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v. 45, n. 4, pp. 454-462, out.-dez. 2014 Psico A matéria publicada neste periódico é licenciada sob forma de uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional. http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ Transmissão Geracional da Profissão na Família: Repetição e Diferenciação Maria Elisa Almeida Andrea Seixas Magalhães Terezinha Féres-Carneiro Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, RJ, Brasil RESUMO Neste estudo, discute-se o processo de transmissão geracional da profissão na família. Foi realizada uma pesquisa qualitativa, na qual foram entrevistados quinze sujeitos, de três gerações que seguiram a mesma profissão, de cinco famílias – advogados, médicos, músicos, professores de teatro, psicanalistas. Da análise do conteúdo das entrevistas emergiram as seguintes categorias: naturalidade do processo de escolha profissional; a necessidade de diferenciação; o peso do nome e do sobrenome; a figura mítica familiar; liberdade de escolha na contemporaneidade; valores transmitidos no cotidiano; lealdade ao amor pela profissão. Neste trabalho, são apresentadas as três primeiras categorias. Conclui- se que a repetição da escolha profissional na família é percebida como um processo naturalizado, como um elemento de continuidade geracional. Destaca-se, ainda, a responsabilidade percebida quanto à transmissão do sobrenome vinculado à profissão, e também a necessidade de diferenciação dos membros da família e da apropriação do legado familiar com preservação da individualidade. Palavras-chave: Transmissão geracional; Família; Profissão. ABSTRACT Generational Transmission of Profession in the Family: Repetition and Differentiation In this study we discuss the process of generational transmission of profession in the family. Fifteen individuals were interviewed, from three generations, who had followed the same profession. Participants were from five families – lawyers, doctors, musicians, acting teachers, psychoanalysts. From the content analysis of the interviews the following categories emerged: naturalization of the process of career choice; need for differentiation; the weight attributed to the family name; mythical family figure; freedom of choice in contemporaneity; values transmitted in daily life; loyalty to the love for the profession. In this work the three former categories are presented. We conclude that repetition in the choice of profession in the family is perceived as a naturalized process, highlighting the responsibility in the transmission of the family name associated to the profession, the need for differentiation and for appropriation of the family legacy, while preserving individuality. Keywords: Generational transmission; Profession; Family. RESUMEN Transmisión Generacional de la Profesión en la Familia: Repetición y Diferenciación En este estudio se discute el proceso de transmisión generacional de la profesión en la familia. Fueron entrevistados quince sujetos, de tres generaciones, que siguieron la misma profesión, pertenecientes a cinco familias – abogados, médicos, músicos, profesores de teatro, psicoanalistas. Del análisis del contenido de las entrevistas emergieron las categorías: naturalidad del proceso de elección profesional; necesidad de diferenciación; peso del nombre y del apellido; figura mítica familiar; libertad de elección en la contemporaneidad; valores transmitidos en el cuotidiano; y lealtad al amor por la profesión. En este trabajo son presentadas las primeras tres categorías. Se concluye que la repetición de la elección profesional en la familia es percibida como un proceso naturalizado, destacándose, todavía, la responsabilidad cuanto a la transmisión del apellido vinculado a la profesión, la necesidad de diferenciación y de apropiación del legado familiar con preservación de la individualidad. Palabras clave: Transmisión generacional; Profesión; Familia.

Transmissão familiar da profissão

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  • v. 45, n. 4, pp. 454-462, out.-dez. 2014

    Psico

    A matria publicada neste peridico licenciada sob forma de uma Licena Creative Commons - Atribuio 4.0 Internacional.http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

    Transmisso Geracional da Profisso na Famlia: Repetio e Diferenciao

    Maria Elisa Almeida Andrea Seixas Magalhes Terezinha Fres-Carneiro

    Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, RJ, Brasil

    RESUMO

    Neste estudo, discute-se o processo de transmisso geracional da profisso na famlia. Foi realizada uma pesquisa qualitativa, na qual foram entrevistados quinze sujeitos, de trs geraes que seguiram a mesma profisso, de cinco famlias advogados, mdicos, msicos, professores de teatro, psicanalistas. Da anlise do contedo das entrevistas emergiram as seguintes categorias: naturalidade do processo de escolha profissional; a necessidade de diferenciao; o peso do nome e do sobrenome; a figura mtica familiar; liberdade de escolha na contemporaneidade; valores transmitidos no cotidiano; lealdade ao amor pela profisso. Neste trabalho, so apresentadas as trs primeiras categorias. Conclui-se que a repetio da escolha profissional na famlia percebida como um processo naturalizado, como um elemento de continuidade geracional. Destaca-se, ainda, a responsabilidade percebida quanto transmisso do sobrenome vinculado profisso, e tambm a necessidade de diferenciao dos membros da famlia e da apropriao do legado familiar com preservao da individualidade.Palavras-chave: Transmisso geracional; Famlia; Profisso.

