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TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DA BAHIA AJU: ASSESSORIA JURÍDICA ORIGEM: UNIÃO DOS MUNICÍPIOS DA BAHIA - UPB PROCESSO Nº 13779e19 PARECER Nº 01711-19 CONSULTA. SANEAMENTO BÁSICO. PRESTAÇÃO REGIONALIZADA. LEGISLAÇÃO ESTADUAL. MICRORREGIÕES. ATRIBUIÇÕES DO COLEGIADO MICRORREGIONAL. CONTRATAÇÃO ISOLADA DE MUNICÍPIO INTEGRANTE DA MICRORREGIÃO. REQUISITOS. Além da comprovação do preenchimento dos requisitos legais autorizadores, devidamente presentes no processo administrativo que amparar a modalidade licitatória escolhida, acrescido dos requisitos específicos trazidos da LNSB e o Regulamento correlato, deve-se conter, dentre os documentos colacionados nos autos, a autorização expedida pelo colegiado microrregional ao qual faça parte, resultante de um processo decisório institucionalizado, pautado pelos princípios da independência, transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões, que não ofenda o pacto federativo brasileiro, marcado pela colaboração e integração dos entes federados. O Presidente da UNIÃO DOS MUNICÍPIOS DA BAHIA, Sr. Eures Ribeiro Pereira, por meio de expediente endereçado ao Presidente deste TCM, aqui protocolado sob o nº 13779e19, a respeito das licitações para prestação dos serviços de saneamento básico pelos municípios do estado da Bahia, levando-se em consideração a legislação de regência, questiona o seguinte: a) Quais são os requisitos que os Municípios, integrantes de uma das microrregiões de saneamento devem cumprir para a contratação dos serviços isoladamente, ou seja, por um prestador diverso daquele que presta os serviços na microrregião? b) A falta de algum dos requisitos torna nulo o processo licitatório porventura deflagrado pelo Município licitante?

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TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DA BAHIAAJU: ASSESSORIA JURÍDICAORIGEM: UNIÃO DOS MUNICÍPIOS DA BAHIA - UPBPROCESSO Nº 13779e19PARECER Nº 01711-19

CONSULTA. SANEAMENTO BÁSICO.PRESTAÇÃO REGIONALIZADA. LEGISLAÇÃOESTADUAL. MICRORREGIÕES. ATRIBUIÇÕESDO COLEGIADO MICRORREGIONAL.CONTRATAÇÃO ISOLADA DE MUNICÍPIOINTEGRANTE DA MICRORREGIÃO.REQUISITOS. Além da comprovação dopreenchimento dos requisitos legaisautorizadores, devidamente presentes noprocesso administrativo que amparar amodalidade licitatória escolhida, acrescido dosrequisitos específicos trazidos da LNSB e oRegulamento correlato, deve-se conter, dentre osdocumentos colacionados nos autos, aautorização expedida pelo colegiadomicrorregional ao qual faça parte, resultante deum processo decisório institucionalizado, pautadopelos princípios da independência, transparência,tecnicidade, celeridade e objetividade dasdecisões, que não ofenda o pacto federativobrasileiro, marcado pela colaboração e integraçãodos entes federados.

O Presidente da UNIÃO DOS MUNICÍPIOS DA BAHIA, Sr. Eures Ribeiro Pereira, por

meio de expediente endereçado ao Presidente deste TCM, aqui protocolado sob o nº

13779e19, a respeito das licitações para prestação dos serviços de saneamento básico

pelos municípios do estado da Bahia, levando-se em consideração a legislação de

regência, questiona o seguinte:

a) Quais são os requisitos que os Municípios, integrantes de uma dasmicrorregiões de saneamento devem cumprir para a contratação dos serviçosisoladamente, ou seja, por um prestador diverso daquele que presta os serviços namicrorregião?

b) A falta de algum dos requisitos torna nulo o processo licitatório porventuradeflagrado pelo Município licitante?

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Inicialmente, registre-se que os pronunciamentos desta Unidade, com relação aos

processos de Consulta, são confeccionados sempre em tese.

Na casuística, tendo em vista as peculiaridades de cada situação posta, esta Corte de

Contas, mediante decisão do Tribunal Pleno ou Câmara, pode emitir pronunciamento

dissonante sobre o assunto ora tratado.

Dito isto, passa-se a traçar os esclarecimentos necessários sobre o serviço público de

saneamento básico e a base normativa da matéria.

Em linhas gerais, o saneamento básico engloba o conjunto de medidas que visam

preservar ou alterar o meio ambiente, a fim de promover o bem-estar e garantir o direito a

saúde da população, alçado em sede constitucional:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, amoradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção àmaternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma destaConstituição.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediantepolíticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e deoutros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para suapromoção, proteção e recuperação.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo aoPoder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização econtrole, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e,também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. (grifos nossos)

Nas lições do professor Pedro Lenza (Direito Constitucional Esquematizado, 23ª edição,

2019, pg. 1320) é possível extrair a relevância do direito à saúde e das ações para sua

efetivação:

… os direitos sociais, direitos de segunda dimensão, apresentam-se comoprestações positivas a serem implementadas pelo Estado (Social de Direito) etendem a concretizar a perspectiva de uma isonomia substancial e social na buscade melhores e adequadas condições de vida, estando ainda, consagrados comofundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV, da CF/88).

