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tratamento de águas residuárias
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA DEPARTAMENTO DE CINCIAS AGRONMICAS E AMBIENTAIS
CURSO DE ENGENHARIA AMBIENTAL
TRATAMENTO DE GUAS RESIDURIAS DE BOVINOCULTURA DE LEITE NO BRASIL
SITUAO ATUAL E POSSIBILIDADES
TRABALHO DE CONCLUSO DE CURSO
Samara Terezinha Decezaro
Frederico Westphalen, RS, Brasil
2013
TRATAMENTO DE GUAS RESIDURIAS DE BOVINOCULTURA DE LEITE NO BRASIL SITUAO
ATUAL E POSSIBILIDADES
Samara Terezinha Decezaro
Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de Engenharia Ambiental da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como
requisito parcial para obteno do grau de Engenheira Ambiental
Orientador: Dr. Raphael Corra Medeiros Co-orientador: Dr. Pablo Heleno Sezerino
Frederico Westphalen, RS, Brasil
2013
AGRADECIMENTOS
Primeiramente Deus, por sempre iluminar meus passos.
minha famlia e ao meu noivo Giliarde Tavares da Silva, pelo incentivo, motivao
e apoio.
Ao professor Dr. Raphael Corra Medeiros, pela valiosa orientao no
desenvolvimento deste trabalho.
Ao professor Dr. Pablo Heleno Sezerino, pela confiana depositada em mim na
iniciao cientfica, pelos conselhos e pela amizade.
Catiane Pelissari, pelo companheirismo nos trabalhos a campo e laboratrio.
Aos acadmicos do Curso de Engenharia Ambiental da UFSM, em especial ao Igor
Bergmann, pela ajuda nos trabalhos a campo.
Aos colegas do NUPEEA pela amizade.
todos os professores do Curso de Engenharia Ambiental, que de uma ou outra
forma contriburam para o desenvolvimento deste trabalho.
Muito obrigada!
Suba o primeiro degrau com f. No
necessrio que voc veja toda a
escada. Apenas d o primeiro passo.
(Martin Luther King)
RESUMO
Trabalho de Concluso de Curso Curso de Engenharia Ambiental
Universidade Federal de Santa Maria
TRATAMENTO DE GUAS RESIDURIAS DE BOVINOCULTURA DE LEITE NO BRASIL SITUAO ATUAL E POSSIBILIDADES
AUTORA: SAMARA TEREZINHA DECEZARO
ORIENTADOR: RAPHAEL CORRA MEDEIROS Data e Local da Defesa: Frederico Westphalen, 16 de dezembro de 2013.
A bovinocultura de leite uma atividade de reconhecida importncia econmica no Brasil, contudo, responsvel pela gerao de grande volume de guas residurias, que necessitam de tratamento adequado. Diante disso, o objetivo deste trabalho apresentar alternativas para tratamento de efluentes de bovinocultura leiteira no Brasil, a partir de uma reviso de literatura a nvel nacional e da avaliao de um sistema experimental composto por wetlands construdos, na regio noroeste do Rio Grande do Sul. O levantamento das alternativas de tratamento j estudadas no Brasil consistiu na busca por textos cientficos nacionais publicados a partir do ano 2000. Quanto ao sistema experimental, a metodologia consistiu na implantao, operao e monitoramento fsico-qumico (durante 1 ano) de dois wetlands, sendo um de fluxo horizontal WCFH (26,5 m2 de rea) e outro de fluxo vertical WCFV (14,3 m2 de rea), plantados com Typha sp. Os resultados obtidos apontaram: Existem esforos no pas para implantao de tecnologias de tratamento que apresentem baixos custos de implantao e operao, simplicidade operacional e que possam viabilizar o reuso do efluente tratado e/ou a produo de energia, sendo, de acordo com a reviso de literatura, os sistemas de lagoas e wetlands construdos os que apresentaram as menores concentraes efluentes de matria orgnica e de nutrientes. A avaliao das unidades wetlands experimentais tambm demonstrou que este tipo de sistema, principalmente os WCFH, so uma tecnologia vivel para tratamento de efluentes de bovinocultura leiteira, notadamente na Mesorregio Noroeste Rio-Grandense, com grande potencial de aplicao nas propriedades produtoras de leite do Brasil.
Palavras-chave: Sala de ordenha. Efluentes. Resduos agroindustriais. Tratamento. Wetlands construdos.
ABSTRACT
The dairy cattle is an important economic activity recognized in Brazil, however, responsible for generating large volumes of wastewater that require proper treatment. Thus, the aim of this paper is to present alternatives for dairy parlors wastewater treatment in Brazil, from a national literature review and evaluation of an experimental system of constructed wetlands in the northwest region of Rio Grande do Sul. The treatment alternatives already studied in Brazil were searched in national scientific texts published since 2000. For the experimental system, the methodology was implementation, operation and physic-chemical monitoring (for 1 year) of two wetlands: horizontal flow - WCFH (26.5 m2 of area ) and vertical flow - WCFV (14.3 m2 of area), both planted with Typha sp. The results showed: There are efforts in the country to implement treatment technologies that have low implementation and operation costs, operational simplicity, and to make possible the reuse of treated effluent and / or energy production. According to the review literature, stabilization ponds and constructed wetlands systems were those who had the lowest effluent concentrations of organic matter and nutrients. The evaluation of experimental wetlands units also showed that this kind of system, especially WCFH are a viable technology for treating dairy parlors wastewater, especially in northwest region of Rio Grande do Sul, with great application potential in the milk producing properties located in Brazil. Keywords: Dairy parlors. Wastewater. Agroindustrial waste. Treatment. Constructed wetlands.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Estados brasileiros com as maiores produes de leite, em 2011. ........... 17
Figura 2 Configuraes de filtros anaerbios de fluxo ascendente e descendente 25
Figura 3 Esquema de sistema de tratamento com filtro anaerbio, seguido de
lagoa facultativa. ....................................................................................................... 26
Figura 4 Representao esquemtica de um reator UASB. ................................... 27
Figura 5 Esquema de sistema de tratamento com reator UASB seguido de lagoa
facultativa. ................................................................................................................. 28
Figura 6 Fotografia de um biodigestor do tipo canadense...................................... 29
Figura 7 Esquema de um filtro biolgico percolador. ............................................. 30
Figura 8 Fluxograma tpico de um sistema de lodos ativados convencional. ......... 31
Figura 9 Sistemas de lagoas de estabilizao: a) Sistema com lagoa facultativa; b)
Sistema com lagoa anaerbia seguida de lagoa facultativa; c) Sistema com lagoa
aerada de mistura completa seguida de unidade de decantao. ............................ 32
Figura 10 Esquema de sistema de infiltrao-percolao, em canais de infiltrao.
.................................................................................................................................. 34
Figura 11 Esquema de sistema de tratamento por escoamento superficial. .......... 34
Figura 12 Esquema da tcnica da fertirrigao de culturas agrcolas (infiltrao
lenta). ........................................................................................................................ 35
Figura 13 Classificao dos wetlands construdos. ................................................ 36
Figura 14 Esquema representando um WCFH. 1) afluente; 2) macrfitas; 3)
impermeabilizao; 4) zona de entrada; 5) tubulao de alimentao; 6) material
filtrante; 7) sentido do fluxo; 8) zona de sada; 9) tubulao de coleta; 10) controlador
de nvel. ..................................................................................................................... 37
Figura 15 - Esquema representando um WCFV. 1) afluente; 2) macrfitas; 3)
material filtrante; 4) tubulao de alimentao; 5) sentido do fluxo; 6) tubulao de
coleta; 7) impermeabilizao; 8) controlador de nvel; 9) efluente. ........................... 38
Figura 16 Distribuio dos tratamentos .................................................................. 42
Figura 17 Localizao do municpio de Frederico Westphalen, mesorregio
noroeste Rio-Grandense. .......................................................................................... 52
Figura 18 - Instalaes da bovinocultura de leite do CAFW ...................................... 53
Figura 19 - Estrutura do sistema experimental .......................................................... 53
Figura 20 Escavao em solo e impermeabilizao dos wetlands. ........................ 55
Figura 21 Preenchimento dos wetlands com areia e brita 1 ................................... 57
Figura 22 Curva granulomtrica obtida para a areia empregada nos wetlands ..... 57
Figura 23 Tubulaes do WCFV. a) tubulao de coleta/drenagem; b) tubulao de
alimentao. .............................................................................................................. 58
Figura 24 - Tubulaes empregadas no WCFH; a) vista da tubulao de alimentao
do leito; b) detalhe da perfurao da tubulao de coleta. ........................................ 59
Figura 25 a) Retirada da macrfita do habitat natural; (b) Plantio nos wetlands. ... 60
Figura 26 Vista geral do sistema experimental recm implantado. ....................... 61
Figura 27 Concentrao de DQO afluente e efluente dos wetlands tratando guas
residurias de bovinocultura. ..................................................................................... 65
Figura 28 Concentrao de DBO afluente e efluente dos wetlands tratando guas
residurias de bovinocultura. ..................................................................................... 66
Figura 29 Concentrao de slidos totais afluente e efluente dos wetlands tratando
guas residurias de bovinocultura. .......................................................................... 67
Figura 30 Concentrao de slidos suspensos afluente e efluente dos wetlands
tratando guas residurias de bovinocultura. ............................................................ 68
Figura 31 - Propores mdias das diferentes formas nitrogenadas no efluente dos
tratamentos utilizados para guas residurias de bovinocultura. .............................. 69
Figura 32 Concentrao de NTK afluente e efluente dos wetlands tratando guas
residurias de bovinocultura. ..................................................................................... 70
Figura 33 Concentrao N-NH4+ afluente e efluente dos wetlands tratando guas
residurias de bovinocultura. ..................................................................................... 70
Figura 34 Concentrao de P-PO43- afluente e efluente dos wetlands tratando
guas residurias de bovinocultura. .......................................................................... 71
Figura 35 - Comportamento evolutivo de P-PO43- do afluente e efluente dos wetlands
tratando guas residurias de bovinocultura. ............................................................ 72
Figura 36 Cargas aplicadas nos wetlands e as respectivas eficincias de remoo.
