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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS AGRONÔMICAS E AMBIENTAIS CURSO DE ENGENHARIA AMBIENTAL TRATAMENTO DE ÁGUAS RESIDUÁRIAS DE BOVINOCULTURA DE LEITE NO BRASIL SITUAÇÃO ATUAL E POSSIBILIDADES TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Samara Terezinha Decezaro Frederico Westphalen, RS, Brasil 2013

TRATAMENTO DE ÁGUAS RESIDUÁRIAS DE BOVINOCULTURA DE LEITE NO BRASIL – SITUAÇÃO ATUAL E POSSIBILIDADES

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tratamento de águas residuárias

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA DEPARTAMENTO DE CINCIAS AGRONMICAS E AMBIENTAIS

    CURSO DE ENGENHARIA AMBIENTAL

    TRATAMENTO DE GUAS RESIDURIAS DE BOVINOCULTURA DE LEITE NO BRASIL

    SITUAO ATUAL E POSSIBILIDADES

    TRABALHO DE CONCLUSO DE CURSO

    Samara Terezinha Decezaro

    Frederico Westphalen, RS, Brasil

    2013

  • TRATAMENTO DE GUAS RESIDURIAS DE BOVINOCULTURA DE LEITE NO BRASIL SITUAO

    ATUAL E POSSIBILIDADES

    Samara Terezinha Decezaro

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de Engenharia Ambiental da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como

    requisito parcial para obteno do grau de Engenheira Ambiental

    Orientador: Dr. Raphael Corra Medeiros Co-orientador: Dr. Pablo Heleno Sezerino

    Frederico Westphalen, RS, Brasil

    2013

  • AGRADECIMENTOS

    Primeiramente Deus, por sempre iluminar meus passos.

    minha famlia e ao meu noivo Giliarde Tavares da Silva, pelo incentivo, motivao

    e apoio.

    Ao professor Dr. Raphael Corra Medeiros, pela valiosa orientao no

    desenvolvimento deste trabalho.

    Ao professor Dr. Pablo Heleno Sezerino, pela confiana depositada em mim na

    iniciao cientfica, pelos conselhos e pela amizade.

    Catiane Pelissari, pelo companheirismo nos trabalhos a campo e laboratrio.

    Aos acadmicos do Curso de Engenharia Ambiental da UFSM, em especial ao Igor

    Bergmann, pela ajuda nos trabalhos a campo.

    Aos colegas do NUPEEA pela amizade.

    todos os professores do Curso de Engenharia Ambiental, que de uma ou outra

    forma contriburam para o desenvolvimento deste trabalho.

    Muito obrigada!

  • Suba o primeiro degrau com f. No

    necessrio que voc veja toda a

    escada. Apenas d o primeiro passo.

    (Martin Luther King)

  • RESUMO

    Trabalho de Concluso de Curso Curso de Engenharia Ambiental

    Universidade Federal de Santa Maria

    TRATAMENTO DE GUAS RESIDURIAS DE BOVINOCULTURA DE LEITE NO BRASIL SITUAO ATUAL E POSSIBILIDADES

    AUTORA: SAMARA TEREZINHA DECEZARO

    ORIENTADOR: RAPHAEL CORRA MEDEIROS Data e Local da Defesa: Frederico Westphalen, 16 de dezembro de 2013.

    A bovinocultura de leite uma atividade de reconhecida importncia econmica no Brasil, contudo, responsvel pela gerao de grande volume de guas residurias, que necessitam de tratamento adequado. Diante disso, o objetivo deste trabalho apresentar alternativas para tratamento de efluentes de bovinocultura leiteira no Brasil, a partir de uma reviso de literatura a nvel nacional e da avaliao de um sistema experimental composto por wetlands construdos, na regio noroeste do Rio Grande do Sul. O levantamento das alternativas de tratamento j estudadas no Brasil consistiu na busca por textos cientficos nacionais publicados a partir do ano 2000. Quanto ao sistema experimental, a metodologia consistiu na implantao, operao e monitoramento fsico-qumico (durante 1 ano) de dois wetlands, sendo um de fluxo horizontal WCFH (26,5 m2 de rea) e outro de fluxo vertical WCFV (14,3 m2 de rea), plantados com Typha sp. Os resultados obtidos apontaram: Existem esforos no pas para implantao de tecnologias de tratamento que apresentem baixos custos de implantao e operao, simplicidade operacional e que possam viabilizar o reuso do efluente tratado e/ou a produo de energia, sendo, de acordo com a reviso de literatura, os sistemas de lagoas e wetlands construdos os que apresentaram as menores concentraes efluentes de matria orgnica e de nutrientes. A avaliao das unidades wetlands experimentais tambm demonstrou que este tipo de sistema, principalmente os WCFH, so uma tecnologia vivel para tratamento de efluentes de bovinocultura leiteira, notadamente na Mesorregio Noroeste Rio-Grandense, com grande potencial de aplicao nas propriedades produtoras de leite do Brasil.

    Palavras-chave: Sala de ordenha. Efluentes. Resduos agroindustriais. Tratamento. Wetlands construdos.

  • ABSTRACT

    The dairy cattle is an important economic activity recognized in Brazil, however, responsible for generating large volumes of wastewater that require proper treatment. Thus, the aim of this paper is to present alternatives for dairy parlors wastewater treatment in Brazil, from a national literature review and evaluation of an experimental system of constructed wetlands in the northwest region of Rio Grande do Sul. The treatment alternatives already studied in Brazil were searched in national scientific texts published since 2000. For the experimental system, the methodology was implementation, operation and physic-chemical monitoring (for 1 year) of two wetlands: horizontal flow - WCFH (26.5 m2 of area ) and vertical flow - WCFV (14.3 m2 of area), both planted with Typha sp. The results showed: There are efforts in the country to implement treatment technologies that have low implementation and operation costs, operational simplicity, and to make possible the reuse of treated effluent and / or energy production. According to the review literature, stabilization ponds and constructed wetlands systems were those who had the lowest effluent concentrations of organic matter and nutrients. The evaluation of experimental wetlands units also showed that this kind of system, especially WCFH are a viable technology for treating dairy parlors wastewater, especially in northwest region of Rio Grande do Sul, with great application potential in the milk producing properties located in Brazil. Keywords: Dairy parlors. Wastewater. Agroindustrial waste. Treatment. Constructed wetlands.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Estados brasileiros com as maiores produes de leite, em 2011. ........... 17

    Figura 2 Configuraes de filtros anaerbios de fluxo ascendente e descendente 25

    Figura 3 Esquema de sistema de tratamento com filtro anaerbio, seguido de

    lagoa facultativa. ....................................................................................................... 26

    Figura 4 Representao esquemtica de um reator UASB. ................................... 27

    Figura 5 Esquema de sistema de tratamento com reator UASB seguido de lagoa

    facultativa. ................................................................................................................. 28

    Figura 6 Fotografia de um biodigestor do tipo canadense...................................... 29

    Figura 7 Esquema de um filtro biolgico percolador. ............................................. 30

    Figura 8 Fluxograma tpico de um sistema de lodos ativados convencional. ......... 31

    Figura 9 Sistemas de lagoas de estabilizao: a) Sistema com lagoa facultativa; b)

    Sistema com lagoa anaerbia seguida de lagoa facultativa; c) Sistema com lagoa

    aerada de mistura completa seguida de unidade de decantao. ............................ 32

    Figura 10 Esquema de sistema de infiltrao-percolao, em canais de infiltrao.

    .................................................................................................................................. 34

    Figura 11 Esquema de sistema de tratamento por escoamento superficial. .......... 34

    Figura 12 Esquema da tcnica da fertirrigao de culturas agrcolas (infiltrao

    lenta). ........................................................................................................................ 35

    Figura 13 Classificao dos wetlands construdos. ................................................ 36

    Figura 14 Esquema representando um WCFH. 1) afluente; 2) macrfitas; 3)

    impermeabilizao; 4) zona de entrada; 5) tubulao de alimentao; 6) material

    filtrante; 7) sentido do fluxo; 8) zona de sada; 9) tubulao de coleta; 10) controlador

    de nvel. ..................................................................................................................... 37

    Figura 15 - Esquema representando um WCFV. 1) afluente; 2) macrfitas; 3)

    material filtrante; 4) tubulao de alimentao; 5) sentido do fluxo; 6) tubulao de

    coleta; 7) impermeabilizao; 8) controlador de nvel; 9) efluente. ........................... 38

    Figura 16 Distribuio dos tratamentos .................................................................. 42

    Figura 17 Localizao do municpio de Frederico Westphalen, mesorregio

    noroeste Rio-Grandense. .......................................................................................... 52

    Figura 18 - Instalaes da bovinocultura de leite do CAFW ...................................... 53

  • Figura 19 - Estrutura do sistema experimental .......................................................... 53

    Figura 20 Escavao em solo e impermeabilizao dos wetlands. ........................ 55

    Figura 21 Preenchimento dos wetlands com areia e brita 1 ................................... 57

    Figura 22 Curva granulomtrica obtida para a areia empregada nos wetlands ..... 57

    Figura 23 Tubulaes do WCFV. a) tubulao de coleta/drenagem; b) tubulao de

    alimentao. .............................................................................................................. 58

    Figura 24 - Tubulaes empregadas no WCFH; a) vista da tubulao de alimentao

    do leito; b) detalhe da perfurao da tubulao de coleta. ........................................ 59

    Figura 25 a) Retirada da macrfita do habitat natural; (b) Plantio nos wetlands. ... 60

    Figura 26 Vista geral do sistema experimental recm implantado. ....................... 61

    Figura 27 Concentrao de DQO afluente e efluente dos wetlands tratando guas

    residurias de bovinocultura. ..................................................................................... 65

    Figura 28 Concentrao de DBO afluente e efluente dos wetlands tratando guas

    residurias de bovinocultura. ..................................................................................... 66

    Figura 29 Concentrao de slidos totais afluente e efluente dos wetlands tratando

    guas residurias de bovinocultura. .......................................................................... 67

    Figura 30 Concentrao de slidos suspensos afluente e efluente dos wetlands

    tratando guas residurias de bovinocultura. ............................................................ 68

    Figura 31 - Propores mdias das diferentes formas nitrogenadas no efluente dos

    tratamentos utilizados para guas residurias de bovinocultura. .............................. 69

    Figura 32 Concentrao de NTK afluente e efluente dos wetlands tratando guas

    residurias de bovinocultura. ..................................................................................... 70

    Figura 33 Concentrao N-NH4+ afluente e efluente dos wetlands tratando guas

    residurias de bovinocultura. ..................................................................................... 70

    Figura 34 Concentrao de P-PO43- afluente e efluente dos wetlands tratando

    guas residurias de bovinocultura. .......................................................................... 71

    Figura 35 - Comportamento evolutivo de P-PO43- do afluente e efluente dos wetlands

    tratando guas residurias de bovinocultura. ............................................................ 72

    Figura 36 Cargas aplicadas nos wetlands e as respectivas eficincias de remoo.

