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TRANSIÇÃO FRÁGIL-DÚCTIL DE UM MATERIAL CERÂMICO DE Al 2 O 3 - SiO 2 S.F. Santos; V.C. Pandolfelli; J.A. Rodrigues Universidade Federal de São Carlos – UFSCar Departamento de Engenharia de Materiais - DEMa Grupo de Engenharia de Microestrutura de Materiais - GEMM Via Washington Luís, Km 235 – 13565-905 – São Carlos - SP [email protected] ; [email protected] RESUMO Em baixas temperaturas, sob condições de propagação estável de trinca em um material cerâmico, a energia elástica armazenada é convertida principalmente em energia de superfície. No entanto, em altas temperaturas, esses materiais podem, adicionalmente, estar sujeitos à fluência e apresentar um comportamento dúctil na fratura. O objetivo deste trabalho é discutir a transição frágil-dúctil em um material refratário. Para tanto, foram realizados ensaios de propagação estável de trinca e de fluência, ambos sob flexão a três pontos. Foi utilizada uma cerâmica comercial contendo, basicamente, 63% de SiO 2 e 31% de Al 2 O 3 . Os resultados mostram que a mudança de comportamento frágil para dúctil se deve ao amolecimento de fase vítrea presente na microestrutura. Palavras-Chave: fluência, cerâmica, propagação estável de trinca, fase vítrea, transição frágil-dúctil. INTRODUÇÃO A energia de fratura dos materiais cerâmicos é, normalmente, avaliada a temperatura ambiente e sua ruptura ocorre de maneira frágil, com pouca ou nenhuma deformação plástica, devido a defeitos oriundos do processo de fabricação e à alta tensão de escoamento desses materiais, dentre outras razões. Anais do 48º Congresso Brasileiro de Cerâmica Proceedings of the 48 th Annual Meeting of the Brazilian Ceramic Society 28 de junho a 1º de julho de 2004 – Curitiba-PR 1

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TRANSIÇÃO FRÁGIL-DÚCTIL DE UM MATERIAL CERÂMICO DE Al2O 3- SiO2

S.F. Santos; V.C. Pandolfelli; J.A. Rodrigues

Universidade Federal de São Carlos – UFSCar Departamento de Engenharia de Materiais - DEMa

Grupo de Engenharia de Microestrutura de Materiais - GEMM Via Washington Luís, Km 235 – 13565-905 – São Carlos - SP

[email protected]; [email protected]

RESUMO

Em baixas temperaturas, sob condições de propagação estável de trinca em

um material cerâmico, a energia elástica armazenada é convertida principalmente

em energia de superfície. No entanto, em altas temperaturas, esses materiais

podem, adicionalmente, estar sujeitos à fluência e apresentar um comportamento

dúctil na fratura. O objetivo deste trabalho é discutir a transição frágil-dúctil em um

material refratário. Para tanto, foram realizados ensaios de propagação estável de

trinca e de fluência, ambos sob flexão a três pontos. Foi utilizada uma cerâmica

comercial contendo, basicamente, 63% de SiO2 e 31% de Al2O3. Os resultados

mostram que a mudança de comportamento frágil para dúctil se deve ao

amolecimento de fase vítrea presente na microestrutura.

Palavras-Chave: fluência, cerâmica, propagação estável de trinca, fase vítrea,

transição frágil-dúctil.

INTRODUÇÃO

A energia de fratura dos materiais cerâmicos é, normalmente, avaliada a

temperatura ambiente e sua ruptura ocorre de maneira frágil, com pouca ou

nenhuma deformação plástica, devido a defeitos oriundos do processo de fabricação

e à alta tensão de escoamento desses materiais, dentre outras razões.

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Em temperaturas acima da transição vítrea de uma fase amorfa contida num

material cerâmico pode-se observar um comportamento dúctil, ou seja, a ocorrência

de deformação plástica antes da fratura do material. A deformação plástica ocorrerá

devido a mecanismos de fluência, dentre os quais, o principal será o fluxo viscoso

daquela fase vítrea. Vale ressaltar que o mecanismo de fluência predominante

dependerá da temperatura, da distribuição e do valor da tensão, e da microestrutura

do material(1).

