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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA CAMILA TRIBESS A CRISE DA GRÉCIA: LIBERALISMO X ESTRUTURALISMO Trabalho apresentado à disciplina de Teoria das Relações Internacionais, aos Professores Alexsandro Pereira e Danielly Ramos, como trabalho final da disciplina. Curitiba, julho/2010

TRIBESS - A CRISE DA GRÉCIA, LIBERALISMO X ESTRUTURALISMO EM RI

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA

CAMILA TRIBESS

A CRISE DA GRÉCIA: LIBERALISMO X ESTRUTURALISMO

Trabalho apresentado à disciplina de Teoria das Relações Internacionais, aos Professores Alexsandro Pereira e Danielly Ramos, como trabalho final da disciplina.

Curitiba, julho/2010

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A CRISE DA GRÉCIA: LIBERALISMO X ESTRUTURALISMO

Resumo

Abordarei no trabalho final para a disciplina de Teoria das Relações Internacionais a atual crise econômica e política da Grécia, dentro do contexto das ações impostas pela União Européia. Analisarei essa situação sob dois marcos teóricos: o liberalismo clássico e o estruturalismo, especialmente da linha Leninista da teoria sobre o imperialismo e a linha cepalina do desenvolvimentismo, contrapondo essas duas teorias de forma a melhor entender as críticas que o estruturalismo tece a uma das teorias clássicas de RI, o liberalismo.

Introdução

A partir de abril de 2010 a Grécia entrou em grave crise econômica, que, segundo

analistas da área de economia, política e relações internacionais, pode afetar

gravemente a União Européia (U.E.). Com uma dívida maior do que a permitida pelo

acordo da U.E. e entre os países que adotam o Euro como moeda, a Grécia está com

dificuldades de pagar suas dívidas, contraídas por empréstimos feitos à grandes

bancos. Por esta dificuldade, o governo grego pediu ajuda financeira aos países

membros da U.E. e ao Fundo Monetário Internacional, no entanto, para receber essa

ajuda, precisou aprovar uma série de medidas de restrição econômica que causou

grandes protestos e contestações por parte de seus cidadãos. Essas medidas

polêmicas incluem a elevação da idade para aposentadorias, o congelamento de

salários, demissões e um pacote de aumento de impostos. No serviço público, as

medidas incluem também o congelamento salarial dos servidores, uma redução de

10% nas gratificações e de 30% sobre as horas extras, além da suspensão de novas

contratações até o fim do ano.

Nesse sentido, a análise desse trabalho será uma comparação do que a teoria

Liberal clássica apresenta como sendo os benefícios do livre mercado, do comércio

para os países e a importância de instituições internacionais para a pacificação do

sistema internacional. Em contraposição, compararemos o que as teorias

estruturalistas, principalmente a do imperialismo e a cepalina, falam sobre estes

mesmos temas. Nosso foco não é, portanto, da crise grega em si, mas a utilizamos

como exemplo atual do embate teórico entre liberais e estruturalistas, principalmente

os de viés marxista, quanto aos temas políticos, econômicos e internacionais.

O liberalismo

Teoria clássica das Relações Internacionais, o liberalismo tem sua inspiração em Kant.

O foco do liberalismo é nos interesses dos indivíduos, da sociedade e do governo no

plano interno, ou seja, dentro de cada Estado. Os liberais concordam com os realistas

quanto à natureza conflituosa da anarquia internacional. Para ambos, uma sociedade

sem governo dá lugar a discórdias incessantes entre interesses divergentes. Porém,

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os liberais acreditam que a situação de conflito pode ser mudada. A crença no

progresso estende-se às relações internacionais, afirmando-se a possibilidade de

transformar o sistema de Estados em uma ordem mais cooperativa e harmoniosa, com

as instituições, os regimes e, principalmente, o comércio, os sistemas podem se

desenvolver e se tornarem menos conflituosos. Para eles as organizações e redes

internacionais, bem como a mídia, podem favorecer um maior ordenamento interno e

internacional. Assim, o comércio, no liberalismo, gera diálogo, paz e desenvolvimento.

A explicação para isso seria que a busca do interesse egoísta pode ajudar na

conquista dos interesses gerais, pois o liberalismo supõe interdependência, tanto dos

atores quanto dos países.

O papel “civilizador” do comércio internacional se daria pelo fato de que, pelos

países precisarem de certos produtos de outros lugares, esses países acabariam se

entendendo de forma comercial e tolerando diferenças culturais. Os regimes

democráticos, na visão liberal, tendem a manter relações pacíficas entre si. As

instituições internacionais, que nascem da necessidade de comércio, passam a

promover a integração e o controle dos conflitos.