É também no texto constitucional que se encontra a disciplina do saneamento básico. O

art. 21, inc. XX, estabelece que compete a União instituir diretrizes para o

desenvolvimento urbano, inclusive saneamento básico. Em seguida, o art. 23, inc. IX,

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atribui a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para

promoção da melhoria das condições de saneamento básico. Veja-se:

Art. 21. Compete à União: XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,saneamento básico e transportes urbanos;

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dosMunicípios: IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condiçõeshabitacionais e de saneamento básico; (grifos nossos)

Os recursos hídricos, necessários para a prestação dos serviços de saneamento, por sua

vez, têm a seguinte disposição constitucional:

Art. 20. São bens da União:III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio,ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou seestendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenosmarginais e as praias fluviais;

Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito,ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; (grifosnossos)

Sob esta perspectiva vislumbra-se uma das principais questões que envolvem a temática,

qual seja, o estreito relacionamento entre os entes federados nas demandas relacionadas

ao saneamento básico.

O modelo federativo brasileiro, salvaguardado como cláusula pétrea na CF/88 (art. 60,

§4º, I), denominado como “Federalismo por cooperação” ou “Federalismo de integração”,

é marcado por um extenso rol de competências comuns, impondo que todos os entes da

Federação colaborem para a execução dos mandamentos constitucionais.

O federalismo brasileiro é grifado ainda pela autonomia municipal, que, dentre outros

traços característicos, determinou a competência dos municípios nas seguintes searas:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

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II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suasrendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetesnos prazos fixados em lei;IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão oupermissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transportecoletivo, que tem caráter essencial;VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado,programas de educação infantil e de ensino fundamental;VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviçosde atendimento à saúde da população;VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, medianteplanejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada alegislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. (grifos nossos)

A doutrina é uníssona em afirmar que os serviços públicos de saneamento básico são

predominantemente de interesse local, atraindo a responsabilidade de sua execução para

os municípios; cabendo aqui alertar que a titularidade dos recursos hídricos (que como

sabido são da União e dos Estados, na forma da CF/88) não se confunde com a

titularidade do serviço de saneamento.

Sabendo-se da importância na melhoria do quadro sanitário brasileiro - vez que as

prestações dos serviços de saneamento, majoritariamente sob responsabilidade do setor

público, não foram capazes de propiciar a universalização e excelência do atendimento -

o Governo Federal, em 2007, cuidou de elaborar um Plano Nacional de Saneamento

Básico, estabelecendo diretrizes nacionais para o assunto, que culminou com a edição da

Lei Federal nº 11.445/2007.

Considerada o Marco Regulatório do setor, a Lei Federal nº 11.445/2007, acompanhada

do Decreto Regulamentador nº 7.217/2010, empenhou-se em elevar o nível de

salubridade ambiental do país, impondo uma série de medidas a serem adotadas pelos

titulares destes serviços públicos em prol do aperfeiçoamento do sistema.

Todavia, viu-se uma dificuldade da adequação dos municípios brasileiros à nova

perspectiva gerada pelo Marco Regulatório do setor, que se deu, dentre outras questões,

por fatores históricos, como bem dito no livro Direito Municipal Brasileiro, do Professor

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Isaac Newton Carneiro, 1ª edição, 2016, p. 834, quando, especificamente em relação aos

setores de abastecimento de água e esgotamento sanitário, asseverou:

O serviço de água ou fornecimento de água potável, tem sido dominado porempresas públicas, geralmente estaduais. Assim acontece porque os estados têmchamado para si, nestas últimas décadas, os serviços de fornecimento de água etratamento de esgotos; fato decorrente do poder de escala e da necessidade deconstantes e elevados investimentos para atender estas demandas. Contudo,apesar disto, o serviço continua sendo de responsabilidade dos municípios, quegeralmente os concede a estas empresas estaduais e os administra através deautarquias próprias: os SAAEs – serviços de abastecimento de água e esgoto.

Nas lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Parcerias na Administração Pública, 12ª

edição, págs. 65/66), a concessão de serviços públicos de saneamento a empresas

estatais teve contornos particulares:

Acompanhando a mesma tendência verificada em outros países, ocorreu no direitobrasileiro outro fenômeno: voltou-se a utilizar o instituto da concessão, nãopara delegar o serviço a particular, mas a empresas estatais sob controleacionário do poder público. (…)

Isso se deu por diferentes formas:

a. Em alguns casos, o serviço público foi atribuído a um ente da Federação edelegado a empresa estatal sob controle acionário de outro ente; foi o caso dosserviços de energia elétrica, de navegação aérea, de telecomunicações,concedidos a empresas sob controle acionário do Estado (em São Paulo, a Cesp,Eletropaulo, Vasp, Telesp etc); foi o caso também dos serviços de saneamentoatribuídos aos Municípios e concedidos a empresas estatais sob controleacionário do Estado (em São Paulo, a Sabesp). (grifos nossos)

Atualmente, observa-se uma tentativa de avançar nas propostas de modernização do

setor, dando mais segurança jurídica na exploração desses serviços, inclusive pela

iniciativa privada, que resultaram na edição de duas medidas provisórias (MP 844/18 e

MP 868/18), com validades encerradas, e de projetos de lei (PL 3261/19, 3235/19 e

3189/19), em fases avançadas de tramitação no Congresso Nacional.

De acordo com a Lei nº 11.445/2007, em vigor com as alterações trazidas pelas Leis nºs

12.862/2013 e 13.308/2016, a esfera principiológica que rege a prestação dos serviços

públicos de saneamento básico é composta pelos seguintes fundamentos:

Art. 2o Os serviços públicos de saneamento básico serão prestados com base nosseguintes princípios fundamentais:

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I - universalização do acesso;II - integralidade, compreendida como o conjunto de todas as atividades ecomponentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico,propiciando à população o acesso na conformidade de suas necessidades emaximizando a eficácia das ações e resultados;III - abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dosresíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção domeio ambiente;IV - disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem emanejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das respectivasredes, adequados à saúde pública e à segurança da vida e do patrimônio público eprivado;V - adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridadeslocais e regionais;VI - articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, dehabitação, de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental, depromoção da saúde e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoriada qualidade de vida, para as quais o saneamento básico seja fator determinante;VII - eficiência e sustentabilidade econômica;VIII - utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade depagamento dos usuários e a adoção de soluções graduais e progressivas;IX - transparência das ações, baseada em sistemas de informações e processosdecisórios institucionalizados;X - controle social;XI - segurança, qualidade e regularidade;XII - integração das infra-estruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursoshídricos.XIII - adoção de medidas de fomento à moderação do consumo de água.