    .................................................................................................................................. 75

    Figura 37 Fotografia do sistema experimental em dezembro de 2012. .................. 76

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Efetivo de vacas ordenhadas e produo de leite, total e variao

    percentual, segundo as Unidades da Federao - 2010-2011. ................................. 16

    Tabela 2 Gerao de resduos por bovinos de leite no Brasil, ano base 2009. ...... 19

    Tabela 3 - Comparao fsico-qumica de efluentes produzidos em instalaes de

    bovinocultura de leite e efluente domstico, apresentados pela literatura. ............... 21

    Tabela 4 Bases de dados consultadas ................................................................... 41

    Tabela 5 - Alternativas de tratamento apontadas para tratamento de guas

    residurias de bovinocultura de leite no Brasil. ......................................................... 42

    Tabela 6 - Desempenho de diferentes tratamentos, aplicados a guas residurias de

    bovinocultura de leite................................................................................................. 48

    Tabela 7 - Parmetros analisados e metodologia empregada. ................................. 54

    Tabela 8 Caractersticas fsicas dos wetlands. ....................................................... 55

    Tabela 9 Valores mdios, mnimos e mximos e desvios-padro (DP) obtidos em

    anlises dos efluentes da lagoa de decantao, do WCFH e do WCFV

    (novembro/2011 a outubro/2012). ............................................................................. 63

    Tabela 10 Resultado estatstico obtido com o teste ANOVA para o WCFH e para o

    WCFV. ....................................................................................................................... 73

    Tabela 11 Cargas mdias aplicadas e removidas no WCFH. ................................ 74

    Tabela 12 Cargas aplicadas e removidas no WCFV. ............................................. 74

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas

    ANOVA Anlise de Varincia

    APHA American Public Health Association

    CAFW Colgio Agrcola de Frederico Westphalen

    CONSEMA Conselho Estadual do Meio Ambiente

    CF Coliformes fecais

    CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    CTC Capacidade de troca catinica

    D10 Dimetro Efetivo

    D60 Dimetro a 60 %

    DBO5,20 Demanda Bioqumica de Oxignio, 5 dias de incubao, a 20oC

    DN Dimetro Nominal

    DP Desvio Padro

    DQO Demanda Qumica de Oxignio

    E. coli Escherichia coli

    EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria

    ETE Estao de Tratamento de Efluentes

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    LD Lagoa de Decantao

    LMCC Laboratrio de Materiais de Construo Civil

    NMP Nmero Mais Provvel

    Norg Nitrognio Orgnico

    NRCS Natural Resources Conservation Service

    NT Nitrognio Total

    NTK Nitrognio Total Kjeldhal

    N-NH4 Nitrognio Amoniacal

    N-NO2- Nitrognio Nitrito

    N-NO3- Nitrognio Nitrato

    NUPEEA Ncleo de Pesquisa e Extenso em Engenharia Ambiental

    OD Oxignio Dissolvido

  • pH Potencial Hidrogeninico

    P-PO43- Fsforo Ortofosfato

    PVC Polyvinyl chloride

    SS Slidos Suspensos

    SSD Slidos Sedimentveis

    ST Slidos Totais

    STF Slidos Totais Fixos

    STV Slidos Totais Volteis

    T Temperatura

    TDH Tempo de Deteno Hidrulica

    U Coeficiente de Uniformidade

    UASB Upflow Anaerobic Sludge Blanket

    UFSM Universidade Federal de Santa Maria

    WCFH Wetland Construdo de Fluxo Horizontal

    WCFV Wetland Construdo de Fluxo Vertical

  • SUMRIO

    1 CONSIDERAES INICIAIS ............................................................................. 13 1.1 Objetivos ........................................................................................................ 14

    1.1.1 Objetivo geral ............................................................................................... 14 1.1.2 Objetivos especficos ................................................................................... 14 2 REVISO DA LITERATURA .............................................................................. 15 2.1 Situao da atividade leiteira no Brasil ....................................................... 15 2.2 Gerao de resduos pela atividade leiteira ................................................ 18 2.3 Caracterizao das guas residurias de bovinocultura de leite ............. 20 2.4 Manejo dos resduos de bovinocultura de leite .......................................... 21 2.5 Principais mtodos de tratamento de efluentes de bovinocultura ........... 24

    2.5.1 Filtros anaerbios ......................................................................................... 24 2.5.2 Reatores UASB ............................................................................................ 26 2.5.3 Biodigestores................................................................................................ 28 2.5.4 Filtros biolgicos percoladores ..................................................................... 29 2.5.5 Lodos ativados ............................................................................................. 30 2.5.6 Lagoas de estabilizao ............................................................................... 31 2.5.7 Disposio no solo ....................................................................................... 33 2.5.8 Wetlands construdos ................................................................................... 35 3 TRATAMENTO DE GUAS RESIDURIAS DE BOVINOCULTURA DE LEITE NO BRASIL ESTADO DA ARTE ........................................................................... 39 3.1 Introduo ...................................................................................................... 39 3.2 Metodologia ................................................................................................... 40 3.3 Resultados e discusso ................................................................................ 40 3.4 Concluses .................................................................................................... 49 4 WETLANDS CONSTRUDOS PARA TRATAMENTO DE EFLUENTES DE BOVINOCULTURA DE LEITE NA MESORREGIO NOROESTE DO RIO GRANDE DO SUL ..................................................................................................................... 50 4.1 Introduo ...................................................................................................... 50 4.2 Metodologia ................................................................................................... 51 4.3 Resultados e discusso ................................................................................ 54

    4.3.1 Construo do sistema experimental ........................................................... 54 4.3.2 Aspectos operacionais ................................................................................. 61 4.3.3 Qualidade do efluente tratado ...................................................................... 62 4.3.4 Desempenho global dos wetlands ................................................................ 73 4.4 Concluso ...................................................................................................... 76 5 CONCLUSES E RECOMENDAES ............................................................. 78 REFERNCIAS ......................................................................................................... 79

  • 1 CONSIDERAES INICIAIS

    A bovinocultura de leite uma atividade de grande importncia econmica no

    Brasil e apresenta-se em crescente expanso. Segundo o Instituto Brasileiro de

    Geografia e Estatstica (IBGE), em 2011 foram produzidos no Brasil 32,096 bilhes

    de litros de leite.

    Esta produo acarreta na gerao de grande volume de guas residurias

    que apresentam potencial para a poluio, de forma que a simples disposio

    dessas guas residurias no solo sem tratamento adequado - prtica muito utilizada

    quando se tem disponibilidade de rea - pode causar grande impacto por sobrecarga

    de nutrientes no solo, podendo at mesmo ocasionar a eutrofizao dos cursos de

    gua.

    Diversas propostas para tratamento de efluentes desse tipo so apresentadas

    em trabalhos publicados a nvel internacional, destacando-se os trabalhos de

    Luostarinen e Rintala (2005), Dunne, et al. (2005), Gottschall, et al. (2007), Bolan, et

    al. (2009), Ruane, et al. (2011), Rico, Garca e Rico (2011) e Comino, Riggio e

    Rosso (2012), os quais citam as lagoas de estabilizao, os biodigestores, os filtros

    aerbios, os reatores UASB (Upflow Anaerobic Sludge Blanket) e tambm os

    wetlands construdos como opes para tratamento de efluentes de bovinocultura de

    leite.

    Os wetlands construdos destacam-se nesse contexto, como alternativa de

    simples operao e de baixo custo de implantao e de manuteno, comparados

    com tecnologias convencionais, sendo tambm atrativos para manter aspectos

    paisagsticos do meio rural. Newman, et al. (2000) empregando um sistema de

    wetlands no tratamento de efluentes de instalaes de bovinocultura de leite

    encontraram eficincias mdias de remoo de 94%, 85%, 68%, 60% e 53% para

    slidos suspensos totais, DBO5,20, fsforo total, nitratonitrito e nitrognio total

    Kjedahl, respectivamente. Crolla e Kinsley (2002) apud Gottschall, et al. (2007)

    tambm operaram, durante um perodo de quatro anos, wetlands para tratamento de

    efluentes de instalaes de bovinocultura de leite e obtiveram eficincias mdias de

    remoo de nitrognio total Kjedahl e fsforo total iguais a 72% e 58%,

    respectivamente, em todo perodo de operao.

  • 14

    Contudo, pouco conhecimento se tem sobre as tecnologias j implantadas

    para tratamento de guas residurias de bovinocultura de leite no Brasil e

    principalmente sobre as experincias bem sucedidas. Salienta-se que o tratamento

    dessas guas residurias deve ser adequado forma de produo, bem como a

    legislao ambiental vigente, o que pode variar entre as regies produtoras de leite

    do pas.

    1.1 Objetivos

    1.1.1 Objetivo geral

    O principal objetivo deste trabalho apresentar alternativas para tratamento

    de efluentes de bovinocultura leiteira no Brasil, a partir de uma reviso de literatura a

    nvel nacional e da avaliao de um sistema experimental composto por wetlands

    construdos, na regio noroeste do Rio Grande do Sul.

    1.1.2 Objetivos especficos

    Como objetivos especficos do trabalho, destacam-se:

    (i) Implantar, operar, monitorar e avaliar duas unidades de tratamento de

    efluentes do tipo wetlands construdos, uma de fluxo horizontal e outra

    de fluxo vertical, implantadas em clima subtropical, regio noroeste do

    Rio Grande do Sul;

    (ii) Realizar uma reviso da literatura sobre as alternativas disponveis

    para tratamento de guas residurias de bovinocultura de leite no

    Brasil, com destaque para a aplicao de wetlands construdos para

    tratamento desses efluentes.

  • 2 REVISO DA LITERATURA

    2.1 Situao da atividade leiteira no Brasil

    De acordo com a Organizao das Naes Unidas para Agricultura e

    Alimentao (FAO), o Brasil um dos maiores produtores de leite do mundo,

    ocupando em 2010 o 5 lugar no ranking mundial. Os Estados Unidos lideram o

    ranking de pases produtores, em sequncia aparecem ndia, China e Rssia

    (EMBRAPA GADO DE LEITE, 2010).

    No Brasil, a produo total de leite registrada pela Pesquisa da Pecuria

    Municipal do IBGE foi de 32,091 bilhes de litros em 2011. Deste total, segundo a

    Pesquisa Trimestral do Leite, realizada pelo IBGE, 67,9% foram adquiridos pela

    indstria de laticnios sob inspeo sanitria. O restante desta produo deve-se ao

    auto-consumo, produo artesanal de queijos e derivados, perdas, etc. (IBGE,

    2011).

    As condies edafoclimticas do Brasil possibilitam a adaptao da atividade

    leiteira s peculiaridades regionais. Por essa razo, atualmente, a pecuria leiteira

    praticada em todo territrio nacional e assim, existem diversos modelos ou formas

    de produo de leite, com variados graus de especializao, incluindo desde

    propriedades de subsistncia, as quais utilizam tcnicas rudimentares, com

    produo diria inferior a 10 litros de leite at grandes propriedades produtoras que

    utilizam tecnologias avanadas, com produo diria superior a 50 mil litros de leite

    (ZOCCAL e GOMES, 2005).

