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8/7/2019 Transparencia - Vanice Lirio
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TRANSPARNCIA E GOVERNANA: NOVAS VERTENTES
LEGITIMADORAS DO AGIR DO POER
Vanice Lrio do Valle
O conceito de transparncia, aplicado Administrao Pblica originalmente
apresentado como uma atualizao expansiva do princpio constitucionalmente
consagrado da publicidade[1] ; acompanhando as profundas transformaes pelas
quais passam o modelo de estado, e na mesma esteira, a funo administrativa, hoje no
mais se poder conter nos limites estreitos de uma obrigao quase que formal de
apregoar o agir do Poder Pblico.
razovel que assim seja, quando se tem em conta que consagrado o Estado
Democrtico de Direito como o modelo mais disseminado de organizao das
sociedades ocidentais; expandem-se as fronteiras de interesse e investigao em relao
aos fundamentos do agir do poder, que de se apresentar orientado ao atingimento dos
objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil, traduzidos no art. 3 da
Constituio Federal. Introduz-se ento a idia de governana, que se contrape concepo anterior de que as instituies pblicas se identifiquem como meramente
detentoras do monoplio da constrio legtima, para introduzir a percepo de que de
outras organizaes humanas, de outros atores, se possa construir um consenso cidado
para, atravs da regulao econmica e social, alcanar o bem comum[2].
Se governana traduz a capacidade das sociedades humanas de se dotar de
sistemas de representao, instituies, processos e corpos sociais que articulados,permitam uma gesto democrtica de seus prprios interesses, o compromisso
valorativo que a Carta de Outubro, por sua vez, traa para o exerccio do poder que ela,
igualmente, estrutura organicamente, passa a se constituir fundamento ltimo de
validade desse mesmo agir do poder, que encontrar na prtica da boa governana, seu
fundamento de legitimidade.
nesse contexto que so retomadas e reformatadas velhas idias atinentes aoagir do Estado como estrutura de poder, para harmoniz-las com as tambm inditas
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demandas postas ao Estado Democrtico de Direito; abre-se aqui espao idia da
transparncia, como pedra de toque a guiar a ao do bom governo[3]; garantidor da
efetividade do direito fundamental boa administrao[4] (FREITAS, 2007). Mais do
que um elemento esttico, incidente sobre o resultado concreto da funoadministrativa; transparncia como vetor caracterstico do bom governo, transcende
condio de atributo do ato administrativo, para se converter numa qualidade do agir da
Administrao, que em tempos de pluralismo, no pode mais abdicar da inestimvel
contribuio que a participao social e o controle em todas as suas manifestaes
pode oferecer ao aprimoramento da atividade administrativa.
Se de caracterstica associada ao agir est-se falando, natural que o contedo quese reconhea prtica transparente guarde igualmente esse trao de dinmica. A ao
transparente da Administrao Pblica, portanto, traduz-se: 1) na manuteno de um
fluxo de informaes; 2) pertinentes, confiveis, inteligveis e oferecidas no momento
oportuno; 3) relacionadas aos vetores diretos e indiretos que influenciam esse mesmo
agir administrativo 4) dirigidas ativamente s diversas estruturas de poder e
cidadania;. A contrario sensu, atenta contra a transparncia, a ocultao de informaes
atinentes ao mesmo agir da Administrao, seja no seu extremo mximo de negativaabsoluta de qualquer elemento de informao seja nas dezenas de matizes mais suaves
de violao transparncia, que envolvem a oferta de informao insuficiente,
ininteligvel, extempornea, ociosa ou irrelevante, e tantas outras deficincias que os
desvios de finalidade contingentes podem permitir.
Primeiro destaque a se empreender e que decorre da compreenso de que
transparncia, como atributo do agir da Administrao, no se constitui elemento quepossa ser aferido pontualmente o de que ela impe no um momento, uma ao
isolada de disclosure, mas sim um trnsito de informaes, trnsito esse que h de se
revelar apto a proceder, ao longo do processo de formao da deciso, ao dilogo para
com os destinatrios da ao transparente (a saber, outras estruturas de poder, sociedade
organizada e cidadania).
Qualifica ainda a ao administrativa como transparente, a inteligibilidadedaquilo que informado, e a sua oferta em momento oportuno. Afinal, se mais
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complexa a ao do Estado; presumvel que tambm mais hermticos sejam os
elementos de que ele, Estado, se vale para orientar esse seu agir. Nesse sentido,
imperativo que no se permita o comprometimento da transparncia em nome da
tecnocracia, ou pior ainda, do paternalismo, contido nas velhas frmulas que sustentamque h temas que jamais sero alcanados, na sua complexidade, pelo cidado ordinrio.
