos alguns desses trechos e algumas explicações. Gênesis 9:4 “Carne, porém com sua vida, isto é, com seu sangue, não comereis.” Esse trecho trata do período após o dilúvio e dentro do contexto, Deus pediu a Noé que, diante da contingência, poderia comer carne, porém que tivesse cuidado para tirar o sangue. Como vimos, em nenhum momento o texto refere-se a

TRANSFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ (DEFINITIVO)

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TRANSFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Quando falamos em transfusão sanguinea, o que nos vem à cabeça de forma quase natural, é que se trata de um ato humano carregado de bondade a abnegação. De fato, uma transfusão bem sucedida e responsável pode salvar uma vida, por isso, esse trabalho não tem como objetivo por a transfusão saguinea no rol dos vilões dos tratamentos médicos. No entanto, quando o assunto envolve uma determinada classe da sociedade, como as Testemunhas de Jeová, pois estes não veem a transfusão como algo aceitável dentro dos seus preceitos religiosos, nós, a sociedade em geral, tendemos a vê-los como malucos e até mesmo suicidas. Porém essa questão é bem complexa, delicada e, como tal, necessita de uma análise pormenorizada e desnuda de qualquer preconceito. Vale ressaltar que, como se trata de um trabalho acadêmico do curso de direito, irei abordar, primordialmente, uma visão jurídica.

A Questão religiosa

As Testemunhas de Jeová baseiam-se em alguns trechos bíblicos para embasar sua afirmação a não aceitação de sangue humano e outros tratamentos que o envolvam. Vejamos alguns desses trechos e algumas explicações.

Gênesis 9:4 “Carne, porém com sua vida, isto é, com seu sangue, não comereis.”

Esse trecho trata do período após o dilúvio e dentro do contexto, Deus pediu a Noé que, diante da contingência, poderia comer carne, porém que tivesse cuidado para tirar o sangue. Como vimos, em nenhum momento o texto refere-se a sangue humano e muito menos a transfusão, técnica desconhecida e inexistente nessa época. Refere-se apenas, a alimentação.

Levítico 3:17 “Estatuto perpétuo será durante as gerações, em todas as vossas moradas: gordura nenhuma jamais comerá.”

Mais uma vez, esse texto refere-se ao consumo de gordura animal e seu sangue, mesmo assim, os jeovistas não proíbem em sua religião o consumo de gordura, o que é contraditório. Vale ressaltar também que, a palavra “perpétuo” em hebraico é holam que significa duração enquanto durar o fato a que se refere, p. ex.: a páscoa era considerada um estatuto perpétuo que não se celebra mais. A passagem se refere a ingestão de gordura e sangue animal.

Levítico 19:26 “Não comereis coisa alguma com sangue.”

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Mais uma vez, faz alusão à carne animal.

Levítico 7:27 “Toda pessoa que comer algum sangue, será eliminada de seu povo.”Se analisar-mos o versículo anterior que diz: “Não comerei sangue em qualquer das vossas habitações, quer de aves, quer de gado.” Como se pode observar, mais uma vez não faz referência ao sangue humano.

É de fácil compreensão que houve uma interpretação equivocada desses trechos e que, em alguns casos, foi considerada somente a passagem em si e não o contexto.Nesses trechos aos quais as Testemunhas de Jeová consideram como proibitivos o consumo de sangue, inclusive o humano, fica claro que Deus proíbe sim, mas o consumo de gordura e sangue animal. Vejamos e explicação do cientista professor Flamínio Fávero:

“Fundamentalmente [não se deve comer sangue] para inspirar ao homem o respeito pelo sangue. É prescrição, assim, de caráter moral. Pelo sangue se respeita a vida, de que o mesmo é símbolo e até sede… Quando se toma um animal morto violentamente, escorrendo sangue, tem-se a impressão de que a vida ainda lateja naquela carne quente, e que essa vida se extingue justamente quando se for a última gota de sangue. O sangue é a vida… E é pela circulação desse líquido que se realizam todas as trocas vitalizadoras nos lugares mais distantes e escondidos da economia orgânica. Bem cabe ao sangue, pois, a sinonímia que a Bíblia lhe empresta, de vida. (…) Enquanto tiverem [os animais] sangue têm resquícios de vida. E a vida não nos pertence, não é nossa… Em paralelo com essa prescrição de caráter eminentemente moral, que apela para o respeito ao sangue, está outra de aspecto higiênico. (…) A quebra de preceito de higiene pode redundar em males gerais e individuais e, neste último caso, quando são capazes de atingir-nos, lembramo-nos de evitá-los. (…) O sangue não deve servir de alimento, porque é bastante indigesto, pelas albuminas bem resistentes dos seus glóbulos vermelhos e, ainda, pelo teor elevado de pigmento ferruginoso que os mesmos contêm. É desse pigmento, a hemoglobina, que deriva a cor vermelha especia1 que caracteriza o sangue dos mamíferos. E conforme a sua pobreza no mesmo, fala-se em maior ou menor grau de anemia, necessitando ser tratada por medicamentos contendo ferro ou que facilitem a sua fixação adequada. Como se não bastasse ser indigesto, o sangue se corrompe facilmente, putrefazendo-se. Basta sair dos vasos que o contém, para coagular-se, dividindo-se em uma parte sólida – o coalho – e outra líquida – o soro. E então, não tendo mais vida, os germes putrefativos invadem, transformando-o inteiramente, dando-lhe aspecto e cheiro repelentes. Compreende-se logo o que vai de perigoso no uso de alimento corrompido, cheio de toxinas venenosas, que causam grave dano à saúde e até a morte. Daí a sabedoria da Bíblia, mandando derramá-lo na terra, que o absorve. (…) – Extraído do artigo “Não comereis o sangue de qualquer carne”, Fé e Vida, março de 1939, págs. 16 e 17.

Diante de tal premissa das Testemunhas de Jeová, cito uma frase de Jesus que diz: “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor de seus amigos.” (João 15:13) Se sangue é vida, por que os jeovistas abstêm-se em salvar uma vida, até mesmo a sua própria?Mas será que as Testemunhas de Jeová realmente abstêm-se de sangue?

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Na verdade, a Sociedade Torre de Vigia permite que seja utilizado alguns componentes do sangue bem como alguns tratamentos, como albumina, vacinas e tratamentos hemofílicos, isso deixa confuso alguns membros dessa sociedade fazendo até com que alguns anciãos e membros de Comissões de Ligações com Hospitais deixassem discretamente esses cargos, pois, por que é possível aceitar alguns componentes sanguineos e outros não, como p ex.: o plasma, as plaquetas e os glóbulos vermelhos e brancos? A Sociedade Torre de Vigia permite os componentes do plasma separadamente, mas por que então, não permitem o próprio plasma?São questões que a própria STV não consegue responder e nem encontra apoio na Bíblia, usar frações de produtos do sangue e não ele todo. No entanto, o ensinamento da STV é que os componentes do sangue permitidos são àqueles que passam através da barreira da placenta durante a gravidez, portanto, são aceitos de boa fé, visto que segundo eles, se Deus permitiu que tais componentes sanguineos passassem da mãe para o filho, é lógico que Deus não iria de encontro a sua própria lei. Mas sabemos hoje que, praticamente todos os componentes saguineos passam para o feto.Ainda fica claro equívoco da “Watchtower” (Torre e Vigia) quando confunde transfusão sanguinea com “comer” sangue, visto que nesse procedimento o corpo não nutri-se de sangue, mas há apenas uma reposição do mesmo e seus componentes. Veja o que diz a Watchtower a respeito:

“De cada vez que a proibição do sangue é mencionada nas Escrituras, é em relação com tomá-lo como alimento, e por isso, é na sua qualidade de nutriente que estamos preocupados com ser ele proibido.” (Watchtower, 15 de Setembro de 1958, p. 575)

É nítida a confusão da STV sobre a transfusão sanguinea, pois esta se assemelha a um transplante de órgão e não a nutrir o corpo com sangue, para que isso fosse possível seria necessário comê-lo e digeri-lo para poder decompô-lo e usá-lo como alimento o que é cientificamente impossível numa transfusão sanguinea, que não tem nenhum benefício nutritivo.Apesar de hoje a Sociedade Torre de Vigia reconhecer que a transfusão de sangue é um transplante de um tecido líquido, daí aceitarem o uso de alguns componentes, a sociedade criou uma nova lei para as Testemunhas que diz que é errado sustentar a vida através do sangue, o problema é que na Bíblia não há nada que fundamente tal restrição sobre o sangue.