    Os dados da Pesquisa da Pecuria Municipal do IBGE (2011) mostram que a

    produo nacional de leite apresenta-se em crescente expanso, sendo que no

    comparativo entre 2010 e 2011 apresentou incremento de 4,5% (tabela 1 e figura 1).

    Minas Gerais o estado brasileiro que mais se destaca na produo de leite, com

    participao de 27,3%, seguido por Rio Grande do Sul (12,1%), Paran (11,9%) e

    Gois (10,9%). Estes estados concentram 62,1% de todo o leite produzido no Pas.

    Os trs municpios maiores produtores de leite no Brasil, em 2011, foram Castro

    (PR), Patos de Minas (MG) e Jata (GO).

  • 16

    Tabela 1 - Efetivo de vacas ordenhadas e produo de leite, total e variao percentual, segundo as Unidades da Federao - 2010-2011.

    Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Agropecuria, Pesquisa da Pecuria Municipal

    2010-2011.

  • 17

    Figura 1 Estados brasileiros com as maiores produes de leite, em 2011. Fonte: Elaborado a partir de dados do IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Agropecuria, Pesquisa da Pecuria Municipal 2010-2011.

    Quanto a dados de produtividade, segundo o IBGE (2011), a maior

    produtividade nacional de leite foi alcanada pelo Estado do Rio Grande do Sul

    (2.536 litros/vaca/ano), seguido por Santa Catarina (2.478 litros/vaca/ano) e Paran

    (2.404 litros/vaca/ano). Minas Gerais, embora seja o maior produtor nacional de leite

    de vaca, ocupa a quarta posio em termos de produtividade, que, em 2011, ficou

    em torno de 1.555 litros/vaca/ano. Roraima o estado com a menor produtividade

    nacional, cerca de 309 litros/vaca/ano.

    Segundo o IBGE (2011), os municpios brasileiros com as maiores

    produtividades de leite produziram acima de 5.000 litros/vaca no ano de 2011, valor

    muito similar mdia dos pases europeus e dos Estados Unidos. Os principais

    municpios em produtividade leiteira esto localizados nos Estados de So Paulo, do

  • 18

    Paran e do Rio Grande do Sul, os quais apresentam uma pecuria leiteira

    profissionalizada de alta tecnologia, com rebanho selecionado de aptido leiteira,

    aliada a condies climticas favorveis (IBGE, 2011).

    Conforme j citado, o Brasil apresenta grande variabilidade nos sistemas de

    produo. Assis, et al. (2005) apresenta uma classificao que define quatro tipos de

    sistemas de produo: extensivo, semi-extensivo, intensivo a pasto e intensivo em

    confinamento. Essa classificao foi feita com base no grau de intensificao e nvel

    de produtividade, caracterizados conforme alimentao volumosa adotada. A

    descrio sobre as diferenas entre esses quatro tipos de sistemas, conforme Assis,

    et al. (2005) apresentada a seguir:

    Sistema extensivo: Animais com produo de at 1.200 litros de leite por vaca

    ordenhada/ano, criados exclusivamente a pasto;

    Sistema semi-extensivo: Animais com produo entre 1.200 e 2.000 litros de

    leite por vaca ordenhada/ano, criados a pasto, com suplementao volumosa na

    poca de menor crescimento do pasto;

    Sistema intensivo a pasto: Animais com produo entre 2.000 e 4.500 litros

    de leite por vaca ordenhada/ano, criados a pasto com forrageiras de alta capacidade

    de suporte, com suplementao volumosa na poca de menor crescimento do pasto

    ou, at mesmo, durante o ano todo;

    Sistema intensivo em confinamento: Animais com produo acima de 4.500

    litros de leite por vaca ordenhada/ano, mantidos em confinamento e alimentados no

    cocho com forragens conservadas, como silagens e fenos.

    Pohlmann (2000) afirma que no Brasil ainda predomina o manejo extensivo de

    criao de bovinos, no qual os animais ficam soltos no pasto e os dejetos

    espalhados pelo campo em grandes reas. Porm, segundo o mesmo autor, h forte

    tendncia de aumento das criaes confinadas para os prximos anos.

    2.2 Gerao de resduos pela atividade leiteira

    Segundo Matos (2005), uma vaca leiteira com 400 Kg de peso mdio produz

    38 a 50 Kg de excretas diariamente, sendo deste total, 28 a 32 Kg de fezes e o

    restante, de urina. Contudo, na bovinocultura de leite, alm dos resduos gerados

  • 19

    pelos animais, devem ser considerados aqueles provenientes da retirada ou

    processamento do leite (POHLMANN, 2000). Segundo Cronk (1996), a quantidade

    de resduo lquido produzido em instalaes de bovinocultura de leite depende do

    manejo adotado, de forma que o consumo de gua pode variar de 40 a 600 litros por

    vaca ordenhada.

    De acordo com Matos (2005), tanto a quantidade quanto as caractersticas

    das guas residurias de criatrios de animais variam conforme a diluio

    proporcionada pela adio de gua e tambm com o perodo do ano, dia da semana

    e horrio do dia. Mas, de forma geral, o autor afirma que a vazo de guas

    residurias geradas funo do nmero de animais confinados, da quantidade de

    gua desperdiada nos bebedouros, da quantidade de gua utilizada na

    higienizao das instalaes e transporte hidrulico dos dejetos e da existncia ou

    no de sistemas de isolamento de guas pluviais.

    Segundo Pohlmann (2000), o risco de impacto ambiental oriundo de criaes

    de gado de leite maior do que o produzido por gado de corte, pois o gado de leite

    produz quantidade superior de dejetos, sendo que, mesmo em criaes no

    confinadas, ocorre a reteno dos animais em estbulos para ordenha e lavagem

    dos equipamentos utilizados.

    O Plano Nacional de Resduos Slidos - verso preliminar (BRASIL, 2011)

    apresenta um levantamento de dados acerca da situao atual de gerao de

    resduos agrosilvopastoris no Brasil, incluindo a gerao de resduos da atividade de

    bovinocultura de leite e o potencial de gerao de energia dos mesmos. Os dados

    do diagnstico so apresentados na tabela 2.

    Tabela 2 Gerao de resduos por bovinos de leite no Brasil, ano base 2009.

    Nmero de cabeas de bovinos de leite 22.435.289

    Total de dejetos (t/ano) 316.909.675

    Potencial energtico (MW/ano) 1.032

    Fonte: Plano Nacional de Resduos Slidos (verso preliminar) (BRASIL, 2011).

  • 20

    Ainda segundo a verso preliminar do Plano Nacional de Resduos Slidos

    (BRASIL, 2011), o crescimento do setor agrosilvopastoril nos ltimos anos indica

    que a gerao de resduos continuar aumentando e por isso, o manejo, o

    tratamento e a disposio desses resduos deve ser adequado, pois estas atividades

    so extremamente dependentes do uso de recursos naturais.

    2.3 Caracterizao das guas residurias de bovinocultura de leite

    guas residurias provenientes de instalaes de bovinocultura de leite so

    compostas principalmente por urina e esterco, como tambm detergentes oriundos

    da limpeza da sala de ordenha, resduos de leite e muco (HEALY, RODGERS e

    MULQUEEN, 2007). Alm de slidos e DBO, nutrientes como nitrognio e fsforo

    so os constituintes mais importantes dessas guas residurias, os quais so

    responsveis pela eutrofizao de corpos dgua (CRONK, 1996).

    Segundo Derisio (1992) apud Campos (1997), a carga orgnica produzida por

    uma vaca equivalente carga orgnica produzida por 16 pessoas, considerando

    que no Brasil, uma pessoa elimina em mdia 54 g DBO5/dia (VON SPERLING,

    2005). J para Matos (2005), o equivalente populacional de uma vaca leiteira pode

    variar de 16 a 38 pessoas, dependendo da carga poluente da gua residuria de

    bovinocultura leiteira.

    Segundo Nennich, et al. (2005), o potencial nutricional dos dejetos de vacas

    em lactao os torna passveis de tratamento e posterior reutilizao, devido aos

    elevados teores de nutrientes, que so em torno de 0,491 Kg de nitrognio por dia,

    0,074 Kg de fsforo por dia e de 0,223 Kg de potssio por dia.

    Quando o manejo dos dejetos feito na fase lquida, os teores de

    contaminantes presentes na gua residuria so normalmente expressos em mg/L.

    As guas residurias provenientes de bovinocultura de leite apresentam

    concentraes de contaminantes mais elevadas se comparadas com esgoto

    domstico, conforme apresentado na tabela 3.

    Contudo, Mantovi, et al. (2003) relata que difcil caracterizar efluentes

    produzidos em sala de ordenha de bovinocultura, devido a ocorrncia constante de

    variaes no nmero de vacas ordenhadas, na quantidade de gua e detergentes

  • 21

    utilizados, entre outros componentes empregados. Alm disso, de acordo com

    Matos (2005), as caractersticas fsico-qumicas de guas residurias de criatrios

    de animais dependem da digestibilidade, composio da rao e da idade dos

    animais. Wood, et al. (2007) constataram um elevado desvio padro na

    caracterizao de efluentes produzidos em sala de ordenha, os autores justificaram

    essa variabilidade em funo das prticas operacionais do local de pesquisa.

    Tabela 3 - Comparao fsico-qumica de efluentes produzidos em instalaes de bovinocultura de leite e efluente domstico, apresentados na literatura.

    Tipo de efluente Autores DBO5,20 (mg/L)

    DQO (mg/L)

    NTK (mg/L)

    N-NH4 (mg/L)

    PTotal (mg/L)

    SST (mg/L)

    Efluente produzido em instalaes de

    bovinocultura

    Silva e Roston (2010)

    - - - - - 3.585

    Wood et al. (2007)

    2.811 6.144 - 366 89,3 6.144

    Mumoz, Drizo e Hession (2006)

    1.200 - - 52 44 26

    Newman et al. (2000)

    2.680 - 102 7,8 25,7 1.284

    Dunne et al. (2005)

    2.300 - - 36,00 15 921

    Efluente domstico Von Sperling

    (1995) 350 700 - 30 14 1000

    Fonte: Pelissari, 2013.

    2.4 Manejo dos resduos de bovinocultura de leite

    O manejo dos resduos de bovinocultura leiteira varia de acordo com o

    sistema de produo adotado e com a consistncia do resduo (JOHANN, 2010).

    Segundo Matos (2005), a fim de facilitar o transporte e a aplicao dos resduos em

    reas de cultivo agrcola, a incorporao de gua aos dejetos frescos, tem se

    tornado prtica frequente em vrios pases, principalmente naqueles que utilizam

    tecnologias agropecurias mais avanadas.

    De acordo com a EMBRAPA (2004), para um determinado sistema de

    produo sempre h um sistema de manejo e tratamento mais adequado, sendo que

    o contedo de umidade do esterco determina parcialmente como ele pode ser

    manejado e armazenado. Segundo a classificao da EMBRAPA (2004), o esterco

  • 22

    pode ser classificado de acordo com sua consistncia, em: (i) Slido, com 16% ou

    mais de slidos totais (ST); (ii) Semi-slido, com 12% a 16% de ST; (iii) Lquido, com

    12% ou menos de ST.