Para os liberais a paz é o efeito natural do comércio, uma vez que gera uma

relação de mútua dependência e interesses comuns entre as nações. Já para Kant, a

intensificação de trocas entre países contribuía para o desenvolvimento do princípio da

hospitalidade (acolhimento civilizado do estrangeiro) que, por sua vez, era um

elemento fundamental de uma paz cosmopolita. O comércio, no liberalismo, é

necessário e promove o bem-estar das nações, pois explora as mais diversas

possibilidades de economias e de produção. O comércio internacional seria, nessa

visão, indispensável para um desenvolvimento econômico contínuo e, portanto, para o

aumento progressivo da prosperidade das sociedades modernas.

O estruturalismo

Uma das principais correntes do estruturalismo se baseia na obra de Lênin sobre o

imperialismo. Este se dá na relação entre os países “potenciais capitalistas

dominantes” e as “colônias”. Os Estados estão subordinados aos interesses das

classes dominantes no plano interno. A introdução do conceito de classe nesse tema é

uma inovação de Lênin. Para ele, as classes dominadas dos países imperialistas

também são convencidas de que a exploração das colônias é importante. O

imperialismo corresponde à fase do capitalismo monopolista e as guerras (A I Guerra

Mundial, principalmente) são conflitos de interesses dos países imperialistas.

Lênin entende a política vinculada ao Estado e este como instrumento das

classes dominantes. No entanto, os Estados-colônias podem assumir uma postura de

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classe, se organizando contra os países imperialistas, assumindo assim uma

consciência de classe. Lênin pensa numa “Lei de desenvolvimento desigual”, onde

argumenta que os Estados não passam pelos mesmos processos e ritmos de

desenvolvimento, o que também serve de acirramento de conflitos, podendo até ser

motivo de guerras.

Outra corrente importante do estruturalismo de viés marxista é a corrente

oriunda da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e Caribe). Esta

corrente parte da teoria keynesiana e critica a teoria de Ricardo, que diz que nos

países mais industrializados, com o avanço da tecnologia, diminuiria os preços das

mercadorias produzidas nos países centrais (lei das vantagens comparativas); nessa

teoria os países periféricos sairiam ganhando ao exportarem produtos primários,

teoricamente mais valorizados então.

A teoria da CEPAL contesta a teoria de Ricardo, invertendo o argumento,

mostrando as desigualdades nas relações entre os países centrais e periféricos

(trabalhos de Raul Prebistch, principal expoente dessa linha, na década de 1950). A

demanda por produtos primários diminui, por causa da substituição por produtos

sintéticos. Além disso, a demanda por produtos modernos e tecnológicos feitos nos

países centrais cresce a cada geração.

Raúl Prebistch também aponta para o fato de que, nos países centrais, as

condições de trabalho, as organizações dos trabalhadores e os direitos conquistados

são maiores e melhores do que nos países periféricos. Existe aqui um escoamento de

riquezas dos países periféricos pros países centrais, sendo as multinacionais as

principais “bombas de sucção” desse processo. Por esta argumentação, é a própria

estrutura interna dos países periféricos que consolida a pobreza desses países. A

CEPAL recomendou a substituição de importações para resolver deficiências e a

dependência econômica predominante nos países periféricos. Além disso, o Estado

deve contribuir para o processo de desenvolvimento, além de garantir o valor da mão

de obra e demais direitos trabalhistas. Esse modelo é fundado no atendimento das

demandas do mercado interno (em contraposição ao modelo exportador).

O caso da Grécia

A partir desse breve relato das duas teorias em questão, vejamos o caso da Grécia e

sua crise no início desse ano. Num viés liberal pode-se imaginar que as medidas

econômicas adotadas favorecem o livre comércio, além de garantirem que o Estado

pague suas dívidas e permaneça na U.E., que é um sistema de cooperação

econômica (não apenas, mas principalmente) e que, portanto, favoreceria o

desenvolvimento econômico dos países membros.

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No entanto, é importante lembrar, conforme já o fez Keohayne, que o uso da

força para resolver questões econômicas, comerciais e políticas, principalmente

depois da década de 1960, é muito perigoso, pois pode afetar alianças importantes

com outros Estados, ou mesmo com outras áreas daquele Estado envolvido no

conflito. Assim, de forma breve, podemos dizer, seguindo a lógica estruturalista aqui

utilizada, que o Imperialismo não se utiliza mais apenas de armas, mas também – e

principalmente – como já havia mencionado Lênin, de dominações econômicas

severas. Assim, por todo um contexto histórico e econômico que não nos cabe aqui

analisar, podemos colocar a Grécia (junto com Portugal, Espanha e Irlanda) como os

países “colônias” dentro da U.E., com baixo desenvolvimento econômico e industrial,

além de muito dependentes economicamente. Assim, a análise dos cepalinos quanto à

fragilidade dos direitos trabalhistas nos países periféricos se aplica também à Grécia,

que com esta crise foi forçada, pelos países mais fortes que compõem a U.E. (no

caso, grandes países imperialistas no capitalismo, como Alemanha e França) a

abdicar dos direitos de seus trabalhadores a favor de dívidas com juros altíssimos que

foram contraídas também em momentos de crises econômicas como esta.