.................................................................................................................................. 75
Figura 37 Fotografia do sistema experimental em dezembro de 2012. .................. 76
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Efetivo de vacas ordenhadas e produo de leite, total e variao
percentual, segundo as Unidades da Federao - 2010-2011. ................................. 16
Tabela 2 Gerao de resduos por bovinos de leite no Brasil, ano base 2009. ...... 19
Tabela 3 - Comparao fsico-qumica de efluentes produzidos em instalaes de
bovinocultura de leite e efluente domstico, apresentados pela literatura. ............... 21
Tabela 4 Bases de dados consultadas ................................................................... 41
Tabela 5 - Alternativas de tratamento apontadas para tratamento de guas
residurias de bovinocultura de leite no Brasil. ......................................................... 42
Tabela 6 - Desempenho de diferentes tratamentos, aplicados a guas residurias de
bovinocultura de leite................................................................................................. 48
Tabela 7 - Parmetros analisados e metodologia empregada. ................................. 54
Tabela 8 Caractersticas fsicas dos wetlands. ....................................................... 55
Tabela 9 Valores mdios, mnimos e mximos e desvios-padro (DP) obtidos em
anlises dos efluentes da lagoa de decantao, do WCFH e do WCFV
(novembro/2011 a outubro/2012). ............................................................................. 63
Tabela 10 Resultado estatstico obtido com o teste ANOVA para o WCFH e para o
WCFV. ....................................................................................................................... 73
Tabela 11 Cargas mdias aplicadas e removidas no WCFH. ................................ 74
Tabela 12 Cargas aplicadas e removidas no WCFV. ............................................. 74
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas
ANOVA Anlise de Varincia
APHA American Public Health Association
CAFW Colgio Agrcola de Frederico Westphalen
CONSEMA Conselho Estadual do Meio Ambiente
CF Coliformes fecais
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
CTC Capacidade de troca catinica
D10 Dimetro Efetivo
D60 Dimetro a 60 %
DBO5,20 Demanda Bioqumica de Oxignio, 5 dias de incubao, a 20oC
DN Dimetro Nominal
DP Desvio Padro
DQO Demanda Qumica de Oxignio
E. coli Escherichia coli
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria
ETE Estao de Tratamento de Efluentes
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
LD Lagoa de Decantao
LMCC Laboratrio de Materiais de Construo Civil
NMP Nmero Mais Provvel
Norg Nitrognio Orgnico
NRCS Natural Resources Conservation Service
NT Nitrognio Total
NTK Nitrognio Total Kjeldhal
N-NH4 Nitrognio Amoniacal
N-NO2- Nitrognio Nitrito
N-NO3- Nitrognio Nitrato
NUPEEA Ncleo de Pesquisa e Extenso em Engenharia Ambiental
OD Oxignio Dissolvido
pH Potencial Hidrogeninico
P-PO43- Fsforo Ortofosfato
PVC Polyvinyl chloride
SS Slidos Suspensos
SSD Slidos Sedimentveis
ST Slidos Totais
STF Slidos Totais Fixos
STV Slidos Totais Volteis
T Temperatura
TDH Tempo de Deteno Hidrulica
U Coeficiente de Uniformidade
UASB Upflow Anaerobic Sludge Blanket
UFSM Universidade Federal de Santa Maria
WCFH Wetland Construdo de Fluxo Horizontal
WCFV Wetland Construdo de Fluxo Vertical
SUMRIO
1 CONSIDERAES INICIAIS ............................................................................. 13 1.1 Objetivos ........................................................................................................ 14
1.1.1 Objetivo geral ............................................................................................... 14 1.1.2 Objetivos especficos ................................................................................... 14 2 REVISO DA LITERATURA .............................................................................. 15 2.1 Situao da atividade leiteira no Brasil ....................................................... 15 2.2 Gerao de resduos pela atividade leiteira ................................................ 18 2.3 Caracterizao das guas residurias de bovinocultura de leite ............. 20 2.4 Manejo dos resduos de bovinocultura de leite .......................................... 21 2.5 Principais mtodos de tratamento de efluentes de bovinocultura ........... 24
2.5.1 Filtros anaerbios ......................................................................................... 24 2.5.2 Reatores UASB ............................................................................................ 26 2.5.3 Biodigestores................................................................................................ 28 2.5.4 Filtros biolgicos percoladores ..................................................................... 29 2.5.5 Lodos ativados ............................................................................................. 30 2.5.6 Lagoas de estabilizao ............................................................................... 31 2.5.7 Disposio no solo ....................................................................................... 33 2.5.8 Wetlands construdos ................................................................................... 35 3 TRATAMENTO DE GUAS RESIDURIAS DE BOVINOCULTURA DE LEITE NO BRASIL ESTADO DA ARTE ........................................................................... 39 3.1 Introduo ...................................................................................................... 39 3.2 Metodologia ................................................................................................... 40 3.3 Resultados e discusso ................................................................................ 40 3.4 Concluses .................................................................................................... 49 4 WETLANDS CONSTRUDOS PARA TRATAMENTO DE EFLUENTES DE BOVINOCULTURA DE LEITE NA MESORREGIO NOROESTE DO RIO GRANDE DO SUL ..................................................................................................................... 50 4.1 Introduo ...................................................................................................... 50 4.2 Metodologia ................................................................................................... 51 4.3 Resultados e discusso ................................................................................ 54
4.3.1 Construo do sistema experimental ........................................................... 54 4.3.2 Aspectos operacionais ................................................................................. 61 4.3.3 Qualidade do efluente tratado ...................................................................... 62 4.3.4 Desempenho global dos wetlands ................................................................ 73 4.4 Concluso ...................................................................................................... 76 5 CONCLUSES E RECOMENDAES ............................................................. 78 REFERNCIAS ......................................................................................................... 79
1 CONSIDERAES INICIAIS
A bovinocultura de leite uma atividade de grande importncia econmica no
Brasil e apresenta-se em crescente expanso. Segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatstica (IBGE), em 2011 foram produzidos no Brasil 32,096 bilhes
de litros de leite.
Esta produo acarreta na gerao de grande volume de guas residurias
que apresentam potencial para a poluio, de forma que a simples disposio
dessas guas residurias no solo sem tratamento adequado - prtica muito utilizada
quando se tem disponibilidade de rea - pode causar grande impacto por sobrecarga
de nutrientes no solo, podendo at mesmo ocasionar a eutrofizao dos cursos de
gua.
Diversas propostas para tratamento de efluentes desse tipo so apresentadas
em trabalhos publicados a nvel internacional, destacando-se os trabalhos de
Luostarinen e Rintala (2005), Dunne, et al. (2005), Gottschall, et al. (2007), Bolan, et
al. (2009), Ruane, et al. (2011), Rico, Garca e Rico (2011) e Comino, Riggio e
Rosso (2012), os quais citam as lagoas de estabilizao, os biodigestores, os filtros
aerbios, os reatores UASB (Upflow Anaerobic Sludge Blanket) e tambm os
wetlands construdos como opes para tratamento de efluentes de bovinocultura de
leite.
Os wetlands construdos destacam-se nesse contexto, como alternativa de
simples operao e de baixo custo de implantao e de manuteno, comparados
com tecnologias convencionais, sendo tambm atrativos para manter aspectos
paisagsticos do meio rural. Newman, et al. (2000) empregando um sistema de
wetlands no tratamento de efluentes de instalaes de bovinocultura de leite
encontraram eficincias mdias de remoo de 94%, 85%, 68%, 60% e 53% para
slidos suspensos totais, DBO5,20, fsforo total, nitratonitrito e nitrognio total
Kjedahl, respectivamente. Crolla e Kinsley (2002) apud Gottschall, et al. (2007)
tambm operaram, durante um perodo de quatro anos, wetlands para tratamento de
efluentes de instalaes de bovinocultura de leite e obtiveram eficincias mdias de
remoo de nitrognio total Kjedahl e fsforo total iguais a 72% e 58%,
respectivamente, em todo perodo de operao.
14
Contudo, pouco conhecimento se tem sobre as tecnologias j implantadas
para tratamento de guas residurias de bovinocultura de leite no Brasil e
principalmente sobre as experincias bem sucedidas. Salienta-se que o tratamento
dessas guas residurias deve ser adequado forma de produo, bem como a
legislao ambiental vigente, o que pode variar entre as regies produtoras de leite
do pas.
1.1 Objetivos
1.1.1 Objetivo geral
O principal objetivo deste trabalho apresentar alternativas para tratamento
de efluentes de bovinocultura leiteira no Brasil, a partir de uma reviso de literatura a
nvel nacional e da avaliao de um sistema experimental composto por wetlands
construdos, na regio noroeste do Rio Grande do Sul.
1.1.2 Objetivos especficos
Como objetivos especficos do trabalho, destacam-se:
(i) Implantar, operar, monitorar e avaliar duas unidades de tratamento de
efluentes do tipo wetlands construdos, uma de fluxo horizontal e outra
de fluxo vertical, implantadas em clima subtropical, regio noroeste do
Rio Grande do Sul;
(ii) Realizar uma reviso da literatura sobre as alternativas disponveis
para tratamento de guas residurias de bovinocultura de leite no
Brasil, com destaque para a aplicao de wetlands construdos para
tratamento desses efluentes.
2 REVISO DA LITERATURA
2.1 Situao da atividade leiteira no Brasil
De acordo com a Organizao das Naes Unidas para Agricultura e
Alimentao (FAO), o Brasil um dos maiores produtores de leite do mundo,
ocupando em 2010 o 5 lugar no ranking mundial. Os Estados Unidos lideram o
ranking de pases produtores, em sequncia aparecem ndia, China e Rssia
(EMBRAPA GADO DE LEITE, 2010).
No Brasil, a produo total de leite registrada pela Pesquisa da Pecuria
Municipal do IBGE foi de 32,091 bilhes de litros em 2011. Deste total, segundo a
Pesquisa Trimestral do Leite, realizada pelo IBGE, 67,9% foram adquiridos pela
indstria de laticnios sob inspeo sanitria. O restante desta produo deve-se ao
auto-consumo, produo artesanal de queijos e derivados, perdas, etc. (IBGE,
2011).
As condies edafoclimticas do Brasil possibilitam a adaptao da atividade
leiteira s peculiaridades regionais. Por essa razo, atualmente, a pecuria leiteira
praticada em todo territrio nacional e assim, existem diversos modelos ou formas
de produo de leite, com variados graus de especializao, incluindo desde
propriedades de subsistncia, as quais utilizam tcnicas rudimentares, com
produo diria inferior a 10 litros de leite at grandes propriedades produtoras que
utilizam tecnologias avanadas, com produo diria superior a 50 mil litros de leite
(ZOCCAL e GOMES, 2005).
Os dados da Pesquisa da Pecuria Municipal do IBGE (2011) mostram que a
produo nacional de leite apresenta-se em crescente expanso, sendo que no
comparativo entre 2010 e 2011 apresentou incremento de 4,5% (tabela 1 e figura 1).