    Para a EMBRAPA (2004), existem vrias formas para manejo do esterco, de

    acordo com a convenincia e o tipo de sistema de produo adotado, sendo: (i)

    Convencional ou manejo de esterco na forma slida; (ii) Manejo de esterco lquido;

    (iii) Manejo de esterco semi-slido ou misto; (iv) Manejo em lagoas de estabilizao;

    (v) Compostagem; (vi) Combinaes dos sistemas anteriores. Cada um desses

    sistemas descritos composto pelas fases de coleta, armazenamento, tratamento,

    transporte e utilizao. A seguir consta a descrio de como ocorre o manejo do

    esterco nas consistncias slido, semi-slido e lquido, conforme a EMBRAPA

    (2004). Ressalta-se que o manejo de dejetos nos estados slido e semi-slido no

    faz parte do escopo do presente trabalho, por isso, ser dado nfase no manejo do

    esterco na forma lquida e nas respectivas possibilidades de tratamento.

    Manejo do esterco na forma slida ou convencional

    Nessa forma de manejo, o esterco seco raspado, manual ou

    mecanicamente, e amontoado para coleta e transporte. O esterco retirado

    diariamente e pode ter diferentes destinos, podendo ser: (i) Armazenado em locais

    cobertos, ou no, para escoamento do excesso de umidade, e distribudo, em

    seguida, nas reas de cultura; (ii) Levado para esterqueira ou para compostagem;

    (iii) Distribudo diretamente nas reas de cultura.

    prtica comum no Brasil, utilizar o esterco como fertilizante sem nenhum

    tipo de processamento ou tratamento prvio. Em sistemas de confinamento de

    bovinos leiteiros em baias coletivas, com utilizao de camas, a opo mais

    econmica a distribuio do esterco diretamente nas reas de cultivo, onde a

    incorporao ao solo se d por meio de arao ou gradagem.

  • 23

    Manejo do esterco semi-slido ou misto

    O manejo do esterco na forma semi-slida ocorre quando a quantidade de

    gua incorporada aos dejetos apenas suficiente para facilitar a remoo do esterco

    das instalaes de bovinocultura, resultando em uma mistura com 12% a 16% de

    slidos totais, considerada muito mida para o sistema convencional e pouco mida

    para o sistema de irrigao. Nesse sistema de manejo, so utilizados tanques ou

    fossas de armazenamento para posterior fertirrigao dos solos. Normalmente, a

    distribuio do esterco semi-slido necessita de um distribuidor de esterco lquido

    tracionado por trator ou de caminho-tanque, equipado com sistema vcuo-

    compressor para as operaes de homogeneizao, carregamento e distribuio.

    Manejo do esterco lquido

    Para esse tipo de manejo, faz-se necessria a construo de tanques para

    coleta, tratamento e homogeneizao do material proveniente da limpeza das

    instalaes de bovinocultura. Os dejetos e os resduos da alimentao so diludos

    em gua na proporo de 1:1 ou menos, de modo que a concentrao de ST seja

    menor ou igual a 12%, a fim de permitir a utilizao de sistemas de irrigao com

    equipamentos especiais. O volume dos tanques varia de acordo com o sistema de

    tratamento adotado, com o tamanho do rebanho, o sistema de confinamento,

    diluio dos dejetos, tempo de deteno hidrulica nos reatores biolgicos, tipo de

    solo e culturas a serem irrigadas, manejo adotado para o sistema de irrigao

    (fertirrigao) e quantidade de chuva que o sistema pode suportar.

    Entre as principais vantagens desse sistema esto a liberao de mquinas e

    equipamentos, como trator e implementos para outras atividades, baixa perda de

    nutrientes quando as irrigaes so frequentes, economia de fertilizantes e

    corretivos convencionais, conservao e melhoramento da fertilidade do solo,

    possibilidade de reciclagem do esterco lquido tratado para limpeza hidrulica dos

    galpes de confinamento e economia de gua, energia e mo-de-obra.

  • 24

    2.5 Principais mtodos de tratamento de efluentes de bovinocultura

    Os principais mtodos para tratamento de efluentes agroindustriais so os

    sistemas anaerbios (como os filtros anaerbios e os reatores UASB), os sistemas

    de lagoas de estabilizao, os sistemas de lodos ativados e os sistemas wetlands

    construdos (MATOS, 2005; JOHANN, 2010). Para tratamento de guas residurias

    de bovinocultura de leite, existem diversas propostas publicados a nvel

    internacional, destacando-se os trabalhos de Luostarinen e Rintala (2005), Dunne, et

    al. (2005), Gottschall, et al. (2007), Bolan, et al. (2009), Ruane, et al. (2011), Rico,

    Garca e Rico (2011) e Comino, Riggio e Rosso (2012), os quais citam no geral, as

    lagoas de estabilizao, os biodigestores, os filtros aerbios, os reatores UASB e

    tambm os wetlands construdos como opes de tratamento desses efluentes. A

    seguir so descritos os principais mtodos de tratamento apresentados na literatura.

    2.5.1 Filtros anaerbios

    Os filtros anaerbios so caracterizados por terem parte do volume

    preenchido com material inerte, onde ocorre imobilizao da biomassa por aderncia

    em meio suporte fixo, que permanece estacionrio (CAMPOS, 1999). Segundo o

    mesmo autor, nesses reatores, o fluxo hidrulico ocorre nos interstcios do material

    suporte e o tratamento acontece pelo contato da biomassa com o esgoto, durante

    sua passagem pelo reator.

    Em geral, os filtros anaerbios so indicados para tratamento de guas

    residurias caracterizadas por serem mais solveis ou quando os slidos orgnicos

    de maiores dimenses forem retidos em uma unidade anterior, um decanto-digestor,

    por exemplo (CAMPOS, 1999).

    De acordo com Campos (1999), os filtros anaerbios podem ser de fluxo

    ascendente ou descendente (figura 2). O filtro de fluxo ascendente caracterizado

    por ter sempre o leito totalmente submerso. Por outro lado, o filtro de fluxo

    descendente pode ser operado com o meio suporte afogado ou no, e, alm disso,

    com ou sem recirculao de efluente. Em ambos os tipos de filtros, o lodo de

  • 25

    excesso que se desprende do meio suporte retirado do fundo do reator. Campos

    (1999) afirma que em termos prticos, o filtro de fluxo ascendente tem sido mais

    utilizado.

    Segundo Matos (2005), os filtros anaerbios quando utilizados para

    tratamento de efluentes agroindustriais, requerem unidades de decantao primria

    montante (como fossas spticas ou tanques de Imhoff) e lagoa facultativa como

    ps tratamento (figura 3). O emprego de uma lagoa facultativa objetiva melhor

    condicionar o efluente para lanamento nos corpos receptores, pois a remoo de

    DBO nos filtros anaerbios baixa, o efluente geralmente apresenta aspecto

    desagradvel, concentrao elevada de nutrientes, slidos em suspenso e maus

    odores (MATOS, 2005).

    Figura 2 Configuraes de filtros anaerbios de fluxo ascendente e descendente. Fonte: Campos, 1999.

  • 26

    Figura 3 Esquema de sistema de tratamento com filtro anaerbio, seguido de lagoa facultativa. Fonte: Matos, 2005.

    2.5.2 Reatores UASB

    Os reatores UASB (Upflow Anaerobic Sludge Blanket), tambm denominados

    de RAFA (Reatores Anaerbios de Fluxo Ascendente e de Manta de Lodo) so

    vistos por Von Sperling (2005) como a principal tendncia atual de tratamento de

    esgotos no Brasil, tanto como unidades nicas ou seguidas de ps-tratamento. Nos

    reatores UASB a biomassa cresce dispersa no meio, formando pequenos grnulos,

    os quais tendem a servir de meio suporte para outras bactrias. Nesses reatores, a

    concentrao de biomassa bem elevada, o que justifica a denominao manta de

    lodo, por isso, o volume requerido pelos reatores UASB bastante reduzido (VON

    SPERLING, 2005).

    Segundo Campos (1999), o reator UASB possibilita o tratamento direto das

    guas residurias, sejam elas de origem simples ou complexa, de baixa a alta

    concentrao, solveis ou com material particulado. O autor supe que o UASB ao

    mesmo tempo um decantador primrio, um reator biolgico, um decantador

    secundrio e tambm um digestor de lodo.

    O fluxo do lquido nos reatores UASB ascendente, sendo que o lquido entra

    no fundo e se encontra com o leito de lodo, onde a matria orgnica contida no

    esgoto adsorvida pela biomassa. A parte superior desses reatores contm uma

  • 27

    estrutura denominada separador trifsico (separa o lquido, os slidos e os gases), o

    qual responsvel por reter a biomassa no sistema, impedindo que ela saia com o

    efluente. Dessa forma, devido elevada reteno de slidos, a idade do lodo

    bastante elevada, e assim, o tempo de deteno hidrulica pode ser bastante

    reduzido. O gs formado coletado na parte superior do reator, de onde pode ser

    retirado e utilizado para gerao de energia a partir do metano ou queimado (VON

    SPERLING, 2005). Na figura 4 apresentado um esquema do funcionamento de um

    reator UASB.

    Figura 4 Representao esquemtica de um reator UASB. Fonte: Campos, 1999.

    De acordo com Matos (2005), a utilizao de efluente de UASB na

    fertirrigao uma boa opo para efluentes agroindustriais, mas para o caso de

    lanamento em corpos hdricos, o efluente de UASB necessita de um ps

    tratamento, que pode ser obtido em uma lagoa facultativa (figura 5), por escoamento

    superficial no solo ou em unidades wetlands construdos.

  • 28

    Figura 5 Esquema de sistema de tratamento com reator UASB seguido de lagoa facultativa. Fonte: Matos, 2005.

    2.5.3 Biodigestores

    Um biodigestor pode ser definido como uma cmara fechada, na qual uma

    biomassa (em geral, resduos de animais) fermentada anaerobicamente,

    produzindo biogs e biofertilizante (GASPAR, 2003). Segundo Neves (2010),

    existem vrios modelos de biodigestores, porm o mais difundido no Brasil o

    modelo canadense, feito com manta de PVC (figura 6).

    A digesto anaerbica de esterco de gado leiteiro tem demonstrado ser uma

    forma atrativa de tratamento, oferecendo diversas vantagens, como controle da

    poluio, de odores, reduo de patgenos, recuperao de nutrientes e produo

    de energia (AMON, et al., 2007; HARTMANN e AHRING, 2005; KARIM, et al., 2005;

    UMETSU, et al., 2006 apud RICO, GARCA e RICO, 2011).

    UASB

  • 29

    Figura 6 Fotografia de um biodigestor do tipo canadense. Fonte: Neves, 2010.

    2.5.4 Filtros biolgicos percoladores

    Os filtros biolgicos percoladores so reatores nos quais a biomassa cresce

    aderida a um meio suporte (como pedras, brita, escria de alto-forno, ripas ou

    material plstico), sobre o qual aplicado o esgoto (frequentemente atravs de

    distribuidores rotativos), que percola em direo ao fundo, onde coletado (figura 7)

    (VON SPERLING, 2005).