Acerca do exercício dos serviços públicos, a Lei se deteve a traçar as diretrizes a serem

seguidas, não se atendo a definir a quem compete tais atribuições:

Art. 8o Os titulares dos serviços públicos de saneamento básico poderão delegar aorganização, a regulação, a fiscalização e a prestação desses serviços, nostermos do art. 241 da Constituição Federal e da Lei no 11.107, de 6 de abril de2005.

Art. 9o O titular dos serviços formulará a respectiva política pública de saneamentobásico, devendo, para tanto:

I - elaborar os planos de saneamento básico, nos termos desta Lei;II - prestar diretamente ou autorizar a delegação dos serviços e definir o enteresponsável pela sua regulação e fiscalização, bem como os procedimentos desua atuação;III - adotar parâmetros para a garantia do atendimento essencial à saúde pública,inclusive quanto ao volume mínimo per capita de água para abastecimento público,observadas as normas nacionais relativas à potabilidade da água;IV - fixar os direitos e os deveres dos usuários;V - estabelecer mecanismos de controle social, nos termos do inciso IV do caputdo art. 3o desta Lei;VI - estabelecer sistema de informações sobre os serviços, articulado com oSistema Nacional de Informações em Saneamento;

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VII - intervir e retomar a operação dos serviços delegados, por indicação daentidade reguladora, nos casos e condições previstos em lei e nos documentoscontratuais.

O legislador infraconstitucional, atento as particularidades de certas regiões brasileiras,

dispôs sobre a faculdade da prestação regionalizada, traçando os parâmetros a serem

seguidos nessa opção de execução.

Prestação regionalizada, nos termos da referida Lei e seu Decreto, é aquela que:

Lei nº 11.445/2007

art. 3º, VI - prestação regionalizada: aquela em que um único prestador atende a 2(dois) ou mais titulares;

Decreto Regulamentador nº 7.217/2010

art. 2º, X - prestação regionalizada: aquela em que um único prestador atende adois ou mais titulares, com uniformidade de fiscalização e regulação dos serviços,inclusive de sua remuneração, e com compatibilidade de planejamento;

Segundo o estudo divulgado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados

sobre a Lei Nacional de Saneamento, este dispositivo foi particularmente importante, por

reduzir os riscos na prestação dos serviços, já que houvera a:

Regulamentação da prestação regionalizada de serviços de saneamento básico,criando condições legais estáveis para a atuação de entidades e empresasestaduais, municipais e privadas em vários municípios, com ganhos de escala,otimizando recursos logísticos, administrativos, técnicos e operacionais. Melhoraas condições para que empresas estaduais, municipais e privadas ampliem suasatuações. (Aplicabilidade da Lei nº 11.445/2007 – diretrizes nacionais para osaneamento básico, julho/2008, fl. 10)

A disciplina da prestação regionalizada veio disposta no art. 14 e seguintes:

Art. 14. A prestação regionalizada de serviços públicos de saneamento básico écaracterizada por:

I - um único prestador do serviço para vários Municípios, contíguos ou não;II - uniformidade de fiscalização e regulação dos serviços, inclusive de suaremuneração;III - compatibilidade de planejamento.

Art. 15. Na prestação regionalizada de serviços públicos de saneamento básico, asatividades de regulação e fiscalização poderão ser exercidas:

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I - por órgão ou entidade de ente da Federação a que o titular tenha delegado oexercício dessas competências por meio de convênio de cooperação entre entesda Federação, obedecido o disposto no art. 241 da Constituição Federal;II - por consórcio público de direito público integrado pelos titulares dos serviços.Parágrafo único. No exercício das atividades de planejamento dos serviços a quese refere o caput deste artigo, o titular poderá receber cooperação técnica dorespectivo Estado e basear-se em estudos fornecidos pelos prestadores.

Art. 16. A prestação regionalizada de serviços públicos de saneamento básicopoderá ser realizada por:

I - órgão, autarquia, fundação de direito público, consórcio público, empresapública ou sociedade de economia mista estadual, do Distrito Federal, oumunicipal, na forma da legislação;II - empresa a que se tenham concedido os serviços.

Art. 17. O serviço regionalizado de saneamento básico poderá obedecer a planode saneamento básico elaborado para o conjunto de Municípios atendidos.

Art. 18. Os prestadores que atuem em mais de um Município ou que prestemserviços públicos de saneamento básico diferentes em um mesmo Municípiomanterão sistema contábil que permita registrar e demonstrar, separadamente, oscustos e as receitas de cada serviço em cada um dos Municípios atendidos e, sefor o caso, no Distrito Federal.

Parágrafo único. A entidade de regulação deverá instituir regras e critérios deestruturação de sistema contábil e do respectivo plano de contas, de modo agarantir que a apropriação e a distribuição de custos dos serviços estejam emconformidade com as diretrizes estabelecidas nesta Lei.