Dentro desse contexto, para um material cerâmico apresentar um

comportamento mecânico frágil ou dúctil vários fatores devem ser considerados, tais

como: temperatura de trabalho e tempo de residência na mesma, taxa de

carregamento, microestrutura e composição química do material. Há inúmeros

trabalhos que discutem esse fenômeno avaliando as propriedades físicas, químicas

e mecânicas e utilizando diversos materiais cerâmicos2-16. Rodrigues et. al.(17) e

Rodrigues e Pandolfelli(18) discutem os efeitos da temperatura sobre o

comportamento mecânico de refratários, visto que esses efeitos influenciam nos

cálculos dos parâmetros de resistência ao dano por choque térmico.

O objetivo deste trabalho é discutir o fenômeno da transição frágil-dúctil de um

material cerâmico à base de alumina e sílica e sua influência sobre o ensaio de

propagação estável de trinca em altas temperaturas. Tal estudo tem importância

fundamental para a compreensão do comportamento da energia de fratura que por

sua vez influência a resistência ao dano por choque térmico de refratários em geral.

MATERIAIS E MÉTODOS Foram preparados corpos de prova de um material cerâmico de Al2O3-SiO2, cuja

composição química está listada na tabela I.

Tabela I : Composição química da cerâmica de Al2O3-SiO2.

Composto Teor (%-p) SiO2 63,1 Al2O3 31,1 Fe2O3 1,2 TiO2 1,44 CaO 0,3 MgO 0,06 Na2O 0,68 K2O 2,18

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A caracterização de fases foi realizada através de difração de raios-X, num

equipamento Siemens, modelo D5005, radiação Kα do cobre, com filtro de níquel,

utilizando-se uma amostra em pó com granulometria inferior à peneira padrão U.S.

Tyler # 325 mesh.

A tabela II mostra a porosidade aparente, a massa específica aparente e a

massa específica aparente da parte sólida determinadas pelo método da imersão em

água após repouso por 26 horas, sendo as 2 primeiras sob vácuo.

Tabela II: Porosidade aparente, P.A., massa especifica aparente da parte sólida, M.E.A.S., e massa específica aparente, M.E.A., da cerâmica em estudo.

P.A. (%) M.E.A.S. (g/cm3) M.E.A. (g/cm3) Média 6,4±0,8 2,50±0,01 2,34±0,02

Para o ensaio de propagação estável de trinca foi utilizado um equipamento

Netzsch, modelo HSBT 422, originalmente construído para a determinação do módulo

de ruptura à quente. Os ensaios foram realizados nas temperaturas de 25 °C, 600ºC,

800ºC, 900ºC, 950ºC, 975ºC,1000ºC, 1050 ºC e 1100ºC. Foram utilizados 4 corpos-de-

prova para cada temperatura de ensaio.

As dimensões dos corpos de prova foram: altura, W, 21mm; largura, B, 24mm; e

comprimento, L, 150mm. Estes foram previamente entalhados com geometria Chevron,

com ângulo de abertura na ponta do entalhe de 70º, com uma profundidade de 0,45W.

A velocidade do atuador foi de 5 µm/min controlada por um dispositivo complementar

adaptado à máquina HSBT 422 com a função de fazer o atuador descer com

velocidade constante, facilitando a propagação estável de trinca.

Efetuaram-se ensaios de fluência sob flexão a três pontos, com temperatura e

carga constantes, utilizando-se também o equipamento HSBT 422. Para o caso da

fluência, desacoplou-se o movimento automático da massa do braço de alavanca do

atuador, fixando-a na posição exata para a aplicação da carga requerida para o

teste. Estes ensaios tiveram a finalidade de se avaliar a contribuição da fluência

sobre o processo de fratura com propagação estável de trinca. É importante

ressaltar que para os testes de fluência, os corpos-de-prova não foram entalhados e

possuíam as mesmas dimensões daqueles empregados nos ensaios de propagação

estável de trinca.

Para o cálculo da deformação por fluência, ε, e da tensão de tração

instantânea, σ, ambas na região tracionada do corpo-de-prova (face inferior), quando

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submetido à flexão a três pontos, foram utilizadas equações empregadas por

Hollenberg et al(19):

n3)1n2(

BWPS3

2+

⋅=σ (A)

e

d2 f)2n(SW2

⋅+⋅=ε , (B)

onde S é o espaçamento entre os apoios, igual a 125 mm, P é a carga instantânea,

fd é a flecha total instantânea devido à flexão do corpo-de-prova pelo deslocamento

do atuador e n é o expoente de tensão. Adotou-se(1,19) n = 1, assumindo-se que o

principal mecanismo de fluência do material de Al2O3-SiO2, aqui estudado, é o fluxo

viscoso. A taxa de fluência, ε , em unidades de s& -1, foi obtida por meio da derivada

da equação B:

( ) d2d2 fSW6f2n

SW2 &&& ⋅=⋅+⋅=ε , (C)

onde é a velocidade de variação do tamanho da flecha, em unidades de m.sdf&-1.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A presença de fase vítrea foi confirmada por meio do difratograma de raios-X, no

qual se verificou uma banda característica desta fase na faixa de 2θ entre 10º a 40º. É

importante ressaltar que na composição química do material, tabela I, além de SiO2

há outros compostos, tais como Fe2O3, TiO2, Na2O e K2O, que favorecem a formação

de fase amorfa.

A figura 1 apresenta as curvas de deformação de fluência sob flexão em três

pontos em função do tempo. Pode-se observar que o comportamento de fluência da

cerâmica de Al2O3-SiO2 pode depender fortemente da carga e da temperatura.

Nestes resultados, destaca-se o forte aumento da fluência para a temperatura de

1150 ºC sob 142 N de carga e para 1016 N a 1000 °C.

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0 1 2 3 4 5 60

20

40

60(a)

ε ( x

10-3)

Tempo ( x10 4s)

Carga 142 N 900 ºC 950 ºC 1000 ºC 1050 ºC 1100 ºC 1150 ºC

0 1 2 3 4 5 60

20

40

60

80

100 (b)

ε( x

10-3)

Tempo ( x 10 4s)

Temp. = 1000 ºC 155 N 310 N 606 N 807 N 1016 N

Figura 1. Deformação por fluência sob flexão a três pontos (a) sob carga constante de 142 N e diferentes temperaturas. (b) Temperatura constante de 1000 ºC e diferentes cargas.

Normalmente, nos ensaios de fluência sob flexão, a taxa de fluência é maior

na região solicitada por tração do que sob compressão. Desse modo, nesses

ensaios, a interpretação dos resultados torna-se complexa, porque não existe uma

simetria na composição da distribuição das tensões de tração e de compressão no

corpo-de-prova(19,20).

Apresentando em detalhes os resultados dos testes de propagação estável de

trinca, a figura 2 mostra as correspondentes curvas P x d para 9 diferentes

temperaturas. Nesses ensaios, entre a temperatura ambiente e 975 ºC, o material de

Al2O3-SiO2 teve um comportamento frágil. Em temperatura ambiente, a propagação da

trinca foi estável. A 600 ºC a propagação foi semi-estável, ou seja, as curvas P x d

contêm trechos de instabilidade, indicados pelo pequeno número de pontos logo após a

carga máxima. Entre 800 ºC e 975 ºC as fraturas ocorreram de modo catastrófico.

De 1000 ºC a 1100 ºC, o material de Al2O3-SiO2 teve um comportamento dúctil,

como ilustrado na figura 2(b). Essa transição de comportamento frágil para dúctil,

situada entre as temperaturas de 975 °C e 1000 °C, é atribuída à presença de fase

vítrea. Supõe-se que de 1000 ºC a 1100 ºC o mecanismo de fluência por fluxo

viscoso interferiu fortemente no processo de fratura(6,7,12).

A carga máxima atingida no ensaio de propagação de trinca passa por um valor

máximo entre 950 ºC e 1000 ºC como mostrado na figura 3.

No entanto, embora haja uma grande dispersão nos valores, observa-se que

existe uma tendência de aumento da resistência mecânica até 1000 ºC, seguida de

forte queda após essa temperatura. Admitindo-se que não há uma diferença

significativa entre os valores de carga máxima atingida entre 950 ºC e 1000 ºC, cabe

ressaltar que a 950 ºC a fratura foi catastrófica enquanto que a 1000 ºC o corpo-de-

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prova se deformou plasticamente sem se fraturar completamente. Isto indica a efetiva

contribuição da fluência no processo de fratura no material estudado.

0 2 4 60

40

80

120

160(a)

Car

ga (N

)

Deslocamento ( x10 -4 m)

Temp.Amb. 600 ºC 800 ºC 900 ºC 950 ºC

0 10 20 30 40 500

40

80

120

160(b)

Car

ga (N

)

Deslocamento ( x10-4 m)

975 ºC 1000 ºC 1050 ºC 1100 ºC

Figura 2. (a) e (b) Curvas carga versus deslocamento, obtidas do ensaio de

propagação estável de trinca, sob flexão a três pontos.