    ABSTRACT

    Generational Transmission of Profession in the Family: Repetition and DifferentiationIn this study we discuss the process of generational transmission of profession in the family. Fifteen individuals were interviewed, from three generations, who had followed the same profession. Participants were from five families lawyers, doctors, musicians, acting teachers, psychoanalysts. From the content analysis of the interviews the following categories emerged: naturalization of the process of career choice; need for differentiation; the weight attributed to the family name; mythical family figure; freedom of choice in contemporaneity; values transmitted in daily life; loyalty to the love for the profession. In this work the three former categories are presented. We conclude that repetition in the choice of profession in the family is perceived as a naturalized process, highlighting the responsibility in the transmission of the family name associated to the profession, the need for differentiation and for appropriation of the family legacy, while preserving individuality. Keywords: Generational transmission; Profession; Family.

    RESUMEN

    Transmisin Generacional de la Profesin en la Familia: Repeticin y DiferenciacinEn este estudio se discute el proceso de transmisin generacional de la profesin en la familia. Fueron entrevistados quince sujetos, de tres generaciones, que siguieron la misma profesin, pertenecientes a cinco familias abogados, mdicos, msicos, profesores de teatro, psicoanalistas. Del anlisis del contenido de las entrevistas emergieron las categoras: naturalidad del proceso de eleccin profesional; necesidad de diferenciacin; peso del nombre y del apellido; figura mtica familiar; libertad de eleccin en la contemporaneidad; valores transmitidos en el cuotidiano; y lealtad al amor por la profesin. En este trabajo son presentadas las primeras tres categoras. Se concluye que la repeticin de la eleccin profesional en la familia es percibida como un proceso naturalizado, destacndose, todava, la responsabilidad cuanto a la transmisin del apellido vinculado a la profesin, la necesidad de diferenciacin y de apropiacin del legado familiar con preservacin de la individualidad.Palabras clave: Transmisin generacional; Profesin; Familia.

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    Psico, Porto Alegre, PUCRS, v. 45, n. 4, pp. 454-462, out.-dez. 2014

    A famlia constitui-se como um meio privilegiado de transmisso. Seja da transmisso da prpria vida, seja de um nome, do sobrenome, do patrimnio, da educao, da cultura ou de uma profisso. O processo de transmisso na famlia fundamental para a construo de si, isto , para a formao da identidade do indivduo. As geraes da famlia transmitem contedos que visam assegurar a sobrevivncia do grupo familiar atravs do tempo.

    O processo de transmisso pode comear bem antes de a criana ser concebida, quando os pensamentos, sentimentos e fantasias da me e da famlia comeam a preparar o lugar que esse filho ocupar em sua vida (Bowen, 1965). Ou seja, o indivduo, mesmo antes de nascer, j recebe uma projeo familiar e j vem ao mundo inserido em uma histria preexistente da qual ele herdeiro e tambm prisioneiro (Falcke e Wagner, 2005).

    A transmisso geracional torna-se evidente atravs da repetio dos padres familiares e nessa transmisso que reside a sobrevivncia e a perpetuao da famlia. Segundo Gaulejac (2009), a repetio, seja ela consciente ou inconsciente, de comportamentos, sintomas ou escolhas na famlia uma manifestao do vnculo com as geraes anteriores e de grande necessidade e importncia para a construo do indivduo enquanto sujeito. Ele precisa desse referencial porque elemento constitutivo de sua identidade.

    Conforme Minuchin (1993), a famlia que nos d o sentido de pertencimento e de diferenciao. Assim, a identidade do indivduo se constitui nesse bojo de relacionamentos e contedos que so transmitidos e que vo definir o seu lugar na famlia. De acordo com Andolfi, Angelo, Menghi e Nicolo-Corigliano (1984), a necessidade de diferenciao do indivduo, tambm entendida como a sua necessidade de autoexpresso, com o passar do tempo, ir fundir-se com a necessidade de coeso e manuteno da unidade no grupo.

    Desse modo, o indivduo vive, num primeiro momento, um estado de indiferenciao e, na pro- gresso gradual do desenvolvimento psquico, ele busca a individuao e a separao, visando encontrar o seu espao pessoal e a sua identidade. O grau de diferenciao que o indivduo atinge depende da interao me-filho e tambm dos outros processos interativos ocorridos no interior do sistema familiar. Assim, a diferenciao ser mais difcil quando houver conflitos entre os prprios desejos do indivduo e as expectativas sobre ele colocadas (Andolfi et al., 1984).

    A diferenciao do self fundamental para o desenvolvimento saudvel do indivduo, uma vez que se refere afirmao da singularidade, ao direito de expressar a sua individuao e ao seu direito de

    pensar e expressar-se, independentemente dos valores transmitidos por sua famlia. Por outro lado, pertencer tambm de extrema importncia, pois significa participar, ser membro da famlia e partilhar as suas crenas, mitos, valores e legados (Martins, Rabinovich e Silva, 2008).