De maneira resumida, alegar, como fazem os liberais, que o comércio promove

integração pode ser visto como uma face muito ambígua das situações comerciais, já

que não leva em consideração que os países não estão em condições de igualdade

nas negociações comerciais, sendo que alguns podem impor medidas a outros,

enquanto que os países periféricos dependem sobremaneira de empréstimos,

produtos e importações dos países imperialistas.

Ao analisarmos essa situação-exemplo da crise grega pelo foco liberal, que se

preocupa principalmente com os interesses internos do país, certamente existem duas

possibilidades contraditórias para a Grécia. Permanecer na U.E. e efetuar o

pagamento de suas dívidas implica, necessariamente, em retirar direitos de seus

trabalhadores, barateando a mão de obra no país e, certamente, atraindo

investimentos das “bombas de sucção” das empresas multinacionais, favorecendo

ainda mais a fuga de capital para os países imperialistas que também compõem a

U.E.

Assim, os conflitos em questão hoje, não são mais os de guerra (ao menos não

nesse contexto), mas sim os conflitos de interesses econômicos, em que os países

periféricos são mantidos nessa posição pela pressão que fazem os países

imperialistas. Dessa forma, o pensamento do liberalismo clássico, de que o comércio e

a busca de interesses egoístas favoreceria para que os países se desenvolvessem e

alcançassem interesses gerais não se evidencia dentro da organização internacional

mais sólida que existe hoje sobre o globo, a União Européia.

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Então, as críticas estruturalistas à idéia de que os países passariam pelas

mesmas etapas de desenvolvimento bem como a negação, pelos estruturalistas, de

que possa existir negociações igualitárias entre países em diferentes posições

econômicas tornam-se muito válidas. Dessa forma, fica a questão da utilidade de

sistemas desse tipo (U.E.), que englobam países tão diversos. Na visão estruturalista,

principalmente leninista, apenas a organização dos países periféricos, como forma de

tomada de consciência de classe por parte dos Estados e das populações poderia

contrabalancear as negociações comerciais entre países periféricos e imperialistas. Da

mesma maneira, a indicação de que o Estado deve garantir os direitos trabalhistas,

investir na modernização do país e garantir o valor da mão de obra. Tudo o que o

governo grego deixou de fazer frente a esta crise, entrando assim, mais uma vez, no

ciclo de exploração e especulação imposto pelos países imperialistas.

Referências Bibliográficas BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Brasília: UNB, 2002. CASTRO, Marcus Faro de. Política e Relações Internacionais. Brasília: Ed. UnB, 2005. CERVO, Amado. Política Exterior e Relações Internacionais do Brasil : enfoque paradigmático. RBPI, 46(2), 2003. COX, Robert W. Gramsci, Hegemony, and International Relations: An Essay in Method. In: Approaches to World Order. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. JACKSON, R.; SORENSEN, Georg. Introdução às Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. LENIN, Vladimir. O imperialismo – fase superior do Capitalismo. São Paulo: Centauro, 2003. NOGUEIRA, João Pontes; Messari, Nizar. Teoria das Relações Internacionais: correntes e deb ates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. WALLERSTEIN, Immanuel. Capitalismo histórico e civilização capitalista. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001.

Fontes sobre a crise na Grécia

BBC Brasil, disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/04/100428_greciaquarta_ba.shtml CNN World, disponível em: http://www.cnn.com/2010/BUSINESS/02/10/greek.debt.qanda/index.html Folha de São Paulo, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u731283.shtml G1 Globo, disponível em: http://g1.globo.com/economia-e-negocios/noticia/2010/05/crise-da-grecia-e-teste-para-zona-do-euro-dizem-especialistas.html

Le Monde Diplomatique Brasil, disponível em:

http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id=706&PHPSESSID=7344ed5e82e51d5534f731688bd39468

O Estado de São Paulo, disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/not_18477.htm O Globo, disponível em: http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2010/05/06/entenda-crise-na-grecia-916519092.asp The Washington Post, disponível em: http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2010/05/07/AR2010050700642.html