    Segundo Von Sperling (2005), os filtros biolgicos so sistemas aerbios, pois

    o ar circula nos espaos vazios do meio suporte, fornecendo oxignio para a

    respirao dos micro-organismos. Existem dois tipos de filtros biolgicos

    percoladores: (i) Filtros biolgicos percoladores de baixa carga recebem menor

    carga de DBO, resultando numa estabilizao parcial do lodo e numa maior

    eficincia na remoo de DBO; (ii) Filtros biolgicos percoladores de alta carga

    recebem uma maior carga de DBO por unidade de volume do filtro, por isso, os

    requisitos de rea so menores se comparados aos filtros de baixa carga, h

    tambm, uma ligeira reduo na eficincia de remoo de DBO e no ocorre

    digesto do lodo no filtro.

  • 30

    Figura 7 Esquema de um filtro biolgico percolador. Fonte: Von Sperling, 2005.

    2.5.5 Lodos ativados

    Os sistemas de Lodos Ativados tm como princpio bsico a recirculao dos

    slidos (biomassa bacteriana), sedimentados em um decantador secundrio, os

    quais retornam ao reator, aumentando o tempo de contato das bactrias com o

    lquido o que consequentemente, aumenta a eficincia do sistema (MATOS, 2005).

    Existem diversas variantes do sistema de lodos ativados. Von Sperling (2005)

    destaca que as principais variantes so: (i) Lodos ativados convencional (fluxo

    contnuo) (figura 8); (ii) Aerao prolongada (fluxo contnuo) a biomassa

    permanece maior tempo no reator e em decorrncia, o lodo estabilizado; (iii)

    Reatores sequenciais por batelada (operao intermitente) as etapas de reao e

    sedimentao ocorrem no mesmo tanque, em fases diferentes. Segundo Matos

    (2005), o lodo produzido em sistemas de Lodos Ativados deve ser periodicamente

    removido e estabilizado antes de sua disposio final no meio ambiente.

    De acordo com Matos (2005), os Lodos Ativados apresentam como

    vantagens: a elevada eficincia na remoo de DBO, possibilidade de remoo de N

    e P, baixos requisitos de rea, alm de reduzidas possibilidades de gerao de

    maus odores e desenvolvimento de insetos e vermes. J entre as principais

    desvantagens esto os elevados custos de implantao e operao, o alto consumo

    de energia eltrica, a necessidade de conhecimento tcnico para operao, grande

  • 31

    sensibilidade do sistema a cargas txicas, alm da possibilidade de ocorrncia de

    rudos e exalao de aerossis (MATOS, 2005).

    Figura 8 Fluxograma tpico de um sistema de lodos ativados convencional.

    Fonte: Adaptado de Von Sperling, 2005.

    2.5.6 Lagoas de estabilizao

    As lagoas de estabilizao so unidades projetadas para tratar guas

    residurias por mecanismos predominantemente biolgicos. De acordo com Von

    Sperling (2005), as lagoas de estabilizao podem ser classificadas em: Lagoas

    facultativas, sistemas de lagoas anaerbias seguidas de lagoas facultativas, lagoas

    aeradas facultativas, sistemas de lagoas aeradas de mistura completa seguidas de

    lagoas de sedimentao, lagoas de alta taxa, lagoas de maturao e lagoas de

    polimento. A escolha entre as diversas configuraes de tratamento citadas depende

    da disponibilidade de rea junto fonte geradora da gua residuria, da taxa de

    gerao, da velocidade exigida no tratamento e da localizao (distncia de reas

    residenciais) (MATOS, 2005).

    As lagoas de estabilizao, notadamente as lagoas facultativas, as lagoas

    aeradas e os sistemas de lagoas anaerbias seguidas de lagoas facultativas, tm

    sido muito utilizadas para tratamento de guas residurias ricas em matria

    orgnica, sendo muito adequadas no caso das agroindustriais (MATOS, 2005).

  • 32

    So muitas as vantagens das lagoas de estabilizao, entre as principais

    esto a satisfatria eficincia na remoo de DBO, razovel eficincia na remoo

    de patgenos, construo, operao e manuteno simples e os reduzidos custos

    de implantao e operao. Entre as principais desvantagens desse tipo de sistema

    pode-se citar os elevados requisitos de rea, possibilidade de gerao de maus

    odores (no caso de lagoa anaerbia), necessidade de afastamento de residncias e

    a performance extremamente dependente das condies climticas.

    Na figura 9 so apresentadas as configuraes mais frequentes de lagoas de

    estabilizao aplicadas ao tratamento de guas residurias agroindustriais, as quais

    so descritas por Matos (2005).

    Figura 9 Sistemas de lagoas de estabilizao: a) Sistema com lagoa facultativa; b) Sistema com lagoa anaerbia seguida de lagoa facultativa; c) Sistema com lagoa aerada de mistura completa seguida de unidade de decantao. Fonte: Adaptado de Matos, 2005.

  • 33

    2.5.7 Disposio no solo

    A disposio de guas residurias agroindustriais no solo uma tcnica

    atraente para a realidade brasileira, devido s condies de clima tropical e grande

    disponibilidade de rea. Esta tcnica se baseia na capacidade depuradora do

    sistema solo-planta, que utiliza mecanismos fsicos, qumicos e biolgicos de

    remoo dos poluentes contidos nas guas residurias (ERTHAL, 2010a).

    De acordo com Matos (2005), a disposio de efluentes no solo uma tcnica

    de tratamento de grande potencial de aplicao, em vista dos baixos custos de

    implantao e operao, por contribuir para a preservao do meio ambiente, por

    possibilitar o aproveitamento dos nutrientes contidos na gua residuria para a

    produo agrcola, e tambm, devido possibilidade de transformao dos resduos

    gerados em fonte de renda ou benefcio social.

    Essa tcnica tem mostrado grande viabilidade tcnica e econmica, podendo

    ser uma forma de tratamento, tanto a nvel primrio, quanto a nvel secundrio ou

    tercirio e/ou de disposio final (MATOS, 2005). Contudo, segundo o mesmo autor,

    para disposio de guas residurias agroindustriais no solo, so necessrios

    estudos que visem a definio de taxas de aplicao (considerando as capacidades

    de suporte de cada solo) e que resguardem a integridade dos recursos naturais, a

    fim de evitar problemas de qualidade ambiental.

    De acordo com Matos (2005), as formas de disposio podem ser infiltrao-

    percolao, escoamento superficial, fertirrigao e lanamento em reas alagadas

    (wetlands construdos). No presente trabalho, no entanto, preferiu-se por abordar

    separadamente os wetlands construdos (tem 2.5.8), de acordo com os objetivos

    pr-estabelecidos.

    O sistema de infiltrao-percolao, tambm chamado de infiltrao rpida,

    caracterizado pela percolao da gua residuria, a qual filtrada na passagem pelo

    solo e constitui recarga para guas freticas ou subterrneas (MATOS, 2005). De

    acordo com Matos (2005), nesse sistema, o efluente disposto de forma

    intermitente com altas taxas de aplicao (baixas perdas por evaporao) em bacias

    rasas ou valas de infiltrao construdas em solos de alta permeabilidade (figura 10).

  • 34

    Figura 10 Esquema de sistema de infiltrao-percolao, em canais de infiltrao.

    Fonte: Matos, 2005.

    O mtodo de escoamento superficial uma forma de disposio/tratamento

    que consiste na aplicao controlada e de forma intermitente de guas residurias

    no solo, de forma que essas escoem, rampa abaixo, at alcanar canais de coleta

    (figura 11) (VON SPERLING, 2005). Segundo Von Sperling (2005), os solos

    indicados para esse tipo de tratamento/disposio final so os de baixa

    permeabilidade (como os argilosos), contendo uma inclinao moderada (entre 2 e

    8%).

    Figura 11 Esquema de sistema de tratamento por escoamento superficial. Fonte: Matos, 2005.

  • 35

    J a fertirrigao (figura 12), diferentemente dos mtodos mencionados

    anteriormente, uma tcnica de disposio/tratamento onde prioriza-se o

    aproveitamento dos nutrientes contidos nas guas residurias. Para isso, as taxas

    de aplicao de guas residurias agroindustriais no solo devem ser baseadas na

    dose de nutrientes recomendadas para as culturas agrcolas (MATOS, 2005).

    Figura 12 Esquema da tcnica da fertirrigao de culturas agrcolas (infiltrao lenta). Fonte: Matos, 2005.

    2.5.8 Wetlands construdos

    Os wetlands construdos so sistemas de tratamento de guas residurias

    projetados para imitar o papel de depurao que naturalmente ocorre em

    ambientes alagados naturais (como brejos e pntanos). De forma geral, so lagoas

    ou canais rasos que abrigam plantas aquticas e que baseiam-se em mecanismos

    fsicos, qumicos e biolgicos para tratar guas residurias.

    Existem vrias configuraes de wetlands construdos. A figura 13 apresenta

    uma classificao dos wetlands construdos em dois grandes grupos: (i) de

    escoamento superficial; (ii) de escoamento subsuperficial. Porm, nesse estudo,

    sero abordados apenas os wetlands de escoamento subsuperficial.

  • 36

    Os wetlands construdos de escoamento subsuperficial so mdulos

    normalmente escavados no terreno, que contm um material de recheio (brita, areia

    ou cascalho) no qual o efluente a ser tratado percola, dependendo do tipo de fluxo

    empregado, no sentido horizontal (wetlands construdos de fluxo horizontal WCFH)

    ou vertical (wetlands construdos de fluxo vertical WCFV).

    Figura 13 Classificao dos wetlands construdos.

    Fonte: Adaptado de Vymazal e Kroepfelov, 2008.

    Wetlands construdos de fluxo horizontal (WCFH)

    Nos WCFH (figura 14) o efluente disposto em uma camada de brita,

    denominada zona de entrada, percola pelo material filtrante, geralmente areia, at

    atingir a poro final do filtro, tambm composta por brita, devido a uma declividade

    de fundo. Os WCFH apresentam-se como sistemas eficientes na remoo de slidos

    suspensos, matria orgnica carboncea (DBO5,20), e nitrogenada - desde que o

    sistema receba efluente parcialmente nitrificado (COOPER, et al., 1996).

  • 37

    Figura 14 Esquema representando um WCFH. 1) afluente; 2) macrfitas; 3) impermeabilizao; 4) zona de entrada; 5) tubulao de alimentao; 6) material filtrante; 7) sentido do fluxo; 8) zona de sada; 9) tubulao de coleta; 10) controlador de nvel.

    Fonte: Pelissari, 2013.

    Wetlands construdos de fluxo vertical (WCFV)

    Nos WCFV (figura 15) o efluente a ser tratado disposto intermitentemente,

    sobre a superfcie do mdulo de tratamento, e percola verticalmente ao longo de

    todo o perfil vertical, sendo coletado no fundo por meio de um sistema de

    drenagem/coleta (PHILIPPI e SEZERINO, 2004). Os WCFV, assim como os WCFH,

    tambm so eficientes na remoo de matria orgnica carboncea e slidos

    suspensos, mas diferem destes por apresentar configurao que favorece a

    converso de matria orgnica nitrogenada por nitrificao (IWA, 2000; PHILIPPI e

    SEZERINO, 2004; KAYSER e KUNST, 2005).