Nos diplomas legais encontram-se os detalhamentos do que são os serviços de

saneamento abarcados pelo Marco Regulatório, portanto, passíveis de prestação em

conjunto por entes da federação:

Lei nº 11.445/2007

I - saneamento básico: conjunto de serviços, infra-estruturas e instalaçõesoperacionais de:

a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infra-estruturas einstalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde acaptação até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição;

b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalaçõesoperacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dosesgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meioambiente;

c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamentoe destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza delogradouros e vias públicas;

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d) drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva dasrespectivas redes urbanas: conjunto de atividades, infraestruturas e instalaçõesoperacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ouretenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição finaldas águas pluviais drenadas nas áreas urbanas;

Decreto Regulamentador nº 7.217/2010

XI - serviços públicos de saneamento básico: conjunto dos serviços públicos demanejo de resíduos sólidos, de limpeza urbana, de abastecimento de água, deesgotamento sanitário e de drenagem e manejo de águas pluviais, bem comoinfraestruturas destinadas exclusivamente a cada um destes serviços;

No âmbito estadual, a Bahia editou a Lei estadual nº 11.172/2008, que instituiu a política

estadual de saneamento básico, trazendo em seu art. 3º o que segue:

Art. 3º - Fica instituída a Política Estadual de Saneamento Básico como o conjuntode princípios, diretrizes, planos, programas e ações a cargo dos diversos órgãos eentidades da administração direta e indireta do Estado da Bahia, com o objetivo deproporcionar condições adequadas de salubridade ambiental à população,especialmente por meio do acesso à água potável e aos demais serviços públicosde saneamento básico, bem como o controle social de sua execução, podendoser implementada através da cooperação e coordenação federativas. (grifonosso)

Posteriormente, optou por instituir microrregiões de saneamento básico através das Leis

estaduais nºs 47/2018 e 48/2019, em consonância com o permissivo constitucional

inserido no art. 25, §3º da CF/88 e reafirmado no Estatuto da Metrópole (Lei nº

13.089/2015 alterada pela Lei nº 13.683/2018):

CF/88

art. 25 § 3º Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiõesmetropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas poragrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, oplanejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

Estatuto da Metrópole

Art. 3º Os Estados, mediante lei complementar, poderão instituir regiõesmetropolitanas e aglomerações urbanas, constituídas por agrupamento deMunicípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução defunções públicas de interesse comum.

§ 2º A criação de uma região metropolitana, de aglomeração urbana ou demicrorregião deve ser precedida de estudos técnicos e audiências públicas que

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envolvam todos os Municípios pertencentes à unidade territorial. (NR – novaredação)

A Lei Complementar nº 48/2019, objeto central dos questionamentos ora formulados,

criou 19 microrregiões de saneamento básico no estado da Bahia, estabelecendo que

“cada microrregião possui natureza jurídica de autarquia intergovernamental de regime

especial, com caráter deliberativo e normativo, e personalidade jurídica de Direito

Público.”

Face a possibilidade da criação de regiões metropolitanas e microrregiões de

saneamento básico, o STF já assentou entendimento de que a compulsoriedade do

ordenamento regional não esvazia a autonomia municipal. É a inteligência da decisão

paradigmática ADI 1842-RJ:

(…)A essência da autonomia municipal contém primordialmente (i) autoadministração,que implica capacidade decisória quanto aos interesses locais, sem delegação ouaprovação hierárquica; e (ii) autogoverno, que determina a eleição do chefe doPoder Executivo e dos representantes no Legislativo.

O interesse comum e a compulsoriedade da integração metropolitana não sãoincompatíveis com a autonomia municipal. O mencionado interesse comum não écomum apenas aos municípios envolvidos, mas ao Estado e aos municípios doagrupamento urbano. (…)Nada obstante a competência municipal do poder concedente do serviço públicode saneamento básico, o alto custo e o monopólio natural do serviço, além daexistência de várias etapas – como captação, tratamento, adução, reserva,distribuição de água e o recolhimento, condução e disposição final de esgoto – quecomumente ultrapassam os limites territoriais de um município, indicam aexistência de interesse comum do serviço de saneamento básico.(…)A instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiõespode vincular a participação de municípios limítrofes, com o objetivo de executar eplanejar a função pública do saneamento básico, seja para atenderadequadamente às exigências de higiene e saúde pública, seja para darviabilidade econômica e técnica aos municípios menos favorecidos. Repita-se queeste caráter compulsório da integração metropolitana não esvazia a autonomiamunicipal.

Como bem destacado em artigo intitulado “Titularidade do serviço de saneamento

básico”, de Ricardo Marcondes Martins, publicado na Revista de Direito Administrativo

(www.bibliotecadigital.fgv.br), 2008, págs. 182/183:

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… muitas vezes o município deve, na prestação do serviço de saneamento,obedecer aos condicionamentos impostos na legislação estadual, tendo em vistaas particularidades ditadas pelo interesse regional.(...)Os municípios são os titulares do serviço de saneamento nas regiõesmetropolitanas, mas, ao prestá-lo, devem obedecer aos condicionamentos,justificados pelo interesse regional, impostos na legislação estadual.

Isto posto, retoma-se o exame da LC nº 048/2019. No diploma legal baiano encontra-se a

disciplina das microrregiões de saneamento básico da Bahia, sua estrutura de

governança, participação popular e transparência, além da composição, funcionamento e

atribuições do colegiado, aqui transcritos:

Art. 3º- São funções públicas de interesse comum das Microrregiões deSaneamento Básico o planejamento, a regulação, a fiscalização e a prestação dosserviços públicos de saneamento básico.