Minas Gerais o estado brasileiro que mais se destaca na produo de leite, com
participao de 27,3%, seguido por Rio Grande do Sul (12,1%), Paran (11,9%) e
Gois (10,9%). Estes estados concentram 62,1% de todo o leite produzido no Pas.
Os trs municpios maiores produtores de leite no Brasil, em 2011, foram Castro
(PR), Patos de Minas (MG) e Jata (GO).
16
Tabela 1 - Efetivo de vacas ordenhadas e produo de leite, total e variao percentual, segundo as Unidades da Federao - 2010-2011.
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Agropecuria, Pesquisa da Pecuria Municipal
2010-2011.
17
Figura 1 Estados brasileiros com as maiores produes de leite, em 2011. Fonte: Elaborado a partir de dados do IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Agropecuria, Pesquisa da Pecuria Municipal 2010-2011.
Quanto a dados de produtividade, segundo o IBGE (2011), a maior
produtividade nacional de leite foi alcanada pelo Estado do Rio Grande do Sul
(2.536 litros/vaca/ano), seguido por Santa Catarina (2.478 litros/vaca/ano) e Paran
(2.404 litros/vaca/ano). Minas Gerais, embora seja o maior produtor nacional de leite
de vaca, ocupa a quarta posio em termos de produtividade, que, em 2011, ficou
em torno de 1.555 litros/vaca/ano. Roraima o estado com a menor produtividade
nacional, cerca de 309 litros/vaca/ano.
Segundo o IBGE (2011), os municpios brasileiros com as maiores
produtividades de leite produziram acima de 5.000 litros/vaca no ano de 2011, valor
muito similar mdia dos pases europeus e dos Estados Unidos. Os principais
municpios em produtividade leiteira esto localizados nos Estados de So Paulo, do
18
Paran e do Rio Grande do Sul, os quais apresentam uma pecuria leiteira
profissionalizada de alta tecnologia, com rebanho selecionado de aptido leiteira,
aliada a condies climticas favorveis (IBGE, 2011).
Conforme j citado, o Brasil apresenta grande variabilidade nos sistemas de
produo. Assis, et al. (2005) apresenta uma classificao que define quatro tipos de
sistemas de produo: extensivo, semi-extensivo, intensivo a pasto e intensivo em
confinamento. Essa classificao foi feita com base no grau de intensificao e nvel
de produtividade, caracterizados conforme alimentao volumosa adotada. A
descrio sobre as diferenas entre esses quatro tipos de sistemas, conforme Assis,
et al. (2005) apresentada a seguir:
Sistema extensivo: Animais com produo de at 1.200 litros de leite por vaca
ordenhada/ano, criados exclusivamente a pasto;
Sistema semi-extensivo: Animais com produo entre 1.200 e 2.000 litros de
leite por vaca ordenhada/ano, criados a pasto, com suplementao volumosa na
poca de menor crescimento do pasto;
Sistema intensivo a pasto: Animais com produo entre 2.000 e 4.500 litros
de leite por vaca ordenhada/ano, criados a pasto com forrageiras de alta capacidade
de suporte, com suplementao volumosa na poca de menor crescimento do pasto
ou, at mesmo, durante o ano todo;
Sistema intensivo em confinamento: Animais com produo acima de 4.500
litros de leite por vaca ordenhada/ano, mantidos em confinamento e alimentados no
cocho com forragens conservadas, como silagens e fenos.
Pohlmann (2000) afirma que no Brasil ainda predomina o manejo extensivo de
criao de bovinos, no qual os animais ficam soltos no pasto e os dejetos
espalhados pelo campo em grandes reas. Porm, segundo o mesmo autor, h forte
tendncia de aumento das criaes confinadas para os prximos anos.
2.2 Gerao de resduos pela atividade leiteira
Segundo Matos (2005), uma vaca leiteira com 400 Kg de peso mdio produz
38 a 50 Kg de excretas diariamente, sendo deste total, 28 a 32 Kg de fezes e o
restante, de urina. Contudo, na bovinocultura de leite, alm dos resduos gerados
19
pelos animais, devem ser considerados aqueles provenientes da retirada ou
processamento do leite (POHLMANN, 2000). Segundo Cronk (1996), a quantidade
de resduo lquido produzido em instalaes de bovinocultura de leite depende do
manejo adotado, de forma que o consumo de gua pode variar de 40 a 600 litros por
vaca ordenhada.
De acordo com Matos (2005), tanto a quantidade quanto as caractersticas
das guas residurias de criatrios de animais variam conforme a diluio
proporcionada pela adio de gua e tambm com o perodo do ano, dia da semana
e horrio do dia. Mas, de forma geral, o autor afirma que a vazo de guas
residurias geradas funo do nmero de animais confinados, da quantidade de
gua desperdiada nos bebedouros, da quantidade de gua utilizada na
higienizao das instalaes e transporte hidrulico dos dejetos e da existncia ou
no de sistemas de isolamento de guas pluviais.
Segundo Pohlmann (2000), o risco de impacto ambiental oriundo de criaes
de gado de leite maior do que o produzido por gado de corte, pois o gado de leite
produz quantidade superior de dejetos, sendo que, mesmo em criaes no
confinadas, ocorre a reteno dos animais em estbulos para ordenha e lavagem
dos equipamentos utilizados.
O Plano Nacional de Resduos Slidos - verso preliminar (BRASIL, 2011)
apresenta um levantamento de dados acerca da situao atual de gerao de
resduos agrosilvopastoris no Brasil, incluindo a gerao de resduos da atividade de
bovinocultura de leite e o potencial de gerao de energia dos mesmos. Os dados
do diagnstico so apresentados na tabela 2.
Tabela 2 Gerao de resduos por bovinos de leite no Brasil, ano base 2009.
Nmero de cabeas de bovinos de leite 22.435.289
Total de dejetos (t/ano) 316.909.675
Potencial energtico (MW/ano) 1.032
Fonte: Plano Nacional de Resduos Slidos (verso preliminar) (BRASIL, 2011).
20
Ainda segundo a verso preliminar do Plano Nacional de Resduos Slidos
(BRASIL, 2011), o crescimento do setor agrosilvopastoril nos ltimos anos indica
que a gerao de resduos continuar aumentando e por isso, o manejo, o
tratamento e a disposio desses resduos deve ser adequado, pois estas atividades
so extremamente dependentes do uso de recursos naturais.
2.3 Caracterizao das guas residurias de bovinocultura de leite
guas residurias provenientes de instalaes de bovinocultura de leite so
compostas principalmente por urina e esterco, como tambm detergentes oriundos
da limpeza da sala de ordenha, resduos de leite e muco (HEALY, RODGERS e
MULQUEEN, 2007). Alm de slidos e DBO, nutrientes como nitrognio e fsforo
so os constituintes mais importantes dessas guas residurias, os quais so
responsveis pela eutrofizao de corpos dgua (CRONK, 1996).
Segundo Derisio (1992) apud Campos (1997), a carga orgnica produzida por
uma vaca equivalente carga orgnica produzida por 16 pessoas, considerando
que no Brasil, uma pessoa elimina em mdia 54 g DBO5/dia (VON SPERLING,
2005). J para Matos (2005), o equivalente populacional de uma vaca leiteira pode
variar de 16 a 38 pessoas, dependendo da carga poluente da gua residuria de
bovinocultura leiteira.
Segundo Nennich, et al. (2005), o potencial nutricional dos dejetos de vacas
em lactao os torna passveis de tratamento e posterior reutilizao, devido aos
elevados teores de nutrientes, que so em torno de 0,491 Kg de nitrognio por dia,
0,074 Kg de fsforo por dia e de 0,223 Kg de potssio por dia.
Quando o manejo dos dejetos feito na fase lquida, os teores de
contaminantes presentes na gua residuria so normalmente expressos em mg/L.
As guas residurias provenientes de bovinocultura de leite apresentam
concentraes de contaminantes mais elevadas se comparadas com esgoto
domstico, conforme apresentado na tabela 3.
Contudo, Mantovi, et al. (2003) relata que difcil caracterizar efluentes
produzidos em sala de ordenha de bovinocultura, devido a ocorrncia constante de
variaes no nmero de vacas ordenhadas, na quantidade de gua e detergentes
21
utilizados, entre outros componentes empregados. Alm disso, de acordo com
Matos (2005), as caractersticas fsico-qumicas de guas residurias de criatrios
de animais dependem da digestibilidade, composio da rao e da idade dos
animais. Wood, et al. (2007) constataram um elevado desvio padro na
caracterizao de efluentes produzidos em sala de ordenha, os autores justificaram
essa variabilidade em funo das prticas operacionais do local de pesquisa.
Tabela 3 - Comparao fsico-qumica de efluentes produzidos em instalaes de bovinocultura de leite e efluente domstico, apresentados na literatura.
Tipo de efluente Autores DBO5,20 (mg/L)
DQO (mg/L)
NTK (mg/L)
N-NH4 (mg/L)
PTotal (mg/L)
SST (mg/L)
Efluente produzido em instalaes de
bovinocultura
Silva e Roston (2010)
- - - - - 3.585
Wood et al. (2007)
2.811 6.144 - 366 89,3 6.144
Mumoz, Drizo e Hession (2006)
1.200 - - 52 44 26
Newman et al. (2000)
2.680 - 102 7,8 25,7 1.284
Dunne et al. (2005)
2.300 - - 36,00 15 921
Efluente domstico Von Sperling
(1995) 350 700 - 30 14 1000
Fonte: Pelissari, 2013.
2.4 Manejo dos resduos de bovinocultura de leite
O manejo dos resduos de bovinocultura leiteira varia de acordo com o
sistema de produo adotado e com a consistncia do resduo (JOHANN, 2010).
Segundo Matos (2005), a fim de facilitar o transporte e a aplicao dos resduos em
reas de cultivo agrcola, a incorporao de gua aos dejetos frescos, tem se
tornado prtica frequente em vrios pases, principalmente naqueles que utilizam
tecnologias agropecurias mais avanadas.
De acordo com a EMBRAPA (2004), para um determinado sistema de
produo sempre h um sistema de manejo e tratamento mais adequado, sendo que
o contedo de umidade do esterco determina parcialmente como ele pode ser
manejado e armazenado. Segundo a classificao da EMBRAPA (2004), o esterco
22
pode ser classificado de acordo com sua consistncia, em: (i) Slido, com 16% ou
mais de slidos totais (ST); (ii) Semi-slido, com 12% a 16% de ST; (iii) Lquido, com
12% ou menos de ST.