“Assim, também, abster-se de sangue, significa, definitivamente, não introduzi-lo em seu corpo.” (Poderá viver para sempre no Paraíso na Terra, p.216, parágrafo 22)

O que pude notar é que ainda há um grande desconhecimento por parte das Testemunhas de Jeová no que diz respeito à transfusão sanguinea e até mesmo de questões interpretativas equivocadas e pontuais da Bíblia. E torna-se polêmico não só por envolver questões interpretativas bíblicas, mas também bioéticas e jurisprudenciais.

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Vejamos agora um caso concreto envolvendo uma Testemunha de Jeová e a transfusão sanguinea:

“Trata-se de pais, cuja mãe é Testemunha de Jeová, Ruth de Camargo, que tem uma filha, Gabriela. Essa filha teve uma problema de coração na infância e que necessitava fazer uma cirurgia, que deveria ocorrer antes de completar 1 ano. Porém, nessa cirurgia era necessário fazer uma transfusão sanguinea. Concomitantemente ao problema, surgiu o dilema: permitir ou não a transfusão?”É evidente eu a mãe não permitiu o procedimento, mas teve que buscar uma equipe médica disposta e capacitada para fazer um procedimento alternativo.”

Analisemos primeiramente, o menor em questão, à luz da lei.

A “Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança,” adotada pela Assembléia Geral no dia 20 de Novembro de 1989, no seu artigo 12, estabelece:

“Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada a formular seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se devidamente em consideração essa opiniões, em função da idade e da maturidade da criança.”

Veja a observação do Dr. Manuel Gonçalves Ferreira Filho:

“Deve-se... levar em conta, em caso concreto, se o jovem já está em condições de emitir vontade consciente, caso em que deverá ser ouvido. E a fortiori se for apenas relativamente incapaz. Essa vontade consciente deverá ser respeitada. Isso porque os conceitos de maioridade e de menoridade hoje se acham turvos, dado o absurdo de o direito pátrio reconhecer como maior para fins políticos o jovem de dezesseis anos, para fins penais o de dezoito, e somente aos vinte e um para outros fins.”

Mas com o advento do Código Civil/02 a maioridade foi antecipada para os 18 anos. Segundo o CC/02 são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos, portanto, no caso em estudo a criança não poderá decidir sobre sua pessoa.

A questão Bioética (Princípios Bioéticos)

Os princípios bioéticos dividem-se em 4, que são: autonomia, consentimento informado, beneficência e justiça.O princípio da autonomia ou autodeterminação visa reconhecer o direito da pessoa de decidir sobre determinado procedimento/tratamento médico, livres de interferência e/ou pressão externa e considerando seus valores íntimos.O professor de medicina da USP e presidente da Associação Brasileira de Ética Médica (Abradem), Affonso Renato Meira, em seu artigo intitulado “O direito de dizer não” diz o seguinte:

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“A autonomia se refere a um conjunto de diversas noções, incluindo autogovernança, direito a liberdade, privacidade, escolha individual, liberdade para seguir seus desejos e decidir sobre seu comportamento. Enfim, ser sua própria pessoa.”

Nesse sentido, esse princípio guarda um direito individual em que não deve prevalecer a vontade coletiva (opinião pública), pois assim, esse princípio perderia a razão de ser.O consentimento informado decorre diretamente da autonomia, onde o paciente, antes de qualquer intervenção médica deve ser informado (conscientizado) quanto aos riscos e benefícios da terapia e bem como se há tratamento alternativo, deixando que o paciente aceite ou não o tratamento ou que escolha um tratamento alternativo, se houver.Mas, se no caso em análise, o médico achar que não necessita obter o consentimento informado em virtude da gravidez do caso e a necessidade da transfusão sanguinea?Vejamos o que diz 3 jurista americanos:

“A própria base da doutrina [do consentimento informado] é o direito de todos de recusar tratamento médico ou mesmo a cura de tal envolver o que para ele são conseqüências ou riscos intoleráveis, não importa quão distorcido ou pervertido seu senso de valores possa parecer aos olhos da classe médica, ou mesmo da comunidade, contanto que qualquer distorção não chegue a ser o que a lei interpreta como incapacidade. A liberdade individual aqui é somente garantida se é dado às pessoas o direito de fazer escolhas que geralmente seriam consideradas como tolas. Assim, a Testemunha de Jeová ou o Cientista Cristão deveria ter o direito legal de recusar – em bases religiosas, o que pode parecer um erro para a maioria de nós – a transfusão de sangue, que é necessária para salvar a vida.”