  • 38

    Figura 15 - Esquema representando um WCFV. 1) afluente; 2) macrfitas; 3) material filtrante; 4) tubulao de alimentao; 5) sentido do fluxo; 6) tubulao de coleta; 7) impermeabilizao; 8) controlador de nvel; 9) efluente. Fonte: Pelissari, 2013.

  • 3 TRATAMENTO DE GUAS RESIDURIAS DE BOVINOCULTURA DE LEITE NO BRASIL ESTADO DA ARTE

    3.1 Introduo

    A bovinocultura de leite uma atividade de grande importncia econmica

    para o Brasil. Em 2011, a produo total de leite registrada pela Pesquisa da

    Pecuria Municipal do IBGE foi de 32,091 bilhes de litros (IBGE, 2011). Essa

    produo ocorre em praticamente todo territrio nacional e apresenta forte tendncia

    de crescimento para os prximos anos.

    Contudo, a expanso da bovinocultura de leite no pas, exige o

    desenvolvimento de tecnologias que possibilitem a mitigao do impacto ambiental

    gerado na atividade, que pode causar poluio do ar, do solo e dos recursos

    hdricos. As guas residurias de bovinocultura de leite, segundo Rico, Garca e

    Rico (2011), esto entre as guas residurias agroindustriais mais poluentes, pois

    fazendas de gado leiteiro produzem efluentes com altas concentraes de matria

    orgnica, nitrognio e fsforo, que quando mal gerenciados podem causar graves

    problemas ambientais.

    Diversas propostas para tratamento de guas residurias de bovinocultura de

    leite so apresentadas em trabalhos publicados a nvel internacional, destacando-se

    os trabalhos de Luostarinen e Rintala (2005), Dunne, et al. (2005), Gottschall, et al.

    (2007), Bolan, et al. (2009), Ruane, et al. (2011), Rico, Garca e Rico (2011) e

    Comino, Riggio e Rosso (2012). Contudo, pouco conhecimento se tem sobre as

    tecnologias j implantadas para tratamento desse tipo de gua residuria no Brasil e

    principalmente, sobre as experincias bem sucedidas. importante destacar que o

    tratamento dessas guas residurias deve ser adequado tanto forma de produo,

    quanto legislao ambiental vigente nos estados produtores de leite do pas.

    Diante do exposto, o principal objetivo deste captulo apresentar uma

    reviso de literatura sobre as alternativas propostas e as experincias bem

    sucedidas no Brasil para tratamento de efluentes de bovinocultura de leite, a fim de

    possibilitar a disseminao dessas tecnologias, melhorando a qualidade ambiental.

  • 40

    3.2 Metodologia

    A metodologia empregada consistiu na busca de textos cientficos nacionais

    publicados em diversas bases de dados a partir do ano 2000, tomando-se como

    base de busca por assunto as palavras-chave: bovinocultura de leite, tratamento de

    efluentes e tratamento de dejetos.

    Inicialmente, cada texto foi submetido a uma primeira etapa de consulta com

    o objetivo de identificar as tecnologias utilizadas para tratamento de guas

    residurias de bovinocultura de leite.

    Aps esta primeira etapa, os textos foram submetidos a uma segunda etapa

    de avaliao, buscando identificar aspectos gerais de cada trabalho, com nfase na

    caracterizao qualitativa da gua residuria bruta, tratada e as respectivas

    eficincias obtidas no tratamento. Para tanto, buscou-se identificar parmetros

    fsico-qumicos, e biolgicos, tais como: DBO, DQO, pH, nitrognio, fsforo,

    Coliformes fecais, E. coli, slidos, leos e graxas e turbidez.

    3.3 Resultados e discusso

    Na tabela 4 constam as bases de dados onde foram encontrados trabalhos

    relacionados ao tratamento de efluentes de bovinocultura de leite no Brasil, bem

    como os autores e a quantidade de trabalhos disponvel.

    Tambm foi pesquisado em outras fontes, mas sem nenhuma ocorrncia, as

    quais foram: Revista de Engenharia Sanitria e Ambiental, Revista Brasileira de

    Engenharia Agrcola e Ambiental e Revista Ambiente e gua, alm de Congressos,

    Seminrios e Simpsios relacionados.

    Foram identificados ao todo 14 textos publicados no Brasil, distribudos entre

    os seguintes estados: Paran (3), Minas Gerais (2), So Paulo (4), Rio Grande do

    Sul (3) e Gois (2). Esses Estados, segundo o IBGE (2011) so os maiores

    produtores de leite do Brasil (figura 1). Portanto, apesar dos poucos trabalhos

    levantados na presente pesquisa, acredita-se que os mesmos so abrangentes e

  • 41

    podem representar significativamente a realidade brasileira quanto s alternativas

    para tratamento de efluentes de bovinocultura de leite j estudadas.

    Tabela 4 Bases de dados consultadas

    Base de dados Autores Quantidade de trabalhos

    SciELO

    Silva (2010) Erthal (2010a) Erthal (2010b) Moraes e Paula Jnior (2004)

    4

    Biblioteca Digital de Teses e Dissertaes

    Johann (2010) Coldebella (2006) Silva (2007) Erthal (2008) Souza (2005) Mendona (2009) Pohlmann (2000) Pelissari (2013)

    8

    Seminrio de Gesto Ambiental na Agropecuria Zaro, et al. (2012) Decezaro, et al. (2012)

    2

    Total 14

    Na tabela 5 constam as alternativas de tratamento apontadas para guas

    residurias de bovinocultura de leite, relatadas em um total de 13 trabalhos

    levantados na literatura nacional. Na figura 16 est apresentada a distribuio em

    percentual da utilizao dessas tecnologias com base nesses mesmos trabalhos.

  • 42

    Tabela 5 - Alternativas de tratamento apontadas para tratamento de guas residurias de bovinocultura de leite no Brasil.

    Autor Tratamento adotado

    Coldebella (2006) Biodigestor

    Decezaro, et al. (2012) Lagoa de decantao wetlands construdos (2 unidades operando em paralelo)

    Erthal (2008) Disposio no solo (fertirrigao)

    Erthal, et al. (2010a) Disposio no solo (fertirrigao)

    Erthal, et al. (2010b) Disposio no solo (fertirrigao)

    Johann (2010) Decantao flotao desinfeco por radiao solar

    Mendona (2009) Reatores anaerbios tubulares horizontais de fluxo contnuo (biodigestor tubular)

    Moraes e Paula Jnior (2004) Reatores UASB

    Pelissari (2013) Lagoa de decantao wetlands construdos (2 unidades operando em paralelo)

    Silva (2007) Lagoa anaerbia lagoa facultativa wetland construdo

    Silva e Roston (2010) Lagoa anaerbia lagoa facultativa wetland construdo

    Souza (2005) Disposio no solo (fertirrigao)

    Zaro, Rodrigues e Giustina (2012) Biodigestor (anlise de viabilidade de implantao)

    Figura 16 Distribuio dos tratamentos

    Lagoas - wetlands construdos

    31%

    UASB7%Biodigestor

    23%

    Disposio no solo

    (fertirrigao)31%

    Outros8%

  • 43

    Biodigestores

    A utilizao de biodigestores para tratamento de efluentes de bovinocultura

    leiteira foi relatada em 3 trabalhos (Coldebella, 2006; Mendona, 2009; Zaro,

    Rodrigues e Giustina, 2012). Um biodigestor pode ser definido como uma cmara

    fechada, na qual uma biomassa (em geral, resduos de animais) fermentada

    anaerobicamente, produzindo biogs e biofertilizante (GASPAR, 2003). Segundo

    Neves (2010), existem vrios modelos de biodigestores, porm o mais difundido no

    Brasil o modelo canadense, feito com manta de PVC.

    A digesto anaerbica de esterco de gado leiteiro tem demonstrado ser uma

    forma atrativa de tratamento, oferecendo diversas vantagens, como controle da

    poluio, de odores, reduo de patgenos, recuperao de nutrientes e produo

    de energia (AMON, et al., 2007; HARTMANN e AHRING, 2005; KARIM, et al., 2005;

    UMETSU, et al., 2006 apud RICO, GARCA e RICO, 2011).

    Coldebella (2006) avaliou a viabilidade do uso de biogs proveniente de

    biodigestor para gerao de energia eltrica e irrigao em propriedades rurais. O

    autor concluiu que o uso de biodigestores em propriedades rurais alm de uma

    excelente alternativa para tratamento dos efluentes lquidos de bovinocultura, pode

    ser economicamente vivel quando o biogs e o biofertilizante so utilizados

    adequadamente.

    Mendona (2009) operando biodigestores com TDH = 20 dias e T = 30 C,

    obteve remoes mdias de 83%, 76% e 86%, respectivamente para DQO, ST e

    STV e operando com TDH=15 dias e T=35oC alcanou uma produo de 1,32 m3 de

    biogs / Kg DQO.

    Zaro, Rodrigues e Giustina (2012) em um estudo de viabilidade econmica e

    ambiental para implantao de melhorias em uma propriedade leiteira de pequeno

    porte no Rio Grande do Sul, dentre outras propostas, sugeriram a construo de um

    biodigestor para o tratamento do esterco bovino e aproveitamento energtico do

    biogs gerado.

  • 44

    Disposio no solo (fertirrigao)

    A fertirrigao uma tcnica de disposio de efluentes no solo do tipo

    infiltrao lenta que tem como principal objetivo o reso da gua para produo

    agrcola, sendo que o tratamento de esgotos um objetivo adicional (VON

    SPERLING, 2005).

    Segundo Von Sperling (2005), os sistemas de fertirrigao so projetados

    para satisfazer os requisitos de irrigao das culturas agrcolas. A fertirrigao

    prioriza o aproveitamento dos nutrientes presentes na gua residuria, tais como

    nitrognio, potssio e, principalmente, fsforo, os quais so fundamentais no cultivo

    de solos pobres, como os que ocorrem na maior parte do Brasil (MATOS, 2005).

    Segundo o mesmo autor, a utilizao de guas residurias ricas em nutrientes na

    fertirrigao de culturas agrcolas aumenta a produtividade e a qualidade dos

    produtos colhidos, melhora as caractersticas qumicas, fsicas e biolgicas do solo e

    reduz a poluio ambiental.

    Na presente reviso foram identificados 4 trabalhos que relatam a fertirrigao

    para tratamento/disposio final das guas residurias de bovinocultura de leite

    (Erthal, 2008; Erthal et al., 2010a; Erthal et al., 2010b e Souza, 2005) , os quais so

    descritos a seguir.