Para a EMBRAPA (2004), existem vrias formas para manejo do esterco, de
acordo com a convenincia e o tipo de sistema de produo adotado, sendo: (i)
Convencional ou manejo de esterco na forma slida; (ii) Manejo de esterco lquido;
(iii) Manejo de esterco semi-slido ou misto; (iv) Manejo em lagoas de estabilizao;
(v) Compostagem; (vi) Combinaes dos sistemas anteriores. Cada um desses
sistemas descritos composto pelas fases de coleta, armazenamento, tratamento,
transporte e utilizao. A seguir consta a descrio de como ocorre o manejo do
esterco nas consistncias slido, semi-slido e lquido, conforme a EMBRAPA
(2004). Ressalta-se que o manejo de dejetos nos estados slido e semi-slido no
faz parte do escopo do presente trabalho, por isso, ser dado nfase no manejo do
esterco na forma lquida e nas respectivas possibilidades de tratamento.
Manejo do esterco na forma slida ou convencional
Nessa forma de manejo, o esterco seco raspado, manual ou
mecanicamente, e amontoado para coleta e transporte. O esterco retirado
diariamente e pode ter diferentes destinos, podendo ser: (i) Armazenado em locais
cobertos, ou no, para escoamento do excesso de umidade, e distribudo, em
seguida, nas reas de cultura; (ii) Levado para esterqueira ou para compostagem;
(iii) Distribudo diretamente nas reas de cultura.
prtica comum no Brasil, utilizar o esterco como fertilizante sem nenhum
tipo de processamento ou tratamento prvio. Em sistemas de confinamento de
bovinos leiteiros em baias coletivas, com utilizao de camas, a opo mais
econmica a distribuio do esterco diretamente nas reas de cultivo, onde a
incorporao ao solo se d por meio de arao ou gradagem.
23
Manejo do esterco semi-slido ou misto
O manejo do esterco na forma semi-slida ocorre quando a quantidade de
gua incorporada aos dejetos apenas suficiente para facilitar a remoo do esterco
das instalaes de bovinocultura, resultando em uma mistura com 12% a 16% de
slidos totais, considerada muito mida para o sistema convencional e pouco mida
para o sistema de irrigao. Nesse sistema de manejo, so utilizados tanques ou
fossas de armazenamento para posterior fertirrigao dos solos. Normalmente, a
distribuio do esterco semi-slido necessita de um distribuidor de esterco lquido
tracionado por trator ou de caminho-tanque, equipado com sistema vcuo-
compressor para as operaes de homogeneizao, carregamento e distribuio.
Manejo do esterco lquido
Para esse tipo de manejo, faz-se necessria a construo de tanques para
coleta, tratamento e homogeneizao do material proveniente da limpeza das
instalaes de bovinocultura. Os dejetos e os resduos da alimentao so diludos
em gua na proporo de 1:1 ou menos, de modo que a concentrao de ST seja
menor ou igual a 12%, a fim de permitir a utilizao de sistemas de irrigao com
equipamentos especiais. O volume dos tanques varia de acordo com o sistema de
tratamento adotado, com o tamanho do rebanho, o sistema de confinamento,
diluio dos dejetos, tempo de deteno hidrulica nos reatores biolgicos, tipo de
solo e culturas a serem irrigadas, manejo adotado para o sistema de irrigao
(fertirrigao) e quantidade de chuva que o sistema pode suportar.
Entre as principais vantagens desse sistema esto a liberao de mquinas e
equipamentos, como trator e implementos para outras atividades, baixa perda de
nutrientes quando as irrigaes so frequentes, economia de fertilizantes e
corretivos convencionais, conservao e melhoramento da fertilidade do solo,
possibilidade de reciclagem do esterco lquido tratado para limpeza hidrulica dos
galpes de confinamento e economia de gua, energia e mo-de-obra.
24
2.5 Principais mtodos de tratamento de efluentes de bovinocultura
Os principais mtodos para tratamento de efluentes agroindustriais so os
sistemas anaerbios (como os filtros anaerbios e os reatores UASB), os sistemas
de lagoas de estabilizao, os sistemas de lodos ativados e os sistemas wetlands
construdos (MATOS, 2005; JOHANN, 2010). Para tratamento de guas residurias
de bovinocultura de leite, existem diversas propostas publicados a nvel
internacional, destacando-se os trabalhos de Luostarinen e Rintala (2005), Dunne, et
al. (2005), Gottschall, et al. (2007), Bolan, et al. (2009), Ruane, et al. (2011), Rico,
Garca e Rico (2011) e Comino, Riggio e Rosso (2012), os quais citam no geral, as
lagoas de estabilizao, os biodigestores, os filtros aerbios, os reatores UASB e
tambm os wetlands construdos como opes de tratamento desses efluentes. A
seguir so descritos os principais mtodos de tratamento apresentados na literatura.
2.5.1 Filtros anaerbios
Os filtros anaerbios so caracterizados por terem parte do volume
preenchido com material inerte, onde ocorre imobilizao da biomassa por aderncia
em meio suporte fixo, que permanece estacionrio (CAMPOS, 1999). Segundo o
mesmo autor, nesses reatores, o fluxo hidrulico ocorre nos interstcios do material
suporte e o tratamento acontece pelo contato da biomassa com o esgoto, durante
sua passagem pelo reator.
Em geral, os filtros anaerbios so indicados para tratamento de guas
residurias caracterizadas por serem mais solveis ou quando os slidos orgnicos
de maiores dimenses forem retidos em uma unidade anterior, um decanto-digestor,
por exemplo (CAMPOS, 1999).
De acordo com Campos (1999), os filtros anaerbios podem ser de fluxo
ascendente ou descendente (figura 2). O filtro de fluxo ascendente caracterizado
por ter sempre o leito totalmente submerso. Por outro lado, o filtro de fluxo
descendente pode ser operado com o meio suporte afogado ou no, e, alm disso,
com ou sem recirculao de efluente. Em ambos os tipos de filtros, o lodo de
25
excesso que se desprende do meio suporte retirado do fundo do reator. Campos
(1999) afirma que em termos prticos, o filtro de fluxo ascendente tem sido mais
utilizado.
Segundo Matos (2005), os filtros anaerbios quando utilizados para
tratamento de efluentes agroindustriais, requerem unidades de decantao primria
montante (como fossas spticas ou tanques de Imhoff) e lagoa facultativa como
ps tratamento (figura 3). O emprego de uma lagoa facultativa objetiva melhor
condicionar o efluente para lanamento nos corpos receptores, pois a remoo de
DBO nos filtros anaerbios baixa, o efluente geralmente apresenta aspecto
desagradvel, concentrao elevada de nutrientes, slidos em suspenso e maus
odores (MATOS, 2005).
Figura 2 Configuraes de filtros anaerbios de fluxo ascendente e descendente. Fonte: Campos, 1999.
26
Figura 3 Esquema de sistema de tratamento com filtro anaerbio, seguido de lagoa facultativa. Fonte: Matos, 2005.
2.5.2 Reatores UASB
Os reatores UASB (Upflow Anaerobic Sludge Blanket), tambm denominados
de RAFA (Reatores Anaerbios de Fluxo Ascendente e de Manta de Lodo) so
vistos por Von Sperling (2005) como a principal tendncia atual de tratamento de
esgotos no Brasil, tanto como unidades nicas ou seguidas de ps-tratamento. Nos
reatores UASB a biomassa cresce dispersa no meio, formando pequenos grnulos,
os quais tendem a servir de meio suporte para outras bactrias. Nesses reatores, a
concentrao de biomassa bem elevada, o que justifica a denominao manta de
lodo, por isso, o volume requerido pelos reatores UASB bastante reduzido (VON
SPERLING, 2005).
Segundo Campos (1999), o reator UASB possibilita o tratamento direto das
guas residurias, sejam elas de origem simples ou complexa, de baixa a alta
concentrao, solveis ou com material particulado. O autor supe que o UASB ao
mesmo tempo um decantador primrio, um reator biolgico, um decantador
secundrio e tambm um digestor de lodo.
O fluxo do lquido nos reatores UASB ascendente, sendo que o lquido entra
no fundo e se encontra com o leito de lodo, onde a matria orgnica contida no
esgoto adsorvida pela biomassa. A parte superior desses reatores contm uma
27
estrutura denominada separador trifsico (separa o lquido, os slidos e os gases), o
qual responsvel por reter a biomassa no sistema, impedindo que ela saia com o
efluente. Dessa forma, devido elevada reteno de slidos, a idade do lodo
bastante elevada, e assim, o tempo de deteno hidrulica pode ser bastante
reduzido. O gs formado coletado na parte superior do reator, de onde pode ser
retirado e utilizado para gerao de energia a partir do metano ou queimado (VON
SPERLING, 2005). Na figura 4 apresentado um esquema do funcionamento de um
reator UASB.
Figura 4 Representao esquemtica de um reator UASB. Fonte: Campos, 1999.
De acordo com Matos (2005), a utilizao de efluente de UASB na
fertirrigao uma boa opo para efluentes agroindustriais, mas para o caso de
lanamento em corpos hdricos, o efluente de UASB necessita de um ps
tratamento, que pode ser obtido em uma lagoa facultativa (figura 5), por escoamento
superficial no solo ou em unidades wetlands construdos.
28
Figura 5 Esquema de sistema de tratamento com reator UASB seguido de lagoa facultativa. Fonte: Matos, 2005.
2.5.3 Biodigestores
Um biodigestor pode ser definido como uma cmara fechada, na qual uma
biomassa (em geral, resduos de animais) fermentada anaerobicamente,
produzindo biogs e biofertilizante (GASPAR, 2003). Segundo Neves (2010),
existem vrios modelos de biodigestores, porm o mais difundido no Brasil o
modelo canadense, feito com manta de PVC (figura 6).
A digesto anaerbica de esterco de gado leiteiro tem demonstrado ser uma
forma atrativa de tratamento, oferecendo diversas vantagens, como controle da
poluio, de odores, reduo de patgenos, recuperao de nutrientes e produo
de energia (AMON, et al., 2007; HARTMANN e AHRING, 2005; KARIM, et al., 2005;
UMETSU, et al., 2006 apud RICO, GARCA e RICO, 2011).
UASB
29
Figura 6 Fotografia de um biodigestor do tipo canadense. Fonte: Neves, 2010.
2.5.4 Filtros biolgicos percoladores
Os filtros biolgicos percoladores so reatores nos quais a biomassa cresce
aderida a um meio suporte (como pedras, brita, escria de alto-forno, ripas ou
material plstico), sobre o qual aplicado o esgoto (frequentemente atravs de
distribuidores rotativos), que percola em direo ao fundo, onde coletado (figura 7)
(VON SPERLING, 2005).