0 200 400 600 800 1000 12000

20

40

60

80

100

120

140

160

Car

ga m

áxim

a (N

)

Temperatura (ºC)

Transição F-D

0 200 400 600 800 1000 12000

20

40

60

80

100

120

140

160

Car

ga m

áxim

a (N

)

Temperatura (ºC)

Transição F-D

Figura 3. Carga máxima atingida no ensaio de propagação de trinca do material de

Al2O3-SiO2. "Transição F-D" = Transição frágil-dútil.

Embora não tenha ocorrido propagação estável de trinca em todas as

temperaturas, para se ter um parâmetro comparativo de análise, calculou-se o

trabalho de fratura (que inclui também o de fluência, quando for o caso) computando-se

a área abaixo da curva P x d até o ponto de carga máxima atingida no teste.

Considerando-se as mesmas condições de usinagem e dimensões dos corpos de

prova, a comparação entre esses valores é válida e com isso, pode-se verificar que este

trabalho também passa por um valor máximo em torno de 1000 ºC, conforme mostram

a figura 4.

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0 200 400 600 800 1000 1200

0.00

0.05

0.10

0.15

0.20

0.25

Trab

alho

(J)

Temperatura (ºC)

Transição F-D

0 200 400 600 800 1000 1200

0.00

0.05

0.10

0.15

0.20

0.25

Trab

alho

(J)

Temperatura (ºC)

Transição F-D

Figura 4. Trabalho realizado pela máquina até a carga máxima no ensaio de propagação de trinca. "Transição F-D" = Transição frágil-dútil.

Como o inicio da deformação por fluência ocorre a partir de 800 ºC, como

indicado pelas figuras 3 e 4, pode-se supor que o alto valor do trabalho realizado a

1000 ºC se deve à capacidade do fluxo viscoso de aliviar as tensões internas e

possibilitar a formação de pontes (bridging) de fase vítrea no rastro da trinca e/ou o

arredondamento da sua ponta. Isto pode ser observado na figura 5, onde se

verificam pontes de fase vítrea interligando as duas superfícies de fratura.

Por outro lado, a fase vítrea enfraquece a microestrutura do material quando

este está sujeito a temperaturas bem acima da transição vítrea, como pode ser

observado na curva P x d do ensaio de propagação estável de trinca realizado a

1100 ºC, figura 2(b).

Os ensaios acima de 800 ºC indicam que grande parte dos trabalhos de fratura

e de fluência realizados pela máquina foi utilizada para deformar as pontes de fase

vítrea. Por exemplo, nota-se que a razão entre o trabalho realizado a 1000 ºC e

aquele efetuado à temperatura ambiente é em torno de 100. Isto reforça o fato da

participação da fluência. A 1000 °C, o fluxo viscoso contribuiu para o

arredondamento da ponta da trinca, dificultando o seu inicio de propagação. Deve-se

considerar ainda que, adicionalmente, pontes de grãos e/ou agregados entre as

superfícies da trinca também são atuantes na região posterior da trinca. Acima de

800 °C, ocorreram contribuições da fluência no seu terceiro estágio, uma vez que

foram verificadas ocorrências de danos por fluência. Cabe ressaltar que nos ensaios

de propagação conduzidos, a carga resultante passa por um valor máximo e,

portanto, a fluência ocorre na condição de temperatura constante, porém de carga

variável.

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Pontes de fase vítreaPontes de fase vítrea

Figura 5. Micrografia mostrando detalhes da ponta do entalhe Chevron destacando-se as pontes de fase vítrea formadas durante o ensaio de propagação de trinca a 1000 ºC.

Nos ensaios de propagação estável de trinca realizados de 1000 ºC a 1100 ºC

nota-se que a deformação do material é muito extensa (figura 2(b)). Verificaram-se,

nestes ensaios, processos de alívio da carga aplicada e de abertura do entalhe e

que, principalmente a 1100 °C, as cargas resultantes ficam em níveis muito baixos.

Por conseqüência, de 1000 ºC a 1100 ºC, a forte diminuição do trabalho de fratura e

de fluência é resultado dos efeitos combinados do enfraquecimento da

microestrutura, pelo excessivo amolecimento da fase vítrea, e da deformação

plástica que ocorre no material.