    Erthal (2008) e Erthal, et al. (2010b) avaliaram os efeitos da aplicao de

    guas residurias de bovinocultura sobre as propriedades fsicas e qumicas de um

    Argissolo Vermelho Eutrfico. Utilizando quatro taxas de aplicao da gua

    residuria (25, 50, 75 e 100 kg ha-1 de K), os autores concluram que os valores de

    pH, CTC, saturao por bases e concentraes de P, K, Ca e Mg, aumentaram com

    acrscimos nas taxas de aplicao, nas camadas superficiais do solo. No ocorreu

    salinizao do perfil do solo embora a porcentagem de argila dispersa em gua

    tenha aumentado, indicando que a aplicao permanente da gua residuria pode

    propiciar riscos de reduo da permeabilidade do solo.

    Os trabalhos de Erthal (2008) e Erthal, et al. (2010a) avaliaram os efeitos da

    aplicao de guas residurias de bovinocultura sobre as caractersticas fisiolgicas,

    nutricionais e de produtividade do capim-Tifton 85 (Cynodon sp.) e da aveia preta

    (Avena strigosa Schreb). Os resultados indicaram que a fertirrigao no causou

    estresse osmtico nem toxicidade, mas propiciou absoro de nutrientes e

  • 45

    rendimento forrageiro em nveis prximos aos recomendados, podendo substituir

    parcialmente a adubao mineral.

    J Souza (2005), avaliou o desempenho de microaspersores e a

    suscetibilidade dos mesmos ao entupimento quando operados com diferentes

    concentraes de slidos totais na gua residuria de bovinocultura de leite.

    Lagoas seguidas de wetlands construdos

    Tanto as lagoas, sejam elas anaerbias, facultativas ou de decantao,

    quanto os wetlands construdos so alternativas de tratamento atrativas para a

    realidade da bovinocultura leiteira brasileira por serem sistemas de baixo custo de

    implantao, operao e manuteno e de grande simplicidade operacional.

    As lagoas de estabilizao so unidades projetadas para tratar guas

    residurias por mecanismos predominantemente biolgicos. As lagoas de

    estabilizao, notadamente as lagoas facultativas, as lagoas aeradas e os sistemas

    de lagoas anaerbias seguidas de lagoas facultativas, tm sido muito utilizadas para

    tratamento de guas residurias ricas em matria orgnica, sendo muito adequadas

    no caso das agroindustriais (MATOS, 2005).

    So muitas as vantagens das lagoas de estabilizao, entre as principais

    esto a satisfatria eficincia na remoo de DBO, razovel eficincia na remoo

    de patgenos, construo, operao e manuteno simples e os reduzidos custos

    de implantao e operao. Entre as principais desvantagens desse tipo de sistema

    pode-se citar os elevados requisitos de rea, possibilidade de gerao de maus

    odores (no caso de lagoa anaerbia), necessidade de afastamento de residncias e

    a performance extremamente dependente das condies climticas.

    Os wetlands construdos so sistemas de tratamento de guas residurias

    projetados para imitar o papel de depurao que naturalmente ocorre em

    ambientes alagados naturais (como brejos e pntanos). De forma geral, so lagoas

    ou canais rasos que abrigam plantas aquticas e que baseiam-se em mecanismos

    fsicos, qumicos e biolgicos para tratar guas residurias. Os wetlands so

    sistemas eficientes na remoo de slidos suspensos e matria orgnica

    carboncea (DBO), e tambm apresentam possibilidade de remoo de nutrientes,

  • 46

    sendo que existem diversos arranjos tecnolgicos, dependendo do objetivo do

    tratamento. Contudo, os wetlands construdos necessitam de unidades de

    tratamento primrio montante. Diante disso, as diversas configuraes de lagoas

    seguidas de wetlands se mostram atrativas.

    Os trabalhos de Silva (2007) e de Silva e Roston (2010) apresentam a

    avaliao de uma ETE piloto composta por trs unidades, sendo uma lagoa

    anaerbia, uma lagoa facultativa e um ps-tratamento utilizando um wetland

    construdo. Os resultados da pesquisa demonstraram remoes totais de 80% para

    fsforo, 88% para amnia e nitrato, 89% para DQO, 67% para ST e 60% para

    turbidez e o pH mdio das amostras foi de 6,2. Contudo, foi relatado que a lagoa

    anaerbia projetada no suportou ao lanamento do efluente bruto, apresentando

    grande quantidade de slidos flotantes, mas isso no resultou em mudanas nas

    caractersticas do wetland, durante 280 dias de operao.

    Decezaro, et al. (2012) avaliaram a implantao e o incio de operao de

    duas unidades de wetlands construdos, um de fluxo horizontal (WCFH) e outro de

    fluxo vertical (WCFV), empregadas em paralelo no ps-tratamento de efluentes de

    lagoa de decantao, a qual recebia despejos de uma instalao de bovinocultura

    de leite na regio noroeste do Rio Grande do Sul. O trabalho de Pelissari (2013)

    apresenta os resultados de 12 meses de monitoramento do experimento descrito por

    Decezaro, et al. (2012), os quais demonstraram eficincias mdias de remoo de

    62%, 74%, 43%, 81%, 59% e 35% para DBO, DQO, ST, SS, N-NH4+ e P-PO4

    3-,

    respectivamente no WCFH e de 49%, 68%, 35%, 68%, 80% e 10% para DBO, DQO,

    ST, SS, N-NH4+ e P-PO4

    3-, respectivamente no WCFV, durante o perodo de estudo.

    Reatores UASB

    Os reatores UASB (Upflow Anaerobic Sludge Blanket) so considerados os

    reatores anaerbios de maior sucesso, por serem capazes de formar agregados

    densos por auto imobilizao e consequentemente permitirem a atuao do reator

    em alta taxa (KALYUZHNYI, FEDOROVICH e LENS, 2006).

    Segundo Campos (1999), o reator UASB um sistema compacto, com baixa

    demanda de rea, baixo custo, baixa produo de lodo, baixa necessidade de

  • 47

    nutrientes (N e P), produo de biogs com valor energtico, baixo consumo de

    energia, partida rpida aps longo perodo de parada, e lodo excedente mais

    estabilizado, o que facilita a sua disposio final.

    Tambm os reatores UASB foram avaliados para tratamento de guas

    residurias de bovinocultura de leite, representados nessa pesquisa pelo trabalho de

    Moraes e Paula Jnior (2004). Os autores avaliaram a biodegradabilidade de dejetos

    da bovinocultura e da suinocultura, sendo que nos ensaios, foram utilizados lodos

    granulados de trs origens diferentes (abatedouro de aves, bovinocultura ou

    suinocultura), adaptados ou no. Foi utilizada uma relao de substrato:biomassa

    igual a 0,5. Foram testados modelos cinticos dos tipos Monod, Ordem Zero,

    Primeira e Segunda Ordem onde verificou-se que o modelo de Primeira Ordem foi o

    que melhor se ajustou para os ensaios realizados.

    Para fins de lanamento do efluente em corpos hdricos, Matos (2005) afirma

    que o efluente do reator UASB necessita de um ps tratamento, que pode ser obtido

    em uma lagoa facultativa, por escoamento superficial no solo ou em unidades

    wetlands construdos.

    Decantao flotao desinfeco por radiao solar

    O tratamento composto por decantao seguida de flotao e desinfeco por

    radiao solar foi proposto por Johann (2010), em sua dissertao de mestrado. Os

    resultados da pesquisa demonstraram redues satisfatrias nas concentraes

    afluentes, principalmente para DBO, DQO e N-total. No caso do sistema de

    desinfeco com radiao solar os melhores resultados foram obtidos aps 24 horas

    de exposio ao sol.

    Comparao entre as alternativas apresentadas

    Na tabela 6 consta o desempenho de diferentes tratamentos, selecionados a

    partir desta reviso de literatura. Nessa tabela so apresentados os parmetros

  • 48

    avaliados em cada trabalho, a qualidade da gua residuria afluente e efluente aos

    tratamentos e as respectivas eficincias de remoo de parmetros fsicos, qumicos

    e biolgicos. Cabe ressaltar que nessa tabela esto apresentados os resultados

    mais satisfatrios de cada trabalho.

    Tabela 6 - Desempenho de diferentes tratamentos, aplicados a guas residurias de bovinocultura de leite.

    Autor Tratamento adotado Parmetros Afluente Efluente Eficincia

    Johann (2010)*

    Decantao flotao desinfeco por radiao solar

    DBO 3.500 102 97%

    DQO 3.038 272,8 91%

    SS 258 73,20 72%

    N-total 30,52 5,04 83%

    P-total 15,91 2,75 83%

    CF 170.000

  • 49

    Resoluo CONAMA 430/2011, entre outras exigncias, estabelece que efluentes

    de qualquer fonte poluidora somente podero ser lanados diretamente em corpos

    receptores aps remoo mnima de 60% de DBO5,20, devendo conter no mximo 20

    mg/L de nitrognio amoniacal total.

    3.4 Concluses

    Identificou-se tendncia pela utilizao de alternativas de tratamento que

    visam o reuso do efluente (como a fertirrigao) e a produo de energia (como os

    biodigestores) e tambm de alternativas de baixo custo e simplicidade operacional,

    como as lagoas de estabilizao e os wetlands construdos.

    Contudo, apesar das diversas tecnologias disponveis e aplicveis para

    tratamento das guas residurias de bovinocultura de leite no Brasil, atualmente

    predomina no pas a simples disposio dessas guas residurias no solo sem

    nenhum tratamento e muitas vezes na ausncia de critrios que considerem as

    caractersticas de cada tipo de solo e as necessidades nutricionais das culturas

    agrcolas.

    Diante do exposto, faz-se necessrio trabalhar para divulgao dessas

    tecnologias, e tambm para estabelecer critrios que estimulem e viabilizem a

    implementao dessas tecnologias em escala real nas unidades produtoras de leite

    brasileiras.

  • 4 WETLANDS CONSTRUDOS PARA TRATAMENTO DE EFLUENTES DE BOVINOCULTURA DE LEITE NA MESORREGIO NOROESTE DO RIO GRANDE DO SUL

    4.1 Introduo

    A atividade leiteira no estado do Rio Grande do Sul apresenta-se em

    crescente expanso. O estado est enquadrado em segundo lugar no ranking

    brasileiro de produo de leite, representando 12% da produo nacional (IBGE,

    2011). Na mesorregio noroeste deste estado, a bovinocultura de leite se destaca

    como uma das principais atividades agropecurias. Atualmente, esta mesorregio

    a maior produtora de leite nacional, com um volume de produo estimada de

    2.614.988 mil litros no ano de 2011 (ZOCCAL, 2012).

    Contudo, essa produo acarreta na gerao de efluentes lquidos que

    necessitam de gerenciamento adequado para garantir tal desenvolvimento e atender

    aos padres estabelecidos pela legislao. Segundo Cronk (1996), alm de slidos

    e DBO, nutrientes como nitrognio e fsforo so os constituintes mais importantes

    em guas residuais de animais, os quais so responsveis pela eutrofizao

    (CRONK, 1996).