Segundo Von Sperling (2005), os filtros biolgicos so sistemas aerbios, pois
o ar circula nos espaos vazios do meio suporte, fornecendo oxignio para a
respirao dos micro-organismos. Existem dois tipos de filtros biolgicos
percoladores: (i) Filtros biolgicos percoladores de baixa carga recebem menor
carga de DBO, resultando numa estabilizao parcial do lodo e numa maior
eficincia na remoo de DBO; (ii) Filtros biolgicos percoladores de alta carga
recebem uma maior carga de DBO por unidade de volume do filtro, por isso, os
requisitos de rea so menores se comparados aos filtros de baixa carga, h
tambm, uma ligeira reduo na eficincia de remoo de DBO e no ocorre
digesto do lodo no filtro.
30
Figura 7 Esquema de um filtro biolgico percolador. Fonte: Von Sperling, 2005.
2.5.5 Lodos ativados
Os sistemas de Lodos Ativados tm como princpio bsico a recirculao dos
slidos (biomassa bacteriana), sedimentados em um decantador secundrio, os
quais retornam ao reator, aumentando o tempo de contato das bactrias com o
lquido o que consequentemente, aumenta a eficincia do sistema (MATOS, 2005).
Existem diversas variantes do sistema de lodos ativados. Von Sperling (2005)
destaca que as principais variantes so: (i) Lodos ativados convencional (fluxo
contnuo) (figura 8); (ii) Aerao prolongada (fluxo contnuo) a biomassa
permanece maior tempo no reator e em decorrncia, o lodo estabilizado; (iii)
Reatores sequenciais por batelada (operao intermitente) as etapas de reao e
sedimentao ocorrem no mesmo tanque, em fases diferentes. Segundo Matos
(2005), o lodo produzido em sistemas de Lodos Ativados deve ser periodicamente
removido e estabilizado antes de sua disposio final no meio ambiente.
De acordo com Matos (2005), os Lodos Ativados apresentam como
vantagens: a elevada eficincia na remoo de DBO, possibilidade de remoo de N
e P, baixos requisitos de rea, alm de reduzidas possibilidades de gerao de
maus odores e desenvolvimento de insetos e vermes. J entre as principais
desvantagens esto os elevados custos de implantao e operao, o alto consumo
de energia eltrica, a necessidade de conhecimento tcnico para operao, grande
31
sensibilidade do sistema a cargas txicas, alm da possibilidade de ocorrncia de
rudos e exalao de aerossis (MATOS, 2005).
Figura 8 Fluxograma tpico de um sistema de lodos ativados convencional.
Fonte: Adaptado de Von Sperling, 2005.
2.5.6 Lagoas de estabilizao
As lagoas de estabilizao so unidades projetadas para tratar guas
residurias por mecanismos predominantemente biolgicos. De acordo com Von
Sperling (2005), as lagoas de estabilizao podem ser classificadas em: Lagoas
facultativas, sistemas de lagoas anaerbias seguidas de lagoas facultativas, lagoas
aeradas facultativas, sistemas de lagoas aeradas de mistura completa seguidas de
lagoas de sedimentao, lagoas de alta taxa, lagoas de maturao e lagoas de
polimento. A escolha entre as diversas configuraes de tratamento citadas depende
da disponibilidade de rea junto fonte geradora da gua residuria, da taxa de
gerao, da velocidade exigida no tratamento e da localizao (distncia de reas
residenciais) (MATOS, 2005).
As lagoas de estabilizao, notadamente as lagoas facultativas, as lagoas
aeradas e os sistemas de lagoas anaerbias seguidas de lagoas facultativas, tm
sido muito utilizadas para tratamento de guas residurias ricas em matria
orgnica, sendo muito adequadas no caso das agroindustriais (MATOS, 2005).
32
So muitas as vantagens das lagoas de estabilizao, entre as principais
esto a satisfatria eficincia na remoo de DBO, razovel eficincia na remoo
de patgenos, construo, operao e manuteno simples e os reduzidos custos
de implantao e operao. Entre as principais desvantagens desse tipo de sistema
pode-se citar os elevados requisitos de rea, possibilidade de gerao de maus
odores (no caso de lagoa anaerbia), necessidade de afastamento de residncias e
a performance extremamente dependente das condies climticas.
Na figura 9 so apresentadas as configuraes mais frequentes de lagoas de
estabilizao aplicadas ao tratamento de guas residurias agroindustriais, as quais
so descritas por Matos (2005).
Figura 9 Sistemas de lagoas de estabilizao: a) Sistema com lagoa facultativa; b) Sistema com lagoa anaerbia seguida de lagoa facultativa; c) Sistema com lagoa aerada de mistura completa seguida de unidade de decantao. Fonte: Adaptado de Matos, 2005.
33
2.5.7 Disposio no solo
A disposio de guas residurias agroindustriais no solo uma tcnica
atraente para a realidade brasileira, devido s condies de clima tropical e grande
disponibilidade de rea. Esta tcnica se baseia na capacidade depuradora do
sistema solo-planta, que utiliza mecanismos fsicos, qumicos e biolgicos de
remoo dos poluentes contidos nas guas residurias (ERTHAL, 2010a).
De acordo com Matos (2005), a disposio de efluentes no solo uma tcnica
de tratamento de grande potencial de aplicao, em vista dos baixos custos de
implantao e operao, por contribuir para a preservao do meio ambiente, por
possibilitar o aproveitamento dos nutrientes contidos na gua residuria para a
produo agrcola, e tambm, devido possibilidade de transformao dos resduos
gerados em fonte de renda ou benefcio social.
Essa tcnica tem mostrado grande viabilidade tcnica e econmica, podendo
ser uma forma de tratamento, tanto a nvel primrio, quanto a nvel secundrio ou
tercirio e/ou de disposio final (MATOS, 2005). Contudo, segundo o mesmo autor,
para disposio de guas residurias agroindustriais no solo, so necessrios
estudos que visem a definio de taxas de aplicao (considerando as capacidades
de suporte de cada solo) e que resguardem a integridade dos recursos naturais, a
fim de evitar problemas de qualidade ambiental.
De acordo com Matos (2005), as formas de disposio podem ser infiltrao-
percolao, escoamento superficial, fertirrigao e lanamento em reas alagadas
(wetlands construdos). No presente trabalho, no entanto, preferiu-se por abordar
separadamente os wetlands construdos (tem 2.5.8), de acordo com os objetivos
pr-estabelecidos.
O sistema de infiltrao-percolao, tambm chamado de infiltrao rpida,
caracterizado pela percolao da gua residuria, a qual filtrada na passagem pelo
solo e constitui recarga para guas freticas ou subterrneas (MATOS, 2005). De
acordo com Matos (2005), nesse sistema, o efluente disposto de forma
intermitente com altas taxas de aplicao (baixas perdas por evaporao) em bacias
rasas ou valas de infiltrao construdas em solos de alta permeabilidade (figura 10).
34
Figura 10 Esquema de sistema de infiltrao-percolao, em canais de infiltrao.
Fonte: Matos, 2005.
O mtodo de escoamento superficial uma forma de disposio/tratamento
que consiste na aplicao controlada e de forma intermitente de guas residurias
no solo, de forma que essas escoem, rampa abaixo, at alcanar canais de coleta
(figura 11) (VON SPERLING, 2005). Segundo Von Sperling (2005), os solos
indicados para esse tipo de tratamento/disposio final so os de baixa
permeabilidade (como os argilosos), contendo uma inclinao moderada (entre 2 e
8%).
Figura 11 Esquema de sistema de tratamento por escoamento superficial. Fonte: Matos, 2005.
35
J a fertirrigao (figura 12), diferentemente dos mtodos mencionados
anteriormente, uma tcnica de disposio/tratamento onde prioriza-se o
aproveitamento dos nutrientes contidos nas guas residurias. Para isso, as taxas
de aplicao de guas residurias agroindustriais no solo devem ser baseadas na
dose de nutrientes recomendadas para as culturas agrcolas (MATOS, 2005).
Figura 12 Esquema da tcnica da fertirrigao de culturas agrcolas (infiltrao lenta). Fonte: Matos, 2005.
2.5.8 Wetlands construdos
Os wetlands construdos so sistemas de tratamento de guas residurias
projetados para imitar o papel de depurao que naturalmente ocorre em
ambientes alagados naturais (como brejos e pntanos). De forma geral, so lagoas
ou canais rasos que abrigam plantas aquticas e que baseiam-se em mecanismos
fsicos, qumicos e biolgicos para tratar guas residurias.
Existem vrias configuraes de wetlands construdos. A figura 13 apresenta
uma classificao dos wetlands construdos em dois grandes grupos: (i) de
escoamento superficial; (ii) de escoamento subsuperficial. Porm, nesse estudo,
sero abordados apenas os wetlands de escoamento subsuperficial.
36
Os wetlands construdos de escoamento subsuperficial so mdulos
normalmente escavados no terreno, que contm um material de recheio (brita, areia
ou cascalho) no qual o efluente a ser tratado percola, dependendo do tipo de fluxo
empregado, no sentido horizontal (wetlands construdos de fluxo horizontal WCFH)
ou vertical (wetlands construdos de fluxo vertical WCFV).
Figura 13 Classificao dos wetlands construdos.
Fonte: Adaptado de Vymazal e Kroepfelov, 2008.
Wetlands construdos de fluxo horizontal (WCFH)
Nos WCFH (figura 14) o efluente disposto em uma camada de brita,
denominada zona de entrada, percola pelo material filtrante, geralmente areia, at
atingir a poro final do filtro, tambm composta por brita, devido a uma declividade
de fundo. Os WCFH apresentam-se como sistemas eficientes na remoo de slidos
suspensos, matria orgnica carboncea (DBO5,20), e nitrogenada - desde que o
sistema receba efluente parcialmente nitrificado (COOPER, et al., 1996).
37
Figura 14 Esquema representando um WCFH. 1) afluente; 2) macrfitas; 3) impermeabilizao; 4) zona de entrada; 5) tubulao de alimentao; 6) material filtrante; 7) sentido do fluxo; 8) zona de sada; 9) tubulao de coleta; 10) controlador de nvel.
Fonte: Pelissari, 2013.
Wetlands construdos de fluxo vertical (WCFV)
Nos WCFV (figura 15) o efluente a ser tratado disposto intermitentemente,
sobre a superfcie do mdulo de tratamento, e percola verticalmente ao longo de
todo o perfil vertical, sendo coletado no fundo por meio de um sistema de
drenagem/coleta (PHILIPPI e SEZERINO, 2004). Os WCFV, assim como os WCFH,
tambm so eficientes na remoo de matria orgnica carboncea e slidos
suspensos, mas diferem destes por apresentar configurao que favorece a
converso de matria orgnica nitrogenada por nitrificao (IWA, 2000; PHILIPPI e
SEZERINO, 2004; KAYSER e KUNST, 2005).