Art. 4º- Cada Microrregião de Saneamento Básico tem por finalidade exercer ascompetências relativas à integração da organização, do planejamento e daexecução de funções públicas previstas no art. 3º desta Lei Complementar emrelação aos Municípios que as integram, dentre elas:

I - aprovar objetivos, metas e prioridades de interesse regional, na área desaneamento básico, compatibilizando-os com os objetivos do Estado e dosMunicípios que a integrem, bem como fiscalizar e avaliar sua execução;II - apreciar planos, programas e projetos, públicos ou privados, relativos àrealização de obras, empreendimentos e atividades na área de saneamento básicoque tenham impacto regional;III - aprovar e encaminhar, em tempo útil, propostas regionais na área desaneamento básico, como sugestões ao Plano Plurianual, à Lei de DiretrizesOrçamentárias e à Lei Orçamentária Anual;IV - comunicar aos órgãos ou entidades federais que atuem na unidade regional asdeliberações acerca dos planos relacionados com os serviços na área desaneamento básico.

Art. 5º- Integram a estrutura de governança de cada Entidade Microrregional:

I - o Colegiado Microrregional, composto por um representante de cada Municípioque a integra e por um representante do Estado da Bahia; (...)

Art. 8º- O Colegiado Microrregional é instância máxima da autarquiaintergovernamental e deliberará somente com a presença de representantes deentes da Federação que, somados, detenham a maioria absoluta do número totalde votos, sendo que:

I - o número de votos do Estado da Bahia será 50 (cinquenta);II - o número de votos dos Municípios será no total de 50 (cinquenta), distribuídosentre os Municípios na proporção de sua respectiva população, nos termos doRegimento Interno.§ 1º - Cada Município terá direito a, pelo menos, 01 (um) voto no ColegiadoMicrorregional.

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§ 2º - As deliberações exigirão número de votos superior à metade do total devotos, podendo o Regimento Interno prever hipóteses de quórum qualificado.§ 3º - Presidirá o Colegiado Microrregional o Governador do Estado ou, na suaausência e impedimento, o Secretário de Infraestrutura Hídrica e Saneamento doEstado da Bahia.

Art. 9º - São atribuições do Colegiado Microrregional:

I - instituir diretrizes sobre o planejamento, a organização e a execução de funçõespúblicas de interesse comum, a serem observadas pelas Administrações Direta eIndireta de entes da Federação integrantes da Microrregião;II - deliberar sobre assuntos de interesse regional, em matérias de maiorrelevância, nos termos do Regimento Interno;III - especificar os serviços públicos de interesse comum, bem como, quando for ocaso, as correspondentes etapas ou fases e seus respectivos responsáveis;IV - aprovar os planos microrregionais e, quando couber, os planos intermunicipaisou locais;V - definir a entidade reguladora responsável pelas atividades de regulação e defiscalização dos serviços públicos de interesse comum, bem como estabelecer asformas de prestação destes serviços;VI - propor critérios de compensação financeira aos Municípios da Microrregiãoque suportem ônus decorrentes da execução de funções ou serviços públicos deinteresse comum;VII - autorizar Município integrante da Microrregião a, isoladamente,promover licitação ou contratar a prestação de serviços públicos desaneamento básico, ou atividades deles integrantes, por meio de concessãoou de contrato de programa;VIII - elaborar e alterar o Regimento Interno da Entidade Microrregional;IX - eleger e destituir o Secretário-Geral.

§ 1º - No caso do Colegiado Microrregional deliberar pela unificação na prestaçãode serviço público de saneamento básico, em dois ou mais Municípios queintegram a Microrregião, ou de atividade dele integrante, o representante legal daMicrorregião subscreverá o respectivo contrato de concessão ou de programarepresentando os entes da Federação interessados.

§ 2º - Havendo serviços interdependentes, deverá ser celebrado o respectivocontrato entre os prestadores, na forma prevista no art. 12 da Lei Federal nº11.445, de 05 de janeiro de 2007.

§ 3º - A unificação dos serviços em Municípios que possuem entidade ou órgãoprestador de serviços públicos de saneamento básico há pelo menos dez anosdependerá da aquiescência expressa do Município, por meio de manifestaçãoinequívoca de seu representante no Colegiado Microrregional. (grifo nosso)

O legislador estadual caminhou no sentido de integrar o sistema de saneamento básico

na Bahia em torno das microrregiões, provavelmente, em razão da característica da

infraestrutura de abastecimento de água e esgoto do território e das bacias hidrográficas

do estado, a fim de evitar possíveis impasses práticos nas formas legais de organização

dos serviços de saneamento básico.

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Daí porque a inserção da norma encertada no art. 9º, inc. VII, da Lei Complementar nº

48/2019 deve ser interpretada de modo a permitir a integração do serviço em prol da

coletividade e não como ferramenta de restrição de progressos nas contratações e, por

conseguinte, nas estruturas de saneamento público municipais.

A unificação não necessariamente é a regra da execução do serviço pela microrregião. O

art. 4º da aludida Lei é preciso ao deliberar que cada microrregião atuará na integração

do setor:

Art. 4º - Cada Microrregião de Saneamento Básico tem por finalidade exercer ascompetências relativas à integração da organização, do planejamento e daexecução de funções públicas previstas no art. 3º desta Lei Complementar emrelação aos Municípios que as integram, dentre elas:

I - aprovar objetivos, metas e prioridades de interesse regional, na área desaneamento básico, compatibilizando-os com os objetivos do Estado e dosMunicípios que a integrem, bem como fiscalizar e avaliar sua execução;II - apreciar planos, programas e projetos, públicos ou privados, relativos àrealização de obras, empreendimentos e atividades na área de saneamento básicoque tenham impacto regional;III - aprovar e encaminhar, em tempo útil, propostas regionais na área desaneamento básico, como sugestões ao Plano Plurianual, à Lei de DiretrizesOrçamentárias e à Lei Orçamentária Anual;IV - comunicar aos órgãos ou entidades federais que atuem na unidade regional asdeliberações acerca dos planos relacionados com os serviços na área desaneamento básico. (grifo nosso)

O objetivo primordial da lei estadual é integrar, o que significa inferir que não há em tal

norma uma unificação instantânea, isto é, a junção na exploração dos serviços não se dá

de modo automático, como não poderia deixar de ser, já que vários municípios baianos

têm seu sistema próprio de saneamento.