    Assim, percebe-se a necessidade de alternativas tecnolgicas para

    tratamento desses efluentes. Nesse sentido, os wetlands construdos so uma

    alternativa bastante atrativa. Os wetlands construdos vm sendo cada vez mais

    utilizados no tratamento de guas residurias da agricultura por possibilitarem a

    remoo de nutrientes, particularmente nitrognio e fsforo (GOTTSCHALL, et al.,

    2007).

    Existem vrias configuraes de wetlands construdos, entre os quais

    destacam-se os de escoamento subsuperficial, tambm denominados de filtros

    plantados com macrfitas. Esses sistemas so muitas vezes, mdulos escavados no

    terreno, que dispem de um material de recheio (brita, areia ou cascalho) no qual o

    efluente a ser tratado percola, dependendo do tipo de fluxo empregado, no sentido

    horizontal ou vertical.

  • 51

    Os wetlands construdos de fluxo horizontal (WCFH) possuem zonas de

    entrada e sada (geralmente compostas por brita), e material filtrante (geralmente

    areia) preenchendo o restante do filtro. A alimentao ocorre por uma tubulao

    disposta na zona de entrada, a partir da qual o efluente percola pelo material

    filtrante, impulsionado por uma declividade de aproximadamente 1% no fundo at

    chegar zona de sada, onde coletado por uma tubulao de sada/drenagem

    (PELISSARI, 2013). J nos wetlands construdos de fluxo vertical (WCFV) a gua

    residuria a ser tratada disposta na superfcie do leito e percorre um caminho

    vertical, at atingir o fundo do leito, onde coletada. Segundo Cooper, et al. (1996),

    os WCFV tm como caracterstica principal a alimentao intermitente, que promove

    um grande arraste de oxignio atmosfrico para o material filtrante atravs da

    conveco e difuso (COOPER et al. 1996).

    Os WCFH apresentam, de forma geral, boa atuao na remoo de matria

    orgnica e slidos em suspenso, mas possuem limitada atuao nas

    transformaes das fraes nitrogenadas e fosforadas. J os WCFV vm sendo

    utilizados para remoo de DBO, SS e tambm para a promoo de nitrificao, em

    funo da aderncia de bactrias nitrificantes no material filtrante, e uma entrada de

    oxignio superior demanda de converso da matria carboncea (SEZERINO,

    2006).

    Diante disso, este captulo tem como objetivo avaliar a implantao, operao

    e performance de tratamento de duas unidades de wetlands construdos, uma de

    fluxo horizontal e outra de fluxo vertical, no tratamento de efluentes de bovinocultura

    de leite na regio noroeste do Rio Grande do Sul, sob clima subtropical.

    4.2 Metodologia

    A rea de estudo compreende as instalaes para manejo de bovinocultura

    de leite do Colgio Agrcola de Frederico Westphalen CAFW, rea anexa

    Universidade Federal de Santa Maria UFSM, campus de Frederico Westphalen,

    cidade esta, localizada na Mesorregio Noroeste do Rio Grande do Sul (figura 17).

    A bovinocultura de leite do CAFW possui 9 vacas em lactao, as quais

    produzem um total 140 litros de leite por dia em duas ordenhas. A gerao de

  • 52

    efluente resultante das guas de lavagens estimada atravs do consumo de gua

    dirio, em torno de 2.000 L/d.

    A partir de um projeto de pesquisa financiado pelo CNPq (edital MCT/CNPq N

    014/2010, sob registro junto a UFSM SIE 028374) foram instalados dois wetlands

    construdos dos tipos WCFH e WCFV, em paralelo, no tratamento do efluente de

    lagoa de decantao que recebe despejos da instalao de bovinocultura de leite.

    Figura 17 Localizao do municpio de Frederico Westphalen, mesorregio noroeste Rio-Grandense.

    O efluente gerado nas instalaes para manejo de bovinocultura de leite do

    CAFW captado por canaletas, e segue por gravidade em duas linhas, uma linha

    que conduz as guas de lavagem da sala de ordenha e outra da rea anexa,

    utilizada para alimentao dos animais, as quais direcionam o efluente para a lagoa

    de decantao existente (figura 18).

    As unidades wetlands foram projetadas para operar no tratamento secundrio

    do efluente gerado na lagoa de decantao, da seguinte forma: O efluente da lagoa

    de decantao direcionado a um equalizador de 3.000 L para a partir deste tanque

  • 53

    ser distribudo s duas unidades wetlands, em paralelo, sendo para o WCFH 4.500

    L/semana, distribudo apenas por gravidade e para o WCFV 4.500 L/semana, de

    forma intermitente, atravs de um sistema de bombeamento controlado por um

    temporizador. Aps passar pelos wetlands o efluente tratado segue para infiltrao

    em solo, sendo que para cada wetland h uma vala de infiltrao. Na figura 19

    apresentado um fluxograma da estrutura do sistema experimental.

    Figura 18 - Instalaes da bovinocultura de leite do CAFW

    Figura 19 - Estrutura do sistema experimental

  • 54

    O monitoramento do experimento compreendeu aes de controle de vazo,

    plantio e replantio das macrfitas quando necessrio, coleta de amostras e anlises

    laboratoriais. As anlises fsico-qumicas do efluente foram realizadas

    semanalmente, aps coletas pontuais, s 9:00 horas, em 3 pontos, sendo: (i) ps

    lagoa de decantao (no equalizador); (ii) - ps WCFH e (iii) - ps WCFV. Os

    parmetros analisados e a metodologia empregada esto descritos na tabela 7.

    Tabela 7 - Parmetros analisados e metodologia empregada.

    4.3 Resultados e discusso

    4.3.1 Construo do sistema experimental

    A construo do sistema experimental iniciou-se em maro de 2011. O

    dimensionamento foi realizado levando em considerao uma carga de 7,0 g

    DBO/m2.dia segundo a recomendao da Natural Resources Conservation Service -

    NRCS (1991) apud Healy, Rodgers e Mulqueen (2007) para o WCFH e de 20,0 g

    DQO/m2 .dia para o WCFV, estabelecido por Winter e Goetz (2003).

    Parmetros Metodologia empregada Unidade

    pH Direto, Potenciomtrico, pHmetro T- 1000 - Tekna ------- DQO Refluxo fechado, APHA, 2005 mg/L

    DBO5,20 Mtodo Manomtrico - APHA, 2005 mg/L Alcalinidade Mtodo Titulomtrico - APHA, 2005 mg/L

    SS Mtodo gravimtrico - APHA, 2005 mg/L ST Mtodo gravimetrico - APHA, 2005 mg/L

    NTK Macro-Kjeldahl - APHA, 2005 mg/L N-NH4 Mtodo Nessler - Vogel, 1981 mg/L N-NO2

    - Mtodo Alfanaftilamina - APHA, 1998 mg/L N-NO3

    - Mtodo Brucina - APHA, 1998 mg/L P-PO4

    3- Mtodo Colorimtrico do Acdo Vanadomolibdofosfrico - APHA, 2005

    mg/L

  • 55

    4.3.1.1 Escavao e Impermeabilizao

    Os wetlands foram escavados no solo, em cota inferior lagoa de

    decantao, cujas dimenses constam na tabela 8, sendo feita impermeabilizao

    nas laterais e no fundo com duas camadas de lona plstica e manta de polister na

    ltima camada (figura 20).

    Tabela 8 Caractersticas fsicas dos wetlands.

    Dimenses WCFH WCFV

    rea superficial 26,5 m2 14,3 m2

    Comprimento 6,7 m 4,4 m

    Largura 3,95 3,25 m

    Altura do filtro 1,15 m 1,15 m

    Altura do substrato 0,80 m 0,80 m

    Figura 20 Escavao em solo e impermeabilizao dos wetlands.

  • 56

    4.3.1.2 Preenchimento dos wetlands

    Utilizou-se brita 1 e areia grossa como substrato. Na figura 21 est

    apresentado como foi realizado o preenchimento dos wetlands com areia e brita.

    Esse material foi disposto dentro dos leitos com o auxlio de uma mquina trator,

    sendo seu espalhamento realizado manualmente, utilizando enxadas e ps,

    tomando-se cuidado para no adensar a areia. Por isso, a utilizao de tbuas, para

    melhor distribuio do peso dos trabalhadores em cima da areia, conforme figura 21.

    No WCFV utilizou-se uma camada de 10 cm de brita no fundo, na qual foi

    assentada a tubulao de drenagem/coleta. Acima da tubulao de coleta foi

    depositada mais uma camada de brita de 5 cm para proteger a tubulao, em

    seguida foi transferido para o filtro uma camada de 60 cm de areia e completado o

    enchimento do filtro com uma camada de 5 cm de brita para melhor distribuio do

    efluente.

    No WCFH utilizou-se areia como substrato e brita nas zonas de entrada e

    sada. Cada uma dessas camadas de brita ocupou cerca de 80 cm do comprimento

    do filtro.

    A areia empregada nos wetlands como material filtrante foi previamente

    submetida ensaio granulomtrico, realizado no Laboratrio de Materiais de

    Construo Civil - LMCC da UFSM, conforme NBR 7181 de dezembro de 1984

    (ABNT, 1984). Na figura 22 est apresentada a curva granulomtrica obtida no

    ensaio. Com a curva, obteve-se d10 (dimetro efetivo) de 0,30 mm, d60 de 0,75mm e

    coeficiente de uniformidade (U) de 2,50. Esses valores so considerados aceitveis

    para emprego em wetlands construdos, conforme recomendaes da literatura

    especializada: d10 superior ou igual a 0,20 mm; coeficiente de uniformidade menor

    ou igual a 5 unidades (BUCKSTEEG, 1990; CONLEY et al., 1991; COOPER et al.,

    1996; PLATZER, 1999; ARIAS et al., 2001 apud PHILIPPI e SEZERINO, 2004).

  • 57

    Figura 21 Preenchimento dos wetlands com areia e brita 1

    Figura 22 Curva granulomtrica obtida para a areia empregada nos wetlands

  • 58

    4.3.1.3 Tubulaes de distribuio e drenagem

    A tubulao de distribuio do efluente no WCFV foi composta por tubos PVC

    de 25 mm de dimetro com furos de 0,6 mm espaados a cada 5 cm. Nessa unidade

    o esgoto percola verticalmente at atingir a tubulao de coleta, situada no fundo do

    filtro e composta por tubos PVC de 40 mm de dimetro, com furos de 0,8 mm de

    dimetro, espaados a cada 10 cm (figura 23).

    J no WCFH, as tubulaes de distribuio e coleta foram compostas por

    tubos PVC de 50 mm de dimetro, tambm perfurados com furos de 8 mm de

    dimetro, espaados a cada 10cm (figura 24).

    Figura 23 Tubulaes do WCFV. a) tubulao de coleta/drenagem; b) tubulao de alimentao.

  • 59

    Figura 24 - Tubulaes empregadas no WCFH; a) vista da tubulao de alimentao do leito; b) detalhe da perfurao da tubulao de coleta.

    4.3.1.4 Plantio das macrfitas

    A macrfita empregada nos wetlands foi a Typha domingensis Pers.,

    conhecida popularmente como taboa. As mesmas foram retiradas do seu habitat

    natural (prximo ao local de estudo) e plantadas diretamente no material filtrante