38
Figura 15 - Esquema representando um WCFV. 1) afluente; 2) macrfitas; 3) material filtrante; 4) tubulao de alimentao; 5) sentido do fluxo; 6) tubulao de coleta; 7) impermeabilizao; 8) controlador de nvel; 9) efluente. Fonte: Pelissari, 2013.
3 TRATAMENTO DE GUAS RESIDURIAS DE BOVINOCULTURA DE LEITE NO BRASIL ESTADO DA ARTE
3.1 Introduo
A bovinocultura de leite uma atividade de grande importncia econmica
para o Brasil. Em 2011, a produo total de leite registrada pela Pesquisa da
Pecuria Municipal do IBGE foi de 32,091 bilhes de litros (IBGE, 2011). Essa
produo ocorre em praticamente todo territrio nacional e apresenta forte tendncia
de crescimento para os prximos anos.
Contudo, a expanso da bovinocultura de leite no pas, exige o
desenvolvimento de tecnologias que possibilitem a mitigao do impacto ambiental
gerado na atividade, que pode causar poluio do ar, do solo e dos recursos
hdricos. As guas residurias de bovinocultura de leite, segundo Rico, Garca e
Rico (2011), esto entre as guas residurias agroindustriais mais poluentes, pois
fazendas de gado leiteiro produzem efluentes com altas concentraes de matria
orgnica, nitrognio e fsforo, que quando mal gerenciados podem causar graves
problemas ambientais.
Diversas propostas para tratamento de guas residurias de bovinocultura de
leite so apresentadas em trabalhos publicados a nvel internacional, destacando-se
os trabalhos de Luostarinen e Rintala (2005), Dunne, et al. (2005), Gottschall, et al.
(2007), Bolan, et al. (2009), Ruane, et al. (2011), Rico, Garca e Rico (2011) e
Comino, Riggio e Rosso (2012). Contudo, pouco conhecimento se tem sobre as
tecnologias j implantadas para tratamento desse tipo de gua residuria no Brasil e
principalmente, sobre as experincias bem sucedidas. importante destacar que o
tratamento dessas guas residurias deve ser adequado tanto forma de produo,
quanto legislao ambiental vigente nos estados produtores de leite do pas.
Diante do exposto, o principal objetivo deste captulo apresentar uma
reviso de literatura sobre as alternativas propostas e as experincias bem
sucedidas no Brasil para tratamento de efluentes de bovinocultura de leite, a fim de
possibilitar a disseminao dessas tecnologias, melhorando a qualidade ambiental.
40
3.2 Metodologia
A metodologia empregada consistiu na busca de textos cientficos nacionais
publicados em diversas bases de dados a partir do ano 2000, tomando-se como
base de busca por assunto as palavras-chave: bovinocultura de leite, tratamento de
efluentes e tratamento de dejetos.
Inicialmente, cada texto foi submetido a uma primeira etapa de consulta com
o objetivo de identificar as tecnologias utilizadas para tratamento de guas
residurias de bovinocultura de leite.
Aps esta primeira etapa, os textos foram submetidos a uma segunda etapa
de avaliao, buscando identificar aspectos gerais de cada trabalho, com nfase na
caracterizao qualitativa da gua residuria bruta, tratada e as respectivas
eficincias obtidas no tratamento. Para tanto, buscou-se identificar parmetros
fsico-qumicos, e biolgicos, tais como: DBO, DQO, pH, nitrognio, fsforo,
Coliformes fecais, E. coli, slidos, leos e graxas e turbidez.
3.3 Resultados e discusso
Na tabela 4 constam as bases de dados onde foram encontrados trabalhos
relacionados ao tratamento de efluentes de bovinocultura de leite no Brasil, bem
como os autores e a quantidade de trabalhos disponvel.
Tambm foi pesquisado em outras fontes, mas sem nenhuma ocorrncia, as
quais foram: Revista de Engenharia Sanitria e Ambiental, Revista Brasileira de
Engenharia Agrcola e Ambiental e Revista Ambiente e gua, alm de Congressos,
Seminrios e Simpsios relacionados.
Foram identificados ao todo 14 textos publicados no Brasil, distribudos entre
os seguintes estados: Paran (3), Minas Gerais (2), So Paulo (4), Rio Grande do
Sul (3) e Gois (2). Esses Estados, segundo o IBGE (2011) so os maiores
produtores de leite do Brasil (figura 1). Portanto, apesar dos poucos trabalhos
levantados na presente pesquisa, acredita-se que os mesmos so abrangentes e
41
podem representar significativamente a realidade brasileira quanto s alternativas
para tratamento de efluentes de bovinocultura de leite j estudadas.
Tabela 4 Bases de dados consultadas
Base de dados Autores Quantidade de trabalhos
SciELO
Silva (2010) Erthal (2010a) Erthal (2010b) Moraes e Paula Jnior (2004)
4
Biblioteca Digital de Teses e Dissertaes
Johann (2010) Coldebella (2006) Silva (2007) Erthal (2008) Souza (2005) Mendona (2009) Pohlmann (2000) Pelissari (2013)
8
Seminrio de Gesto Ambiental na Agropecuria Zaro, et al. (2012) Decezaro, et al. (2012)
2
Total 14
Na tabela 5 constam as alternativas de tratamento apontadas para guas
residurias de bovinocultura de leite, relatadas em um total de 13 trabalhos
levantados na literatura nacional. Na figura 16 est apresentada a distribuio em
percentual da utilizao dessas tecnologias com base nesses mesmos trabalhos.
42
Tabela 5 - Alternativas de tratamento apontadas para tratamento de guas residurias de bovinocultura de leite no Brasil.
Autor Tratamento adotado
Coldebella (2006) Biodigestor
Decezaro, et al. (2012) Lagoa de decantao wetlands construdos (2 unidades operando em paralelo)
Erthal (2008) Disposio no solo (fertirrigao)
Erthal, et al. (2010a) Disposio no solo (fertirrigao)
Erthal, et al. (2010b) Disposio no solo (fertirrigao)
Johann (2010) Decantao flotao desinfeco por radiao solar
Mendona (2009) Reatores anaerbios tubulares horizontais de fluxo contnuo (biodigestor tubular)
Moraes e Paula Jnior (2004) Reatores UASB
Pelissari (2013) Lagoa de decantao wetlands construdos (2 unidades operando em paralelo)
Silva (2007) Lagoa anaerbia lagoa facultativa wetland construdo
Silva e Roston (2010) Lagoa anaerbia lagoa facultativa wetland construdo
Souza (2005) Disposio no solo (fertirrigao)
Zaro, Rodrigues e Giustina (2012) Biodigestor (anlise de viabilidade de implantao)
Figura 16 Distribuio dos tratamentos
Lagoas - wetlands construdos
31%
UASB7%Biodigestor
23%
Disposio no solo
(fertirrigao)31%
Outros8%
43
Biodigestores
A utilizao de biodigestores para tratamento de efluentes de bovinocultura
leiteira foi relatada em 3 trabalhos (Coldebella, 2006; Mendona, 2009; Zaro,
Rodrigues e Giustina, 2012). Um biodigestor pode ser definido como uma cmara
fechada, na qual uma biomassa (em geral, resduos de animais) fermentada
anaerobicamente, produzindo biogs e biofertilizante (GASPAR, 2003). Segundo
Neves (2010), existem vrios modelos de biodigestores, porm o mais difundido no
Brasil o modelo canadense, feito com manta de PVC.
A digesto anaerbica de esterco de gado leiteiro tem demonstrado ser uma
forma atrativa de tratamento, oferecendo diversas vantagens, como controle da
poluio, de odores, reduo de patgenos, recuperao de nutrientes e produo
de energia (AMON, et al., 2007; HARTMANN e AHRING, 2005; KARIM, et al., 2005;
UMETSU, et al., 2006 apud RICO, GARCA e RICO, 2011).
Coldebella (2006) avaliou a viabilidade do uso de biogs proveniente de
biodigestor para gerao de energia eltrica e irrigao em propriedades rurais. O
autor concluiu que o uso de biodigestores em propriedades rurais alm de uma
excelente alternativa para tratamento dos efluentes lquidos de bovinocultura, pode
ser economicamente vivel quando o biogs e o biofertilizante so utilizados
adequadamente.
Mendona (2009) operando biodigestores com TDH = 20 dias e T = 30 C,
obteve remoes mdias de 83%, 76% e 86%, respectivamente para DQO, ST e
STV e operando com TDH=15 dias e T=35oC alcanou uma produo de 1,32 m3 de
biogs / Kg DQO.
Zaro, Rodrigues e Giustina (2012) em um estudo de viabilidade econmica e
ambiental para implantao de melhorias em uma propriedade leiteira de pequeno
porte no Rio Grande do Sul, dentre outras propostas, sugeriram a construo de um
biodigestor para o tratamento do esterco bovino e aproveitamento energtico do
biogs gerado.
44
Disposio no solo (fertirrigao)
A fertirrigao uma tcnica de disposio de efluentes no solo do tipo
infiltrao lenta que tem como principal objetivo o reso da gua para produo
agrcola, sendo que o tratamento de esgotos um objetivo adicional (VON
SPERLING, 2005).
Segundo Von Sperling (2005), os sistemas de fertirrigao so projetados
para satisfazer os requisitos de irrigao das culturas agrcolas. A fertirrigao
prioriza o aproveitamento dos nutrientes presentes na gua residuria, tais como
nitrognio, potssio e, principalmente, fsforo, os quais so fundamentais no cultivo
de solos pobres, como os que ocorrem na maior parte do Brasil (MATOS, 2005).
Segundo o mesmo autor, a utilizao de guas residurias ricas em nutrientes na
fertirrigao de culturas agrcolas aumenta a produtividade e a qualidade dos
produtos colhidos, melhora as caractersticas qumicas, fsicas e biolgicas do solo e
reduz a poluio ambiental.
Na presente reviso foram identificados 4 trabalhos que relatam a fertirrigao
para tratamento/disposio final das guas residurias de bovinocultura de leite
(Erthal, 2008; Erthal et al., 2010a; Erthal et al., 2010b e Souza, 2005) , os quais so
descritos a seguir.