    As geraes mais velhas, ao transmitirem os valores e os mitos familiares, delegam aos membros do sistema familiar um papel e um destino, atribudos pelas leis familiares. Segundo Boszormenyi-Nagy e Spark (1984), cada famlia tem suas leis que vo sendo herdadas ao longo do ciclo de vida familiar. Os autores chamam esses contedos de lealdades invisveis, pois so contedos que perpassam as geraes, muitas vezes sem serem nomeados explicitamente.

    A noo de lealdade fundamental para com- preender a estrutura relacional das famlias, bem como o cumprimento dos legados e as repeties que ocorrem de gerao a gerao, tanto concernentes a comportamentos, como a atitudes ou, at mesmo, a escolhas. Os compromissos de lealdade tecem uma rede resistente que mantm unidas as partes do sistema familiar (Costa, 2010). As lealdades nesse contexto so importantes porque marcam o pertencimento do indivduo ao grupo e garantem a sobrevivncia do grupo familiar atravs das geraes.

    O processo de delegao est diretamente ligado ao conceito de lealdade familiar e pressupe que o membro deve assumir o compromisso de corresponder s regras e s expectativas do grupo familiar e cumprir a misso que lhe foi atribuda (Bucher-Maluschke, 2008). O legado , assim, estabelecido como um mandato veiculado atravs das geraes, que tem por funo transmitir s geraes seguintes os principais aspectos da famlia, aos quais se espera que seja dada continuidade (Falcke e Wagner, 2005).

    A escolha do nome do filho, muitas vezes, obedece s lealdades invisveis. Isto pode ser notado quando h repetio de nomes na famlia, ou, por exemplo, em casos de predominncia de nomes com sentidos religiosos (Krom, 2000). De acordo com Schutzemberger (2011), o nome prprio escolhido, muitas vezes, a partir da dinmica familiar. Segundo a autora, os pais e familiares participam da construo psquica precoce da criana ao escolher dar-lhe o nome de algum ascendente como uma homenagem, o nome de um membro da famlia que j faleceu, um nome que seja a juno do nome do pai com o da me ou o nome de um santo, por exemplo. Desta forma, a criana j nasce com uma espcie de misso ou de reparao a ser realizada ao longo da vida.

    O sobrenome, por sua vez, indica de quem e de onde se vem, especificando a origem e filiao do indivduo.

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    O nome de famlia assinala a inscrio do membro familiar em uma linhagem. Alm das significaes que o nome prprio imprime, o sobrenome que a famlia carrega tambm pode mostrar-se muito expressivo, quer por significar o nome de um determinado local ou de uma profisso, quer por ser um sobrenome conhecido em alguma rea. Nesse caso, a pessoa j carrega consigo o peso do sobrenome, e a carga de fazer jus ao que foi construdo pelos ascendentes (Ducommun-Nagy, 2006).

    Cumprir a sua misso e seguir os legados familiares so formas de lealdade famlia que geram um sentido de pertencimento no indivduo, alm da perpetuao da identidade familiar. Pautando-se nessa perspectiva, o presente estudo tem por objetivo abordar o processo de transmisso geracional da profisso em famlias em que houve a repetio da escolha profissional por trs geraes seguidas, destacando a discusso a respeito do sentimento de naturalidade da escolha profissional dos membros da famlia, do peso nome e do sobrenome que carregam e da necessidade de diferenciao da famlia.

    MTODO

    Foi realizada uma pesquisa qualitativa, na qual foram entrevistados quinze sujeitos (seis mulheres e nove homens), integrantes de trs geraes que seguiram a mesma profisso, de cinco famlias diferentes. Cada famlia mantinha a tradio em uma determinada profisso, a saber: mdicos, advogados, professores de teatro, msicos e psicanalistas.

    Os cinco participantes da primeira gerao tinham entre 78 e 95 anos, dois estavam aposentados e outros trs ainda exerciam a profisso. Em relao segunda gerao, as idades variaram entre 48 e 68 anos e os cinco representantes exerciam a profisso. Quanto terceira gerao, dois sujeitos trabalhavam e trs trabalhavam e estudavam (dois cursavam ps-graduao e um a graduao). Nessa gerao, os sujeitos tinham idades entre 19 e 38 anos.

    Os nomes dos participantes foram alterados, a fim de preservar a identidade dos mesmos. Optou-se por nomear cada famlia e seus membros com a mesma letra inicial, buscando tambm manter o padro dos nomes repetidos e dos nomes compostos. Assim, os entrevistados da famlia Abreu (advogados), por exemplo, so Antnio (1 gerao), Antnio Jos (2 gerao) e Alex (3 gerao) e assim por diante com as famlias Borges (msicos), Campos (mdicos pediatras), Duarte (professores de teatro) e Esteves (psicanalistas).