Mesmo nesse caso, de acordo com esse princípio, torna-se claro que o paciente pode recusar determinado tratamento, mesmo em circunstâncias graves.O princípio da Beneficência é aquele em que o médico deve direcionar sua atividade em benefício do paciente, em que está expresso no Juramento de Hipócrates, “Usarei o tratamento para ajudar os doentes, de acordo com minha habilidade e julgamento e nunca o utilizarei para prejudicá-los.”Como podemos perceber, há, em princípio, um conflito entre o princípio da autonomia e princípio do consentimento informado, pois reza que o médico usará o tratamento de acordo com a habilidade e o julgamento, ou seja, não importando a opinião e nem a vontade do paciente. No entanto, é importante contextualizar historicamente o juramento de Hipócrates à época da sua criação, onde aquele tinha uma visão tradicionalista e que naquela época os médicos eram vistos como uma autoridade e na maioria das vezes, inquestionável. O próprio código de ética médica, no seu artigo 46 diz que “é vedado ao médico qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente, ou de seu responsável legal, salvo em iminente perigo de vida.” A parte final do artigo ainda é uma visão hipocrática da beneficência que conflita com os princípios da autonomia e do consentimento informado.Mas nos tempo atuais, cada vez mais a relação médico/paciente está aparada pela bioética e pela justiça e que o médico junto com o paciente poderão escolher qual

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tratamento será o mais adequado e caso o paciente recuse, ó médico possa respeitar e/ou indicar um tratamento alternativo.Assim, veja o que dizem os professores Muñoz e Almeida sobre a relação entre beneficência e autonomia:

“Respeitar a autonomia das pessoas competentes pressupõe beneficência: quando as pessoas são competentes para escolher, ainda que a escolha não seja a que faríamos, respeitar sua escolha é um ato beneficente. Isto permite que seus desejos sejam respeitados em circunstâncias que os afetem diretamente.” Ou seja, o médico deve fazer o bem, mas sobre o prisma do paciente.O princípio da justiça deve promover ao cidadão acesso igualitário aos bens da vida, ou seja, consiste em respeitar as diferenças da sociedade, sem discriminação ou qualquer tipo de segregação, buscando meios para satisfazer suas necessidades.

Alguns riscos no que diz respeito à transfusão de sangue.

É comum, para a sociedade em geral que, a transfusão de sangue seja uma dos mais eficazes procedimentos na reposição do plasma e outros componentes do sangue. Por trás também da transfusão há uma visão de solidariedade e humanismo, herança da II Guerra Mundial, onde tal procedimento se popularizou.Porém, é importante alertar a sociedade para os riscos que tal procedimento, quando feito indiscriminadamente ou de forma irresponsável, pode acarretar muitos problemas de saúde.Foi feita uma pesquisa nos EUA que revelou que mais de 60% dos médicos residentes entrevistados prescreviam transfusões que consideravam desnecessárias pelo simples fato de que médicos mais experientes sugeriam que fosse feito.A própria Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia afirma que no Brasil o uso indiscriminado de sangue e derivados é grande, visto que foram revisados o prontuário de 75 paciente e apenas 25% deles tinha uma indicação médica precisa, mostrando o despreparo dos profissionais em hemoterapia no que tange as transfusões de sangue.Transfusões perigosas podem causar inúmeras doenças ou reações como hemolítico e alérgica, pode ocorrer também infecção induzida pela transfusão. Outro risco é a transmissão da hepatite não –A e não –B. Calcula-se que 5% a 15% dos doadores voluntários são portadores de vírus e que, com a evolução, podem contrair cirrose. Quando há um teste pré transfusão esses problemas podem ser evitados, o que, na realidade, nem sempre ocorre.

Alguns tratamentos alternativos a transfusão sanguinea

Eritropoetina Recombinante

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Consiste na forma Biosintética de um hormônio humano natural onde estimula a medula óssea a produzir hemácias. Pode ser utilizado em todas as etapas do tratamento ou cirurgia, combinado com hematínicos e ferro para dar suporte a produção de hemácias.

HemodiluiçãoUsa-se um circuito fechado onde não se faz coleta de sangue pré-operatório.