O mesmo art. 9º, que dispõe sobre a licitação isolada, informa em seu § 1º que a

unificação é apenas uma alternativa; já no § 3º, registra uma ressalva para os municípios

que possuírem prestação direta ou delegada por pelo menos 10 anos, como, por

exemplo, nos casos dos SAAES (serviços de abastecimento de água e esgoto),

instruindo que será necessário a anuência expressa do ente municipal para eventual

unificação do serviço:

art. 9º, § 1º - No caso do Colegiado Microrregional deliberar pela unificação naprestação de serviço público de saneamento básico, em dois ou mais Municípiosque integram a Microrregião, ou de atividade dele integrante, o representante legal

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da Microrregião subscreverá o respectivo contrato de concessão ou de programarepresentando os entes da Federação interessados.

Art. 9º, § 3º - A unificação dos serviços em Municípios que possuem entidade ouórgão prestador de serviços públicos de saneamento básico há pelo menos dezanos dependerá da aquiescência expressa do Município, por meio demanifestação inequívoca de seu representante no Colegiado Microrregional.

Insta anotar que, por se tratar de uma legislação recente e adstrita ao Estado da Bahia

não se vislumbrou estudos aprofundados sobre a figura da contratação isolada prevista

no art. 9º da Lei Complementar estadual nº 048/2019.

As ações judiciais de que se têm conhecimento, relativas as licitações deflagradas por

alguns municípios baianos, dada a brevidade nas proposituras, ainda estão pendentes de

julgamentos de mérito.

De tal sorte, sem a pretensão de esgotar o assunto, cabe aqui lançar algumas

considerações sobre os requisitos essenciais para a que um município, integrante de uma

microrregião de saneamento na Bahia, possa promover o ajuste de forma isolada do seu

agrupamento.

A rigor, qualquer contratação na Administração Pública deve obedecer todo o arcabouço

jurídico do Direito Administrativo, notadamente a Carta Magna, a Lei de Licitações e

Contratos administrativos e as leis extravagantes, dentre elas, algumas já aqui citadas,

como a LNSB, Estatuto da Metrópole e Estatuto da Cidade.

Toda ação do Poder Público pressupõe adequado planejamento, análise da viabilidade,

identificação da vantajosidade, detalhamento das questões técnicas, financeiras,

ambientais, além da observância dos princípios norteadores da Administração pública,

comprovados mediante devido processo administrativo.

Essa é a lição da ilustre Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito Administrativo.

São Paulo: Editora Atlas, 2006, p. 600):

… tudo o que a Administração Pública faz, operações materiais ou atosjurídicos, fica documentado em um processo; cada vez que ela for tomar umadecisão, executar uma obra, celebrar um contrato, editar um regulamento, o ato

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final é sempre precedido de uma série de atos materiais ou jurídicos, consistentesem estudos, pareceres, informações, laudos, audiências, enfim, tudo o que fornecessário para instruir, preparar e fundamentar o ato final objetivado pelaAdministração. (grifo nosso)

Deste modo, o processo licitatório deve ser autuado e processado regularmente como

todo e qualquer processo administrativo, devendo conter, além dos elementos

enumerados no art. 55 da Lei nº 8.666/1993, o quanto disposto no artigo 38 da referida

Lei de Licitações e Contratos, no que lhe for compatível, por se tratar de uma relação

contratual.

De grande valia são as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito

Administrativo, 34ª edição, pág. 717), quando, ao enfrentar o conceito de serviço público

enfatiza que o regime jurídico de Direito Público deve amparar a contratação:

[…] Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidadematerial destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmentepelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres epresta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de DireitoPúblico – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e derestrições especiais –, instituído em favor dos interesses definidos comopúblicos no sistema normativo. (g.n)

É oportuno registrar que, o Plano Nacional de Saneamento Básico é categórico ao

afirmar que para a execução direta ou indireta dos serviços são imprescindíveis o

preenchimento de algumas exigências.

Orienta o art. 10 da LNSB que, os titulares dos serviços de saneamento básico devem se

abster de celebrar contratos de natureza precária, o que, até a entrada em vigor da Lei,

era prática comum neste segmento:

Art. 10. A prestação de serviços públicos de saneamento básico por entidade quenão integre a administração do titular depende da celebração de contrato, sendovedada a sua disciplina mediante convênios, termos de parceria ou outrosinstrumentos de natureza precária.

A jurisprudência mais recente do STF, na mesma senda, ao analisar a modificação da Lei

de Concessões com a redação dada pela Lei nº 11.445/2007 fixou “interpretação

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conforme à Constituição conferida ao §1º do art. 42 da Lei 8.987/1995, no sentido de ser

imprescindível a realização de licitação prévia à nova delegação de terceiros.” (ADI 4.058

- DF), de modo a reduzir significativamente as avenças precárias.