Erthal (2008) e Erthal, et al. (2010b) avaliaram os efeitos da aplicao de
guas residurias de bovinocultura sobre as propriedades fsicas e qumicas de um
Argissolo Vermelho Eutrfico. Utilizando quatro taxas de aplicao da gua
residuria (25, 50, 75 e 100 kg ha-1 de K), os autores concluram que os valores de
pH, CTC, saturao por bases e concentraes de P, K, Ca e Mg, aumentaram com
acrscimos nas taxas de aplicao, nas camadas superficiais do solo. No ocorreu
salinizao do perfil do solo embora a porcentagem de argila dispersa em gua
tenha aumentado, indicando que a aplicao permanente da gua residuria pode
propiciar riscos de reduo da permeabilidade do solo.
Os trabalhos de Erthal (2008) e Erthal, et al. (2010a) avaliaram os efeitos da
aplicao de guas residurias de bovinocultura sobre as caractersticas fisiolgicas,
nutricionais e de produtividade do capim-Tifton 85 (Cynodon sp.) e da aveia preta
(Avena strigosa Schreb). Os resultados indicaram que a fertirrigao no causou
estresse osmtico nem toxicidade, mas propiciou absoro de nutrientes e
45
rendimento forrageiro em nveis prximos aos recomendados, podendo substituir
parcialmente a adubao mineral.
J Souza (2005), avaliou o desempenho de microaspersores e a
suscetibilidade dos mesmos ao entupimento quando operados com diferentes
concentraes de slidos totais na gua residuria de bovinocultura de leite.
Lagoas seguidas de wetlands construdos
Tanto as lagoas, sejam elas anaerbias, facultativas ou de decantao,
quanto os wetlands construdos so alternativas de tratamento atrativas para a
realidade da bovinocultura leiteira brasileira por serem sistemas de baixo custo de
implantao, operao e manuteno e de grande simplicidade operacional.
As lagoas de estabilizao so unidades projetadas para tratar guas
residurias por mecanismos predominantemente biolgicos. As lagoas de
estabilizao, notadamente as lagoas facultativas, as lagoas aeradas e os sistemas
de lagoas anaerbias seguidas de lagoas facultativas, tm sido muito utilizadas para
tratamento de guas residurias ricas em matria orgnica, sendo muito adequadas
no caso das agroindustriais (MATOS, 2005).
So muitas as vantagens das lagoas de estabilizao, entre as principais
esto a satisfatria eficincia na remoo de DBO, razovel eficincia na remoo
de patgenos, construo, operao e manuteno simples e os reduzidos custos
de implantao e operao. Entre as principais desvantagens desse tipo de sistema
pode-se citar os elevados requisitos de rea, possibilidade de gerao de maus
odores (no caso de lagoa anaerbia), necessidade de afastamento de residncias e
a performance extremamente dependente das condies climticas.
Os wetlands construdos so sistemas de tratamento de guas residurias
projetados para imitar o papel de depurao que naturalmente ocorre em
ambientes alagados naturais (como brejos e pntanos). De forma geral, so lagoas
ou canais rasos que abrigam plantas aquticas e que baseiam-se em mecanismos
fsicos, qumicos e biolgicos para tratar guas residurias. Os wetlands so
sistemas eficientes na remoo de slidos suspensos e matria orgnica
carboncea (DBO), e tambm apresentam possibilidade de remoo de nutrientes,
46
sendo que existem diversos arranjos tecnolgicos, dependendo do objetivo do
tratamento. Contudo, os wetlands construdos necessitam de unidades de
tratamento primrio montante. Diante disso, as diversas configuraes de lagoas
seguidas de wetlands se mostram atrativas.
Os trabalhos de Silva (2007) e de Silva e Roston (2010) apresentam a
avaliao de uma ETE piloto composta por trs unidades, sendo uma lagoa
anaerbia, uma lagoa facultativa e um ps-tratamento utilizando um wetland
construdo. Os resultados da pesquisa demonstraram remoes totais de 80% para
fsforo, 88% para amnia e nitrato, 89% para DQO, 67% para ST e 60% para
turbidez e o pH mdio das amostras foi de 6,2. Contudo, foi relatado que a lagoa
anaerbia projetada no suportou ao lanamento do efluente bruto, apresentando
grande quantidade de slidos flotantes, mas isso no resultou em mudanas nas
caractersticas do wetland, durante 280 dias de operao.
Decezaro, et al. (2012) avaliaram a implantao e o incio de operao de
duas unidades de wetlands construdos, um de fluxo horizontal (WCFH) e outro de
fluxo vertical (WCFV), empregadas em paralelo no ps-tratamento de efluentes de
lagoa de decantao, a qual recebia despejos de uma instalao de bovinocultura
de leite na regio noroeste do Rio Grande do Sul. O trabalho de Pelissari (2013)
apresenta os resultados de 12 meses de monitoramento do experimento descrito por
Decezaro, et al. (2012), os quais demonstraram eficincias mdias de remoo de
62%, 74%, 43%, 81%, 59% e 35% para DBO, DQO, ST, SS, N-NH4+ e P-PO4
3-,
respectivamente no WCFH e de 49%, 68%, 35%, 68%, 80% e 10% para DBO, DQO,
ST, SS, N-NH4+ e P-PO4
3-, respectivamente no WCFV, durante o perodo de estudo.
Reatores UASB
Os reatores UASB (Upflow Anaerobic Sludge Blanket) so considerados os
reatores anaerbios de maior sucesso, por serem capazes de formar agregados
densos por auto imobilizao e consequentemente permitirem a atuao do reator
em alta taxa (KALYUZHNYI, FEDOROVICH e LENS, 2006).
Segundo Campos (1999), o reator UASB um sistema compacto, com baixa
demanda de rea, baixo custo, baixa produo de lodo, baixa necessidade de
47
nutrientes (N e P), produo de biogs com valor energtico, baixo consumo de
energia, partida rpida aps longo perodo de parada, e lodo excedente mais
estabilizado, o que facilita a sua disposio final.
Tambm os reatores UASB foram avaliados para tratamento de guas
residurias de bovinocultura de leite, representados nessa pesquisa pelo trabalho de
Moraes e Paula Jnior (2004). Os autores avaliaram a biodegradabilidade de dejetos
da bovinocultura e da suinocultura, sendo que nos ensaios, foram utilizados lodos
granulados de trs origens diferentes (abatedouro de aves, bovinocultura ou
suinocultura), adaptados ou no. Foi utilizada uma relao de substrato:biomassa
igual a 0,5. Foram testados modelos cinticos dos tipos Monod, Ordem Zero,
Primeira e Segunda Ordem onde verificou-se que o modelo de Primeira Ordem foi o
que melhor se ajustou para os ensaios realizados.
Para fins de lanamento do efluente em corpos hdricos, Matos (2005) afirma
que o efluente do reator UASB necessita de um ps tratamento, que pode ser obtido
em uma lagoa facultativa, por escoamento superficial no solo ou em unidades
wetlands construdos.
Decantao flotao desinfeco por radiao solar
O tratamento composto por decantao seguida de flotao e desinfeco por
radiao solar foi proposto por Johann (2010), em sua dissertao de mestrado. Os
resultados da pesquisa demonstraram redues satisfatrias nas concentraes
afluentes, principalmente para DBO, DQO e N-total. No caso do sistema de
desinfeco com radiao solar os melhores resultados foram obtidos aps 24 horas
de exposio ao sol.
Comparao entre as alternativas apresentadas
Na tabela 6 consta o desempenho de diferentes tratamentos, selecionados a
partir desta reviso de literatura. Nessa tabela so apresentados os parmetros
48
avaliados em cada trabalho, a qualidade da gua residuria afluente e efluente aos
tratamentos e as respectivas eficincias de remoo de parmetros fsicos, qumicos
e biolgicos. Cabe ressaltar que nessa tabela esto apresentados os resultados
mais satisfatrios de cada trabalho.
Tabela 6 - Desempenho de diferentes tratamentos, aplicados a guas residurias de bovinocultura de leite.
Autor Tratamento adotado Parmetros Afluente Efluente Eficincia
Johann (2010)*
Decantao flotao desinfeco por radiao solar
DBO 3.500 102 97%
DQO 3.038 272,8 91%
SS 258 73,20 72%
N-total 30,52 5,04 83%
P-total 15,91 2,75 83%
CF 170.000
49
Resoluo CONAMA 430/2011, entre outras exigncias, estabelece que efluentes
de qualquer fonte poluidora somente podero ser lanados diretamente em corpos
receptores aps remoo mnima de 60% de DBO5,20, devendo conter no mximo 20
mg/L de nitrognio amoniacal total.
3.4 Concluses
Identificou-se tendncia pela utilizao de alternativas de tratamento que
visam o reuso do efluente (como a fertirrigao) e a produo de energia (como os
biodigestores) e tambm de alternativas de baixo custo e simplicidade operacional,
como as lagoas de estabilizao e os wetlands construdos.
Contudo, apesar das diversas tecnologias disponveis e aplicveis para
tratamento das guas residurias de bovinocultura de leite no Brasil, atualmente
predomina no pas a simples disposio dessas guas residurias no solo sem
nenhum tratamento e muitas vezes na ausncia de critrios que considerem as
caractersticas de cada tipo de solo e as necessidades nutricionais das culturas
agrcolas.
Diante do exposto, faz-se necessrio trabalhar para divulgao dessas
tecnologias, e tambm para estabelecer critrios que estimulem e viabilizem a
implementao dessas tecnologias em escala real nas unidades produtoras de leite
brasileiras.
4 WETLANDS CONSTRUDOS PARA TRATAMENTO DE EFLUENTES DE BOVINOCULTURA DE LEITE NA MESORREGIO NOROESTE DO RIO GRANDE DO SUL
4.1 Introduo
A atividade leiteira no estado do Rio Grande do Sul apresenta-se em
crescente expanso. O estado est enquadrado em segundo lugar no ranking
brasileiro de produo de leite, representando 12% da produo nacional (IBGE,
2011). Na mesorregio noroeste deste estado, a bovinocultura de leite se destaca
como uma das principais atividades agropecurias. Atualmente, esta mesorregio
a maior produtora de leite nacional, com um volume de produo estimada de
2.614.988 mil litros no ano de 2011 (ZOCCAL, 2012).
Contudo, essa produo acarreta na gerao de efluentes lquidos que
necessitam de gerenciamento adequado para garantir tal desenvolvimento e atender
aos padres estabelecidos pela legislao. Segundo Cronk (1996), alm de slidos
e DBO, nutrientes como nitrognio e fsforo so os constituintes mais importantes
em guas residuais de animais, os quais so responsveis pela eutrofizao
(CRONK, 1996).
Assim, percebe-se a necessidade de alternativas tecnolgicas para
tratamento desses efluentes. Nesse sentido, os wetlands construdos so uma
alternativa bastante atrativa. Os wetlands construdos vm sendo cada vez mais
utilizados no tratamento de guas residurias da agricultura por possibilitarem a
remoo de nutrientes, particularmente nitrognio e fsforo (GOTTSCHALL, et al.,
2007).