Além desses, existem inúmeros outros tratamentos que não expõe o paciente em contato diretamente com o sangue que deve beneficiar não só as Testemunhas de Jeová, pois independe da questão religiosa, mas todo aquele que optar por um tratamento alternativo.

Legislação

Agora, vejamos o que diz o artigo 5º da Constituição de ´88, no diz respeito aos diretos individuais e coletivos, mais especificamente o direito a vida, a liberdade de crença, e a privacidade.O artigo 5º no seu Caput diz que:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes...”

Nesse texto, fica claro que consiste não só em estar vivo, mas também o direito de não ser morto nem pelo Estado e nem por nenhum particular, direito a uma vida digna, sendo que este faz parte do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.

Já Art. 5º, VI da C.F trata da liberdade de consciência e de crença. Veja o que diz o texto:

“é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias;”

Faz-se necessário que a sociedade preze pela sua liberdade de expressão, pelo contrário correríamos o risco de cair num regime totalitário, felizmente, a Constituição de ´88 tutela a liberdade como uma garantia fundamental, também fazendo parte do princípio maior, dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, C.F).

No inciso X do mesmo artigo, podemos observar a proteção ao princípio da privacidade.Vejamos:

“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação;”

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Privacidade decorre de uma necessidade básica do ser humano, onde cada cidadão tem o direito de não ser incomodado no seu íntimo, bem como o direito a não ser exposta sua vida e/ou imagem para o público e de forma autorizada ou não, seja pelo Estado ou mesmo por indivíduo.

Por tratar-se de assunto polêmico, pois ainda é visível o descompasso nas decisões judiciais a respeito da transfusão em Testemunhas de Jeová, como mostra algumas decisões judiciais. Em 2007, a juíza substituta Luciana Monteiro Amaral autorizou a transfusão de sangue em um paciente idoso, José Paz da Silva, mesmo sem o seu consentimento e nem o da sua família, adeptos da religião Testemunha de Jeová. O paciente encontrava-se em estado grave de hemorragia e, segundo laudo médico, em iminente risco de vida e que nesses casos, é imprescindível a transfusão, segundo o médico Glaydson Jerônimo da Silva. A juíza fundamentou sua decisão no artigo 5º da C.F que, além de dispor sobre a liberdade de consciência e de crença, também salienta que, “ninguém será privado de direitos por motivos de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”Baseado na decisão da juíza, é mister saber que nenhum direito é absoluto, pois tais princípios encontra limites nos demais princípios igualmente consagrados na nossa Constituição. Ao haver conflito entre princípios, devemos observar o princípio da harmonização. Para a juíza, nesse caso, o direito a vida prevalece sobre o direito de crença.

Jurisprudência envolvendo Testemunhas de Jeová e a transfusão sanguinea.

(304/2001)TEMA: TRANSFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHA DE JEOVÁHIPÓTESE I: DIREITO DO MÉDICO: MESMO CONTRA A VONTADE DOS PARENTES, SE CARACTERIZADA A NECESSIDADE DO PACIENTE.

Jurisprudência:RJDTACrim7/175 (Marrey Neto – 30/08/89)

TipoNúmeroDataJuizÓrgão

Apel. Cív264.210-1/91º/08/96Testa MarchiTJSP

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HIPÓTESE II: RECUSA DOS PARENTES PODE CARACTERIZAR DELITO EM TESE.

Jurisprudência:

TipoNúmeroDataJuizÓrgão

HC253.458-3/105/05/98Pereira da SilvaTJSP

HC253.458-3/105/05/98Cerqueira Leite – v.vencedorTJSP

Abaixo, segue uma decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em que dá direito a Testemunha de Jeová a recusar a transfusão de sangue. Vale ressaltar que esse estado é pioneiro nesse tipo de decisão.

Número do processo: 1.0701.07.191519-6/001(1) Precisão: 100Relator: ALBERTO VILAS BOASData do julgamento: 14/08/2007Data da publicação: 04/09/2007Ementa:PROCESSO CIVIL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA ANTECIPADA. CASO DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. PACIENTE EM TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO. TRANSFUSÃO DE SANGUE. DIREITO À VIDA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA. - No contexto do confronto entre o postulado da dignidade humana, o direito à vida, à liberdade de consciência e de crença, é possível que aquele que professa a religião denominada Testemunhas de Jeová não seja judicialmente compelido pelo Estado a realizar transfusão de sangue em tratamento quimioterápico, especialmente quando existem outras técnicas alternativas a serem exauridas para a preservação do sistema imunológico. - Hipótese na qual o paciente é pessoa lúcida, capaz e tem condições de autodeterminar-se, estando em alta hospitalar.