    Como instrumento de coleta de dados foi utilizado o modelo de entrevista de histria de vida, conforme

    proposto por Bertaux (1997). Utilizou-se um roteiro semiestruturado como base para a conduo da entrevista. O roteiro inclua temticas referentes histria de vida profissional, tais como a escolha profissional, o desenvolvimento de carreira, a relao entre famlia e profisso, os valores transmitidos e as expectativas sobre geraes futuras. No foram feitas perguntas diretivas aos participantes. A entrevista iniciava-se com o estmulo inicial: Conte-me como se deu a sua escolha profissional, e a partir da o sujeito ficava vontade para relatar a sua histria (Fernandes, 2010).

    Cada participante foi entrevistado individualmente, em local de sua preferncia. As entrevistas foram gravadas e transcritas na ntegra e o material obtido foi submetido ao mtodo de anlise de contedo, conforme proposto por Bardin (2011). Da anlise das entrevistas emergiram as seguintes categorias: a naturalidade do processo de escolha profissional; necessidade de diferenciao da famlia; o peso do nome e do sobrenome; figura mtica familiar; liberdade de escolha na contemporaneidade; valores transmitidos no cotidiano; lealdade ao amor pela profisso. Neste trabalho foram abordadas as trs primeiras cate- gorias.

    Antes da realizao das entrevistas, todos os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por meio do qual expressaram concordncia em participar do estudo e com os procedimentos da pesquisa, estando cientes do comprometimento da pesquisadora em manter o sigilo sobre suas identidades. O projeto foi devidamente aprovado pelo Comit de tica da Universidade, sob protocolo nmero 15/2011.

    RESULTADOS E DISCUSSO

    A naturalidade do processo de escolha profissional

    A partir das falas dos entrevistados, observou-se que uma grande parte dos sujeitos relata que a escolha pela profisso se deu por meio de um processo natural. Seguir o caminho profissional do pai/me/av/av foi algo tido como natural, como se j houvesse um destino sendo traado para eles. Logo, para as famlias no foi surpresa essa escolha profissional dos membros. Segundo os participantes, coube a eles somente aceitar esse destino j traado, naturalmente, sem grandes questionamentos.

    (...) Ento a gente sempre fez muita msica em casa, sempre frequentamos escola de msica e quando eu optei pela universidade eu fiz... fui

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    levada assim... naturalmente, para o curso de Msica. Na verdade eu no pensei em nenhuma outra alternativa, n? (Beatriz, musicista, 2 gerao)

    Ento isso era pra mim um caminho muito natural, porque voc t meio que inserido nesse meio, n, ento... eu via meu pai, meu av e tudo... (Alex, advogado, 3 gerao)

    Mas a, no sei, eu acho que o caminho natural do filho. (...) eu no me via mesmo fazendo outra coisa. (Caio, mdico, 3 gerao)

    Apesar de considerarem a escolha como um caminho natural, alguns participantes chegaram a pensar em outra(s) possibilidade(s) antes da escolha definitiva, ou ao longo do curso de graduao. Estes apresentaram, inicialmente, alguma resistncia em seguir a profisso dos pais/avs, ou seja, em aceitar esse legado dos pais.

    Eu gostava de Medicina, mas me assustei com aquilo. Falei p, no vou fazer essa tal de Pediatria coisa nenhuma que isso coisa de maluco. E antigamente era uma loucura, ele (seu pai) atendia essa cidade quase inteira, um desespero. Toda madrugada era: saa, ia atrs de doente, subia morro, descia morro, era uma loucura. (...) Ento acho que essa histria dele assustou, mas alguma coisa mais forte prendia, n? Tanto que eu falava: no vou fazer isso nunca, a ltima coisa que eu fao Pediatria, e no fim fui parar na Pediatria. (Cludio, mdico, 2 gerao)

    H tambm aqueles entrevistados que no apresentaram tal resistncia e nem pensaram na possibilidade de seguir outro caminho, a no ser o da profisso que tinham como exemplo em casa. Alguns consideram que, de certa forma, foram preparados ao longo da vida para as respectivas profisses. Isto , j havia um projeto familiar traado para eles, ainda que isso no tenha sido dito explicitamente. Para Beatriz (2 gerao), por exemplo, houve at certa ingenuidade na aceitao do legado, pois ela nem ao menos questionou a herana familiar.

    Avisei n, que ia fazer Msica, e tambm era mais fcil pra mim assim. Acho que talvez tenha rolado um pouquinho de... de falta de iniciativa pra outra coisa, mas eu achei que de fato, passei no vestibular com facilidade... (Beatriz, musicista, 2 gerao).