Existem vrias configuraes de wetlands construdos, entre os quais
destacam-se os de escoamento subsuperficial, tambm denominados de filtros
plantados com macrfitas. Esses sistemas so muitas vezes, mdulos escavados no
terreno, que dispem de um material de recheio (brita, areia ou cascalho) no qual o
efluente a ser tratado percola, dependendo do tipo de fluxo empregado, no sentido
horizontal ou vertical.
51
Os wetlands construdos de fluxo horizontal (WCFH) possuem zonas de
entrada e sada (geralmente compostas por brita), e material filtrante (geralmente
areia) preenchendo o restante do filtro. A alimentao ocorre por uma tubulao
disposta na zona de entrada, a partir da qual o efluente percola pelo material
filtrante, impulsionado por uma declividade de aproximadamente 1% no fundo at
chegar zona de sada, onde coletado por uma tubulao de sada/drenagem
(PELISSARI, 2013). J nos wetlands construdos de fluxo vertical (WCFV) a gua
residuria a ser tratada disposta na superfcie do leito e percorre um caminho
vertical, at atingir o fundo do leito, onde coletada. Segundo Cooper, et al. (1996),
os WCFV tm como caracterstica principal a alimentao intermitente, que promove
um grande arraste de oxignio atmosfrico para o material filtrante atravs da
conveco e difuso (COOPER et al. 1996).
Os WCFH apresentam, de forma geral, boa atuao na remoo de matria
orgnica e slidos em suspenso, mas possuem limitada atuao nas
transformaes das fraes nitrogenadas e fosforadas. J os WCFV vm sendo
utilizados para remoo de DBO, SS e tambm para a promoo de nitrificao, em
funo da aderncia de bactrias nitrificantes no material filtrante, e uma entrada de
oxignio superior demanda de converso da matria carboncea (SEZERINO,
2006).
Diante disso, este captulo tem como objetivo avaliar a implantao, operao
e performance de tratamento de duas unidades de wetlands construdos, uma de
fluxo horizontal e outra de fluxo vertical, no tratamento de efluentes de bovinocultura
de leite na regio noroeste do Rio Grande do Sul, sob clima subtropical.
4.2 Metodologia
A rea de estudo compreende as instalaes para manejo de bovinocultura
de leite do Colgio Agrcola de Frederico Westphalen CAFW, rea anexa
Universidade Federal de Santa Maria UFSM, campus de Frederico Westphalen,
cidade esta, localizada na Mesorregio Noroeste do Rio Grande do Sul (figura 17).
A bovinocultura de leite do CAFW possui 9 vacas em lactao, as quais
produzem um total 140 litros de leite por dia em duas ordenhas. A gerao de
52
efluente resultante das guas de lavagens estimada atravs do consumo de gua
dirio, em torno de 2.000 L/d.
A partir de um projeto de pesquisa financiado pelo CNPq (edital MCT/CNPq N
014/2010, sob registro junto a UFSM SIE 028374) foram instalados dois wetlands
construdos dos tipos WCFH e WCFV, em paralelo, no tratamento do efluente de
lagoa de decantao que recebe despejos da instalao de bovinocultura de leite.
Figura 17 Localizao do municpio de Frederico Westphalen, mesorregio noroeste Rio-Grandense.
O efluente gerado nas instalaes para manejo de bovinocultura de leite do
CAFW captado por canaletas, e segue por gravidade em duas linhas, uma linha
que conduz as guas de lavagem da sala de ordenha e outra da rea anexa,
utilizada para alimentao dos animais, as quais direcionam o efluente para a lagoa
de decantao existente (figura 18).
As unidades wetlands foram projetadas para operar no tratamento secundrio
do efluente gerado na lagoa de decantao, da seguinte forma: O efluente da lagoa
de decantao direcionado a um equalizador de 3.000 L para a partir deste tanque
53
ser distribudo s duas unidades wetlands, em paralelo, sendo para o WCFH 4.500
L/semana, distribudo apenas por gravidade e para o WCFV 4.500 L/semana, de
forma intermitente, atravs de um sistema de bombeamento controlado por um
temporizador. Aps passar pelos wetlands o efluente tratado segue para infiltrao
em solo, sendo que para cada wetland h uma vala de infiltrao. Na figura 19
apresentado um fluxograma da estrutura do sistema experimental.
Figura 18 - Instalaes da bovinocultura de leite do CAFW
Figura 19 - Estrutura do sistema experimental
54
O monitoramento do experimento compreendeu aes de controle de vazo,
plantio e replantio das macrfitas quando necessrio, coleta de amostras e anlises
laboratoriais. As anlises fsico-qumicas do efluente foram realizadas
semanalmente, aps coletas pontuais, s 9:00 horas, em 3 pontos, sendo: (i) ps
lagoa de decantao (no equalizador); (ii) - ps WCFH e (iii) - ps WCFV. Os
parmetros analisados e a metodologia empregada esto descritos na tabela 7.
Tabela 7 - Parmetros analisados e metodologia empregada.
4.3 Resultados e discusso
4.3.1 Construo do sistema experimental
A construo do sistema experimental iniciou-se em maro de 2011. O
dimensionamento foi realizado levando em considerao uma carga de 7,0 g
DBO/m2.dia segundo a recomendao da Natural Resources Conservation Service -
NRCS (1991) apud Healy, Rodgers e Mulqueen (2007) para o WCFH e de 20,0 g
DQO/m2 .dia para o WCFV, estabelecido por Winter e Goetz (2003).
Parmetros Metodologia empregada Unidade
pH Direto, Potenciomtrico, pHmetro T- 1000 - Tekna ------- DQO Refluxo fechado, APHA, 2005 mg/L
DBO5,20 Mtodo Manomtrico - APHA, 2005 mg/L Alcalinidade Mtodo Titulomtrico - APHA, 2005 mg/L
SS Mtodo gravimtrico - APHA, 2005 mg/L ST Mtodo gravimetrico - APHA, 2005 mg/L
NTK Macro-Kjeldahl - APHA, 2005 mg/L N-NH4 Mtodo Nessler - Vogel, 1981 mg/L N-NO2
- Mtodo Alfanaftilamina - APHA, 1998 mg/L N-NO3
- Mtodo Brucina - APHA, 1998 mg/L P-PO4
3- Mtodo Colorimtrico do Acdo Vanadomolibdofosfrico - APHA, 2005
mg/L
55
4.3.1.1 Escavao e Impermeabilizao
Os wetlands foram escavados no solo, em cota inferior lagoa de
decantao, cujas dimenses constam na tabela 8, sendo feita impermeabilizao
nas laterais e no fundo com duas camadas de lona plstica e manta de polister na
ltima camada (figura 20).
Tabela 8 Caractersticas fsicas dos wetlands.
Dimenses WCFH WCFV
rea superficial 26,5 m2 14,3 m2
Comprimento 6,7 m 4,4 m
Largura 3,95 3,25 m
Altura do filtro 1,15 m 1,15 m
Altura do substrato 0,80 m 0,80 m
Figura 20 Escavao em solo e impermeabilizao dos wetlands.
56
4.3.1.2 Preenchimento dos wetlands
Utilizou-se brita 1 e areia grossa como substrato. Na figura 21 est
apresentado como foi realizado o preenchimento dos wetlands com areia e brita.
Esse material foi disposto dentro dos leitos com o auxlio de uma mquina trator,
sendo seu espalhamento realizado manualmente, utilizando enxadas e ps,
tomando-se cuidado para no adensar a areia. Por isso, a utilizao de tbuas, para
melhor distribuio do peso dos trabalhadores em cima da areia, conforme figura 21.
No WCFV utilizou-se uma camada de 10 cm de brita no fundo, na qual foi
assentada a tubulao de drenagem/coleta. Acima da tubulao de coleta foi
depositada mais uma camada de brita de 5 cm para proteger a tubulao, em
seguida foi transferido para o filtro uma camada de 60 cm de areia e completado o
enchimento do filtro com uma camada de 5 cm de brita para melhor distribuio do
efluente.
No WCFH utilizou-se areia como substrato e brita nas zonas de entrada e
sada. Cada uma dessas camadas de brita ocupou cerca de 80 cm do comprimento
do filtro.
A areia empregada nos wetlands como material filtrante foi previamente
submetida ensaio granulomtrico, realizado no Laboratrio de Materiais de
Construo Civil - LMCC da UFSM, conforme NBR 7181 de dezembro de 1984
(ABNT, 1984). Na figura 22 est apresentada a curva granulomtrica obtida no
ensaio. Com a curva, obteve-se d10 (dimetro efetivo) de 0,30 mm, d60 de 0,75mm e
coeficiente de uniformidade (U) de 2,50. Esses valores so considerados aceitveis
para emprego em wetlands construdos, conforme recomendaes da literatura
especializada: d10 superior ou igual a 0,20 mm; coeficiente de uniformidade menor
ou igual a 5 unidades (BUCKSTEEG, 1990; CONLEY et al., 1991; COOPER et al.,
1996; PLATZER, 1999; ARIAS et al., 2001 apud PHILIPPI e SEZERINO, 2004).
57
Figura 21 Preenchimento dos wetlands com areia e brita 1
Figura 22 Curva granulomtrica obtida para a areia empregada nos wetlands
58
4.3.1.3 Tubulaes de distribuio e drenagem
A tubulao de distribuio do efluente no WCFV foi composta por tubos PVC
de 25 mm de dimetro com furos de 0,6 mm espaados a cada 5 cm. Nessa unidade
o esgoto percola verticalmente at atingir a tubulao de coleta, situada no fundo do
filtro e composta por tubos PVC de 40 mm de dimetro, com furos de 0,8 mm de
dimetro, espaados a cada 10 cm (figura 23).
J no WCFH, as tubulaes de distribuio e coleta foram compostas por
tubos PVC de 50 mm de dimetro, tambm perfurados com furos de 8 mm de
dimetro, espaados a cada 10cm (figura 24).
Figura 23 Tubulaes do WCFV. a) tubulao de coleta/drenagem; b) tubulao de alimentao.
59
Figura 24 - Tubulaes empregadas no WCFH; a) vista da tubulao de alimentao do leito; b) detalhe da perfurao da tubulao de coleta.
4.3.1.4 Plantio das macrfitas
A macrfita empregada nos wetlands foi a Typha domingensis Pers.,
conhecida popularmente como taboa. As mesmas foram retiradas do seu habitat
natural (prximo ao local de estudo) e plantadas diretamente no material filtrante