Os requisitos mínimos necessários para prestação dos serviços de saneamento básico

estão descritos no art. 19 da LNSB e regulamentados no art. 25 do Decreto, abaixo

transcritos na sua integralidade:

Lei nº 11.445/2007Art. 19. A prestação de serviços públicos de saneamento básico observará plano,que poderá ser específico para cada serviço, o qual abrangerá, no mínimo:I - diagnóstico da situação e de seus impactos nas condições de vida, utilizandosistema de indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicose apontando as causas das deficiências detectadas;II - objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para a universalização,admitidas soluções graduais e progressivas, observando a compatibilidade com osdemais planos setoriais;III - programas, projetos e ações necessárias para atingir os objetivos e as metas,de modo compatível com os respectivos planos plurianuais e com outros planosgovernamentais correlatos, identificando possíveis fontes de financiamento;IV - ações para emergências e contingências;V - mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência eeficácia das ações programadas.§ 1o Os planos de saneamento básico serão editados pelos titulares, podendo serelaborados com base em estudos fornecidos pelos prestadores de cada serviço.§ 2o A consolidação e compatibilização dos planos específicos de cada serviçoserão efetuadas pelos respectivos titulares.§ 3o Os planos de saneamento básico deverão ser compatíveis com os planos dasbacias hidrográficas em que estiverem inseridos.§ 4o Os planos de saneamento básico serão revistos periodicamente, em prazonão superior a 4 (quatro) anos, anteriormente à elaboração do Plano Plurianual.§ 5o Será assegurada ampla divulgação das propostas dos planos de saneamentobásico e dos estudos que as fundamentem, inclusive com a realização deaudiências ou consultas públicas.§ 6o A delegação de serviço de saneamento básico não dispensa o cumprimentopelo prestador do respectivo plano de saneamento básico em vigor à época dadelegação.§ 7o Quando envolverem serviços regionalizados, os planos de saneamento básicodevem ser editados em conformidade com o estabelecido no art. 14 desta Lei.§ 8o Exceto quando regional, o plano de saneamento básico deverá englobarintegralmente o território do ente da Federação que o elaborou.

Decreto nº 7.217/2010

Art. 25. A prestação de serviços públicos de saneamento básico observará planoeditado pelo titular, que atenderá ao disposto no art. 19 e que abrangerá, nomínimo:I - diagnóstico da situação e de seus impactos nas condições de vida, utilizandosistema de indicadores de saúde, epidemiológicos, ambientais, inclusivehidrológicos, e socioeconômicos e apontando as causas das deficiênciasdetectadas;

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II - metas de curto, médio e longo prazos, com o objetivo de alcançar o acessouniversal aos serviços, admitidas soluções graduais e progressivas e observada acompatibilidade com os demais planos setoriais;III - programas, projetos e ações necessários para atingir os objetivos e as metas,de modo compatível com os respectivos planos plurianuais e com outros planosgovernamentais correlatos, identificando possíveis fontes de financiamento;IV - ações para situações de emergências e contingências; eV - mecanismos e procedimentos para avaliação sistemática da eficiência eeficácia das ações programadas.§ 1o O plano de saneamento básico deverá abranger os serviços de abastecimentode água, de esgotamento sanitário, de manejo de resíduos sólidos, de limpezaurbana e de manejo de águas pluviais, podendo o titular, a seu critério, elaborarplanos específicos para um ou mais desses serviços.§ 2o A consolidação e compatibilização dos planos específicos deverão serefetuadas pelo titular, inclusive por meio de consórcio público do qual participe.§ 3o O plano de saneamento básico, ou o eventual plano específico, poderá serelaborado mediante apoio técnico ou financeiro prestado por outros entes daFederação, pelo prestador dos serviços ou por instituições universitárias ou depesquisa científica, garantida a participação das comunidades, movimentos eentidades da sociedade civil.§ 4o O plano de saneamento básico será revisto periodicamente, em prazo nãosuperior a quatro anos, anteriormente à elaboração do plano plurianual.§ 5o O disposto no plano de saneamento básico é vinculante para o Poder Públicoque o elaborou e para os delegatários dos serviços públicos de saneamentobásico.§ 6o Para atender ao disposto no §1o do art. 22, o plano deverá identificar assituações em que não haja capacidade de pagamento dos usuários e indicarsolução para atingir as metas de universalização.§ 7o A delegação de serviço de saneamento básico observará o disposto no planode saneamento básico ou no eventual plano específico.§ 8o No caso de serviços prestados mediante contrato, as disposições de plano desaneamento básico, de eventual plano específico de serviço ou de suas revisões,quando posteriores à contratação, somente serão eficazes em relação aoprestador mediante a preservação do equilíbrio econômico-financeiro.§ 9o O plano de saneamento básico deverá englobar integralmente o território dotitular.§ 10. Os titulares poderão elaborar, em conjunto, plano específico paradeterminado serviço, ou que se refira à apenas parte de seu território. § 11. Os planos de saneamento básico deverão ser compatíveis com o dispostonos planos de bacias hidrográficas.

A existência de um plano municipal de saneamento básico prévio, nos moldes traçados

pela Lei Federal nº 11.445/2007 e Decreto nº 7.17/2010, acima transcritos, é essencial

para delimitar o que deverá ser contratado, reverberando na regularidade do feito.

A legislação, com acerto, fez referência ao plano de saneamento na hipótese de

prestação regionalizada:

Lei nº 11.445/2007

Art. 9o O titular dos serviços formulará a respectiva política pública de saneamentobásico, devendo, para tanto:

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I - elaborar os planos de saneamento básico, nos termos desta Lei;

Art. 11. § 4o Na prestação regionalizada, o disposto nos incisos I a IV do caput enos §§ 1o e 2o deste artigo poderá se referir ao conjunto de municípios por elaabrangidos.

Art. 17. O serviço regionalizado de saneamento básico poderá obedecer a planode saneamento básico elaborado para o conjunto de Municípios atendidos.

Art. 19. § 7o Quando envolverem serviços regionalizados, os planos desaneamento básico devem ser editados em conformidade com o estabelecido noart. 14 desta Lei.

Decreto nº 7.217/2010

Art. 43. O serviço regionalizado de saneamento básico poderá obedecer a planode saneamento básico elaborado pelo conjunto de Municípios atendidos.