    Esses resultados demonstram que existem leal- dades invisveis (Boszormenyi-Nagy & Spark, 1984) presentes nos sistemas familiares, percebidas, prin- cipalmente, pela repetio de eventos atravs das geraes. A lealdade possui um papel fundamental na manuteno da homeostase familiar. Para Boszormenyi-Nagy e Spark (1984), como se houvesse um livro simblico de prestao de contas que contabilizasse os crditos e dbitos intergeracionais e funcionaria como uma espiral entre a obrigao de dar, a de receber e a de retribuir. Aquele que recebe ficaria em dvida com o membro que deu, sentindo-se na obrigao de retribuir, correspondendo s suas expectativas e assim sucessivamente nas geraes, buscando um equilbrio nas relaes. Manter essa equidade na famlia importante porque, segundo Bucher-Maluschke (2008), ela a promotora da manuteno das relaes duradouras e de confiana.

    Pode-se considerar que esses membros esto inseridos em um projeto familiar e receberam a profisso dos pais como herana para darem continuidade. De acordo com Tomizaki (2010), cada gerao transmite aos seus descendentes aquilo que considera fundamental para a preservao e continuidade da sua herana. Assim, esse projeto, construdo de forma coletiva, o patrimnio ou legado (Boszormenyi-Nagy & Spark, 1984) recebido que consiste em um mandato geracional que perpassa as geraes na dimenso psquica e, na maior parte das vezes, de forma inconsciente (Bucher-Maluschke, 2008).

    Para os membros da segunda e da terceira gerao, difcil compreender e explicar o que os levou a escolher a profisso. Isto no fica claro por lhes parecer to natural. Conforme tambm observado por Bueno, Souza, Monteiro e Teixeira (2013), os filhos acabam repetindo padres de funcionamento de outros mem- bros da famlia, embora muitas vezes no o percebam. Por outro lado, buscam diferenciar-se em alguns aspectos.

    Na presente pesquisa h, na maioria dos casos, uma tentativa de diferenciao ao longo da carreira, porm h tambm, em muitos momentos, uma aproximao dos familiares da primeira gerao, como uma forma de pertencimento famlia. As suas carreiras so marcadas por oscilaes de aproximao e afastamento. Ao mesmo tempo em que buscaram diferenciar-se da famlia (Bowen, 1965), havia sempre um retorno ao familiar, funcionando como uma espcie de refgio (Lasch, 1991). Nesse sentido, ressalta-se que sentir-se como pertencente ao sistema familiar importante, pois no bojo das relaes familiares e dos contedos transmitidos que o indivduo se constitui (Minuchin, 1993).

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    A necessidade de diferenciao da famlia

    Foi possvel observar que o processo de dife- renciao ocorre de forma menos ntida e, muitas vezes, velada na segunda gerao e se fortalece na terceira gerao. Os representantes da terceira gerao demonstram que no se sentem confortveis ao serem protegidos pela famlia no mbito profissional. A busca por um caminho diferente, ou seja, sem a ajuda evidente dos familiares, gera um sentimento de conquista e de mrito prprio, bem como permite uma diferenciao maior daquele sistema.

    E a o negocio l no escritrio tambm tinha isso n? Era sobrinho l do cara. Voc v: sobrinho, n? Imagina se fosse filho? E isso incomodava, isso incomodava um pouco (...) A eu fui, pintou uma oportunidade de ir pra (nome da empresa), foi um negcio assim, n? Abriu uma seleo, passei no negcio, passei pra entrevista, fiquei to satisfeito, falei: t vendo? Ningum me indicou, entendeu? No porque eu sou filho de ningum, eu consegui sozinho, foi mrito meu. (Alex, advogado, 3 gerao)

    Bowen (1998) ressalta a importncia do conceito de diferenciao que diz respeito possibilidade de a pessoa se diferenciar emocionalmente da famlia de origem. De acordo com Martins, Rabinovich e Silva (2008), pertencer significa sentir-se membro da famlia e compartilhar de suas crenas, valores, regras, mitos e segredos, ao passo que, diferenciar-se implica uma afirmao da singularidade. Dessa forma, pode-se dizer que, ao seguir a mesma profisso das geraes anteriores, eles asseguram o seu pertencimento famlia e, ao questionar o projeto familiar, buscam sua forma prpria de fazer e de ser dentro da profisso. Ou seja, ao mesmo tempo em que eles se se diferenciam, eles tambm afirmam a sua individualidade.

    As falas dos participantes, principalmente daqueles que representam a terceira gerao, a respeito de seus projetos profissionais manifestam a busca pela prpria identidade, pelo prprio projeto, de forma diferente daquilo que j fora realizado pela famlia. Apesar de esses projetos serem constitudos tambm pela influncia da vivncia em famlia (Almeida & Magalhes, 2011; Carreteiro, Pinto, Carvalho, Rodriguez, Alves, & Estevinho, 2011; Wagner, Tronco, Gonalves, Demarchi, & Levandowski, 2012), podem ser autnticos e diferenciados, principalmente na sociedade atual que tem por caractersticas a fluidez e a liquidez e que incentiva o indivduo a criar a si prprio (Bauman, 1998).