Súmula: REJEITARAM PRELIMINAR E DERAM PROVIMENTO.

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Acórdão: Inteiro Teor

Nessa outra ementa, é dado ao paciente o direito de obter tratamento alternativo, mesmo fora de seu domicílio (TFD). Decisão proferida no Estado de Mato Grosso.

Ementa:TESTEMUNHA DE JEOVÁ - PROCEDIMENTO CIRÚRGICO COM POSSIBILIDADE DE TRANSFUSÃO DE SANGUE - EXISTÊNCIA DE TÉCNICA ALTERNATIVA - TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO - RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - DIREITO À SAÚDE - DEVER DO ESTADO - RESPEITO À LIBERDADE RELIGIOSA - PRINCÍPIO DA ISONOMIA - OBRIGAÇÃO DE FAZER - LIMINAR CONCEDIDA - RECURSO PROVIDO. Havendo alternativa ao procedimento cirúrgico tradicional, não pode o Estado recusar o Tratamento Fora do Domicílio (TFD) quando ele se apresenta como única via que vai ao encontro da crença religiosa do paciente. A liberdade de crença, consagrada no texto constitucional não se resume à liberdade de culto, à manifestação exterior da fé do homem, mas também de orientar-se e seguir os preceitos dela. Não cabe à administração pública avaliar e julgar valores religiosos, mas respeitá-los. A inclinação de religiosidade é direito de cada um, que deve ser precatado de todas as formas de discriminação. Se por motivos religiosos a transfusão de sangue apresenta-se como obstáculo intransponível à submissão do recorrente à cirurgia tradicional, deve o Estado disponibilizar recursos para que o procedimento se dê por meio de técnica que dispense-na, quando na unidade territorial não haja profissional credenciado a fazê-la. O princípio da isonomia não se opõe a uma diversa proteção das desigualdades naturais de cada um. Se o Sistema Único de Saúde do Estado de Mato Grosso não dispõe de profissional com domínio da técnica que afaste o risco de transfusão de sangue em cirurgia cardíaca, deve propiciar meios para que o procedimento se verifique fora do domicílio (TFD), preservando, tanto quanto possível, a crença religiosa do paciente.

Antes de finalizar a parte jurisprudencial, é interessante ressaltar que, também o Código Civil Brasileiro no seu art. 15 dispõe sobre a autonomia do paciente, especialmente quando o procedimento gerar risco para a vida ou a saúde do mesmo.Vejamos o que diz o referido artigo:

“Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento medido ou a intervenção cirúrgica” (Art. 15 CPB).

Seja em Minas Gerais, Mato Grosso ou Rio Grande do Sul, quase sempre as decisões alternam, ora a favor, ora contra a transfusão sanguinea em Testemunhas de Jeová, tornando evidente a dificuldade dos Tribunais do país em resolver questões tão complexas onde envolve credo religioso e o direito a vida, ambos, princípios constitucionais contidos num princípio maior, o da dignidade humana.

Algumas opiniões sobre o tema:

“Cabe ao médico Art. 48 – ‘Exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a sua pessoa ou seu bem-estar. ’ Como diz o código de ética médica todo paciente tem total autonomia sobre aceitar ou não atendimento ou procedimento médico,

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para um profissional de saúde aceitar a decisão de um paciente a não optar pela vida é muito difícil, já que nossa profissão visa salvaguardar a vida, mas temos que respeitar a sua decisão, nosso dever é informar e mostrar o que cada procedimento fará para melhorar a sua saúde e cabe a ele a decisão final” (Ana Paula Sousa – Fisioterapeuta).

“O posicionamento das Testemunhas de Jeová a respeito da utilização de sangue, independente se para fins medicinais ou não, é conhecido por todos: baseados em trechos bíblicos, elas recusam o uso do sangue, entendendo-o como proibido por Deus para todo aquele se acredita cristão. Embora existam tratamentos alternativos, quando em casos de emergência, esse posicionamento religioso pode pôr em risco a vida da Testemunha de Jeová ou de terceiros sob seus cuidados, como por exemplo, filhos. Acredito que, certamente, é direito daquele que é maior e capaz se recusar a receber uma transfusão de sangue, mesmo que ocorra risco de vida. É uma opção que mostra tanto a liberdade religiosa, quanto o livre arbítrio daquele que toma esta decisão. Entretanto, no caso de incapaz ou tutelado, em risco iminente, essa questão não deveria ser relegada às mãos dos pais ou responsáveis e sim do Estado, devendo ser possível uma obrigatoriedade da transfusão. Evitaríamos, assim, o risco de vida daquele que necessita da transfusão bem como que caísse sob a cabeça dos pais uma possível responsabilidade por homicídio” (Valquíria Farias – Estudante de Direito).