Os resultados aqui apresentados mostram que a propagação de trincas em

materiais cerâmicos, que contêm fase vítrea, em altas temperaturas, apresenta-se

de modo diferenciado daquela em temperatura ambiente. Além disso, os testes e

evidências micrográficas indicam que as pontes de fase vítrea influenciam

fortemente o trabalho de fratura e de fluência.

Como discutido por Ramamurty(16) e Soboyejo et. al.(21) pontes de fase vítrea

podem retardar e minimizar os danos por choque térmico. Com isso, viabilizam-se

projetos de microestrutura que atendam a essas condições reais de operação a fim

de se aumentar o desempenho termo-mecânico dos refratários(17,18).

Rodrigues et al.(17) verificaram que a energia de fratura para um tijolo de

alumina-sílica e três concretos refratários também aumentou da temperatura

ambiente até 950 ºC, com maior incremento para o tijolo de alumina-sílica. Nesses

casos, não se verificou um valor máximo devido à refratariedade dos materiais e à

temperatura máxima de ensaio, limitada a 950 °C. Esses resultados, principalmente

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para o material de alumina-sílica, confirmaram a influência da presença de fase

vítrea.

Os resultados deste atual trabalho confirmam e reforçam os resultados

encontrados por Rodrigues et al.(17), complementando-os, no sentido em que

mostram a mesma elevação de energia de fratura (até a carga máxima, neste

trabalho) até 1000 ºC e a sua posterior queda para temperaturas acima dessa, nas

quais a baixa viscosidade da fase vítrea já não oferece dificuldade adicional para a

propagação da trinca.

Estudos sistemáticos prosseguem para se desenvolver metodologias que

ajudem a quantificar a contribuição da fluência no trabalho de fratura de um corpo-

de-prova e/ou reavaliar o conceito de energia de fratura em altas temperaturas.

CONCLUSÕES

Verificou-se que a transição frágil-dúctil do material de Al2O3-SiO2 utilizado neste

trabalho ocorre devido à presença de fase vítrea. Notou-se ainda que essa transição

ocorreu devido ao amolecimento dessa fase, que se inicia em torno de 800ºC.

Tanto a carga máxima atingida nos ensaios de propagação estável de trinca,

como o trabalho realizado até esse ponto, em função da temperatura, passaram por

um valor máximo entre 950 ºC e 1000 ºC.

Quando se observaram os resultados dos ensaios de propagação estável de

trinca do material de Al2O3-SiO2 realizados a partir de 1000 ºC, verificou-se que o

comportamento dúctil foi resultado do fluxo viscoso da fase vítrea, do aparecimento

de microtrincas e cavidades e pontes de fase vítrea.

Constatou-se que a formação de pontes de fase vítrea no rastro da trinca

(bridging) e/ou o arredondamento da ponta da trinca consomem parte significativa do

trabalho realizado pela máquina e, por conseqüência, dificultam a propagação da

trinca com a deformação viscosa. Por outro lado, observou-se no ensaio de

propagação estável de trinca que a fluência contribuiu para o enfraquecimento da

microestrutura do material para temperaturas acima de 1000 ºC.

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AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FAPESP (processo: 2001/04324-8) ao CNPq (processos: 301700/85-0 e 140606/2000-9) e à Cerâmica Saffran S/A pelo apoio dado a este trabalho.

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Page 12: TRANSIÇÃO FRÁGIL-DÚCTIL DE UM MATERIAL CERÂMICO … · A energia de fratura dos materiais cerâmicos é, normalmente, avaliada a temperatura ambiente e sua ruptura ocorre de

BRITTLE-DUCTILE TRANSITION OF AN Al2O 3-SiO2 REFRACTORY MATERIAL.

ABSTRACT

Under stable crack propagation condition and low temperatures the stored

elastic energy is converted mainly to surface energy in a ceramic material.

Nevertheless at high temperatures creep can additionally occur in these type of

materials and they will present a ductile behavior. This work has its focus on a

discussion about the brittle-ductile transition of a refractory material. Stable crack

propagation and creep tests were carried out both under three-point bending

arrangement. A commercial refractory containing 63 wt-% of SiO2 and 31 wt-% of

Al2O3 was used as test material. The results show that the change in the behavior

from brittle to ductile is due to the softening of a vitreous phase present in the

microstructure.

Keywords: creep, ceramics, stable crack propagation, vitreous phase, brittle-ductile

transition.

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