    E... a coisa no Teatro, conforme eu fui ficando mais velho, at hoje, foi ganhando mais autonomia assim, eu agora, atualmente, eu tenho o meu grupo (...) e pouco a pouco eu fui me distanciando tambm da coisa da atuao e fui entrando tambm nesses outros domnios do Teatro, ligado escrita e direo, que onde eu me sinto mais confortvel atualmente porque tambm foi um espao que eu criei, (...) Foi algo que j era dado, n, o Teatro e essa formao, mas foi algo que eu nunca, por uma rebeldia, ou por uma certa inquietao nunca aceitei muito como dado, eu sempre quis fazer a minha onda. (Diogo, professor de teatro, 3 gerao)

    Para Diogo, criar a sua prpria onda foi descobrir uma forma de dar prosseguimento ao legado familiar, porm destacando a sua individualidade e descobrir um modo de fazer a profisso adaptada aos dias de hoje. O mundo do trabalho hoje exige novos desafios (Cavazzote, Lemos, & Viana, 2012) e configura-se de forma bem diferente em relao ao contexto em que os membros da primeira e da segunda gerao fizeram a escolha profissional, h cerca de 60, 70 anos e 30, 40 anos, respectivamente. De acordo com Marques (2004), o mercado de trabalho exige hoje o esprito empreendedor que produz inovaes e que vem associado a um modo particular de abordar problemas.

    De fato, no mundo contemporneo, a identidade deve ser construda reflexivamente em meio a uma diversidade de opes e possibilidades que se apresentam (Giddens, 2002). Segundo Bauman (1998), o projeto moderno transformou a identidade em uma realizao, fazendo dela uma tarefa de responsabilidade do indivduo.

    (...) parece um lugar tambm de muita conquista pessoal, um lugar que eu fui por mim mesmo, tentando criar, construir esse espao. No meu caso, essa coisa individual foi muito forte para eu poder me diferenciar dentro dessa tradio familiar que eu j vinha (...) (Diogo, professor de teatro, 3 gerao)

    (...) foi um custo danado pra eu me apropriar da Psicanlise como uma coisa minha e no de outros, n? Porque tem uma questo da identificao e o que que voc faz com isso, n? Voc tem que se apropriar das coisas e outras coisas deixar pra l, no seu. (rica, psicanalista, 3 gerao)

    Apropriar-se da profisso e traar sua trajetria de modo singular implica sair do lugar de herdeiro

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    passivo, apropriando-se do seu destino com autoria. conseguir conjugar a herana da tradio familiar com aquilo que lhe singular, apoderando-se do que lhe foi legado, porm de forma mais independente e autnoma. Significa tambm no viver sombra dos pais/avs e no depender de sua fama ou reconhecimento. Diferenciar-se na contemporaneidade implica ser criativo, fazer-se sujeito do seu prprio projeto (Velho, 1981) e estar constantemente se reinventado (Giddens, 2002). De acordo com Carreteiro (2009; 2011), a ideologia individualista que predomina na contemporaneidade leva o sujeito a se perceber como se fosse o grande responsvel por sua carreira e por seu sucesso ou fracasso.

    O peso do nome e do sobrenomeOs participantes relataram que existe um peso e

    uma cobrana por carregarem sobrenomes famosos e reconhecidos em suas reas de atuao profissio- nal. A maioria dos membros da segunda e da terceira gerao relatou sentir forte presso por parte da sociedade outros familiares, professores, colegas de profisso alm de uma alta exigncia pessoal, relativa ao desempenho profissional. A cobrana interna, ou seja, do prprio sujeito, diz respeito necessidade de ser to bem-sucedido quanto os membros das outras geraes e responsabilidade que sente em fazer jus ao sobrenome da famlia. Isto acaba por provocar comparaes com outros profissionais da famlia e dvidas em relao capacidade individual. A presso social marcada pela referncia que o sobrenome representa na rea de atuao, gerando uma alta exigncia quanto ao desempenho da pro- fisso.

    um peso. No bom, no recomendo. Talvez por isso mesmo que eles tentaram me dissuadir a seguir, porque sabiam que ia ser um peso muito maior, voc tem que ser o filho de fulano, duro, duro. (Ernesto, psicanalista, 2 gerao)

    (...) tem a responsabilidade, n? Quer dizer, todo mundo espera que voc seja bom justamente por causa do nome, que voc faa jus ao nome, que voc fique correspondente a isso da. Ento h uma cobrana muito grande. (Alex, advogado, 3 gerao)

    , tem uma presso (risos). Mas uma presso que no proposital, que t l no ar. Ningum pe a presso no. Mas, existe. Pois , eu no sei o que os professores l na faculdade acham de mim. Todos os professores conhecem minha av,

    minha me. Ah, filho da Bia... A eu penso: ser que ele gosta de mim porque eu sou um bom aluno? (Bruno, msico, 3 gerao)

    De acordo com Schutzemberger (2011), o sobre- nome uma das bases da identidade e por interm- dio dele que a pessoa se situa social, geogrfica e culturalmente, adquirindo o sentido de pertencimento a um determinado grupo. O sobrenome marca a relao do indivduo com seus ancestrais, inscrevendo-o em uma linhagem e vinculando a sua identidade histria das geraes (Gaulejac, 2009).