“O que se percebe quando da análise do referido tema é um aparente choque de princípios constitucionais da liberdade de consciência e crença, o direito à privacidade e o direito à vida. Ante a Hermenêutica Constitucional, faz-se necessário o sopesamento dos referidos princípios com o objetivo de coaduná-los ao fim constitucional. É importante ressaltar que apesar de o direito à vida sempre parecer prevalecer diante dos demais, uma transfusão de sangue forçada, sem consentimento, mesmo que para salvar a vida de uma Testemunha de Jeová, pode trazer extrema dor e sofrimento moral, muitas vezes irremediável.” (Valdiane Kess – Jurista)

Conclusão

Este parecer não tem como objetivo discutir a interpretação bíblica feita à luz das Testemunhas de Jeová, mas sim, o intuito de discutir sob a ótica da lei, garantidora dos direitos coletivos, mas principalmente o direito individual, seja de crença, vida, saúde, etc. Mais ainda, nesse tema especificamente, é importante preservar e respeitar os valores e a vontade do paciente, pois será este que “sofrerá” as consequências, positivas ou negativas, físicas e/ou psicológicas. Seria fácil alegar que, quando o médico, contra a vontade do paciente – no caso das Testemunhas de Jeová – decide pela transfusão, ele estaria agindo em favor da vida e em consonância com a opinião comum (pública), mas é temeroso, pois essa opinião sem conhecimento, muitas vezes ignorante, da população, esconde, na verdade uma postura preconceituosa, onde as Testemunhas de Jeová são vistas como suicidas e fanáticas, principalmente quando dizem “não” ao procedimento de transfusão. Tal descriminação religioso-ideológica entra em conflito com uma realidade que, na maioria dos casos as Testemunhas de Jeová se veem obrigadas a enfrentar quando necessitam de tratamento médico que envolva procedimento de transfusão sanguinea. O imperativo nesses casos não é a visão religiosa de tal grupo, mas os direitos que lhes assiste, que não podem ser encobertos por preceitos equivocados, interpretações jurisprudenciais tendenciosas e preconceituosas. Faz-se necessário que haja uma ampla visão de cada caso, mas buscando suas peculiaridades e que não se caia na ingenuidade de comparar valores principiológicos constitucionais, não no sentido de qual princípio tem maior “valor”, mas que haja um sopesamento de cada principio, em cada caso.

 

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REFERÊNCIAS

“A Ética Médica e o Respeito às Crenças Religiosas.” Revista de Bioética do Conselho Federal de Medicina, Vol.6, nº 1, 1998.

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Material Sistematizado pela Seção Técnica de Pesquisas do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo - 22/06/01.

Noções de Responsabilidade em Bioética, Muñoz, D.R. e Almeida, M. In Segre & Cohen, Bioética, Editora da Universidade de São Paulo, 1995.

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Walknowska, J., Conte, F.A., Grumback, M.M. (1969). "Practical and theoretical implications of fetal/maternal lymphocyte transfer" [Implicações práticas e teóricas da transferência de linfócitos feto/mãe], Lancet, 1, 1119-1122; Simpson JL; Elias S., JAMA 1993 Nov. 17; 270(19): 2357-61; "Isolating Fetal Cells in Maternal Circulation For Prenatal Diagnosis" [Isolando Células de Feto na Circulação Materna Para Diagnóstico Pré-natal] por Joe Leigh Simpson e Sherman Elias; Prenatal Diagnosis [Diagnóstico Pré-natal], Vol. 14: 1229-1242 (1994); Early Human Development [Desenvolvimento Humano Inicial] 47 Suppl. (1996) S73-S77.

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Page 14: TRANSFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ (DEFINITIVO)

FACULDADES NORDESTE (FANOR)

TRANSFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Parecer

Enéas Filho

FORTALEZA

2011