Inteligibilidade da informao h de envolver engenho e arte em enunciar minimamente
as variveis que esto a determinar o agir da Administrao de forma compreensvel
cidadania sem prejuzo do acesso s informaes tcnicas, na plenitude de sua
dificuldade, queles que detenham a expertise necessria sua compreenso direta.
Em estreita relao com a circunstncia de que a informao h de serinteligvel, tm-se a necessidade de que elas sejam teis ou seja, que guardem efetiva
relao de pertinncia com a deciso em curso. Afinal, em tempos de multiplicidade de
fontes, em plena sociedade da comunicao, mecanismo sutil de comprometimento da
transparncia ser o soterrar dos virtuais interessados, com um volume tal de dados, que
no permita a identificao do que seja efetivamente relevante.
Completa-se a qualificao das informaes como instrumentais
concretizao da transparncia a sua oferta em ocasio oportuna, ou seja, em
momento que permita queles que so beneficirios da transparncia, um oportunidade
real de exame e reao tempestiva em relao a esses mesmos elementos. Frise-se aqui
que a transparncia caracterstica instrumental ao incremento da governana e nesse
sentido, constitui um ganho desejvel maximizar as possibilidades de contribuio da
sociedade organizada e da cidadania formao da deciso do poder pblico.
Importante ainda que a transparncia se exercite, tendo em conta uma dimenso
relacional das vrias vertentes do agir administrativo. Isso porque, como se sabe,
administrar no se constitui na adoo de atos ou condutas isoladas, desconectados entre
si, mas sim no norteamento de um conjunto de aes e inaes necessariamente
articuladas por intermdio de polticas pblicas, subordinadas por sua vez pelas opes
finalsticas formuladas pela Constituio ao Estado Brasileiro[5]. Se assim o , a prtica
transparente h de ter em conta, quando da concepo de um determinado programa ouao, as relaes de inter-penetrao, de retro-alimentao, de dependncia mtua que
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ele possa manter com outras decises administrativas anteriores. Afinal, uma escolha
pblica isoladamente considerada pode se reputar inadequada, insuficiente ou
inoportuna ao passo que, vista nas suas relaes matriciais com outras, ela se tem por
justificvel e legtima.
No plano do sujeito, finalmente, a transparncia se constitui nus e direito em
favor de todas as estruturas do poder. Isso porque, se de um lado preciso fazer
conhecer as razes determinantes do desenvolvimento de cada qual das funes
especializadas do poder; de outro lado a estrutura constitucional de controle desse
mesmo poder exige o conhecimento pelas instncias controladoras, dos vetores
determinantes do agir da estrutura controlada.
A compreenso da transparncia com os atributos que se est sugerindo, a
vitria da abertura para o pensamento dinmico, sugerido por RODRGUEZ-ARANA
[6], que se atualiza e se enriquece pela mantena de uma relao dialgica com outros
agentes interessados no resultado final do agir do poder. Isso exigir da Administrao
uma capacidade de interao e responsividade que ainda no se pode afirmar seja a
tnica de nossas instituies, que quando muito, exercitam uma comunicao seletiva e
unilateral, uma espcie de bolo do poder, em favor da pobre cidadania. Ao revs, essa
abertura ao pensamento dinmico se aponta normalmente como potencialmente
perigosa, na medida em que o dilogo permanente pode supostamente se converter em
elemento paralisante do agir nunca autorizado, pelo no esgotamento de todas as
objees, dvidas e sugestes.
A verdade que o terreno novo e como tudo aquilo que pouco conhecido,
desperta estranhamento e negativa. A funo administrativa, at bem pouco tempo se
exercia sob o signa da imperatividade, por uma estrutura de poder que, prepotente, se
arvorava como a nica conhecedora do que pudesse traduzir o interesse pblico.
Transitar desse cenrio, para a governana pautada pela transparncia, incorporar uma
dimenso democrtica nova, que no contm limites objetivos sua observncia, mas
que confia no direcionamento atravs da vasta pauta de princpios que a Constituio
enunciou, princpios esses cuja aplicao guardar sempre as necessrias relaes deacomodao e ponderao.