    Gaulejac (2009) questiona como possvel existir por si mesmo quando a pessoa j carrega um sobrenome ilustre, uma vez que este um elemento incontornvel do processo de identidade. Conforme este autor, o sobrenome permite reconhecer-se e ser reconhecido, identificar-se e ser identificado e a sua abolio seria uma forma de despersonalizao.

    Quanto importncia atribuda ao sobrenome na constituio da identidade do sujeito, os entrevis- tados desse estudo relatam que socialmente h a cobrana de uma expectativa a ser correspondida. Segundo Barros (1987), a disposio em transmitir aos filhos e netos o nome da famlia refere-se insero da famlia na sociedade, alm de satisfazer aos cultos e s tradies familiares. Isto demonstra a importncia que o sobrenome possui na sociedade, e colabora para a compreenso acerca da angstia, relatada por alguns entrevistados, relacionada cobrana em corresponder s expectativas projetadas, muitas vezes sob a pena de no ser reconhecido como um profissional, sendo desleal famlia (Ducommun-Nagy, 2006).

    s vezes eu acho que eu fico aflita no de honrar o sobrenome, mas muito mais de acharem que eu tenho que ser qualquer coisa porque eu tenho o sobrenome na rea, achar que vo me cobrar mais por causa disso, ou sei l o qu. (rica, psicanalista, 3 gerao)

    Uma presso que as pessoas j logo querem cobrar: p, voc filho do fulano, p, n, a voc j fica naquela situao assim: eu no posso decepcionar, n? Mas nunca tive medo no, talvez por ter ficado longe e tal. Eu nunca me senti muito cobrado, mas voc sabe que tem uma responsabilidade maior, n, voc fica com uma responsabilidade de no ... no decepcionar, n, ento voc acaba tendo que se superar mais, estudar mais, tomar mais cuidado... (Cludio, mdico, 2 gerao)

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    Seguir a carreira de outros membros da famlia pode tambm abrir caminhos, isto , ser uma via de sucesso facilitada pelo que o grupo familiar j construiu e at mesmo pela referncia que a famlia e o sobrenome so em determinada rea profis- sional. O nome de famlia considerado um capital social (Bourdieu, 1998) medida que funciona como um recurso de vinculao ao grupo e rela- ciona-se ao conhecimento e ao estabelecimento de contatos. Dessa forma, os detentores do capital social herdado, representado por um sobrenome impor- tante em uma determinada rea, acabam sendo valo- rizados por esse fator, usufruindo de facilidades no caminho em direo ao prestgio social (Bourdieu, 1998).

    Voc segue a carreira do seu pai, do seu av, as pessoas reconhecem pelo nome, n, quer dizer, as pessoas, mesmo quem no me conhece, me reconhece pelo sobrenome que um sobrenome que tem uma referncia (...) Isso por um lado bom, que te ajuda a abrir portas, sem dvida alguma, n? (Alex, advogado, 3 gerao).

    Mas na grande maioria dos casos eu digo que abre portas, mas tambm tem essas... esses problemas, esse obstculos, que no tm nada a ver comigo. Mas de forma geral acho que o saldo positivo. algo que demorou, mas que eu j estou nesse processo e esses signos que vm da minha famlia quando colocados ao meu favor eles ficam muito fortes, do mais sentido pra coisa (Diogo, professor de teatro, 3 gerao).

    Se carregar o sobrenome da famlia pode ser um peso, o fardo pode tornar-se mais pesado quando o nome prprio o mesmo, como o o caso de Antnio Jos, que tem como primeiro nome o nome de seu pai, Antnio. De acordo com Krom (2000), muitas vezes, a repetio dos nomes prprios na famlia est relacionada, frequentemente, s lealdades invisveis (Boszormenyi-Nagy e Spark, 1984).

    Ao escolher o nome, os pais fazem ao filho a doao de uma histria imaginria e simblica familiar, inserida na continuidade da filiao (Tesone, 2009). Assim, ao dar o nome do pai a um filho, o indivduo j nasce com uma misso a ser realizada ao longo da vida, que, em geral, vem carregada da expectativa de perpetuao da linhagem. Segundo Cerveny e Rabinovich (2006), a histria de cada um enquanto sujeito inicia-se em uma pr-histria que antecede o nascimento, em que tecida uma trama de expectativas, fantasias e desejos dos ascendentes.