Como a Lei facultou a elaboração do plano para o conjunto de municípios, o município,

interessado em promover contratação isolada, e o colegiado deverão deliberar sobre a

necessidade de elaboração de um plano específico para tal município ou a utilização do

plano microrregional, se existente, na contratação apartada pela microrregião.

Sobre a autorização exigida pela LC nº 48/2019, oportuno destacar sua disposição legal:

LC nº 48/2019 BAHIA

art. 9º, inc. VII - autorizar Município integrante da Microrregião a, isoladamente,promover licitação ou contratar a prestação de serviços públicos de saneamentobásico, ou atividades deles integrantes, por meio de concessão ou de contrato deprograma;

A autorização é instrumento intrínseco a atividade de regulação e fiscalização, por isso o

seu exercício pelo colegiado deverá obedecer os princípios elencados no art. 21 do

Marco Regulatório:

Art. 21. O exercício da função de regulação atenderá aos seguintes princípios:

I - independência decisória, incluindo autonomia administrativa, orçamentária efinanceira da entidade reguladora;II - transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões.

Mais uma vez recorre-se a ADI 1.842 RJ, a fim de repisar o caráter colaborativo e

conciliatório que deve permear as relações dos entes federativos em face aos serviços

públicos de interesse comum:

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O interesse comum é muito mais que a soma de cada interesse local envolvido,pois a má condução da função de saneamento básico por apenas um municípiopode colocar em risco todo o esforço do conjunto, além das consequências para asaúde pública de toda a região.

O parâmetro para aferição da constitucionalidade reside no respeito à divisão deresponsabilidades entre municípios e estado. É necessário evitar que o poderdecisório e o poder concedente se concentrem nas mãos de um único ente parapreservação do autogoverno e da autoadministração dos municípios.

Além da comprovação do preenchimento dos requisitos legais autorizadores,

devidamente presentes no processo administrativo que amparar a modalidade licitatória

escolhida, acrescido dos requisitos específicos trazidos da LNSB e o Regulamento

correlato, deve-se conter, dentre os documentos colacionados nos autos, a autorização

expressa no art. 9º, VII, resultante de um processo decisório institucionalizado, pautado

pelos princípios supradescritos.

A previsão contida no referido artigo guarda certa similitude com o Decreto nº 7.217/2010,

que, ao exigir, como condição de validade para a celebração de determinadas

modalidades de delegação, a autorização para contratação por entidade responsável

pela regulação:

art. 39 § 2o É condição de validade para a celebração de contratos de concessão ede programa cujos objetos sejam a prestação de serviços de saneamento básicoque as normas mencionadas no inciso III do caput prevejam:

I - autorização para contratação dos serviços, indicando os respectivos prazose a área a ser atendida; (g.n.)

Ultrapassado este tópico, cumpre pontuar que a resposta a segunda questão levantada

pelo Consulente careceria de uma análise casuística, o que, em sede consultiva, não é

cabível, na medida em que, conforme apontado anteriormente, nos processos de

Consulta esta Assessoria Jurídica se pronuncia em tese, à luz da legislação regente, nos

termos do art. 4º, VIII, do Regimento Interno desta Corte de Contas:

Art.4º - Compete ao Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia:

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VIII - decidir sobre consulta que lhe seja formulada por autoridade competente arespeito de dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais ou regulamentaresconcernentes a matéria que lhe seja legalmente afeta, na forma estabelecida nesteRegimento Interno, observado o disposto nos parágrafos 2º e 3º deste artigo;

Aqui, sublinhamos apenas que a disciplina das nulidades no Direito Administrativo, campo

de controvérsias doutrinárias, perpassa pela correção de certas falhas, em prol do

interesse público a ser tutelado.

O titular do exercício do serviço de saneamento a ser implementado, diante de situação

irregular, pode valer-se das prerrogativas que lhe conferem o ordenamento jurídico,

agindo no âmbito do seu controle interno, para reparar os seus próprios atos (autotutela),

quando estes se mostrarem eivados de vícios, o que pode ocorrer na elaboração de um

edital ou minuta de contrato, a título exemplificativo.

Neste sentido, insta registrar o posicionamento sumulado do STF:

SÚMULA STF 346A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.

SÚMULA STF 473A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que ostornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo deconveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, emtodos os casos, a apreciação judicial.

Não se pode olvidar que a intenção de toda a legislação que rege a matéria é alavancar

as ações de saneamento básico, a refletir em melhorias substanciais nas condições de

vida de muitos brasileiros.

Significativas são as considerações da FUNASA – Fundação Nacional de Saúde,

vinculada ao Ministério da Saúde, quando ressalta a relevância do tema:

... é preciso construir um pacto social para melhorar as condições de vida dapopulação e do meio em que vivem. A construção de um pacto social envolve aparticipação dos diversos atores locais e, para isso, é preciso que esse processoseja democrático e inclusivo. (Termo de Referência para elaboração de planomunicipal de saneamento básico - 2018)

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Alerte-se que, a criação das microrregiões de saneamento básico na Bahia não podem

se traduzir em usurpação de competências dos municípios, a exigir uma gestão

compartilhada, inclusive com participação e controle social, servindo como importante

instrumento de promoção da integridade ambiental e de desenvolvimento dos municípios

agrupados.

Diante de tudo quanto anteriormente exposto, conclui-se que a contratação de serviços

por município pertencente a microrregião de saneamento básico na Bahia estará sujeita a

verificação do preenchimento das exigências constantes em toda a estrutura normativa

nacional que abarca a matéria, além da autorização expedida pelo colegiado

microrregional ao qual faça parte, produzida por meio de processo decisório

institucionalizado, cujas decisões devem buscar consenso, que não ofenda o modelo

federativo integrativo brasileiro.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Salvador, 02 de outubro de 2019.

Tâmara Braga Portela

Assessora Jurídica

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