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Importante destacar que o terreno, por excelncia, para o desenvolvimento e
aprendizado da prtica da transparncia instrumental ao bom governo, justamente o
das administraes locais como de resto j o indica o expressivo elenco de
experincias concretas experimentadas em municpios de todo o pas[7]. natural queassim o seja, vez que no plano local que se conjuga a proximidade, seja da sociedade
para com as autoridades e instituies do poder, seja com o problema em si ao qual se
enderea a ao pblica. essa proximidade e portanto, conhecimento, ou ao menos,
ambiente que favorea a aproximao cognitiva que favorecer o desenvolvimento de
uma prtica transparente que congregue os elementos que j se explanou nesse trabalho.
certo a Administrao lida com o coletivo de pessoas e interessesrepresentados na sociedade e em tempos de pluralismo, previsvel que sempre haja
algum nvel de inconformismo e crtica em relao sua atuao. O trao da
transparncia, todavia, no se erigir jamais em clusula de bloqueio, paralisando a
Administrao enquanto no alcanada a unanimidade na anuncia para com os seus
termos. Aquilo de que se cogita, que se tenham oferecido, de forma efetiva, respeitado
o parmetro sempre incidente da proporcionalidade, as possibilidades de participao e
contribuio ao cunhar do agir administrativo, que permitam a afirmao de que eleseja, no perfeito, mas legtimo e isso o mais que se pode desejar do agir do poder.
[1] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte
introdutria, parte geral, parte especial. 14 ed., rev., ampl. e atual., Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2005, p. 83; e DROMI, Roberto. El derecho pblico en la hipermodernidad: novacin
del poder y la soberana, competitividad y tutela del consumo, gobierno y control no estatal.
Madrid: Hispania Libros, 2005, p. 69.
[2] CABANES, Arnaud. Essai sur la governance publique: um constat sans concessionquelques solutions sans idologie. Paris: Gaulino diteur, 2004.
[3] Essa idia tm-se expressa inclusive no texto aprovado inclusive pelo Brasil de Cdigo
Ibero-Americano de Bom Governo, Disponvel em , ltima consulta em 24 de
abril de 2008.
[4] FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental boa
administrao pblica. So Paulo: Malheiros Editores, 2007.
http://www.transparencia.org.es/CLAD%202006%20Codigo%20iberoamericano%20buen%20gobierno.pdhttp://www.transparencia.org.es/CLAD%202006%20Codigo%20iberoamericano%20buen%20gobierno.pdhttp://www.transparencia.org.es/CLAD%202006%20Codigo%20iberoamericano%20buen%20gobierno.pdhttp://www.transparencia.org.es/CLAD%202006%20Codigo%20iberoamericano%20buen%20gobierno.pdhttp://www.transparencia.org.es/CLAD%202006%20Codigo%20iberoamericano%20buen%20gobierno.pdhttp://www.transparencia.org.es/CLAD%202006%20Codigo%20iberoamericano%20buen%20gobierno.pd8/7/2019 Transparencia - Vanice Lirio
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[5] VALLE, Vanice Lrio do. Dever constitucional de enunciao de polticas pblicas e
autovinculao: caminhos possveis de controle jurisdicional. Frum Administrativo Direito
Pblico FA. Belo Horizonte, ano 7, n 82, dez. 2007, p. 7-19.
[6] RODRGUEZ-ARANA, Jaime. El derecho fundamental al buen gobierno y a la buena
administracin de instituciones pblicas. Texto de la intervencin del autor en el seminario quesobre el derecho a la buena administracin pblica organiz en Avila los das 19 y 20 de marzo
de 2007 la Escuela de Administracin Pblica de Castilla-Len. Disponvel em ,
ltima consulta em 10 de fevereiro de 2008.
[7] O terreno das decises e da gesto financeira das administraes municipais em verdade se
constituiu celeiro do desenvolvimento de prtica transparente, como a construo do oramento
participativo, e a instituio de outras esferas de anlise e controle.
Referncia bibliogrfica para este artigo:
VALLE, Vanice Lrio do. Transparncia e Governana: novas vertentes legitimadoras do agir dopoder. Direito Administrativo em Debate. Rio de Janeiro, abril, 2010. Disponvel na internet: Acesso em : xx de xxxxxxxxxx de xxxx.
http://www.ciberjure.com.pe/index.php?option=com_content&task=view&id=2232&Itemid=9http://www.ciberjure.com.pe/index.php?option=com_content&task=view&id=2232&Itemid=9http://www.ciberjure.com.pe/index.php?option=com_content&task=view&id=2232&Itemid=9http://www.ciberjure.com.pe/index.php?option=com_content&task=view&id=2232&Itemid=9