    Eu acho que um dado que de certa maneira me incomodava no incio da carreira era o fato justamente de eu ser filho do meu pai, quer dizer, filho de uma pessoa que tem o mesmo nome que eu e que conhecida, famosa, tem um nome de sucesso. Porque a, isso pra mim, isso me abafava um pouco, ento eu buscava os meus caminhos prprios (...) isso um peso. (Antnio Jos, advogado, 2 gerao)

    No caso de Antnio Jos, levar o nome e o sobre- nome do pai, uma pessoa reconhecida no campo profissional, foi um incmodo, mas tambm algo que o levou a buscar uma diferenciao, como forma de evitar o inevitvel: a vinculao de seu nome com o nome de seu pai. O nome e o sobrenome atribuem um lugar para o indivduo no seio da famlia e na sociedade, permitindo que ele seja distinguido dos outros, ou seja, conferindo-lhe identificao e diferenciao. Essa contradio entre integrar-se e diferenciar-se, segundo Gaulejac (2009), evoca a similaridade, ou seja, o indivduo sente que se assemelha aos membros da famlia, ao mesmo tempo em que evoca a diferenciao, isto , o indivduo definido por suas prprias caractersticas que o tornam diferente dos outros. Conforme este autor, esta seria a maior contradio identitria: o nome confere o pertencimento famlia, assim como o reconhecimento da individualidade.

    CONSIDERAES FINAIS

    Observou-se que seguir a profisso dos familiares, na percepo dos participantes da pesquisa, algo considerado como um caminho natural, como se j tivesse sido traado, ainda que nenhum dos sujeitos entrevistados tenha sido pressionado a segui-lo. A influncia da famlia na escolha profissional dos participantes no se deu de forma explcita, ou seja, no houve, na maioria dos casos, desejo expresso verbalmente de que os filhos/netos seguissem a mesma profisso. Os resultados aqui apresentados vo de encontro queles obtidos por Andrade (1997). O autor pesquisou famlias nas quais vrias geraes vinham se dedicando mesma carreira, gerando grandes nomes em suas respectivas reas e observou que muitos dos seus entrevistados foram forados a seguir as carreiras familiares. Na presente pesquisa, nenhum dos sujeitos sentiu-se forado a seguir a carreira dos pais/avs. Pelo contrrio, muitos pais/mes/avs optaram por nada falar, com receio de influenciar, e outros tentaram dissuadir os filhos/netos de seguir a profisso familiar. Porm, ainda assim, os descendentes acabaram por escolh-la. A repetio da escolha profissional na

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    famlia, considerada a partir do processo de transmisso geracional, aponta para a importncia dos vnculos de leadade familiares e leva continuidade e perpetuao da identidade familiar.

    Ao escolher a mesma profisso dos pais/avs, os sujeitos do continuidade ao legado familiar, porm sentem uma necessidade de diferenciar-se, apropriando-se da profisso e fazendo do seu jeito, reafirmando, assim, a sua individualidade. A busca pela diferenciao, em alguns casos, est relacionada forma de lidar com o peso do sobrenome ou do nome, em caso de repetio deste que carregam devido ao grande prestgio da famlia na rea profissional.

    Pode-se dizer que a transmisso geracional da profisso na contemporaneidade existe, porm no enraizada de modo to literal, como se dava no passado, quando as terras ou o estabelecimento de trabalho eram necessariamente passados de pai para filho. Considera-se que ela se d de forma mais fluida, ela se espalha de modo subliminar, engendrando escolhas aparentemente livres e individuais, ancoradas em lealdades invisveis que perpassam as expectativas familiares, consciente e/ou inconscientemente.

    Este estudo apresenta limitaes em face da sua natureza qualitativa. As entrevistas foram realizadas com um nmero restrito de sujeitos, de modo que os temas pudessem ser investigados em profundidade, alcanando as singularidades de cada famlia. Assim, o objetivo no foi generalizar os resultados, considerando que cada famlia possui a sua histria e as suas particularidades.

    Os resultados deste trabalho apontam para a pertinncia da realizao de outras investigaes, visando ao aprofundamento da compreenso dos processos de transmisso geracional relacionados escolha profissional. Esse fenmeno, embora seja menos frequente na contemporaneidade, ilustra a im- portncia da transmisso geracional na constituio subjetiva e, particularmente, na construo de projetos de vida.

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    Autores:Maria Elisa Almeida Ps-doutoranda do Departamento de Educao da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro.Andrea Seixas Magalhes Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro.Terezinha Fres-Carneiro Professora Titular do Departamento de Psicologia da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro.

    Endereo para correspondncia:Maria Elisa Almeida Pontifcia Universidade Catlica do Rio de JaneiroDepartamento de EducaoRua Marqus de So Vicente, 225/1049L GveaCEP 22451-900 Rio de Janeiro, RJ, BrasilE-mail: [email protected]

    Recebido em: 11.10.13Aceito em: 11.07.14